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Autoras: Profa. Giane Elis de Carvalho Sanino Profa. Maria Luiza Mazzieri Colaboradoras: Profa. Renata Guzzo Souza Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Prática Gerencial em Saúde Coletiva Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Professoras conteudistas: Giane Elis de Carvalho Sanino / Maria Luiza Mazzieri Giane Elis de Carvalho Sanino Doutora em Educação pela Universidade Nove de Julho (2013). Mestre em Educação pela Universidade Cidade de São Paulo (2003). Graduada em Enfermagem pela Universidade Mogi das Cruzes (1996). Profissional com experiência na área clínica e educacional, com atividade clínica voltada para a nefrologia e atuação em clínicas e hospitais (particulares e públicos). Possui vivência acadêmica em escolas técnicas e universidades, atuando tanto na parte administrativa quanto na pedagógica. Professora adjunta da UNIP nos cursos de Enfermagem, Educação Física, Fisioterapia e Nutrição. Atualmente, estuda as temáticas juventude e formação, políticas públicas de educação e saúde e mediação pedagógica na formação em EaD. Maria Luiza Mazzieri Mestre em Ciências da Saúde na área de Concentração em Enfermagem pela Universidade de Guarulhos (2003). Especialista em Administração Hospitalar pela Universidade de Ribeirão Preto (1995); em Enfermagem em Cardiologia pelo InCor, da Universidade de São Paulo (1996); e em Docência no Ensino Superior pela Universidade Cidade de São Paulo (2009). Graduada em Enfermagem pela Universidade de Guarulhos (1994). Profissional com experiência na área clínica e educacional, com atividade clínica na terapia intensiva de adultos em hospitais públicos. Possui vivência em escolas técnicas e universidades, atuando na coordenação e na área pedagógica. Professora adjunta da UNIP no curso de Enfermagem. Atualmente, estuda as temáticas de instrumentos básicos de enfermagem e educação em saúde. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S227p Sanino, Giane Elis de Carvalho. Prática Gerencial em Saúde Coletiva / Giane Elis de Carvalho Sanino, Maria Luiza Mazzieri. – São Paulo: Editora Sol, 2019. 240 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXV, n. 2-088/19, ISSN 1517-9230. 1. Sistema Único de Saúde. 2. Políticas de atenção à mulher. 3. Política nacional de humanização. I. Mazzieri, Maria Luiza. II. Título. CDU 614 W501.69 – 19 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Jacinara Albuquerque de Paula Elaine Pires Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Sumário Prática Gerencial em Saúde Coletiva APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE NO BRASIL ......................................................................9 1.1 Sistema Único de Saúde (SUS)........................................................................................................ 14 1.2 Lei Orgânica da Saúde (LOS) ............................................................................................................ 21 1.3 Determinação social do processo saúde-doença .................................................................... 24 1.4 Modelos tecnoassistenciais para operacionalização do SUS .............................................. 31 2 SAÚDE DA FAMÍLIA E PROGRAMAS PÚBLICOS DE CONTROLE DAS DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS ............................................................................................................... 46 2.1 Territorialização e adstrição da clientela .................................................................................... 52 2.2 Responsabilização e clínica ampliada .......................................................................................... 59 2.3 Programas públicos de controle das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) ................................................................................................................................. 66 2.4 Diabetes mellitus (DM) ....................................................................................................................... 77 2.5 Hipertensão arterial (HA) .................................................................................................................. 95 3 ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL E PSIQUIÁTRICA .....................................................................108 4 CONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER NO BRASIL: A ATUAL POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DA MULHER (PNAISM) ...........................................................................................................................................121 4.1 Câncer de mama .................................................................................................................................123 4.2 Câncer de colo do útero ..................................................................................................................128 Unidade II 5 DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS ......................................................................................................................152 5.1 Hanseníase ............................................................................................................................................154 5.2 Tuberculose ...........................................................................................................................................161 6 HUMANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA: O HUMANIZASUS ....................................................................175 7 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA), CONSELHO TUTELAR E CONSULTA DE ENFERMAGEM EM PUERICULTURA/ADOLESCENTE ...............................................178 7.1 Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e Conselho Tutelar ...................................178 7.2 Consulta de enfermagem em puericultura .............................................................................183 7.3 Consulta de enfermagem para o adolescente ........................................................................186 7.4 Criança e adolescente na escola: o Programa Saúde na Escola .....................................190 8 PROGRAMA NACIONAL DE IMUNIZAÇÃO (PNI) ...............................................................................198 7 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : Nom e do d ia gr am ad or - d at a APRESENTAÇÃO Esta disciplina trabalha de forma integrada às outras disciplinas do curso de Enfermagem relacionadas às políticas de saúde e objetiva capacitar o aluno na construção de sistemas conceituais interligados e aptos ao desenvolvimento de respostas eficazes, integrando as dimensões epistemológicas e metodológicas das práticas em enfermagem e saúde; práticas de enfermagem em saúde coletiva e práticas em saúde e enfermagem, caracterizando os diferentes elementos que estruturam as práticas de saúde nas dimensões individual e coletiva. INTRODUÇÃO Quando pensamos na atuação profissional da enfermagem, em muitas situações pensamos sobretudo no caráter do primeiro acolhimento e na triagem dos atendimentos realizados nos serviços de saúde, avançando para as práticas específicas de atendimentos de média e alta complexidade. Contudo, não podemos deixar de perceber as demais variáveis importantes dessa atuação profissional, que são encontradas não apenas na assistência, mas também nos campos da pesquisa científica, da prática educativa e da prática gerencial. Os profissionais da enfermagem têm avançado cada vez mais na articulação multidisciplinar das equipes de saúde, viabilizando a gestão administrativa das unidades de serviços de saúde em que atuam. Para melhor compreender a historicidade dessa profissão, Spagnol (2005) aponta que desde a Idade Média a enfermagem é atribuída à caridade, em que apenas o conforto aos doentes poderia ser ofertado. Contudo, no século XIX, na Inglaterra, a profissionalização desse trabalho começa a ser desenvolvida pela enfermeira Florence Nightingale, que se dedicava a institucionalizar a profissão e, através de seus esforços, começou a estabelecer a prática da enfermagem também na administração hospitalar para além das práticas assistenciais. Sendo pioneira nessa abordagem sobre práticas gerenciais na enfermagem, Nightingale escreveu livros importantes, como o chamado Notas para a Enfermagem, em que ressaltou que todos os benefícios de uma boa enfermagem, apresentados no livro, poderiam ser completamente anulados por deficiência na administração básica, ou melhor, por se ignorar como proceder para que o que é feito quando se está presente seja também feito quando se está ausente. Seus ensinamentos influenciaram práticas administrativas em enfermagem por todo o mundo, inclusive no Brasil. Em 1921, o dr. Carlos Chagas criou o Serviço de Enfermeiros de Saúde Pública. Após visitar serviços de saúde norte-americanos que utilizavam os preceitos nightingaleanos, Chagas se inspirou a aplicá-los por aqui também (SPAGNOL, 2005). Das ações de cunho sanitarista que eminentemente foram praticadas desde o início desse Serviço de Enfermeiros de Saúde Pública à atualidade, muitas alterações foram realizadas. Hoje a enfermagem já é considerada uma ciência com todo o seu corpo conceitual de conhecimentos, e a Saúde Coletiva, principalmente com a criação do SUS, ampliou seu escopo de ações, passando de medidas sanitaristas emergenciais para desenvolver a epidemiologia social; a enfermagem, dentro dessa nova perspectiva de atendimento, aparece em destaque, pois os enfermeiros são considerados gestores do caso, para coordenar e articular toda a ação multiprofissional. Além disso, a própria saúde coletiva, com o advento das Redes de Atenção à Saúde (RAS), passa a ser a porta de entrada e encaminhamento do usuário a todos 8 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a os serviços ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Sua ação não visa apenas o encaminhamento, e sim toda a gestão do caso desse usuário dentro do SUS. Dessa forma, cabe ao enfermeiro atender de forma resolutiva os usuários dos serviços de saúde em todos os ciclos vitais e de acordo com as especificidades de saúde, determinadas pelo perfil epidemiológico da população. 9 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Unidade I 1 ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE NO BRASIL Antes do estabelecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), viabilizado pela promulgação da Constituição Cidadã de 1988, o Brasil não possuía um sistema universalizante de atenção à saúde. Nos anos que antecedem a Constituição de 1988, vivíamos sob uma assistência à saúde dividida entre a medicina previdenciária e a saúde pública. A medicina previdenciária oferecia assistência aos trabalhadores que estavam na economia formal, com carteira de trabalho assinada e, majoritariamente, concentrados nos centros urbanos, com caráter essencialmente curativo. Por sua vez, a saúde pública, com ações paliativas e pontuais, se ocupava das zonas rurais e das populações em grande situação de vulnerabilidade social. A saúde pública era gerida pelo Ministério da Saúde, ao passo que a medicina previdenciária era administrada pelos Institutos de Pensão e Aposentadorias. Vivíamos o contexto social e político da ditadura militar, em que os militares se esforçavam para que se estabelecesse e se expandisse a assistência privada (PAIVA; TEIXEIRA, 2014). No quadro a seguir podemos ver os principais pontos da trajetória da saúde pública no Brasil: Quadro 1 Ano Evento Até 1808 Médicos vindos de Portugal e Europa para cuidar das classes socialmente privilegiadas Prática de medicina popular empírica com a soma da cultura dos portugueses mais índios e escravos africanos Até 1889 Fundadas as primeiras faculdades de Medicina no Brasil Principais preocupações: grandes epidemias, doenças mentais e hanseníases Criadas as primeiras instâncias de saúde no Brasil 1923 Criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP) – Lei Eloy Chaves 1932 Criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) 1953 Criação do Ministério da Saúde 1963 Realização da 3ª Conferência Nacional de Saúde 1965 Criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) 1974 Criação do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) 1977 Criação do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas) junto ao Inamps 1986 Realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde 1987 Criação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (Suds) 1988 Promulgação da nova Constituição do Brasil – Constituição Cidadã 1990 Promulgação das Leis Orgânicas da Saúde – Loas – Leis do SUS nos 8.080 e 8.142 1991 Aprovação da Norma Operacional Básica (NOB) – SUS 91 10 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I 1991 Criação da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) 1991 Criação da Comissão Intergestores Bipartite (CIB) 1993 Aprovação da NOB SUS 93 – Lei no 8.689 – extinguiu o Inamps 1996 Aprovação da NOB SUS 96 2000 Regulamentação da Emenda Constitucional nº 29 2001 Aprovação da Norma Operacional da Assistência à Saúde (Noas) – SUS – 01 2002 Aprovação da Noas – SUS – 02 2006 Aprovação do Pacto pela Saúde 2010 Aprovação da Portaria nº 4.279 – Redes de Atenção à Saúde (RAS) 2011 Aprovação do Decreto nº 7.508 – Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde (Coap) 2012 Lei Complementar no 141 – dispõe sobre o financiamento nas três esferas governamentais Saiba mais Para ampliar a visão sobre a história das políticas de saúde no país, assista ao filme: HISTÓRIA da saúde pública no Brasil: um século de luta pelo direito à saúde. Dir. Roberto Tapajós. Brasil. 2006. 60 minutos. Contudo, para avançarmos nessas transformações, foram necessárias profundas mudanças políticas e sociais, e um dos períodos mais marcantes dessa trajetória foi vivido nos anos de 1960, período em que vivíamos no Brasil o golpe militar. Paiva e Teixeira (2014, p. 18) destacam quais eram os aspectos que constituíam a saúde pública nos anos 1960. Referente a esta, o período foi marcado pela instauração de uma crise de recursos e pelo enfraquecimentoda capacidade de ação do governo federal. Podemos ilustrar esse processo com a crescente queda do financiamento da saúde no orçamento total da União de 2,21% para 1,40%, entre 1968 e 1972. Enquanto nesse mesmo período outras áreas, como transportes e forças armadas, recebiam entre 12% e 18% do orçamento, respectivamente. Entre o final dos anos 1960 e o primeiro triênio da década seguinte, o país passou de fato a assumir uma agenda neoliberal, ao seguir uma diretriz econômica internacional, com a consequente redução de gastos com políticas públicas sociais, como educação, moradia e lazer. A área da saúde não ficou afastada dessa agenda neoliberal, o que possibilitou a entrada de uma grande quantidade de capital estrangeiro no país. Contudo, esse capital não se traduziu em melhorias nas condições de vida da população e não trouxe incrementos na área da saúde, principalmente na pública. O que ocorreu foi um grande crescimento da saúde medicalizada, hospitalocêntrica, com enfoque curativo em detrimento de ações de promoção da saúde. A figura a seguir mostra a evolução dos leitos privados no país: 11 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA 2.121 1.996 1.744 1.708 1.596 1.476 1.425 1.423 944 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1973 1974 Figura 1 Desse modo, o Brasil viveu um momento ilusório de grande pujança econômica, com índices de crescimento em torno de 11% ao ano. No entanto, tal crescimento não se traduzia na melhoria das condições de vida de grande parte da população, na medida em que a concentração de renda, a perda do poder aquisitivo do salário mínimo, o aumento dos preços e a crise nos serviços públicos de transporte e de saúde eram o preço pago por um modelo econômico que privilegiava o desenvolvimento a partir da concentração da riqueza (PAIVA; TEIXEIRA, 2014). As charges a seguir evidenciam os impactos dessa política neoliberal instaurada no período da ditadura na saúde da população: Figura 2 12 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Figura 3 Lembrete Políticas públicas são as ações realizadas pelo Estado frente aos problemas sociais. O Estado é o local de reconhecimento, debate, planejamento e resolução dos problemas existentes na sociedade. De acordo com Paiva e Teixeira (2014), a partir do final da década de 1970, a crise econômica internacional proveniente do aumento do preço do petróleo, iniciado em 1974, atingiu fortemente o país. Embora o governo continuasse, por alguns anos, sustentando diversas iniciativas de investimento, chegava ao fim o ciclo e forte crescimento econômico, aspecto que favoreceria a ampliação das tensões sociais e o surgimento de diversas formas de mobilização popular por transformações políticas e mudanças nas condições sociais. Esse caldo de cultura daria origem aos primeiros movimentos pelas reformas no campo da saúde. Esses movimentos sociais ficaram conhecidos posteriormente como Reforma Sanitária e Reforma Psiquiátrica ou Luta Antimanicomial, e foram extremamente importantes como os precursores de uma agenda de saúde mais inclusiva para todos os segmentos sociais da população, com destaque aos grupos com maior vulnerabilidade social. Já na década de 1970, o Brasil ainda enfrentava uma grande repressão social através da ditadura militar, mas já apresentava sinais de organização social para o que resultaria na abertura política dos anos 1980. Faz-se essencial remontarmos os acontecimentos políticos para compreender como o Brasil avançou em uma constituição que se pautasse pelo Estado de Bem-Estar Social e pela universalização de direitos, que por muitos anos não fizeram parte da agenda do Estado. Foi durante os anos 1970 que muitas transformações ocorreram para que os avanços da saúde pública fossem viabilizados e para que o Sistema Único de Saúde fosse concretizado. 13 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Foram muitas as etapas e convenções realizadas em diversos setores da sociedade civil, e da representação política, para que fosse possível estabelecer um Sistema de Saúde Único com caráter universalizante. As múltiplas frentes que se envolveram nessa luta foram essenciais para garantir esse direito. Os profissionais de saúde também se organizaram para requerer melhores condições de trabalho e acesso a direitos trabalhistas. A existência de lutas organizadas, tanto as populares como as dos profissionais de saúde, foram essenciais para exercer a pressão necessária e ampliar o debate sobre a saúde pública no Brasil, instituindo dessa forma o movimento conhecido como Reforma Sanitária. No quadro a seguir, podemos visualizar como se deram esses avanços até a criação do SUS, na evolução dos temas que foram discutidos nas Conferências Nacionais de Saúde: Quadro 2 – Distribuição das Conferências Nacionais de Saúde Ano Nome Tema central 1941 1950 1963 1967 1975 1977 1980 1986 1992 1996 2000 2003 2008 2011 2015 I Conferência Nacional de Saúde II Conferência Nacional de Saúde III Conferência Nacional de Saúde IV Conferência Nacional de Saúde V Conferência Nacional de Saúde VI Conferência Nacional de Saúde VII Conferência Nacional de Saúde VIII Conferência Nacional de Saúde IX Conferência Nacional de Saúde X Conferência Nacional de Saúde XI Conferência Nacional de Saúde XII Conferência Nacional de Saúde XIII Conferência Nacional de Saúde XIV Conferência Nacional de Saúde XV Conferência Nacional de Saúde Situação sanitária e assistencial dos Estados Legislação referente a higiene e segurança do trabalho Descentralização na área de saúde Recursos humanos para as atividades em saúde Constituição do Sistema Nacional de Saúde e sua institucionalização Controle das grandes endemias e interiorização dos serviços de saúde Extensão das ações de saúde através dos serviços básicos Saúde como direito; reformulação do Sistema Nacional de Saúde e financiamento setorial Municipalização é o caminho Construção de modelo de atenção à saúde Efetivando o SUS: acesso, qualidade e humanização na atenção à saúde com controle social Saúde: um direito de todos e um dever do Estado. A saúde que temos, o SUS que queremos Políticas de Estado e desenvolvimento Todos usam o SUS. SUS na seguridade social. Política pública, patrimônio do povo brasileiro Saúde pública de qualidade para cuidar bem das pessoas Todos usam o SUS: SUS na seguridade social! Política pública, patrimônio do povo brasileiro Saúde pública de qualidade para cuidar bem das pessoas: direito do povo brasileiro TOTAL 15 Adaptado de: Sanino (2013). 14 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Saiba mais O Conselho Nacional de Saúde realizou uma síntese interessante sobre a história do SUS. Para saber mais sobre o assunto, acesse: BRASIL. Ministério da Saúde. SUS: a saúde do Brasil. Rio de Janeiro: Centro Cultural do Ministério da Saúde, 2008. Disponível em: <http://www.ccms.saude. gov.br/sus20anos/mostra/linhadotempo.html>. Acesso em: 23 ago. 2018. 1.1 Sistema Único de Saúde (SUS) O SUS é a maior e mais abrangente política de saúde à disposição de todos os cidadãos e cidadãs brasileiros, sendo reconhecido como uma das melhores políticas públicas que dialogam com o Estado de bem-estar social. Para entendermos como ele pode ser viabilizado, é essencial entender os contextos históricos e sociais que o circundam. Mas quais são as diretrizes que fundamentam o SUS e o fazem tão importante? Carvalho (1993, p. 13) apresenta algumas: — Saúde como direito de todos e dever do estado, ainda que se conte com a cooperação dos indivíduos, das famílias, da sociedade e das empresas. — Universalidade eequidade do acesso. — Fim da dicotomia entre promoção, prevenção, assistência e reabilitação, com ênfase na prevenção. — Integralidade na assistência ao indivíduo. — Gratuidade. — Descentralização com gestor único em cada esfera de governo. — Participação complementar do privado, com preferência para os filantrópicos e os sem fins lucrativos, ainda que a atividade privada seja livre, sob controle do estado. — Ênfase em algumas áreas como saúde do trabalhador, vigilância epidemiológica, sanitária, alimentação e nutrição, portadores de deficiência. — Participação comunitária efetiva através dos conselhos de saúde e das conferências de saúde. — Financiamento tripartite entre a união, estados e municípios e através dos recursos da seguridade Social. 15 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Vale destacar que os pontos levantados são fruto de grandes mobilizações, principalmente no tocante às questões apontadas pelos atores da Reforma Sanitária. Lembrete Esse movimento é considerado um divisor histórico entre as ações de saúde que ficavam na esfera do sanitarismo de emergência e as ações de saúde pública baseadas na epidemiologia social. Carvalho (2013) destaca que alguns atores tiveram relevância para o desenvolvimento de uma política de saúde inclusiva no país, veja-os no quadro a seguir: Quadro 3 Protagonistas Características Movimentos populares O cidadão politizado de bairros periféricos, principalmente de São Paulo, sem acesso à saúde, com destaque os movimentos populares, as associações de bairro e a Igreja Católica (comunidades eclesiais de base voltadas para o combate às iniquidades sociais). Universidades Surgiu de dentro das faculdades de Medicina com a necessidade de colocar os estudantes em contato com a realidade local, saindo do ambiente hospitalar, e também pela transformação dos departamentos de higiene em departamentos de medicina social, mais engajados com a realidade, o que culminou com uma nova geração de profissionais com uma nova visão do Brasil e seu momento, comprometidos com o social. Partidos políticos progressistas Na década de 1970, o MDB, que representava a resistência à ditadura, abrigava todos os militantes da esquerda que eram impossibilitados de se constituírem como partido. Esse partido buscava o trabalho junto com a comunidade na periferia dos grandes centros urbanos e em algumas prefeituras. Sua grande bandeira era: “não seremos prefeituras apenas tocadoras de obras, mas prefeituras voltadas para o social”. Nesse social estava a saúde do cidadão, que nenhuma cobertura tinha além dos planos de saúde para as empresas de maior porte e o Inamps para cuidar da saúde do trabalhador registrado e de empresas menores que não aderiam a planos de saúde. Depois do MDB, foi a vez dos partidos progressistas se libertarem da sigla emprestada. Além de grupos que aproveitaram siglas anteriores, houve grupos novos que fundaram partidos, como o PT. Todos esses partidos tinham em comum a defesa da saúde, juntando população e técnicos da saúde. Prefeituras com bandeiras progressistas Os municípios, por estarem mais perto das necessidades da população, carregavam o problema e a angústia do que não se fazia em saúde. Nesse cenário, em 1976, surgiram várias administrações municipais com a proposta de se comprometer com o social e não serem apenas prefeituras tocadoras de obras, o que foi denominado como movimento municipalista de saúde. Essas prefeituras sem financiamento da União, com o apoio de algumas universidades, junto a sanitaristas e simpatizantes, assumiram a proposta de fazer saúde para toda a população, em especial às camadas sociais mais desfavorecidas. Essa ação coincidiu com o movimento mundial de luta por melhora nas condições de saúde, que culminou na reunião de Alma-Ata e sua declaração com ênfase na Atenção Primária à saúde. Dessa forma, esses municípios estavam atrelados a um movimento mundial, com as equipes de Atenção Primária construídas por três profissionais: o médico, o enfermeiro e a nova categoria, denominada agentes de saúde. Adaptado de: Carvalho (2013). 16 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Saiba mais Para se aprofundar nas conferências internacionais de saúde, acesse: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Projeto Promoção da Saúde. As cartas da promoção da saúde. Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde. Projeto Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2002. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ publicacoes/cartas_promocao.pdf>. Acesso em: 4 set. 2018. É em meio a esse efervescente ambiente político que nossa redemocratização estava sendo concebida, e a Assembleia Constituinte sendo providenciada. Foram essas ações sociopolíticas que possibilitaram a implantação do Sistema Único de Saúde, concebido como um sistema que oferece e promove a universalização do acesso à saúde de forma descentralizada, o que permite que os investimentos se capilarizem por toda a malha nacional e que as decisões de poder sobre esse sistema não estejam reunidas em uma única esfera. Cada gestor tem a possibilidade de elencar as destinações prioritárias dos investimentos. Esse caráter descentralizado foi pensado para também estimular a participação popular, através dos conselhos de saúde regionais: municipais, estaduais e federais, sempre em caráter misto, ou seja, com representantes das esferas gestoras, profissionais e também das populações. A figura a seguir ilustra a composição dos conselhos de saúde: Conselheiros Representando o Governo/prestadores de serviço de saúde 25% Representando os profissionais de saúde 25% Representando o usuário 50% Figura 4 17 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Na criação do SUS, um dos princípios norteadores é o da integralidade, em que se propõe a atenção integral à saúde, na prevenção, no cuidado e na recuperação. Teixeira e Solla (2006, p. 139) ressaltam que: No contexto de restauração do Estado de Direito, propósito central da luta pela democratização do país na época, colocou-se na agenda política o debate em torno da Saúde como direito de cidadania, um dos temas da 8a Conferência Nacional de Saúde, em 1986, evento que marca a incorporação da proposta de constituição do SUS como política de Estado, formalizada posteriormente na legislação orgânica do setor. Nesse momento culminante do processo de luta pela RSB, os princípios e diretrizes do SUS foram apresentados e obtiveram o consenso entre os atores participantes do evento, assumindo-se, a partir daí, a imagem – objetivo de um sistema universal, integral e equitativo, construído a partir do desencadeamento de processos de descentralização e democratização da gestão, condições consideradas necessárias para a reorganização dos serviços. Essa reorganização foi objeto, inclusive, do debate travado no âmbito da Comissão Nacional de Reforma Sanitária, que produziu um documento no qual se revela a preocupação central com a garantia das condições político-institucionais e financeiras para a implementação dessa proposta, o que se desdobrou no espaço jurídico-parlamentar constituído pela Assembleia Nacional Constituinte e no Congresso Nacional, no final da década, onde as tensões em torno do debate das propostas com relação ao financiamento e institucionalização da participação popular na gestão do sistema de saúde geraram, inclusive, vetos à versão original da Lei no 8.080, superados em parte com a aprovação da Lei no 8.142, em 1990. O SUS se estabeleceu através da Constituição Federal de 1988, sendo regulamentado na Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre a organização eregulação das ações de saúde, e na Lei Federal nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que trata do financiamento da saúde e da participação popular. A promulgação da Lei Orgânica da Saúde (LOS)– Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 - dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Após sua implementação, o SUS continuou avançando em sua atuação, principalmente através dos programas Saúde da Família, Farmácia Popular e Samu, serviços implantados através do SUS. Embora o SUS seja um instrumento importantíssimo para a promoção de saúde na perspectiva do Estado do bem-estar social, há ainda grandes melhorias a serem realizadas, conforme aponta o estudo de Almeida (2013, p. 6-7): A curto, médio e longo prazo, o SUS tem diversos desafios, sobretudo por precisar de mais recursos e da otimização do uso do dinheiro público. Atualmente é investido o dobro de recursos na doença (internações, cirurgias, transplantes) do que nas ações básicas de saúde (vacinas e consultas) que 18 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I previnem a doença. Segundo ainda o Ipea, os problemas mais frequentes são a falta de médicos (58,1%), a demora para atendimento em postos, centros de saúde ou hospitais (35,4%) e a demora para conseguir uma consulta com especialistas (33,8%). De fato, trata-se de problemas crônicos de saúde pública no Brasil, devidos, em grande parte, a uma lógica que especialistas definem como imediatista e “hospitalocêntrica”. A ela deve substituir-se um sistema que priorize a Atenção Primária, o diagnóstico precoce e o trabalho de prevenção. Uma solução recomendada pela ONU desde 1978 (Declaração de Alma-Ata, da OMS, 1978) e já delineada na Lei Orgânica da Saúde nº 8.080, de 1990 (Brasil, 1990), que propunha uma rede de saúde descentralizada e hierarquizada, cujo polo coordenador deveria ser as Unidades Básicas de Saúde. Isso porque, afirma o documento da OMS, 80% dos problemas de saúde da população poderiam ser resolvidos por meio de uma atenção básica de qualidade. As figuras a seguir evidenciam as demandas de atendimento na atenção básica e os desafios no atendimento: Acolhimento, lista de problemas e diagnósticos População com demandas População com necessidades Barreiras ao acesso Cobertura populacional Carteira de serviços Custos de oportunidade Barreiras financeiras Barreiras culturais Barreiras geográficas Demanda por condições gerais e inespecíficas Demanda por pessoas hipertilizadoras Demanda por atenção domiciliar Demanda por autocuidado apoiado Demanda por condições crônicas agudizadas Demanda por enfermidades Demanda por atenção preventiva Demanda por condições agudas Demanda por condições crônicas não agudizadas Demanda administrativa Figura 5 – Demandas na APS na estruturação das respostas sociais 19 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Quadro 4 – Desequilíbrio entre as estruturas da oferta e da demanda na APS Estrutura da demanda Estrutura da oferta Por condições agudas Consultas médicas Por condições crônicas agudizadas Consultas de enfermagem Por condições gerais e inespecíficas Trabalhos em grupo Por condições crônicas não agudizadas Vacinação Por enfermidades Rastreamento de câncer de colo do útero Por pessoas hiperutilizadoras Visitas domiciliares Demandas administrativas Dispensação de medicamentos Por atenção preventiva Solicitação, coleta ou realização de exames Por atenção domiciliar Fornecimento de atestados médicos Por autocuidado apoiado Fonte: Conass (2015, p. 36). Como se dá a hierarquização do SUS? De acordo com Finkelman (2002), o principal órgão que sistematiza o SUS é o Ministério da Saúde (MS), que atua como interlocutor técnico das esferas estaduais e municipais, é de sua competência realizar o planejamento, o controle, a avaliação e a auditoria à estratégia nacional que viabiliza o SUS. É função do MS promover em específico a descentralização do SUS junto às demais autarquias, realizar a coordenação de serviços assistenciais de alta complexidade, redes nacionais de laboratórios, de sangue e hemoderivados em nível nacional. É também responsabilidade do MS regular as práticas do setor privado, prestador de serviços em saúde. A figura a seguir ilustra a organização hierárquica do SUS: Conselho Nacional Ministério da Saúde Comissão Tripartite Estados: Conass Conselho Estadual Secretarias estaduais Comissão Bipartite Municípios: Conasems Conselho Municipal Secretarias municipais Colegiado de gestão regional Municípios: Cosems Colegiado participativo Nacional Estadual Municipal Regional Gestor Comissões de intergestores Representações de gestores Figura 6 20 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I O quadro a seguir apresenta as principais atribuições de cada esfera de gestão: Quadro 5 – Atribuições de cada esfera de gestão Esfera Atribuições União Coordenar os sistemas de saúde de alta complexidade e laboratórios públicos. O MS planeja e fiscaliza o SUS em todo o país e responde pela metade dos recursos da área; a verba é prevista anualmente no Orçamento Geral da União. Estados Criar suas próprias políticas de saúde e ajudar na execução das políticas nacionais aplicando recursos próprios (mínimo de 12% de sua receita), além dos repassados pela União. Coordenar sua rede de laboratórios e hemocentros, definir os hospitais de referência e gerenciar os locais de atendimentos complexos da região. Repassar verbas aos municípios. Municípios Garantir os serviços de atenção básica à saúde e prestar serviços em sua localidade, com a parceria dos governos estadual e federal. Criar políticas de saúde e colaborar com a aplicação das políticas nacionais e estaduais, aplicando recursos próprios (mínimo de 15% de sua receita) e os repassados pela União e pelo Estado. Devem organizar e controlar os laboratórios e hemocentros. Administrar os serviços de saúde da cidade, mesmo os mais complexos. Distrito Federal Acumulam-se as competências estaduais e municipais, aplicando o mínimo de 12% de sua receita, além dos repasses feitos pela União. Adaptado de: Portal Brasil (2014). Confira no quadro a seguir as principais legislações e regulamentações do SUS: Quadro 6 Instrumentos legais Teor Constituição Federal Arts. 196 a 200. Lei no 8.080, de 19/9/90 Lei Orgânica da Saúde, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, e outras providências. Lei nº 8.142, de 28/12/90 Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde, e outras providências. Portaria no 2.203, de 5/11/96 Aprova a Norma Operacional Básica (NOB 01/96), que redefine o modelo de gestão do SUS. Lei no 9.836, de 23/9/99 Acrescenta dispositivos à Lei no 8.080. Emenda Constitucional nº 29, de 13/9/2000 Altera os arts. 34, 35, 156, 160, 167 e 198 da Constituição Federal e acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para assegurar os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde. Portaria no 373, de 27/2/2002 Aprovar, na forma do Anexo dessa Portaria, a Norma Operacional da Assistência à Saúde – Noas-SUS 01/2002. Lei no 10.424, de 15/4/2002 Acrescenta capítulo e artigo à Lei nº 8.080. Lei no 11.108, de 7/4/2005 Altera a Lei no 8.080. Resolução no 399, de 22/2/2006 Divulga o Pacto pela Saúde 2006 – Consolidação do SUS – e aprova as diretrizes operacionais do referido pacto. Decreto nº 7.508/2011 – ContratoOrganizativo da Ação Pública da Saúde (Coap) Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e à articulação interfederativa, e dá outras providências. 21 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Saiba mais O Ministério da Saúde tem uma publicação intitulada o SUS de A a Z, que esclarece com detalhes o sistema de saúde. Acesse: BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. O SUS de A a Z: garantindo saúde nos municípios. Brasília: Ministério da Saúde, 2009c. Disponível em: <http://bvsms.saude. gov.br/bvs/publicacoes/sus_az_garantindo_saude_municipios_3ed_ p1.pdf>. Acesso em: 27 ago. 2018. 1.2 Lei Orgânica da Saúde (LOS) Promulgada em 19 de setembro de 1990, a Lei no 8.080, conhecida como LOS, dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, e dá outras providências, a saber (BRASIL,1990a): Art. 1º Esta lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou privado. § 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. Art. 3o Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais. Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social. DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS). 22 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I § 1º Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde. § 2º A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar. A LOS foi o principal marco jurídico sobre a regulamentação da saúde no Brasil, é através dela que todas as ações de implementação são realizadas. Ela é bem abrangente e determina o caráter inclusivo da política de bem-estar social do SUS. Contudo, como podemos constatar no art. 4º, parágrafo 2º, esse dispositivo legal permite a participação da iniciativa privada no país, em caráter complementar, e também que os serviços públicos possam fazer acordos para o atendimento da população comprando os serviços da iniciativa privada. Essa ação pode ser considerada uma forma de sucateamento do SUS ao não melhorar as condições de atendimento nas instituições de saúde pública, que vão poder servir de forma indefinida à população e fazer acordos temporários, por meio das parcerias público-privadas, que podem ser muito lucrativas à iniciativa privada, como ocorreu principalmente na época da ditadura militar, em que as ações oferecidas pela iniciativa pública eram bem limitadas à população, mas com um aporte de recursos e benefícios amplos à iniciativa particular, que resultou no seu crescimento exponencial no país, enquanto os dados epidemiológicos da saúde da população eram precários, sem melhoras significativas nas condições sanitárias. Saiba mais Para se aprofundar relação da iniciativa privada com o financiamento público e compreender melhor o cenário atual, acesse: SARRETA, F. de O. As políticas públicas de saúde. São Paulo: Editora Unesp, 2009. Outro aspecto importante que foi determinado na LOS foram os princípios do SUS, que retratam de forma clara o conceito de saúde pública que se pretende, como resultado do intenso processo que foi a Reforma Sanitária. Os princípios do SUS se dividem em doutrinários (universalidade; integralidade; equidade e solidariedade) e, organizacionais (controle social; descentralização; regionalização/hierarquização; racionalização e resolutividade). Eles revelam uma proposta de saúde ampla, voltada para a epidemiologia social. Os doutrinários atendem toda a população (universalidade), independentemente de os usuários dos serviços de saúde estarem na economia formal; as ações de saúde são realizadas desde os níveis considerados simples até o atendimento em casos mais complexos (integralidade). Levam também 23 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA em consideração atender as pessoas de formas diferentes, pois os ciclos de vida não são iguais, e, consequentemente, os agravos na saúde também não serão. A equidade é um princípio de justiça social, pois propõe que seja atendido o diferente de forma diferente, para que todas as pessoas possam ser atendidas de forma melhor, por isso temos implantadas políticas de saúde voltadas a grupos diversificados - mulher, homem, criança, idoso, população indígena, população negra - como forma de atender esse princípio. O Contrato Organanizativo da Ação Pública da Saúde (Coap) trouxe o princípio da solidariedade, que é expresso pelo compartilhamento das responsabilidades de saúde e pelos três entes federados: união, estados e municípios. Quanto aos princípios organizacionais, temos garantido o controle social (ou participação popular) como forma de integrar as ações de saúde com a comunidade na qual as instituições se inserem. Além da instalação de ouvidorias, esse princípio é extremamente importante, pois se bem desenvolvido poderá levar ao empoderamento dos usuários sobre as condições de sua saúde. Essa ação, de fato, poderá trazer impactos significativos na promoção, prevenção, tratamento, cura e reabilitação em saúde. A descentralização e a regionalização/hierarquização são princípios que estão interligados, que levam a saúde para perto da comunidade, nos bairros, onde as ações de saúde devem ser planejadas de acordo com os dados epidemiológicos locais. Além de ser mais cômodo ao usuário o atendimento próximo a sua residência, esse princípio otimiza o planejamento das ações de saúde para o gestor, organizando os fluxos de atendimento e os encaminhamentos para outros serviços de acordo com o grau de complexidade, quando se fizerem necessários. A racionalização e a resolutividade deixam clara a proposta de ter uma saúde que seja eficiente, eficaz e efetiva. Independentemente de ser a saúde pública, o agravo e/ou a situação de saúde devem de fato ser resolvidos pelo serviço de saúde, e, para tal, deve haver uma racionalização nos custos, pois o País tem uma população enorme e com uma cobertura abrangente determinada pelos princípios da universalidade e integralidade. Saiba mais Para conhecer melhor o Decreto Presidencial nº 7.508 para regulamentar a LOS (Lei no 8.080/90), acesse: BRASIL. Ministério da Saúde. O Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde (Coap). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Articulação Interfederativa. Coordenação-Geral de Contratualização Interfederativa. Brasília: Ministério da Saúde, 2013d. Disponível em: <http:// portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2014/novembro/13/COAP.pdf>. Acesso em: 30 ago. 2018. 24 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e dod ia gr am ad or - d at a Unidade I Observação Cidadania é o direito de ter direitos, como o direito à vida, à liberdade, à igualdade e à saúde. O cidadão participa da vida em comunidade e segue os deveres para o bem comum. 