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PROCESSO LEGISLATIVO - 2022

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******ebook converter DEMO Watermarks*******
FÁBIO ALEXANDRE COELHO
PROFESSOR DO CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BAURU – ITE
GRADUAÇÃO, MESTRADO E DOUTORADO
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PROCESSO LEGISLATIVO
FÁBIO ALEXANDRE COELHO
3ª EDIÇÃO – 2022
 
Todos os direitos reservados
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SUMÁRIO
 
 
 
O DIREITO
A conduta humana e o Direito
A necessidade do Direito
O Estado e o Direito
A evolução na disciplina do comportamento humano
Mecanismos para o controle da atividade legislativa
As normas jurídicas como forma de exteriorização do Direito
A produção do Direito
PODER E PRODUÇÃO JURÍDICA
O significado de poder
Desenvolvimento e limitação do poder
Teorias voltadas à limitação do poder
SEPARAÇÃO DE PODERES
A separação de poderes
A contribuição de Montesquieu
Os exemplos americano e francês
A quebra do princípio da separação de poderes
A separação de poderes e a Constituição
A rigidez na separação de poderes
Funções típicas e atípicas de cada poder
A titularidade do poder de legislar
O EXERCÍCIO DO PODER DE LEGISLAR
O poder de legislar em Atenas e Roma
A estrutura de poder a partir da Idade Média
Mecanismos para o controle da atividade legislativa
PODER LEGISLATIVO
O Poder Legislativo no contexto da separação de poderes
A função primordial do Poder Legislativo
A atuação do Poder Legislativo brasileiro
Poder Legislativo e estatalidade do Direito
REPRESENTAÇÃO POPULAR
O poder político
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O titular do poder político
Poder político e ordenamento jurídico
As doutrinas contratualistas e a representação popular
A democracia representativa
A representação como mandato
Formas de participação popular no processo legislativo
FUNÇÃO LEGISLATIVA
A elaboração legislativa na antiguidade
A evolução da elaboração legislativa a partir da Idade Média
Estado e função legislativa
LEI
Os diversos sentidos que a lei pode possuir
O surgimento da atividade legislativa
Características da lei
Lei em sentido formal e material
Leis de efeitos concretos e de efeitos gerais
A lei como expressão da vontade do Estado
A lei como um conjunto de preceitos
A lei como poder ou forma de controle social
A submissão às leis
Estado legal e Estado democrático
As leis numa federação
O CONTEÚDO DA LEI
Doutrinas a respeito do conteúdo das leis
A influência dos fatores sociológicos sobre as leis
A relação entre o conteúdo das leis e a Constituição
ASPECTO NORMATIVO
Possíveis diferenças entre lei e norma
A recepção e a delegação da produção jurídica
NORMAS DE CONDUTA E DE ESTRUTURA
Normas de conduta e de estrutura
A importância das normas de estrutura
A conduta humana como objeto da norma
As normas de estrutura e o processo legislativo
FEITURA DAS LEIS E PROCEDIMENTO
Produção jurídica e procedimento como elementos inseparáveis
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Estado democrático de direito e processo legislativo
O procedimento de elaboração legislativa e a Constituição
A necessidade das formas
Os diferentes procedimentos existentes
O PROCESSO LEGISLATIVO
Significado
Sentido amplo e restrito da expressão
A ordenação e a unidade do processo legislativo
Princípios e regras que integram o processo legislativo
PROCESSO LEGISLATIVO E JUDICIAL
Processo e procedimento
Processo judicial
Processo legislativo
A observância das formas processuais
CONDIÇÕES PARA O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE
LEGISLATIVA
Fatores que influenciam a atividade legislativa
Limitações impostas à atividade legislativa pelos princípios
VALIDADE DO PROCESSO LEGISLATIVO
A validade do processo legislativo
A relação entre processo legislativo e validade
Validade formal e material
ASPECTOS JURÍDICOS E SOCIOLÓGICOS DO PROCESSO
LEGISLATIVO
O processo legislativo sob o enfoque jurídico
A análise sociológica do processo legislativo
Importância jurídica e sociológica do processo legislativo
TÉCNICA LEGISLATIVA
Conceito
Importância da técnica no processo legislativo
A construção do processo legislativo
A observância da técnica no processo legislativo
A influência do direito positivo na técnica legislativa
A técnica legislativa como processo
PROCESSO LEGISLATIVO E CONSTITUIÇÃO
Limites à atividade legislativa
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As tentativas para evitar o controle do processo legislativo
O processo legislativo como técnica de controle
As inconstitucionalidades do processo legislativo
CONSTITUCIONALIDADE DO PROCESSO LEGISLATIVO
O controle de constitucionalidade e as constituições rígidas
A constitucionalidade como problema de validade
Exercício do controle de constitucionalidade
CONSTITUIÇÃO E PROCESSO LEGISLATIVO
A existência de limites
Limites formais e materiais
A relação entre limites e Constituição
O DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO
A origem da garantia
O devido processo formal
O devido processo material
Alcance da garantia
Princípios do processo legislativo e devido processo legal
O PROCESSO LEGISLATIVO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
A estrutura do processo legislativo na Constituição de 1988
Procedimento legislativo das emendas à Constituição
O processo legislativo das leis complementares e ordinárias
Medidas provisórias
Aumento da despesa nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da
República
Discussão e votação dos projetos de iniciativa do Presidente da República,
do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores
A urgência nos projetos apresentados pelo Presidente da República
A tramitação do projeto de lei aprovado por uma das Casas
Sanção e veto
O projeto de lei rejeitado
Leis delegadas
Leis complementares
Decretos legislativos e resoluções
QUESTÕES INTERNA CORPORIS E PROCESSO LEGISLATIVO
Atos interna corporis
Discricionariedade dos atos interna corporis
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Apreciação judicial dos atos interna corporis
Inconstitucionalidade e ilegalidade dos atos interna corporis
O PROCESSO LEGISLATIVO DOS ESTADOS-MEMBROS
O exercício do poder legislativo no Estado federal
A influência do federalismo no processo legislativo
O processo legislativo estadual na visão do Supremo Tribunal Federal
REDAÇÃO, ALTERAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS
O parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal
A lei complementar nº 95/98
A disciplina da elaboração legislativa nos Estados
A elaboração legislativa no Estado de São Paulo
BIBLIOGRAFIA
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O DIREITO
 
 
 
 
A conduta humana e o Direito
O estabelecimento de preceitos voltados para o controle da conduta
é um dos elementos que caracterizam a cultura humana, decorrendo,
particularmente, do fato de o homem viver em sociedade.
Realmente, o ser humano não vive isolado, mas em contato com
seus semelhantes. É possível inclusive afirmar que a tendência para viver
em sociedade faz parte da natureza humana (homo est naturaliter
politicus, id est, socialis = o homem é, por natureza, político, isto é, social)
[1], embora a sociabilidade seja utilizada para que os homens, conjugando
esforços, superarem suas limitações. Assim, por necessitar de integração
social, o homem troca experiências, relaciona-se e busca bens e serviços
fornecidos pela sociedade[2].
Em razão da sociabilidade, em qualquer agrupamento humano,
independentemente de seu estágio de desenvolvimento, observa-se a
presença de normas disciplinando a vida em comunidade, por meio do
controle do comportamento de seus integrantes[3]. Por isto, as sociedades
humanas são normativas, visto que o homem não pode sobreviver sem um
mínimo de regras, estabelecidas em prol do interesse geral[4].
