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Reflexão analítica e síntese da obra 'Teoria Pura do Direito', de Hans Kelsen - Jus com br _ Jus Navigandi

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28/03/2022 08:57 Reflexão analítica e síntese da obra 'Teoria Pura do Direito', de Hans Kelsen - Jus.com.br | Jus Navigandi
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Reflexão analítica e síntese da obra 'Teoria Pura do
Direito', de Hans Kelsen
Reflexão analítica e síntese da obra 'Teoria Pura do Direito', de Hans
Kelsen
Carlos Sérgio Gurgel
Publicado em 09/2018. Elaborado em 09/2018.
Reflexões sobre a obra que mais influenciou a ciência jurídica
no século XX: Teoria Pura do Direito, do austríaco Hans
Kelsen.
CAPÍTULO 1 – DIREITO E NATUREZA
Neste capítulo como um todo, Hans Kelsen aborda o processo de criação e
evolução do Direito como fenômeno destinado a assegurar e garantir o equilíbrio
social, necessário para a garantia da paz no seio de uma sociedade. Para tanto,
parte da concepção primitiva do que se entende por direito, perpassando pelas
teorias do direito natural e chegando à teoria do direito enquanto fenômeno social.
Inicialmente, este autor ressalta que a ciência jurídica, no decurso dos séculos XIX
e XX esteve longe de satisfazer a exigência de pureza metodológica necessária para
a garantia da unidade jurídica, uma vez que a jurisprudência, por diversas vezes
confundiu-se com a psicologia, a sociologia, a ética e a teoria política.
Kelsen considera que a análise do fenômeno jurídico, sob a ótica da sociologia, da
teoria política ou de outra área afim, se mostra importante, de modo a se tentar
explicar a razão de ser de determinadas condutas, ou a razão de existir
determinadas sanções ou prêmios para as condutas reprováveis ou louváveis,
respectivamente, mas não devem integrar a natureza do fenômeno jurídico,
devendo este ser estudado de forma separada.
Quando pretende delimitar o conhecimento do direito, Kelsen não o faz por
ignorar, ou, muito menos negar esta conexão, mas porque intenta afastar um
sincretismo metodológico que se mistura à essência da ciência jurídica.
https://jus.com.br/
https://sergiogurgel.jus.com.br/publicacoes
28/03/2022 08:57 Reflexão analítica e síntese da obra 'Teoria Pura do Direito', de Hans Kelsen - Jus.com.br | Jus Navigandi
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Ao abordar os atos e suas conseqüências no mundo jurídico Kelsen recorda que o
ato de um indivíduo que provoca a morte de outro indivíduo gera conseqüências
no seara jurídica, uma vez que tal ato certamente gera uma reprovação social
digna de repreensão, em caráter punitivo e educativo.
Kelsen ressalta ainda que todo ato possui um sentido, podendo este ser objetivo ou
subjetivo. Lembra que a significação jurídica não pode ser percebida no ato por
meio dos sentidos, tal como se apercebe das qualidades naturais de um objeto tais
como a cor, o peso, a dureza, mas da seguinte forma: o indivíduo que,
racionalmente, põe o ato, liga este ato um determinado sentido, que acaba sendo
entendido pelos outros. Este sentido subjetivo, ou seja, este sentimento inerente
ao indivíduo, pode acabar coincidindo com o significado objetivo que o ato tem do
ponto de vista do Direito, mas não tem necessariamente de ser assim. Kelsen
apresenta como exemplo a esta explanação o fato de uma pessoa dispor por escrito
do seu patrimônio para depois da morte. O sentido subjetivo deste ato é um
testamento.
Kelsen frisa que o homem (pela sua natureza), diferentemente de outros animais é
capaz de expressar atos conscientes. Neste sentido ressalta que: “Uma planta nada
pode comunicar sobre si própria ao investigador da natureza que a procura
classificar cientificamente. Ela não faz qualquer tentativa para cientificamente
explicar a si própria. Um ato de conduta humana, porém, pode muito bem levar
consigo uma auto-explicação jurídica, isto é uma declaração sobre aquilo que
juridicamente significa”.
Quando aborda a questão da norma como esquema de interpretação, Kelsen
afirma que o fato externo que, de acordo com seu sentido objetivo, constitui um
ato jurídico (lícito ou ilícito), somente se realiza pela significação que o ato possui
na esfera jurídica e não pela sua simples facticidade. Desta forma, a norma
funciona como um esquema de interpretação. Nas palavras de Kelsen: “... o juízo
em que se enuncia que um ato de conduta humana constitui um ato jurídico (ou
antijurídico) é o resultado de uma interpretação específica, a saber, de uma
interpretação normativa”.
Para o autor supracitado, a norma que empresta ao ato o significado de um ato
jurídico ou antijurídico é, em si mesma, produzida por um ato jurídico, o qual
recebe sua significação jurídica de outra norma.
No que tange à produção normativa, Kelsen aduz que o Direito é uma ordem
normativa da conduta humana, e que, desta forma, se serve a regular o
comportamento humano. Por este motivo a produção normativa se faz
importante, uma vez que as condutas não positivadas como sendo indesejáveis e
abomináveis socialmente, se praticadas, não dão ensejo à aplicação se sanções
(que visem combatê-las), o que, por sua vez abrem espaço para a proliferação de
tais práticas reprováveis (socialmente). Nesta direção, Kelsen afirma que “ Aquele
que ordena ou confere o poder de agir, quer, aquele a quem o comando é dirigido,
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ou a quem a autorização ou o poder de agir é conferido, deve. Desta forma o verbo
“dever” é aqui empregado com uma significação mais ampla que a usual. No uso
corrente da linguagem apenas ao ordenar corresponde um “dever”,
correspondendo ao autorizar um “estar autorizado” e ao conferir competência a
um “poder”. Aqui, porém, emprega-se o verbo “dever” para significar um ato
intencional dirigido à conduta de outrem. Neste “dever vão incluídos o “ter
permissão” e o “poder” (ter competência).
Kelsen afirma que existe uma certa independência entre o ser e o dever-ser, ou
seja, entre o comportamento que ocorre e o comportamento que deve ocorrer
(segundo as normas do Direito positivo). Em outras palavras, este jurista austríaco
afirma que o ser está intimamente relacionado com a conduta livre, ou seja, com o
acontecimento dos fatos (jurídicos ou antijurídicos), enquanto que o dever-ser
está adstrito a uma ordem jurídica, a qual determina o comportamento esperado.
No entanto, para que o dever-ser possa ser considerado como norma válida
(“vigente”) é necessária que se apóie em uma norma que lhe dê sustentação. Só
assim é possível afastar por completo ordens arbitrárias e ilícitas, emanadas de
indivíduos interessados em afastar-se das normas jurídicas e morais. O tratado
jurista citou como exemplo a ordem de um gângster para que lhe seja entregue
uma determinada soma em dinheiro. Consubstanciando este entendimento Kelsen
ressalta que “Se o ato legislativo, que subjetvamente tem o sentido de dever-ser,
tem também objetivamente este sentido, quer dizer, tem o sentido de uma norma
válida, é porque a Constituição empresta ao ato legislativo este sentido objetivo”.
Em síntese, o que este autor quis dizer, é que o pressuposto fundante da validade
objetiva, será designado por norma fundamental (Grundnorm).
Quando trata da vigência e domínio de vigência da norma, Kelsen diz que toda
norma possui dois aspectos essenciais: o aspecto espacial e o aspecto temporal.
Uma norma, para que possa ser posta em um determinado ordenamento jurídico
precisa passar por um processo forma legiferante, composto de inúmeras etapas.
Quando encerra-se esta fase, diante da promulgação e conseqüente publicação da
norma, a mesma esta apta a surtir seus efeitos no mundo jurídico, dentro,
obviamente, de um território especificamente delimitado, ou seja, dentro das
fronteirasde um referido Estado. Nesta ocasião, convém citar trecho em que
Kelsen trata deste assunto: “Os indivíduos que funcionam como órgão legislativo,
depois de aprovarem uma lei que regula determinadas matérias e de porem,
portanto, em vigor, dedicam-se, nas suas resoluções, à regulamentação de outras
matérias – e as leis que eles puseram em vigor (a que eles deram vigência) podem
valer mesmo estes indivíduos já tenham morrido há muito tempo, e portanto, nem
sequer sejam capazes de querer.
Neste diapasão, Kelsen aduz que é um erro tentar caracterizar a norma em geral e
a norma jurídica em particular como “vontade” ou “comando” – do legislador ou
do Estado -, quando por “vontade” ou “comando” está explícita a vontade psíquica.
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Kelsen tratou ainda de esclarecer que existe uma distinção entre vigência de uma
norma e sua eficácia. Para este autor, uma norma é eficaz quando é efetivamente
aplicada e observada no mundo dos fatos, ou seja, quando uma conduta humana
se amolda à ordem do dever-ser. Nesta linha de pensamento, Kelsen destaca que:
“Uma norma jurídica é considerada como objetivamente válida apenas quando a
conduta humana que ela regula lhe corresponde efetivamente, pelo menos numa
certa medida. Uma norma que nunca e em parte alguma é aplicada e respeitada,
isto é, uma norma que – como costuma dizer-se – não é eficaz em uma certa
medida, não será considerada como norma válida (vigente)”.