1.3 Determinação social do processo saúde-doença Para compreendermos o que é saúde, muitas vezes pensamos em identificar o seu antagonista: a doença. Mas será que a saúde é apenas a ausência da doença? Para a OMS, desde 1947 essa compreensão não se limita à ausência da doença, pois o que determina a saúde é um estado completo de bem-estar físico, mental e social, não se restringindo à ausência de doenças ou enfermidades. Esse conceito de saúde não é tão simples de ser alcançado, na atualidade pode ser até considerado utópico, por isso os estudiosos do tema têm trabalhado com a questão da qualidade de vida, que é um conceito mais amplo e subjetivo, englobando várias concepções do processo saúde-doença. De acordo com Sanino (2013), definições mais práticas de saúde e doença tornam-se necessárias, e o desenvolvimento de critérios para determinar a presença de uma doença requer a definição de “normalidade” e “anormalidade”. Nesse sentido, pode ser difícil definir o que é normal e, frequentemente, não há uma clara distinção entre normal e anormal, especialmente quando são consideradas as variáveis contínuas com distribuição normal que podem estar associadas a diversas doenças. O conceito de saúde adotado no país foi expresso na Constituição Federal de 1988, no art. 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988). Sanino (2013) enfatiza que essa definição de saúde não aborda qual, de fato, seria o conceito de saúde. Contudo, a concepção avança no sentido de enfatizar os mecanismos para consegui-la, por meio da adoção de medidas nas esferas dos cuidados primários de saúde, que vão diretamente ao encontro das aplicações da epidemiologia na saúde da população. Diversos estudiosos evidenciaram que não existe um pensamento de saúde separada da doença, e sim um complexo processo saúde-doença, que envolve várias manifestações da população, sendo um campo propício para a atuação da saúde pública. Dessa forma, o que surge é um conceito ampliado de saúde, que engloba todas as manifestações sociais. Dessa forma, a saúde não é a mera ausência da doença, e sim a garantia de acesso a serviços de saúde e condições dignas de vida, saúde é ter qualidade de vida, significa ter uma vida digna e saudável. Para compreender o processo saúde-doença é imprescindível que sejam considerados os aspectos sociais que envolvem o indivíduo e que a população seja olhada de maneira analítica, pois o meio 25 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA ambiente é também condicionante importante do processo saúde-doença. Em um estudo sobre a evolução da enfermagem e o processo saúde-doença no Brasil, Ruben (2008) se debruçou sobre a participação da enfermagem, visto que são esses profissionais que possuem uma imensa flexibilidade de atuação nas diversas áreas hospitalares, da admissão de pacientes à gestão hospitalar. Nesse estudo, a pesquisadora se atém à dinâmica da enfermagem em desenvolver suas atividades ora na atuação hospitalar, ora na saúde coletiva, e conclui: O que se desvelou nesse estudo é que hoje os rumos que a Enfermagem vem tomando em sua história se relacionam diretamente com as políticas de saúde que vêm sendo adotadas ao longo dos anos no país. Com este estudo passei a perceber que a situação atual da Enfermagem se vincula diretamente com o seu passado histórico. Muitos acontecimentos relacionados às políticas de saúde ocorrem no país e influenciaram a profissão e a classe de enfermeiros, que ora estiveram voltados para a atuação hospitalocêntrica, curativista, ora estiveram voltados para a saúde preventiva, ou seja, de saúde coletiva. Essa flexibilidade da Enfermagem de se voltar mais fortemente para uma área e depois para outra acaba influenciando também a formação dos enfermeiros, e o que se percebe, até então, é que as universidades não vêm contrabalançando o tipo de ensino, ora elas se voltam muito para o ensino curativista, dentro dos hospitais, ora elas se voltam para a atenção preventiva (RUBEN, 2008, p. 61). No sentido de compreender melhor os aspectos que estão envolvidos no processo saúde-doença, apresentamos a figura a seguir: Fatores socieconômico, cultural, político e ambiental Incluindo: – Globalização – Urbanização – Envelhecimento populacional Fatores de risco intermediários Elevação da pressão sanguínea Elevação da glicemia Sobrepeso/obesidade Principais doenças crônicas Doença cardíaca Acidene vascular cerebral Câncer Diabetes Doença respiratória crônica Fatores de risco comuns modificáveis Tabagismo Consumo abusivo de álcool Dieta não saudável Fatores de risco comuns não modificáveis Idade Sexo Dieta não saudável Hereditariedade Figura 7 Para se aprofundar nessas questões, que são também uma preocupação internacional, em março de 2005, a OMS criou a Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde (Commission on Social Determinants of Health – CSDH). Após um ano, por meio de um decreto presidencial, foi criada no Brasil a Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS) com um mandato de dois anos (CNDSS, 2008). 26 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Diversos estudiosos sobre o tema e principalmente sobre os impactos das iniquidades trouxeram modelos explicativos sobre as relações entre os vários níveis de determinantes sociais e a situação de saúde. Entre esses modelos, a CNDSS resolveu adotar o de Dahlgren e Whitehead (1991), que serve de base para orientar a organização de suas atividades (CNDSS, 2008). A figura a seguir é o modelo de determinação social da saúde proposto por Dahlgren e Whitehead (1991). Co nd içõ es s ocio econô micas, culturais e ambientais gerais Es tilo de v ida dos indivíduos Re des socia is e comunitárias Produção agrícola e de alimentos Educação Ambiente de trabalho Desemprego Habitação Água e esgoto Serviços sociais de saúde Condições de vida e de trabalho Idade, sexo e fatores hereditários Figura 8 Saiba mais Para conhecer os outros modelos determinantes, recomendamos a leitura do texto A conceptual framework for action on the social determinants of health. COMMISSION ON SOCIAL DETERMINANTS OF HEALTH. A conceptual framework for action on the social determinants of health. 2007. Disponível em: <http://www.who.int/social_determinants/resources/csdh_ framework_action_05_07.pdf>. Acesso em: 27 ago. 2018. O modelo de Dahlgren e Whitehead inclui os Determinantes Sociais da Saúde (DSS) dispostos em diferentes camadas, segundo seu nível de abrangência e importância. Na camada mais próxima ao centro do modelo estão os determinantes individuais, até chegar a camada distal, em que se encontram os macrodeterminantes, que estão relacionados às decisões políticas. Os indivíduos estão na base do modelo, com suas características individuais de idade, sexo e fatores genéticos, que exercem influência sobre seu potencial e suas condições de saúde (CNDSS, 2008). 27 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Na camada imediatamente externa, aparecem o comportamento e os estilos de vida individuais, essa camada está situada no limiar entre os fatores individuais e os DSS, já que os comportamentos dependem não apenas de opções feitas pelo livre-arbítrio das pessoas, mas também de DSS,como, por exemplo, acesso a informações, propaganda, influência dos pares, alimentos saudáveis e espaços de lazer (CNDSS, 2008). A camada seguinte destaca a influência das redes comunitárias e de apoio, que são de fundamental importância para a saúde da sociedade como um todo. No próximo nível estão representados os fatores relacionados a condições de vida e de trabalho, a disponibilidade de alimentos e o acesso a ambientes e serviços essenciais, como saúde e educação, indicando que as pessoas em desvantagem social apresentam diferenciais de exposição e de vulnerabilidade aos riscos à saúde como consequência de condições habitacionais inadequadas, exposição a condições mais perigosas ou estressantes de trabalho e acesso menor aos serviços públicos. E no último nível, estão situados os macrodeterminantes, que possuem grande influência sobre as demais camadas e estão relacionados às condições econômicas, culturais e ambientais da sociedade, incluindo também determinantes supranacionais, como o processo de globalização (CNDSS, 2008). A CNDSS, em abril de 2008, apresentou seu relatório final com uma síntese da situação de saúde no país compreendida nos itens apresentados no quadro a seguir: Quadro 7 – Elementos de análise da situação de saúde no país pela CNDSS Áreas Aspectos Tendências da evolução demográfica, social e econômica Traça panorama geral da situação de saúde, descrevendo a evolução desses macrodeterminantes, particularmente nas últimas quatro décadas. Inclui dados sobre crescimento populacional, fecundidade, mortalidade, migrações, urbanização, estrutura do mercado de trabalho, distribuição de renda e educação. Estratificação socioeconômica e a saúde Apresenta a situação atual e tendências da situação de saúde no país, destacando as desigualdades de saúde segundo variáveis de estratificação socioeconômica, como renda, escolaridade, gênero e local de moradia. Condições de vida, ambiente e trabalho Apresenta as relações entre situação de saúde e condições de vida, ambiente e trabalho, com ênfase nas relações entre saneamento, alimentação, habitação, ambiente de trabalho, poluição, acesso à informação e serviços de saúde e seu impacto nas condições de saúde dos diversos grupos da população. Redes sociais, comunitárias e saúde Inclui evidências sobre a organização comunitária e redes de solidariedade e apoio para a melhoria da situação de saúde, destacando particularmente o grau de desenvolvimento dessas redes nos grupos sociais mais desfavorecidos. Comportamentos, estilos de vida e saúde Inclui evidências existentes sobre condutas de risco, como hábito de fumar, alcoolismo, sedentarismo, dieta inadequada etc., segundo os diferentes estratos socioeconômicos da população. Saúde materno-infantil e saúde indígena Por sua importância social e por apresentarem necessidades específicas de políticas públicas, são dedicadas seções especiais sobre saúde materno-infantil e saúde indígena. Adaptado de: CNDSS (2008). A seguir serão apresentados alguns gráficos com informações relevantes sobre os DSS, fruto do trabalho minucioso de análise da CNDSS: 28 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I 9,00 8,00 7,00 6,00 5,00 4,00 3,00 2,00 1,00 0,00 19 00 19 40 19 80 20 20 19 10 19 50 19 90 20 30 19 20 19 60 20 00 20 40 19 30 19 70 20 10 20 50 Itália Brasil França Figura 9 – Taxa de fecundidade total: Brasil, França e Itália (1900 a 2050) 1940 0 50.000.000 100.000.000 150.000.000 Po pu la çã o 200.000.000 250.000.000 300.000.000 1960 1980 2000 2020 20401950 1970 Anos 1990 2010 2030 2050 Grupos etários 0-14 15-64 65+ Total Figura 10 – População total, segundo grandes grupos etários: Brasil (1940 a 2050) 29 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA 12 4, 0 180 160 120 80 40 0 140 100 % 60 20 Brasil Norte 1960 1990 2000 2006 Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste 48 ,3 35 ,3 25 ,1 25 ,83 4, 7 44 ,6 12 2, 9 16 4,1 74 ,3 56 ,1 36 ,9 18 ,324 ,13 3, 6 11 0, 0 96 ,0 27 ,4 22 ,2 16 ,7 11 5, 0 31 ,2 24 ,7 19 ,5 Figura 11 – Evolução da mortalidade infantil: Brasil e Regiões (1960-2006) 80 50 20 70 40% 10 60 30 24,3 Sem instrução e menos de 1 ano 1 a 3 anos 4 a 7 anos 8 a 10 anos 11 a 14 anos 15 ou mais 34,4 42,0 45,9 51,5 68,1 0 Figura 12 – Proporção (%) de mulheres de 25 anos ou mais de idade que já realizaram alguma vez exame de mamografia, por anos de estudo: Brasil (2003) 30 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I 56,8 72,6 81,5 87,0 87,9 93,1 Sem instrução e menos de 1 ano 1 a 3 anos 4 a 7 anos 8 a 10 anos 11 a 14 anos 15 ou mais 100 90 80 70 60 50% 40 30 20 10 0 Figura 13 – Proporção (%) de mulheres de 25 anos ou mais de idade que realizaram alguma vez exame preventivo para câncer de colo uterino, por anos de estudo: Brasil (2003) Com a análise das informações apresentadas, podemos concluir que nas últimas três décadas o Brasil experimentou sucessivas transformações nos determinantes sociais das doenças, o que levou a uma melhora significativa dos indicadores de saúde, porém essa melhora foi constatada de forma divergente entre as classes sociais, ampliando a desigualdade já acentuada pelas diferenças regionais e sociais. Essa divergência pode ser observada da seguinte forma: nas regiões onde os grupos sociais são privilegiados economicamente, a melhoria dos indicadores de saúde foi acompanhada (SANINO, 2013). Nessa perspectiva, na atualidade, compreende-se que a promoção da saúde é um dos pilares do SUS, e nesse sentido a formação do profissional enfermeiro deve estar também voltada a uma forte ênfase na compreensão dos determinantes sociais da saúde, para que, de fato, dentro de sua área de formação possa atuar de forma a auxiliar os usuários dos serviços de saúde a manter um padrão elevado de saúde. Figura 14 31 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA 1.4 Modelos tecnoassistenciais para operacionalização do SUS O modelo tecnoassistencial para o gerenciamento da saúde se refere ao conjunto de iniciativas que uma sociedade elege para cuidar dos processos de saúde e doença de sua população, interligando os recursos humanos, tecnológicos e estruturais disponíveis para a aplicação do modelo escolhido. Para além das escolhas técnicas que conduzirão o processo de atenção à saúde, estes modelos tecnoassistenciais estão marcados por processos políticos e sociais em seu desenvolvimento, pois trata-se de uma convenção política com impactos sociais à condução da saúde pública (SILVA JÚNIOR; ALVES, 2007). No Brasil, percebemos que esse processo é bastante marcado em nossa historicidade, sendo possível perceber quais os modelos tecnoassistenciais foram aplicados em determinada época. A figura a seguir esquematiza os diversos fatores que estão envolvidos na escolha de um modelo tecnoassistencial em saúde. Visões/valores sobre direitos humanos e de cidadania Modelo assistencial em saúde Modelos de gestão e organização dos serviços Modos de gestão do trabalho e das equipes Diferentes necessidades de saúde face ao perfil epidemiológico e de morbimortalidade Grau de organização e valores orientadores de trabalhadores de saúde e usuários Corporativismo e diferente valorização social dos grupos profissionais Financiamento Conhecimentos acumulados e tecnologias disponíveis para o cuidado em saúde Cultura e subjetividade dos sujeitos: trabalhadores e usuários Paradigma de ciência e influência na produção de conhecimentos e organização dos serviços de saúde Arcabouço legislativo relativoao papel do Estado no setor saúde Macrocenário histórico-social Figura 15 Durante muitos anos foi instituído um modelo tecnoassistencial que privilegiava o corpo como um organismo, totalmente embasado em uma racionalidade científica cartesiana, que unido às forças do capital, passou a dominar e subjugar o corpo, baseado no modelo flexneriano. Este é amparado no 32 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I controle de riscos, o que pressupôs a mudança de um modelo clínico que opera por procedimentos médicos de base flexneriana, considerado responsável pelo padrão de incorporação tecnológica de alto custo. Esse modelo também é chamado de biomédico hegemônico (SANINO, 2013). Nessa perspectiva, é comum o uso do termo medicalização, conceito que foi publicitado em 1975 pelo filósofo e teólogo austríaco Ivan Illich diz respeito à superutilização de dispositivos da medicina institucionalizada no âmbito da sociedade industrial, que resultaria em iatrogênese clínica, iatrogênese social e em iatrogênese estrutural (SANINO, 2013). É notável que o advento do SUS é um marco relevante para a criação do modelo tecnoassistencial que o Brasil aplica hoje em suas políticas de saúde, como tentativa de superar o reducionismo do modelo flexineriano e, também, atender aos seus princípios e diretrizes. Silva Júnior e Alves (2007) destacam que na década de 1990, após muitas relutâncias e até mesmo entraves governamentais ao processo de implantação do SUS, a alternativa para mudança do modelo hegemônico veio com a Estratégia de Saúde da Família (ESF). A disseminação dessa estratégia e os investimentos na chamada rede básica de saúde ampliaram o debate em nível nacional e trouxeram questões para a reflexão, como, por exemplo, a forma de organização e hierarquização das redes assistenciais, em que a ideia predominante envolve uma “imagem em pirâmide” para a atenção à saúde, bem como a ideia da “complexidade crescente” em direção ao topo. Nessa estrutura, o hospital está no topo, a rede básica de saúde age como a porta de entrada ao sistema de saúde. No planejamento espera-se que a pirâmide organize a assistência em graus crescentes de complexidade, com a população fluindo de forma organizada entre os vários níveis por meio de mecanismos formais de referência e contrarreferência. A figura a seguir apresenta essa proposta piramidal em níveis de complexidade da assistência: Nível terciário: atenção hospitalar (resolve cerca de 5% dos problemas de saúde) Nível secundário: centros de especialidades e serviço de apoio diagnóstico terapêutico (SADT) (resolve cerca de 15% dos problemas de saúde) Atenção básica: Unidades Básicas de Saúde e estratégia de saúde da família (resolve mais de 80% dos problemas de saúde) Figura 16 – Modelo da pirâmide: hierarquização e regionalização do SUS Observação No sistema de referência e contrarreferência, os problemas de saúde que não forem resolvidos no nível da atenção básica deverão ser referenciados para os serviços de maior complexidade tecnológica. 33 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Para melhor compreendermos como a ESF e o programa de atenção básica à saúde compõem o modelo tecnoassistencial, Fertonani et al. (2015) destacaram que a ESF está incorporada na Política Nacional da Atenção Básica (Pnab) e resgata referências internacionais, como o desenvolvimento conceitual dos cuidados primários de saúde e os ideais e experiências de medicina de família acumulados em países como o Canadá, Cuba, Suécia e Inglaterra, que consistem em um conjunto de estratégias formuladas na Conferência de Alma-Ata. Os cuidados primários de saúde foram assumidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como estratégia para atingir a meta de “saúde para todos no ano 2000”, como reconhecimento da importância de práticas culturais em saúde e, sobretudo, da utilização de modos de atenção resolutivos e a custos suportáveis pelos diversos países. Dessa forma, a ESF reafirma os princípios e diretrizes do SUS, prescrevendo uma assistência que seja integral e contínua às famílias e comunidades, em seu espaço social, entendidas e atendidas a partir do local onde vivem, trabalham e se relacionam. Por meio do desenvolvimento de ações multiprofissionais em uma perspectiva interdisciplinar, a construção de relações acolhedoras e de vínculo de compromisso e de corresponsabilidade entre os profissionais de saúde e a população da região de abrangência da unidade de saúde, intervindo sobre os fatores de risco, com ênfase nos aspectos epidemiológicos locais e na promoção da saúde (FERTONANI et al., 2015). O quadro a seguir evidencia as principais características da ESF como forma de trazer um novo modelo tecnoassistencial em saúde, rompendo com o reducionismo do modelo biomédico flexneriano para trazer uma assistência em saúde resolutiva e integral para a população em que as equipes da atenção básica se inserem. Quadro 8 – Principais características da Estratégia da Saúde da Família Modelo biomédico Saúde da Família Hegemônico nos serviços de saúde. Organização das práticas de saúde com foco nas queixas dos indivíduos que procuram os serviços na identificação de sinais e sintomas e no tratamento das doenças. A promoção da saúde não é prioridade. Surge em 1994 e passa a constituir-se em estratégia privilegiada para superação dos problemas decorrentes do modelo biomédico e efetivação dos princípios do SUS. Desenha um “novo modelo assistencial e saúde”, inspirado na Atenção Primária à Saúde (APS) ampliando a abordagem aos problemas de saúde. Articula ações de promoção da saúde, prevenção e tratamento de doenças, e reabilitação. Prioriza a assistência individual, com ênfase na especialização e no uso de tecnologias do tipo material. Organiza a assistência a partir da demanda espontânea. Propõe a atenção à saúde com foco na família, grupos e comunidades. O indivíduo é entendido como um ser histórico e social, que faz parte de uma família e de determinada cultura. Considera os determinantes de saúde – doença para o planejamento em saúde – e propõe promoção da autonomia e da qualidade de vida. O trabalho é desenvolvido de forma fragmentada, com predomínio de práticas hierarquizadas e de desigualdade entre as diferentes categorias profissionais. Prevê o trabalho em equipe multiprofissional, que deve atuar na perspectiva interdisciplinar. Apresenta dificuldade na implantação da integralidade, tanto no entendimento da multidimensionalidade do ser humano, quanto na integração entre níveis de atenção. Falta de comunicação e integração entre os serviços que compõem as redes. Resgata o conceito de integralidade, indicando a atenção básica como porta privilegiada de acesso, articulada aos demais níveis de atenção. Prevê a construção de uma rede integrada de serviços de saúde que atenda o conjunto das necessidades de assistência de indivíduos e populações. A relação entre os níveis de complexidade inclui referência e contrarreferência. 34 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Formação profissional e produção de conhecimento fundamentado no modelo flexneriano de 1910. Profissionais de saúde formados por currículos que pouco valorizam o SUS e o modelo da Saúde da Família. Reconhece a importância de formar recursos humanos para o SUS. O planejamento em saúde é pouco utilizado como ferramenta de gestão, e temas como vínculo e acolhimento não são priorizados. Assume como um dos eixos centrais das práticas a construção de relações acolhedoras e de vínculo de compromisso e de corresponsabilidade entre os profissionais de saúde, gestores e população. Fonte: Fertonani et al. (2015, p. 1874). Embora a ESF tenha alcançado impactos positivos emalguns municípios, ainda por vários motivos, principalmente pela questão do subfinanciamento atrelada a mudanças significativas no perfil epidemiológico da população, a estratégia ainda não conseguiu transformar a lógica de atendimento à atenção aguda, mesmo estando diante de uma condição crônica. O que temos ainda instaurado é um modelo assistencial baseado no hospital, o que acaba realizando uma superlotação nos setores especializados. O quadro a seguir apresenta as principais diferenças entre as condições agudas e crônicas: Quadro 9 Variável Condição aguda Condição crônica Início Rápido Gradual Causa Usualmente única Usualmente múltiplas Duração Curta Indefinida Diagnóstico e prognóstico Comumente acurados Usualmente incertos Testes diagnósticos Frequentemente decisivos Frequentemente de valor limitado Resultado Em geral, cura Em geral, cuidado sem cura Papel dos profissionais Selecionar e prescrever o tratamento Educar e fazer parceria com as pessoas usuárias Natureza das intervenções Centrada no cuidado profissional Centrada no cuidado multiprofissional e no autocuidado Conhecimento e ação clínica Concentrados no profissional médico Compartilhados pelos profissionais e pessoas usuárias Papel da pessoa usuária Seguir as prescrições Corresponsabilizar-se por sua saúde em parceria com a equipe de saúde Sistema de atenção à saúde Resposta reativa e episódica Resposta proativa e contínua Fonte: Oliveira (2016, p. 27). Mendes coloca que esse atendimento das condições crônicas, se fossem agudas, poderia levar a uma crise de atendimento nos sistemas de saúde. A figura descreve essa situação: 35 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA UH UPA APS X Y B A TempoAPS: Atenção Primária à Saúde UPA: Unidade de Pronto-atendimento Ambulatorial UH: Unidade Hospitalar Figura 17 – Lógica da atenção às condições agudas aplicada às condições crônicas De acordo com Mendes (2012, p. 40-41): Esse gráfico mostra o curso hipotético da severidade de uma doença, em uma pessoa portadora de uma condição crônica. A região inferior, da base do gráfico até a linha A, representa, num determinado tempo, o grau de severidade da condição crônica que pode ser gerido rotineiramente pelas equipes de APS; o espaço entre a linha A e B representa, em determinado tempo, o grau de severidade da condição crônica que pode ser respondido por uma unidade de pronto-atendimento ambulatorial (UPA); e, finalmente, o espaço superior à linha B representa, em determinado tempo, o grau de severidade da condição crônica que necessita de pronto-atendimento numa unidade hospitalar (UH). Suponha-se que se represente a atenção a um portador de diabetes do tipo 2. Pela lógica da atenção às condições agudas, essa pessoa quando se sente mal, ou quando agudiza sua doença, busca o sistema e é atendida, na UPA (ponto X); num segundo momento, apresenta uma descompensação metabólica e é internada numa unidade hospitalar (ponto Y). Contudo, nos intervalos entre esses momentos de agudização de sua condição crônica não recebe uma atenção contínua, proativa e integral, sob a coordenação da equipe da APS. Esse sistema de atenção à saúde que atende às condições crônicas na lógica da atenção às condições agudas, ao final de um período longo de tempo, determinará resultados sanitários e econômicos desastrosos. O portador de diabetes caminhará, com o passar dos anos, inexoravelmente, para uma retinopatia, para uma nefropatia, para a amputação de membros inferiores, etc. A razão disso é que esse sistema só atua sobre as condições de saúde já estabelecidas, em momentos de manifestações clínicas exuberantes, autopercebidas pelos portadores, desconhecendo os determinantes sociais intermediários, os fatores de riscos biopsicológicos ou ligados aos comportamentos e aos estilos de vida e o 36 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I gerenciamento da condição de saúde estabelecida, com base numa APS de qualidade. Essa forma de atenção voltada para as condições agudas, concentrada em unidades de pronto-atendimento ambulatorial e hospitalar, não permite intervir adequadamente nos portadores de diabetes para promover o controle glicêmico, reduzir o tabagismo, diminuir o sedentarismo, controlar o peso e a pressão arterial, promover o controle regular dos pés e ofertar exames oftalmológicos regulares. Sem esse monitoramento contínuo das intervenções sanitárias não há como controlar o diabetes e melhorar os resultados sanitários e econômicos dessas subpopulações portadoras de diabetes. Dessa forma, a ESF parece funcionar mais como um programa em razão do alto grau de normatização operado pelo MS. Nos municípios de pequeno e médio porte, a rede tende a cobrir o conjunto da população – dependendo das forças políticas –, contribui para a reorganização do sistema e funciona como porta de entrada. Nos municípios de grande porte ou nas metrópoles, a tendência predominante é focalizar suas ações na população de baixa renda, residente em comunidades carentes e áreas periféricas, o que parece ter se estruturado ao longo do tempo como um modelo de Atenção Primária à saúde, atendendo na lógica das condições agudas (SANINO, 2013). Em vista desse cenário de crise de atendimento no SUS, como forma de promover uma atenção em saúde resolutiva, surge a proposta das RAS. A figura a seguir apresenta essa nova proposta de estruturação de atendimento no SUS: Figura 18 – Mudança dos sistemas piramidais e hierárquicos para Redes de Atenção à Saúde De acordo com Alencar et al. (2012), o conceito das Redes não é novo e vem sendo discutido desde a década de 1920 na Inglaterra, passando a ser ponto de intensa discussão na agenda dos programas de saúde brasileiros a partir de 2006, com a aprovação do Pacto pela Saúde. O quadro a seguir sintetiza os principais conceitos sobre as RAS: 37 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Quadro 10 Box 2. Diferentes conceitos de Redes de Atenção à Saúde Organização Panamericana de Saúde: “Redes integradas de serviços de saúde, ou sistemas organizados de serviços de saúde, ou sistemas clinicamente integrados ou organizações sanitárias integradas podem ser definidas como uma rede de organizações que presta ou provê os arranjos para a prestação de serviços de saúde equitativos e integrais a uma população definida, e que se dispõe a prestar contas pelos seus resultados clínicos e econômicos, e pelo estado de saúde da população à qual ela serve”. Shortell et al.: “redes de organizações que prestam um contínuo de serviços a uma população definida e que se responsabilizam pelos resultados clínicos, financeiros e sanitários relativos a essa população”. Castells: “são novas formas de organização social, do Estado ou da sociedade, intensivas em tecnologia de informação e baseadas na cooperação entre unidades dotadas de autonomia”. WHO: é “a gestão e a oferta de serviços de saúde de forma a que as pessoas recebam um contínuo de serviços preventivos e curativos, de acordo com as suas necessidades, ao longo do tempo e por meio de diferentes níveis de atenção à saúde”. Mendes: “organizações poliárquicas de conjuntos de serviços de saúde, vinculados entre si por uma missão única, por objetivos comuns e por uma ação cooperativa e interdependente, que permitem ofertar uma atenção contínua e integral a determinada população, coordenada pela atenção primária à saúde – prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo, com a qualidade certa, de forma humanizada e com equidade – com responsabilidades sanitária e econômica e gerando valor para a população”. Fonte: Alencar et al. (2012, p.12). Desde 1920 até a atualidade, adotou-se oficialmente o conceito de queas RAS são diferentes formas de organização do sistema, mas sempre integradas e apoiadas por diferentes sistemas de apoio e logísticos que fazem parte do Sistema Único de Saúde e que têm na Atenção Primária um ponto de apoio, um elemento estruturante responsável por interligar os seus diferentes níveis e pontos de atenção, objetivando a integralidade da atenção aos usuários dos serviços de saúde (ALENCAR et al., 2012). No país, as RAS foram legalizadas por meio da Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010, que estabelece diretrizes para a organização das redes de atenção à saúde no âmbito do SUS, e pelo Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamenta a Lei nº 8.080/90. Na portaria ministerial, são definidas “como arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas, que, integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado”. No decreto presidencial, explicita-se que “a integralidade da assistência à saúde se inicia e se completa na Rede de Atenção à Saúde” (MENDES, 2012). A Portaria nº 4.279/2010 define os seguintes elementos como atributos essenciais das RAS (OLIVEIRA, 2016, p. 32): — População e territórios definidos. — Extensa gama de estabelecimentos de saúde prestando diferentes serviços. — APS como primeiro nível de atenção. — Serviços especializados. 38 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I — Mecanismos de coordenação, continuidade do cuidado e assistência integral fornecidos de forma continuada. — Atenção à saúde centrada no indivíduo, na família e nas comunidades, levando em consideração as particularidades de cada um. — Integração entre os diferentes entes federativos a fim de atingir um propósito comum. — Ampla participação social. — Gestão integrada dos sistemas de apoio administrativo, clínico e logístico. — Recursos suficientes. — Sistema de informação integrado. — Ação intersetorial. — Financiamento tripartite. — Gestão baseada em resultados. As RAS devem ter três elementos constituintes: a população; a estrutura operacional; e um modelo de atenção à saúde, conforme a figura a seguir: RAS Modelo de saúde Sistema de governança Centro comunicador (APS) Pontos de atenção secundários População Sistema logístico Sistema de apoio Pontos de atenção terciários Figura 19 – Elementos constitutivos da Rede de Atenção à Saúde 39 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA De acordo com OLIVEIRA (2016), a população deve ser segmentada, subdividida em subpopulações por fatores de risco em relação às condições de saúde. Esses elementos são definidos pelo Plano Diretor de Regionalização e Investimento (PDRI). O conhecimento dessa população envolve um processo complexo com a seguinte estrutura: O processo de territorialização; o cadastramento das famílias; a classificação das famílias por riscos sociossanitários; a vinculação das famílias à Unidade de APS/Equipe do Programa de Saúde da Família; a identificação de subpopulações com fatores de risco; a identificação das subpopulações com condições de saúde estratificadas por graus de riscos; e a identificação de subpopulações com condições de saúde muito complexas (OLIVEIRA, 2016, p. 33). Referente à estrutura operacional, essa deve ser composta de pontos de atenção das redes e ligações materiais e imateriais que integram os diferentes serviços, contando com cinco componentes específicos: centro de comunicação; pontos de atenção à saúde secundários e terciários; sistemas de apoio; sistemas logísticos e sistemas de governança (OLIVEIRA, 2016). A figura a seguir ilustra a estrutura operacional da RAS: Pontos de atenção à saúde secundários e terciários Pontos de atenção à saúde secundários e terciários Pontos de atenção à saúde secundários e terciários Pontos de atenção à saúde secundários e terciários Atenção Primária à Saúde Sistema de acesso regulado Registro eletrônico em saúde Sistema de transporte em saúde Sistema de apoio diagnóstico e terapêutico Sistema de assistêcnia farmacêutica Teleassistência Sistema de informação em saúde RT 1 RT 2 População RT 3 RT 4 Si st em a de ap oi o Si st em as lo gí st ic os Si st em a de g ov er na nç a Figura 20 – Estrutura das RAS O terceiro e o último elemento constitutivo das RAS são os modelos de atenção à saúde, que são sistemas lógicos que organizam seu funcionamento, articulando as relações entre os componentes da rede e as intervenções sanitárias, definidos em função da visão prevalecente da saúde, das situações demográfica e epidemiológica e dos determinantes sociais da saúde, que são diferenciados por modelos de atenção às condições agudas e às condições crônicas (MENDES, 2012). 40 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I A literatura internacional apresenta alguns modelos de atenção às condições crônicas: a) Chronic Care Model (CCM): foi desenvolvido pela equipe do MacColl Institute for Healthcare Innovation, nos Estados Unidos, a partir de uma ampla revisão da literatura internacional sobre a gestão das condições crônicas. O modelo foi desenvolvido como resposta às situações de saúde de alta prevalência de condições crônicas e da falência dos sistemas fragmentados para enfrentar essas condições. Seus autores apostam que as pessoas podem ser mais bem atendidas e podem viver mais saudavelmente e que, consequentemente, os custos da atenção à saúde podem ser diminuídos com a mudança radical do modelo de atenção à saúde (MENDES, 2012). O CCM compõe-se de seis elementos, subdivididos em dois grandes campos: o sistema de atenção à saúde e à comunidade. No sistema de atenção à saúde, as mudanças devem ser feitas na organização da atenção à saúde, na prestação de serviços, no suporte às decisões, nos sistemas de informação clínica e no autocuidado apoiado. Na comunidade, as mudanças são centradas na articulação dos serviços de saúde com os recursos da comunidade. Esses elementos apresentam inter-relações que permitem desenvolver pessoas usuárias informadas e ativas e equipe de saúde preparada e proativa para produzir melhores resultados sanitários e funcionais para a população (MENDES, 2012). A figura a seguir apresenta o CCM: Pessoas usuárias ativas e informadas Equipe de saúde proativa e preparada Recursos da comunidade Autocuidado apoiado Interações produtivas Suporte às decisões Sistema de atenção à saúde Organização da atenção à saúdeComunidade Resultados clínicos e funcionais Desenho do sistema de prestação de serviços Sistema de informação clínica Figura 21 – Chronic Care Model b) Modelo da Pirâmide de Riscos (MPR): conhecido, também, como Modelo da Kaiser Permanente (KP), foi desenvolvido por uma operadora de planos de saúde dos Estados Unidos e tem sido utilizado também na Austrália, no Canadá, na Dinamarca, na Nova Zelândia e no Reino Unido. Esse modelo parte da premissa que as necessidades das pessoas portadoras de condições crônicas são definidas em termos da duração da condição, da urgência da intervenção, do escopo dos serviços requeridos e da capacidade de autocuidado da pessoa portadora da condição. Com a aplicação desses 41 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA critérios pode estratificar as pessoas portadoras de condições crônicas em três grupos. O primeiro grupo seria constituído por portadores de condição leve, mas com forte capacidade de autocuidado e/ou com sólida rede social de apoio. O segundo grupo seria constituído por portadores de condição moderada. O terceiro grupo seria constituídopor portadores de condição severa e instável e com baixa capacidade para o autocuidado (MENDES, 2012). Gestão da condição de saúde Autocuidado apoiado Gestão de caso Nível 3 1-5% de pessoas com condições altamente complexas Nível 2 20-30% de pessoas com condições altamente complexas Nível 3 70-80% de pessoas com condições simples Figura 22 – Modelo da Pirâmide de Riscos c) Modelo da Determinação Social da Saúde (MDSS): conforme discutimos anteriormente, existem diversos modelos de determinação social da saúde, que têm em comum trazer a relevância que os determinantes repercutem diretamente na saúde: permitem predizer a maior proporção das variações no estado de saúde, a iniquidade sanitária; estruturam os comportamentos relacionados com a saúde; e interatuam mutuamente na geração da saúde (MENDES, 2012). A figura a seguir apresenta o modelo que foi escolhido para ser utilizado no país pela CNDS. Figura 23 – Modelo da Determinação Social da Saúde de Dahlgren e Whitehead 42 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I d) Modelo de Atenção às Condições Crônicas (MACC): esse modelo foi realizado por Mendes, baseado nas evidências recolhidas na literatura internacional sobre os modelos de atenção à saúde. O MACC deve ser lido em três colunas: na coluna da esquerda, sob influência do MPR, está a população total estratificada em subpopulações por estratos de riscos. Na coluna da direita, sob influência do modelo de Dahlgren e Whitehead, estão os diferentes níveis de determinação social da saúde. Na coluna do meio estão, sob influência do CCM, os cinco níveis das intervenções de saúde sobre os determinantes e suas populações: intervenções promocionais, preventivas e de gestão da clínica (MENDES, 2012). Nível 1 Intervenções de promoção da saúde Nível 2 Intervenções de prevenção das condições de saúde Nível 3 Gestão da condição de saúde Nível 4 Gestão da condição de saúde Nível 5 Gestão de caso Subpopulação com condição crônica muito complexa Subpopulação com condição crônica complexa Subpopulação com condição crônica simples e/ou com fator de risco biopsicológico População total Modelo de pirâmide de riscos Modelo de atenção crônica Modelo da determinação social da saúde Subpopulação com fatores de risco ligados aos comportamentos e estilos de vida Determinantes sociais da saúde proximais Determinantes sociais da saúde intermediários Relação autocuidado/ atenção profissional Determinantes sociais individuais com condição de saúde e/ou fator de risco biopsicológico estabelecido Figura 24 – O Modelo de Atenção às Condições Crônicas (MACC) e) Modelo dos Cuidados Inovadores para Condições Crônicas (CICC): a OMS propôs o CICC em três âmbitos de aplicação: o âmbito macro, o âmbito meso e o âmbito micro. O âmbito macro é o das macropolíticas que regulam o sistema de atenção à saúde; o âmbito meso é o das organizações de saúde e da comunidade; e o âmbito micro é o das relações entre as equipes de saúde e as pessoas usuárias e suas famílias. Esses níveis interagem e influenciam uns aos outros. A articulação desses três âmbitos promove a eficiência e efetividade nos sistemas de atenção à saúde; ao contrário, quando há desarticulação e dissonâncias entre os três âmbitos, há ineficiência e inefetividade (MENDES, 2012). A figura a seguir apresenta o CICC: 43 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Comunidade Organização de saúde Gr up os d e a po io da co m un ida de Equipe de saúde Pacientes e famíliasInfo rma dos Motivados Pr ep ar ad os Vínculos Resultados favoráveis no tratamento das condições crônicas Ambiente político favorável Figura 25 – O modelo dos cuidados inovadores para condições crônicas Na atualidade, existem as seguintes redes instituídas: • Rede Cegonha (RC): Portaria nº 1.459/2011. • Rede de Urgência e Emergência (RUE): Portaria GM/MS nº 1.600/2011. • Rede de Atenção Psicossocial (RAPS): Portaria GM/MS nº 3.088/11, para as pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. • Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiências (Viver sem Limites): Portaria GM/MS nº 793/2012. • Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas (RASPDC): Portaria GM/MS nº 438/2014. A figura a seguir esquematiza as RAS prioritárias ao MS: Atenção básica Qualificação/educação Informação Regulação Promoção e vigilância à saúde Re de C eg on ha Re de d e At en çã o Ps ic os so ci al Re de d e At en çã o às D oe nç as e Co nd iç õe s C rô ni ca s Re de d e At en çã o às U rg ên ci as e Em er gê nc ia s Re de d e Cu id ad os à P es so a co m De fic iê nc ia Figura 26 – Redes temáticas de atenção à saúde prioritárias do MS 44 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Cada rede temática possui componentes específicos: — Rede Cegonha: pré-natal; parto e nascimento; puerpério e Atenção Integral à Saúde da Criança; sistema logístico: transporte sanitário e regulação; — Rede de Urgência e Emergência: promoção e prevenção; Atenção Primária: Unidades Básicas de Saúde; UPA e outros serviços com funcionamento 24 horas; SAMU 192; portas hospitalares de atenção às urgências; leitos de retaguarda; Atenção Domiciliar e hospitais-dia; — Rede de Atenção Psicossocial: Eixo 1 – Ampliação do acesso à Rede de Atenção Integral de Saúde aos usuários de álcool, crack e outras drogas; Eixo 2 – Qualificação da rede de Rede de Atenção Integral de Saúde; Eixo 3 – Ações intersetoriais para reinserção social e reabilitação; Eixo 4 – Ações de prevenção e de redução de danos; e Eixo 5 – Operacionalização da rede. — Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência: Atenção Básica; atenção especializada em reabilitação auditiva, física, intelectual, visual, ostomia e em múltiplas deficiências e atenção hospitalar e de urgência e emergência; — Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas: Atenção Básica; atenção especializada (ambulatorial especializada; hospitalar e urgência e emergência); sistemas de apoio; sistemas logísticos e regulação (REDE HUMANIZA SUS, 2015, p. 11). Saiba mais Para entender melhor o tema, acesse: ALENCAR, et al. Redes de Atenção à Saúde no Sistema Único de Saúde: curso de autoaprendizado. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4175045/ mod_resource/content/1/Apostila%20MS%20-%20RAS_curso%20 completo-M%C3%B3dulo%202-APS%20nas%20RAS%20-%20Pg%20 31-45.pdf>. Acesso em: 31 ago. 2018. Diversos estudos internacionais têm evidenciado resultados positivos com a adoção das RAS. O quadro a seguir sintetiza essas contribuições: 45 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Quadro 11 – Impacto das RAS nos sistemas de saúde, de acordo com o Opas/OMS Evidências do Impacto das Redes de Atenção nos Sistemas de Saúde Redução da fragmentação da atenção Melhora da eficiência global do sistema Impedimento da multiplicação de infraestrutura e serviços de forma desordenada e desorganizada Melhor atendimento às necessidades e expectativas dos indivíduos Melhora no custo efetividade dos serviços de saúde Redução de hospitalizações desnecessárias Redução da utilização excessiva de serviços e exames Redução no tempo de permanência hospitalar Aumento de produtividade Melhora na qualidade da atençãoProdução de uma oferta balanceada de atenção geral e especializada Continuidade da atenção, gerando uma maior efetividade clínica A utilização de diferentes níveis de atenção pelos indivíduos é facilitada Aumento na satisfação dos usuários Melhora no autocuidado Fonte: Alencar (2012, p. 25). Em síntese, as RAS conseguem fazer com que o atendimento em saúde quebre a segmentação do modelo biomédico e seja, de fato, uma atenção integral e resolutiva. A figura sintetiza essa ruptura: Modelo hierarquizado (biomédico) Organizado por componentes isolados Orientação para as condições agudas Ênfase em ações curativas Níveis de atenção hierarquizados O sujeito e o paciente Gestão da oferta Centrado em indivíduos Reativo Financiamento por procedimentos x Modelo em redes de atenção Organizado por um contínuo de atenção Orientação para as condições crônicas Atenção integral Redes poliárquicas O sujeito e o agente de saúde Gestão das necessidades Centrado na população Proativo Financiamento por capitação Figura 27 – Aspectos a serem substituídos para que seja possível a organização do sistema de saúde segundo a lógica de Redes de Atenção Alencar et al. (2012) abordam que outro elemento importante que integra as RAS são as Linhas de Cuidado (LC). Cada RAS pode possuir uma ou várias LC, dependendo de uma série de fatores, como disponibilidade de profissionais, recursos materiais e orçamentários. A seguir, o conceito das LC: […] imagem pensada para expressar os fluxos assistenciais seguros e garantidos ao usuário, no sentido de atender às suas necessidades de saúde. É como se ela desenhasse o itinerário que o usuário faz por dentro de uma rede de saúde incluindo segmentos não necessariamente 46 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I inseridos no sistema de saúde, mas que participam de alguma forma da rede, tal como entidades comunitárias e de assistência social (ALENCAR et al., 2012, p. 43). A figura a seguir ilustra uma linha de cuidado: Rede de atenção à urgência e emergência Rede de atenção psicossocialRede cegonha Linha de cuidado infantil LC parto e puerperio LC saúde mental LC cardiovascular Figura 28 – Demonstração dos possíveis campos de abrangência de uma linha de cuidado em relação às Redes de Atenção à Saúde 2 SAÚDE DA FAMÍLIA E PROGRAMAS PÚBLICOS DE CONTROLE DAS DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS A estratégia de saúde da família está inserida na Política Nacional de Atenção Básica, segundo o Portal da Saúde é fundamental que ela se oriente pelos princípios da universalidade, da acessibilidade, do vínculo, da continuidade do cuidado, da integralidade da atenção, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação social. O MS define a ESF como um mecanismo de reorganização da atenção básica no país, pautado pelo SUS. As equipes de atendimento são multiprofissionais e contam com, no mínimo, equipe básica: médico generalista, ou especialista em Saúde da Família, ou médico de Família e Comunidade; enfermeiro generalista ou especialista em Saúde da Família; auxiliar ou técnico de enfermagem; e agentes comunitários de saúde. Podem ser acrescentados a essa composição os profissionais de Saúde Bucal – equipe ampliada: cirurgião-dentista generalista ou especialista em Saúde da Família; auxiliar e/ou técnico em Saúde Bucal (PORTAL DA SAÚDE, 2017). O quadro a seguir ilustra a configuração das equipes: Quadro 12 – Composição mínima das equipes Profissionais Critério para solicitação de ampliação da equipe Máximo Agente comunitário de saúde Trabalhador vinculado a, no mínimo, 100 pessoas 12 Auxiliar ou técnico de enfermagem Trabalhador vinculado a, no mínimo, 500 pessoas 4 Técnico em saúde bucal Trabalhador vinculado a, no mínimo, 500 pessoas 1 Enfermeiro Trabalhador vinculado a, no mínimo, 1.000 pessoas 2 Fonte: Brasil (2012, p. 68). Cada equipe deve ser responsável por, no máximo, 4 mil pessoas, recomenda-se uma média de 3 mil, de acordo com os critérios de equidade. Dessa forma, recomenda-se que o número de pessoas por 47 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA equipe considere o grau de vulnerabilidade das famílias daquele território, sendo que, quanto maior o grau de vulnerabilidade, menor deverá ser a quantidade de pessoas por equipe (BRASIL, 2012). O quadro a seguir apresenta as atribuições específicas de cada membro da ESF básica: Quadro 13 Atribuições Enfermeiro Médico Auxiliar/Técnico em Enfermagem Agente comunitário de saúde Realizar atenção à saúde aos indivíduos e famílias e, quando indicado, no domicílio e/ou nos demais espaços comunitários (escolas, associações etc.), em todas as fases do desenvolvimento humano. Realizar consulta de enfermagem, procedimentos, atividades em grupo e solicitar exames complementares, prescrever medicações e encaminhar usuários a outros serviços. Planejar, gerenciar e avaliar as ações desenvolvidas pelos ACS. Contribuir, participar e realizar atividades de educação permanente da equipe multiprofissional. Participar do gerenciamento dos insumos necessários para o adequado funcionamento da UBS. Realizar atenção à saúde aos indivíduos sob sua responsabilidade. Realizar consultas clínicas, pequenos procedimentos cirúrgicos, atividades em grupo na UBS e, quando necessário, no domicílio e/ou nos demais espaços comunitários (escolas, associações etc.). Encaminhar, quando necessário, usuários a outros pontos de atenção, respeitando fluxos locais, mantendo sua responsabilidade pelo acompanhamento do plano terapêutico deles. Indicar, de forma compartilhada com outros pontos de atenção, a necessidade de internação hospitalar ou domiciliar, mantendo a responsabilização pelo acompanhamento do usuário. Contribuir, realizar e participar das atividades de educação permanente da equipe multiprofissional. Participar das atividades de atenção realizando procedimentos na UBS e, quando necessário, no domicílio e/ou nos demais espaços comunitários (escolas, associações etc.). Realizar ações de educação em saúde à população adstrita, conforme planejamento da equipe. Contribuir, participar e realizar atividades de educação permanente. Trabalhar com adscrição de famílias em base geográfica definida, a microárea. Cadastrar todas as pessoas de sua microárea e manter os cadastros atualizados. Orientar as famílias quanto à utilização dos serviços de saúde disponíveis. Acompanhar, por meio de visita domiciliar, todas as famílias e indivíduos sob sua responsabilidade, mantendo como referência a média de uma visita/família/mês. Desenvolver ações que busquem a integração entre a equipe de saúde e a população adscrita à UBS. Estar em contato permanente com as famílias, desenvolvendo ações educativas, visando à promoção da saúde, à prevenção das doenças e ao acompanhamento das pessoas com problemas de saúde, bem como ao acompanhamento das condicionalidades do Programa Bolsa-Família e/ou programa similar de transferência de renda. Adaptado de: Brasil (2012). 48 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I O quadro a seguir apresenta as atribuições específicas de cada membro da ESB: Quadro 14 Atribuições Cirurgião-dentista Técnico em saúde bucal Auxiliar em saúde bucal Realizar diagnóstico com a finalidade de obter o perfil epidemiológico para o planejamento e a programação em saúde bucal. Realizar a atenção em saúde bucal (promoção e proteção da saúde, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, acompanhamento, reabilitação e manutenção da saúde) individual e coletiva a todas as famílias, a indivíduos e a grupos específicos, de acordo com planejamento da equipe, com resolubilidade. Realizar os procedimentosclínicos da atenção básica em saúde bucal, incluindo atendimento das urgências, pequenas cirurgias ambulatoriais e procedimentos relacionados com a fase clínica da instalação de próteses dentárias elementares. Coordenar e participar de ações coletivas voltadas à promoção da saúde e à prevenção de doenças bucais. Realizar supervisão técnica do técnico em saúde bucal e do auxiliar em saúde bucal. Participar do gerenciamento dos insumos necessários para o adequado funcionamento da UBS. Realizar a atenção em saúde bucal individual e coletiva a todas as famílias, a indivíduos e a grupos específicos. Coordenar a manutenção e a conservação dos equipamentos odontológicos. Acompanhar, apoiar e desenvolver atividades referentes à saúde bucal com os demais membros da equipe, buscando aproximar e integrar ações de saúde de forma multidisciplinar. Participar do treinamento e capacitação de auxiliar em saúde bucal e de agentes multiplicadores das ações de promoção à saúde. Participar das ações educativas atuando na promoção da saúde e na prevenção das doenças bucais. Participar da realização de levantamentos e estudos epidemiológicos. Realizar o acolhimento do paciente nos serviços de saúde bucal. Fazer remoção do biofilme. Realizar fotografias e tomadas de uso odontológico. Inserir e distribuir no preparo cavitário materiais odontológicos na restauração dentária direta. Proceder à limpeza e à antissepsia do campo operatório, antes e após atos cirúrgicos. Aplicar medidas de biossegurança no armazenamento, manuseio e descarte de produtos e resíduos odontológicos. Realizar ações de promoção e prevenção em saúde bucal para famílias, grupos e indivíduos. Executar limpeza, assepsia, desinfecção e esterilização do instrumental, dos equipamentos odontológicos e do ambiente de trabalho. Auxiliar e instrumentar os profissionais nas intervenções clínicas. Realizar o acolhimento do paciente nos serviços de saúde bucal. Acompanhar, apoiar e desenvolver atividades referentes à saúde bucal com os demais membros da equipe de Saúde da Família. Aplicar medidas de biossegurança no armazenamento, transporte, manuseio e descarte de produtos e resíduos odontológicos. Processar filme radiográfico. Selecionar moldeiras. Preparar modelos em gesso. Manipular materiais de uso odontológico. Participar da realização de levantamentos e estudos epidemiológicos. Adaptado de: Brasil (2012). 49 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Em 2008 foram criados com o objetivo de ampliar a abrangência e o escopo das ações da atenção básica, bem como sua resolubilidade, os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf). Atualmente estão regulamentados pela Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Os Nasf configuram-se como equipes multiprofissionais que atuam de forma integrada com as equipes de Saúde da Família, bem como realizam ações com as equipes de atenção básica para populações específicas (consultórios na rua, equipes ribeirinhas e fluviais) e, com o Programa Academia da Saúde. A ação integrada com o Nasf permite realizar discussões de casos clínicos, possibilitando o atendimento compartilhado entre profissionais tanto na unidade de saúde como nas visitas domiciliares; permite a construção conjunta de projetos terapêuticos singulares de forma a ampliar e qualificar as intervenções no território e na saúde de grupos populacionais (PORTAL DA SAÚDE, [s.d.]b). Em 2012, o MS criou uma terceira modalidade de conformação de equipe: o Nasf 3, por meio da Portaria 3.124, de 28 de dezembro de 2012. Essa terceira modalidade abre a possibilidade de que qualquer município faça a implantação de equipes Nasf, desde que tenha ao menos uma equipe de Saúde da Família (PORTAL DA SAÚDE, [s.d.]b). O quadro a seguir mostra as modalidades de Nasf existentes: Quadro 15 Modalidades Nº de equipes vinculadas Somatória das cargas horárias profissionais* Nasf 1 5 a 9 eSF e/ou eAB para populações específicas (eCR, eSFR e eSFF) Mínimo 200 horas semanais; cada ocupação deve ter no mínimo 20 h e no máximo 80 h de carga horária semanal. Nasf 2 3 a 4 eSF e/ou eAB para populações específicas (eCR, eSFR e eSFF) Mínimo 120 horas semanais; cada ocupação deve ter no mínimo 20 h e no máximo 40 h de carga horária semanal. Nasf 3 1 a 2 eSF e/ou eAB para populações específicas (eCR, eSFR e eSFF) Mínimo 80 horas semanais; cada ocupação deve ter no mínimo 20 h e no máximo 40 h de carga horária semanal. *Nenhum profissional poderá ter carga horária semanal menor que 20 horas. eCR – Equipe Consultório na Rua; eSFR – Equipe Saúde da Família Ribeirinha; eSFF – Equipe Saúde da Família Fluvial Fonte: Portal da Saúde ([s.d.]b). A composição de cada Nasf é definida pelos gestores municipais, de acordo com os critérios de prioridade identificados a partir dos dados epidemiológicos e das necessidades locais e das equipes de saúde que serão apoiadas, sendo que poderão compor os Nasf as seguintes ocupações do Código Brasileiro de Ocupações (CBO): Médicos acupunturista, ginecologista/obstetra, homeopata, pediatra, geriatra, clínico, psiquiatra, do trabalho, veterinário; arte educador; sanitarista (profissional graduado em saúde com pós-graduação em saúde pública ou coletiva, ou com formação direta nessas áreas); terapeuta ocupacional; professor de educação física; farmacêutico; assistente social; fonoaudiólogo; nutricionista e fisioterapeuta. 50 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I O MS propôs áreas de atuação para o Nasf, juntamente com linhas de cuidados, conforme a seguir: Atividades físicas/ práticas corporaisSaúde mental Assistência farmacêuticaServiço social Alimentação e nutrição Focos: equipes de SF e/ou equipes de AB e usuários do SUS (indivíduos, famílias e comunidades) Saúde da mulher Reabilitação Práticas integrativas e complementares Saúde da criança, do adolescente e do jovem Figura 29 Quadro 16 – Linhas de Cuidado do Nasf Linhas de Cuidado do Nasf Atividade física/práticas corporais Práticas integrativas e complementares Reabilitação Alimentação e nutrição Saúde mental Serviço social Saúde da criança Saúde da mulher Assistência farmacêutica Fonte: Verdi e Cutolo (2017, p. 4). Santos et al. (2014, p. 924) realizaram um estudo bem interessante que nos permite além dos dados estatísticos apresentados pensar sobre a atuação da ESF ao longo dos últimos anos. Em seu estudo, os autores destacaram a visão do usuário sobre o atendimento recebido e apontam que: […] a forma como o usuário significa a saúde e a doença pode estar relacionada com o significado do serviço de saúde produzido pelos mesmos. Apesar de existirem várias iniciativas macropolíticas no SUS, para um modelo pautado na promoção da saúde, através das falas dos usuários percebe-se que o 51 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA modelo biomédico ainda se constitui hegemônico na forma da organização micropolítica do serviço, o que revela a necessidade de maiores estudos que permitam entender e intervir nesse espaço no sentido da reversão desse modelo. Entende-se que a valorização das subjetividades dos usuários pelos profissionais de saúde, com ações de educação em saúde e articulação de apoio intersetorial para a população, contribui na reversão do modelo de atenção nessa realidade, ao potencializar a produção de práticas de saúde comprometidas com a promoção da saúde, integralidade e participação. As Unidades Básicas de Saúde são instaladas perto de onde as pessoas moram, trabalham, estudam e vivem, como forma de desempenhar um papel central na garantia à população de acesso a uma atenção à saúde de qualidade. Dotar essas unidadesda infraestrutura necessária a esse atendimento é um desafio que o Brasil, único país do mundo com uma população de 207,7 milhões de habitantes, com um sistema de saúde público, universal, integral e gratuito, está enfrentando com os investimentos do Ministério da Saúde. Essa missão faz parte da estratégia Saúde Mais Perto de Você, que enfrenta os entraves à expansão e ao desenvolvimento da atenção básica no país (BRASIL, 2012). Como forma de garantir a equidade no atendimento, o Piso da Atenção Básica (PAB) fixo diferencia o valor per capita por município, beneficiando o mais pobre, menor, com maior percentual de população pobre e extremamente pobre e com as menores densidades demográficas. O Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ) induz a mudança de modelo por meio e cria um componente de qualidade que avalia, valoriza e premia equipes e municípios, garantindo aumento do repasse de recursos em função da contratualização de compromissos e do alcance de resultados, a partir da referência de padrões de acesso e qualidade pactuados de maneira tripartite (BRASIL, 2012). Observação O PAB refere-se aos recursos financeiros da união destinados à viabilização de ações de Atenção Básica à saúde e compõe o Teto Financeiro do Bloco Atenção Básica. A Política Nacional de Atenção Básica (Pnab), além dos diversos formatos de equipes de ESF, trouxe a inclusão de Equipes de Atenção Básica (EAB) para a população em situação de rua (Consultórios na Rua), ampliou o número de municípios que podem ter Nasf, simplificou e facilitou as condições para que sejam criadas UBS fluviais e articula a Atenção Básica (AB) com importantes iniciativas do SUS, como a ampliação das ações intersetoriais e de promoção da saúde, com a universalização do Programa Saúde na Escola (PSE) e expansão dele às creches – acordo com as indústrias e escolas para promover uma alimentação mais saudável – e prevê a implantação de mais de quatro mil polos da Academia da Saúde. O Telessaúde fomenta a integração dos sistemas de informação, e a nova política de regulação aponta para a ampliação da resolubilidade da AB e para a continuidade do cuidado do usuário, que precisa de atenção especializada (BRASIL, 2012). 52 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I 2.1 Territorialização e adstrição da clientela O atendimento das equipes de Saúde da Família é territorializado, ou seja, cada equipe se atém em atender as famílias que constam em seu raio de atendimento e que estão sob sua responsabilidade. Os agentes de saúde que compõem a equipe são moradores do bairro que prestam atendimento, como forma de ampliar o vínculo entre os moradores e o serviço de saúde. De acordo com Pnab, o mapeamento do território e a adscrição da clientela fazem parte das diretrizes de atendimento da AB: Ter território adstrito sobre o mesmo, de forma a permitir o planejamento, a programação descentralizada e o desenvolvimento de ações setoriais e intersetoriais com impacto na situação, nos condicionantes e nos determinantes da saúde das coletividades que constituem aquele território, sempre em consonância com o princípio da equidade […]. Adscrever os usuários e desenvolver relações de vínculo e responsabilização entre as equipes e a população adscrita, garantindo a continuidade das ações de saúde e a longitudinalidade do cuidado. A adscrição dos usuários é um processo de vinculação de pessoas e/ou famílias e grupos a profissionais/equipes, com o objetivo de ser referência para o seu cuidado. O vínculo, por sua vez, consiste na construção de relações de afetividade e confiança entre o usuário e o trabalhador da saúde, permitindo o aprofundamento do processo de corresponsabilização pela saúde, construído ao longo do tempo, além de carregar, em si, um potencial terapêutico. A longitudinalidade do cuidado pressupõe a continuidade da relação clínica, com construção de vínculo e responsabilização entre profissionais e usuários ao longo do tempo e de modo permanente, acompanhando os efeitos das intervenções em saúde e de outros elementos na vida dos usuários, ajustando condutas quando necessário, evitando a perda de referências e diminuindo os riscos de iatrogenia decorrentes do desconhecimento das histórias de vida e da coordenação do cuidado (BRASIL, 2012, p. 20-21). Segundo a Pnab, a definição do território de atuação e de população sob responsabilidade das UBS e das equipes é parte das características do processo de trabalho das equipes de atenção básica (BRASIL, 2012). De acordo com Monken e Barcellos (2007), todos nós vivemos em um espaço geográfico, desenvolvemos nossas vidas em lugares, que são também considerados territórios. Podemos ter muitos conceitos ou representações sobre território. Contudo, ele está sempre relacionado a uma área delimitada onde a vida acontece e é submetida a certas inter-relações, regras ou normas. Todavia, existem certas críticas ao se considerar a adoção de um limite territorial para analisar e atuar sobre as de saúde, pois o ambiente pode ser completamente constrito dentro dos limites 53 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA de um território, mas os processos sociais não se restringem a esses limites. Podemos, por exemplo, falar da qualidade da água de um bairro, mas sabemos que a água não é do bairro. Ela vem de uma fonte de abastecimento, é tratada ou não, é distribuída para vários bairros e, às vezes, várias cidades (MONKEN; BARCELLOS, 2007). Mas, mesmo assim, para atuar sobre o problema da qualidade da água, devemos pensar no bairro como um território que tem uma população que está sob risco e que tem uma organização política, que pode ajudar a resolver seus problemas. Além disso, o território é, na maior parte das vezes, utilizado como estratégia para a coleta e organização de dados sobre o ambiente e saúde, somente devemos sempre levar em consideração que os processos sociais e ambientais transcendem esses limites. É importante obter relatórios, analisar e atuar sobre esses territórios, mesmo sabendo que os problemas, na maior parte das vezes, não estão circunscritos ao mesmo (MONKEN; BARCELLOS, 2007). Dessa forma, o território é compreendido como um espaço vivo, geograficamente delimitado e ocupado por população específica, instituída por identidades comuns, sejam elas culturais, sociais ou outras. Um município pode ser dividido em diversos territórios para a implantação das áreas de abrangência das equipes da ESF. Cada território possui peculiaridades em relação a seus usuários e equipes, capacidade de estrutura física, recursos financeiros, organização social, conflitos e contradições (RIBEIRO et al., 2017). Ribeiro aponta que, ao fazer o mapeamento do território, se pode utilizar do princípio do controle social, de forma a torná-lo participativo: Logo, o mapeamento participativo é utilizado como mediador à elaboração de mapas para identificação das necessidades de saúde da comunidade segundo a determinação social da doença, a multidisciplinaridade, a percepção de coletivos e a dinamicidade do território para sua construção. Esse mapeamento consiste num processo reflexivo e crítico, que incorpora não só as dimensões sociais, afetivas, simbólicas e culturais como também as transformações territoriais e do modo de vida advindos com a reestruturação produtiva e a questão ambiental no território estudado (RIBEIRO et al., 2017, p. 339). Para auxiliar na territorialização, pode-se utilizar o geoprocessamento, que é definido como um conjunto de tecnologias de coleta de dados que produz informação demográfica e contribui para o reconhecimento das condições de risco no território. O geoprocessamento auxilia na construção de mapas e ajuda no planejamento, monitoramento e na avaliação das ações em saúde; além detranscender o monitoramento de indivíduos doentes, pode estabelecer uma lógica para intervenções que sejam diferenciadas e seletivas (NARDI et al., 2013). Qualquer mapa que simule representação diferente da mera reprodução do terreno pode ser classificado como temático, o que é extremamente eficaz, pois pode mostrar a realidade, facilitar a realização de pesquisas, além de auxiliar no planejamento e controle tanto de áreas legalizadas como clandestinas. Recurso já utilizado por vários autores, desde a descrição de endemias, no século passado, 54 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I até a análise da possibilidade de vulnerabilidade social da gravidez em adolescentes, os mapas temáticos têm contribuído para a detecção de pontos de transmissão e para a redefinição da distribuição da rede de assistência de saúde dentro de um dado município (NARDI et al., 2013). Os mapas temáticos a seguir, sobre as taxas de hanseníase no Estado de São Paulo e a distribuição dos casos de tuberculose em Ribeirão Preto, são bons exemplos do perfil que pode ser gerado para a adoção de medidas de saúde coletiva a partir das informações do geoprocessamento. -20,00 -21,00 -22,00 -23,00 La tit ud e Longitude -25,00 -53,00 -52,00 -51,00 -50,00 -49,00 -48,00 -47,00 -46,00 -45,00 4.79 4.52 4.25 3.98 3.71 3.44 3.17 2.90 2.63 2.36 2.09 1.82 1.55 1.28 1.01 0.74 0.47 0.20 -24,00 0 110Km 220Km Figura 30 – Especialização das taxas de detecção de hanseníase no Estado de São Paulo (1991-2002) Presidente Dutra, Jardim Javari, Vila Albertina, Augusta, Recreio, Abreu Sampaio, Ipiranga, António Vila Virgínia, Guanabara, Afonso XIII, Jardim Piratininga, Pio XII, Centenário, Maria Goreti, São Jorge 0 2,5 Quilômetros 5 Figura 31 – Mapa da distribuição da densidade de casos de tuberculose, obtido por meio do estimador Kemel em Ribeirão Preto 55 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA A análise da distribuição espacial dos casos de determinada doença em municípios alicerça estudos sobre a transmissibilidade nas regiões e nas áreas de abrangência, permitindo acesso rápido às informações necessárias para realizar a vigilância dos casos e, também, cria condições para avaliar a necessidade da descentralização dos tratamentos, ao mostrar onde a população é mais atingida, facilitando o trabalho dos profissionais, a distribuição de medicamentos, as ações de educação permanente e a realocação dos recursos humanos e físicos (NARDI et al., 2013). O geoprocessamento é uma importante ferramenta para identificação, localização e acompanhamento das populações, principalmente nas periferias dos grandes centros urbanos. Contribui para o estudo da transmissão, disseminação e das ações de controle das doenças e dos agravos de saúde de uma determinada área de abrangência. Ele pode ser útil em territórios em que existam áreas clandestinas urbanas, locais em que pode ser difícil realizar ações de prevenção e promoção da saúde (NARDI et al., 2013). Não podemos esquecer que essas áreas de ocupações clandestinas são resultado do crescimento desordenado do tecido urbano das grandes cidades brasileiras, aliado a um padrão de expansão horizontal contínua, estimulado pela inserção de conjuntos habitacionais populares e pelo surgimento de loteamentos clandestinos nas áreas de expansão. Essas populações, geralmente, se instalam em locais sem serviços públicos e com quase nenhuma renda diferencial. São locais onde investimentos em saneamento, principalmente no tratamento de esgoto, diminuiriam a incidência de doenças e de internações hospitalares e evitariam o comprometimento dos recursos hídricos do município (NARDI et al., 2013). Como medida para auxiliar a realização do geoprocessamento, o MS disponibilizou para os gestores do SUS o Mapa da Saúde – GeoSaúde, que é uma ferramenta eletrônica que poderá ser utilizada na identificação das necessidades de saúde e orientará o planejamento integrado dos entes federativos, contribuindo para o estabelecimento de metas de saúde. Conforme o Conass, o GeoSaúde apresenta-se no mapa do território nacional com inúmeras informações, que vão desde a localização de estabelecimentos de saúde até os mais variados indicadores relacionados à saúde. Nele estão exibidos detalhes de cada local, tais como nomes de estados, municípios, bairro e arruamento, conforme necessidade do usuário. O GeoSaúde é uma ferramenta de georreferenciamento que possui outros filtros que ampliam e potencializam o seu uso, tais como a possibilidade de escolha dos espaços geográficos a serem trabalhados, partindo: de um Município, uma Região de Saúde, um Estado, um Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI); de dados sociodemográficos relacionados aos dados do IBGE; de dados relativos à Saúde Indígena; ou de um desenho livre num determinado território. Assim, tem-se um conjunto de 12 filtros no GeoSaúde, além do item Minha Seleção, localizado na parte inferior da ferramenta: Filtros Geográficos; Filtros Geométricos; Condições Sociossanitárias; Estrutura do Sistema de Saúde; Parâmetros de Oferta e Demanda; Redes de Atenção à Saúde; Fluxos de Acesso; Recursos Financeiros; Gestão do Trabalho e Educação na Saúde; Ciência, Tecnologia, Produção e Inovação em Saúde; Gestão em Saúde; Saúde Indígena. 56 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I A figura a seguir é uma imagem da página inicial do GeoSaúde, na qual os gestores podem utilizar os filtros de interesse para realizar o geoprocessamento: Boa Vista Manaus Porto Velho Cuiabá Campo Grande São Paulo Rio de Janeiro Vitória Salvador Aracaju Recife João Pessoa Fortaleza São Luís Terezina Natal Maceió Curitiba Florianópolis Porto Alegre Goiania Brasília PalmasRio Branco CIR Sul Macapá Belém RR AM AC RO MT MG SP RJ ES BA PE RN PB SE AL MA PI CE PR SC RS MS GO PA AP Figura 32 – Regiões de Saúde do Brasil Pelo que foi exposto, a proposta do modelo de atenção do SUS, por meio da ESF, exige uma mudança no processo de trabalho da equipe de saúde, que deixa de focar apenas na atenção às condições agudas e na demanda espontânea e passa a ter seu foco dirigido às condições crônicas, à promoção e manutenção da saúde. Com essa mudança do processo de trabalho, as atribuições dos membros da equipe não são estanques, assim como não o é o processo saúde-doença (CONASS, 2011). Dessa forma, toda a equipe de saúde é corresponsável pelo processo de atenção aos problemas, assim como pelas práticas promotoras de saúde, respeitando os limites de cada categoria profissional. As atividades devem ser realizadas em torno do atendimento da demanda espontânea e programada; da execução de atividades de prevenção de doenças; manutenção de saúde; e atenção a fases específicas do ciclo de vida. A divisão de tarefas entre os componentes da equipe, dentro das atribuições de cada categoria, deve ter flexibilidade para adequar-se à situação de saúde da população adscrita (CONASS, 2011). 57 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Ainda segundo o Conass (2011), estas são algumas das características do processo de trabalho das equipes: • Definição do território de atuação das equipes de e das Unidades Básicas de Saúde, identificando grupos, famílias e indivíduos expostos a riscos. • Promoção da assistência básica integral e contínua à população adscrita, com garantia de acesso ao apoio diagnóstico e laboratorial. • Garantia da integralidade da atenção por meio da realização de ações de promoção e prevenção da saúde e de agravos e também ações curativas, bem como a garantia de atendimento da demanda espontânea e da realizaçãodas ações programáticas e de vigilância à saúde. • Realização da escuta qualificada das necessidades dos usuários em todas as ações, proporcionando atendimento humanizado, com o estabelecimento do vínculo. • Responsabilidade pela população adstrita, mantendo a coordenação do cuidado mesmo quando esta necessita de atenção em outros serviços do sistema de saúde – referência e contrarreferência. • Realização de primeiro atendimento às urgências médicas e odontológicas, antes de encaminhar a serviço especializado. • Realizar planejamento e implementação das atividades, com a priorização de solução dos problemas de saúde mais frequentes, considerando a responsabilidade da assistência resolutiva à demanda espontânea. • Realizar a prática do cuidado familiar ampliado, efetivada por meio do conhecimento da estrutura e da funcionalidade das famílias, com vistas a propor intervenções que influenciem os processos de saúde-doença dos indivíduos, das famílias e da própria comunidade. • Valorização de todos os saberes e práticas da comunidade na perspectiva de uma abordagem integral e resolutiva, possibilitando a criação de vínculos de confiança com ética, compromisso e respeito. • Desenvolvimento de ações educativas que possam interferir no processo de saúde-doença da população e ampliar o controle social e o empoderamento na defesa da qualidade de vida; desenvolvimento de ações focalizadas sobre os grupos de risco e fatores de risco comportamentais, alimentares e/ou ambientais, com a finalidade de prevenir o aparecimento ou a manutenção de doenças e danos evitáveis, de acordo com o perfil epidemiológico. • Realização de busca ativa e notificação de doenças e agravos de notificação compulsória e de outros agravos e situações de importância local, de acordo com a lista preconizada pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). 58 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I • Promoção e estímulo à participação da comunidade no controle social, no planejamento, na execução e na avaliação das ações. • Promoção e desenvolvimento de ações intersetoriais, buscando parcerias e integrando projetos sociais e setores afins, voltados para a promoção da saúde, de acordo com prioridades e sob a coordenação da gestão municipal. • Garantia da qualidade do registro das atividades no Sistema de Informação da Atenção Básica (Siab). • Planejamento e participação nas atividades de educação permanente. • Implementação das diretrizes da Política Nacional de Humanização (PNH). • Participação das atividades de planejamento e avaliação das ações da equipe, a partir da utilização dos dados disponíveis, do acompanhamento e avaliação sistemática das ações implementadas, visando à readequação do processo de trabalho e ao fortalecimento da gestão local. O prontuário familiar é importante para registrar as informações sobre a composição familiar e as características principais de cada família, além de conter as informações individuais de todos os membros. A seguir, apresentam-se os formulários do Siab que devem ser preenchidos: • Ficha A: cadastramento das famílias, que pode servir de página de rosto para um prontuário familiar. • Ficha B-DIA: acompanhamento de diabéticos. • Ficha B-GES: acompanhamento de gestantes. • Ficha B-HA: acompanhamento de hipertensos. • Ficha B-TB: acompanhamento de pacientes com tuberculose. • Ficha B-HAN: acompanhamento de pacientes com hanseníase. • Ficha C: acompanhamento de crianças é um espelho do Cartão da Criança. • Ficha D: registro de atividades, procedimentos e notificações. Além das fichas listadas, as equipes devem preencher o relatório de acompanhamento das famílias cadastradas. 59 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Saiba mais Veja como são as fichas do Siab em: GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO. Secretaria Municipal de Saúde. Sistema de informação de atenção básica. Fichas do Siab. Mato Grosso: Ministério da Saúde, 2015. Disponível em: <http://www.saude.mt.gov.br/ atencao-a-saude/arquivo/3182/formularios>. Acesso em: 4 set. 2018. 2.2 Responsabilização e clínica ampliada Para que o atendimento na atenção básica seja resolutivo e integral, com vistas à ruptura do modelo biomédico, é necessário que ocorra uma mudança significativa entre a relação que será estabelecida entre as equipes, entre os profissionais de saúde e os usuários dos serviços de saúde. Segundo o Conass (2011), essa mudança deve envolver uma visão integradora das diversas dimensões que compõem a vida das pessoas, com ênfase na comunicação e na valorização de sentimentos, possibilitando a prática da integralidade por meio de decisões mútuas, aliadas a uma prática alicerçada no uso de evidências científicas, que ampliam a capacidade de realizar a promoção da saúde, prevenção e cuidado de doenças, reabilitação e manutenção da saúde. Nesse sentido, o método clínico centrado no paciente tem surtido efeito. Conforme a figura a seguir: Incorporar prevenção e promoção de saúde Incrementar a relação médico-paciente Ser realista Explorar simultaneamente a enfermidade e as doenças Doenças Exame físico, histótia, EAD Enfermidade Ideias, expectativas, sentimentos, efeitos na função Compreender a pessoa como um todo Encontrar terreno comum Problemas Objetivos Papéis O paciente refere indícios Decisão mútua Enfermidade Doença Contexto Pessoa Figura 33 – Método clínico cebtrado no paciente Um outro termo que tem estado em destaque e, na medida do possível, se tornado uma realidade nas instituições de saúde é a clínica ampliada. Nessa abordagem, todas as manifestações e queixas dos usuários são levadas em consideração, ela também valoriza a abordagem multidisciplinar para possibilitar um manejo eficaz da complexidade do trabalho em saúde, que é necessariamente transdisciplinar e multiprofissional. 60 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Quadro 17 – Eixos fundamentais da clínica ampliada Eixos fundamentais 1. Compreensão ampliada do processo saúde-doença Evitar uma abordagem que privilegie excessivamente algum conhecimento específico, pois cada teoria faz um recorte parcial da realidade. Pode-se enxergar vários aspectos diferentes: patologias orgânicas, correlações de forças na sociedade (econômicas, culturais, étnicas), a situação afetiva, etc., e cada uma delas poderá ser mais ou menos relevante em cada momento. 2. Construção compartilhada dos diagnósticos e terapêuticas A complexidade da clínica em alguns momentos provoca sensação de desamparo no profissional, que não sabe como lidar com essa complexidade. O reconhecimento da complexidade deve significar o reconhecimento da necessidade de compartilhar diagnósticos de problemas e propostas de solução. Esse compartilhamento vai tanto na direção da equipe de saúde, dos serviços de saúde e da ação intersetorial, como no sentido dos usuários. 3. Ampliação do objeto de trabalho As doenças, as epidemias e os problemas sociais acontecem em pessoas, e, portanto, o objeto de trabalho de qualquer profissional de saúde deve ser a pessoa ou grupos de pessoas, por mais que o núcleo profissional (ou especialidade) seja bem delimitado. Propõe a quebra do paradigma sobre a excessiva responsabilidade de realizar apenas procedimentos, diagnósticos em que o indivíduo aparece fragmentado, onde temos a ausência de resposta para a pergunta: De quem é este paciente? A clínica ampliada convida a uma ampliação do objeto de trabalho para que pessoas se responsabilizem por pessoas. A proposta de equipe de referência e apoio matricial contribui para a mudança dessa cultura. 4. Transformação dos meios/ instrumentos de trabalho São necessários arranjos e dispositivos de gestão que privilegiemuma comunicação transversal na equipe e entre equipes (nas organizações e rede assistencial). A capacidade de escuta do outro e de si mesmo, a capacidade de lidar com condutas automatizadas de forma crítica, de lidar com a expressão de problemas sociais e subjetivos, com família e com comunidade etc. 5. Suporte para os profissionais de saúde É necessário criar instrumentos de suporte aos profissionais de saúde para que eles possam lidar com as próprias dificuldades, com identificações positivas e negativas, com os diversos tipos de situação. A principal proposta é que se enfrente primeiro o ideal de neutralidade e não envolvimento. A gestão deve cuidar para incluir o tema nas discussões de caso e evitar individualizar/culpabilizar profissionais que estão com alguma dificuldade, por exemplo, enviando sistematicamente os profissionais que apresentam algum sintoma para os serviços de saúde mental. As dificuldades pessoais no trabalho em saúde refletem, na maior parte das vezes, problemas do processo de trabalho, baixa grupalidade solidária na equipe, alta conflitividade e dificuldade de vislumbrar os resultados do trabalho em decorrência da fragmentação etc. Adaptado de: Brasil (2009a). A seguir, três casos gerenciais nos quais foram realizadas a clínica ampliada: Quadro 18 Casos gerenciais Caso 1 Um serviço de hematologia percebeu que, mesmo tendo disponível toda a tecnologia para o diagnóstico e o tratamento dos usuários com anemia falciforme, havia um problema que, se não fosse levado em conta, não melhoraria a anemia desses usuários. A doença acomete principalmente a população negra, que na cidade em que o serviço funcionava, tinha poucas opções de trabalho, situação que limitaria o tratamento a um enfoque estritamente hematológico, pois a sobrevivência dos usuários estava ameaçada pela composição da doença com o contexto em que os sujeitos se encontravam. 61 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Dessa forma, era necessário criar novas opções de trabalho para esses usuários, uma vez que, apenas com o tratamento convencional, não seria possível obter resultados satisfatórios. A equipe se debruçou sobre o problema e propôs buscar ajuda em escolas de computação, com a ideia de oferecer cursos para os usuários com anemia falciforme que o desejassem, criando, assim, novas opções de trabalho e melhorando a expectativa de vida. O serviço buscou aumentar a autonomia dos usuários, apesar da doença. Além disso, ao perceber que as consequências atuais da doença tinham determinantes culturais, sociais e econômicos muito relevantes, criou ações práticas para atuar nesse âmbito: iniciou conversas na cidade com movimentos sociais diretamente interessados no tema, buscando atuar junto a esses movimentos com o poder público municipal e com outros serviços de saúde. Houve uma ampliação da compreensão do processo saúde-doença e uma ação em direção ao compartilhamento dessa compreensão. O objeto de trabalho do serviço de saúde se ampliou. Buscou diagnosticar não somente os limites e problemas, mas também as potencialidades dos usuários doentes e da comunidade. A clínica ampliada exige dos profissionais de saúde um exame permanente dos próprios valores e dos valores em jogo na sociedade. O que pode ser ótimo e correto para o profissional pode estar contribuindo para o adoecimento de um usuário. O compromisso ético com o usuário deve levar o serviço a ajudá-lo a enfrentar, ou ao menos perceber, um pouco desse processo de permanente construção social em que todos influenciam e são influenciados. Caso 2 O compositor Tom Jobim certa vez foi perguntado por que havia se tornado músico. Bem-humorado, ele respondeu que foi porque tinha asma. “Acontece que estudar piano era bem mais chato do que sair com a turma, namorar. Como eu ficava muito em casa por causa da asma, acabei me dedicando ao piano.” O exemplo de Tom Jobim mostra que as pessoas podem inventar saídas diante de uma situação imposta por certos limites. A clínica ampliada propõe que o profissional de saúde desenvolva a capacidade de ajudar cada pessoa a transformar-se, de forma que a doença, mesmo sendo um limite, não a impeça de viver outras coisas na sua vida. Nas doenças crônicas ou muito graves isso é muito importante, porque o resultado sempre depende da participação da pessoa doente, e essa participação não pode ser entendida como uma dedicação exclusiva à doença, mas, sim, uma capacidade de “inventar-se” apesar da doença. É muito comum, nos serviços ambulatoriais, que o descuido com a produção de vida e o foco excessivo na doença acabem levando usuários a tornarem-se conhecidos como poliqueixosos, pois a doença ou o risco torna-se o centro de suas vidas. Caso 3 Ao olhar o nome no prontuário da próxima paciente que chamaria, veio-lhe à mente o rosto e a história de A., jovem gestante que pedira um encaixe para uma consulta de urgência. Com 23 anos, ela estava na segunda gestação, porém não no segundo filho. Na primeira vez que engravidara, ela perdera a criança no sexto mês. E., obstetriz experiente, também fizera o pré-natal na primeira gestação e pôde acompanhar toda a frustração e tristeza da jovem após a perda. Com o prontuário na mão, abriu a porta do consultório e procurou o rosto conhecido. Fez um gesto sutil com a cabeça acompanhado de um sorriso, pensando ou dizendo de forma inaudível: “Vamos?”