A disciplina da conduta humana ocorre com o intento de assegurar
a coexistência das liberdades individuais. Deste modo, se o homem vivesse
isolado jamais discutiríamos a presença de regras voltadas para o
controle do seu comportamento. Contudo, como vivemos em conjunto
com outros homens, os nossos atos os afetam e somos, do mesmo modo,
atingidos pelos atos por eles praticados. Sendo assim, não há como deixar
de estabelecerregras acerca da forma como os homens devem se
conduzir[5].
Apenas por utopia poderíamos imaginar que os homens, de comum
acordo, num regime de absoluta liberdade e igualdade, estabeleceriam
situações ideais de comportamento humano, limitando suas pretensões e
ajustando seus deveres[6].
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O controle da conduta, por meio da fixação de regras, surge, assim,
da necessidade de conjugar os interesses individuais com a vida em
sociedade. É, em suma, fruto da coexistência humana, sendo um elemento
indispensável para discipliná-la[7].
Se não existissem regras disciplinando a vida em sociedade
poderiam surgir conflitos que levariam ao fim das formas associativas
ou a imposição da vontade de algum ou alguns dos integrantes do
grupo social.
Desse modo, é imprescindível estabelecer como o homem deve se
comportar em determinadas situações (mínimo ético). Para tanto, são
estabelecidas regras de convívio, que, num contexto amplo, integram o
Direito.[8]
Em sua origem,
“a palavra direito é oriunda do latim directum, particípio passado de
dirigere (dirigir, [co]mandar); procede de regere (reger, governar),
verbo que, por sua vez, vem da raiz sânscrita rgu ou rj (conduzir),
identicamente a rgugu (honesto, honrado), mais o prefixo di,
originário das raízes dh e dhr, que dão ideia de firmeza, estabilidade.
Em latim, direito se diz ius, expressão que pode vir de iuvare
(ajudar) ou de Iovis, o deus que determinava os homens; pode vir
ainda de iugum reor (impor), ou de iubere (mandar), ou de iustitiam,
iustum (o que é devido ou se opõe como argumento). No latim, pois,
a possível raiz sânscrita seria iu, que traduz ideia de vínculo,
ligadura, amarração[9].”
É em decorrência do exposto que todas as conceituações de Direito
caminham no sentido de ressaltar a existência de comandos que
vinculam os homens, com a intenção de direcionar a conduta humana para
permitir a vida em sociedade.
Em especial, o legislador preocupa-se com o interesse geral, ou bem
comum, já que representa a finalidade primordial do Direito, que não existe
por si mesmo, mas sim com o intuito de propiciar o bem-estar da
coletividade, possuindo, assim, valor instrumental.
A necessidade do Direito
Como abordado inicialmente, a vida em sociedade seria impossível
sem a existência de um mínimo de regras para disciplinar a conduta de
seus integrantes, já que o comportamento individual ou coletivo dos seus
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membros pode interferir na esfera de interesses de terceiros, gerando um
conflito.
O conflito surge quando há um choque de interesses. Este, por sua
vez, precisa ser disciplinado, pois pode “acontecer que a posição favorável
à satisfação de uma necessidade, em vez de implicar, exclua a posição
favorável à satisfação de uma outra necessidade. Esta possibilidade deriva
da limitação dos bens relativamente às necessidades”[10].
Portanto, as leis existem também para evitar que os conflitos de
interesses ocorram, quando podemos falar na função preventiva, e
igualmente para resolvê-los, com a aplicação, na segunda hipótese, do
Direito ao caso concreto.
A necessidade de estabelecer mecanismos para a solução dos
conflitos não é desconhecida pelas sociedades, qualquer que tenha sido o
momento histórico de sua formação, tendo em vista que o homem sempre
procurou disciplinar a vida em sociedade, estabelecendo as condutas
proibidas e permitidas[11], uma vez que para possibilitar a vida em comum
muitas vezes é necessário restringir a liberdade das pessoas por meio de
normas.
Realmente, a própria liberdade humana deixaria de existir se todos
os homens estivessem dispensados de seguir as leis. Por esta razão, a
liberdade se encontra vinculada à ordem, pois caso contrário
desaparecia[12].
O direito exerce, portanto, dentro da sociedade, a importante
função de conciliar os interesses divergentes[13]. Ou seja, sem a restrição
da conduta dos integrantes da sociedade não há como garantir sua
conservação e progresso. A restrição é, assim, uma necessidade que emerge
da simples observância dos fatos. Deste modo, é inerente à vida em
sociedade que a conduta humana sofra limitações, sendo que o mecanismo
utilizado para alcançar este objetivo são as normas jurídicas[14].
Em outras palavras, o Direito limita a liberdade de ação dos
homens, que não pode ser absoluta, por ser exercida dentro da sociedade,
onde é necessária a conciliação dos diversos interesses existentes.
Assim, a função das normas é assegurar as condições necessárias
para a vida em comum, pois possibilitam o desenvolvimento individual e
coletivo das virtualidades, além de permitir a consecução e gozo das
necessidades materiais[15].
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A abolição das leis, sejam elas civis ou religiosas, torna a vida em
sociedade impossível. De fato, como relata Tocqueville[16], na Revolução
Francesa, em razão da queda das leis civis e religiosas, o homem perdeu o
equilíbrio, tendo surgido revolucionários que fizeram sua audácia chegar até
a loucura, fato que provocou abalos na sociedade, tornando necessário o
estabelecimento, de imediato, de mecanismos para conter a conduta
humana.
Se não bastassem os argumentos levantados a favor da atividade
legislativa, há ainda a questão da segurança jurídica que a lei oferece ao
disciplinar determinada conduta. Por isto, é comum a defesa da lei sob essa
ótica, aduzindo-se que sua ausência produz a insegurança jurídica, ao
tornar instáveis as relações jurídicas, deixar incerta sua natureza e trazer
dúvidas a respeito dos direitos subjetivos, o que leva à intranquilidade e fim
do sossego dos cidadãos[17].
Entretanto, embora a necessidade do direito manifeste-se em
simples atos de nosso cotidiano[18], muitas vezes sequer paramos para
pensar na influência por ele exercida e na importância de conhecê-lo
melhor, inclusive no que se refere ao seu processo de produção.
Portanto, além do elemento objetivo, representado pelo fato de que
a existência de regras jurídicas acompanha a vida em sociedade, será
importante descobrir quais são os fatores que interferem na produção
legislativa.
Em resumo, se o direito é tão importante para a vida em sociedade,
é necessário criar meios para controlar sua produção, protegê-lo e
garantir sua aplicação, embora o último aspecto esteja ligado mais
propriamente ao direito processual e à jurisdição[19].
O Estado e o Direito
Inicialmente faremos breves considerações a respeito do Estado,
tendo em vista que ao levar em consideração sua existência e papel
dentro da sociedade é que se organiza a atividade de elaboração
legislativa.
No que se refere à origem do Estado, ponto de partida obrigatório
para nosso estudo, há três teorias relacionadas ao seu surgimento que
podem ser tidas como as mais importantes. São elas:
1ª Complexidade da vida em sociedade;
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2ª Fortalecimento do governante e, consequentemente,
transformação do costume em lei;
3ª Surgimento de sociedades políticas altamente desenvolvidas.
Para a primeira teoria, a da complexidade da vida em sociedade, a
origem do Estado está relacionada à complexidade da vida social. O seu
núcleo baseia-se na afirmação de que a existência de sociedades mais
complexas leva, inexoravelmente, ao surgimento do Estado.