Em síntese do exposto no parágrafo anterior, Kelsen esclarece que a eficácia é
condição de vigência, visto ao estabelecimento de uma norma se ter de seguir a
sua eficácia para que a mesma não perca a sua vigência.
Sobre o aspecto espaço-temporal, Kelsen destaca que: “A vigência de todas as
normas em geral que regulam a conduta humana, e em particular a das normas
jurídicas, é uam vigência espaço-temporal na medida em que as normas tem por
conteúdo processos espaço-temporais. Dizer que uma norma vale significa sempre
dizer que ela vale para um qualquer período de tempo, isto é, que ela se refere a
uma conduta que somente se pode verificar em um certo lugar ou e um certo
momento (se bem que porventura não venha de fato a verificar-se)”.
Em se tratando do domínio de vigência de uma norma, Kelsen afirma este é
elemento de seu conteúdo, e que este conteúdo pode ser predeterminado até certo
ponto por uma norma superior. Já o domínio pessoal de validade de uma norma,
segundo este jurista, refere-se ao elemento pessoal da conduta fixada pela norma.
Este domínio de validade pode ser limitado ou ilimitado. Tem-se ainda, segundo
Kelsen, o domínio material de validade de uma norma, levando em conta os
diversos aspectos da conduta humana que são normados: aspecto econômico,
religioso, político, etc.
Kelsen, em item que trata da regulamentação positiva e negativa, afirma que a
conduta humana é disciplinada de forma que se observam ações ou omissões, ou
seja, condutas positivas (disciplinadas em textos normativas como condutas
exigíveis), ou condutas negativas (como resultado da não aplicação da conduta
positivada). Este autor informa aqui que a regulamentação da conduta humana
por um determinado ordenamento normativo processa-se por uma forma positiva
e por uma forma negativa. A conduta humana será positiva quando a um
indivíduo é prescrita a realização ou a omissão (omissão necessária ou exigível por
meio de lei) de um determinado ato. Será ainda regulada num sentido positivo a
conduta de um indivíduo quando a este é conferido o poder ou a competência para
produzir, através de uma dada atuação, certas conseqüências pelo mesmo
ordenamento normadas, especialmente – se o ordenamento regula a sua própria
criação – para produzir normas, ou para interferir na elaboração de normas.
Concluindo este raciocínio, deve-se ter em mente, em sentido amplo, que toda
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conduta humana, determinada num ordenamento normativo como pressuposto
ou como conseqüência se pode considerar como autorizada por este mesmo
ordenamento, e, neste sentido, como positivamente regulada.
Para que uma norma seja visada, em primeiro lugar é necessário determinar o
bem que se visa tutelar. Tal bem da vida possui um valor, valor este que é a
justificativa maior do desencadeamento do processo legiferante. Kelsen, neste
sentido, ressalta que uma norma objetivamente válida, que fixa uma conduta
como devida constitui um valor positivo ou negativo, sendo a conduta que
corresponde à norma dotada de valor positivo e a conduta que contraria a norma
dotada de valor negativo.
O que é considerado como valioso para uma determinada sociedade pode não ser
para uma outra longínqua sociedade, motivo pelo qual cada grupo social deve criar
as suas próprias normas de conduta, primando pela fluência das condutas
aceitáveis e louváveis e reprimindo as condutas nefastas em sentido geral.
Confirmando esta tese, Kelsen leciona que: “...as normas legisladas pelos homens
– e não por uma autoridade supra-humana – apenas constituem valores relativos.
Quer isto dizer que a vigência de uma norma desta espécie que prescreva uma
determinada conduta como obrigatória, bem como a do valor por ela constituído,
não exclui a possibilidade de vigência de uma outra norma que prescreva a
conduta oposta e constitua um valor oposto”.
 Para Kelsen, quando uma determinada norma tem em sua origem a emanação da
vontade de uma autoridade supra-humana, o valor que a mesma revela possui um
caráter absoluto, ao contrário das normas oriundas de uma autoridade humana,
que, pela sua natureza inata, podem e costumam ser falhas.
 Kelsen esclarece ainda que o valor que consiste na relação de um objeto,
especialmente de uma conduta humana, com o desejo ou vontade de uma ou
vários indivíduos, àquele objeto dirigida, pode ser designado como valor subjetivo,
em contraposição ao valor objetivo, decorrente de uma conduta em consonância
com uma norma objetivamente válida.
 Por termo, no que tange, ainda, ao aspecto valorativo das normas jurídicas,
Kelsen frisa que há uma íntima relação entre um objeto jurídico e uma conduta
humana com um fim jurídico, que pode ser um fim objetivo e um fim subjetivo,
sendo o primeiro um fim que deve ser realizado, isto é, um fim estatuído por uma
norma considerada como objetivamente válida, e o segundo um fim que um
indivíduo se põe a si próprio, ou seja, um fim que ele deseja realizar.
No item que trata das ordens sociais que estatuem sanções, Kelsen aduz que uma
ordem normativa que regula a conduta humana na medida em que está em relação
com outras pessoas é uma ordem social. A Moral e o Direito são ordens sociais
deste tipo.
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Uma ordem social, para que seja eficaz, deve possuir mecanismos que
desestimulem os indivíduos que nela se inserem a não praticarem atos em
desconformidade com a ordem jurídica posta. O mecanismo mais eficaz contra o
desuso ou a inaplicabilidade de uma norma é a aplicação de sanções em caso de
descumprimento. Uma vez sendo descumprida tal norma, se não for aplicada a
correspondente sanção pode-se ter como certa a repetição da conduta não visada.
O Direito, ao contrário da Moral, é uma ordem estatuidora de sanções. Vale
destacar um trecho deste texto fichado: “De conformidade com o seu sentido
imanente, pode o ordenamento estatuir as suas sanções sem ter em conta os
motivos que efetivamene conduziram, no caso concreto, à conduta que as
condiciona.O sentido do ordenamento traduz-se pela afirmação de que, na
hipótese de uma determinada conduta – quaisquer que sejam os motivos que
efetivamente a determinaram -, deve ser aplicada uma sanção (no sentido amplo
de prêmio ou de pena).
No item que trata das sanções transcendentes e sanções socialmente imanentes,
Kelsen faz a distinção entre elas afirmando que as primeiras são aquelas que,
segundo a crença das pessoas submetidas ao ordenamento, provêm de uma
instância supra-humana, enquanto que as segundas são aquelas sanções
estatuídas na esfera humana, destinadas a regular as condutas dos indivíduos. A
sanção transcendente afeta a consciência e o estado de espírito das pessoas,
enquanto que a sanção socialmente iminente afeta diretamente os bens da vida,
tais como a vida, a liberdade, a propriedade, etc. Tratando das sanções do tipo
transcendental, Kelsen destaca que “Até o homem civilizado dos nossos dias se
pergunta instintivamente, quando é atingido por uma infelicidade: que mal fiz eu
para merecer este castigo?... As religiões altamente evoluídas diferenciam-se, sob
este aspecto, das primitivas, apenas na medida em que acrescentam às sanções
que somente serão aplicadas por Deus – e não pela alm dos mortos – no além-
túmulo. Estas sanções são transcendentes, não apenas no sentido de quem
provêm de uma instância sobre-humana, e supra-social, portanto, mas ainda no
sentido de que elas se realizam fora da sociedade, fora do mundo do aquém, numa
esfera transcendente”.
No item que trata da ordem jurídica, Kelsen aborda temas como o Direito como
ordem de conduta humana, onde aborda a natureza filosófica do Direito como
fenômeno destinado a estabelecer um equilíbrio nas relações entre os indivíduos
que compõem determinado grupo social, entre outros, que virão na seqüência
deste fichamento.
Na seqüência, Kelsen destaca que o direito possui a natureza de uma ordem
coativa, de modo que a observância de seus preceitos é imperativa, sob pena de
aplicação de sanções jurídicas. Para que a fluência das normas de conduta ocorra,
com a aplicação das respectivas sanções (caso sejam necessárias), se faz necessário
o estabelecimento de um sistema jurídico estatal, sistema este que deve ser
estruturado por uma norma fundamental.
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Kelsen recorda que nas sociedades primitivas existiram até demandas judiciais
contra animais, plantas, coisas mortas e objetos inanimados, devido a males
causados a seres humanos pela “conduta”, ou melhor, por fatos relacionados a tais
seres.
Na ordem social dos povos civilizados, as normas de conduta regulam apenas a
conduta humana. No entanto, frisa Kelsen que: “O fato de as modernas ordens
jurídicas regularem apenas a conduta dos homens e não a dos animais, das plantas
e dos objetos inanimados, enquanto dirigem sanções apenas àqueles e não a estes,
não exclui, no entanto, que estas ordens jurídicas prescrevam uma determinada
conduta de homens não em face de outros homens como também em face dos
animais, das plantas e dos objetos inanimados”.
Kelsen destaca, ainda, no tópico que trata do monopólio da coação da comunidade
jurídica, que o Direito é uma ordem coativa, mas que esta coação deve ser exercida
dentro dos limites estabelecidos no próprio ordenamento jurídico, de modo a se
evitar a utilização de força não autorizada. Neste sentido convém destacar trecho
em que este autor trata deste assunto: “...estabelece-se o princípio de que todo o
emprego da força física ´proibido quando não seja – e temos aqui uma limitação
ao princípio – especialmente autorizado como reação, da competência da
comunidade jurídica, contra uma situação de fato considerada perniciosa.