. Mal fechou a porta e já ouviu A. dizer, contendo um choro: “Ele não está se mexendo”. Quase escapou de sua boca uma ordem para que ela se deitasse imediatamente para auscultar o coração do bebê com o sonar. Olhou nos olhos de A. e, tendo uma súbita certeza do que estava acontecendo, disse: “Vamos deitar um pouco na maca?”. Enquanto a ajudava a deitar-se, ainda olhou para o sonar, confirmando a convicção de que não o usaria… pelo menos não ainda. A. se surpreendeu quando ela disse: “Feche os olhos e respire fundo”. Pegou a mão fria de A., apertou entre as suas e colocou-a sob a sua mão, ambas sobre a barriga. Respirou fundo e procurou se colocar numa postura totalmente atenta, concentrando-se no instante. Agora eram ali duas mulheres, reinventando o antigo compromisso de solidariedade e sabedoria feminina para partejar a vida. 62 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Quanto tempo se passou? Não saberia dizer. O suficiente para que ele começasse a se mexer com movimentos fortes e vigorosos dentro da barriga, sacudindo as mãos das mulheres e derrubando lágrimas da mãe. O que aconteceu foi que E. pôde mediar uma “conexão”, possibilitar uma vivência que estabeleceu uma conversa silenciosa entre mãe e filho e permitiu a A. aprender a conhecer e utilizar a sua própria força e lidar com o medo ao atravessar o “aniversário” de uma perda. Adaptado de: Brasil (2009a). A seguir, quadro com as sugestões de ações para o desenvolvimento da clínica ampliada: Quadro 19 Sugestões 1. Realizar a escuta qualificada Significa acolher toda queixa ou relato do usuário mesmo quando aparentemente não interessar diretamente para o diagnóstico e tratamento. Perguntar por que ele acredita que adoeceu e como ele se sente quando tem este ou aquele sintoma. Quanto mais a doença for compreendida e correlacionada com a vida, menos chance haverá de se tornar um problema somente do serviço de saúde. Assim o usuário poderá perceber que, senão nas causas, pelo menos nos desdobramentos o adoecimento não está isolado da sua vida e, portanto, não pode ser resolvido, na maior parte das vezes, por uma conduta mágica e unilateral do serviço de saúde. Será mais fácil evitar a infantilização e a atitude passiva diante do tratamento. Pode não ser possível fazer uma escuta detalhada o tempo todo para todo mundo, mas é possível escolher quem precisa mais. 2. Estabelecer vínculo e afetos Tantoprofissionais quanto usuários, individualmente ou coletivamente, percebendo ou não, depositam afetos diversos uns sobre os outros. Um usuário pode associar um profissional com um parente e vice-versa. Um profissional que tem uma experiência ruim com a polícia não vai sentir-se da mesma forma ao cuidar de um sujeito que tem essa profissão. Não significa, de antemão, uma relação melhor ou pior, mas é necessário aprender a prestar atenção a essas sensações às vezes evidentes, mas muitas vezes sutis. Isso ajuda a melhor compreender-se e a compreender o outro, aumentando a chance de ajudar a pessoa doente a ganhar mais autonomia e lidar com a doença de modo proveitoso para ela. Nesse processo, a equipe de referência é muito importante, porque a relação de cada membro da equipe com o usuário e familiares é singular, permitindo que as possibilidades de ajudar o sujeito doente se multipliquem. Sem esquecer que, dentro da própria equipe, esses sentimentos inconscientes também podem ser importantes na relação entre os profissionais da equipe. 3. Ponderar as opções terapêuticas A noção de saúde como bem de consumo precisa ser combatida para que possamos diminuir os danos. Os motivos e as expectativas das pessoas quando procuram um serviço de saúde precisam ser trabalhados na clínica ampliada, para diminuir o número de doenças causadas por tratamento inadequado e para não iludir as pessoas. Ocorre com relativa frequência o uso inadequado de medicações e exames, causando graves danos à saúde e desperdício de dinheiro. Os diazepínicos e antidepressivos são um exemplo. Aparentemente, muitas vezes, é mais fácil para os profissionais de saúde e também para os usuários utilizarem esses medicamentos do que conversar sobre os problemas e desenvolver a capacidade de enfrentá-los. O uso abusivo de antibióticos e a terapia de reposição hormonal são outros exemplos. Quanto aos exames, também existe uma mitificação muito forte. É preciso saber que muitos deles trazem riscos à saúde e limites, principalmente quando são solicitados sem os devidos critérios. 63 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA 4. Evitar culpabilizar/ amedrontar o usuário Quando uma equipe acredita que um jeito de viver é o certo, tende a orientar o usuário a ter um tipo de comportamento ou hábito. O usuário pode encontrar dificuldade em seguir “as ordens”, ter outras prioridades ou mesmo discordar das orientações da equipe. Se esta não tiver flexibilidade quando percebe que o usuário não obedeceu às suas recomendações, é bem possível que se irrite com ele, fazendo cobranças que só fazem com que o usuário também se irrite com a equipe, num círculo vicioso que não é bom para ninguém. A culpa paralisa, gera resistência, além de poder humilhar. É mais produtivo tentar construir uma proposta terapêutica pactuada com o usuário e com a qual ele se corresponsabilize. O fracasso e o sucesso, dessa forma, dependerão tanto do usuário quanto da equipe, e a proposta poderá ser mudada sempre que necessário. Mudar hábitos de vida nem sempre é fácil, mas pode se constituir numa oferta positiva para viver experiências novas, e não significar somente uma restrição. Atividade física e mudanças alimentares podem ser prazerosas descobertas. Mas atenção: não existe só um jeito saudável de viver a vida. 5. Realizar o diálogo atento Se o que queremos é ajudar o usuário a viver melhor, e não a torná-lo submisso à nossa proposta, não façamos das perguntas sobre a doença o centro de nossos encontros. Não começar por perguntas tão “batidas” (comeu, não comeu, tomou o remédio etc.) ou infantilizantes (“Comportou-se?”) é fundamental para abrir outras possibilidades de diálogo. Outro cuidado é com a linguagem da equipe com o usuário. Habituar-se a perguntar como foi entendido o que dissemos ajuda muito. Também é importante entender sua opinião sobre as causas da doença. É comum que doenças crônicas apareçam após um estresse, como falecimentos, desemprego ou prisão na família. Ao ouvir as associações causais, a equipe poderá lidar melhor com uma piora em situações similares, ajudando o usuário a ampliar sua capacidade de superar a crise. As pessoas não são iguais e reagem diferentemente aos eventos vividos. Além de interesses, existem forças internas, como os desejos (uma comida especial, uma atividade importante) e também forças externas – a cultura, por exemplo –, que influenciam o modo de viver. Apresentar os possíveis riscos é necessário, de modo que o usuário possa discuti-los e negociar com a equipe os caminhos a seguir. 6. Mudar o foco da doença A ideia de que todo sofrimento requer uma medicação é extremamente difundida, mas não deve seduzir uma equipe de saúde que aposte na capacidade de cada pessoa experimentar lidar com os revezes da vida de forma mais produtiva. Evitar a dependência de medicamentos é essencial. Aumentar o interesse e o gosto por outras coisas e novos projetos também é. A vida é mais ampla do que os meios que a gente vai encontrando para que ela se mantenha saudável. O processo de “medicalização da vida” faz diminuir a autonomia e aumenta a dependência ou a resistência ao tratamento, fazendo de uma interminável sucessão de consultas, exames e procedimentos o centro da vida. A medicação deve ser encarada como se fosse um pedido de tempo numa partida esportiva: permite uma respirada e uma reflexão para continuar o jogo. Mas o essencial é o jogo e não sua interrupção. Adaptado de: Brasil (2009a). Observação O processo de medicalização faz diminuir a autonomia e aumenta a dependência ou a resistência ao tratamento. Outros elementos também aparecem em destaque na clínica ampliada, que são a equipe de referência e apoio matricial, o projeto terapêutico singular e as reuniões de equipe. 64 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I A equipe multiprofissional de Saúde da Família é referência para uma determinada população, esta facilita um vínculo específico entre um grupo de profissionais e certo número de usuários. O que possibilita uma gestão mais centrada nos fins (coprodução de saúde e de autonomia) do que nos meios (consultas por hora, por exemplo) e tende a produzir maior corresponsabilização entre profissionais, equipe e usuários. Essas equipes são uma forma de resgatar o compromisso com o sujeito, reconhecendo toda a complexidade do seu adoecer e do seu projeto terapêutico (BRASIL, 2012). Há muitas possibilidades de operacionalização de Apoio Matricial. A proposta dos Nasf pode ser entendida como uma proposta de Apoio Matricial, pois na atenção básica, geralmente, os casos que são indicados para esse tipo de conduta são os mais complexos, que necessitam do apoio multiprofissional. O atendimento conjunto consiste em realizar uma intervenção tendo como sujeitos de ação o profissional de saúde e o apoiador matricial. Realizar, em conjunto com o apoiador ou equipe de apoio matricial, uma consulta no consultório, no domicílio ou em outro espaço; coordenar um grupo; realizar um procedimento. A intenção desse tipo de atendimento é possibilitar a troca de saberes e de práticas em ato, gerando experiência para ambos os profissionais envolvidos e usuários envolvidos (BRASIL, 2012). O Projeto Terapêutico Singular (PTS) constitui-se em um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas, para um sujeito individual ou coletivo, resultado da discussão coletiva de uma equipe multidisciplinar, com Apoio Matricial se necessário. Geralmente é dedicado a situações mais complexas. Consiste em uma variação da discussão de “caso clínico”, que foi bastante desenvolvido em espaços de atenção à saúde mental como forma de propiciar uma atuação integrada da equipe valorizando outros aspectos além do diagnóstico psiquiátrico e da medicação no tratamento dos usuários.O PTS é uma reunião de toda a equipe, em que todas as opiniões são importantes para ajudar na compreensão do usuário e/ou comunidade com necessidades de cuidado em saúde, para a definição de propostas de ações. A Reunião de Equipe é um espaço de diálogo, é preciso que haja um clima em que todos tenham direito à voz e à opinião (BRASIL, 2012). Segue uma lista de questionamentos que devem ser levados em consideração em uma reunião de equipe para estabelecer um PTS: Quem são as pessoas envolvidas no caso? • De onde vêm? Onde moram? Como moram? Como se organizam? • O que elas acham do lugar em que moram e da vida que têm? • Como lidamos com esses modos de ver e de viver? — Qual a relação entre elas e delas com os profissionais da equipe? — De que forma o caso surgiu para a equipe? — Qual é e como vemos a situação envolvida no caso? 65 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA • Essa situação é problema para quem? • Essa situação é problema de quem? • Por que vejo essa situação como problema? • Por que discutir esse problema e não outro? • O que já foi feito pela equipe e por outros serviços nesse caso? • O que a equipe tem feito com relação ao caso? • Que estratégia/aposta/ênfase tem sido utilizada para enfrentar o problema? • Como esse(s) usuário(s) tem/têm respondido a essas ações da equipe? • Como a maneira de agir, de pensar e de se relacionar da equipe pode ter interferido nessa(s) resposta(s)? • O que nos mobiliza nesse(s) usuário(s)? • Como estivemos lidando com essas mobilizações até agora? • O que os outros serviços de saúde têm feito com relação ao caso? Como avaliamos essas ações? — A que riscos (individuais, políticos, sociais) acreditamos que essas pessoas estão expostas? — Que processos de vulnerabilidade essas pessoas estão vivenciando? • O que influencia ou determina negativamente a situação (no sentido da produção de sofrimentos ou de agravos)? • Como essas pessoas procuram superar essas questões? • O que protege ou influencia positivamente a situação (no sentido da diminuição ou superação de sofrimentos ou de agravos)? • Como essas pessoas buscam redes para ampliar essas possibilidades? • Como os modos de organizar o serviço de saúde e as maneiras de agir da equipe podem estar aumentando ou diminuindo vulnerabilidades na relação com essas pessoas? 66 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I — Que necessidades de saúde devem ser respondidas nesse caso? — O que os usuários consideram como suas necessidades? — Quais objetivos devem ser alcançados no Projeto Terapêutico Singular? — Quais objetivos os usuários querem alcançar? — Que hipóteses temos sobre como a problemática se explica e se soluciona? — Como o usuário imagina que seu “problema” será solucionado? — Que ações, responsáveis e prazos serão necessários no Projeto Terapêutico Singular? — Com quem e como iremos negociar e pactuar essas ações? — Como o usuário e sua família entendem essas ações? — Qual o papel do(s) usuário(s) no Projeto Terapêutico Singular? O que ele(s) acha(m) de assumir algumas ações? — Quem é o melhor profissional para assumir o papel de referência? — Quando provavelmente será preciso discutir ou reavaliar o PT? Fonte: Brasil (2009a, p. 58-60). 2.3 Programas públicos de controle das Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) As DCNT são as principais causas de morte no mundo, correspondendo a 63% dos óbitos em 2008. Aproximadamente 80% das mortes por DCNT ocorrem em países de baixa e média renda. Um terço dessas mortes ocorre em pessoas com idade inferior a 60 anos. A maioria dos óbitos por DCNT são atribuíveis às doenças do aparelho circulatório (DAC), ao câncer, à diabetes e às doenças respiratórias crônicas (BRASIL, 2011b.). As principais causas dessas doenças incluem fatores de risco modificáveis, como tabagismo, consumo nocivo de bebida alcoólica, inatividade física e alimentação inadequada. No Brasil, as DCNT constituem o problema de saúde de maior magnitude e correspondem a 72% das causas de mortes. Da mesma forma como ocorre no cenário mundial, no país as DCNT atingem fortemente as camadas mais pobres da população e grupos vulneráveis (BRASIL, 2011b). 67 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Em termos de mortes atribuíveis por DCNT, os grandes fatores de risco globalmente conhecidos são: pressão arterial elevada (responsável por 13% das mortes no mundo), tabagismo (9%), altos níveis de glicose sanguínea (6%), inatividade física (6%) e sobrepeso e obesidade (5%). As taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares e respiratórias crônicas estão diminuindo, possivelmente como resultado do controle do tabagismo e do maior acesso à Atenção Primária, melhoria da assistência e redução do tabagismo nas últimas duas décadas, que passou de 34,8% (1989) para 15,1% (BRASIL, 2014a). Entretanto, as taxas de mortalidade por diabetes e câncer aumentaram nesse mesmo período (BRASIL, 2011b). Saiba mais Para ter mais informações sobre o plano de ações que o MS traçou para as DCNT, acesse: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) no Brasil: 2011-2022. Brasília: Ministério da Saúde, 2011a. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/plano_acoes_enfrent_ dcnt_2011.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2018. No país, os fatores de risco para as DCNT são monitorados por meio de diferentes inquéritos de Saúde, com destaque para o monitoramento realizado pelo sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel). Com vista às informações sobre as DCNT e seus fatores de risco, as equipes da ESF devem estruturar suas ações da forma mais abrangente possível para que os usuários dos serviços de saúde tenham um melhor controle sobre sua condição de saúde e consigam estabelecer ações para diminuir os fatores de risco que ainda são prevalentes na população. Entre as atividades que as equipes da ESF podem incorporar em seu fazer cotidiano, destacam-se a estratificação das pessoas segundo riscos/vulnerabilidade, com intervenções individuais e coletivas conforme o estrato de risco; o cuidado compartilhado; o apoio ao autocuidado; a maior qualidade nos cuidados preventivos, inclusive na prevenção de uso desnecessário de tecnologias; a reformulação de saberes e práticas oriundas da formação, incorporando conceitos das ciências sociais, intervenções comportamentais, neuropsicológicas, ambientais e econômicas – que podem se dar em programas de educação permanente, cursos, discussão de casos, consensos, aprendizagem entre pares, bem como na implementação de ações intersetoriais (BRASIL, 2014a). Nesse sentido, as abordagens e metodologias compreensivas podem ser utilizadas com vistas à obtenção de resultados satisfatórios quando as equipes de ESF almejam que as pessoas se empoderem da capacidade sobre sua condição de saúde para realizar o autocuidado. 68 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I De acordo com o Ministério da Saúde: As metodologias compreensivas trabalham basicamente com as experiências, as vivências e os significados, assim como os sentimentos dos usuários em relação a sua condição crônica. O modelo explicativo da doença é um conceito que tenta agrupar todos esses aspectos. Observamos que o plano comum de cuidados, que é resultado de uma negociação e de um entendimento entre profissional de saúde e usuário, pode ser uma concretização do processo compreensivo (BRASIL, 2014a, p. 130).Lembrete Tabagismo, alcoolismo, alimentação não saudável, inatividade física e excesso de peso são os principais fatores de risco para as DCNT. O quadro a seguir apresenta a síntese das principais metodologias e abordagens compreensivas: Quadro 20 Metodologias/abordagens compreensivas Método clínico centrado na pessoa Foi desenvolvido no Canadá por um grupo de trabalho multiprofissional – assistente social, médico de família, enfermeiras e comunidade. Ferramenta clínica centrada na pessoa, e não na doença, sustenta-se em uma abordagem compreensiva e em uma ênfase na qualidade da relação profissional-pessoa. São desenvolvidos na consulta: 1. Explorar a doença e a experiência da doença por meio das dimensões Fife (felling-idea-function-expectation, ou em português: sentimentos, ideias, efeitos na funcionalidade e expectativas). 2. Elaborar um plano conjunto de manejo dos problemas. 3. Ser realista. Abordagem cognitivo-comportamental Utiliza recursos para a modificação do pensamento disfuncional que leva a um comportamento-problema. A teoria se baseia no conceito de crença central (algum conceito absoluto, elaborado sobre um fato), que determina as crenças intermediárias (conjunto de “leis” que regem a vida de uma pessoa sobre o fato da crença central), criando pensamentos (pensamentos não resultantes de raciocínio lógico) específicos em relação a esse fato. Esse sistema se chama “esquema mental” e se estabelece a partir de cada conceito elaborado na relação do indivíduo com o meio, causando ou não prejuízo. A terapia cognitivo-comportamental busca identificar esses pensamentos e seus desencadeantes para corrigi-los por meio da análise lógica, com a aplicação de técnicas cognitivo-comportamentais, ao longo do processo de mudança para promover a boa evolução do quadro. Entrevista motivacional Tem seu foco na mudança comportamental, estimula ativando a própria motivação das pessoas para a mudança e adesão ao tratamento. Parte do princípio de que a maneira como se fala com as pessoas pode influenciar substancialmente na sua motivação pessoal para mudar o seu comportamento. É também considerada uma abordagem cognitivo-comportamental (CP) que tenta modificar uma situação específica em que é necessário que a pessoa mude seu comportamento e se encontre ambivalente em relação a essa mudança. 69 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Ela sempre respeitará a autonomia da pessoa, colocando-se como colaborativa e evocativa (ativando a própria motivação do sujeito e seus recursos para a sua mudança). As razões e as motivações que a pessoa tem para a mudança serão o foco da EM, nunca as razões e as motivações dos profissionais. Foca-se mais em problemas práticos e concretos, por exemplo: tomar medicação regularmente, mudar aspectos da ingestão alimentar, fazer exercícios, parar de fumar, comparecimento à consulta ou ao grupo, aprender a medir a glicemia, aplicar insulina, saber como cuidar dos pés etc. Na maioria das vezes, o portador da condição crônica tem as informações e sabe que precisa mudar, mas não consegue fazer a mudança por diversos fatores. É nessa ambivalência que ela atua. Problematização – Empoderamento Baseada em Paulo Freire, a pedagogia da problematização sustenta-se basicamente em três etapas processuais: 1. Escutar e ouvir os problemas trazidos pelas pessoas, sempre partir da realidade ou do cotidiano delas. Fazer um esforço compreensivo sobre a visão que elas têm sobre determinado problema. Aprender qual a bagagem cultural delas. Essa etapa, que tem muita semelhança com o método compreensivo, continua com os questionamentos respeitosos que o profissional de saúde faz em relação àquilo que o usuário está colocando. 2. Problematizar: a partir da dúvida e surpresa diante da fala do usuário e profissional. Surge a partir do não entendimento daquilo que está sendo colocado. O direito à pergunta e à dúvida é fundamental para avançar no processo de compreensão e de construção de um plano comum. Essa problematização se faz por meio de perguntas ou colocações simples que visam aprofundar a compreensão por meio das contradições apresentadas nos relatos de vivências: Por quê? Não entendi muito bem o que você colocou, poderia me explicar melhor? De onde vem isso que está falando? Onde você ouviu? Fala-me um pouco mais sobre isso? Parece que você colocou uma coisa antes e agora outra coisa, poderia me falar mais um pouco sobre isso? A ideia é de que, com essas perguntas, se constrói uma visão crítica daquilo que está se falando ou se fazendo em relação a determinado problema. 3. Voltar à realidade com outro olhar, com outra prática: após o segundo passo, a pessoa ou os grupos começam a olhar a sua realidade de outra forma. A ideia também é de que mudem a sua prática individual, familiar e coletiva. Essa mudança é lenta. Muitas vezes é realizada por meio de pequenos passos. Ao profissional cabe ter paciência metodológica e olhar o processo como um todo, avaliando mudanças, avanços e dificuldades. Abordagem familiar A proposta é ver a pessoa que está com um problema a partir de outra lente, na qual é possível perceber todo o contexto em que esse problema ocorre. Existem diversas ferramentas que auxiliam a conhecer melhor o contexto familiar. Uma das mais conhecidas é o genograma, que consiste na ilustração da composição familiar com informações sobre seus membros como gênero, idade, parentesco, doenças, fatores de risco, situação laboral e morte, acrescidas da representação das relações entre esses membros, como conflitos e alianças. Outra forma de avaliar o funcionamento da família pode ser recordada por meio da ferramenta Practice, abordando oito dimensões que identificam muitas informações sobre a estrutura e a dinâmica familiar por meio da exploração do problema, dos papéis (rules), do afeto, da comunicação, do tempo no ciclo de vida, da história do adoecimento (ilness history), da comunidade e do ambiente (environment) que envolvem a família. Educação para o autocuidado em grupos O grupo possibilita a criação de redes sociais e o compartilhamento de experiências. São espaços (objetivos e subjetivos) onde se desenvolve uma escuta para as necessidades das pessoas, dos seus problemas e vivências e onde a informação circula entre a experiência técnica dos profissionais e a vivência dos participantes, buscando soluções em conjunto. É um dispositivo para olhar as relações e os modos de viver, produzindo mudanças que possam melhorar a qualidade de vida. 70 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Suas atividades precisam ter aspectos comuns para facilitar a identidade grupal e entre os participantes. Podemos utilizar um ou vários critérios para agrupar os usuários. Por exemplo: critérios de gênero, idade, escolaridade, renda (socioeconômicos), clínicos e de estratificação de risco; esse último aspecto é fundamental, já que vai determinar que tipo de cuidado o usuário precisará e a organização da equipe. Técnicas educativas Nas ações coletivas, elas podem ser escolhidas de acordo com o tipo de público e com o objetivo da atividade. Não existe método melhor que outro, mas eles devem respeitar o princípio da pertinência (adaptação da didática ao objetivo pedagógico) e o princípio da aprendizagem, principalmente o conceito de participação ativa, do direito ao erro, de retroinformação, de progressão a um ritmo individual. Em uma sessão coletiva, seu uso pode facilitar a apropriação do autocuidado pelo usuário. Elas são úteis para desenvolver a capacidade intelectual, o conhecimento ou facilitar a expressão dos participantes, suas habilidades (manuais ou outras) e suas atitudes diante de uma decisão que deve ser tomada ou uma situação que pode estar relacionada ao seu tratamento. Consulta coletivaConsiste em reunir um pequeno número de usuários e realizar a abordagem clínica, incluindo anamnese, medidas antropométricas, aferição de pressão arterial e de glicemia capilar, avaliação de resultado de exames, entre outras atividades. Todos os usuários participam e podem se manifestar durante toda a consulta. Deve-se ter o cuidado de não expor os usuários demasiadamente, e o profissional deve mediar sempre que alguma intervenção possa ser prejudicial a eles. Consultas multidisciplinares/Consultas em sequência Um grupo de usuários é agendado para um mesmo horário na Unidade de Saúde e se consultará, em sequência, com diversos profissionais (médico, enfermeiro, nutricionista, farmacêutico, conforme as necessidades). Enquanto alguns estão realizando as consultas, os demais estão reunidos com outro integrante da equipe de saúde, que coordena atividades de grupo. Essa modalidade diminui o tempo do usuário na unidade, facilita a conversa dele com vários profissionais, define papéis dos profissionais e tem retorno positivo entre os profissionais em relação às suas competências de núcleo e de campo. Nenhuma dessas opções substitui uma consulta individual quando for necessária, mas as equipes que realizam essas práticas referem que, ao mesmo tempo em que observam melhores resultados em saúde, as consultas individuais passam a ser muito mais rápidas. Adaptado de: Brasil (2014a). Saiba mais Para ter mais informações sobre outras abordagens na educação em saúde, confira: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Caderno de educação popular e saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2007. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderno_educacao_ popular_saude_p1.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2018. Além dessas abordagens, o enfermeiro em suas consultas também poderá realizar a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE). 71 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Segundo Garcia et al. (2017), o histórico de enfermagem na Atenção Básica foge do tradicional checklist de dados do usuário, realizado em todas as consultas. Como, por exemplo: onde mora, se é tabagista, se mora sozinho etc. Entende-se que existe a necessidade de que todos os dados sejam coletados nesse primeiro contato, como dados sobre a vida sexual (se essa não for a queixa do usuário), pois várias informações podem ser coletadas ao longo do acompanhamento do usuário, uma vez que o cuidado é longitudinal, sem constrangê-lo ou sobrecarregá-lo de questionamentos que a seu ver naquele momento são desnecessários. Nessa perspectiva, uma história clínica mais completa, sem filtros, tem uma função terapêutica em si mesma, na medida em que situa os sintomas na vida do sujeito e proporciona a ele a possibilidade de falar, o que implica algum grau de análise sobre a própria situação. A partir da percepção da complexidade do sujeito acometido por uma doença, o profissional pode perceber que os determinantes do problema não estão ao alcance de intervenções pontuais e isoladas. Fica clara a necessidade do protagonismo do sujeito no projeto de sua cura: autonomia (GARCIA et al., 2017). O exame físico na Atenção Básica também não acontece de forma completa e na sequência cefalopodal, e nem são abordados todos os sistemas na primeira consulta, uma vez que a clínica não é eminentemente direcionada aos órgãos quando se trabalha na perspectiva do empoderamento e da qualidade de vida. Dessa forma, o enfermeiro trabalha outras referências para além do biológico, como os aspectos sociais e subjetivos do usuário, o que requer outras competências clínicas, que não priorizam o exame físico necessariamente. Muitas vezes, é necessário construir um vínculo para realização de exames mais invasivos, respeitando a individualidade e o direito à não exposição do usuário. Por esse motivo o diagnóstico de Enfermagem na Atenção Básica direciona o cuidado à pessoa, à família ou à comunidade e não somente a um indivíduo doente. Ele é mais amplo do que o que possa ser considerado na taxonomia da Associação Norte-Americana de Diagnósticos de Enfermagem (Nanda), por isso a Classificação Internacional das Práticas de Enfermagem em Saúde Coletiva (Cipesc) possa ser uma alternativa mais apropriada nesse caso (GARCIA et al., 2017). Garcia et al. (2017) ainda defendem que ele pode ser descrito a curto, médio e longo prazo, não havendo um número mínimo ou máximo de diagnóstico a ser anotado. Recomendamos que sejam apontados os diagnósticos de curto prazo, e, conforme a evolução do caso, o Enfermeiro deverá avançar para os diagnósticos de médio e longo prazo. A prescrição de Enfermagem na Atenção Básica é o planejamento e implementação do cuidado, necessitando para sua descrição pactuar com o usuário as metas a serem alcançadas por ele. Ela não deve ser algo passivo e unidirecional, pois quanto mais consciência o usuário tiver do objetivo a ser alcançado e compactuar as metas, melhores serão os resultados. A evolução ou avaliação de Enfermagem na Atenção Básica é o momento de reavaliação da efetividade do cuidado e não existe um período fechado de 24 horas para esse procedimento, como no caso hospitalar. O usuário é reavaliado conforme as metas pactuadas na sua última consulta com o enfermeiro. Essa evolução não necessariamente é continuada pelo mesmo enfermeiro, podendo estar intercalada com uma consulta médica, e, neste caso, a evolução será a partir da consulta médica realizada, entendendo que existe uma continuidade do cuidado, independentemente do profissional que dará sequência ao acompanhamento na equipe multiprofissional (GARCIA et al., 2017). 72 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Também conforme Garcia et al. (2017), uma forma de registro considerada bastante efetiva para a prática clínica é o Registro Clínico Orientado por Problemas (RCOP), que consiste em uma adaptação do Registro Médico Orientado por Problemas (originalmente criado para o ambiente hospitalar) e seu componente denominado Soap (subjetivo, objetivo, avaliação, plano). O RCOP, apesar de ter origens na área médica, pode ser adaptado e utilizado por todos os profissionais da Equipe de Saúde da Família, permitindo a padronização das notas clínicas e potencializando o trabalho e a comunicação em equipe. Ele possui três áreas fundamentais para registro das informações: a base de dados do usuário, a lista de problemas e as notas de evolução clínica (notas Soap). Se bem utilizado, é um método eficiente para a recuperação rápida das informações clínicas, garantindo continuidade articulada de cuidados em equipe dentro da ESF-APS (GARCIA et al., 2017). A estrutura das notas de evolução no RCOP é formada por quatro partes conhecidas por Soap (GARCIA et al., 2017): • S – Subjetivo: anotam-se informações recolhidas na entrevista clínica sobre o motivo da consulta ou o problema/necessidade de saúde em questão; inclui as impressões subjetivas do profissional de saúde e as expressas pelo usuário. • O – Objetivo: anotam-se dados positivos e negativos do exame físico e dos exames complementares. • A – Avaliação: após a coleta e o registro organizado dos dados e informações subjetivas (S) e objetivas (O), o profissional faz uma avaliação (A) mais precisa em relação ao problema, queixa ou necessidade de saúde, definindo-o e denominando-o. Nesta parte poderá, se for o caso, utilizar algum sistema de classificação de problemas clínicos. • P – Plano: é a parte final da nota de evolução, consiste em determinar os cuidados ou condutas que serão tomados em relação ao problema ou necessidade avaliada. O parecer Coren-SP nº 056/2013, que dispõe sobre a utilização do método Soap no processo de enfermagem, considera que esse método baseia-se num suporteteórico que orienta a coleta de dados, no estabelecimento de diagnósticos de enfermagem, no planejamento das ações ou intervenções e fornece dados para a avaliação dos resultados de enfermagem, assim sendo, contempla o processo de enfermagem e pode ser utilizado para registro no prontuário. Saiba mais Para ter mais informações sobre RCOP: DEMARZO et al. Gestão da prática clínica dos profissionais na Atenção Primária à saúde: módulo político gestor. (Especialização em Saúde da Família). Universidade Federal de São Paulo (UnA-SUS), São Paulo, [s.d.]. Disponível em: <https://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/1/ modulo_politico_gestor/Unidade_10.pdf> Acesso em: 14 set. 2018. 73 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Segundo a Associação Brasileira de Enfermagem (Aben), existem vários sistemas de classificação para descrever a prática de enfermagem. Isso levou o Conselho Internacional de Enfermeiros (CIE) (Internacional Council of Nursing (ICN)), por sugestão da Organização Mundial de Saúde (OMS), a padronizar sua prática adotando um Sistema de Classificação Internacional, a Cipe, que foi publicada em 1996 (DEMARZO et al., [s.d.]). A Cipe reúne todos os sistemas de classificação de enfermagem existentes: North American Nurse Diagnosis Association (Nanda), Nursing Interventions Classification (NIC) e Nursing Outcomes Classification (NOC). Contudo, ela infelizmente não incorpora as práticas que ocorrem na atenção básica. Dessa forma, existe a necessidade de incluir termos associados a essa esfera de atuação da enfermagem (DEMARZO et al., [s.d.]). Ainda conforme Demarzo et al. ([s.d.], assim foram constituídos grupos de trabalho para a elaboração de processos para a identificação de termos que pudessem ser usados pelos enfermeiros da atenção básica, e, nesse sentido, a enfermagem brasileira aparece em destaque na construção coletiva, desenvolvendo um projeto de Classificação Internacional das Práticas de Enfermagem em Saúde Coletiva (Cipesc) com a intenção de revelar a dimensão, a diversidade e a amplitude das práticas de enfermagem da atenção básica. A Cipesc foi desenvolvida pela Aben entre os anos de 1997 a 2000 com duas vertentes de análise dos resultados: a produção de um inventário vocabular de enfermagem em saúde coletiva a partir da identificação de fenômenos e ações de enfermagem; e a caracterização do processo de trabalho de enfermagem em saúde coletiva no Brasil. Os cenários de execução do projeto foram escolhidos a partir dos critérios que levaram em consideração a diversidade das práticas de enfermagem no Brasil: Salvador-BA, Sobral-CE, Brasília-DF, Aracruz-ES, Goiânia-GO, Belo Horizonte-MG, Campo Grande-MS, Santarém-PA, Cabedelo-PB, Londrina-PR, Porto Alegre-RS, Niterói-RJ, Blumenau-SC, Ribeirão Preto-SP e São Paulo-SP (CAVALCANTE, 2014). O vocabulário resultante do projeto Cipesc®/ABEn contempla 3.479 ações de enfermagem e 542 fenômenos de enfermagem, sendo 331 destes classificados também no eixo foco da prática da classificação de fenômenos da Cipe® (CAVALCANTE, 2014). Assim, constata-se que a saúde coletiva reúne 211 fenômenos de enfermagem a mais em comparação com a assistência no âmbito hospitalar, evidenciando a ampla diversidade de suas práticas. Sobre os diagnósticos de enfermagem, a experiência da Cipesc® em Curitiba sugere que, para cada consulta de enfermagem, deve-se utilizar no mínimo um e no máximo quatro diagnósticos, sendo que, para cada diagnóstico, atribuem-se de uma a quinze intervenções de enfermagem (ALVES et al., 2013) A utilização da Cipesc® como instrumento de normatização do trabalho dos enfermeiros em saúde coletiva auxilia na consolidação das diretrizes e ações desenvolvidas no SUS e ao mesmo tempo promove a reflexão profissional sobre a resolutividade de suas práticas, bem como a identificação e legitimação de uma linguagem técnica de enfermagem (CAVALCANTE, 2014). 74 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Saiba mais Para conhecer os diagnósticos de enfermagem e as intervenções da Cipesc, acesse: ALBUQUERQUE, L. M.; CUBAS, M. R. (Orgs.). Cipescando em Curitiba: Construção e implementação da nomenclatura de diagnósticos e intervenções de enfermagem na rede básica de saúde. Curitiba: Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Paraná – UFPR, 2005. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4188228/ mod_resource/content/1/CIPESC.pdf>. Acesso em: 9 out. 2018. As anotações de enfermagem têm o objetivo de fornecer dados que subsidiarão o enfermeiro no estabelecimento do plano de cuidados/prescrição de enfermagem, permite refletir sobre os cuidados ministrados, respectivas respostas do paciente e os resultados esperados e o desenvolvimento da evolução de enfermagem. Além disso, elas têm como objetivo assegurar a comunicação entre os membros da equipe multiprofissional e possibilitar a continuidade do processo de trabalho, o que garante a segurança para o usuário e o respaldo do ponto de vista legal e ético do prontuário (GARCIA et al., 2017). O texto a seguir ilustra um caso gerencial no qual fica evidenciada a importância das anotações em prontuário para respaldar as condutas profissionais: Importância do registro e assinatura no prontuário Em uma sexta-feira, na UBS de um bairro de periferia de São Paulo, por volta das 11 horas, Sra. C. chega com seu filho de 8 meses referindo febre. É atendida pela enfermeira M., que acolhe a queixa. Na consulta de enfermagem, a enfermeira M. examina a criança e verifica que a temperatura é de 38,5 ºC. Nesse momento, a UBS encontrava-se sem médico, e a enfermeira, seguindo os protocolos institucionais, descreve todo o exame físico e a sintomatologia, e prescreve um antitérmico. Identificando a necessidade, encaminha o caso para o primeiro atendimento médico no retorno deste à UBS. Dr. J. retornou por volta das 13h30, muito atrasado. É comunicado sobre o caso e, ao chamar Sra. C. e seu filho, não obtém resposta. Mãe e criança haviam se evadido (fato que foi registrado em prontuário). Terminado o expediente, a enfermeira M. se despede da equipe, pois aquele era seu último dia de trabalho, pois sairia de férias a partir da segunda-feira. No retorno das férias, a enfermeira M. tem uma péssima notícia: o filho da Sra. C. havia falecido no domingo seguinte ao atendimento na UBS. A equipe conta à enfermeira que os 75 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA moradores mais próximos da família culparam o atendimento da unidade como causa da morte da criança. Classificaram-no como incompleto, consideraram a dispensa incorreta, entre outras acusações. O fato ganhou grande repercussão, mas a equipe estava respaldada. A enfermeira M. havia deixado tudo anotado: horário da consulta com a enfermeira, sinais, sintomas, exame clínico, medicação administrada, orientações e, ainda, o nome da criança como a ser atendida primeiro pelo médico. A população presente que reivindicava o esclarecimento sobre a causa da morte da criança compreendeu que a mãe deveria ter esperado, já que a criança estava medicada. Após uma semana, a equipe da unidade recebeu um dos moradores presentes no dia da reivindicação, o qual pediu desculpas, pois soube que os pais dormiram em cima da criança e o Instituto Médico Legal (IML) deu como causa mortis sufocamento. Fonte: Garcia et al. (2017, p. 48-49). As visitas domiciliárias constituem um instrumento de trabalho importante das equipes de ESF, principalmente para a equipe de enfermagem, como uma importante ferramenta de produção do cuidado. As visitas deverão ser programadas pela equipe multiprofissional, considerando os critérios de risco e vulnerabilidade, de modo que famíliascom maior necessidade sejam visitadas mais vezes. A captação para a visita domiciliária pode ocorrer em vários momentos: na consulta de enfermagem, na realização de procedimentos pela equipe de enfermagem, no atendimento das equipes, durante a busca ativa, acordadas nas reuniões de equipe e durante a busca da família/indivíduo espontaneamente, pois nesses momentos pode-se identificar alguma situação que requeira acompanhamento/intervenção domiciliária (GARCIA et al., 2017). As visitas domiciliárias devem ser planejadas a partir de critérios definidos previamente. O enfermeiro deve identificar, juntamente à equipe de enfermagem, problemas e necessidades dos usuários, bem como de sua família, objetivando à realização da SAE. Deverá também ser traçado um conjunto de medidas e ações que serão realizadas pela equipe multiprofissional. O plano de cuidados de enfermagem a ser realizado pelo técnico ou auxiliar de enfermagem deve ser cuidadosamente anotado no prontuário, bem como avaliado pelo Enfermeiro (GARCIA et al., 2017). O quadro a seguir apresenta as principais atribuições da equipe de enfermagem durante a visita domiciliária: 76 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Quadro 21 Atribuições da equipe de enfermagem Enfermeiro Realizar visitas domiciliárias considerando o espaço privilegiado do cuidado, que é o domicílio, e usar todo o potencial para compreender e interagir com o usuário e/ou cuidador, respeitando os limites destes. Realizar a SAE/Cipesc, considerando que a visita domiciliária é uma continuidade do atendimento na Unidade, na comunidade e nos grupos, seguindo a longitudinalidade da assistência. Realizar procedimentos privativos do enfermeiro. Avaliar periodicamente pacientes acamados. Realizar a visita conjunta com equipe multiprofissional para realizar ações e/ou intervenções necessárias. Realizar periodicamente a supervisão das visitas efetuadas pela equipe de enfermagem. Observar potenciais riscos e vulnerabilidades na relação familiar. Avaliar periodicamente o desempenho da equipe na prestação do cuidado no domicílio. Registrar em prontuário a visita realizada. Técnico e/ou auxiliar de enfermagem Realizar procedimentos de enfermagem conforme prescrição e competência legal e técnica. Realizar tratamento supervisionado do portador de tuberculose e hanseníase. Realizar busca de faltosos nas consultas e vacinas da área de abrangência de sua unidade. Observar potenciais riscos e vulnerabilidades na relação familiar. Realizar educação em saúde com as pessoas e família, considerando o plano de cuidados e a necessidade avaliada durante a visita. Comunicar à enfermeira qualquer alteração encontrada nas visitas. Registrar em prontuário as ações desenvolvidas no domicílio. Fonte: Garcia et al. (2017, p. 55). O caso gerencial a seguir ilustra as possibilidades de ação do enfermeiro diante de uma visita domiciliária: Importância da presença do profissional de enfermagem no domicílio A enfermeira R. decidiu fazer uma visita domiciliária à dona C., devido à ausência de seu filho de 1 ano nas últimas consultas de puericultura. Ao chegar na casa da dona C., encontra-a chorosa e desanimada. A enfermeira R. diante do quadro de dona C., infere que a filha de dona C., J., de 16 anos, está grávida. Contudo a moça ainda não fez nenhum teste de gravidez. Dona C. é mãe de outras seis crianças. A família mora em uma casa de dois cômodos e, no momento, somente ela está trabalhando, deixando todos os filhos menores com sua filha J., de 16 anos, enquanto faz faxinas. J. não está frequentando a escola, é resistente a consultas médicas e, segundo a mãe, apresenta várias dúvidas sobre as alterações que tem percebido em seu corpo. 