No que concerne à segunda teoria, fundada no fortalecimento do
governante e na substituição do costume pela lei, sustenta que o Estado
surge do aumento da autoridade do governante, com a transformação do
costume em lei. Aduz ainda que a necessidade de disciplinar as relações
sociais de maneira duradoura foi necessária para garantir o poder dos
governantes, sendo que um dos meios utilizados correspondeu à
organização do poder, com a criação do Estado.
Quanto à última teoria, atrelada ao desenvolvimento das
sociedades políticas, aponta o final da Idade Média como o período em que
surge o Estado. Em especial, liga o advento do Estado às sociedades
políticas altamente desenvolvidas que surgiram nesse período.
Como severifica, em última análise, todas as teorias que justificam
a existência do Estado podem ser reduzidas à necessidade de criação de
uma estrutura jurídica apta a satisfazer os interesses de sociedades
mais complexas, que demandam, por isso, melhor organização, por se
basearem em numerosas relações de interdependência ou de subordinação,
e, deste modo, precisar de demarcações precisas e formais[20].
Quanto à relação entre o Direito e o Estado, cumpre observar, “de
acordo com Bluntschli, que a lei é a expressão mais elevada, a mais
eminentemente política do direito, sua fórmula a mais refletida e a mais
pura. Todo o Estado fala por sua voz e fixa assim o direito, revestindo-o de
sua autoridade. A consciência e a vontade do Estado formam na mesma um
corpo visível. A lei é o verbo perfeito do Direito”[21]. Logo, o vínculo que o
Estado mantém com o Direito é firmado pela lei.
A evolução na disciplina do comportamento humano
Embora a atividade legislativa esteja concentrada modernamente no
Estado, no curso da história a situação se apresentou de maneira diversa, já
que o Direito é anterior ao surgimento do próprio Estado, a quem
estrutura por meio de normas jurídicas[22].
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Assim, antes mesmo de o homem sair dos arredores da caverna na
busca de seu sustento e escolher seu chefe militar e temporário,
manifestação primária da figura do Estado, já havia meios de limitação do
comportamento humano.
No início, o homem comportava-se em funções dos hábitos e
imitações, os primeiros colhidos de seus semelhantes e os últimos dos
animais, o que acabou dando origem, em razão da repetição, aos
costumes[23].
O costume é assim a única forma de manifestação de regras de
conduta nas sociedades primitivas, confundindo-se com a maneira de agir,
sentar e comer de um povo. Além disso, as leis consuetudinárias eram
homogêneas e não apresentavam diferenciação em relação às leis religiosas,
morais e o direito propriamente dito. Contudo, já é possível identificar que
o Direito começa a ser elaborado para se sobrepor às demais ordens[24],
principalmente por seu aspecto racional.
Quanto às primeiras normas jurídicas, estavam fundadas em
critérios religiosos. Por esta razão, não havia procedimento próprio para a
feitura das leis, sendo que o chefe religioso era também o responsável pelas
atividades políticas e legislativas. Além disso, as leis eram consideradas
divinas, e o poder de legislar, como ocorreu na antiga Mesopotâmia, era
exercido pelos reis, tidos como os eleitos pelos deuses[25].
No que concerne à procedência divina das leis, o Código de
Hamurabi, codificação mesopotâmia, traz um preâmbulo com justificativa
sobrenatural, que bem espelha essa visão, conforme transcrição que se
segue:
“Quando o alto Anu, Rei de Anunaki e Bel, Senhor da Terra e dos
céus, determinador dos destinos do mundo, entregou o governo de
toda a humanidade a Marduc; quando foi pronunciado o alto nome
de Babilônia; quando ele a fez famosa no mundo e nela estabeleceu
um duradouro reino cujos alicerces tinham a firmeza do céu e da
terra – por esse tempo Anu e Bel me chamaram, a mim Hamurabi, o
excelso príncipe, o adorador dos deuses, para implantar justiça na
terra, para destruir os maus e o mal, para prevenir a opressão do
fraco pelo forte, para iluminar o mundo e propiciar o bem-estar do
povo. Hamurabi, governador escolhido por Bel, sou eu; eu o que
trouxe a abundância à terra; o que fez obra completa para Nippur e
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Durilu; o que deu vida à cidade de Uruk; supriu água com
abundância aos seus habitantes; o que tornou bela a cidade de
Brasíppa; o que enceleirou grãos para a poderosa Urash; o que
ajudou o povo em tempo de necessidade; o que estabeleceu a
segurança na Babilônia; o governador do povo, o servo cujos feitos
são agradáveis a Anuit[26]”.
Havia, portanto, perfeita identificação entre o direito e a vontade
dos deuses. Considerava-se, inclusive, que o direito tinha a mesma origem
do homem: o poder criador dos Deuses. Desta forma, o direito também
seria algo dado pelos Deuses, fazendo, assim, parte da criação divina[27].
Por força do aspecto divino, defendia-se a imutabilidade das leis,
conforme podemos verificar na seguinte passagem do epílogo das leis
estabelecidas por Hamurabi:
No futuro, através das gerações vindouras, que o rei deste tempo
observe as palavras de justiça que escrevi no meu obelisco; que ele
não altere a lei que dei a esta terra, os éditos que redigi, e que meu
obelisco não fique no esquecimento. Se tal governante tiver
sabedoria e for capaz de manter a ordem nesta terra, ele deverá
observar as palavras que tenho escrito nesta inscrição; as regras,
estatutos e leis da terra que me foram dadas; (...).
Na Grécia clássica – particularmente na cidade-estado Atenas –
também não havia separação entre religião e Estado. A pólis grega
assegurava aos cidadãos as leis jurídicas, morais e religiosas. Esta disciplina
buscava fazer com que os cidadãos agissem adequadamente.
De acordo com a concepção da época, era a pólis que permitiria a
formação integral do cidadão, tornando-o apto a viver na comunidade
política[28]. Entretanto, a forte noção de comunidade política permitiu aos
gregos o desenvolvimento de regras sobre o poder político, sendo
necessário ressaltar, inclusive, que, em determinado período histórico, as
leis eram elaboradas pelos próprios cidadãos em assembleias populares[29].
Além disso, por influência dos filósofos gregos, não havia separação entre
os campos ético e jurídico. A filosofia sustentava, no entanto, a prevalência
da moral, como ciência geral das ações humanas, sobre o direito,
considerado mera parte da atividade humana[30].
A filosofia grega exerceu, no entanto, importante função em relação
à atividade legislativa, pois os debates envolvendo a liberdade, a política e a
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ética atingiram as leis. Assim, questões relacionadas à feitura das leis, sua
necessidade, mudanças etc., passaram a frequentar as cogitações filosóficas
em razão dos gregos abandonarem a ideia de que as leis são frutos
exclusivos dos deuses ou das tradições[31].
Posteriormente, quando a lei positiva alcança o centro do debate
filosófico, afasta-se por completo a existência e modificação das leis da
vontade divina[32].
A laicização foi aberta por filósofos como Epicuro, cuja ideia de
prevalência da razão sobre a religião é claramente representada no
seguinte trecho:
‘“Houve uma época em que a vida de um homem era desregrada,
selvagem e estava à mercê da força. Nenhuma recompensa vinha do
bem e nenhum castigo, do mal. Creio que foi então que os homens
imaginaram leis para castigar o pecador, de modo que a justiça
pudesse exercer igual domínio sobre todos e frustrar a violência.