Diante do exposto no parágrafo anterior, é possível entender que a força física,
utilizada nos limites da lei, de modo a tornar eficaz o seu cumprimento, possui o
condão de estabelecer a segurança coletiva, que por sua vez garante a paz social.
Kelsen ressalta que: “A segurança coletiva visa a paz, pois a paz é ausência de força
física. Determinando os pressupostos sob os quais deve recorrer-se ao emprego da
força e os indivíduos pelos quais tal emprego deve ser efetivado, instituindo um
monopólio da coerção por parte da comunidade, a ordem jurídica estabelece a paz
nesta comunidade por ela mesma constituída. A paz do Direito, porém, é uma paz
relativa e não uma paz absoluta, pois o Direito não exclui o uso da força, isto é, a
coação física exercida por um indivíduo contra o outro”.
Quando aborda a questão dos atos coercitivos que não têm o caráter de sanções,
Kelsen ressalta que em alguns governos, como os totalitários, são comuns atos
como encerrar em campos de concentração, forçar quaisquer trabalhos e até matar
os indivíduos de opinião, religião ou raça indesejáveis, sem que os mesmos
possuam o caráter de sanção. A sanção, em sua essência, possui uma natureza
punitiva/educativa socialmente aceita, enquanto que os atos de coerção acima
apontados, como práticas comuns de estados totalitários não passam de puros
extermínios ou explorações, sem o mínimo de preocupação com o princípio da
dignidade da pessoa humana, e sem a mínima natureza educativa.
No que pesa ao mínimo de liberdade abordado por Kelsen, vale destacar que é
essencial para o desenvolvimento de um determinado grupo social, que haja um
mínimo de liberdade para a realização de atos humanos. Neste sentido, aquelas
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condutas que não estão prescritas em normas são livres para serem praticadas, na
medida em que esta liberdade não interfira no Direito de outro indivíduo.
Nos últimos itens deste capítulo, Kelsen coloca lado a lado a semelhança entre a
ordem normativa de coação da comunidade jurídica e a ordem de um bando de
salteadores de estradas, no sentido da imperatividade de seu cumprimento,
fazendo, obviamente, as ressalvas necessárias entre uma ordem lícita e uma ordem
ilícita e, essencialmente, antijurídica. Aborda também, mais uma vez a
importância da sanção como meio de cumprimento dos deveres jurídicos, e por
fim, o destaca o caráter de interdependência que umas normas têm em face de
outras, diante da unidade e da complexidade de um ordenamento jurídico.
CAPÍTULO 2 – DIREITO E MORAL
AS NORMAS MORAIS COMO NORMAS SOCIAIS
Kelsen destaca que existem outras normas, ao lado das normas jurídicas, que
regulam a conduta dos homens entre si, as quais também podem ser classificadas
como normas sociais. Estas tais normas são conhecidas sob a designação de
Moral, e a ciência que as tem por objeto é a Ética. Nas palavras de Kelsen: “Na
medida em que a Justiça é uma exigência da Moral, na relação entre a Moral e o
Direito está contida a relação entre a Justiça e o Direito”.
Kelsen informa que quando se afirma que a Moral, assim como o Direito, regula a
conduta humana, estatuindo deveres e direitos, isto é, que estabelece
autoritariamente determinadas normas, a pureza do método da ciência jurídica é
posta em perigo, pois já não se sabe o que é Moral e o que é Direito.
Aduz ainda que o caráter social da Moral é, por muitas vezes, posto em questão,
afirmando que, além das normas morais que dispõem sobre a conduta de um
homem em face de outro, existem ainda normas morais que prescrevem uma
conduta do homem em face de si mesmo (como a norma que proíbe o suicídio, a
coragem e a castidade), o que por si só afasta tal caráter social.
Kelsen finaliza este item afirmando que: “...só por causa dos efeitos que esta
conduta tem sobre a comunidade é que ela se transforma, na consciência dos
membros da comunidade, numa norma moral. Também os chamados deveres do
homem para consigo próprio são deveressociais”. Diante desta exposição verifica-
se que Kelsen, não obstante negue à Moral o caráter social, na hipótese em que
regula a conduta de um homem em face de si mesmo, a tem como um dever social
A MORAL COMO REGULAMENTAÇÃO DA CONDUTA INTERIOR;
Neste item Kelsen ressalta que a concepção de que o Direito serve a regular a
conduta externa e a Moral serve a regular a conduta interna é errônea, pois ambas
as normas servem a regular as condutas humanas internas e externas. Exemplifica
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este raciocínio alegando que “...quando uma ordem jurídica proíbe o homicídio,
proíbe não apenas a produção da morte de um homem através da conduta de um
outro homem, mas também uma conduta interna, ou seja, a intenção de produzir
um tal resultado.”
Para Kelsen as normas que prescrevem condutas que correspondem às inclinações
ou aos interesses egoísticos dos destinatários das normas são supérfluas, uma vez
que o homem tende a seguir às suas próprias inclinações, sem a necessidade de
portar-se segundo os comandos de tais normas. Neste sentido, ele destaca que:
“...uma norma que prescreve uma determinada conduta humana, apenas tem
sentido se a situação se a situação deve ser diferente daquela que resultaria do
fato de cada qual seguir as suas próprias inclinações ou procurar realizar os
interesses egoístas que atuariam na ausência da validade e eficácia de uma ordem
social.”
Para este autor a Moral não prescreve senão que os indivíduos devem, em suas
condutas, combater as suas inclinações, não realizar os seus interesses egoísticos,
mas agir por outros motivos.
Como exemplo do que fora exposto por Kelsen, da tentativa de distinção entre
Direito e Moral, podemos citar os atos de execução que um determinado soldado
nazista, subordinado hierarquicamente ao seu comandante (durante a 2ª Grande
Guerra Mundial) pratica, exterminando presos em campos de concentração. O seu
ato é conforme o ordenamento jurídico daquele Estado, ou seja, é um ato lícito,
mas é contrário à ordem Moral, por razões óbvias.
Finalizando este item, Kelsen assevera que: “...o conceito de moral não pode ser
limitado à norma que disponha: reprime as suas inclinações, deixa de realizar os
seus interesses egoísticos. Mas a verdade é que somente se o conceito de Moral for
assim delimitado é que Moral e Direito se podem distinguir pela forma indicada:
referir-se aquela a conduta interna ao passo que este também dispõe sobre a
conduta externa”.
A MORAL COMO ORDEM POSITIVA SEM CARÁTER COERCITIVO
Como visto no capítulo 1, o que, essencialmente, distingue a Moral do Direito é
que enquanto este se utiliza do caráter coercitivo para que o preceito estabelecido
na norma seja cumprido, ou se torne eficaz, a ordem Moral não possui tal poder. O
que o descumprimento de uma ordem ou preceito Moral faz nascer no indivíduo é
o aparecimento de um sentimento de desconforto, causado pela reprovação da
comunidade onde o indivíduo está inserido.
Kelsen ressalta que uma ordem moral não prevê o estabelecimento de quaisquer
órgãos centrais para a aplicação de suas normas. Da mesma forma, uma ordem
jurídica primitiva, sem o estabelecimento de tal estrutura, a esta se assemelha.
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O ponto principal no estabelecimento da distinção entre Direito é Moral, segundo
Kelsen, não é o estabelecimento de quais condutas as duas ordens prescrevem ou
proíbem, mas como elas prescrevem ou proíbem uma determinada conduta
humana. No caso do direito, a conduta humana desejada é orientada pela
possibilidade de imposição de um mal, em caso de seu descumprimento. Tal mal
constitui o estabelecimento da coerção, elemento este que não se mostra presente
nas ordens morais.
O DIREITO COMO PARTE DA MORAL
Kelsen destaca que o Direito é, por sua própria essência, moral. Isto porque a
conduta que as normas jurídicas prescrevem ou proíbem também é prescrita ou
proibida pelas normas da ordem Moral. Desta forma, se uma ordem social
prescreve uma conduta que a Moral proíbe, ou proíbe uma conduta que a Moral
prescreve, esta ordem não é Direito porque não é justa. Neste sentido, Kelsen
afirma que o Direito pode ser moral, mas não tem necessariamente de o ser. No
entanto admite-se a exigência de que o Direito deve ser moral, isto é, deve ser
justo, pois esta é uma condição própria da idéia de Direito.
Diante do exposto até então percebe-se que existe uma íntima relação entre
Direito e Moral, a ponto de diferenciarem-se apenas quanto a forma de aplicação
de seus comandos. Finalizando esta concepção, Kelsen assevera que: “...quando e
afirma que o Direito por sua própria essência tem um conteúdo moral ou constitui
um valor moral, com isso afirma-se que o Direito vale no domínio da Moral, que o
Direito é uma parte constitutiva da ordem moral, que o Direito é moral, e
portanto, é por essência justo.
RELATIVIDADE DO VALOR MORAL;
A Moral, em sua essência, é um valor tido como importante para uma
determinada sociedade, capaz de assegurar, quando observado, uma relativa paz
social. Ocorre que tais valores variam bastante, segundo aspectos temporais e
espaciais, ou seja, o que é considerado justo para uma determinada sociedade
pode não ser justo para outra sociedade, ou até mesmo o que é considerado justo
em uma época pode não ser em outra época, ou ainda, o que é considerado justo
para uma classe ou profissão pode não ser para outra (classe ou profissão), dentro
de um mesmo povo.