77 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA A enfermeira R., após as ações desenvolvidas no domicílio, retorna à unidade para a discussão de caso em reunião de equipe, na qual foi traçado um PTS, que envolveria toda a equipe. Fonte: Garcia et al. (2017, p. 53). 2.4 Diabetes mellitus (DM) O termo diabetes mellitus refere-se a um transtorno metabólico de etiologias heterogêneas, caracterizado por hiperglicemia e distúrbios no metabolismo de carboidratos, proteínas e gorduras, resultantes de defeitos da secreção e/ou da ação da insulina. A patologia vem aumentando nos últimos anos, como também sua importância e crescente prevalência; habitualmente está associada à dislipidemia, à hipertensão arterial e à disfunção endotelial. As evidências demonstram que o bom manejo desse problema na atenção básica evita hospitalizações e mortes por complicações cardiovasculares e cerebrovasculares, e pode melhorar também a qualidade de vida das pessoas acometidas pela doença. A prevalência da doença nos países da América Central e do Sul foi estimada em 26,4 milhões de pessoas e projetada para 40 milhões, em 2030. Nos países europeus e Estados Unidos (EUA) esse aumento se dará nas faixas etárias mais avançadas devido ao aumento na expectativa de vida, enquanto nos países em desenvolvimento esse aumento ocorrerá em todas as faixas etárias, sendo que, no grupo de 45 a 64 anos, a prevalência será triplicada e duplicada nas faixas etárias de 20 a 44 anos e acima de 65 anos (BRASIL, 2013b). Em nosso país, dados do Vigitel mostram que a prevalência autorreferida na população acima de 18 anos aumentou de 5,3% para 5,6%, entre 2006 e 2011. Ao analisar esses dados de acordo com o gênero, apesar do aumento de casos entre os homens, que eram 4,4% em 2006 e passaram para 5,2% em 2011, as mulheres apresentaram maior proporção da doença, correspondendo a 6% dessa população (BRASIL, 2013b). A pesquisa do Vigitel também evidenciou que as ocorrências são mais comuns em pessoas com baixa escolaridade, os números indicam que 7,5% das pessoas que têm até oito anos de estudo possuem diabetes, contra 3,7% das pessoas com mais de 12 anos de estudo, uma diferença de mais de 50% (BRASIL, 2011a). O levantamento apontou também que o DM aumenta de acordo com a idade da população: 21,6% dos brasileiros com mais de 65 anos referiram a doença, um índice bem maior do que entre as pessoas na faixa etária entre 18 e 24 anos, em que apenas 0,6% estão com a doença (BRASIL, 2013b). Quanto à distribuição, a capital com o maior número de pessoas com DM foi Fortaleza, com 7,3% de ocorrências. Vitória teve o segundo maior índice (7,1%), seguida de Porto Alegre com 6,3%. Os menores índices foram registrados em Palmas (2,7%), Goiânia (4,1%) e Manaus (4,2%). Estima-se que o país passe da 8a posição, com prevalência de 4,6% em 2000, para a 6ª posição, e 11,3% em 2030. Os fatores de risco relacionados aos hábitos alimentares e estilo de vida da população estão associados a esse incremento na carga de DM globalmente. Um estudo realizado em Cuiabá-MT descreveu as características epidemiológicas de 7.938 pessoas com DM atendidas na rede pública entre 2002 e 2006. Os principais fatores de risco cardiovasculares identificados foram: sobrepeso, sedentarismo 78 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I e antecedentes familiares cardiovasculares. Mais de 80% dessas pessoas também eram hipertensas. O infarto agudo do miocárdio (IAM) foi a complicação mais frequentemente observada. Outro resultado importante foi a identificação de que o usuário já chega na atenção básica com sinais de estágio avançado da doença, o que demonstra, entre outros fatores, as dificuldades de diagnóstico precoce e ações de prevenção. Dessa forma, com o atendimento tardio, as complicações agudas e crônicas das doenças causam alta morbimortalidade, acarretando altos custos para os sistemas de saúde. Gastos relacionados ao diabetes, mundialmente, em 2010, foram estimados em 11,6% do total dos gastoscom atenção em saúde; em nosso país surgem valores semelhantes. Um estudo realizado pela OMS mostrou que os custos governamentais de atenção ao DM variam de 2,5% a 15% dos orçamentos anuais de Saúde, e os custos de produção perdidos podem exceder, em até cinco vezes, os custos diretos de atenção à saúde (BRASIL, 2013b). Ainda conforme o Ministério da Saúde (BRASIL, 2013b), existem algumas classificações da doença: • Tipo 1: o termo indica o processo de destruição da célula beta, que leva ao estágio de deficiência absoluta de insulina, quando a administração de insulina é necessária para prevenir cetoacidose. Em geral a manifestação inicial ocorre de forma abrupta, acomete principalmente crianças e adolescentes sem excesso de peso. Na maioria dos casos, a hiperglicemia é acentuada, evoluindo rapidamente para a cetoacidose, especialmente na presença de infecção ou outra forma de estresse. Assim, o traço clínico que mais define o tipo 1 é a tendência à hiperglicemia grave e cetoacidose, acomete aproximadamente 8% da população com a doença. • Tipo 2: o termo é usado para designar uma deficiência relativa de insulina, que é menos intensa do que a observada no tipo 1; costuma ter início insidioso e sintomas mais brandos. Manifesta-se, em geral, em adultos com longa história de excesso de peso e com história familiar de DM tipo 2. No entanto, com a epidemia de obesidade atingindo crianças, observa-se um aumento na incidência de diabetes em jovens, até mesmo em crianças e adolescentes. Após o diagnóstico, pode evoluir por muitos anos antes de requerer insulina para controle. Seu uso, nesses casos, não visa evitar a cetoacidose, que é rara nesses casos, quando presente, em geral é ocasionada por infecção ou estresse muito grave, o objetivo é manter o controle glicêmico. A hiperglicemia desenvolve-se lentamente, permanecendo assintomática por vários anos, acomete cerca de 90% dos casos na população • Diabetes gestacional: estado de hiperglicemia, menos severo que os tipos 1 e 2, detectado pela primeira vez na gravidez, geralmente se resolve no período pós-parto e pode frequentemente retornar anos depois. Hiperglicemias detectadas na gestação, que alcançam o critério de diabetes para adultos, em geral, são classificadas como diabetes na gravidez, independentemente do período gestacional e da sua resolução ou não após o parto. Sua detecção deve ser iniciada na primeira consulta de pré-natal. O quadro a seguir apresenta as manifestações clínicas clássicas para desconfiar da instalação da doença: 79 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Quadro 22 – Elementos clínicos que levantam a suspeita de DM Sinais e sintomas clássicos Poliúria Polidipsia Perda inexplicada de peso Polifagia Sintomas menos específicos Fadiga, fraqueza e letargia Visão turva (ou melhora temporária da visão para perto) Prurido vulvar ou cutâneo, balanopostite Complicações crônicas/doenças intercorrentes Proteinuria Neuropatia diabética (câimbras, parestesias e/ou dor nos membros inferiores, mononeuropatia de nervo craniano) Retinopatia diabética Catarata Doença arteriosclerótica (infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico, doença vascular periférica) Infecções de repetição Fonte: Brasil (2013b, p. 30). Diante desse cenário, é relevante realizar o diagnóstico precoce para o adequado tratamento antes que se instalem as complicações, dessa forma, o rastreamento das pessoas com fatores de risco torna-se uma medida primordial na atenção básica. O quadro a seguir aponta os principais fatores de risco para realizar o rastreamento: Quadro 23 – Critérios para o rastreamento do DM em adultos assintomáticos Excesso de peso (IMC >25 kg/m2) e um dos seguintes fatores de risco História de pai ou mãe com diabetes Hipertensão arterial (>140/90 mmHg ou uso de anti-hipertensivos em adultos) História de diabetes gestacional ou de recém-nascido com mais de 4 kg Dislipidemia: hipertrigliceridemia (>250 mg/dL) ou HDL-C baixo (< 35 mg/dL) Obesidade severa, acanthosis nigricans Síndrome de ovários policísticos História de doença cardiovascular Inatividade física ou idade ≥ 45 anos ou Risco cardiovascular moderado (Ver cadernos de atenção básica, nº 37 – Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica – hipertensão arterial sistêmica) Fonte: Brasil (2013b, p. 27). 80 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I O diagnóstico baseia-se na detecção da hiperglicemia. Existem quatro tipos de exames que podem ser utilizados: glicemia casual, glicemia de jejum, teste de tolerância à glicose com sobrecarga de 75 g em duas horas (TTG) e, em alguns casos, hemoglobina glicada (HbA1c). Quando a pessoa requer diagnóstico imediato e o serviço dispõe de laboratório com determinação glicêmica imediata ou de glicosímetro e tiras reagentes, a glicemia casual é o primeiro exame a ser solicitado. Nesse caso, o ponto de corte indicativo de diabetes é maior ou igual a 200 mg/dL na presença de sintomas de hiperglicemia. Não havendo urgência, é preferível solicitar uma glicemia de jejum medida no plasma por laboratório. Pessoas com glicemia de jejum alterada, entre 110 mg/dL e 125 mg/dL, por apresentarem alta probabilidade de ter diabetes, podem requerer segunda avaliação por TTG-75 g. No TTG-75 g, o paciente recebe uma carga de 75 g de glicose, em jejum, e a glicemia é medida antes e 120 minutos após a ingestão. Uma glicemia de duas horas pós-sobrecarga maior ou igual a 200 mg/dL é indicativa de diabete, e entre 140 mg/dL e 200 mg/dL indica tolerância à glicose diminuída (BRASIL, 2013b). A tabela apresenta os critérios diagnósticos: Tabela 1 – Valores preconizados para o diagnóstico de DM tipo 2 e seus estágios pré‑clínicos Categoria Glicemia de jejum* TTG: duas horas após 75g de glicose Glicemia casual** Hemoglobina glicada (HbA1C) Glicemia normal <110 <140 <200 Glicemia alterada >110 e <126 Tolerância diminuída à glicose ≥140 e <200 Diabetes mellitus ≥126 ≥200 200 (com sintomas clássicos***) >6,5% *O jejum é definido como a falta de ingestão calórica por, no mínimo, oito horas. **Glicemia plasmática casual é definida como aquela realizada a qualquer hora do dia, sem se observar o intervalo desde a última refeição. ***Os sintomas clássicos de DM incluem poliúria, polidipsia e polifagia. Fonte: Brasil (2013b, p. 31). Pessoas com hiperglicemia intermediária (glicemia de jejum entre 110 mg/dL e 125 mg/dL, e duas horas pós-carga de 140 mg/dL a 199 mg/dL e HbA1c entre 5,7% e 6,4%) são classificadas como casos de pré-diabetes, e pelo seu maior risco de desenvolver a doença, deverão ser orientadas para prevenção do diabetes, o que inclui orientações sobre alimentação saudável e hábitos ativos de vida, bem como reavaliação anual com glicemia de jejum (BRASIL, 2013b). A hemoglobina glicada, hemoglobina glicosilada ou glico-hemoglobina, conhecida pelas siglas A1C e HbA1C, indica o percentual de hemoglobina que se encontra ligada à glicose, que reflete os níveis médios de glicemia ocorridos nos últimos dois a três meses; é recomendado que seja utilizado como um exame de acompanhamento e de estratificação do controle metabólico. Tem a vantagem de não necessitar de períodos em jejum para sua realização (BRASIL, 2013b). 81 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA A figura a seguir apresenta o fluxograma para o atendimento do enfermeiro nos casos suspeitos e/ou portadores de DM, de acordo com o resultado da glicemia capilar: Sinais/sintomas e condições de risco presentes <100 mg/dL Diabetes improvável Testar glicemia de jejum a cada 2 anos, se pertencente a algum grupo de risco Consulta de enfermagem para mudanças no estilo devida e reavaliação em 1 ano Consulta médica para definir tratamento junto com a equipe ≥126 mg/dL≥100 <200 mg/dL Glicemia capilar Glicemia de jejum >100 <126 mg/dL Consulta de enfermagem Diabetes Figura 34 – Fluxograma para atendimento de enfermagem ao suspeito/portador de DM tipo 2 Além de levar em consideração o resultado da glicemia capilar, é interessante que o enfermeiro realize a estratificação do risco, para que possa dar o atendimento mais adequado para os usuários de portadores de DM. O quadro a seguir mostra os critérios para realizar essa estratificação: Quadro 24 – Estratificação de risco da população em relação ao DM tipo 2 Risco Critério Baixo Pessoa com glicemia de jejum alterada ou intolerância à sobrecarga de glicose Médio Pessoa com DM diagnosticado e: Controle metabólico e pressórico adequado Sem internações por complicações agudas nos últimos 12 meses Sem complicações crônicas Alto Pessoa com DM diagnosticado e: Controle metabólico ou pressórico inadequado ou Controle metabólico e pressórico adequados, mas com internações por complicações agudas nos últimos 12 meses ou complicações crônicas 82 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Muito alto Pessoa com DM diagnosticado e: Controle metabólico ou pressórico inadequado + internações por complicações agudas nos últimos 12 meses e/ou complicações crônicas Gestão de caso Pessoa com DM diagnosticado e: Controle metabólico e pressórico inadequado mesmo com boa adesão ao plano de cuidado (diabete de difícil controle) Múltiplas internações por complicações agudas nos últimos 12 meses Síndrome arterial aguda, há menos de 12 meses – AVE ou AIT, IAM, angina instável, DAP com intervenção cirúrgica Complicações crônicas severas – doença renal estágio 4 e 5, artropatia de Charcot, cegueira, múltiplas amputações, pés com nova ulceração, necrose, infecção e edema Comorbidades severas (câncer, doença neurológica degenerativa, doenças metabólicas, entre outras) Risco social – idoso dependente em instituição de longa permanência; pessoas com baixo grau de autonomia, incapacidade de autocuidado, dependência + ausência de rede de apoio familiar ou social Fonte: Brasil (2014a, p. 47). Lembrete Gestão de caso é o processo desenvolvido entre profissional e pessoa em condição de saúde complexa. Objetiva propiciar atenção de qualidade humanizada, diminuir a fragmentação do cuidado e aumentar a capacidade funcional. Na atenção básica, o enfermeiro está habilitado a realizar o acompanhamento dos usuários portadores de DM de maneira que muitos aspectos sobre o cotidiano e condições de vida dos portadores sejam contemplados. O quadro a seguir apresenta uma sugestão dos passos a serem realizados na consulta de enfermagem do usuário portador de DM: Quadro 25 Etapas da consulta de enfermagem Histórico Realizar a identificação da pessoa: dados socioeconômicos, ocupação, moradia, trabalho, escolaridade, lazer, religião, rede familiar, vulnerabilidades e potencial para o autocuidado Registrar os antecedentes familiares e pessoais: história familiar de diabetes, hipertensão, doença renal, cardíaca e diabetes gestacional Registrar as queixas atuais, história sobre o diagnóstico de DM e os cuidados implementados, tratamento prévio Avaliar a percepção da pessoa diante da doença, tratamento e autocuidado Medicamentos utilizados para DM e outros problemas de saúde e presença de efeitos colaterais 83 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Registrar os hábitos de vida: alimentação, sono e repouso, atividade física, higiene, funções fisiológicas Identificar os fatores de risco: tabagismo, alcoolismo, obesidade, dislipidemia e sedentarismo Exame físico Realizar medidas antropométricas: altura, peso, circunferência abdominal e IMC Aferir a pressão arterial com a pessoa sentada e deitada Identificar alterações de visão Realizar o exame da cavidade oral, com atenção para a presença de gengivite, problemas odontológicos e candidíase Medir a frequência cardíaca e respiratória e realizar a ausculta cardiopulmonar Realizar a avaliação da pele quanto a sua integridade, turgor, coloração e manchas Inspecionar os membros inferiores: unhas, dor, edema, pulsos pediosos e lesões; articulações (capacidade de flexão, extensão, limitações de mobilidade, edemas); pés (bolhas, sensibilidade, ferimentos, calosidades e corte das unhas) Durante a avaliação ginecológica, quando pertinente, deve-se estar atento à presença de candida albicans Diagnóstico das necessidades de cuidado Estar atento para as seguintes situações: Dificuldades, déficit cognitivo e analfabetismo Diminuição da acuidade visual e auditiva Problemas emocionais, sintomas depressivos e outras barreiras psicológicas Sentimento de fracasso pessoal e crença no aumento da severidade da doença Medo da perda da independência, da hipoglicemia, do ganho de peso e das aplicações de insulina Insulina Realiza a autoaplicação? Se não realiza, quem faz? Por que não autoaplica? Apresenta complicações e reações nos locais de aplicação? Como realiza a conservação e o transporte? Automonitoração Consegue realizar a verificação da glicemia capilar? Apresenta dificuldades no manuseio do aparelho? Planejamento da assistência Pontos importantes no planejamento da assistência: Abordar/orientar sobre os sinais de hipoglicemia, hiperglicemia e orientações sobre como agir diante dessas situações Motivação para modificar hábitos de vida não saudáveis, como fumo, estresse, bebida alcoólica e sedentarismo Percepção de presença de complicações Doença e processo de envelhecimento Uso de medicamentos prescritos (oral ou insulina), indicação, doses, horários, efeitos desejados e colaterais e controle da glicemia Estilo de vida Complicações da doença Uso da insulina e modo correto de como reutilizar agulhas; planejamento de rodízio dos locais de aplicação para evitar lipodistrofia Solicitar e avaliar os exames previstos no protocolo assistencial local Quando pertinente, encaminhar ao médico e, se necessário, a outros profissionais 84 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Implementação da assistência Deverá ocorrer de acordo com as necessidades e grau de risco da pessoa e da sua capacidade de adesão e motivação para o autocuidado, a cada consulta Atentar Pessoas com DM com dificuldade para o autocuidado precisam de mais suporte até que consigam ampliar as condições de se cuidar O apoio ao autocuidado poderá ser da equipe de saúde ou de outros recursos, familiares ou comunitários, articulados para esse fim Avaliação do processo de cuidado Avaliar como a pessoa e a família, quanto às metas de cuidado, foram alcançadas e o seu grau de satisfação em relação ao tratamento Observar se ocorreu alguma mudança a cada retorno à consulta Avaliar a necessidade de mudança ou adaptação no processo de cuidado e reestruturar o plano de acordo com essas necessidades Registrar no prontuário todo o processo de acompanhamento Adaptado de: Brasil (2013b, p. 35-38). O tratamento medicamentoso junto com a prática de atividades físicas e a alimentação balanceada com o controle de carboidratos, gorduras e sódio, fazem parte do tratamento do portador de DM. Todo medicamento tem efeitos colaterais que podem ser indesejáveis, por isso é importante a orientação do enfermeiro aos usuários quanto a esses efeitos e às condutas as serem instituídas. Quadro 26 – Principais efeitos adversos dos hipoglicemiantes orais e insulinas Denominação genérica Efeitos adversos Cloridrato de metformina Hipotensão postural, hipertensão de rebote na retirada, sedação, distúrbio do sono, cefaleia, vertigens e tonturas, depressão, sinais e sintomas psicóticos, diminuiçãoda libido, xerostomia, hepatotoxicidade, anemia hemolítica e febre. Glibenclamida Hipoglicemia, particularmente em idosos, distúrbios gastrintestinais, cefaleia, reações cutâneas, distúrbios hepáticos, alterações hematológicas e aumento de peso. Hipersensibilidade pode ocorrer nas seis primeiras semanas de tratamento. Gliclazida Hipoglicemia, particularmente em idosos, distúrbios gastrintestinais, reações cutâneas, distúrbios hepáticos. Insulinas (NPH e regular) Hipoglicemia, aumento de peso, edema, hipersensibilidade cutânea, reação no local de aplicação. Fonte: Brasil (2013b, p. 57). A hipoglicemia é uma situação clínica muito importante, pois pode ter desfechos fatais. Dessa forma, é importante estabelecer medidas no plano de cuidado diante dessa situação. O quadro a seguir sintetiza as principais ações a serem realizadas: 85 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Quadro 27 – Instruções para o manejo da hipoglicemia pelo paciente, família e serviço de saúde Paciente Ingerir 10 g a 20 g de carboidrato de absorção rápida; repetir em 10 a 15 minutos, se necessário. Amigo ou familiar Se a pessoa não conseguir engolir, não forçar. Pode-se colocar açúcar ou mel embaixo da língua ou entre a gengiva e a bochecha e levá-lo imediatamente a um serviço de saúde. Serviço de saúde Se existirem sinais de hipoglicemia grave, administrar 25 mL de glicose a 50% via endovenosa em acesso de grande calibre, com velocidade de 3 mL/min, e manter veia com glicose a 10% até recuperar plenamente a consciência ou glicemia maior de 60 mg/dL; manter então esquema oral, observando o paciente enquanto perdurar o pico da insulina; pacientes que recebem sulfonilureias devem ser observados de 48 h a 72 h para detectar possível recorrência. Fonte: Brasil (2013b, p. 70). A DM aparece como a segunda causa responsável pela doença renal crônica. Dessa forma, é fundamental fazer o rastreamento e o diagnóstico precoces da lesão renal. Entre as complicações crônicas do DM, as úlceras de pés e a amputação de extremidades são as mais graves e de maior impacto socioeconômico. As úlceras nos pés apresentam uma incidência anual de 2%, tendo a pessoa com diabetes um risco de 25% de desenvolver úlceras nos pés ao longo da vida. Estudos estimam que essa complicação é responsável por 40% a 70% das amputações não traumáticas de membros inferiores. Aproximadamente 20% das internações de indivíduos com DM ocorrem por lesões nos membros inferiores; 85% das amputações de membros inferiores no DM são precedidas de ulcerações, sendo que os principais fatores associados são a neuropatia periférica, deformidades no pé e os traumatismos (BRASIL, 2013b). As figuras a seguir servem para ilustrar as lesões que podem ser encontradas nos pés dos portadores de DM: Figura 35 – Calosidade plantar e úlcera neuropática 86 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Figura 36 – Úlcera Figura 37 – Úlcera vascular Figura 38 – Artropatia de Charcot 87 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Observação Artropatia de Charcot é uma deformidade osteoarticular, dolorosa à mobilização, ocorre nas articulações do pé/tornozelo associada à insensibilidade. A incidência varia de 0,1% a 5% em portadores de DM. A prevenção por meio do exame frequente dos pés de pessoas com DM, realizado pelo médico ou pela enfermeira em todas as consultas, é uma medida crucial para a redução das complicações (BRASIL, 2013b). Veja a seguir os principais pontos de avalição e os fatores de risco de lesão, que devem ser realizados nos pés dos usuários portadores de DM: • Avaliar o conhecimento do paciente sobre o diabetes. • Avaliar o conhecimento sobre os cuidados com os pés e as unhas (complicações agudas e crônicas de fácil identificação). • Avaliar o comportamento do paciente com relação aos seus pés. • Avaliar o cuidado executado pela pessoa. • Avaliar o apoio familiar no cuidado com os pés. • Avaliar as condições dos calçados e das palmilhas. • Amputação prévia. • Úlcera nos pés no passado. • Neuropatia periférica. • Deformidade nos pés. • Doença vascular periférica. • Nefropatia diabética (especialmente em diálise). • Mau controle glicêmico. • Tabagismo (BRASIL, 2013b, p. 95). 88 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I O exame físico dos pés dos portadores de DM deve ser minucioso e seguir algumas etapas: avaliação da pele; avaliação musculoesquelética; avaliação vascular; e avaliação neurológica. As figuras a seguir são de instrumentos que devem ser utilizados nesse exame, como teste do monofilamento e exame sensorial com o diapasão: Figura 39 Figura 40 89 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Figura 41 Figura 42 Figura 43 A seguir, condutas a serem tomadas na vigência de lesões nos pés dos portadores de DM: • Coleta de material para cultura nos ferimentos infectados (base da úlcera). • Limpeza diária com solução fisiológica a 0,9% aquecida. 90 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I • Não usar em nenhuma fase dos curativos: solução furacinada, permanganato de potássio ou pomadas com antibióticos. • Em caso de crosta ou calosidades, o desbridamento pode ser diário, avaliando a necessidade de encaminhamento ao cirurgião. • Uso de preparados enzimáticos que não contenham antibióticos de acordo com protocolo local. Nestes casos, na fase inicial, a limpeza da lesão deve ser feita duas vezes ao dia. • Evitar o uso de esparadrapo diretamente sobre a pele. • Úlceras infectadas e superficiais que não tenham comprometimento ósseo ou de tendões devem ser tratadas com antibióticos via oral (ver texto). • Orientar repouso, com o membro inferior afetado ligeiramente elevado, proteger o calcâneo e a região maleolar para que não surjam novas úlceras e não apoiar o pé no chão (BRASIL, 2013b, p. 103). Existem no mercado calçados que obedecem à padronização para o portador de pé diabético que não tem deformidades maiores. A seguir, os tipos mais adequados para evitar lesões nos pés dos portadores de DM: Figura 44 – Exemplos de calçados comerciais A seguir, algumas características desses calçados: • Contraforte rígido. • Ausência de costuras internas com forro macio. 91 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA • Caixa anterior larga e alta. • Solado não flexível. • Salto médio, de 1-3 cm. • Largura e altura adequadas. Caixa anterior Contraforte Salto Solado Figura 45 - Partes do calçado Saiba mais Para obter informações mais detalhadas sobre a avaliação dos pés dos portadores de DM, pesquise em: PARISI, M. C. R. A síndrome do pé diabético, fisiopatologia e aspectos práticos. (Capítulo 5). Diabetes na prática clínica. E-book 2.0. São Paulo: Sociedade Brasileira de Diabetes. Disponível em: <http://www.diabetes. org.br/ebook/component/k2/item/42-a-sindrome-do-pe-diabetico- fisiopatologia-e-aspectos-praticos>. Acesso em: 14 set. 2018. A seguir apresentaremos alguns casos gerenciais com as respectivas abordagens de atendimento fundamentadas nas metodologias e abordagens compreensivas. A) RCOP Exemplo de nota de evolução Soap numa consulta de enfermagem (DEMARZO et al.): S – Subjetivo: motivo da consulta – usuária de 19 anos comparece à unidade devido ao DM, em tratamento desde os cinco anos de idade, sem controle adequado da glicemia. 92 Re vi sã o: N om e do re vi sor - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Impressão do profissional: usuária evita o contato visual. Expressões: “Estou cansada de aplicar a insulina diariamente”. O – Objetivo: IMC: 29; pressão arterial: 140/90 mmHg; exame dos pés: maceração interdigital. A – Avaliação: diabetes insulinodependente; sobrepeso; pressão arterial elevada; provável micose interdigital. P – Plano Diagnóstico: avaliar/solicitar exames: glicemia de jejum, creatinina, microalbuminúria, Hb glicada, colesterol total, HDL, LDL, triglicérides. Condutas: • Diabetes e sobrepeso: reeducação alimentar; caminhadas diárias. • Lesão interdigital: lavagem e secagem diária dos pés de forma adequada; antimicótico local. • Monitoramento domiciliar da glicemia: às 8, 12, 16 e 20 horas por uma semana. • Monitoramento mensal do peso. • Pressão arterial elevada: realizar monitoramento da pressão no domicílio em dias e horários diferentes por três semanas. • Educação em saúde: orientar sobre o diabetes e suas complicações, sobre o risco da micose nos pés e sobre a importância da aplicação da insulina e do controle da dieta. B) Metodologias compreensivas A seguir, exemplo de caso gerencial: Seu J., 60 anos, obeso, descobriu-se com DM há um ano. Desde então tem tido muitas dificuldades para o controle glicêmico. A sua esposa é quem cozinha as refeições e tem feito conforme orientação, já que ela quer também emagrecer, mas não tem DM. Seu J. fala pouco durante toda a consulta de enfermagem. É a esposa que fala sobre as dificuldades dele. Na saída da consulta, ela me dá um bombom e diz: “Fui eu que fiz”. A enfermeira G. agradece e pensa se J. não estaria comendo também esses bombons. Após algumas semanas, J. volta com glicemia de jejum e hemoglobina glicada muito acima da meta. A enfermeira G. pergunta para ele como está sendo ter diabetes. Ele responde: 93 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA “Muito ruim, a minha mulher faz doce para vender. Sempre ajudei. Não consigo me controlar e sempre belisco alguma coisa. Estou chateado porque o açúcar está sempre alto por mais dieta que eu faça”. Adaptado de: Brasil (2014b). Nesse caso gerencial, ficou evidenciado que seu J. tem problemas em lidar com a doença, mais especificamente sobre a questão do controle de carboidratos, terá que mudar seu papel no cotidiano por causa da sua condição crônica e demonstra na sua fala ansiedade e tristeza em relação a essa nova perspectiva de vida e futuro. Diante desse contexto, é fundamental avaliar de forma mais aprofundada a situação e, após, escolher em conjunto com o usuário e sua esposa qual a sua prioridade a ser trabalhada e tentar preencher em conjunto o quadro construção do plano conjunto de cuidado. Para trabalharmos com problemas, como o apresentado nesse caso gerencial, temos que seguir alguns passos: 1) Identificar o(s) problema(s) em conjunto com o paciente: muitas vezes, a pessoa vem à consulta ou ao grupo com muitos problemas ao mesmo tempo. Nessa situação, é recomendado fazer uma lista de problemas para termos uma ideia geral do contexto. 2) Identificar uma prioridade a ser trabalhada: diante de uma lista grande de problemas, é fundamental priorizar um a ser trabalhado. É importante reforçar a necessidade de escolher uma ou duas prioridades e que estas estejam estritamente relacionadas à escolha/avaliação por parte do usuário. A pessoa pode trazer um problema pontual que naquele momento é a sua prioridade. Nessa situação, devemos conversar com o usuário se é esse problema que gostaria de encaminhar. Por exemplo: Na última consulta com o Seu J., ele decidiu começar a fazer caminhadas de 20 minutos três vezes por semana. Mas, nesse período, a esposa dele ficou doente e teve que ser hospitalizada. Assim, foi necessário conversar sobre esse novo problema, como a pessoa está lidando com ele e como se relaciona com o anteriormente escolhido. Se necessário, refazer combinações conforme novo contexto. Uma vez definida a prioridade a ser trabalhada, o profissional de saúde elabora um plano de cuidado e escolhe o método ou métodos de abordagem a serem utilizados. 3) Selecionar uma atividade, tarefa ou ação para testar, estabelecer uma meta: é fundamental que a atividade a ser testada (por exemplo, descer do ônibus uma parada antes para caminhar até em casa por 15 minutos; participar do grupo da unidade; trazer a esposa para conversar na próxima consulta; conversar sobre as suas dificuldades com a família etc.) seja viável e estimulante para o usuário. É fundamental que nessa etapa se estabeleçam prazos reais em que seja possível concretizar pequenas mudanças e dar reforços positivos a ela. Também nessa etapa devemos estimular ao máximo um processo colaborativo e não prescritivo, encorajando-a a assumir mudanças que possa concretizar. Essa etapa é muito delicada, já que, se escolhermos uma meta muito ambiciosa para o problema, podemos desestimular o usuário e criar mais uma dificuldade na vida dele. 94 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I 4) Avaliar os resultados: no prazo estipulado em conjunto, faz-se necessário avaliar metas, combinações, dificuldades, potencialidades e resultados. Nessa etapa, podemos encontrar situações em que a pessoa alcançou os seus objetivos, outras parcialmente e outras em que não foi possível atingir a meta planejada. Diante dessas situações, temos caminhos diferentes a seguir: • O usuário conseguiu fazer o combinado, atingiu a meta — Foi possível fazer o combinado? Se sim, como a pessoa se sente? — Quais aspectos você destacaria que foram fundamentais para conseguir ter efetuado de forma positiva o processo? — Quais as dificuldades identificadas no processo? — Quais são as novas combinações? — Qual o prazo dessas novas combinações? — Avaliar potencialidades da pessoa. • O usuário fez parcialmente o combinado/atingiu parcialmente a meta: deve-se estimular a pessoa pelas combinações realizadas, mesmo que parcialmente. Conversar com ela sobre as dificuldades que teve no período. — Há necessidade de utilizar outras ideias e/ou recursos para encaminhar o problema? — Precisa de apoio da família e/ou dos amigo(s)? — Quais os próximos passos? — Avaliar possibilidades e dificuldades do usuário. • O paciente não conseguiu realizar o combinado: conversar com a pessoa sobre as suas dificuldades. Ter uma atitude compreensiva e de escuta com ela. Observar que não conseguir realizar o combinado faz parte do processo. Avalie o impacto emocional dessa situação. — Há necessidade de utilizar outras ideias e/ou recursos para encaminhar o problema? — Precisa de apoio da família e/ou amigo(s)? — Conforme a situação, aceitar que a prioridade escolhida talvez não possa ser resolvida agora. Escolher outra prioridade ou meta que tenha maior motivação e avaliar possibilidades e dificuldades do usuário na execução dessa meta. 95 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA A figura a seguir ilustra uma proposta de estabelecimento de metas a serem pactuadas entre o profissional e o usuário. Passo 1 Recohecimento do problema Estratégia de formação Esforços BarreirasAutoeficácia Recursos Passo 2 Estabelecimento de uma meta Passo 3 Colocando a meta em prática e autoavaliação Passo 4 Autorrecompensa Figura 46 2.5 Hipertensão arterial (HA) A Hipertensão arterial (HA) é condição clínica multifatorial caracterizada por elevação nos níveis pressóricos ≥ 140 e/ou 90 mmHg. Frequentemente associada a distúrbios metabólicos, alterações funcionais e/ou estruturais de órgãos-alvo, sendo agravada pela presença de outros fatores de risco (FR), como dislipidemia, obesidade abdominal, intolerância à glicose e DM(MALACHIAS et al., 2016). Mantém associação independente com eventos como morte súbita, acidente vascular encefálico (AVE), infarto agudo do miocárdio (IAM), insuficiência cardíaca (IC), doença arterial periférica (DAP) e doença renal crônica (DRC) (MALACHIAS et al., 2016). Ainda conforme Malachias et al. (2016), dados norte-americanos de 2015 revelaram que a HA estava presente em 69% dos pacientes com primeiro episódio de IAM, 77% de AVE, 75% com IC e 60% com DAP. Ela é responsável por 45% das mortes cardíacas e 51% das mortes decorrentes de AVE. No Brasil, a doença atinge 32,5% (36 milhões) de indivíduos adultos, mais de 60% dos idosos, contribuindo direta ou indiretamente para 50% das mortes por doença cardiovascular (DCV). Junto com a DM, suas complicações (cardíacas, renais e AVE) têm impacto elevado na perda da produtividade do trabalho e da renda familiar, estimada em US$ 4,18 bilhões entre 2006 e 2015. Em 2013 ocorreram 1.138.670 óbitos, 339.672 (29,8%) decorrentes de DCV como a principal causa de morte no país (MALACHIAS et al., 2016). A figura ilustra esses dados: 96 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I 31,4% 29,5% 13,8% 8,0% 17,3% DIC DCbV DH ICC Outras DCV Figura 47 – Taxa de mortalidade no Brasil por doença cardiovascular (DCV) e distribuição por causas no ano de 2013 A prevalência de HA no Brasil varia de acordo com a população estudada e o método de avaliação. Dados do Vigitel (2006 a 2014) indicam que a prevalência variou de 23% a 25%, respectivamente, sem diferenças em todo o período analisado, inclusive por sexo. Entre adultos com 18 a 29 anos o índice foi 2,8%; de 30 a 59 anos, 20,6%; de 60 a 64 anos, 44,4%; de 65 a 74 anos, 52,7%; e ≥ 75 anos, 55%. O Sudeste foi a região com a maior prevalência de HA (23,3%), seguido pelo Sul (22,9%) e Centro-Oeste (21,2%). Nordeste e Norte apresentaram as menores taxas, 19,4% e 14,5%, respectivamente (MALACHIAS et al., 2016). As taxas de conhecimento (22% a 77%), tratamento (11,4% a 77,5%) e controle (10,1% a 35,5%) da PA também variaram bastante, dependendo da população estudada. A pré-hipertensão (PH) é uma condição caracterizada por PA sistólica (PAS) entre 121 e 139 e/ou PA diastólica (PAD) entre 81 e 89 mmHg. Ela associa-se a um maior risco de desenvolvimento de HA e anormalidades cardíacas, pois cerca de um terço dos eventos cardiovasculares (CV) atribuíveis à elevação de PA ocorrem em indivíduos com PH. Metanálises do risco de incidência de DCV, DIC e AVE em indivíduos pré-hipertensos mostrou que o risco foi maior naqueles com níveis entre 130 e 139 ou 85 e 89 mmHg do que naqueles com níveis entre 120 e 129 ou 80 e 84 mmHg (MALACHIAS et al., 2016). O quadro apresenta os principais fatores de risco para o desenvolvimento da HA: Quadro 28 Fatores de risco Idade Existe uma associação direta e linear entre envelhecimento e prevalência de HA relacionada ao: i) aumento da expectativa de vida da população brasileira, atualmente 74,9 anos; ii) aumento na população de idosos ≥ 60 anos na última década (2000 a 2010), de 6,7% para 10,8%. Metanálise de estudos realizados no Brasil, incluindo 13.978 indivíduos idosos, mostrou 68% de prevalência de HA. Sexo e etnia Na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, a prevalência de HA foi maior entre mulheres (24,2%) e pessoas de raça negra/cor preta (24,2%) comparada a adultos pardos (20,0%), mas não em brancos (22,1%). O estudo Corações do Brasil observou a seguinte distribuição: 11,1% na população indígena; 10% na amarela; 26,3% na parda/mulata; 29,4% na branca e 34,8% na negra. O estudo ELSA-Brasil mostrou prevalências de 30,3% em brancos, 38,2% em pardos e 49,3% em negros. 97 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Excesso de peso e obesidade Dados do Vigitel de 2014 revelaram que, entre 2006 e 2014, ocorreu um aumento da prevalência de excesso de peso (IMC ≥ 25 kg/m2), 52,5% × 43%. No mesmo período a obesidade (IMC ≥ 30 kg/m2) aumentou de 11,9% para 17,9%, com predomínio em indivíduos de 35 a 64 anos e mulheres (18,2% × 17,9%), mas estável entre 2012 e 2014. Ingestão de sal O consumo excessivo de sódio, um dos principais FR para HA, associa-se a eventos CV e renais. Os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), obtidos em 55.970 domicílios, mostraram disponibilidade domiciliar de 4,7 g de sódio/pessoa/dia (ajustado para consumo de 2.000 kcal), excedendo em mais de duas vezes o consumo máximo recomendado (2 g/dia), menor na área urbana da região Sudeste, e maior nos domicílios rurais da região Norte. O impacto da dieta rica em sódio estimada na pesquisa do Vigitel, de 2014, indica que apenas 15,5% das pessoas entrevistadas reconhecem conteúdo alto ou muito alto de sal nos alimentos. Ingestão de álcool O consumo crônico e elevado de bebidas alcoólicas aumenta a PA de forma consistente. Metanálise de 2012, incluindo 16 estudos com 33.904 homens e 19.372 mulheres, comparou a intensidade de consumo entre abstêmios e bebedores. Em mulheres, houve efeito protetor com dose inferior a 10 g de álcool/dia e risco de HA com consumo de 30-40 g de álcool/dia. Em homens, o risco aumentado de HA tornou-se consistente a partir de 31 g de álcool/dia. Dados do Vigitel de 2006 a 2013 mostraram que o consumo abusivo de álcool (ingestão de quatro ou mais doses, para mulheres ou cinco ou mais doses; para homens, de bebidas alcoólicas em uma mesma ocasião, dentro dos últimos 30 dias) mantém-se estável na população adulta, cerca de 16,4%, sendo 24,2% em homens e 9,7% em mulheres. Em ambos os sexos, o consumo abusivo de bebidas alcoólicas foi mais frequente entre os mais jovens e aumentou com o nível de escolaridade. Sedentarismo Estudo de base populacional em Cuiabá, MT, (n = 1.298 adultos ≥ 18 anos) revelou prevalência geral de sedentarismo de 75,8% (33,6% no lazer; 19,9% no trabalho; 22,3% em ambos). Observou-se associação significativa entre HA e idade, sexo masculino, sobrepeso, adiposidade central, sedentarismo nos momentos de folga e durante o trabalho, escolaridade inferior a 8 anos e renda per capita < 3 salários mínimos. Dados da PNS apontou que indivíduos insuficientemente ativos (adultos que não atingiram pelo menos 150 minutos semanais de atividade física considerando o lazer, o trabalho e o deslocamento) representaram 46,0% dos adultos, sendo o percentual significantemente maior entre as mulheres (51,5%). Houve diferença nas frequências de insuficientemente ativos entre faixas etárias, com destaque para idosos (62,7%) e para adultos sem instrução e com nível de escolaridade fundamental incompleto (50,6%). Fatores socioeconômicos Adultos com menor nível de escolaridade (sem instrução ou fundamental incompleto) apresentaram a maior prevalência de HA (31,1%). A proporção diminuiu naqueles que completam o ensino fundamental (16,7%), mas, em relação às pessoas com superior completo, o índice foi 18,2%. No estudo Elsa Brasil, realizado com funcionários de seis universidades e hospitais universitários do Brasil com maior nível de escolaridade, apresentaram uma prevalência de HA de 35,8%, sendo maior entre homens. Genética Estudos que avaliaram o impacto de polimorfismos genéticos na população de quilombolas não conseguiram identificar um padrão mais prevalente. Mostraram forte impacto da miscigenação, dificultando ainda mais a identificação de um padrão genético para a elevação dos níveis pressóricos. Adaptado de: Malachias et al. (2016, p. 3-5). A avaliação inicial de um usuário com HA deve incluir a confirmação do diagnóstico, a suspeição e a identificação de causa secundária, além da avaliação do risco CV. As Lesões de Órgão-Alvo (LOA) e doenças associadas também devem ser investigadas. Faz parte também dessa avaliação a medição da PA, o exame físico e a investigação clínica e laboratorial. Propõem-seavaliações gerais dirigidas a todos e, em alguns casos, avaliações complementares apenas para grupos específicos (MALACHIAS et al., 2016). De forma geral, sugere-se uma periodicidade anual de acompanhamento dos exames. O profissional deverá estar atento ao acompanhamento individual de cada caso, considerando sempre o risco cardiovascular, as metas de cuidado e as complicações existentes (BRASIL, 2013c). 