Assim, o pecador era castigado. Mas posteriormente observou-se que
as leis só atingiam a violência manifesta, enquanto o crime oculto
escapava. Foi então que algum homem mais inteligente do que seus
pares inventou o medo dos deuses, para que os homens temessem as
consequências até mesmo dos seus feitos, palavras e pensamentos
secretos. Nasceu a religião, ensinando que existe um Ser
sobrenatural, imortal, dotado do poder de perceber tudo o que é dito
e feito. Mesmo o ato planejado em segredo lhe é conhecido. Essa
ficção foi recebida com prazer e seu autor continuou localizando a
residência dos deuses no céu, de onde os homens esperavam que
tombem as bênçãos e os desastres; de onde vêm o trovão e o
relâmpago; lá se vê a face estrelada da noite na qual as estações e as
horas são lidas; ali nasce a estrela matutina, dali caem as chuvas.
Nosso descobridor assediou a humanidade com esse medo,
escolhendo uma residência conspícua para o deus que
brilhantemente imaginara, esmagando a anarquia pelas leis. Creio
que foi assim que ele convenceu os homens a aceitarem a raça dos
deuses’ (Diels-Kranz, Fragmente der Vorsokratiker)”[33].
A lei passa, então, a ser um assunto humano. Sua validade,
portanto, já não decorre da revelaçãodivina e, do mesmo modo, sua
elaboração passa a ser reputada uma atividade humana, voltada para
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assegurar a melhor sorte dos homens, dos quais dependia para qualquer
mudança[34].
Ocorre, assim, a laicização do direito, permitindo que surja uma
fenda entre o direito dos deuses e o direito dos homens, fato que servirá
como caminho para o desenvolvimento da cultura clássica[35].
Da mesma forma, o legado romano é também importantíssimo,
visto que o Direito, como ciência, surgiu dos estudos romanos, por meio da
análise lógica dos fatos sociais, que se tornaram objeto de conhecimento
positivo e foram submetidos a categorias lógicas[36], como expresso na
seguinte passagem do Digesto: [D.1.5.2 Hermogenianus libro primo iuris
epitomarum] “Como, portanto, todo direito é constituído por causa dos
homens, nós declaramos ter seguido a ordem do edito perpétuo,
primeiramente com o status das pessoas e depois os outros, aplicando os
títulos próximos e os conjugados a estes conforme comporte a matéria”[37].
Todavia, em Roma, local de nascimento das bases do direito atual
dos países de tradição romanística, inicialmente não havia separação
entre Direito e moral. A distinção foi feita pelo jurisconsulto Paulo quando
apontou que nem tudo que é lícito é honesto (non omne quod licet honestum
est) e que há fatos admitidos pelo Direito e repelidos pela Moral, o que
demonstra que são campos distintos de disciplina da conduta humana[38].
Com o tempo, a distinção entre direito e religião passou a ser
reconhecida pelos romanos, que separavam o jus, domínio dos homens,
que abrangia os fatos permitidos pela cidade e o fas, reinado de Deus,
correspondente às condutas permitidas pela Religião[39]. Isto ocorreu, em
especial, em virtude do surgimento do cristianismo em Roma.
Deveras, embora perseguida no início, a religião cristã foi
lentamente sendo permitida, até que, em 313 d.C., por intermédio do Édito
de Milão, o imperador Constantino reconheceu o cristianismo e as demais
religiões, dando aos cristãos liberdade para seguir sua religião. Antes havia
uma simples tolerância religiosa.
Surgiram, assim, dois campos distintos: o religioso e o civil.
Todavia, paulatinamente começam a se estreitar as relações entre a
religião e o Império, até chegar ao ponto em que o Estado passa a controlá-
la, transformando o cristianismo em religião oficial do Império Romano,
notadamente por influência do imperador Teodósio (381-391), por meio do
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Édito de Tessalônica. Em consequência, surgiu o Cesaropapismo, que
correspondeu ao controle do governo civil sobre a religião.
O imperador assumiu, assim, o posto de chefe máximo da Igreja,
forçando seus integrantes a servi-lo. Com isto, ocorreu o fortalecimento do
poder do imperador, que passou a dominar os campos laico e religioso,
adquirindo assim poderes ilimitados, fato que levou ao totalitarismo,
fundado na origem divina do poder, e permitiu o total controle da Igreja[40].
Em 476 d.C., com a queda do Império Romano do Ocidente, novos
reinos bárbaros passam a governar a Europa, produzindo a ruína das
estruturas montadas pelo Império Romano.
Todavia, a Igreja Católica conseguiu sobreviver à queda do Império
Romano e o Papa ampliou cada vez mais o seu poder, o que ocorreu
principalmente com Gregório VII, papa entre 1073 e 1085, que eliminou o
poder dos reis e imperadores para nomear e investir os clérigos da Igreja.
Com a centralização do poder da Igreja, ele passa a ser absoluto,
ficando afastada qualquer interferência do poder temporal[41]. No entanto, o
Imperador do Sacro Império Romano Germânico Henrique IV contestou a
posição assumida pela igreja, fazendo com que surgisse um novo conflito
envolvendo os poderes temporal e espiritual, resolvido com o advento da
Concordata de Worms, firmada em 1122.
A contestação ao poder da igreja era baseada na alegação de que
todo poder decorre de Deus, não podendo existir qualquer intermediário
entre o monarca e Deus. Dentro deste contexto, colocou-se Dante, para
quem “só Deus elege, só Deus confirma, nada existe supremo [a não ser
Deus]”[42].
Entrementes, como o poder espiritual ainda convivia com o
temporal, surgiram novos atritos entre eles. Assim, no intuito de eliminá-
los, o Papa Gelásio I elaborou no final do século V a doutrina das duas
espadas ou autoridades, baseada no entendimento de que a sociedade era
regida por duas jurisdições separadas: a temporal ou secular e a espiritual,
ambas provenientes de Deus. Deste modo, sob o aspecto legislativo
existiam as leis seculares e espirituais, as primeiras voltadas para o bem-
estar dos súditos dos imperadores e as segundas para a salvação dos seres
humanos.
Num sentido amplo, na Idade Média – séculos VII a XIV – o
domínio sobre os homens era exercido pelos senhores feudais, pela Igreja,
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pelo Império Romano no Oriente e pelos árabes, os últimos principalmente
em razão de suas conquistas. Nesta época o poder temporal encontrava-se
fragmentado. Havia pequenas unidades de dominação, representadas pelas
relações mantidas entre os senhores feudais e os vassalos. A dominação
política, no último caso, era de natureza pessoal, com centros de dominação
independentes, sofrendo mudanças no tempo e no espaço, principalmente
em razão das guerras, casamentos e heranças[43].
No aspecto político a principal característica da Idade Média é a
confusão entre o direito público e o privado, já que os senhores feudais
dominavam de forma absoluta as relações com os vassalos[44], tendo como
fonte principal para o seu poder o patrimônio. Aliás, é por isso que esse
período é considerado como de nascimento do Estado patrimonial,
embora, em realidade, as características de um verdadeiro Estado não
estivessem presentes, sobretudo em razão da falta de centralização do poder
político.
Nesse período, em razão da inexistência de um poder central e do
desprezo pela doutrina das duas espadas, surgiram novamente problemas
envolvendo a Igreja e os Impérios seculares.
Visando solucionar a controvérsia, surgiram duas concepções
diversas: o cesaropapismo e a teocracia papal. A primeira é marcada pelo
controle da igreja pelo imperador, inclusive na nomeação de bispos. Na
segunda ocorre o inverso, pois é o papa que estende o seu domínio sobre a
esfera temporal.