Nesta direção Kelsen afirma que: “...nada há que tenha de ser havido por
necessariamente bom ou mau, justo ou injusto em todas as possíveis
circunstâncias, que apenas há valores morais relativos – então a afirmação de que
as normais sociais devem ter um conteúdo moral, devem ser justas, para poderem
ser consideradas como Direito, apenas pode significar que estas normas devem
conter algo que seja comum a todos os sistemas de Moral enquanto sistemas de
justiça”.
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O valor Moral tanto é relativo que Kelsen recorda que, segundo a convicção de
muitos, uma guerra pode ser considerada uma valor moral porque possibilita a
comprovação das virtudes de uma nação. Desta forma, como não se tem como
palpável a existência de uma moral absoluta (pois esta seria proveniente de uma
autoridade supra-humana) toda ordem Moral é, apenas e tão somente, relativa.
Apontando nesta direção, Kelsen preleciona que: “...quando não se pressupõe
qualquer valor moral absoluto, não se tem qualquer possibilidade de determinar o
que é que tem de ser havido, em todas as circunstâncias, por bom e mau, justo e
injusto”.
Para Kelsen o que pode ser comum a todos os sistemas morais possíveis não é
outra coisa senão a circunstância de eles serem normas sociais, ou seja, normas
que prescrevem uma determinada conduta de homens – imediata ou
mediatamente – a outros homens. Desta forma, a afirmação de que o Direito, é
por sua natureza, moral, não quer dizer que ele tenha um determinado conteúdo,
mas que ele é uma norma social que estabelece um “dever-ser”.
Como já exposto em linhas passadas, Kelsen volta a afirmar que o Direito e a
Moral não é uma questão sobre o conteúdo do Direito, mas uma questão sobre a
sua forma. Finalizando esta parte da discussão, Kelsen afirma que a existência de
uma moral mínima não constitui requisito de validade das normas jurídicas, e que
o valor de paz não representa um elemento essencial ao conceito de Direito.
SEPARAÇÃO DO DIREITO E DAMORAL
Constitui objeto principal desta obra a separação de todos os outros
conhecimentos do conhecimento jurídico, ou seja, do Direito. É este o intuito
principal do autor ao elaborar a sua teoria pura do Direito. Como exposto no
capítulo 1, Kelsen não descarta a importância de tais ciências afins na análise das
normas jurídicas e de sua efetividade, mas considera, por uma questão meramente
metodológica, importante a separação não só do Direito e da Moral (como parte
integrante da Ética), como também a separação do Direito e da Sociologia, e de
outras ciências afins.
Acerca desta separação, Kelsen destaca que: “Quando uma teoria do Direito
positivo se propõe a distinguir Direito e Moral em geral e Direito e Justiça em
particular, para os não confundir entre si, ela volta-se contra a concepção
tradicional, tida como indiscutível pela maioria dos juristas, que pressupõe que
apenas existe uma única Moral válida – que é, portanto, absoluta – da qual resulta
uma Justiça absoluta. A exigência de uma separação entre Direito e Moral, Direito
e Justiça, significa que a validade de uma ordem jurídica positiva é independente
desta Moral absoluta, única válida, da Moral por excelência, de a Moral”.
Para Kelsen, se se pretende fazer a separação entre Direito e Moral, não quer dizer
que entre o Direito e a Moral, ou entre o Direito e a Justiça, não haja
correspondência ou alguma afinidade, até porque o conceito de “bom” não pode
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ser determinado senão como “o que deve ser”, o que por sua vez corresponde a
uma norma.
Tal distinção ocorre também porque a validade de uma ordem jurídica independe
de estar situada dentro dos limites de uma ordem Moral. Quando ocorre de uma
ordem jurídica estar em sintonia com uma ordem moral estar-se-á diante de uma
situação ideal, mas não necessariamente tem que ser assim, até porque o valor
moral muitas vezes é relativo dentro de uma sociedade, em razão, principalmente,
das diferentes classes sociais e das diferentes profissões, como tratado
anteriormente.
JUSTIFICAÇÃO DO DIREITO PELA MORAL
Para Kelsen, uma justificação do Direito positivo pela Moral é possível apenas
quando entras as normas do Direito e da Moral possa existir um Direito
moralmente bom e um Direito moralmente mau.
Neste diapasão, este autor frisa que: “A necessidade de distinguir o Direito da
Moral e a ciência jurídica da Ética significa que, do ponto de vista de um
conhecimento científico do Direito positivo, a legitimação deste por uma ordem
moral distinta da ordem jurídica é irrelevante, pois a ciência jurídica não tem de
aprovar ou desaprovar o seu objeto, mas apenas tem de o conhecer e descrever”.
Com estas palavras, Kelsen quis dizer que não constitui objetivo do Direito fazer
juízo de valor sobre o seu objeto. Tal tarefa pode pertencer a Moral.
O operador do Direito tem por escopo analisar as normas jurídicas, descartando,
pela praticidade que se exige, divagações sobre o valor moral de seus preceitos.
Dentro desta ótica, Kelsen ilustra que: “A tese, rejeitada pela Teoria Pura do
Direito, mas muito espalhada pela jurisprudência tradicional, de que o Direito,
segundo a sua própria essência, deve ser moral, de que uma ordem social imoral
não é Direito, pressupõe, uma Moral absoluta, isto é uma Moral válida em todos os
tempos e em toda a parte. De outro modo não poderia ela alcançar o seu fim de
impor a uma ordem social um critério de medida firme, independente de
circunstâncias de tempo e de lugar, sobre o que é direito (justo) e o que é injusto”.
Kelsen finaliza este item alegando que a ciência jurídica não tem de legitimar o
Direito, não tem de justificar a ordem normativa que lhe compete. Sua função é,
apenas e tão somente conhecê-la e descrevê-la.
CAPÍTULO 3 – DIREITO E CIÊNCIA
AS NORMAS JURÍDICAS COMO OBJETO DA CIÊNCIA JURÍDICA
As normas jurídicas, como bem se sabe, correspondem ao objeto da ciência
jurídica, de modo que a conduta humana, segundo Kelsen, somente se enquadra
como norma jurídica se estiver determinada nestas, como pressuposto ou
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conseqüência.
TEORIA JURÍDICA ESTÁTICA E TEORIA JURÍDICA DINÂMICA
De forma bastante resumida, uma vez que estes temas serão objeto dos capítulos 4
e 5 desta obra, Kelsen explica que a teoria jurídica estática tem por objeto o Direito
como um sistema de normas em vigor, ou sejam o Direito no seu momento
estático, enquanto que a teoria jurídica dinâmica tem por objeto o processo
jurídico em que o direito é produzido e aplicado, o Direito no seu movimento.
NORMA JURÍDICA E PROPOSIÇÃO JURÍDICA
Para Kelsen, proposições jurídicas “...são juízos hipotéticos que enunciam ou
traduzem que, de conformidade com o sentido de uma ordem jurídica – nacional
ou internacional – dada ao conhecimento jurídico, sob certas condições ou
pressupostos fixados por este ordenamento, deve intervir certas conseqüências
pelo mesmo ordenamento determinadas”. Já as normas jurídicas, ao contrário,
não são juízos, são antes, de acordo com o seu sentido, mandamentos, e, como
tais, comandos, imperativos, permissões e atribuições de poder ou competência.
Em todo caso, como destaca Kelsen, não são instruções (ensinamentos).
Na distinção entre norma e proposição jurídica deve-se destacar a diferença entre
a função do conhecimento jurídico e a função da autoridade jurídica que aplica o
Direito, através de órgãos específicos do Estado. A ciência jurídica tem por missão
conhecer – de fora – o Direito e descrevê-lo com base em sua experência
cognitiva.
O âmago desta distinção é abordado por Kelsen quando este revela que: “A ciência
jurídica, porém, apenas pode descrever o Direito; ela não pode, como o Direito
produzido pela autoridade jurídica (através de normas gerais ou individuais),
prescrever seja o que for”. Completando esta exposição, Kelsen põe a discussão
que nenhum jurista pode negar a diferença básica existente entre uma lei
publicada em jornal oficial e um comentário jurídico sobre esta hipotética lei.
Kelsen finaliza este item afirmando que a proposição jurídica que descreve a
validade de uma normal penal que prescreve a pena de prisão para o furto apenas
poderá traduzir que, se alguém comete furto, deverá ser punido. No entanto, o
dever-ser da proposição jurídica não possui um sentido prescritivo, mas um
sentido descritivo, uma vez que apenas a norma jurídica, enquanto Direito, possui
a capacidade jurídica de exercer atos de coerção (caso necessários) para a
aplicação de suas disposições, o que revela a sua natureza prescritiva.
CIÊNCIA CAUSAL E CIÊNCIA NORMATIVA
Neste item Kelsen mostra a distinção existente entre a ciência normativa e a
ciência causal, sendo a primeira um produto cultural, estabelecido pelos homens,
visando uma determinada ordem e paz social, e a segunda um produto decorrente
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dos fenômenos naturais.
Para Kelsen a natureza é uma ordem das coisas ou um sistema de elementos que
estão ligados uns com os outros como causa e efeito, ou seja, segundo um
princípio designado de causalidade. Já a sociedade, constitui uma ordem
normativa de conduta humana. No entanto, não se tem razão suficiente para
afastar os atos humanos como sendo elementos da natureza, uma vez que o
homem está inserido e faz parte do meio natural.