98 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I A seguir indicam-se os exames de acompanhamento dos usuários portadores de HA: • Eletrocardiograma: sensível para demonstrar repercussões miocárdicas. • Glicemia: visa detectar outros fatores que potencializam o risco cardiovascular da hipertensão. • Dosagem de colesterol total e frações e triglicérides: visa detectar outros fatores que potencializam o risco cardiovascular da hipertensão. • Dosagem de creatinina e urina tipo 1: presença de proteinúria leve a moderada geralmente está relacionada a HA secundária ou a repercussão da HA sobre os rins. Proteinúria acentuada, leucocitúria e hematúria indicam hipertensão grave ou hipertensão secundária à nefropatia. • Dosagem de potássio: anormalmente baixo sugere o uso prévio de diuréticos. Excluída essa causa, deve-se investigar hiperaldosteronismo primário. • Radiografia de tórax: deve ser feita quando houver suspeita de repercussão mais intensa de hipertensão sobre o coração, como insuficiência cardíaca, podendo demonstrar aumento do volume cardíaco. • Ecocardiograma: indicado quando existe indícios de insuficiência cardíaca. • Fundoscopia: pode identificar manifestações oculares ligadas a HA/retinopatia hipertensiva como oclusão venosa e arterial da retina, degeneração macular e glaucoma. A aferição da PA deve ser realizada em todas as avaliações e, também, recomenda-se ao menos a medição da PA a cada dois anos para os adultos com PA ≤ 120/80 mmHg, e anualmente para aqueles com PA > 120/80 mmHg e < 140/90 mmHg, que pode ser feita com esfigmomanômetros manuais, semiautomáticos ou automáticos, desde validados, e sua calibração deve ser verificada anualmente, de acordo com as orientações do Inmetro (MALACHIAS et al., 2016). A PA deve ser aferida no braço, com manguito adequado à sua circunferência. Na suspeita de HA secundária à coartação da aorta, a medição deverá ser realizada nos membros inferiores (MALACHIAS et al., 2016). A tabela a seguir indica as medidas adequadas do manguito de acordo com a circunferência do braço: Tabela 2 Circunferência do braço (cm) Denominação do manguito Largura do manguito (cm) Comprimento da bolsa (cm) ≤ 6 6-15 16-21 22-26 27-34 35-44 45-52 Recém-nascido Criança Infantil Adulto pequeno Adulto Adulto grande Coxa 3 5 8 10 13 16 20 6 15 21 24 30 38 42 Fonte: Malachias et al. (2016, p. 8). 99 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA A hipotensão ortostática deve ser suspeitada em pacientes idosos, diabéticos, disautonômicos e naqueles em uso de medicação anti-hipertensiva; nessas condições, deve-se medir a PA com o paciente de pé, após três minutos, sendo a hipotensão ortostática definida como a redução da PAS > 20 mmHg ou da PAD > 10 mmHg (MALACHIAS et al., 2016). O quadro a seguir detalha a técnica para aferição da PA: Quadro 29 Técnica para aferir PA Explicar o procedimento/deixar em repouso Além de explicar o procedimento, o usuário deve permanecer em repouso de 3 a 5 minutos em ambiente calmo. Deve ser instruído a não conversar durante a medição. Possíveis dúvidas devem ser esclarecidas antes ou depois do procedimento. Preparo antes do exame Certificar-se de que o paciente não: Está com a bexiga cheia. Praticou exercícios físicos há pelo menos 60 minutos. Ingeriu bebidas alcoólicas, café ou alimentos. Fumou nos últimos 30 minutos. Posicionamento O usuário deve estar sentado, com pernas descruzadas, pés apoiados no chão, dorso recostado na cadeira e relaxado. O braço deve estar na altura do coração, apoiado, com a palma da mão voltada para cima. As roupas não devem garrotear o membro. Etapas para a realização da aferição Determinar a circunferência do braço no ponto médio entre acrômio e olécrano. Selecionar o manguito de tamanho adequado ao braço. Colocar o manguito, sem deixar folgas, 2 a 3 cm acima da fossa cubital. Centralizar o meio da parte compressiva do manguito sobre a artéria braquial. Estimar o nível da PAS pela palpação do pulso radial. Palpar a artéria braquial na fossa cubital e colocar a campânula ou o diafragma do estetoscópio sem compressão excessiva. Inflar rapidamente até ultrapassar 20 a 30 mmHg o nível estimado da PAS obtido pela palpação. Proceder à deflação lentamente na velocidade de 2 mmHg por segundo. Determinar a PAS pela ausculta do primeiro som (fase I de Korotkoff) e, após, aumentar ligeiramente a velocidade de deflação. Determinar a PAD no desaparecimento dos sons (fase V de Korotkoff). Auscultar cerca de 20 a 30 mmHg abaixo do último som para confirmar seu desaparecimento e depois proceder à deflação rápida e completa. Se os batimentos persistirem até o nível zero, determinar a PAD no abafamento dos sons (fase IV de Korotkoff) e anotar valores da PAS/PAD/zero. Realizar pelo menos duas medições, com intervalo em torno de um minuto. Medições adicionais deverão ser realizadas se as duas primeiras forem muito diferentes. Caso julgue adequado, considere a média das medidas. Medir a pressão em ambos os braços na primeira consulta e usar o valor do braço onde foi obtida a maior pressão como referência. Informar o valor de PA obtido para o usuário. Anotar os valores exatos e o braço em que a PA foi medida. Adaptado de: Malachias et al. (2016). 100 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I A tabela a seguir apresenta os valores considerados para a classificação da PA: Tabela 3 – Classificação da PA de acordo com a medição casual ou no consultório a partir de 18 anos de idade Classificação PAS (mm Hg) PAD (mm Hg) Normal Pré-hipertensão Hipertensão estágio 1 Hipertensão estágio 2 Hipertensão estágio 3 ≤ 120 121-139 140 – 159 160 – 179 ≥ 180 ≤ 80 81-89 90 – 99 100 – 109 ≥ 110 Quando a PAS e a PAD situam-se em categorias diferentes, a maior deve ser utilizada para classificação da PA. Segundo Malachias et al. (2016, p. 11), “considera-se hipertensão sistólica isolada se PAS ≥ 140 mm Hg e PAD < 90 mm Hg, devendo a mesma ser classificada em estágios 1, 2 e 3”. O tratamento da HA inclui medidas não medicamentosas (controle do peso; medidas nutricionais; prática de atividades físicas, cessação do tabagismo; controle de estresse) e o uso de fármacos anti-hipertensivos, com o objetivo de reduzir a PA, proteger órgãos-alvo, prevenir desfechos CV e renais. Embora as medidas não medicamentosas têm se mostrado eficazes na redução da PA, elas são limitadas como terapêutica a médio e longo prazo, pois existe a perda de adesão (MALACHIAS et al., 2016). Os quadros a seguir indicam as principais classes farmacológicas utilizadas, suas indicações e seus efeitos adversos: Quadro 30 – Indicações das classes medicamentosas Indicações Classe medicamentosa Insuficiência cardíaca Diuréticos, betabloqueadores, inibidores da enzima conversora de angiotensina ou antagonistas da angiotensina II, antagonistas de aldosterona. Pós-infarto do miocárdio Inibidores da enzima conversora da angiotensina, antagonistas da aldosterona. Alto risco para doença coronariana Betabloqueadores, inibidores da enzima conversora da angiotensina, bloqueadores dos canais de cálcio. Diabetes Inibidores da enzima conversora da angiotensina, antagonistas da angiotensina II, bloqueadores dos canais de cálcio. Doença renal crônica Inibidores da enzima conversora da angiotensina, antagonistas da angiotensinaII. Prevenção da recorrência de acidente vascular encefálico (AVE) Diurético, inibidores da enzima conversora de angiotensina. Hipertensão sistólica isolada em idosos Diuréticos (preferencialmente) ou bloqueadores dos canais de cálcio. Fonte: Brasil (2013c, p. 61). 101 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Quadro 31 – Principais efeitos adversos das drogas anti‑hipertensivas Classe farmacológica Efeitos adversos Diuréticos Hipopotassemia, hiperuricemia, intolerância à glicose, aumento do risco de aparecimento do diabetes mellitus, além de promover aumento de triglicerídeos em geral, dependendo da dose. Betabloqueadores Broncoespasmo, bradicardia, distúrbios da condução atrioventricular, vasoconstrição periférica, insônia, pesadelos, depressão psíquica, astenia e disfunção sexual. Antiadrenérgicos de ação central Sonolência, sedação, boca seca, fadiga, hipotensão postural e disfunção sexual. Bloqueadores seletivos dos canais de cálcio Cefaleia, tontura, rubor facial – mais frequente com diidropiridínicos de curta duração – e edema de extremidades, sobretudo maleolar. Estes efeitos adversos, são, em geral, dose-dependentes. Mas raramente, podem induzir a hipertrofia gengival. Os diidropiridínicos de ação curta provocam importante estimulação simpática reflexa, sabidamente deletéria para o sistema cardiovascular. Verapamil pode provocar depressão miocárdica e bloqueio atrioventricular, além da obstipação instenstinal. Agentes que atuam no músculo liso arteriolar (vasodilatadores diretos) Pela vasodilatação arterial direta promovem retenção hídrica e taquicardia reflexa. Inibidores da enzima conversora de angiotensina (Ieca) Tosse seca, alteração de paladar e, mais raramente, reações de hipersensibilidade, com erupção cutânea e edema angioneurótico. Em indivíduos com insuficiência renal crônica, podem eventualmente, agravar a hiperpotassemia. Em pessoas com hipertensão renovascular bilateral ou unilateral associada a rim único, podem promover redução da filtração glomerular com aumento dos níveis séricos da ureia e creatinina. Seu uso em pessoas com função renal reduzida pode causar aumento de até 30% da creatininemia, mas, a longo prazo, preponderá seu efeito nefroprotetor. Antagonistas de receptores de angiotensina II Foram relatadas tontura e, raramente, reação de hipersensibilidade cutânea (rash). As precauções para seu uso são semelhantes às descritas para os Iecas. Fonte: Brasil (2013c, p. 63). A consulta de enfermagem faz parte da estratégia dirigida a grupos de risco que propõe uma adequada intervenção educativa em indivíduos com valores de PA limítrofes, que estão mais predispostos à hipertensão. As medidas são equivalentes às propostas para tratamento não medicamentoso da HA. Nesse contexto, a consulta de enfermagem objetiva promover a educação em saúde para a prevenção primária da doença, por meio do estímulo à adoção de hábitos saudáveis de vida e também de avaliar e estratificar o risco para doenças cardiovasculares (BRASIL, 2013c). A prevenção primária da HA pode ser feita mediante controle de seus fatores de risco, como sobrecarga na ingestão de sal, excesso de adiposidade, especialmente na cintura abdominal, abuso de álcool, entre outros. Duas estratégias de prevenção são consideradas: a população em geral e a dirigida especialmente a grupos de risco. A primeira defende a redução da exposição populacional a fatores de risco, principalmente ao consumo de sal. O profissional poderá atuar nessa estratégia por meio de ações educativas coletivas com a população em geral para orientar a restrição à adição de sal na preparação de alimentos, identificação da quantidade de sal e/ou sódio presente nos alimentos industrializados, entre outros (BRASIL, 2013c). A figura a seguir apresenta o fluxograma de rastreamento da HA que deve ser realizado na atenção básica: 102 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Consulta médica para indicar acompanhamento hipertensão Retorno em 3 meses para reavaliação Retorno em 6 meses para reavaliação Prevenção primária e reavaliação em um ano Consulta médica na crise hipertensiva Orientar prevenção primária e reavaliação em dois anos Pessoa >18 anos na UBS Sintomatologia de crise hipertensiva? Confirma PA>140/90 mm/Hh? Sim Sim Não Não Sintomas de crise hipertensiva — Cefaleia (dor de cabeça) — Alterações visuais — Déficit neurológico (diminuição da força muscular/dormência) — Dor precordial (dor no peito) — Dispneia (falta de ar) RCV = Risco cardiovascular UBS = unidade básica de saúde Verificar PA (média de duas medidas no dia) PA<130/85mm/Hh Normotensão PA entre 130/85 a 139/89 mm/Hh PA limítrofe Consulta de enfermagem para MEV e estratificação de RCV RCV baixo RCV intermediário RCV alto PA entre 140/90 a 150/99 mm/Hh Realizar duas medidas de PA com intervalo de 1 a 2 semanas PA >160/100 mm/Hh Figura 48 Nas consultas de enfermagem, para os usuários portadores de HA, o foco do processo educativo será também para orientação das medidas que reduzem a pressão arterial (hábitos alimentares adequados, manutenção do peso e de um perfil lipídico desejável, estímulo à vida ativa e aos exercícios físicos regulares, redução do consumo de bebidas alcoólicas e do estresse e abandono do tabagismo (BRASIL, 2013c). O quadro a seguir apresenta as principais medidas da consulta de enfermagem para acompanhamento da pessoa com HA: Quadro 32 Principais medidas Histórico Coleta de informações referentes à pessoa, à família e à comunidade, com o propósito de identificar suas necessidades, problemas, preocupações ou reações. Realizar a identificação da pessoa (dados socioeconômicos, ocupação, moradia, trabalho, escolaridade, lazer, religião, rede familiar, vulnerabilidades e potencial para o autocuidado). Anotar os antecedentes familiares e pessoais. 103 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Registrar as queixas atuais, principalmente as indicativas de lesão de órgão-alvo, tais como: tontura, cefaleia, alterações visuais, dor precordial, dispneia, paresia, parestesias e edema e lesões de membros inferiores. Identificar a percepção da pessoa diante da patologia, do tratamento e do autocuidado. Anotar as medicações em uso e presença de efeitos colaterais. Investigar os hábitos de vida: alimentação; sono e repouso; atividade física, higiene; funções fisiológicas. Identificar os fatores de risco (diabetes, tabagismo, alcoolismo, obesidade, dislipidemia, sedentarismo e estresse). Pesquisar a presença de lesões em órgãos-alvo ou doenças cardiovasculares: Doenças cardíacas: hipertrofia de ventrículo esquerdo, angina ou infarto prévio do miocárdio, revascularização miocárdica prévia, insuficiência cardíaca; Episódio isquêmico ou acidente vascular encefálico; Nefropatia; Doença vascular arterial periférica; Retinopatia hipertensiva. Exame físico Realizar medidas antropométricas: altura, peso, circunferência abdominal e IMC. Aferir a pressão arterial com a pessoa sentada e deitada. Mensurar as frequências cardíacas e respiratória. Aferir os pulsos radial e carotídeo. Investigar alterações na visão. Inspecionar a pele (integridade, turgor, coloração e manchas). Inspecionar a cavidade oral (dentes, prótese, queixas, dores, desconfortos, data do último exame odontológico). Avaliar o tórax/abdômen e realizar a ausculta cardiopulmonar e abdominal. Avaliar os membros superiores e inferiores: unhas, dor, edema, pulsos pediosos e lesões; articulações (capacidade de flexão, extensão, limitações de mobilidade, edemas); pés (bolhas, sensibilidade, ferimentos, calosidades e corte das unhas). Diagnóstico das necessidadesde cuidado Realizar a interpretação e conclusões quanto às necessidades, aos problemas e às preocupações da pessoa frente aos dados obtidos na anamnese para direcionar o plano assistencial. Planejamento da assistência São estratégias para prevenir, minimizar ou corrigir os problemas identificados nas etapas anteriores, sempre estabelecendo metas com o usuário. Pontos importantes no planejamento da assistência: Abordar/orientar sobre: 1. A doença e o processo de envelhecimento. 2. Motivação para modificar hábitos de vida não saudáveis (fumo, estresse, bebida alcoólica e sedentarismo). 3. Percepção de presença de complicações. 4. Os medicamentos em uso (indicação, doses, horários, efeitos desejados e colaterais). 5. Solicitar e avaliar os exames previstos no protocolo assistencial local. Quando pertinente, encaminhar aos outros profissionais. Implementação da assistência Deverá ocorrer de acordo com as necessidades e grau de risco do usuário e da sua capacidade de adesão e motivação para o autocuidado, em cada consulta. Avaliação do processo de cuidado Avaliar com a pessoa e a família o quanto as metas de cuidados foram alcançadas e o seu grau de satisfação em relação ao tratamento. Observar se ocorreu alguma mudança a cada retorno à consulta. Avaliar a necessidade de mudança ou de adaptação no processo de cuidado e reestruturar o plano de acordo com essas necessidades. Registrar em prontuário todo o processo de acompanhamento. Adaptado de: Brasil (2013c). 104 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Os intervalos das consultas devem ser determinados pelo grau de severidade da condição clínica e pela capacidade de autocuidado. Esta deve ser sistematicamente avaliada, e devem ser levados em consideração os aspectos socioeconômicos, culturais e a capacidade do indivíduo/família para o autocuidado. Exemplificamos a seguir como fazer essa classificação e as melhores abordagens a serem implementadas em acordo com a estratificação: Quadro 33 Graus de severidade da condição crônica Exemplos Grau 1: presença de fatores de risco ligados aos comportamentos e estilos de vida na ausência de doença cardiovascular. Tabagismo Excesso de peso Sedentarismo Uso de álcool Grau 2: condição crônica simples, com fatores biopsicológicos de baixo ou de médio risco. DM e hipertensão arterial sistêmica (HAS) dentro da meta estabelecida, sem complicações, com baixo ou médio risco cardiovascular em avaliação por escores de risco, como o escore de Framingham Grau 3: condição crônica complexa ou presença de fatores de alto risco para complicações cardiovasculares. Alto risco para doença cardiovascular em avaliação de escores de risco Microalbuminúria/proteinúria Hipertrofia ventricular esquerda Uso de insulina DM2 acima da meta glicêmica HAS acima da meta pressórica Grau 4: condição crônica muito complexa ou de muito alto risco (complicação estabelecida com grande interferência na qualidade de vida). Cardiopatia isquêmica AVC prévio Vasculopatia periférica Retinopatia por DM ICC classes II, III e IV Insuficiência renal crônica Pé diabético/neuropatia periférica Fonte: Brasil (2014a, p. 43). Nível de atenção Ação de saúde predominante Exemplos de atividades 5 Gestão de caso Discussão de caso, visitas domiciliares, abordagem familiar. 4 Atenção individual Consultas sequenciais, multidisciplinares. 3 Atenção individual/ compartilhada em atividade de grupo Consultas sequenciais, multidisciplinares e/ou consulta coletiva – particularizar conforme a necessidade individual. 2 Atenção compartilhada em atividade de grupo Consulta coletiva. 1 Grupos de educação em saúde Grupo de tabagismo, de caminhada, alimentação saudável. Figura 49 105 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA A seguir apresentaremos alguns casos gerenciais com as respectivas abordagens de atendimento fundamentadas nas metodologias e abordagens compreensivas: Condição crônica Ex.: Joana, 46 anos, diarista, hipertensa Fazer lista de problemas Ex.: Não adesão ao tratamento, sobrepeso, hipercolesterolemia, atividade física Escolher 1 ou 2 prioridades Exs.: 1. Organizar remédios 2. Começar a caminhar Escolher um aspecto da prioridade a ser modificada Ex.: Usar caixa organizadora de remédios – caminhar 20 min 3x/sem Elaborar plano conjunto de cuidado 1. Ir à UBS para aprender a usar a caixa organizadora de remédios 2. Iniciar a caminhada na próxima semana. Retornar à UBS em um mês Autonomia Capacidade de autocuidado - autoeficácia Qualidade de vida Mudanças estilo de vida Mudança de papéis 2. Desce dois pontos de ônibus antes de chegar em casa 2. Métodos cognitivos comportamentais: – Métodos de empoderamento/ autonomia – Métodos comportamentais 2. Aprender a ser Aprender a fazer Aspecto clínico 1. Aprender a usar a caixa organizadora de remédios 1. Métodos cognitivos comportamentais 1. Aprender a fazer Aprender a conhecer 3. Aspectos psicossociais 3. Métodos compreensivos: – Métodos de empoderamento/ autonomia 3. Aprender a ser Pilares do autocuidado Métodos de abordagem Processo de aprendizagem Figura 50 106 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I O quadro a seguir detalha como realizar o gerenciamento desse caso: Quadro 34 – Construção do plano conjunto de cuidado Grupo de problemas Prioridade escolhida pelo usuário Profissional envolvido (sugestão) Metodologia preferencial Plano comum de cuidado Possíveis atividades na unidade ou comunidade Manejo clínico Como aprender a cuidar dos pés Médico, enfermeiro, técnico de enfermagem CC* Encontro prático com o usuário e o profissional de saúde para aprender a cuidar dos pés; estabelecer metas Consulta individual, consulta coletiva e consulta sequencial, conforme estratificação Manejo clínico Desorganização no uso de medicação Médico, enfermeiro e farmacêutico. CC Manusear caixa de remédios; utilizar caixa de remédios; Instaurar rotina de ingestão de medicamentos Consulta individual; consulta de enfermagem; consulta coletiva Mudanças necessárias no estilo de vida Mudança de hábitos alimentares. Ex.: reduzir o uso de sal Toda a equipe de saúde: enfermeiro, nutricionista, técnico de enfermagem e agente comunitário de saúde (ACS) CC C** AF*** CC: cozinhar sem sal, só usar saleiro à mesa C: conversa com a pessoa que cozinha em casa. Abordagem familiar quanto ao uso do sal na alimentação Consulta individual; consulta coletiva; grupo de apoio Mudanças necessárias no estilo de vida Aumento da atividade física Médico, enfermeiro, profissional de educação física CC C A*** CC: avaliar rotina diária e acordar pequenas e progressivas mudanças; reforço positivo diante dos insucessos C: avaliar dificuldades e possibilidades; refazer plano quando necessário A: problematizar dificuldades; estabelecer desafios; avaliar o bem-estar físico e emocional Grupo de caminhada; recursos comunitários de atividade física; consulta coletiva Aspectos psicossociais e dificuldades emocionais diante da condição crônica Dificuldade no controle das metas glicêmicas. Raiva por ter diabetes e não poder participar dos almoços de aniversário Médico, enfermeiro e psicólogo. Toda a equipe pode apoiar o usuário C C: avaliar luto diante da nova condição. Identificar rede de apoio. Identificar dificuldades. Grupo de autocuidado apoiado. Grupo terapêutico? Visita domiciliária? Consulta individual; visita domiciliar; psicoterapia em grupo; grupo de apoio; consulta coletiva e consulta sequencial conforme estratificação Aspectos psicossociais e dificuldades emocionais diante da condição crônica AM, depressão, aposentadoriapor invalidez Médico, enfermeiro, psicólogo, ACS, farmacêutico. Gestão de caso – coordenador do caso CC CA CC: avaliar rotina diária e acordar pequenas e progressivas mudanças; reforço positivo diante dos insucessos C: avaliar dificuldades e possibilidades; refazer plano quando necessário A: problematizar dificuldades; estabelecer desafios; avaliar o bem-estar físico e emocional Consulta individual; psicoterapia em grupo; grupo de apoio; consulta coletiva e consulta sequencial conforme estratificação Legenda: CC* = cognitivo-comportamental, C** = compreensivo, AF*** = abordagem familiar, A**** = autonomia. Adaptado de: Brasil (2014a). 107 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA A seguir apresentamos outro exemplo de caso gerencial, bem como a medida instituída: Caso 2 Dona R., 75 anos, com sobrepeso, viúva, mora sozinha, consultava frequentemente a unidade por HAS não controlada. Ela afirmava que usava todos os medicamentos, mas às vezes esquecia. Por conta da sua hipertensão, utilizava quase 12 comprimidos ao dia, divididos em quatro tomadas. A enfermeira que a atendeu percebeu que deveria ser muito difícil uma pessoa tomar constantemente tantos remédios e em horários tão frequentes. Levou o caso para o médico refazer o esquema terapêutico e, também, decidiu fazer uma visita domiciliária. Na visita já chegou com a sugestão de um esquema terapêutico dividido em duas tomadas e com algumas modificações na posologia que diminuíram o número de medicamentos em seis comprimidos. Chegando à casa da usuária, percebeu, ao longo da conversa, que a casa de dona R. era muito organizada, mas as caixas de remédios estavam espalhadas por todos os cômodos. Ao comentar esse fato, ela disse: — É por isso que às vezes me esqueço… e seguidamente. A enfermeira perguntou se ela conhecia as caixinhas organizadoras de medicamentos. Dona R. disse que tinha ouvido falar, mas que nunca tinha visto. Conversaram sobre a nova proposta de uso de medicação e foi sugerido a ela que buscasse uma caixinha organizadora na unidade no dia seguinte. A enfermeira disse que talvez ela pudesse diminuir a quantidade de medicação se ela conseguisse usar a caixinha. — Ah… seria um alívio — respondeu dona R. “Para mim também”, pensou a enfermeira. “Talvez ela não tenha uma HA não controlada, mas, sim, problemas de organização de uma rotina para a tomada de medicação”. Adaptado de: Brasil (2014a). Nessa situação, houve uma concordância em relação à organização da rotina de uso de medicamentos, e dona R. terá de aprender uma nova habilidade para a qual ela está disposta. Aqui o objetivo do autocuidado foi aprender a fazer. Dona R. aprenderá a utilizar a caixinha organizadora de medicamentos, ou outra metodologia de organização orientada pelo profissional (saquinhos, desenhos, diagramas). Depois de feita essa atividade, é importante perguntar para dona R. o que ela gostaria de abordar em relação a sua condição crônica para então estabelecer um novo plano de cuidado (BRASIL, 2013c). 108 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I 3 ENFERMAGEM EM SAÚDE MENTAL E PSIQUIÁTRICA Faz parte das competências da atenção básica o primeiro atendimento em saúde mental, esse primeiro atendimento é bastante estratégico pela facilidade de acesso das equipes aos usuários e vice-versa. Por essas características, é comum que os profissionais de atenção básica se encontrem a todo o momento com usuários em situação de sofrimento psíquico (BRASIL, 2013g). Na atualidade, a política de saúde mental é resultado da mobilização de usuários, familiares e trabalhadores da saúde iniciada na década de 1980, que objetivou mudar a realidade dos manicômios onde viviam mais de cem mil pessoas com transtornos mentais. Esse movimento, conhecido como Luta Antimanicomial, foi impulsionado pela importância do tema dos direitos humanos adquirido no combate à ditadura militar e alimentou-se das experiências exitosas de países europeus na substituição de um modelo de saúde mental baseado no hospital psiquiátrico por um modelo de serviços comunitários com forte inserção territorial (BRASIL, 2013g). Observação Nise da Silveira foi uma psiquiatra pioneira no processo da reforma psiquiátrica no Brasil. Ela discordava dos médicos tradicionais em relação ao tratamento dos pacientes psiquiátricos. A Reforma Psiquiátrica foi o resultado desse movimento, que se constitui em um projeto coletivamente produzido de mudança do modelo de atenção e de gestão do cuidado. Ainda na década de 1980, experiências municipais iniciaram a desinstitucionalização de moradores de manicômios criando serviços de atenção psicossocial para realizar a (re)inserção de usuários em seus territórios existenciais. Foram fechados hospitais psiquiátricos à medida que se expandiam serviços diversificados de cuidado, tanto longitudinal quanto intensivo para os períodos de crise. A atenção aos portadores de transtornos mentais passa a ter como objetivo o pleno exercício de sua cidadania, e não somente o controle de sua sintomatologia. Isso implica em organizar serviços abertos, com a participação ativa dos usuários e formando redes com outras políticas públicas (educação, moradia, trabalho, cultura etc.) (BRASIL, 2013g). Saiba mais Para saber mais sobre a Reforma Psiquiátrica, acesse: MELO, A. M. da C. Apontamentos sobre a reforma psiquiátrica no Brasil. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, Florianópolis, v. 8, n. 9, p. 84-95, 2012. Disponível em: <http://incubadora.periodicos.ufsc.br/index.php/ cbsm/article/viewFile/2127/2920>. Acesso em: 27 ago. 2018. 109 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA O gráfico mostra a redução do número de leitos psiquiátricos, fruto da Luta Antimanicomial e da Reforma Psiquiátrica: 60.000 50.000 51.393 48.303 45.814 42.076 39.567 37.988 36.797 34.601 32.735 32.28429.958 28.24825.988 25.126 40.000 30.000 N º d e le ito re s 20.000 10.000 0 2002 2004 2006 2008 2010 2012 20142003 2005 2007 2009 Anos 2011 2013 2015 Figura 51 – Leito SUS em hospitais psiquiátricos por ano (Brasil, dez./2002 a dez./2015) A seguir apresentamos os principais direitos dos portadores de transtornos mentais, garantidos pela Lei nº 10.216/2001: Art. 1º Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra. Art. 2º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo. Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental: I – ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; II – ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; III – ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração; IV – ter garantia de sigilo nas informações prestadas; V – ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; 110 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I VI – ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis; VII – receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; VIII – ser tratada em ambiente terapêuticopelos meios menos invasivos possíveis; IX – ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental. Nesse sentido, em dezembro de 2011 foi instituída pela Portaria GM, 3.088, a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) é composta por sete componentes, com diversos pontos estratégicos de atenção: atenção básica; atenção psicossocial estratégica (Caps); atenção de urgência e emergência; atenção residencial de caráter transitório (I – Unidade de Acolhimento: oferece cuidados contínuos de saúde, com funcionamentode vinte e quatro horas, em ambiente residencial, para pessoas com necessidade decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, de ambos os sexos, que apresentem acentuada vulnerabilidade social e/ou familiar e demandem acompanhamento terapêutico e protetivo de caráter transitório; II – Serviços de Atenção em Regime Residencial: serviço de saúde destinado a oferecer cuidados contínuos de saúde, de caráter residencial transitório por até nove meses para adultos com necessidades clínicas estáveis decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas); atenção hospitalar em hospitais gerais; estratégias de desinstitucionalização; e reabilitação psicossocial. O quadro a seguir ilustra os componentes das Raps: Quadro 35 Componentes da Rede de Atenção Psicossocial Atenção Básica em Saúde Unidades Básicas de Saúde Núcleos de Apoio à Saúde da Família Consultórios de rua Centros de convivência e cultura Atenção Psicossocial Estratégica Centros de Atenção Psicossocial, nas suas diferentes modalidades Atenção de Urgência e Emergência SAMU 192 UPA 24 horas e portas hospitalares de atenção a urgência/ pronto-socorro, Unidades Básicas de Saúde Atenção Psicossocial Residencial de Caráter Transitório Unidades de Acolhimento Serviço de atenção em regime residencial Atenção Hospitalar Serviços hospitalares de referência em saúde mental e álcool e outras drogas em hospitais gerais, maternidades e pediatria Estratégias de Desinstitucionalização Serviços residenciais terapêuticos Programa De Volta para Casa Programa de Desinstitucionalização Estratégias de Reabilitação Psicossocial Iniciativa de geração de trabalho e renda Fortalecimento do protagonismo de usuários e familiares Fonte: Brasil (2016e, p. 9). 111 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA A seguir, os princípios das Raps: Constr ução d o proje to terapê utico s ingula r Combate a estigmas e preconceitos Diversificação das estratégias de cuidado Cuidado integral Cuidado em liberdadeRespeito aos Direitos Humanos Estr atég ia d a edu caçã o pe rma nen teEs tra té gi a de re du çã o de d an os Pr om oç ão d e au to no m ia Co ntr ole so cia l d os usu ári os e d e s eu s fa mi liar es Figura 52 O Caps é um dos componentes das Raps e configura-se como uma atenção psicossocial especializada, surgiu como uma forte alternativa aos manicômios, que não tinham uma perspectiva de atendimento integral e humanizada às pessoas com transtornos mentais. Eles estruturam sua ação por uma equipe multiprofissional, a qual atua sob a ótica interdisciplinar e realiza, prioritariamente, o acompanhamento de pessoas com sofrimento ou transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas, ou outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida (MEDEIROS et al., 2017). A figura a seguir apresenta os tipos de Caps existentes: Figura 53 112 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I As figuras a seguir ilustram a expansão do número de Caps no país: 148 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 20141999 2001 2003 2005 2007 Anos Ca ps 2009 2011 2013 2015 500 0 1000 1500 2000 2500 179 208 295 424 500 605 738 1010 1155 1326 1467 1620 1742 1937 2062 2209 2328 Figura 54 – Série histórica de expansão dos Caps (Brasil, dez. 1998 a dez. 2015) 2006 2011 0% >25% e <50% >75%>0% e <25% >0% e <25% 2015 Figura 55 – Mapas com evolução do indicador de cobertura de Caps/100 mil habitantes (Brasil, 2006, 2011 e 2015) 2002 0 0,20 0,40 0,60 0,80 1,00 1,20 2004 2006 2008 2010 2012 2014 Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul Figura 56 – Série histórica do indicador de cobertura de Caps/100 mil habitantes, por região (Brasil, dez. 2002 a dez. 2015) 113 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA A partir da Reforma Psiquiátrica, a proposta de atendimento em saúde mental visa à desinstitucionalização, à reabilitação psicossocial e à redução de danos. Nessa proposta, a articulação entre a saúde mental e a atenção básica e o apoio matricial constituem um arranjo organizacional que visa a ações conjuntas. Dessa forma, a referência de saúde mental participa de reuniões de planejamento das equipes de ESF, realiza discussão de caso e atendimento compartilhado para propor um PTS. Além disso, participa das iniciativas de capacitação e de gestão do atendimento de modo a proporcionar continuidade neste. Esse compartilhamento se produz em forma da corresponsabilização pelos casos, que pode se efetivar por meio de discussões conjuntas, intervenções junto às famílias e à comunidade (BRASIL, 2016e, p. 37). A atenção básica pode contar também com o apoio de centro de convivência (dispositivo implantado em algumas regiões para a promoção de saúde e atenção integral); equipes de consultório na rua (dispositivo itinerante, como estratégia de redução de danos no uso de álcool e outras drogas); equipe de apoio aos serviços do componente atenção residencial de caráter transitório; unidades de acolhimento (UA) (residências categorizadas em duas modalidades: adulto e infantojuvenil); serviço residencial terapêutico (SRT) (moradias inseridas na comunidade, destinadas a acolher pessoas com internação de longa permanência, dois anos ou mais ininterruptos, egressas de hospitais psiquiátricos e hospitais de custódia). Observação O Programa De Volta Para Casa consiste no auxílio mensal de R$ 412,00 para portadores de transtorno mental que moraram em hospitais psiquiátricos por mais de dois anos ininterruptos até 2003. A seguir apresentamos os números de SRT e beneficiários do Programa De Volta para Casa no país: 370 350 330 310 290 270 250 2013 267 289 362 2014 2015 Figura 57 – Série histórica habilitação serviços residenciais terapêuticos (2013-2015) 114 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I 5000 4000 3000 2000 N úm er o de b en efi ci ár io s P VC 1000 4500 3500 2500 1500 500 0 2003 2005 2007 2009 2011 2013 20152004 2006 2008 Ano 2010 2012 2014 43944349424541563961 363534863192 2868 2519 1991 879 206 Figura 58 – Número de beneficiários do programa De Volta para Casa (2003-2015) Os profissionais da atenção básica, ao entrar em contato com o portador de sofrimento emocional, devem: • Proporcionar ao usuário um momento para pensar/refletir. • Exercer boa comunicação. • Exercitar a habilidade da empatia. • Lembrar-se de escutar o que o usuário precisa dizer. • Acolher o usuário e suas queixas emocionais como legítimas. • Oferecer suporte na medida certa. uma medida que não torne o usuário dependente e nem gere no profissional uma sobrecarga. • Reconhecer os modelos de entendimento do usuário (BRASIL, 2013g, p. 23). Para um cuidado integral em saúde mental, a abordagem familiar é fundamental, pois a família também se encontra em situação de vulnerabilidade e precisa se fortalecer para dar apoio ao familiar em sofrimento mental. Ela deve estar comprometida com o rompimento, com a lógica do isolamento e da exclusão,fortalecimento da cidadania, protagonismo e corresponsabilidade (BRASIL, 2013g). Ainda de acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2013g, p. 71): Quando o foco é a família, torna-se fundamental a abordagem que vai além das dificuldades e de soluções previamente estabelecidas. Assim, por exemplo, uma ação de fortalecimento dos cuidados familiares à pessoa com sofrimento psíquico e/ou usuária de álcool e outras drogas não deve estar apoiada naquilo que falta; pelo contrário, a ação deve nascer do 115 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA que existe de recursos e fortalezas em cada família. Esse modo de ver e cuidar pode representar um importante princípio orientador que estimula a participação da família no processo de enfrentamento de dificuldades, quaisquer que elas sejam. O quadro a seguir apresenta algumas ferramentas úteis para o trabalho com a família: Quadro 36 Ferramentas Entrevista familiar Objetiva realizar a caracterização do sistema familiar (estrutura, desenvolvimento e funcionamento familiar, condições materiais de vida, estado de saúde dos integrantes, rede social da família etc.). Genograma familiar É uma representação gráfica da família. Identifica suas relações e ligações dentro de um sistema multigeracional (no mínimo três gerações). Instrumento amplamente utilizado na terapia familiar, na formação de terapeutas familiares, na atenção básica à saúde e, mais recentemente, em pesquisas sobre família. Ecomapa Integra o conjunto dos instrumentos de avaliação familiar. Entretanto, enquanto o genograma identifica as relações e ligações dentro do sistema multigeracional da família, o ecomapa identifica as relações e ligações da família com o meio onde ela vive. Foi desenvolvido em 1975 por Ann Hartman. É uma representação gráfica do sistema ecológico da família. Identifica os padrões organizacionais da família e a natureza das suas relações com o meio, mostrando-nos o equilíbrio entre as necessidades e os recursos da família. Firo: Fundamental Interpersonal Relations Orientation (Orientações Fundamentais nas Relações Interpessoais) Objetiva compreender melhor o funcionamento da família estudando as suas relações de poder, comunicação e afeto. A família é estudada nas dimensões de inclusão, controle e intimidade. Essa ferramenta é bastante útil quando a família se depara com situações que provocam crises familiares e demandam negociações e alterações de papéis entre os seus membros, tais como problemas de saúde, mudanças, doenças agudas e crônicas, hospitalizações etc. Também é utilizada na avaliação de problemas conjugais ou familiares, para entender como a família está lidando com alterações no ciclo da vida. Practice Presenting problem (problema apresentado) Roles and structure (papéis e estrutura) Affect (afeto) Comunication (comunicação) Time of life cycle (fase do ciclo de vida) Illness in family (doença na família) Copingwith stress (enfrentamento do estresse) Ecology (meio ambiente, rede de apoio) Objetiva a avaliação do funcionamento da família de um usuário específico. Fornece informações sobre a organização familiar e o posicionamento da família diante dos problemas enfrentados, possibilitando o manejo daquele caso específico. Essa ferramenta foca no problema, permite uma aproximação esquematizada para trabalhar com a família, facilita a coleta de informações e a elaboração da avaliação com construção de intervenção. Discussão e reflexão de casos clínicos Discussão e reflexão de casos com equipe multiprofissional – discussão dos casos clínicos, estudo de caso etc. Projeto terapêutico de cuidado à família Permite conhecer e construir um projeto terapêutico de cuidado para a família. O projeto terapêutico é um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas a partir da discussão em equipe interdisciplinar, com apoio matricial, se necessário, e com a participação da família na sua elaboração. 116 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Visita Domiciliária (VD) É um recurso facilitador no estabelecimento de vínculo entre usuário, família e equipe e tem como objetivo compreender a dinâmica familiar, identificar as possibilidades de envolvimento da família no PTS e na corresponsabilização de seu tratamento. A VD fornece aos usuários dos pontos de atenção suporte para que estes possam dar continuidade ao tratamento. O enfermeiro realizará, quantas vezes forem necessárias, a visita juntamente a outro membro de sua equipe, e no retorno discutirá o caso com a equipe, a fim de traçar as estratégias de ação e registrará, por meio de relatório, no prontuário do usuário. O critério de escolha de qual usuário deverá ser visitado é decorrente da demanda que a equipe julgar necessária. Adaptado de: Brasil (2013g). O quadro a seguir apresenta a estrutura inicial de um projeto terapêutico de cuidado à família: Quadro 37 Competências familiares Fragilidades Potencialidades O que fazer? Responsável (profissional da equipe de SF) Dinâmica, estrutura e funcionamento da família Contexto sociocultural e econômico Rede intra e extrafamiliar Aspectos relevantes da história familiar que auxiliam no entendimento dos problemas de saúde apresentados Impacto do problema atual (o que motivou a abordagem familiar) Adaptado de: Brasil (2013g). De acordo com Rosso et al. (2014, p. 208), a consulta de enfermagem aos portadores de sofrimento psíquico pode ser estruturada da seguinte forma: • Escolher espaço que possua recursos físicos e materiais, com iluminação e ventilação adequadas, conservando a privacidade. • Preparar o ambiente de forma acolhedora. • Se apresentar ao usuário e convidá-lo para o ambiente da entrevista. • Avaliar a necessidade ou não da presença de um familiar ou pessoa que possua vínculo para acompanhar a consulta. Se houver necessidade desta presença, é importante ouvir o usuário primeiramente e sempre dar espaço para a verbalização. 