De qualquer forma, como na Idade Média havia um forte
misticismo, os aspectos religiosos praticamente dominavam todos os
aspectos da vida. Consequentemente, mesmo o poder dos governantes era
tido como uma graça divina, cuja função era a condução da sociedade para
o encontro de Deus e o conhecimento da verdade. Este fato permitiu que a
Igreja Católica assumisse parte do poder temporal, surgindo conflitos a
respeito da plenitudo potestatis, ou soberania, envolvendo a Igreja e os
imperadores[45].
A concepção divina do poder da Igreja encontrou fundamento na
alegação de que a fundação da cidade ou do reino deriva da criação do
mundo. Sendo assim, somente do governo divino é que poderia derivar o
governo dos homens[46]. Deste modo, o rei deveria ficar vinculado à Igreja,
pois o entendimento predominante era que a última concentraria os gládios
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espiritual e material, sendo que o primeiro deveria ser utilizado por ela e o
segundo ficaria à sua disposição[47].
Representativa da concepção divina do poder, não obstante
relacionada a um período histórico posterior, é a Bula “UNAM
SANCTAM”, de 18 de novembro de 1802, na qual o Papa Bonifácio VIII
defendeu a supremacia do poder da Igreja, dizendo, entre outras coisas,
que o poder espiritual supera em dignidade e nobreza qualquer poder
terrestre e que sobrepaira sobre o temporal.
Em razão da prevalência dos fatores religiosos, em grande parte da
Idade Média o poder da Igreja foi considerado supremo, pois se entendia
que todas as ações humanas eram conduzidas pela vontade de Deus. Logo,
contrariar o poder da Igreja representava colocar-se em oposiçãoaos
desígnios de Deus.
A vinculação do poder ao aspecto divino também atingia os
soberanos, forçados a agir de acordo com o previsto nas Sagradas
Escrituras, que eram interpretadas pelos doutores da lei (sacerdotes
católicos), que conseguiram alcançar a hegemonia social e política no
período medieval.
A primazia do fator religioso ocorreu também em razão da crença
na origem sobrenatural do poder, que permitiu que fosse defendido que
os pressupostos de limitação do poder eram transcendentes, teológicos,
estando relacionados à sua origem divina, que garantiria direitos naturais e
irrenunciáveis para o homem, limitando o legislador. Todavia, os preceitos
impostos ao legislador buscavam garantir a soberania da vontade divina,
cujos valores almejavam o bem da sociedade e não do indivíduo[48]. 
O domínio da igreja durante a Idade Média decorreu possivelmente
das condições sociais da Europa, particularmente da condição agrícola da
população, que por não entender e controlar a natureza trabalhava com
crenças sobrenaturais, venerando a Deus. Aliás, esta situação somente se
altera com o desenvolvimento da indústria e do comércio, responsáveis pelo
surgimento de uma nova mentalidade a respeito dos fatos terrenos, até
mesmo com a contestação do poder da igreja[49]. O mesmo ocorreu com a
Reforma Protestante e a revolução científica.
A revolução científica, o mesmo ocorreu com a reforma protestante,
tinha como meta a descoberta da verdade por meio da razão. Baseando-
se no cepticismo, no individualismo e na razão, essas concepções deixaram
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de aceitar passivamente a autoridade tradicional, que, desta forma, sofreu
forte contestação[50].
Com o tempo vai se consolidando a separação entre Igreja e Estado,
salvo no Oriente, pois com a fundação da religião islâmica por Maomé (570
a 632 d.c.), o Corão, livro sagrado da fé, passa a ser, para os islâmicos, o
principal elemento de disciplina de condutas. Assim, seguindo os passos de
Medina, primeiro Estado islâmico, a religião vinculou-se ao Estado e, em
consequência, as regras de conduta que teriam sido transmitidas ao profeta
Maomé passam a reger a vida dos fiéis. Com isto, os poderes espiritual e
temporal passaram a ser exercidos pelo governante. Dentro deste
contexto, o Alcorão é uma lei que se coloca acima das demais, sendo
dotado de prevalência, o que lhe permitiu o exercício da função
controladora[51]. Todavia, o reconhecimento de que o Corão é o responsável
maior pelas regras de conduta dos seguidores do islamismo não nos impede
de seguir a importante colocação de Michel Miaille de que os juristas
muçulmanos seguem ritos ou escolas determinadas para a interpretação do
Corão, que nada mais são do que construções doutrinárias que devem ser
interpretadas como a principal fonte do direito muçulmano[52].
Voltando ao estudo da situação do Ocidente, a separação entre
religião e Estado, particularmente entre Igreja Católica e Estado, ocorreu
também em razão do advento do poder absoluto dos reis.
Do mesmo modo, papel de relevo foi ocupado pelo movimento de
Reforma da Igreja Católica, defendido inicialmente por Martinho Lutero,
monge agostiniano que em 31 de agosto de 1517 afixou na porta principal
da Igreja de Wittenberg, na Alemanha, noventa e cinco teses contra os
abusos de clérigos corruptos, contribuindo para enfraquecer o poder da
Igreja Católica[53], em razão do surgimento de outras religiões baseadas no
cristianismo, e fomentar a separação entre os poderes espiritual e
temporal.
Significativo para essa alteração são também as construções
doutrinárias pregando a separação entre os poderes espiritual e
temporal, principalmente os trabalhos desenvolvidos por Guilherme de
Ockham e Marsílio de Pádua.
A título de ilustração, Marsílio de Pádua defendeu que o
estabelecimento das leis divinas e humanas deveria ser separado. A
primeira hipótese ficaria a cargo da Igreja e a segunda a cargo do príncipe.
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Para a defesa de sua posição, alegou que na Sagrada Escritura, de acordo
com as palavras de Cristo e de seus Apóstolos, o poder de legislar foi
conferido ao povo romano e ao seu Príncipe[54]. 
Com a separação dos poderes temporal e espiritual, o monarca
assume o poder pleno, ou soberano, na esfera temporal, originando o Estado
moderno, no qual a organização política anteriormente existente, fundada
em vários núcleos de poder, é substituída pela concentração do poder[55].
A partir do momento em que passou a exercer o poder de forma
absoluta, o soberano utilizou-se da lei como o único meio para
representar a sua vontade, o que garantiu que suas prescrições fossem
consideradas justas e observadas sem contestação. Com este
comportamento, reforçou-se a separação entre os campos civil e religioso,
uma vez que a lei humana ficou livre de qualquer condicionamento. Além
disso, os governantes impuseram a supremacia da lei sobre os costumes,
permitindo que a primeira viesse a afastá-los e modificá-los[56]. A força do
costume, a partir de então, sujeitou-se ao processo de formação das leis. Por
isto, somente ganhará status de fonte do Direito quando houver norma no
sistema que o qualifique como apto a produzir consequências jurídicas,
quando, então, integrará as normas de formação do sistema[57]. Deste modo,
ao ser reduzido a escrito, o costume passou a ser uma lei de origem
consuetudinária, pois se reservou ao soberano o poder de modificá-lo e
interpretá-lo[58].
Com a nova visão a respeito do papel das leis, que deixaram
também de ser consideradas responsáveis somente pela declaração do
direito, seguindo, para tanto, as normas consuetudinárias, a vontade ganha
papel de destaque. Assim, a autoridade assume o papel de produtora do
Direito e a soberania passa, então, a ser definida também como o poder de
fazer ou não fazer leis[59]. Portanto, ressurge a ideia presente no direito
romano de que “o que o príncipe quer vigora com força de lei” (quod
principi placuit legis habet vigorem).