Contudo, existe uma necessidade de distinção entre as ciências da natureza e a
ciência jurídica, pois segundo Kelsen: “Somentena medida em que o Direito for
uma ordem normativa da conduta dos homens entre si pode ele, como fenômeno
social, ser distinguido da natureza, como ciência social, ser separada da ciência da
natureza”.
CAUSALIDADE E IMPUTAÇÃO; LEI NATURAL E LEI JURÍDICA
Este item é uma decorrência do item anterior, uma vez que os fatos da natureza
são regulados pela relação causa e efeito (causalidade), enquanto que a conduta
humana é lastreada pelo fenômeno da imputação, que consiste na
determinação/especificação de uma conduta exigível. Quando se imputa algo a
alguém significa dizer que aquela coisa se tem por obrigatória, sob pena da
aplicação de uma sanção específica.
Kelsen destaca que o princípio da causalidade norteia a lei natural, ao passo que o
princípio da imputação deve nortear a lei jurídica. E neste sentido, a distinção
entre lei natural e proposição jurídica deve ser sustentada com firme decisão. Com
“dever-ser” exprime-se usualmente a idéia do ser prescrito, não a do ser-
competente (ser autorizado) ou a dor ser-permitido.
Para Kelsen, quando se afirma que uma determinada norma está “em vigor” ou
tem “vigência” e que a mesma prescreve determinada conduta, a autoriza (para ela
confere competência) ou a permite (positivamente) não pode significar que esta
conduta efetivamente se realiza: ela pode apenas significar que tal conduta deve
realizar-se.
Mais uma vez, Kelsen afirma que a proposição jurídica “pode” ser também
designada de lei jurídica, na hipótese em que é aplicada por analogia a lei natural.
Frise-se que a proposição jurídica “pode” e não “deve”, uma vez que a regra é que o
dever-ser é atributo das normas jurídicas. Contudo, Kelsen lembra que esta
conexão descrita na lei jurídica é, na verdade, análoga à conexão de causa e efeito
expressa na lei natural – sendo, no entanto, diferente dela.
Sobre o fenômeno da imputabilidade Kelsen esclarece que: “Imputável é aquele
que pode ser punido pela sua conduta, isto é, aquele que pode ser responsabilizado
por ela, ao passo que o inimputável é aquele que – porventura por ser menor ou
doente mental – não pode ser punido pela mesma conduta, ou seja, não pode ser
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por ela responsabilizado”. Em outras palavras, de forma mais clara ainda: “...a
imputação não consiste noutra coisa senão conexão entre o ilícito e a conseqüência
do ilícito”.
O PRINCÍPIO DA IMPUTAÇÃO NO PENSAMENTO DOS
PRIMITIVOS
Kelsen demonstra crer que o princípio da imputação está na base da interpretação
da natureza pelos homens primitivos. Isto porque, segundo ele, os primitivos não
compreendiam os fenômenos da natureza com uma simples relação de causa e
efeito, segundo o princípio da causalidade, pois a aceitação deste princípio é
herança das sociedades modernas. Kelsen entende que:”O homem primitivo
interpreta os fatos que aprende através de seus sentidos segundo os mesmos
princípios que determinam as relações com os seus semelhantes, designadamente,
segundo normas sociais”.
Este autor ressalta, ainda, que os homens primitivos apreciam ou julgam a sua
conduta reciprocamente, por suas próprias normas consuetudinárias, uma vez que
estes tem bem claro o senso comum do que é benéfico e do que é prejudicial. Estas
sociedades primitivas acreditavam que tais normas provinham de uma autoridade
supra-humana e que, por isso, deveriam ser obedecidas, pois tinham um valor
moral absoluto. Segundo Kelsen, as normas mais antigas da humanidade são
provavelmente aquelas que visam frenar e limitar os impulsos sexuais e
agressivos.
Kelsen afirma que está na base da vida social dos primitivos a regra da retribuição
(retaliação). Esta regra compreende tanto uma pena, como um prêmio. Neste
sentido, o pressuposto e a conseqüência estão ligados um ao outro, não segundo o
princípio da causalidade, mas segundo o princípio fundamental da imputação.
Desta forma, se o indivíduo de um dado grupo se comporta bem, deve ser
recompensado (premiado), ao passo que se um indivíduo se porta mal, deve ser
punido.
Segundo a máxima do princípio retributivo, tais prêmios e penas são impostos,
respectivamente, quando o indivíduo se conduz de acordo com a norma desejada
ou quando se comporta de forma contrária ao preceito normado
(consuetudinariamente). Como nesta época se ignora a idéia de Estado, tais penas
e prêmios são aplicados por Deus (força supra-humana), sob a forma de castigos,
más colheitas, insucesso na caça, derrotas em guerras, doenças, mortes – penas –
e de boas colheitas, vitória nas guerras, saúde, longa vida, sucesso na caça –
prêmios.
Para Kelsen, “Aquilo que, do ponto de vista da ciência moderna, é natureza, é,
para o primitivo, uma parte de sua sociedade como uma ordem normativa cujos
elementos estão ligados entre si segundo o princípio fundamental da imputação”.
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O SURGIMENTO DO PRINCÍPIO CAUSAL A PARTIR DO
PRINCÍPIO RETRIBUTIVO
Segundo Kelsen, é mais provável que a lei da causalidade tenha surgido da norma
da retribuição. “É o resultado de uma transformação do princípio da imputação,
em virtude do qual, na norma da retribuição, a conduta não-reta é ligada à pena e
a conduta reta é ligada ao prêmio”.
 Kelsen cita que uma das primeiras formulações da lei causal é o célebre fragmento
de Heráclito: “Se o Sol não mantiver no caminho prescrito (preestabelecido), as
Erínias, acólitas da Justiça corrigi-lo-ão”. Aqui a lei natural aparece ainda como lei
jurídica.
 Em outras palavras, Kelsen aqui ressalta que a idéia de prevalência do princípio
retributivo fez com os povos primitivos e até mesmo a sociedade do início do
século XX acreditassem que se alguém tinha uma vida próspera era por que
merecia, porque os seus atos tinham sido bons aos olhos de um ser supra-humano,
que, por conseguinte, o havia abençoado e o oposto, que este ser supra-humano o
havia amaldiçoado. Esta relação de prevalência do princípio retributivo, neste
sentido, se confunde com o princípio causal (causa – boas condutas – efeito –
bênçãos / causa – más condutas – efeito - maldições).
CIÊNCIA SOCIAL CAUSAL E CIÊNCIA SOCIAL NORMATIVA
Para Kelsen, uma distinção básica existe apenas entre as ciências naturais e
aquelas ciências sociais que interpretam a conduta recíproca dos homens, não
segundo o princípio da causalidade, mas segundo o princípio da imputação;
ciências que não descrevem como se processa a conduta humana determinada por
leis causais, no domínio da realidade natural, mas como ela, determinada por
normas positivas, por normas postas através de atos humanos, se deve processar.
Para Kelsen, devemos apenas considerarmos válida uma ordem normativa quando
ela é globalmente considerada, eficaz; e que, quando um ordem normativa,
particularmente uma ordem jurídica, é eficaz, isto é, quando a conduta humana
que a regula, considerada de modo global, lhe corresponde, podemos afirmar: se
os pressupostos que estão estatuídos nas normas de ordem social efetivamente se
verificam, também as conseqüências que nestas normas são ligadas àqueles
pressupostos se verificarão com toda a probabilidade; ou, no caso de uma ordem
jurídica eficaz: se foi praticado um ilícito previsto pela ordem jurídica, também
será provavelmente realizada a conseqüência do ilícito por aquela mesma ordem
jurídica prescrita.
Kelsen, ao contrário do que afirmam e acreditam os representantes da chamada
jurisprudência “realística” não aceita a idéia de que o Direito não é outra coisa
senão uma profecia sobre como os tribunais decidirão, ou seja, que o Direito é
uma ciência de Previsão. Em um trecho deste item Kelsen ressalta que: “A tarefa
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da ciência jurídica não é, em qualquer dos casos, fazer profecias sobre as decisões
dos tribunais. Ela dirige-se não só ao conhecimento das normas jurídicas
individuais, postas pelos tribunais, mas também a conhecimento das normas
gerais, produzidas pelos órgãos legislativos e pelo costume, a respeito das quais a
custo seria possível uma previsão, pois a Constituição normalmente apenas 
predetermina o processo da produção legislativa, e não o conteúdo das leis”.
DIFERENÇAS ENTRE O PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE E O
PRINCÍPIO DA IMPUTAÇÃO
Kelsen afirma que a forma verbal em que são apresentados tanto o princípio da
causalidade como o princípio da imputação constitui um juízo hipotético onde um
determinado pressuposto é ligado com uma determinada conseqüência. Para ele
“O princípio da causalidade afirma que quando é A, B também é (ou será). O
princípio da imputação afirma que quando A é, B deve ser”.
A diferença reside no fato que a imputação designa uma relação normativa: se tal
fato descrito na norma ocorrer, um determinado fato jurídico deve ser aplicado
como conseqüência.
O PROBLEMA DA LIBERDADE
Sobre a distinção fundamental entre imputação e causalidade, Kelsen lança as
bases para a discussão do problema da liberdade (da conduta humana). Para tanto
ele, ressalta que sobre o fato de que há um ponto terminal da imputação, mas não
um ponto terminal da causalidade, se baseia a oposição entre a necessidade, que
domina na natureza, e a liberdade que dentro da sociedade existe e se mostra
essencial para as relações normativas dos homens.