117 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA • O início da entrevista deve ser pouco diretiva, permitindo a livre expressão do usuário ou de seu acompanhante. • Após a exposição inicial do usuário ou do acompanhante, o entrevistador deve adotar um papel mais ativo e observar linguagem não verbal. A avaliação do estado mental começa antes do início da entrevista, com a observação da expressão facial e corporal, vestimentas, movimentos e maneira de se apresentar do usuário. O quadro a seguir apresenta as principais medidas da consulta de enfermagem para acompanhamento da pessoa com sofrimento mental: Quadro 38 Principais medidas Histórico de enfermagem A entrevista é a fase inicial e é a primeira e melhor oportunidade do usuário dizer como percebe o seu estado de saúde. Propicia a compreensão de como a pessoa é, como ela e a família encaram o processo saúde-doença, quais são suas perspectivas em relação ao cuidado e como podem participar do plano de cuidados que será estabelecido pelo enfermeiro. A entrevista exige habilidades de comunicação terapêutica, de escuta para entender e explorar os dados que o usuário traz e reconhecer esse momento como uma oportunidade de estabelecer vínculo. A anamnese/entrevista é composta de identificação, queixa principal, história da doença atual, história patológica pregressa, história social, história familiar, necessidades e nível de autonomia: padrão do sono, padrão de funcionamento intestinal e urinário, hábitos alimentares, hidratação, atividades de vida diária (AVD), atividades instrumentais de vida diária (AIVD), relacionamento social e companhias, atividade física, de recreação e lazer, relacionamento afetivo, aspectos da sexualidade, informação sobre sua condiçãoe tratamento. Exame psíquico Abrange dados referentes à avaliação das funções psíquicas e pode ser adquirido por diversos instrumentos. Chama a atenção para a observação da fala do indivíduo, como ele se comporta durante a entrevista, os dados trazidos por ele durante a consulta, memória, orientação e presença de delírios e alucinações. Diagnóstico de enfermagem Compreende a interpretação e o agrupamento dos dados coletados na entrevista para levantar as necessidades do usuário e da família. Essas informações auxiliam a seleção das ações ou intervenções com as quais se objetivam alcançar os resultados esperados por usuário e família no território. O enfermeiro tem autonomia para escolher a taxonomia que entender mais adequada para pensar o processo. Planejamento da assistência Os resultados que se esperam alcançar devem ser discutidos junto à equipe multiprofissional, usuário e família. A proposta terapêutica ou prescrição de enfermagem é composta de intervenções ou ações que serão desenvolvidas pelo enfermeiro ou pela equipe de enfermagem, em perfeita articulação com a equipe de saúde mental. É importante que a proposta terapêutica sugerida pelo enfermeiro seja discutida em equipe, pois irá compor o PTS. Destaca-se que as ações devem ser pensadas no âmbito individual, familiar e comunitário. Todos os equipamentos sociais do território devem ser considerados no planejamento das ações. As principais intervenções propostas pelo enfermeiro são as individuais e as grupais e têm por objetivos fortalecer o vínculo enfermeiro-indivíduo-família-equipe; oferecer apoio/suporte; proporcionar mais autonomia ao indivíduo e à família; conscientizar dos problemas e tratamento; monitorar e intervir em sinais e sintomas psíquicos e efeitos colaterais; estimular o indivíduo e família a buscarem novas alternativas de manejo e apoio na rede social; diminuir a sobrecarga e o nível de sofrimento da família e, se em grupo, propiciar a socialização e a troca de experiências. 118 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Implementação Compreende a realização das ações propostas no PTS. Avaliação de enfermagem É um processo sistemático e contínuo de verificação de mudanças nas respostas da pessoa e da família para determinar se o resultado das ações ou intervenções do PTS foram alcançados. As metas e prazos devem ser ampliados, considerando as características do adoecimento psíquico. É fundamental a realização do registro sistemático, organizado e completo das ações, sejam elas realizadas individualmente, sejam em conjunto com os outros profissionais da equipe. Adaptado de: Rosso et al. (2014). A seguir apresentaremos um caso gerencial com as respectivas abordagens de atendimento fundamentadas nas metodologias e abordagens compreensivas. Descrição de um caso clínico com elaboração de genograma e ecomapa F.F.S. é um homem de 37 anos que apresenta sofrimento mental intenso desde a adolescência, com delírios e alucinações. Mora com sua mãe (M.F.S.), que tem 63 anos e é viúva de S.S. (seu pai), com seu irmão (P.F.S.) de 39 anos, com sua irmã (G.M.S.G.) de 33 anos e seu cunhado (G.G.) de 35 anos. Sua irmã e cunhado têm dois filhos, B.S.G. de 7 anos (menina) e R.S.G. de nove anos (menino). A família de F.F.S. mora em uma comunidade periférica de uma grande cidade onde o tráfico de drogas está fortemente presente; sofre, como os demais moradores, as consequências de uma violência ligada à disputa entre facções do tráfico pelo território. Todos os membros dessa família são atendidos em uma unidade de saúde próxima de sua casa. Seu irmão P.S.F. é usuário de álcool e crack, tendo passado por várias internações psiquiátricas. É a pessoa da família de quem a equipe de saúde tem mais dificuldade de cuidar. Desistiu de frequentar o Centro de Atenção Psicossocial a Álcool e Outras Drogas (CAPS AD). Sua mãe também apresenta sofrimento mental: teve delírios e alucinações e mais recentemente não quer sair da cama nem se comunicar com sua família. Ela participa dos grupos de HA, DM e de saúde mental, além de ser acompanhada por uma médica de família. G.M.S.G. – sua irmã – é quem cuida de todos, sempre muito atenta à mãe e aos irmãos. O sustento da casa vem por meio do salário do cunhado e da aposentadoria da mãe [...]. Fonte: Brasil (2013g, p. 73). A figura a seguir é do genograma e ecomapa de F.F.S. e sua família: 119 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA S.S. P.F.S. 39 F.F.S. 37 G.G. 35 R.S.G. 9 G.M.S.G. 33 B.S.G. 7 M.F.S. 63 Grupo de diabetes Grupo de saúde mental CAPS AD Grupo de saúde mental Oficina de geração de renda USF e Nasf consultas e visitas Grupo de hipertensão Unidade de saúde da família Salário G.G. Aposentadoria MF.S. Drogas e violência Hospital/urgência Legenda S.S. – Pai: falecido M.F.S. – Mãe: apresenta sofrimento mental com delírios e alucinações e sintomas de depressão P.F.S. – Irmão: usuário de álcool e crack F.F.S. – Usuário: apresenta sofrimento mental intenso desde a adolescência com delírios, alucinações e sumiços de casa G.M.S.G. – Irmã: cuidadora da família G.G. – Cunhado: provedor financeiro B.S.G. – Sobrinha R.S.G. – Sobrinho Figura 59 – Genograma e ecomapa de F.F.S. e sua família 120 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Homem Abuso de álcool ou drogas Morte = X Morando junto Casamento Nascimento de uma criança morta Filhos: ordem de nascimento com o mais velho à esquerda Filho adotivo Distante Muito estreito Coalizão Relacionamentos: Conflituoso Fundido e conflitual Harmônico Vulnerável Rompimento Aliança Triangulação Gêmeos fraternos Gêmeos idênticos Gestação Aborto espontâneo Aborto induzido Divórcio Separação conjugal Mulher Sexo indefinido Pessoa índice Figura 60 – Símbolos do genograma O PTS que a ESF juntamente à equipe do Nasf elaborou para F.F.S. consiste em: • Participação nos encontros do grupo de saúde mental, uma vez por semana, oferecidos pela unidade, coordenados pela enfermeira e pela psicóloga do Nasf. • Atendimentos realizados pelo médico de família, incluído o cuidado medicamentoso orientado pelo psiquiatra matriciador; muitas vezes o atendimento é feito conjuntamente pelo médico de família, psiquiatra e enfermeira. • Atendimentos familiares realizados no domicílio por ambas as equipes – Saúde da Família e Nasf – em momentos quando todos ou a maior parte dos membros da família estão presentes. 121 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA • Oficinas de geração de renda (serviço da área de Saúde Mental do município), uma vez que F.F.S. expressou desejo retomar uma atividade laboral geradora de renda. F.F.S. e todos de sua família possuem um bom vínculo com os profissionais de saúde, reconhecendo neles um bom suporte para todos os momentos, inclusive os de crise (BRASIL, 2013g). 4 CONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER NO BRASIL: A ATUAL POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DA MULHER (PNAISM) A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), ao considerar o gênero, a integralidade e a promoção da saúde como perspectivas privilegiadas, bem como os avanços no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, sob orientação das diferentes dimensões dos direitos humanos e questões relacionadas à cidadania, volta-se ao fortalecimento das ações para as mulheres que foram historicamente excluídas das políticas públicas, como forma de garantir a legitimidade às suas necessidades e especificidades. Nesse sentido, é necessário garantir acesso aos serviços, respeitando a diversidade cultural, sexual, étnicae religiosa, contribuindo para a construção da autonomia de mulheres com deficiência, lésbicas, bissexuais, transexuais, negras, índias, ciganas, do campo e da floresta, em situação de rua e privadas de liberdade, em todas as fases da vida (BRASIL, 2016c). Nesse sentido, as linhas de cuidado prioritárias da PNAISM são: atenção obstétrica e neonatal qualificada e humanizada baseada em evidências científicas; saúde sexual e reprodutiva de mulheres e adolescentes (promoção, prevenção e tratamento das DST/Aids); atenção às mulheres e adolescentes em situação de violência sexual; redução da morbimortalidade por câncer de mama e colo uterino e atenção integral às mulheres no climatério (ROSSO et al., 2014). Juntamente foi priorizada a construção de redes temáticas, com ênfase em algumas RAS, como a Rede Cegonha, para atenção materno-infantil, e a Rede de Atenção Oncológica, para prevenção e controle do câncer de mama e do colo do útero. A Rede Cegonha consiste em estratégia implantada em 2011, com a finalidade de reorganizar a rede assistencial para garantir acesso, acolhimento e resolutividade como foco no direito reprodutivo e na atenção qualificada e humanizada no pré-natal, parto e puerpério e à criança para nascimento seguro e atenção integral de 0 a 24 meses de vida. Também objetiva a redução da mortalidade materna e infantil com ênfase no componente neonatal (ROSSO et al., 2014). A Rede de Atenção Oncológica propõe a implementação de linha de cuidado para o câncer de mama por meio de ações de prevenção, detecção precoce e tratamento oportuno e, para o câncer de colo do útero, ações de prevenção, diagnóstico e tratamento das lesões precursoras. A enfermagem na atenção básica, deve realizar a avaliação e o acompanhamento da saúde da mulher com enfoque nas linhas de cuidados prioritários e ações de promoção da saúde, redução de risco ou manutenção de baixo risco, rastreamento/detecção precoce, diagnóstico, tratamento e reabilitação de doenças, considerando-se a individualidade, necessidades e direitos da mulher (ROSSO et al., 2014). 122 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I A figura a seguir é da linha de cuidado no câncer: Consulta com generalista Consulta especializada Diagnóstico Tratamento Cuidados paliativos Rastreamento diagnóstico precoce Investigação Exames (laboratoriais, de imagem e outros) Biópsia Controle dos sintomas e alívio da dor; suporte espiritual, apoio ao cuidador Cirugia Quimioterapia Radioterapia Figura 61 – Linha de cuidado no câncer O enfermeiro pode acompanhar inteiramente o pré-natal de baixo risco e puerpério em hospitais e na rede básica de saúde, conforme estabelecido pelo MS e conforme garantido pela lei do exercício profissional, regulamentada pelo Decreto nº 94.406/87. Caso ocorra alguma intercorrência durante a gestação, a mulher deverá ser encaminhada para a unidade de saúde de referência de risco (ROSSO et al., 2014). As figuras a seguir apresentam os fluxogramas para a consulta de enfermagem da mulher e também para a mulher no climatério: Consulta ginecológica de enfermagem Dados pessoais Anamnese CondutasExame físico Exames complementares Identificação dados socioeconômicos e demográficos – Antecedentes gineco- obstétrico (menarca; ciclos menstruais; DUM - duração, intervalos, regularidade; dismenorreia; primeira relação e vida sexual; nº de gestações, partos, abortos e filhos vivos; frequência urinária e fecal; citopatológico cervival, mamografia e cirugias anteriores). – Antecedentes patológicos (doenças crônicas, endemias, alergias e antecedentes familiares). – Anticoncepção (método, tempo de uso, adequação do método). – Reposição hormonal. – Motivo da consulta e queixas (sinais e sintomas - início e tempo de duração). – Hemograma –TSH –Glicemia –TTG –Colesterol e HDL –Triglicérides – THO e TGP – EAS e urinocultura – Parasitológico de fezes – Colpocitológico – Mamografia e ultrassografia (mama e útero). 1. Preencher ficha da mulher. 2. Orientar atitudes de promoção da saúde de acordo com os dados da anamnese e do exame clínico e complementares. 3. Orientar cuidados com as mamas e prevenção de DSTs. 4. Promover e incentivar participação no grupo educativo. 5. Orientar e agendar consulta subsequente. 1. Geral: peso, altura e IMC medida de PA, inspeção de pele e mucosas, palpação de tireoide, ausculta pulmonar e cardíaca, manobra de Giordano (investigar ITU); inspeção, palpação, percussão e ausculta abdominal; inspeção e palpação de MMII. 2. Ginecológico: exame clínico das mamas (ECM) com orientação sobre autoexame, inspeção de genitais eternos, exame especular (citopatológico cervical) e toque vaginal. Figura 62 123 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Solicitar exames de rotina – Hemograma –TSH – Glicemia – TTG – Colesterol e HDL – Triglicérides – TGO e TGP – EAS e urinocultura – Pesquisa de sangue oculto nas fezes – Colpocitológico – Mamografia – Densitometria óssea Educação e saúde – Autocuidado considerando as alterações físicas – Autoestima – Informações sobre sexualidade – Estimular a prática do sexo seguro Encaminhamentos necessários à equipe multiprofissional Condutas de enfermagem na consulta de enfermagem à mulher no climatério Figura 63 – Condutas de enfermagem à mulher no climatério 4.1 Câncer de mama O câncer de mama é o que mais acomete mulheres em todo o mundo, constituindo a maior causa de morte por câncer nos países em desenvolvimento. No Brasil, é o segundo tipo mais incidente na população feminina (BRASIL, 2016c). A figura a seguir é a estimativa do Instituto Nacional de Câncer (Inca), para a incidência dos principais tipos de neoplasias para 2016 no país: Localização primária Casos % Homens Mulheres Localização primária Casos % Próstata Traqueia, brônquio e pulmão Cólon e reto Estômago Cavidade oral Esôfago Bexiga Laringe Leucemias Sistema nervoso central 61.200 17.330 16.660 12.920 11.140 7.950 7.200 6.360 5.540 5.440 28,6% 8,1% 7,8% 6,0% 5,2% 3,7% 3,4% 3,0% 2,6% 2,5% Mama feminina Cólon e reto Colo do útero Traqueia, brônquio e pulmão Estômago Corpo do útero Ovário Glândula tireoide Linfoma não Hodgkin Sistema nervoso central 57.960 17.620 16.340 10.890 7.600 6.950 6.150 5.870 5.030 4.830 28,1% 8,6% 7,9% 5,3% 3,7% 3,4% 3,0% 2,9% 2,4% 2,3% Números arredondados para múltiplos de 10. Figura 64 – Distribuição proporcional dos 10 tipos de câncer mais incidentes estimados para 2016 por sexo, exceto pele não melanoma 124 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Como podemos constatar, estima-se que o câncer de mama passa a ser o primeiro que mais acometerá a população feminina. O País apresenta falhas em sua abordagem, e o diagnóstico e tratamento da doença muitas vezes não são realizados em tempo oportuno, gerando menor sobrevida (em cinco anos) das pessoas diagnosticadas, em comparação com países desenvolvidos (50%-60% contra 85%) (BRASIL, 2016c). A seguir apresentamos os dados da mortalidade da doença: 140,0 120,0 100,0 80,0 60,0 Ta xa p or 1 00 m il m ul he re s 40,0 20,0 0,0 1990 30-39 anos 40-49 anos 50-59 anos 60-69 anos 70-79 anos 80 anos e mais 2000 20101995 2005 2015 Figura 65 – Taxas de mortalidade por câncer de mama feminina, específicas por faixas etárias, por 100.000 mulheres (Brasil, 1990 a 2015) O câncer de mama é considerado uma doença heterogênea com relação à sua clínica e morfologia. Em 2012, a OMS publicou a Classificação para Tumores de Mama, na qual reconhece mais de vinte subtipos diferentes da doença. A maioria dos tumores origina-se no epitélio ductal (cerca de 80%)e são conhecidos como carcinoma ductal invasivo. Entretanto, existem ainda outros subtipos de carcinomas que podem ser diagnosticados, como o lobular, o tubular, o mucinoso, o medular, o micropapilar e o papilar (INCA, 2015). A doença de Paget é um tumor raro que representa 0,5% a 4% das patologias malignas da mama, provoca prurido no complexo areolopapilar e apresenta-se inicialmente como um eritema e espessamento cutâneo, evoluindo para uma erosão cutânea eczematoide ou exudativa; 99% das portadoras apresentam um carcinoma subjacente. Nos casos subclínicos, o diagnóstico é feito por meio de exame histopatológico do complexo areolopapilar (BRASIL, 2013a). A seguir apresentamos as principais manifestações clínicas da doença. • Nódulo palpável. • Endurecimento da mama. 125 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA • Secreção mamilar. • Eritema mamário. • Edema mamário em “casca de laranja”. • Retração ou abaulamento. • Inversão, descamação ou ulceração do mamilo. • Linfonodos axilares palpáveis. É um tipo de câncer considerado multifatorial, envolvendo fatores biológico-endócrinos, vida reprodutiva, comportamento e estilo de vida. Envelhecimento, fatores relacionados à vida reprodutiva da mulher, história familiar de câncer de mama, alta densidade do tecido mamário são os mais conhecidos fatores de risco para seu desenvolvimento. Além desses, o consumo de álcool, excesso de peso, sedentarismo e exposição à radiação ionizante também são considerados agentes potenciais (INCA, 2015). A idade é um dos mais importantes fatores de risco. As taxas de incidência aumentam rapidamente até os 50 anos. Após essa idade, o aumento ocorre de forma mais lenta, o que reforça a participação dos hormônios femininos na etiologia da doença. O câncer de mama observado em mulheres jovens apresenta características clínicas e epidemiológicas bem diferentes das observadas em mulheres com mais idade. Geralmente são mais agressivos, apresentam uma alta taxa de presença da mutação dos genes BRCA1 e BRCA2, além de superexpressarem o gene do fator de crescimento epidérmico humano receptor 2 – HER2 (INCA, 2015). Ainda conforme o Inca (2015), história familiar também é um importante fator de risco. Alterações em genes, como os da família BRCA, aumentam o risco de desenvolver câncer de mama. Ressalta-se, entretanto, que cerca de nove em cada dez casos de câncer de mama ocorrem em mulheres sem história familiar. Fatores relacionados à vida reprodutiva também estão ligados ao risco de desenvolvimento. A nuliparidade e ter o primeiro filho após os 30 anos de idade contribuem para aumento no risco do câncer de mama. Por outro lado, a amamentação está associada a um menor risco de desenvolver esse tipo de câncer. A prática de atividade física e a alimentação saudável com a manutenção do peso estão relacionadas a uma diminuição de aproximadamente 30% do risco de desenvolver câncer de mama. A obesidade pós-menopausa também é considerada como fator de risco, que pode ser diminuído com a prática de atividade física regular. A mamografia bienal para mulheres entre 50 a 69 anos é a estratégia recomendada pelo MS para o rastreamento do câncer de mama. Para as mulheres consideradas de risco elevado (história familiar em parentes de primeiro grau), recomenda-se o acompanhamento individualizado (INCA, 2015). 126 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Saiba mais Acesse o parecer do Inca sobre a solicitação de mamografia para rastreamento por enfermeiros: INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA (INCA). Nota técnica. 2009. Disponível em: <http://www1.inca.gov.br/wps/wcm/conn ect/5912bc804eb696bf975897f11fae00ee/NT_INCA_DARAO_Mamografia_ requerida_pela_enfermagem.pdf?MOD=AJPERES>. Acesso em: 10 set. 2018. O autoexame das mamas, que foi muito estimulado no passado, não provou ser benéfico para a detecção precoce e por trazer falsa segurança. Dessa forma, não deve ser orientado para o reconhecimento de lesões, embora possa ser recomendado para que a mulher tenha conhecimento de seu próprio corpo. O exame clínico das mamas (ECM) não tem benefício bem estabelecido como rastreamento, devendo ser realizado no caso de queixas mamárias, como parte inicial da investigação (BRASIL, 2016c). A figura a seguir apresenta as etapas a serem realizadas no ECM: Exame clínico das mamas (ECM) Inspeção estática Inspeção dinâmica Palpação Solicitar mamografia (MMG) Agendar e encaminhar para serviço de referência para consulta médica especializada Presença de alteraçõesNão Resumo anual Sim Solicitar à mulher que sentada apoie o antebraço no examinador, mantendo o braço bem relaxado. Examinar a região supra e infraclavicular (investigar linfonodos) e axilar bilateral, assim como toda a mama e em volta da aréola com a face palmar dos dedos da mão dominante. Repetir o exame com braços elevados e fletidos e com as mãos sob a nuca e com a mulher deitada em decúbito dorsal Solicitar à mulher que eleve os braços e depois coloque as mãos na cintura com braços erguidos ao máximo, realizando contratura dos músculos peitorais, para se tornarem nítidas alguma pequena retração e elevação e alteração na cor da pele; descamamento ou úlceras no mamilo e secreção mamilar Solicitar à mulher que se sente, tronco desnudo, voltada para você e a fonte de luz, mantenha os braços soltos ao longo do corpo para serem observadas as mamas e mamilos quanto a alterações na cor da pele, controno e ou retrações da mesma; fissuras, descamamento ou úlceras no mamilo e secreção mamilar Figura 66 – Exame clínico das mamas (ECM) 127 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA O quadro a seguir apresenta as ações de prevenção e detecção precoce para o câncer de mama realizadas na atenção básica: Quadro 39 Níveis de prevenção Ações Primário Age sobre os fatores de risco modificáveis para o câncer de mama: Estimula a manutenção do peso saudável. Estimula a prática de atividades físicas. Aconselha a redução do consumo de álcool e cessação do tabagismo. Secundário Realiza rastreamento conforme indicação e coordena o cuidado dos casos confirmados, fazendo a ponte com outros pontos da Rede de Atenção à Saúde e apoia a família de forma integral. Fornece atenção às queixas de alterações e realiza a investigação necessária visando à detecção precoce e encaminha para a atenção especializada quando indicado. Terciário Auxilia a reabilitação, o retorno às atividades e a reinserção na comunidade. Orienta cuidados. Mantém o acompanhamento clínico e o controle da doença. Orienta quanto aos direitos dos portadores e facilita o acesso a eles. Quaternário Evita ações com benefícios incertos e protege de ações danosas, não solicitando mamografia de rastreamento na população menor de 50 anos e maior de 70 anos ou com periodicidade menor de dois anos. Realiza o rastreamento de forma individualizada, fornecendo informações claras quanto aos benefícios e riscos da ação e compartilhando as decisões com a usuária. Adaptado de: Brasil (2016c). Observação A sensibilidade da mamografia varia de 77%-95%, depende de: tamanho, localização da lesão, densidade mamária, qualidade dos recursos/interpretação. Em mamas densas (mulheres antes dos 50) a sensibilidade cai para 30%-48%. O quadro apresenta as atribuições dos profissionais da atenção básica no controle dos cânceres de colo de útero e mama. 128 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Quadro 40 Atribuições Enfermeiro Auxiliar/Técnico em enfermagem Agente comunitário de saúde Atender as usuárias de maneira integral.Realizar a consulta de enfermagem e a coleta do exame citopatológico, de acordo com a faixa etária e quadro clínico da usuária. Realizar a consulta de enfermagem e o exame clínico das mamas, de acordo com a faixa etária e quadro clínico da usuária. Solicitar exames de acordo com os protocolos ou normas técnicas estabelecidos pelo gestor local. Examinar e avaliar usuárias com sinais e sintomas relacionados aos cânceres do colo do útero e de mama. Avaliar resultados dos exames solicitados e coletados e, de acordo com os protocolos e diretrizes clínicos, realizar o encaminhamento para os serviços de referência em diagnóstico e/ou tratamento dos cânceres de mama e do colo do útero. Prescrever tratamento para outras doenças detectadas, como IST, na oportunidade do rastreamento, de acordo com os protocolos ou normas técnicas estabelecidos pelo gestor local. Realizar cuidado paliativo, na unidade ou no domicílio, de acordo com as necessidades da usuária. Avaliar periodicamente, e sempre que ocorrer alguma intercorrência, as usuárias em cuidados paliativo e, se necessário, realizar o encaminhamento para unidades de internação. Atender as usuárias de maneira integral. Realizar coleta de exame citopatológico, observadas as disposições legais da profissão, ação do técnico em enfermagem. Realizar cuidado paliativo, na unidade ou no domicílio, de acordo com as necessidades da usuária. Participar do gerenciamento dos insumos necessários para a adequada realização do exame citopatológico. Conhecer a importância da realização da coleta do exame citopatológico como estratégia segura e eficiente para detecção precoce do câncer do colo do útero na população feminina de sua microárea. Conhecer as recomendações para detecção precoce do câncer de mama na população feminina de sua microárea. Realizar visita domiciliária às mulheres de sua microárea orientando sobre a importância da realização dos exames e facilitando o acesso a eles. Buscar a integração entre a equipe de saúde e a população adscrita à unidade, mantendo a equipe informada, principalmente a respeito de mulheres em situação de risco. Estar em contato permanente com as famílias, desenvolvendo ações educativas relativas ao controle dos cânceres do colo do útero e da mama, de acordo com o planejamento da equipe, visando à promoção da saúde, à prevenção e ao acompanhamento das mulheres. Realizar visitas domiciliares às mulheres com resultados alterados para estimular a adesão ao tratamento e fazer busca ativa das faltosas. Adaptado de: Brasil (2013a). 4.2 Câncer de colo do útero O câncer de colo do útero, também chamado de câncer cervical, é a terceira localização primária de incidência e de mortalidade por câncer em mulheres no País, com exceção do câncer de pele não melanoma. Ele é responsável por 265 mil óbitos por ano, sendo a quarta causa mais frequente de morte por câncer em mulheres. Esse tumor é o que apresenta maior potencial de prevenção e cura quando diagnosticado precocemente (BRASIL, 2016c). Essa neoplasia é caracterizada pela replicação desordenada do epitélio de revestimento do órgão, 129 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA comprometendo o tecido subjacente (estroma) e podendo invadir estruturas e órgãos contíguos ou a distância. Há duas principais categorias de carcinomas invasores do colo do útero, dependendo da origem do epitélio comprometido: o carcinoma epidermoide, tipo mais incidente e que acomete o epitélio escamoso (representa cerca de 80% dos casos), e o adenocarcinoma, tipo mais raro e que acomete o epitélio glandular (BRASIL, 2013a). No estágio invasivo, os principais sintomas são sangramento vaginal (espontâneo, após o coito ou esforço), leucorreia e dor pélvica, que podem estar associados com queixas urinárias ou intestinais nos casos mais avançados. Ao exame especular podem ser evidenciados sangramento, tumoração, ulceração e necrose no colo do útero. O toque vaginal pode mostrar alterações na forma, tamanho, consistência e mobilidade do colo do útero e estruturas subjacentes (BRASIL, 2013a). No Brasil, em 2016, são esperados 16.340 casos novos, com um risco estimado de 15,85 casos a cada cem mil mulheres. Em 2013, ocorreram 5.430 óbitos, representando uma taxa de mortalidade ajustada para a população mundial de 4,86 óbitos para cada cem mil mulheres. A figura a seguir apresenta a taxa de mortalidade no país por regiões: 11,5 10,5 9,5 7,5 6,5 5,5 4,5 3,5 2,5 1983 1987 1991 1995 1999 2003 2007 20111985 1989 1993 1997 2001 2005 2009 2013 Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul 8,5 Taxa por 100 mil mulheres Figura 67 – Taxa de mortalidade ajustada pela população mundial por câncer do colo do útero. Brasil (1983 a 2013) O principal fator de risco para o desenvolvimento do câncer de colo do útero é a infecção pelo papiloma vírus humano (HPV). Infecções persistentes por HPV podem levar a transformações intraepiteliais progressivas que podem evoluir para lesões intraepiteliais precursoras do câncer de colo do útero, que se não diagnosticadas e tratadas oportunamente, evoluem para o câncer de colo do útero. A infecção por HPV é a infecção sexualmente transmissível (IST) mais comum em todo o mundo, e a maioria das pessoas sexualmente ativas, homens e mulheres, terá contato com o vírus durante algum momento da vida. Aproximadamente 291 milhões de mulheres no mundo apresentam infecção por HPV em algum período da vida, correspondendo a uma prevalência de 10,4%. Contudo, mais de 90% dessas novas infecções por HPV regridem espontaneamente em seis a 18 meses. Existem hoje 13 tipos de HPV reconhecidos como oncogênicos, sendo os mais comuns o HPV16 e o HPV18 (INCA, 2015). A infecção pelo HPV, sozinha não representa uma causa suficiente para o surgimento dessa neoplasia, 130 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I sendo necessária a persistência da infecção. A associação com outros fatores de risco, como o tabagismo e a imunossupressão (pelo vírus da imunodeficiência humana – HIV – ou outras causas), influencia no surgimento desse câncer. A vacina contra o HPV é uma das ferramentas para o combate ao câncer do colo do útero, o MS implementou, no calendário vacinal, em 2014, a vacina tetravalente contra o HPV, para meninas de 9 a 13 anos. Essa vacina protege contra os subtipos 6, 11, 16 e 18 do HPV. Os dois primeiros causam verrugas genitais e os dois últimos são responsáveis por cerca de 70% dos casos de câncer de colo do útero (INCA, 2015). Saiba mais Conheça o informe técnico do MS sobre a vacina do HPV, consultando: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Coordenação Geral de Saúde dos Adolescentes e Jovens. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vacinação de Adolescentes de 11 a 13 anos contra o Papilomavírus Humano (HPV) em 2014. 2013. Disponível em: <http://www.sprs.com.br/sprs2013/ bancoimg/131209163823Nota_Tecnica_06-__HPV_-_13.11.13.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2018. Atingir alta cobertura no rastreamento da população definida como alvo é o componente mais importante para que se obtenha significativa redução da morbimortalidade. Estima-se que 12% a 20% das brasileiras entre 25 e 64 anos nunca realizaram o exame citopatológico, que é a principal estratégia de rastreamento do câncer de colo do útero e de suas lesões precursoras (BRASIL, 2016c). O quadro a seguir apresenta as recomendações para a coleta do exame citopatológico em situações especiais: Quadro 41 Situação O que fazer Sem história de atividade sexual Não há indicação para rastreamento do câncer de colo do útero e seus precursores nesse grupo de mulheres. Gestantes Seguir as recomendações de periodicidade e faixa etária como as demais mulheres. Há recomendaçõesconflitantes quanto à coleta de material endocervical em grávidas. Apesar de não haver evidências de que a coleta de espécime endocervical aumente o risco sobre a gestação quando utilizada uma técnica adequada, outras fontes recomendam evitá-la devido ao risco em potencial. Recomenda-se análise caso a caso, pesando riscos e benefícios da ação. Gestantes aderentes ao programa de rastreamento com últimos exames normais podem ser acompanhadas de forma segura sem a coleta endocervical durante a gravidez. Por outro lado, para mulheres com vínculo frágil ao serviço e/ou não aderentes ao programa de rastreamento, o momento da gestação se mostra como valiosa oportunidade para a coleta do exame, devendo, portanto, ser completa. 131 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Climatério e pós-menopausa Devem ser rastreadas de acordo com as orientações para as demais mulheres. Na eventualidade de o laudo do exame citopatológico mencionar dificuldade diagnóstica decorrente de atrofia, realizar estrogenização. Histerectomizadas Em caso de histerectomia subtotal (com permanência do colo do útero), deve seguir rotina de rastreamento. Em caso de histerectomia total: não se faz mais rastreamento, pois a possibilidade de encontrar lesão é desprezível. Exceção: se a histerectomia foi realizada como tratamento de câncer de colo do útero ou lesão precursora (ou foram diagnosticados na peça cirúrgica), seguir o protocolo de controle de acordo com o caso (lesão precursora – controles cito/colposcópicos semestrais até dois exames consecutivos normais; câncer invasor – controle por cinco anos (trimestral nos primeiros dois anos e semestral nos três anos seguintes); se controle normal, citologia de rastreio anual. Na requisição do exame, informar sempre a lesão tratada (indicação da histerectomia). Imunossuprimidas São parte deste grupo: mulheres infectadas pelo vírus HIV, imunossuprimidas por transplante de órgãos sólidos, em tratamentos de câncer e em uso crônico de corticosteroides. O exame citopatológico deve ser realizado após o início da atividade sexual, com intervalos semestrais no primeiro ano e, se normais, manter seguimento anual enquanto se mantiver o fator de imunossupressão. Em mulheres HIV positivas com CD4 abaixo de 200 células/mm³, deve ter priorizada a correção dos níveis de CD4 e, enquanto isso, deve ter o rastreamento citológico a cada seis meses. Considerando a maior frequência de lesões multicêntricas, é recomendado cuidadoso exame da vulva (incluindo região perianal) e da vagina. Fonte: Brasil (2016c, p. 180). Entre as razões que levam a uma baixa cobertura no rastreamento do câncer de colo do útero está a dificuldade de acesso e acolhimento enfrentada pelas mulheres, seja pela rigidez na agenda das equipes, que nem sempre está aberta à disponibilidade da mulher, ou ainda por não acolher singularidades. Mulheres com deficiência, homossexuais, bissexuais, transexuais, negras, indígenas, ciganas, mulheres do campo, em situação de rua, profissionais do sexo e mulheres privadas de liberdade demandam adequações para acessar o serviço, já que barreiras arquitetônicas, culturais, ambientais ou atitudinais (resistência, discriminação ou despreparo dos profissionais) podem afastá-las do serviço (BRASIL, 2016c). Um público que exige atenção das equipes de saúde é a mulher com identidade homossexual, pois elas podem ser vulneráveis ao câncer de colo uterino pela crença errônea delas e dos profissionais de saúde na impossibilidade de infecção pelo HPV na prática sexual entre mulheres. Assim, a coleta do exame de prevenção do câncer do colo uterino pode equivocadamente deixar de ser ofertado a elas, com perda da janela de oportunidade para o diagnóstico precoce (BRASIL, 2016c). O rastreamento deve ser realizado a partir de 25 anos em todas as mulheres que iniciaram atividade sexual, a cada três anos, se os dois primeiros exames anuais forem normais. Os exames devem seguir até os 64 anos de idade. Em 1999, foi disponibilizado um sistema de informação que registra os dados informatizados dos procedimentos de citopatologia, histopatologia e controle de qualidade do exame preventivo do colo do útero, referentes ao programa de controle do câncer de colo do útero no Brasil – Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero (Siscolo) –, que é composto por dois módulos operacionais: 132 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I • Módulo laboratório: registra os dados referentes aos procedimentos de citopatologia, histopatologia e monitoramento externo da qualidade. • Módulo coordenação: registra as informações de seguimento das mulheres que apresentam resultados de exames alterados. Está em desenvolvimento o Siscan, um sistema web para substituir o Siscolo e o Sistema de Informação do Controle do Câncer de Mama (Sismama), que permitirá o acompanhamento das ações de rastreamento de ambos os cânceres e a partir da identificação da usuária com resultados alterados (BRASIL, 2013a). O quadro a seguir apresenta a nomenclatura citopatológica e histopatológica utilizada desde o início do uso do exame citopatológico para o diagnóstico das lesões cervicais e suas equivalências: Quadro 42 Classificação citológica de papanicolaou (1941) Classificação histológica da OMS (1952) Classificação histológica de Richart (1967) Sistema Bethesda (2001) Classificação citológica brasileira (2006) Classe I - - - - Classe II - - Alterações benignas Alterações benignas - - - Atipias de significado indeterminado Atipias de significado indeterminado Classe III Displasia leve Displasia moderada e acentuada NIC I NIC II e NIC III LSIL HSIL LSIL HSIL Classe IV Carcinoma in situ NIC II HSIL Adenocarcinoma in situ (AIS) HSIL AIS Classe V Carcinoma invasor Carcinoma invasor Carcinoma invasor Carcinoma invasor Fonte: Inca (2016, p. 26). O quadro a seguir é uma síntese das ações que devem ser realizadas na atenção básica para a prevenção do câncer do colo do útero: Quadro 43 O que fazer? Como fazer? Quem faz? Acolhimento com escuta qualificada Identificação dos motivos de contato. Direcionamento para o atendimento necessário (qualquer contato da mulher com o sistema de saúde é momento oportuno de identificação daquelas não rastreadas e proceder a coleta da colpocitologia). Equipe multiprofissional Avaliação global Entrevista Idade (atentar para população-alvo do rastreamento – 25 a 64 anos). Verificar a realização prévia de exame citopatológico (data do último exame e ocorrência de exames citopatológicos anormais). Questionar sobre a realização de exames intravaginais, utilização de lubrificantes, espermicidas ou medicamentos vaginais, história de relações sexuais com preservativo nas 48 horas anteriores ao exame citopatológico (fatores que podem ocasionar prejuízo à leitura da amostra coletada). Enfermeiro/Médico 133 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Aproveitar a presença da mulher na unidade e realizar o exame preventivo compartilhando com ela os riscos de diagnóstico alterado além de garantir registros em prontuário com a informação do tempo da prática sexual. Antecedentes pessoais obstétricos, cirurgias pélvicas e antecedentes patológicos, em especial as IST e, entre elas, a infecção pelo HPV. Data da última menstruação. Presença de queixas relacionadas a corrimentos vaginais. Não descartar a oportunidade de realizar a coleta do material se o motivo de contato da mulher se deu pelo corrimento (na suspeita de tricomoníase, recomenda-se tratar a mulher e reagendar a coleta do material em três meses, pelo risco de prejuízo da amostra). Inspeção dos órgãos genitais externos: (atentando à integridade doclitóris, do meato uretral, dos grandes e pequenos lábios vaginais, presença de lesões anogenitais. Exame especular: observar aspecto do colo, presença de secreção anormal ou friabilidade do colo, lesões vegetantes ou ulceradas. Exame citopatológico Orientar a usuária sobre o procedimento, buscando esclarecer suas dúvidas e reduzir a ansiedade e o medo. Preencher a requisição de exame. Realizar a coleta do material citológico seguindo as normas técnicas. A coleta da amostra deve ser pelo menos cinco dias após o término da menstruação. Na identificação de quaisquer anormalidades durante a coleta do material, é imprescindível a avaliação do enfermeiro e/ou médico(a). Informar a usuária sobre a possibilidade de discreto sangramento após a coleta, com cessação espontânea. Orientar sobre a importância de buscar o resultado/agendamento de retorno para o resultado. Na presença de secreção vaginal anormal, friabilidade do colo, efetuar coleta para análise laboratorial e tratar de acordo com abordagem sindrômica. Prescrição de tratamento para outras doenças detectadas, como IST, caso presentes, na oportunidade de rastreamento. Na presença de lesões suspeitas (vegetantes ou ulceradas no colo do útero) e em mulheres com queixa de sangramento vaginal fora do período menstrual e/ou desencadeada pela relação sexual, deve-se encaminhar para avaliação especializada, visto que podem ser manifestações de doença invasora. A citologia, nesses casos, devido à necrose tecidual, pode não identificar a presença de células neoplásicas. Enfermeiro/Médico *A coleta de citopatológico para rastreio poderá ser realizada por técnicos em enfermagem devidamente treinados, em localidades onde seja necessário, visando ampliar o acesso da população-alvo ao exame. Consulta de retorno Interpretação do resultado do exame citopatológico e conduta. Orientação sobre periodicidade de realização do exame citopatológico: os dois primeiros exames devem ser feitos com intervalo de um ano e, se os resultados forem normais, o exame deve ser feito a cada três anos. O início da coleta deve ser aos 25 anos de idade para as mulheres que já tiveram atividade sexual. Os exames devem seguir até os 64 anos de idade e, naquelas sem história prévia de lesões pré-neoplásicas, devem ser interrompidos quando, após essa idade, as mulheres tiverem pelo menos dois exames negativos consecutivos nos últimos cinco anos. Mulheres com história de lesões pré-neoplásicas retornam ao rastreio trienal ao apresentarem dois exames de controle citológicos semestrais normais após tratamento das lesões precursoras na unidade de referência. Mulheres com mais de 64 anos de idade e que nunca realizaram o exame citopatológico devem realizar dois exames com intervalo de um a três anos. Se ambos os exames forem negativos, elas podem ser dispensadas de exames adicionais. Enfermeiro/Médico 134 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Realizar a comunicação da alteração detectada no exame para a mulher e realização de apoio emocional e esclarecimento de suas dúvidas. Abordar, a depender do resultado, sobre a necessidade de acompanhamento por meio de exame citopatológico, colposcopia ou outros procedimentos. É comum a remissão espontânea de lesões intraepiteliais escamosas de baixo grau, identificada na colpocitologia de controle. Assegurar a garantia da continuidade do cuidado em momento oportuno e encaminhamento para serviços de referência em diagnóstico e/ou tratamento do câncer de colo do útero, conforme necessidade. Encaminhamentos para serviços de referência Realizar encaminhamento dos casos que necessitam de avaliação nos serviços de referência de acordo com os critérios estabelecidos pela gestão municipal, estadual e/ou federal. Encaminhar para a ginecologia/colposcopia casos de: Lesão suspeita ao exame especular. Resultado de um colpocitológico com: ASC-H; LIE ou SIL de alto grau ou carcinoma in situ. Resultado de dois colpocitológicos consecutivos com: ASC-US; LIE ou SIL de baixo grau. Encaminhar para a oncoginecologia casos de: Resultado de biópsia de colo com neoplasia invasora (carcinoma epidermoide/adenocarcinoma); carcinoma microinvasor; displasia cervical grave, LIE alto grau (NIC 2/3). Resultado de colpocitologia com células malignas ou carcinoma invasor; AGC (células glandulares atípicas de significado indeterminado). Enfermeiro/Médico Acompanhamento de usuárias pós-exame Manter o acompanhamento da mulher com resultado citopatológico alterado na atenção básica quando contrarreferenciado pelo serviço de referência após diagnóstico ou tratamento. É importante manter o contato contínuo com mulheres com resultado alterado, para estimular a adesão ao tratamento; detectar as faltosas e auxiliar nas dificuldades. Equipe multiprofissional Estímulo às ações de prevenção primária Oferta de vacinação contra HPV para a população feminina entre 9 e 13 anos, sendo o esquema vacinal de duas doses (0 e 6 meses) e um reforço após cinco anos da segunda dose. Não há evidências suficientes da prevenção primária do câncer propriamente dito, mas, sim, das lesões precursoras (que podem ou não evoluir para câncer, a depender de diversos fatores). Orientações sobre o uso de preservativo. Combate ao tabagismo (o tabagismo é fortemente associado ao desenvolvimento do câncer cervical e ao retorno de lesão pré-maligna em mulheres tratadas). Equipe multiprofissional Ações de vigilância em saúde Realização de busca ativa de mulheres dentro da população-alvo e com exame em atraso. Seguimento de casos alterados. Equipe multiprofissional Educação em saúde Orientação individual e coletiva de mulheres sobre: O objetivo do exame e sua importância. Os fatores de risco para o câncer de colo do útero: tabagismo, idade, infeção por HPV. Sexo seguro e prevenção do câncer de colo do útero. Periodicidade, recomendações do exame e cuidados a serem tomados antes da coleta, evitando a realização de exames intravaginais, utilização de lubrificantes, espermicidas ou medicamentos vaginais, ou manutenção de relações sexuais com preservativo nas 48 horas anteriores ao exame citopatológico. Equipe multiprofissional Adaptado de: Brasil (2016c). 