Dessa forma, tornou-se imprescindível institucionalizar o poder,
fator determinante para o surgimento de formas de controle da
atividade legislativa, caso da separação de poderes, participação popular
na feitura das leis e imposição de limites fundados no direito natural. 
Todavia, do final do século XV até o final do século XVIII o poder
ficou livre de quaisquer condicionamentos. Fundado na concepção da
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origem divina do poder, o que novamente ligava o Direito à religião, o rei
aduzia que somente leis divinas poderiam limitá-lo. É o período do
absolutismo monárquico, que atingiu seu auge com Luís XIV, na França,
também conhecido como “Rei Sol”, uma vez que afirmava que tudo girava
ao seu redor, autor da célebre frase: “L’ETAT C’EST MOI” (o Estado sou
Eu).
O absolutismo é marcado pela publicação da obra Política
Extraída da Sagrada Escritura de Bossuet, onde se coloca em termos
claros a ligação entre o absolutismo e o direito divino, pois a legitimidade
do poder do rei decorria do fato de ser o representante de Deus na Terra. Por
conseguinte, sua autoridade encontrava fundamento divino e,
consequentemente, não poderia ser objeto de partilha[60].
Consequentemente, o exercício arbitrário do poder é a marca desse
período[61], com pequena atenuação na chamada fase do Estado de polícia,
quando ocorreu a despersonalização e objetivação do poder, sob a assertiva
de que a atividade do príncipe se basearia na representação do Estado e não
mais numa prerrogativa pessoal[62].
Em sentido contrário ao absolutismo, é desenvolvida uma
importante tentativa de limitação do Estado, sob o enfoque jurídico, com
apoio na Teoria da personalização jurídica do Estado, primeira medida
adotada para a construção do Estado de Direito. Com base em seus
fundamentos, o Estado passou a ser considerado um sujeito de direito,
assumindo direitos e deveres, assim como a fazer parte de relações
jurídicas.
Com a separação do monarca em relação ao Estado, o primeiro
passou a ser apenasum dos órgãos da pessoa jurídica Estado, cujos
direitos anteriormente existentes se transformaram em faculdades orgânicas,
previamente definidas e limitadas pela Constituição, sobretudo no intento
de assegurar um rol de direitos considerados essenciais, que se
manifestavam, em especial, na proteção da vida, da liberdade e da
propriedade.
Da mesma forma, desapareceu a justificação patrimonial ou
religiosa do poder, fundada na vontade discricionária do príncipe, pois
surgiu em seu lugar o governo da razão, no qual se manifestou a
soberania da vontade geral expressa no parlamento. Com isto, originou-se o
governo das leis e não dos homens, caracterizado pela emissão de normas
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gerais e abstratas, utilizadas como meio para garantir os direitos individuais
do homem[63].
Ilustrando a preponderância da lei, o artigo 3, do Capítulo II [Da
realeza, da Regência e dos Ministros. Seção primeira. Da realeza e do Rei],
integrante do Título III [Dos poderes públicos], da Constituição Francesa de
1791, estatui que: “Não existe na França autoridade superior à da Lei. O Rei
reina por ela e não pode exigir a obediência senão em nome da lei”.
Mecanismos para o controle da atividade legislativa
Ao longo do tempo, em especial quando o Direito, mais
especificamente a produção normativa, passou para o Estado[64], após a
consolidação da separação entre o poder espiritual e o temporal, a atividade
legislativa sofreu importantes modificações. Dentre as alterações, figuram
numa posição de destaque as que buscaram controlar o exercício da
atividade legislativa. Por este motivo, dispensaremos, na sequência, um
tratamento especial a algumas dessas mudanças.
Uma das mais importantes transformações que a atividade
legislativa sofreu diz respeito à passagem do poder para o plano terreno,
quando deixou de ser uma faculdade que provém de Deus. Houve assim o
acolhimento das ideias defendidas inicialmente pelos filósofos gregos,
embora no período clássico grego prevalecesse o entendimento de que as
leis eram permanentes por estarem ligadas a aspectos religiosos, sendo que
sua alteração necessitava da observância de formalidades religiosas e
políticas, a despeito de existirem decretos elaborados pela Ekklésia com a
função de suplementar as leis[65].
Essa primeira alteração – atividade legislativa como função humana
- está estreitamente relacionada à formação dos Estados modernos, quando
a ordem social deixou de ser simplesmente considerada como transmitida
ou vinculada a uma ordem superior de natureza religiosa, passando a
prevalecer o entendimento de que a ordem social é produzida e criada.
Contribuiu para esse novo enfoque principalmente a ideia de
soberania popular, presente na Revolução Gloriosa de 1688, na Carta de
Direitos de 1689 e nas declarações de direitos americana e francesa e que
pode ser sintetizada na ideia de que a disciplina da vida em sociedade é
fruto da vontade política[66].
Antes da separação entre os fatores religiosos e terrenos o poder era
exercido com forte influência de fatores religiosos, uma vez que sua origem
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era considerada divina. Além disso, com a secularização do poder de
legislar as leis perderam as características de permanência e
imutabilidade, como era o caso das primeiras leis mesopotâmicas, que
estabeleciam uma série de maldições humanas e divinas contra as pessoas
que se atreviam a modificar ou eliminar as leis existentes[67].
Importante também foi a passagem da lei para o plano terreno –
homem como legislador –, servindo para ressaltar que o poder de legislar,
que passou a ser enquadrado como uma atividade humana, estaria sujeito a
controles, jamais cogitados anteriormente. 
Outro aspecto relevante é a unificação da produção jurídica. No
caso, como o Estado concentrou em si todos os poderes necessários para a
disciplina da vida em sociedade, desapareceu a pluralidade de fontes
normativas, surgindo em seu lugar um só centro de emanação de normas
jurídicas. Tal fato é contribuição do absolutismo, que colocou em posição
de supremacia a lei em relação às demais fontes do direito[68].
Significativo também foi o papel das codificações, que acabaram
com a noção de pluralidade de ordenamentos e ligaram o Direito ao
Estado e à lei[69]. Estas codificações, fruto em especial da Escola da
exegese, reforçaram a ideia de monopólio do Estado na produção
legislativa, afastando qualquer função criadora do Poder Judiciário, em
razão de considerarem que todas as relações jurídicas estariam abrangidas
pelos códigos[70].
Assim, passou-se a entender que o legislador seria o responsável
por fornecer resposta para todos os problemas jurídicos por meio dos
códigos, que inclusive vinculavam o intérprete quando da análise da lei[71].
Houve, portanto, a proclamação da onipotência jurídica do
legislador, uma vez que o culto à lei e à intenção do legislador colocou o
Direito produzido pelo Estado na posição de supremacia[72]. Em
consequência, o direito passou a se identificar com a vontade da autoridade
suprema, sendo, assim, mutável no tempo.
A ideia de que o poder normativo estaria concentrado unicamente
no Estado levou, por intermédio das teorias positivistas, à consideração da
identidade entre Direito e Estado. Exemplo maior dessa visão é o
posicionamento de Hans Kelsen, para quem, no dizer de Oliveiros Litrento,
há identidade entre o Estado e o Direito, que são constituídos pelo verso e
reverso de uma mesma medalha, como elementos inseparáveis, sendo o
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primeiro o direito como atividade normativa e o segundo o Estado como
situação normativada. De qualquer forma, refletem aspectos distintos da
realidade[73]. 