Para Kelsen, dizer que o homem não é livre significa que a sua conduta,
considerada como fato natural, é, por força de uma lei da natureza, causada por
outros fatos, isto é, tem de ser vista como efeito destes fatos e, portanto, como
determinada por eles.
Kelsen afirma que livre é aquele que não está sujeito à lei da causalidade. Para ele:
“Costuma afirmar-se: o homem é responsável, isto é, capaz de imputação moral ou
jurídica, porque é livre ou tem uma vontade livre, o que, segundo a concepção
corrente, significa que ele não está submetido à lei causal que determina a sua
conduta, na medida em que sua vontade é, deveras, causa de efeitos, mas não é ela
mesma o efeito de causas. Somente porque o homem é livre é que o podemos fazer
responsável pela sua conduta, é que ele pode ser recompensado pelo eu mérito, é
que se pode esperar dele que faça penitência pelos seus pecados, é que o podemos
punir pelo seu crime”.
Para Kelsen “...a causalidade é, por sua própria essência, coação irresistível. O que
em terminologia jurídica se chama coação irresistível é apenas um caso especial de
coação irresistível, ou seja, aquele dada cuja existência a ordem jurídica não prevê
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qualquer responsabilidade por uma conduta pela qual, quando produzida por
outras causas, o homem que atue por elas causalmente determinado é
responsável”.
Kelsen informa que muitos autores crêem poder resolver o problema do conflito
entre a liberdade e o princípio de uma causalidade, pela seguinte maneira: “...um
indivíduo é moral ou juridicamente responsável por um evento quando este é
provocado pelo seu ato de vontade ou pelo fato de ter ele ter omitido um ato de
vontade que evitaria este evento. Não é responsável por um evento quando este,
patentemente, não é provocado pelo seu ato de vontade ou pela omissão de um ato
de vontade que evitaria o evento. Afirmar que o homem é livre não traduz senão a
sua consciência de poder agir como quer (ou deseja)”.
Segundo Kelsen, para que um determinado indivíduo possa ser responsabilizado
pelo ato de vontade que praticara, antes é necessário que o mesmo tenha
consciência da ilicitude praticada. Diante deste fato, as ordens jurídicas modernas
pressupõem um tipo médio de homem e um tipo médio de circunstâncias externas
sob as quais os homens atuam, causalmente determinados.
OUTROS FATOS, QUE NÃO A CONDUTA HUMANA, COMO
CONTEÚDO DE NORMAS SOCIAIS
Segundo Kelsen, uma norma pode proibir uma determinada conduta humana que
tenha um efeito marcadamente determinado (proibição do homicídio), mas
também pode prescrever uma conduta humana que seja condicionada não apenas
pela conduta de outro homem, mas por outros fatos, diversos da conduta humana,
como por exemplo a norma moral do amor ao próximo: se alguém sofre, deves
procurar liberta-lo do seu sofrimento; ou a norma jurídica: se alguém, por virtude
de doença mental, é perigoso para a comunidade, deve ser compulsoriamente
internado.
Na verdade, para Kelsen, a conseqüência não é imputada apenas a uma conduta
humana, ou a conseqüência não é somente imputada a uma pessoa, mas também a
fatos ou circunstâncias exteriores.
NORMAS CATEGÓRICAS
Kelsen ensina que normas categóricas são aquelas normas sociais que prescrevem
uma determinada conduta humana sem fixar quaisquer pressupostos ou que as
prescrevem em todas e quaisquer circunstâncias.
As normas categóricas estão em contraposição às normas hipotéticas. Podem ser
classificadas como normas categóricas, por exemplo, as que prescrevem que não
se deve matar o próximo, não se deve furtar ao próximo, não se deve mentir ao
próximo. As normas que prescrevem uma simples omissão não podem ser normas
categóricas.
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Para Kelsen, uma ação positiva não pode ser prescrita incondicionalmente (sem a
fixação de pressupostos), uma tal ação apenas é possível sob determinadas
condições ou pressupostos. Isto mostra que as normas gerais de uma ordem social
empírica, incluindo as normas gerais de omissão, apenas podem prescrever uma
determinada conduta sob condições ou pressupostos bem determinados, e que,
por isso, toda norma geral produz uma conexão entre dois fatos, conexão essa que
pode ser descrita pelo enunciado segundo o qual, sob um determinado
pressuposto, deve realizar-se uma determinada conseqüência.
Desta forma, apenas as normas individuais podem ser categóricas, uma vez que
prescrevem, autorizam ou positivamente permitem uma determinada conduta de
determinado indivíduo sem a vincular a determinado pressuposto. É o que ocorre
quando um tribunal decide que um certo órgão tem que proceder a certa execução
num determinado patrimônio (especificado), ou que um certo órgão deve pôr na
prisão, por um determinado período de tempo, um certo réu.
NEGAÇÃO DO DEVER-SER; O DIREITO COMO “IDEOLOGIA”
Neste item Kelsen frisa que “A possibilidade de uma ciência normativa, isto é, de
uma ciência que descreve o Direito como sistema de normas, é, por vezes, posta
em questão com o argumento de que o conceito de dever-ser, cuja expressão é a
norma, é sem sentido ou constitui tão-somente uma ilusão ideológica”.
A Teoria Pura do Direito, como ciência específica do Direito, concentra a sua
visualização sobre as normas jurídicas e não sobre os fatos da ordem do ser, quer
dizer: não a dirige para o querer ou para o representar das normas jurídicas, mas
para as normas jurídicas como conteúdo de sentido.
Sobre esta questão ideológica do Direito, Kelsen afirma que: “Com efeito, a
imputação não liga o ato de produção jurídica com a conduta conforme o Direito,
mas o fato, determinado pela ordem jurídica como pressuposto, com a
conseqüência pela mesma ordem jurídica fixada. A imputação é, da mesma forma
a causalidade, um princípio orientador do pensamento humano e, por isso, é,
tanto ou tampouco com aquela, uma ilusão ou ideologia, pois – para falarcomo
Hume ou Kant – também aquela não é mais que um hábito ou categoria de
pensamento”.
Este autor destaca, ainda, que só quando se entenda “ideologia” como oposição à
realidade dos fatos da ordem do ser, isto é, quando por ideologia se entenda tudo
que não seja realidade determinada por lei causal ou uma descrição desta
realidade, é que o Direito enquanto norma é uma ideologia. Se por “ideologia” se
entende uma representação não-objetiva, influenciada por juízos de valor
subjetivos, os quais encobrem, obscurece ou sufoca o objeto do conhecimento e se
se designa por “realidade”, não apenas a realidade natural, como objeto da ciência
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da natureza, mas todo o objeto do conhecimento da ciência jurídica, o Direito
positivo como realidade jurídica, então também uma representação do Direito
positivo se tem de manter isenta de ideologia.
Finalizando esta abordagem, Kelsen afirma que: “Se se considera o Direito
positivo, como ordem normativa, em contraposição com a realidade do acontecer
fático que, segundo a pretensão do Direito positivo deve corresponder a este (se
bem que nem sempre lhe corresponda), então podemos qualificá-lo como
“ideologia” (no primeiro sentido da palavra)”. Afirma ainda que: “...a Teoria Pura
do Direito tem pronunciada tendência antiideológica. Comprova-se esta sua
tendência pelo fato de, na sua descrição do Direito positivo manter este isento de
qualquer confusão com um Direito “ideal” ou “justo”.
CAPÍTULO IV - ESTÁTICA JURÍDICA
Neste capítulo, Kelsen abordará as normas do direito positivo tal como postas aos
membros de uma determinada sociedade. Tal capítulo pressupõe a base para o
entendimento do capítulo seguinte, onde Kelsen irá expor a sua mais importante
contribuição à ciência jurídica, quando aborda a estrutura hierárquica das normas
jurídicas, que tanto influenciou o pensamento jurídico ocidental, principalmente
após a segunda guerra mundial. De tal apresentação, surgiu a idéia da “Pirâmide
de Kelsen”, que tem a Constituição em seu topo, a qual constitui o fundamento de
validade das demais normas jurídicas.
De início, Kelsen aborda a questão das sanções do Direito nacional e do Direito
internacional, discorrendo, a princípio, que as sanções aparecem sob duas formas
diferentes: como pena e como execução (execução forçada). Segundo o mesmo,
ambas constituem um mal, ou como queiram alguns (sob a forma negativa), a
privação de um bem: no caso da pena capital, a privação da vida, no caso das
penas corporais, outrora usadas (como a privação da vista, a amputação de uma
mão ou da língua), a privação do uso de um membro do corpo, ou o castigo
corretivo: a provocação de dores; no caso da pena de prisão, a privação da
liberdade; no caso das penas patrimoniais, a privação de valores patrimoniais,
especialmente da propriedade. Ainda segundo Kelsen, a privação de outros
direitos pode ser cominada como pena: tal a perda dos direitos políticos, a
demissão, etc.
Para Kelsen, ambas as espécies de sanções – pena e execução (civil) – são
aplicadas tanto pela autoridade judicial como pela autoridade administrativa, em
processo para o efeito previsto.
De outro lado, as sanções do Direito internacional geral não são, na verdade,
qualificadas quer como penas, quer como execução civil, mas representam, tal
como estas, uma privação compulsória de bens, ou seja, uma lesão, estatuída pela
ordem jurídica, de interesse de um Estado por parte de um outro Estado.