135 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Saiba mais Acesse o ofício do Inca sobre a coleta de material citopatológico por auxiliares e técnicos em enfermagem: INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA (INCA). Ofício n° 717/2011. 2011. Disponível em: <http://www2.inca.gov.br/ wps/wcm/connect/8d6cd1804eb684a18af99af11fae00ee/Of%C3%ADcio+ n%C2%BA+717.2011-Gab.INCA%2C+de+30.08.11.pdf?MOD=AJPERES&CA CHEID=8d6cd1804eb684a18af99af11fae00ee>. Acesso em: 28 ago. 2018. A seguir apresentaremos um caso gerencial sobre o atendimento ao câncer ginecológico, para reflexão sobre os princípios do SUS, mas, sobretudo, para avaliar o sistema de referência e contrarreferência e a humanização quando uma unidade apresenta um caso complexo e necessita encaminhar à atenção especializada. O caso de A. A. é uma mulher de 53 anos que certo dia acordou apresentando dor e secreção em um mamilo. No autoexame percebeu um pequeno volume na mama. [...] Temerosa por já ter tido um caso de câncer de mama na família, procura atendimento médico e recorre ao pronto-socorro municipal, já que a unidade de Saúde da Família de seu bairro não abre nos finais de semana. No pronto-socorro, depois de algumas horas é atendida pelo plantonista: — No que posso ajudar? — perguntou o médico. — Hoje acordei com um desconforto grande na mama, doutor. E tem também uma secreção estranha… Também senti alguma coisa mais alta na mama… — respondeu A. — Quando foi a última vez que a senhora foi ao ginecologista? — Sou acompanhada pelo médico da unidade de Saúdeda Família do meu bairro. Fiz o preventivo tem mais ou menos um ano. — A senhora já fez alguma vez o exame de mamografia? 136 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I — Não, senhor. — Pois bem, vamos ver isso. Retire a blusa para que eu possa avaliar melhor — solicitou o médico, que a examinou e concluiu: — A senhora não precisa se preocupar, não se trata de uma emergência. Seu médico poderá avaliar melhor o seu caso. Vou receitar um analgésico. Esta semana procure o médico da sua unidade e relate o ocorrido. A. sai desolada do pronto-socorro, não queria adiar uma solução para o seu caso. E o desconforto na mama persistia. Restava-lhe tomar o analgésico. Na manhã de segunda-feira, acorda cedo e vai à unidade de saúde. Havia uma pequena fila em frente à unidade. A enfermeira recebe A. e ela explica o ocorrido. A. consegue ser logo atendida e o médico da Saúde da Família a examina. — É, dona A., parece que temos uma infecção aqui e também percebi um pequeno volume na mama direita. — É grave, doutor? — ela questiona. — Não posso ainda afirmar. É preciso ter a opinião de um especialista. Vou pedir que a senhora vá a um ginecologista para que possamos ter uma segunda opinião. Além disso, só o especialista poderá solicitar um exame mais específico, como a mamografia. Mantenha a medicação receitada pelo médico do pronto-socorro caso venha a sentir dor. O médico entrega a A. um papel de solicitação de atendimento especializado, sem qualquer especificação do serviço de referência. A. sai da unidade triste e pensativa: “Um pequeno volume na mama… Será um caroço? Será que estou com um câncer, assim como minha avó? E esse pedido do médico? Onde tem ginecologista aqui no município? Será que no pronto-socorro tem?”. A. sai da unidade sem discutir suas dúvidas. A enfermeira que a atendeu a vê saindo, mas como está envolvida com outros atendimentos não consegue saber se A. precisa de alguma coisa. A., em casa no final da manhã, se dá conta de que havia esquecido os afazeres domésticos (o almoço dos filhos, a hora do colégio etc.). Esquece, por algum tempo, sua situação e realiza as tarefas. Assim que seus filhos saem, A. procura uma vizinha, uma amiga de infância, pois precisava contar para alguém o que se passava e precisava também se informar onde haveria médicos ginecologistas no município. A amiga de A. trabalha na prefeitura e informa que, no hospital municipal, além do pronto-socorro, há também alguns ambulatórios com especialidades, dentre eles a ginecologia. A. se despede de sua amiga e vai imediatamente para o hospital municipal. 137 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA [...] Na recepção, A. busca informações sobre a marcação de consultas: — Boa tarde. Preciso de uma informação. Estou com a solicitação do meu médico para um atendimento com o ginecologista. Onde posso agendar a consulta? A atendente responde secamente: — O horário para agendamento de consultas é até as 14 h (A. chegou às 15 h), mas já te adianto que há uma fila de espera de mais de dois meses para o ginecologista. A. insiste: — Mas estou com muita dor e preciso fazer essa consulta com urgência. A atendente responde: — Todas dizem a mesma coisa. Se for de fato uma urgência vá ao pronto-socorro. Agora, se quiser marcar uma consulta, volte amanhã até as 14h – a atendente encerra a conversa. A. não entende por que tanta má vontade; não entende também por que a definição de um horário tão rígido e restrito para marcar as consultas; não entende por que tem uma fila de dois meses para o ginecologista. E se questiona: “Será que há muitas mulheres precisando de consulta de ginecologista ou será que há pouco médico? Não é possível que ninguém nunca tenha reparado que isso é um problema!” A. fica irritada com toda a situação, mas também se sente impotente. Volta para casa e de novo se vê envolvida com seus afazeres; a dor persiste e o analgésico parece não fazer mais efeito. A. se programa para voltar à unidade da ESF no dia seguinte. Na terça-feira, A. procura novamente o médico da Saúde da Família e relata o ocorrido. Preocupado com a dificuldade de A. para marcar a consulta com o especialista e com seu estado clínico, que parecia agravar-se com o aumento do volume da secreção, o médico prescreve um antibiótico e resolve solicitar uma mamografia com urgência, mesmo sabendo que a regra do município permitia apenas a solicitação desse exame por um especialista. O médico sabe também que esse não é um exame disponível no município e orienta A. a buscar o município vizinho, localizando a unidade que realiza o exame. A. segue para a cidade vizinha e vai para a unidade. Ao tentar realizar o exame descobre que também nesse município só realizam mamografia se solicitada por um ginecologista e não consegue marcar o exame, e mais uma vez volta para casa sem solução para o seu problema. A angústia só aumenta a cada dia. Ela resolve ir até a capital para tentar realizar o exame. A capital fica a duzentos quilômetros de sua residência e exigirá que A. fique distante de casa por alguns dias. A. tem conhecidos na cidade e poderá contar 138 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I com a ajuda deles. Em sua casa a comoção é total. O marido fica atordoado, não sabe bem como ajudar; os filhos percebem a angústia da mãe e também se angustiam. A. pede ajuda a uma irmã para os dias em que ficará fora, dois dias depois, tendo resolvido como fazer para se afastar de casa. A. vai para a capital e se depara com uma série de problemas. Apesar da oferta de serviços de saúde ser bem maior que em sua região, os problemas também são complexos: aparelhos quebrados; falta de profissional para manusear o equipamento; falta de médico para dar o laudo; filas para a realização de exame etc. Foram várias negativas, algumas com a mesma justificativa do município vizinho, condicionando o exame ao pedido de um especialista. Após várias tentativas e tendo passado quatro dias, A. consegue finalmente marcar o exame para dali dois meses. Sua amiga da capital havia conseguido uma ajuda com um conhecido que trabalhava num hospital do município. A. volta para casa. Já não estava mais com dor, pois o antibiótico tinha surtido efeito. A. volta à capital depois de dois meses e realiza finalmente a mamografia. Mais quinze dias e o laudo estaria disponível, informa a auxiliar de enfermagem. A. imaginava que teria o resultado no mesmo dia. Retorna para casa e pensa como será se tiver que fazer um tratamento na capital, se terá dinheiro para tantas passagens, para a comida, e os dias em que ficará sem trabalhar porque estará em tratamento. A. é uma trabalhadora autônoma, vende bijuterias, roupas e outras coisas. Sua vida já não andava fácil; se ficasse doente então… A. pega o exame. Curiosa, lê o laudo, mas não consegue saber se o que tem é ou não ruim. A. leva o resultado ao médico do Saúde da Família. — Doutor, só agora estou com o resultado da mamografia que o senhor me solicitou há três meses. Enfrentei tantos problemas… Só consegui fazer o exame na capital — A senhora foi à unidade de que lhe falei? — questionou o médico. — Sim, mas eles não aceitaram o seu pedido, disseram que só de especialista. Na capital também não queriam aceitar, mas aí um conhecido da minha amiga que trabalha no hospital conseguiu para mim. Assim mesmo, só depois de muito lamento. — É, esse é um problema difícil de resolver, mas vamos ao exame. Pelo que está aqui, a senhora tem uma imagem que sugere uma neoplasia, um câncer. Precisamos fazer rápido uma biópsia. Não podemos perder mais tempo. — Ai, doutor, outro exame? — angustia-se A. — Dona A., não vou lhe enganar, é preciso fazer o exame o mais rápido possível. Sefor um câncer maligno, podemos ter menos prejuízos, dependendo da nossa agilidade. 139 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA Se demorarmos muito, poderá lhe causar mais problemas. Assim como já foi muito difícil realizar o primeiro exame, vou fazer algo diferente desta vez. Vou recorrer direto à Secretaria Municipal de Saúde para ver se eles conseguem agilizar a marcação da biópsia. O médico sai do consultório e conversa com a enfermeira. Depois de alguns telefonemas ele retorna e explica: — Dona A., na Secretaria Municipal de Saúde, no gabinete do secretário, tem uma senhora que se chama S. Ela é a responsável da Secretaria por tentar marcar exames complexos em outros municípios. A senhora irá até lá e levará o meu pedido para ela. Já explicamos toda a situação, basta entregar o pedido que ela explicará o que deve ser feito. A. segue rápido para a Secretaria de Saúde, nem acredita que não terá que passar por tudo de novo para fazer um exame. Mas pensa: puxa vida, por que o médico não fez isso antes? Será que isso é só para quem está numa situação muito grave? E como ficam todas aquelas pessoas que não têm essa oportunidade de ir direto à Secretaria, pessoas como eu, meses atrás? Chegando à Secretaria, A. procura dona S. e lhe entrega o pedido. S. olha o pedido e comenta: — Mais uma biópsia de mama, quantas será que vamos solicitar esse mês? Já está difícil agendar. A. senta-se numa sala cheia de outras pessoas, algumas ali na mesma situação que ela, outras mais complicadas. Parecia até que A. estava num pronto-atendimento. Todo mundo tinha um caso para contar. Mais ou menos depois de uma hora e meia, S. chama A. e lhe informa: — Consegui agendar seu exame para daqui a dois meses lá na capital, foi o melhor que pude fazer. As unidades estão lotadas. A. sai mais uma vez desolada. O que fazer? Se aquela senhora não havia conseguido marcar o exame para antes de dois meses, ela sozinha não teria a menor chance. A. pensa em fazer o exame particular, mas descarta rapidamente a ideia; as dívidas que acumulava não permitiam que ela pensasse nessa possibilidade. Após dois meses A. realiza a biópsia e o resultado indica uma neoplasia maligna. Dessa vez ela lê o laudo e consegue perceber a gravidade. Leva rapidamente o laudo para o médico do Saúde da Família, que decide encaminhá-la a um mastologista: — Dona A., o que eu podia fazer eu já fiz, agora é preciso um tratamento com um especialista. O melhor tratamento está na capital, mas é melhor a senhora voltar à Secretaria de Saúde e procurar aquela mesma senhora da outra vez. Certamente será mais fácil. Já são seis meses desde a sua primeira consulta aqui no PSF, é preciso agilizar, lembre-se do que eu lhe disse da última vez. 140 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I A. recorre novamente à Secretaria Municipal de Saúde para agendar a consulta do mastologista. Como no município não há essa especialidade, S. marca o atendimento no hospital estadual da capital para um mês. [...] No mês seguinte, A. estava lá no horário e dia agendados para a consulta. Ela e outras dezenas de mulheres, vindas de vários cantos do estado. [...] A. é recebida pelo mastologista, que a examina e analisa os laudos de seus exames realizados. O médico é taxativo: — Dona A., a senhora já está ciente de que tem um nódulo maligno e que precisa retirá-lo. No momento, este nódulo tem aproximadamente dois centímetros e não há aparência de comprometimento clínico da sua cadeia linfática axilar, o que significa que existe a possibilidade de não precisarmos retirar a mama toda. A senhora poderá voltar às suas atividades normais. Para dar continuidade ao tratamento, temos que realizar uma bateria de exames para saber exatamente qual é a situação atual da sua doença. Só assim poderemos saber o que fazer e tomar nossas decisões. A. pergunta apreensiva: — Mas onde eu farei esses exames? — Aqui mesmo. Vou lhe indicar o setor de marcação de exames para que possa agendar — responde o médico. No setor de marcação de exames, A. descobre que terá que fazer várias idas à unidade para realizar os exames, pois nem todos podem ser realizados no mesmo dia. Além disso, um dos exames teria que aguardar o conserto de um aparelho quebrado. Com isso, A. levou quase três meses para fazer todos os exames solicitados e obter os laudos. Além dos exames, A. tinha que participar de reuniões com outros pacientes em tratamento, com o objetivo de discutir e compreender melhor a doença e compartilhar suas angústias e expectativas. As idas e vindas de A. à capital oneravam seu orçamento e apenas faziam-na sentir-se mais e mais cansada. Um monte de questões sempre passava por sua cabeça: por que esses aparelhos estão sempre quebrados? Uma unidade não pode emprestar para a outra ou usar o equipamento da outra? Será que alguns exames mais simples não poderiam ser feitos no meu município? Ninguém pensa que tudo isso pode prejudicar ainda mais a vida das pessoas? Por que tantas reuniões de esclarecimento? E quem não tem dinheiro para pagar todas essas passagens, como fica? 141 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA [...] Na consulta com o mastologista para a avaliação dos resultados dos exames, A. recebe a notícia de que fará uma cirurgia de retirada parcial da mama, mas que durante o procedimento cirúrgico será feita uma avaliação pelo médico patologista. Dependendo do resultado, a conduta poderá ser de retirada de toda a mama (mastectomia). A. assina um termo de consentimento informado e esclarecido e tem sua cirurgia marcada para dali a três semanas. A cirurgia foi um sucesso, mas A. teve que retirar toda a mama e ainda esvaziar o conteúdo ganglionar de sua axila, pois havia indícios de comprometimento metastásico. A. levou um grande choque após a cirurgia, ao descobrir que estava sem a mama e que teria ainda que se submeter por um tempo ao tratamento de quimioterapia e radioterapia. Todo o tratamento deprimia-a ainda mais. De volta para casa, não encontrava consolo. Sentia-se envergonhada, inútil, não sabia mais como se posicionar diante dos filhos e do marido. Enquanto esteve no hospital, o ritmo acelerado dos profissionais parecia não dar espaço para uma conversa sobre esses sentimentos. O único espaço possível eram as reuniões abertas com os pacientes. A. resumia-se a comer e dormir, mais dormir do que comer. As visitas de amigos que recebia mais a angustiavam do que a acalentavam. A família não sabia mais o que fazer para animá-la. Após três semanas, A. recebe alta hospitalar e é encaminhada para o serviço de oncologia clínica do hospital para iniciar o tratamento de quimioterapia. O hospital agenda a consulta com o oncologista para dali quatro semanas, e A. se desespera, achando que é muito tempo de intervalo. Com medo, recorre a um dos mastologistas do ambulatório do hospital (aquele que lhe pareceu mais atencioso com ela). — Doutor, desculpe-me incomodá-lo, sei que o senhor já está de saída, mas estou muito angustiada. Só consegui agendar a consulta com o oncologista para daqui a quatro semanas. Tenho filhos ainda para criar, doutor. Já estou há muito tempo tentando resolver meu problema, estou com muito medo… — Calma, dona A., vou ver o que posso fazer — fala o mastologista. O médico pega o celular e liga para seu colega oncologista. Explica o caso e desliga o telefone. — Dona A., na terça-feira que vem o doutor C. irá atendê-la. A senhora deve chegar cedo, ele fará um encaixe para a sua consulta. — Obrigada, doutor. Nem sei como agradecer. Após essa consulta de encaixe, A. inicia as sessões de quimioterapia e passa a entender que dentro do hospital não existe um fluxo corretoentre os diversos serviços envolvidos no tratamento de uma patologia como a sua, e que as relações informais, associadas à simpatia, são elementos importantíssimos para a obtenção de resultados. 142 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I A. passou os quatro meses seguintes em tratamento com quimioterapia; depois foi encaminhada para o setor de radioterapia. Na radioterapia, enfrentou outras dificuldades: as já conhecidas, como as filas e a indisponibilidade de aparelhos, e outras de natureza clínica e econômica. As aplicações diárias causavam queimaduras e obrigavam A. a suspender as aplicações. A falta de dinheiro e a ausência de apoio do município dificultavam seu deslocamento. A. conclui, após um ano, a pior parte de seu tratamento, mas, como seu tumor tinha receptores hormonais positivos, pelos próximos cinco anos ela deveria tomar a medicação, fornecida pelo hospital. Nos cinco anos seguintes A. terá de ir à capital buscar o seu remédio, rezando para que ele não esteja em falta na farmácia. Concluído o tratamento, A. é orientada a fazer o acompanhamento clínico por meio de consultas semestrais e mamografias anuais. De volta à unidade de Saúde da Família, o médico a orienta de que o melhor acompanhamento de seu caso é o hospital da capital que realizou o tratamento, apesar de o município vizinho possuir ginecologista e mamografia disponíveis. A. não suportava mais pensar em voltar à capital, mas entendia que ali talvez fosse o lugar mais adequado para o acompanhamento. A. já não é mais a mesma. Não sente mais as dores físicas da doença, mas é uma mulher marcada por um grande sofrimento, se sente insegura e deprimida com sua condição de saúde, o que repercute na sua vida conjugal e familiar. Todo seu percurso pelo sistema de saúde do município e da capital havia deixado nela uma marca de tristeza; ela presenciou problemas mais graves que o seu, e se sentiu insegura em muitos momentos. Sua cirurgia havia sido um sucesso, diziam os médicos, mas ela se questionava: que sucesso é esse que me retirou a mama? Se eu tivesse conseguido fazer logo os exames teria sido esse o meu destino? A. pensava em suas opções. Conhecia pessoas que haviam cansado do sistema público e que compravam planos de saúde particulares, mas A. não achava isso justo, conhecia seus direitos e sabia que os planos não davam conta dos problemas mais complexos. O que A. queria mesmo era que o sistema público de saúde funcionasse, mas nesse momento, depois de toda a experiência vivida, só lhe restava rezar. Fonte: Baptista, Machado e Lima (2009). Baseado em todos os temas que foram desenvolvidos no transcorrer deste livro-texto, o conteúdo a seguir apresenta algumas questões para reflexão: Exemplo de aplicação O médico da Saúde da Família gostaria de ter pedido uma mamografia, mas em seu município há uma regra que determina que apenas o especialista está autorizado a pedir tal exame. Por isso ele solicita uma consulta com o especialista. Como você avalia a resolutividade da atenção básica em relação a essa questão, uma vez que esse nível da atenção é definido como uma estratégia para reestruturação do sistema de saúde? 143 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA A. saiu da unidade de Saúde da Família sem um caminho certo; terá que, por sua própria conta, buscar informações sobre onde estão os médicos ginecologistas que atendem pelo SUS no município. Quais são os problemas nessa forma de orientar o encaminhamento dos usuários? Que outras formas de encaminhar poderiam ser adotadas pelas unidades? O que poderia ser feito pelo gestor local para melhor organizar os fluxos de encaminhamento dos usuários? O que é possível identificar de problemas na organização do sistema de saúde no percurso de A.? Como se organiza a relação entre os municípios? Há formas estabelecidas de encaminhamento dos usuários para outros municípios? Há mecanismos de acompanhamento dos usuários de modo a verificar suas dificuldades para a realização de exames ou consultas? Quem se responsabiliza pelo usuário-paciente nesse caso? Quais as consequências que se pode prever pela demora na realização de exames e na obtenção de diagnóstico? Que estratégias poderiam ser traçadas para garantir o acesso mais fácil da população a esse tipo de serviço? Como resolver a questão financeira do deslocamento desses pacientes? No caso de A. o tratamento clínico propriamente dito foi suficiente para resolver o problema? Que outros tipos de acompanhamento seriam necessários nesse caso e deveriam ser previstos na organização desse sistema? O que o Conselho Municipal de Saúde poderia fazer para contribuir para uma organização do sistema de saúde nesse município e região? Resumo Antes do estabelecimento do SUS, que ocorreu com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, o Brasil não possuía um sistema universalizante de atenção à saúde, pois vivíamos sob uma assistência à saúde dividida entre a medicina previdenciária e a saúde pública. A medicina previdenciária oferecia assistência aos trabalhadores que estavam na economia formal, com carteira de trabalho assinada e, majoritariamente, concentrados nos centros urbanos, com caráter essencialmente curativo. Por sua vez, a saúde 144 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I pública, com ações paliativas e pontuais, se ocupava das zonas rurais e das populações em grande situação de vulnerabilidade social e era gerida pelo Ministério da Saúde, ao passo que a medicina previdenciária era gerida pelos Institutos de Pensão e Aposentadorias. Vivíamos o contexto social e político da ditadura militar, onde os militares se esforçavam para que se estabelecesse e se expandisse a assistência privada, uma assistência que já repercutia uma agenda neoliberal, que possibilitou a entrada de uma grande quantidade de capital estrangeiro no país. Capital esse que não se traduziu em melhorias nas condições de vida da população e não trouxe incrementos na área da saúde, principalmente a pública. O que ocorreu foi um grande crescimento da saúde medicalizada, hospitalocêntrica, com enfoque curativo, em detrimento de ações de promoção da saúde. A partir do final da década de 1970, a crise econômica internacional teve repercussões também na área da saúde e culminou com dois importantes movimentos sociais – a Reforma Sanitária e a Reforma Psiquiátrica ou Luta Antimanicomial. Esses movimentos foram os precursores de uma agenda de saúde mais inclusiva para todos os segmentos sociais da população, em destaque aos grupos com maior vulnerabilidade social. O SUS é a maior política pública de inclusão social do país e a que também possui os melhores resultados. Cada ente federado tem uma função específica para manter a sua viabilidade; a saber: União: coordena os sistemas de saúde de alta complexidade e laboratórios públicos, planeja e fiscaliza o SUS em todo o País e responde pela metade dos recursos da área; a verba é prevista anualmente no Orçamento Geral da União. Estados: cria suas próprias políticas de saúde e ajuda na execução das políticas nacionais aplicando recursos próprios (mínimo de 12% de sua receita), além dos repassados pela União; coordena sua rede de laboratórios e hemocentros, define os hospitais de referência e gerencia os locais de atendimentos complexos da região. Repassa verbas aos municípios. Municípios: garante os serviços de atenção básica à saúde e presta serviços em sua localidade, com a parceria dos governos estadual e federal. Cria políticas de saúde e colabora com a aplicação das políticas nacionais e estaduais, aplicando recursos próprios (mínimo de 15% de sua receita) e os repassados pela União e pelo Estado; deve organizar e controlar os laboratóriose hemocentros e administrar os serviços de saúde da cidade, mesmo os mais complexos. Distrito Federal: acumulam-se as competências estaduais e municipais, aplicando o mínimo de 12% de sua receita, além dos repasses feitos pela União. 145 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA A LOS no 8.080/90 foi o principal marco jurídico sobre a regulamentação da saúde no Brasil, e é através dela que todas as ações de implementação são realizadas. Ela é bem abrangente e determina o caráter inclusivo de política de bem-estar social do SUS. Outro aspecto importante na LOS são os princípios do SUS, que retratam de forma clara o conceito de saúde pública que se pretende, como resultado do intenso processo que foi a Reforma Sanitária, que se dividem em doutrinários (universalidade; integralidade; equidade e solidariedade) e organizacionais (controle social; descentralização; regionalização; hierarquização; racionalização e resolutividade). Para compreender o processo de saúde-doença, é imprescindível que sejam considerados os aspectos sociais que envolvem o indivíduo e que a população seja olhada de maneira analítica, pois o meio ambiente é também condicionante importante do processo de saúde-doença. Nesse sentido, em 2005, a OMS criou a Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde. Em 2006, foi criada no Brasil a Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS). Existem diversos modelos explicativos sobre o processo saúde-doença, a CNDSS resolveu adotar o modelo de Dahlgren e Whitehead. O modelo tecnoassistencial para o gerenciamento da saúde se refere ao conjunto de iniciativas que uma sociedade elege para cuidar dos processos de saúde-doença de sua população, interligando os recursos humanos, tecnológicos e estruturais disponíveis para a aplicação do modelo escolhido. A ESF foi o modelo tecnoassistencial implantado no País como forma de produzir uma relação mais harmônica entre os usuários dos serviços de saúde e as equipes multiprofissionais, visando a integralidade do cuidado. As equipes de atendimento são multiprofissionais e contam com, no mínimo, equipe básica: médico generalista ou especialista em Saúde da Família, ou médico de Família e Comunidade; enfermeiro generalista ou especialista em Saúde da Família; auxiliar ou técnico de enfermagem; e agentes comunitários de saúde. Podem ser acrescentados a essa composição os profissionais de saúde bucal, equipe ampliada: cirurgião-dentista generalista ou especialista em Saúde da Família; auxiliar e/ou técnico em Saúde Bucal. Cada equipe da ESF deve ser responsável por, no máximo, quatro mil pessoas – recomenda-se uma média de três mil, de acordo com os critérios de equidade. Em 2008 foram criados os Nafs, com o objetivo de ampliar a abrangência e o escopo das ações da atenção básica, bem como sua resolubilidade. Eles configuram-se como equipes multiprofissionais que atuam de forma integrada com as equipes de Saúde da Família, bem como realizam ações 146 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I com as equipes de atenção básica para populações específicas (consultórios na rua, equipes ribeirinhas e fluviais) e com o Programa Academia da Saúde. As RAS surgiram como forma de tentar solucionar as fragilidades no SUS referentes principalmente à integralidade da assistência; entre seus elementos constitutivos estão os modelos de atenção às condições crônicas e, de acordo com a CNDSS, mantivemos o modelo de Dahlgren e Whitehead, embora existam outros modelos para essas condições. Na atualidade existem as seguintes RAS instituídas: Rede Cegonha; Rede de Urgência e Emergência; Rede de Atenção Psicossocial; Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência; Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas. As DCNT são as principais causas de morte mundial. Aproximadamente 80% das mortes por DCNT ocorrem em países de baixa e média renda. Um terço dessas mortes ocorre em pessoas com idade inferior a 60 anos. A maioria dos óbitos por DCNT são atribuíveis às doenças do aparelho circulatório (DAC). As principais causas dessas doenças incluem fatores de risco modificáveis, como tabagismo, consumo nocivo de bebida alcoólica, inatividade física e alimentação inadequada. No Brasil, as DCNT constituem o problema de saúde de maior magnitude e correspondem a 72% das causas de mortes, os grandes fatores de risco globalmente conhecidos são: pressão arterial elevada (responsável por 13% das mortes no mundo), tabagismo (9%), altos níveis de glicose sanguínea (6%), inatividade física (6%) e sobrepeso e obesidade (5%). As equipes da ESF devem estruturar suas ações da forma mais abrangente possível para que os usuários dos serviços de saúde tenham um melhor controle sobre sua condição de saúde e consigam estabelecer ações para diminuir os fatores de risco que ainda são prevalentes na população. As abordagens e metodologias compreensivas podem ser utilizadas com vistas à obtenção de resultados satisfatórios quando as equipes de ESF almejam que as pessoas se empoderem da capacidade sobre sua condição de saúde para realizarem o autocuidado. Essas são as principais metodologias e abordagens compreensivas: método clínico centrado na pessoa; abordagem cognitivo-comportamental; entrevista motivacional; problematização – empoderamento; abordagem familiar; educação para o autocuidado em grupos; técnicas educativas; consulta coletiva; e consultas multidisciplinares/consultas em sequência. Além dessas abordagens, o Enfermeiro em suas consultas também poderá realizar a SAE, desde que ele não siga um roteiro estático, pois tem que lembrar que esse usuário voltará ao serviço, o que ele deve ter em mente é atender à queixa principal do usuário e, na medida do possível, ir realizando uma assistência integral, mas sem invadir a privacidade. 147 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA É também fundamental realizar todos os registros de forma completa para a continuidade do cuidado e o necessário respaldo ético legal. A Cipesc é mais indicada do que a Cipe para ser utilizada na atenção básica, pois revela a dimensão, a diversidade e a amplitude das práticas de enfermagem da atenção básica, que não são incorporadas por esta. O RCOP, que consiste em uma adaptação do Registro Médico Orientado por Problemas, pode ser adaptado e utilizado por todos os profissionais da Equipe de Saúde da Família, permitindo a padronização das notas clínicas e potencializando o trabalho e a comunicação em equipe. As visitas domiciliárias constituem um instrumento de trabalho importante das equipes de ESF, principalmente para a equipe de enfermagem, como uma importante ferramenta de produção do cuidado. As visitas deverão ser programadas pela equipe multiprofissional, considerando os critérios de risco e vulnerabilidade de modo que famílias com maior necessidade sejam visitadas mais vezes. O DM refere-se a um transtorno metabólico de etiologias heterogêneas, caracterizado por hiperglicemia e distúrbios no metabolismo de carboidratos, proteínas e gorduras, resultantes de defeitos da secreção e/ou da ação da insulina. A patologia vem aumentando nos últimos anos e sua importância pela sua crescente prevalência, e habitualmente está associada à dislipidemia, à hipertensão arterial e à disfunção endotelial. As evidências demonstram que o bom manejo desse problema na atenção básica evita hospitalizações e mortes por complicações cardiovasculares e cerebrovasculares, e pode melhorar também a qualidade de vida das pessoas acometidas pela doença. Na atenção básica, o enfermeiro está habilitado a realizar o acompanhamento dos usuários portadores de DM de maneira que muitos aspectos sobre o cotidiano e condiçõesde vida dos portadores sejam contemplados. O tratamento medicamentoso junto à prática de atividades físicas e à alimentação balanceada com o controle de carboidratos, gorduras e sódio fazem parte do tratamento do portador de DM. A HA é condição clínica multifatorial caracterizada por elevação nos níveis pressóricos ≥ 140 e/ou 90 mmHg. Frequentemente associada a distúrbios metabólicos, alterações funcionais e/ou estruturais de órgãos-alvo, sendo agravada pela presença de outros fatores de risco, como dislipidemia, obesidade abdominal, intolerância à glicose e DM. Mantém associação independente com eventos como morte súbita, AVE, IAM, IC, DAP e DRC. 148 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I O tratamento da HA inclui medidas não medicamentosas (controle do peso, medidas nutricionais, prática de atividades físicas, cessação do tabagismo, controle de estresse) e o uso de fármacos anti-hipertensivos, com o objetivo de reduzir a PA, proteger órgãos-alvo, prevenir desfechos CV e renais. A consulta de enfermagem faz parte da estratégia dirigida a grupos de risco que propõe uma adequada intervenção educativa em indivíduos com valores de PA limítrofes, que estão mais predispostos à hipertensão. Essa consulta objetiva promover a educação em saúde para a prevenção primária da doença, por meio do estímulo à adoção de hábitos saudáveis de vida e também de avaliar e estratificar o risco para doenças cardiovasculares. Faz parte das competências da atenção básica o primeiro atendimento em saúde mental, esse primeiro atendimento é bastante estratégico pela facilidade de acesso das equipes aos usuários e vice-versa. Por essas características, é comum que os profissionais de atenção básica se encontrem a todo o momento com usuários em situação de sofrimento psíquico. A partir da Reforma Psiquiátrica, a proposta de atendimento em saúde mental visa à desinstitucionalização, à reabilitação psicossocial e à redução de danos. Nessa proposta a articulação entre a saúde mental e a atenção básica, o apoio matricial, constitui um arranjo organizacional que visa a ações conjuntas. Dessa forma, a referência de saúde mental participa de reuniões de planejamento das equipes de ESF, realiza discussão de caso e atendimento compartilhado para propor um PTS. Além disso, participa das iniciativas de capacitação e de gestão do atendimento de modo a proporcionar continuidade no atendimento. A entrevista familiar, o genograma familiar, o ecomapa, a Firo, a Practice, a discussão e reflexão de casos clínicos, o Projeto Terapêutico de Cuidado à Família e a visita domiciliária são ferramentas utilizadas em usuários com transtornos mentais. A PNAISM, ao considerar o gênero, a integralidade e a promoção da saúde como perspectivas privilegiadas, bem como os avanços no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, sob orientação das diferentes dimensões dos direitos humanos e questões relacionadas à cidadania, volta-se ao fortalecimento das ações para as mulheres que foram historicamente excluídas das políticas públicas, como forma de garantir a legitimidade às suas necessidades e especificidades. As linhas de cuidado prioritárias da PNAISM são: atenção obstétrica e neonatal qualificada e humanizada, baseada em evidências científicas; 149 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA saúde sexual e reprodutiva de mulheres e adolescentes (promoção, prevenção e tratamento das DST/Aids); atenção às mulheres e adolescentes em situação de violência sexual; redução da morbimortalidade por câncer de mama e colo uterino e atenção integral às mulheres no climatério. Foi priorizada a construção de redes temáticas, com ênfase em algumas RAS como a Rede Cegonha para atenção materno-infantil e a Rede de Atenção Oncológica para prevenção e controle do câncer de mama e de colo do útero. A Rede de Atenção Oncológica propõe a implementação de linha de cuidado para o câncer de mama por meio de ações de prevenção, detecção precoce e tratamento oportuno; e para o câncer de colo do útero, ações de prevenção, diagnóstico e tratamento das lesões precursoras. A enfermagem na atenção básica deve realizar a avaliação e o acompanhamento da saúde da mulher com enfoque nas linhas de cuidados prioritários e ações de promoção da saúde, redução de risco ou manutenção de baixo risco, rastreamento/detecção precoce, diagnóstico, tratamento e reabilitação de doenças, considerando-se a individualidade, necessidades e direitos da mulher. O câncer de mama é o que mais acomete mulheres em todo o mundo, constituindo a maior causa de morte por câncer nos países em desenvolvimento. No Brasil, é o segundo tipo mais incidente na população feminina. O câncer de colo do útero, também chamado de câncer cervical, é a terceira localização primária de incidência e de mortalidade por câncer em mulheres no país, com exceção do câncer de pele não melanoma. Ele é responsável por 265 mil óbitos por ano, sendo a quarta causa mais frequente de morte por câncer em mulheres. Esse tumor é o que apresenta maior potencial de prevenção e cura quando diagnosticado precocemente Essas são as principais atribuições do enfermeiro na atenção básica para o controle dos cânceres de colo de útero e mama: atender as usuárias de maneira integral; realizar consulta de enfermagem e a coleta do exame citopatológico, de acordo com a faixa etária e quadro clínico da usuária; realizar consulta de enfermagem e o exame clínico das mamas, de acordo com a faixa etária e quadro clínico da usuária; solicitar exames de acordo com os protocolos ou normas técnicas estabelecidos pelo gestor local; examinar e avaliar usuárias com sinais e sintomas relacionados aos cânceres do colo do útero e de mama; avaliar resultados dos exames solicitados e coletados e, de acordo com os protocolos e diretrizes clínicas, realizar o encaminhamento para os serviços de referência em diagnóstico e/ou tratamento dos cânceres de mama e do colo do útero; prescrever tratamento para outras doenças detectadas, como IST, na oportunidade do rastreamento, de acordo com os protocolos ou normas técnicas estabelecidos pelo gestor local; realizar cuidado paliativo, na unidade ou no domicílio, 150 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I de acordo com as necessidades da usuária; avaliar periodicamente, e sempre que ocorrer alguma intercorrência, as usuárias em cuidados paliativo, e, se necessário, realizar o encaminhamento para unidades de internação. Exercícios Questão 1. (CRF/SC, 2018) A Lei nº 8.080/90 dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes. Sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), pode-se afirmar: A) É objetivo do Sistema Único de Saúde (SUS) somente a identificação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde. B) O SUS é responsável, em seu campo de atuação, pela participação na formulação da política e na execução de ações de saneamento básico. C) Faz parte de um dos princípios a universalidade de acesso aos serviços de saúde em somente alguns níveis de assistência. D) A direção do SUS, no âmbito da União, é exercida pela Secretaria de Saúde. E) A iniciativa privada não poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS) em caráter complementar. Resposta correta: alternativa B. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: “Art. 5º São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS: I – a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde; II – a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei; III – a assistência às pessoas por intermédiode ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas” (BRASIL, 1990). B) Alternativa correta. Justificativa: “Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I – a execução de ações: a) de vigilância sanitária; b) de vigilância epidemiológica; c) de saúde do trabalhador; e d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica; II – a participação na formulação da política e na execução de ações de saneamento básico” (BRASIL, 1990). 151 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PRÁTICA GERENCIAL EM SAÚDE COLETIVA C) Alternativa incorreta. Justificativa: “Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS) são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência” (BRASIL, 1990). D) Alternativa incorreta. Justificativa: “Art. 9º A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do art. 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos: I – no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde” (BRASIL, 1990). E) Alternativa incorreta. Justificativa: “Art. 8º As ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada, serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente” (BRASIL, 1990). Questão 2. (NC/UFPR, 2016) No controle das doenças crônicas, compete ao enfermeiro em equipes de saúde: A) Cuidar dos equipamentos (tensiômetros e glicosímetros) e solicitar sua manutenção, quando necessária. B) Realizar consulta de enfermagem, abordando fatores de risco, tratamento não medicamentoso, adesão e possíveis intercorrências ao tratamento, encaminhando o indivíduo ao médico quando necessário. C) Aferir os níveis da pressão arterial, na triagem de enfermagem, verificar peso, altura e circunferência abdominal, em indivíduos da demanda espontânea da unidade de saúde. D) Tomar a decisão terapêutica, definindo o início do tratamento com droga. E) Participar de decisões acerca de tratamentos terapêuticos propostos pela equipe de saúde. Resolução desta questão na plataforma.