Os positivistas sustentam também que o Estado é anterior ao
Direito, já que sem a presença do Estado não há como ser criado o Direito.
Merecem também realce os mecanismos que foram elaborados para
combater os abusos decorrentes da concentração do poder,
particularmente do legislativo. Aliás, essas formas de controle atingiram seu
ápice no século XIX e primeiras décadas do século XX, sendo a burguesia a
responsável principal pela mudança. 
Ocupa lugar de destaque no controle do poder a Teoria da
representação, por meio da qual a elaboração e o conteúdo das normas
jurídicas passaram a observar a visão dos liberais, fundada na defesa da
liberdade do homem em relação ao Estado, o que levou à formulação
definitiva do Estado de Direito[74].
É importante lembrar que a atividade legislativa traz em seu bojo a
disciplina de matérias referentes, por exemplo, à vida, à liberdade, à
propriedade e à segurança, que são reputadas bens jurídicos essenciais,
inclusive considerados, dentro da visão naturalista, inerentes ao homem,
como foi ressaltado na Declaração de Direitos da Carta de Virgínia,
datada de 12 de janeiro de 1776, cujo primeiro artigo ressaltou que os
homens são por natureza igualmente livres e independentes e têm certos
direitos inerentes.
Era, portanto, indispensável estabelecer formas específicas de
controle da função legislativa, sendo que foram adotadas, com este
intento, inúmeras providências, conforme visualizaremos na sequência.
Um dos primeiros meios utilizados na imposição de
condicionamentos à atividade legislativa foi a exigência de que as leis
fossem impressas ou pelo menos fosse conferida oportunidade para o
seu conhecimento[75]. Por sinal, foi determinado em Atenas que as
autoridades não teriam permissão, em nenhuma hipótese, para utilizar uma
lei não escrita[2]. Sólon, o maior legislador ateniense, por sinal, tornou
públicas todas as leis por ele promulgadas, permitindo, desta forma, o
conhecimento do direito ateniense por todos[77]. Antes dele, no entanto,
Drácon, em 621, editou leis escritas, marcadas pela severidade, válidas para
todos os cidadãos. Nestes dois exemplos estava presente a influência das
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ideias democráticas, por meio das quais se procurava afastar as decisões
arbitrárias,ditadas como expressão da vontade divina. Para tanto,
considerava-se indispensável que o nomos fosse promulgado a plena luz,
permitindo assim o conhecimento dos direitos e deveres[78].
No mesmo sentido, os plebeus, em Roma, na luta por igualdade
jurídica e política com os patrícios, reivindicaram o conhecimento das leis,
por meio da publicidade. Desta luta surge a Lei das Doze Tábuas, código
de leis voltado para a administração da justiça e que se tornou conhecido
em virtude de ter sido exposto no foro[79].
Entretanto, não se discutia ainda o conteúdo das leis, mas apenas
a sua forma. De qualquer maneira, embora aparentemente simples, a
publicidade das leis significou um grande passo para o controle do poder de
emanação de normas jurídicas.
Numa segunda fase passou-se a postular a participação do povo
na elaboração das leis. Aqui, sobretudo com justificativa nas teorias
contratualistas, afirmava-se que sendo o Estado criado pelo consenso social
não era possível deixar parte dos pactuantes de fora da feitura das leis.
Posteriormente, principiaram a ser discutidos critérios a serem
seguidos, de forma obrigatória, pelos responsáveis pela elaboração
legislativa.
Por fim, entrou em cena a discussão sobre a importância de
determinadas matérias, sendo que os debates originaram a construção
doutrinária daquilo que viria a ser chamado futuramente de primeira
dimensão dos direitos humanos, em razão da forte influência da concepção
naturalista dos direitos.
A produção das leis adquiriu, assim, condicionamentos materiais
e formais, que subsistem até nossos dias. 
Outro aspecto relevante é que dependendo da concepção ideológica
adotada pelo Estado amplia-se o espaço de emanação normativa estatal,
restringindo ou mesmo praticamente anulando a atuação dos particulares, o
que coloca em primeiro plano, mais uma vez, a necessidade de controle
sobre a atividade legislativa. Afinal, a restrição estatal diminuiu o campo, já
limitado, de autoregulamentação de relações jurídicas, obtido na esfera
privada graças à influência do liberalismo, que separou um campo das
condutas humanas da atuação normativa do Estado, gerando as chamadas
liberdades públicas.
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A liberdade, um dos lemas da Revolução Francesa, garantiu aos
particulares um campo amplo de atuação normativa. Esta liberdade, por ser
a princípio absoluta, criou enormes desigualdades na sociedade, forçando
assim o Estado a intervir para, como mencionado na Encíclica Rerum
Novarum (Leão XIII – 1891), assegurar a justiça e o bem estar individual e
social. Com isto, o Estado afastou o entendimento de que haveria uma
esfera livre de sua presença normativa.
A razão da maior ou menor presença do Estado deve ser analisada
considerando-se as peculiaridades de cada país, tema que fugiria aos
propósitos deste trabalho. De qualquer forma, acaba, em realidade, sendo
muitas vezes indiferente o fato de o Estado concentrar em si a produção
normativa ou regular um mínimo e deixar o restante para ser objeto do
campo de autonomia dos particulares, uma vez que determinadas matérias
são tidas como próprias do Estado – por exemplo: vida e liberdade -, não
se permitindo a atuação privada em sua disciplina.
Por outro lado, mesmo quando os particulares regulam suas
condutas por intermédio de meios reconhecidos ou de formas delegadas
pelo Estado, a validade das normas editadas encontra, em última análise,
fundamento no próprio direito oriundo do Estado.
Além disso, a autonomia privada, na maior parte dos países
ocidentes, principalmente nos vinculados ao sistema romano-germânico,
gira em torno de normas jurídicas gerais e abstratas previamente
elaboradas pelo Estado.
A autorregulamentação dos interesses, ou autonomia privada, é,
portanto, condicionada a parâmetros previamente fixados, significando
que as relações jurídicas disciplinas pelos particulares no campo da
autonomia privada são produtoras de normas jurídicas de segundo grau, já
que derivadas de outras normas já existentes no sistema jurídico. 
Deve ser lembrado ainda que, embora o direito tenha sido o
responsável pela própria criação do Estado, pode haver uma liberdade tão
grande na elaboração de normas que se torne, na prática, imprescindível
estabelecer condicionamentos para a atuação normativa, principalmente
em relação ao conteúdo, processo de elaboração e responsáveis por sua
edição, já que pensar de outra forma implicaria reviver a ideia de que o
Direito, por ser fruto da atividade estatal, deve ficar livre de qualquer
controle.
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É exatamente para combater a liberdade sem limites que Ángel
Latorre afirma que a vontade do Estado nada mais é do que a das pessoas
ou grupos que em determinado momento histórico exercem o poder. Por
essa razão também é que não se pode deixar de controlar a legislação,
sobretudo para evitar as arbitrariedades que surgiriam caso a expressão da
vontade estatal sirva para encobrir a ação de grupos que, arbitrariamente,
exercessem a atividade legislativa[80].
Concluindo, manifestamos novamente o entendimento de que a
concentração da atividade normativa no Estado não significa que não é
necessário qualquer controle. Pelo contrário, cada vez mais o controle se
faz imprescindível. Portanto, não há como deixar de conhecer o processo
legislativo e saber quais são os mecanismos que podem ser empregados
para sua fiscalização.