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Em outro momento, Kelsen destaca que o ilícito (que constitui a violação ao
preceito estabelecido na norma positivada) não é negação, mas pressuposto do
Direito. E continua, afirmando que tanto a concordância dos atos conforme as
normas, como também a violação das mesmas (normas) constitui pressuposto do
Direito, e não apenas a violação da norma, como se costuma pensar.
Ainda sobre este assunto, Kelsen destaca: “Não é qualquer qualidade imanente e
também não é qualquer relação com uma norma metajurídica, natural ou divina,
isto é, qualquer ligação com um mundo transcendente ao Direito positivo, que faz
com que uma determinada conduta humana tenha de valer como ilícito ou delito –
mas, única e exclusivamente o fato de ela ser tornada, pela ordem jurídica
positiva, pressuposto de um ato de coerção, isto é, de uma sanção”.
Kelsen diz que a norma, ao contrário do indivíduo, não pode ser “lesada” pelo ato
de coerção dirigido contra ele.
Quando trata do Dever jurídico e da norma jurídica, Kelsen faz questão de frisar
que deve haver uma distinção entre dever jurídico e norma jurídica, pois uma
norma jurídica é quem institui um dever jurídico.
O dever pressupõe obrigação, e tal obrigação é decorrência do estabelecimento de
uma regra, feita através de uma norma. A sanção, por conseguinte, poderia ser
aplicada tanto em casos de violação de tais normas (hipótese mais comum), como
em casos de observância de determinadas normas (sanções-prêmios), em
situações em que a própria norma tenha estabelecido tais recompensas, como
estímulo à sua efetividade, como ocorre, com mais freqüência, na seara tributária.
Para Kelsen, existe uma diferença entre Dever jurídico e dever-ser, sendo o
primeiro termo usado, exclusivamente, para definir uma ordem jurídica positiva,
que não possui qualquer espécie de implicação moral, enquanto que o segundo
termo (dever-ser) é usado sempre de forma associada a idéia de um valor moral,
mesmo que tal valor seja relativo, já que não se deve admitir a validade de uma
moral abosoluta.
Segundo Kelsen, devido é apenas o ato de coerção que funciona como sanção. São
estas as suas palavras: “Se se diz que quem está juridicamente obrigado a uma
determinada conduta “deve”, por força do Direito, conduzir-se do modo prescrito,
o que com isso se exprime é o ser-devido – ou seja, o ser positivamente permitido,
o ser autorizado e o ser prescrito – do ato coercitivo que funciona como sanção e é
estatuído como conseqüência da conduta oposta”.
No que tange ao termo responsabilidade, Kelsen destaca que o indivíduo contra
quem é dirigida a conseqüência do ilícito, é juridicamente responsável por ele.
Para Kelsen, indivíduo obrigado e indivíduo responsável não são sinônimos. É-se
obrigado a uma conduta conforme ao Direito e responde-se por uma conduta
antijurídica.
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Existe ainda a distinção entre responsabilidade individual e responsabilidade
coletiva. A responsabilidade individual é aquela direcionada, de forma geral, a
todo e qualquer indivíduo, sendo que a sua ocorrência, no caso concreto, realiza a
individualização da conduta, e, respectivamente, da pena a ser aplicada. Já a
responsabilidade coletiva constitui elemento característico da ordem jurídica
primitiva e está em estreita conexão com o pensar e o sentir identificadores dos
primitivos, pois à falta de uma consciência do eu, suficientemente acusada, o
primitivo sente-se de tal modo uno com os membros de seu grupo.
Kelsen destaca ainda que existe uma distinção entre a responsabilidade pela culpa
e pelo resultado. Para ele, quando a ordem jurídica faz pressuposto de uma
conseqüência do ilícito uma determinada ação ou omissão através da qual é
produzido ou não é impedido um evento indesejável (por exemplo, a morte de um
homem), pode distinguir-se da hipótese em que o mesmo evento ou sucesso se
verificou sem qualquer previsão ou intenção. No primeiro caso, fala-seem
responsabilidade pela culpa, no segundo caso, de responsabilidade pelo resultado.
Em relação ao dever de indenizar, Kelsen ressalta que este deve ser entendido
como uma responsabilidade, ou melhor, como uma obrigação de se ressarcir os
prejuízos materiais ou morais causados a um indivíduo, por outro indivíduo. Tal
prestação, a ser exigida de forma coercitiva pelo aparelho estatal, constitui uma
forma de sanção.
Kelsen frisa que quando esta sanção não é dirigida contra o delinqüente, mas
contra um outro indivíduo que está, com o delinqüente, numa relação pela ordem
jurídica determinada, a responsabilidade tem sempre o caráter de uma
responsabilidade pelo resultado. Desta forma, a responsabilidade tem o caráter de
responsabilidade pela culpa, em relação ao delinqüente, e o caráter de
responsabilidade pelo resultado, em relação ao objeto da responsabilidade.
Em relação a distinção entre Direito e dever, Kelsen aduz que usualmente
contrapõe-se ao dever jurídico o direito como direito subjetivo, colocando este em
primeiro lugar. Na descrição do Direito, o direito avulta tanto no primeiro plano,
que o dever quase desaparece por detrás dele. Para se distinguir, tem o direito,
como “direito subjetivo”, de ser distinguido da ordem jurídica, como “direito
objetivo”. A situação em questão, para Kelsen, é esgotantemente descrita como o
dever jurídico do indivíduo (ou dos indivíduos) de se conduzir por determinada
maneira em face de outro indivíduo. Neste sentido, a função de uma ordem
jurídica positiva (do Estado), que põe termo ao estado de natureza, é, de acordo
com esta concepção, garantir os direitos naturais através da estatuição dos
correspondentes deveres. Se se afasta a hipótese dos direitos naturais e se
reconhecem apenas os direitos estatuídos por uma ordem jurídica positiva, então
verifica-se que um direito subjetivo, no sentido aqui considerado, pressupõe um
correspondente dever jurídico, é mesmo este dever jurídico.
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Em relação a distinção entre direitos reais e direitos pessoais, Kelsen assevera que
sob a influência da antiga jurisprudência romana costuma distinguir-se entre o
direito sobre uma coisa (jus in rem) e o direito em face de uma pessoa (jus in
personam). Tal distinção, segundo este, induz em erro, pois também o direito
sobre uma coisa é um direito em face de pessoas.
O direito real subjetivo por excelência é a propriedade. É definida pela
jurisprudência tradicional como domínio exclusivo de uma pessoa sobre uma
coisa, e por isso mesmo, distinguida dos direitos de crédito que apenas
fundamentam relações jurídicas pessoais.
Para Kelsen, as duas espécies de situações caracterizadas pela jurisprudência
tradicional como relações jurídicas pessoais e relações jurídicas reais serão
classificadas e distinguidas como direitos reflexos absolutos e direitos reflexos
relativos. O direito reflexo de propriedade não é propriamente um direito
absoluto; é o reflexo de uma pluralidade de deveres de um número indeterminado
de indivíduos em face de um e o mesmo indivíduo com referência a uma e a
mesma coisa, diferentemente de um direito de crédito que apenas é reflexo de um
dever de um determinado indivíduo em face de um outro indivíduo também
determinado.
Nesta análise, Kelsen apenas tomou em consideração o direito reflexo. Ele
desempenha na teoria tradicional um papel decisivo, se bem que este “direito” de
um nada mais seja do que o dever de um outro ou de todos os outros de se
conduzirem, em face daquele, de determinada maneira.
Ao direito subjetivo de alguém, se refere a definição, encontrada na jurisprudência
tradicional, segundo a qual o direito subjetivo é determinado como interesse
juridicamente protegido. No entanto, este interesse da comunidade, ou melhor, a
proteção deste interesse através do dever funcional dos órgãos aplicadores do
direito, não é, em regra designado como direito subjetivo reflexo.
Quando trata do direito subjetivo como permissão positiva, Kelsen esclarece que a
situação designada como titularidade de um direito ou direito subjetivo também
pode consistir no fato de a ordem jurídica condicionar uma determinada
atividade, por exemplo, o exercício de uma determinada indústria ou profissão, a
uma autorização, designada como “concessão” ou “licença”, que é concedida, quer
sob os pressupostos determinados pela ordem jurídica, quer segundo a livre
apreciação do órgão competente. O exercício da referida atividade sem a
autorização devida, emanada da autoridade competente, é proibido, quer dizer,
està sujeito a uma sanção.
Quando aborda a questão dos direitos políticos, Kelsen destaca que os mesmos
costumam ser definidos como a capacidade ou poder de influir na formação da
vontade do Estado. Quando assim se fala, pensa-se, no entanto, na forma geral de
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aparição das normas jurídicas, que formam esta ordem nas leis. A participação dos
súditos das normas na atividade legislativa, é a característica principal da forma
democrática de Estado.
Para Kelsen, entre os direitos políticos são também contados os chamados direitos
fundamentais, e os direitos de liberdade (isto é, o da inviolabilidade) da
propriedade, a liberdade da pessoa, a liberdade de opinião, entre outros tipos de
liberdades.
O poder jurídico descrito anteriormente como direito subjetivo – direito privado
ou direito político – é apenas um caso particular da função da ordem jurídica que
aqui designamos por atribuição de um poder ou competência ou autorização.
Nesta direção, a função da ordem jurídica designada como atribuição de um poder
ou competência refere-se somente à conduta humana. Só a conduta de um
indivíduo é que é pela ordem jurídica autorizada. Ao indivíduo que pode realizar
uma tal conduta é pela ordem jurídica atribuída a capacidade de se conduzir desta
maneira.
Vale salientar ainda que o exercício do poder jurídico, como função jurídica é da
mesma espécie que a função de um órgão legislativo, dotado pela ordem jurídica
do poder de criar normas gerais, e que as funções dos órgãos judiciais e
administrativos, dotados pela ordem jurídica do poder de criar normas individuais
por aplicação daquelas normas gerais. A tais funções específicas, essenciais ao
funcionamento do Estado e à garantia do Estado de Direito dá-se o nome de
competência.
Em relação à organicidade, Kelsen explica, em síntese, que as atribuições de
competências são atribuídas aos órgãos do Estado, e que os mesmos são essenciais
para a realização dos objetivos daquele Estado, dentre eles o bem comum e a
justiça social, o que é relativo, segundo os padrões culturais de uma determinada
sociedade. Desta forma, cada órgão possui uma parcela de poder ou de
competência, que lhe é próprio.
Em seguida Kelsen, destaca que doutrina tradicional designa como capacidade (de
gozo) de direitos a capacidade de um indivíduo para ser titular de direitos e
deveres jurídicos ou para ser sujeito de direitos e deveres. Para ele, no Direito
moderno não há pessoas incapazes de direitos (como os escravos). No entanto,
nem todas as pessoas possuem capacidade de exercício. Desta forma, os menores e
os doentes mentais não possuem capacidade de exercício. Por isso, tais pessoas
têm, segundo o Direito moderno, representantes legais aos quais compete
exercitar, por elas, os seus direitos, cumprir os seus deveres e criar, por elas
deveres e direitos através de negócios jurídicos. Convém destacar que tais pessoas
não possuem, na verdade, capacidade de exercício, mas tem capacidade de
direitos.
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Kelsen explica que, em estreita conexão com os conceitos de dever jurídico e de
direito subjetivo, está, segundo a concepção tradicional, o conceito de relação
jurídica, sendo esta definida como relação entre sujeitos, quer dizer, entre o
sujeito de um dever jurídico e o sujeito do correspondente direito ou como relação
entre um dever jurídico e o correspondente direito. Dizer que dever e direito se
correspondem significa que o direito é um reflexo do dever, que existe uma relação
entre dois indivíduos dos quais um é obrigado a uma determinada conduta em
face do outro.
Uma relação jurídica entre dois indivíduos, melhor, entre a conduta de dois
indivíduos determinada por normas jurídicas, existe no caso de um direito
subjetivo no sentido específico da palavra, quer dizer: quando a ordem jurídica
confere ao indivíduo, em face do qual um outro está obrigado a conduzir-se de
determinada maneira, o poder jurídico de, através de uma ação, iniciar um
processo que conduzirá à norma individual, a estabelecer pelo Tribunal, pela qual
é ordenada a sanção prevista pela norma geral e a dirigir contra o indivíduo que se
conduz contrariamente ao dever. Neste caso existe uma relação jurídica entre o
indivíduo dotado deste poder jurídico e o indivíduo obrigado.
Por fim, Kelsen aborda a questão do sujeito jurídico (pessoa), e diz que este,
segundo a teoria tradicional, é aquela pessoa sujeita a um dever jurídico ou a uma
pretensão ou titularidade jurídica. Aqui, deve-se ter em conta que a afirmação de
que um indivíduo é sujeito de um dever jurídico, ou tem um dever jurídico, nada
mais se significa senão que uma determinada conduta deste indivíduo é conteúdo
de um dever pela ordem jurídica estatuído. Na seqüência, Kelsen define, segundo
a teoria tradicional, e sob o seu ponto de vista, o conceito de pessoa física (homem
enquanto sujeito de direitos e deveres – teoria tradicional; e como “portador” de
direitos e deveres jurídicos, podendo funcionar como portador de tais direito e
deveres não só o indivíduo, mas também outras entidades – definição de Kelsen),
de pessoa jurídica (corporação), a pessoa jurídica como sujeito agente (capaz de
exercer direitos e suportar obrigações), a pessoa jurídica como sujeita de deveres e
direitos (quando figuramos a corporação como pessoa atuante (agente), mas
também quando a representamos como sujeito de deveres e direitos, entendendo
por “direito”, na esteira do uso tradicional da linguagem, não apenas um direito
subjetivo no sentido técnico da palavra, no sentido de poder jurídico, portanto,
mas também uma permissão positiva.
Em seguida, Kelsen aborda a questão da pessoa jurídica como conceito auxiliar da
ciência jurídica. Aqui ele ressalta que quando se diz que a ordem jurídica confere a
um indivíduo personalidade jurídica torna a conduta de um indivíduo conteúdo de
deveres e direitos, e que é a ciência jurídica que exprime a unidade destes deveres
e direitos no conceito de pessoa física, conceito do qual nos podemos servir, como
conceito auxiliar, na descrição do direito, mas do qual não temos necessariamente
de nos servir, pois a situação criada pela ordem jurídica também pode ser descrita
sem recorrer a ele.
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 Por fim, Kelsen termina este capítulo afirmando que deve-se superar o dualismo
de Direito no sentido objetivo e Direito no sentido subjetivo. Neste sentido são
suas palavras: “A Teoria Pura do Direito” afasta este dualismo ao analisar o
conceito de pessoa como a personificação de um complexo de normas jurídicas, ao
reduzir o dever e o direito subjetivo (em sentido técnico) à norma jurídica que liga
uma sanção a determinada conduta de um indivíduo e ao tornar a execução de
sanção dependente de uma ação judicial a tal fim dirigida; quer dizer:
reconduzindo o chamado direito em sentido subjetivo ao Direito objetivo”.
CAPÍTULO V - DINÂMICA JURÍDICA
O FUNDAMENTO DE VALIDADE DE UMA ORDEM NORMATIVA:
NORMA FUNDAMENTAL;
a) Sentido da questão relativa ao fundamento de validade;
Kelsen inicia este capítulo ressaltando que o fundamento de validade de uma
norma apenas pode ser a validade de uma outra norma. Neste sentido, uma norma
que representa o fundamento de validade de uma outra norma é figurativamente
designada como norma superior, por confronto com uma norma que é, em relação
a ela, a norma inferior. Tal norma superior confere à personalidade legiferante
“autoridade” para estatuir normas. O fato de alguém ordenar seja o que for não é
fundamento para considerar o respectivo comando como válido, ou seja, para ver
a respectiva norma como vinculante em relação aos seus destinatários. Apenas
uma autoridade competente pode estabelecer normas válidas; e uma tal
competência somente se pode apoiar sobre uma norma que confira poder para
fixar normas.
No entanto, a indagação sobre o fundamento de validade de uma norma não pode
perder-se no interminável. Tem de terminar numa norma que se pressupõe como
a última e a mais elevada. Como norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta,
visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se
fundar numa norma ainda mais elevada. A sua validade já não pode ser derivada
de uma norma mais elevada, o fundamento da sua validade já não pode ser posto
em questão. Tal norma será designada aqui como norma fundamental
(Grundnorm).
b) Princípio estático e princípio dinâmico;
Para Kelsen é possível distinguir dois tipos diferentes de sistema de normas: um
tipo estático e um tipo dinâmico. As normas de um ordenamento do primeiro tipo,
quer dizer, a conduta dos indivíduos por elas determinadas, é considerada como
devida (devendo ser) por força de seu conteúdo: porque a sua validade pode ser
reconduzida a uma norma cujo conteúdo pode ser subsumido o conteúdo das
normas que formam o ordenamento, como o particular ao geral. Neste contexto,
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Kelsen destaca que um sistema de normas cujo fundamento de validade e
conteúdo de validade são deduzidos de uma norma pressuposta como norma
fundamental é um sistema estático de normas, e o princípio segundo o qual se
opera a fundamentação da validade das normas deste sistema é um princípio
estático.
Já o sistema de normas do tipo dinâmico é caracterizado pelo fato de que a norma
fundamental pressuposta não ter por conteúdo senão a instituição de um fato
produtor de normas, a atribuição de poder a uma autoridade legisladora, ou uma
regra segundo que prescreve como devem ser criadas as normas gerais e
individuais do ordenamento fundado sobre esta norma fundamental.
Kelsen frisa ainda que o princípio estático e o princípio dinâmico estão reunidos
numa e na mesma norma quando a norma fundamental pressuposta se limita,
segundo o princípio dinâmico, a conferir poder a uma autoridade legisladora e
esta mesma autoridade ou uma outra por ela instituída não só estabelecem
normas pelas quais delegam noutras autoridades legisladoras, mas também
normas pelas quais se prescreve uma determinada conduta dos sujeitos
subordinados às normas e das quais podem ser deduzidas novas normas através
de uma operação lógica.
O FUNDAMENTO DE VALIDADE DE UMA ORDEM JURÍDICA;
Kelsen informa que o sistema de normas que se apresenta como uma ordem
jurídica tem essencialmente um caráter dinâmico. Sendo assim, uma norma
jurídica não vale porque tem um determinado conteúdo, mas porque é criada por
uma forma determinada – em última análise, por uma forma fixada por uma
norma fundamental pressuposta. Por

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