As normas jurídicas como forma de exteriorização do Direito
Já pudemos observar que inicialmente o direito manifestou-se por
intermédio dos costumes e de maneira oral.
A passagem da disciplina jurídica para o Estado, deixando de lado
os aspectos formais, significou a concentração do poder, que antes se
encontrava disperso em pequenos grupos ou sob o controle dos
imperadores.
No entanto, o poder do Estado não é absoluto, mas sim limitado
pelo Direito, havendo, desta forma, a autolimitação desse poder, o que o
torna um poder jurídico ou de direito e não simplesmente de fato. Por este
motivo, o próprio Estado fica a ele vinculado nos aspectos material e
formal, relacionados ao controle que a sociedade exerce sobre os
responsáveis pela edição de normas jurídicas.
Porém, como diverge a forma de exteriorização do direito conforme
estejamos frente a países de direito consuetudinário ou de formação
romano-germânica, o controle, do mesmo modo, configura-se de maneira
distinta. No primeiro caso em razão da produção decorrer dos costumes e,
no segundo, por haver um órgão específico voltado para a produção
normativa.
Ocorre, no entanto, que mesmo nos países de direito
consuetudinário há formas específicas para a exteriorização do direito e
para o controle de sua validade.
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Nos países de tradição romanística[81], o direito manifesta-se sob a
forma escrita e sua produção observa inúmeros requisitos. Há, assim,
normas jurídicas, entendida a expressão como referente à produção jurídica
a cargo do Estado, controlando a elaboração legislativa.
Assim, o Estado estabelecerá quais são as normas jurídicas
válidas, o que deve ser aferido em seu ordenamento jurídico. Para tanto, o
Direito, ao contrário do que ocorre com a moral social, estabelecerá a
maneira específica para a elaboração e conhecimento de suas normas.
Do exposto resulta que o próprio Direito é quem estatuirá acerca
das formas admissíveis para sua revelação e transformação[82].
De qualquer modo, não há como afastar a influência dos costumes
sobre a lei, mesmo nos países de tradição romanística. A razão é intuitiva.
Realmente, tendo o Direito por finalidade a disciplina da vida em
sociedade, estabelecendo os comportamentos que devem ser adotados, não
é possível ao legislador deixar de analisar os costumes existentes.
As normas jurídicas positivadas, quando alheias aos costumes,
poderão encontrar inúmeras dificuldades em sua aplicação. Em razão
deste fato, será necessário, por exemplo, prever uma sanção mais forte que
o normal para as condutas que as violem. É que o costume traz como umdos elementos a convicção de que a observância da conduta corresponde a
uma necessidade. Assim, a conduta que é disciplinada sem observar os
costumes não é dotada de tal atributo. Desta maneira, como bem observa
Dalmo de Abreu Dallari[83], é necessário que o legislador tenha em vista os
comportamentos futuros. Assim, normas que seguem os costumes terão
maior eficácia social.
Por outro lado, a imposição de novos comportamentos, salvo
quando os existentes forem inautênticos e inadequados, poderá encontrar
uma maior resistência. Aliás, o problema é mais grave quando a positivação
do Direito vai contra os costumes. Equivoca-se, portanto, o legislador que
faz abstração dos costumes.
Quanto à produção normativa no Estado brasileiro, limitando-se ao
processo legislativo positivado, tem-se a emanação de normas escritas, num
processo de elaboração predeterminado em seus traços essenciais pela
Constituição Federal. Por falar nisso, a preocupação com o processo
legislativo é tão grande que todas as Constituições brasileira disciplinaram a
atividade legislativa.
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Portanto, para que possamos conhecer as normas jurídicas, pelo
menos sob o aspecto formal, teremos que analisar as espécies legislativas
previstas, bem como o procedimento previsto para sua criação.
Por outro lado, o aspecto material, ou conteúdo das leis, não
costuma ser previamente estabelecido. O que nos é facultado, de antemão, é
dizer que determinadas matérias, aqui mais uma vez amparadas pelo direito
positivo, no caso as Constituições brasileiras, estão excluídas da esfera
legislativa, como é o caso das cláusulas pétreas[84] e há, ainda, campos
negativos e positivos de normatividade impostos pela Constituição. No
primeiro caso, impede-se o legislador infraconstitucional de violar os
dispositivos constitucionais e, no segundo, impõe-se que atue conforme as
diretrizes traçadas pelo texto constitucional. No mais, permanece em aberto
a produção normativa, sendo possível modificar a Constituição e as leis
infraconstitucionais.
A produção do direito
A relevância da participação do Estado na produção jurídica foi
descrita quando tratamos das normas jurídicas como mecanismo de
exteriorização do Direito. Sendo assim, examinaremos, a partir de agora, a
amplitude desta atividade e a participação dos particulares.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a produção jurídica sofre
alteração conforme estejamos perante um Estado liberal ou
intervencionista.
Nos países liberais é maior a participação na produção normativa
dos próprios interessados. Maior é o campo de autodisciplina das relações
jurídicas.
Em relação aos Estados de feição intervencionista, a produção do
Direito se concentra em um de seus órgãos, ficando em segundo plano a
participação dos particulares. Além disso, mesmo quando é assegurado
aos particulares que participem da produção normativa, atuam dentro de um
campo previamente delimitado, por meio de fontes reconhecidas ou
delegadas de poder.
Dizemos poder em virtude do fato de que os particulares acabam
recebendo uma parcela, embora ínfima, do poder de legislar, mesmo
que para simplesmente disciplinar a aplicação de um preceito abstrato ao
caso concreto. Consequentemente, a atuação privada encontra parâmetros -
materiais e/ou formais – que não podem ser desprezados.
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Relevante é também o fato de que a produção normativa apresenta
contornos diversos conforme os modelos criados pelo direito positivo.
Sendo assim, se o Estado adota o princípio da legalidade, num sentido
amplo, todo o trâmite legislativo está previamente disciplinado. O mesmo
ocorre com o princípio da separação de poderes que delimita o campo de
atuação de cada um dos poderes.
Em suma, são vários os limites que em tese podem existir, sendo
sua compreensão obtida, em especial, à luz do direito positivo.
Do mesmo modo, é importante saber se o direito produzido é
legítimo, encontrando suporte nos anseios da comunidade, muito embora
este aspecto seja colocado em segundo plano dentro da visão meramente
positivista, fundada na ideia de estrita legalidade, que afirma que o Direito
posto pelo Estado não pode deixar de ser observado, independentemente de
seu conteúdo. Apreciando o tema desta forma, a legalidade se opõe à
legitimidade. Com fundamento nessas colocações, declara-se, em
conclusão, que a legitimidade não pode ser aferida, pois os critérios em que
se baseia são externos ao Direito, estando ligados ao jusnaturalismo ou ao
consenso social, elementos que não podem ser concretamente
constatados[85]. Com isto, houve o esvaziamento do conteúdo da norma,
fazendo com que os problemas sociais, políticos e jurídicos fossem
desprezados, pois a neutralidade axiológica passou a ser um princípio
básico da teoria do direito[86].
Assim como o direito natural, a legitimidade expressa a tentativa
de controlar a atividade legislativa e evitar que a justiça, inerente ao
próprio Direito, seja apenas a decorrente da vontade do legislador,
sobretudo em razão dos riscos que tal postura pode representar para a
defesa dos direitos do homem.
Por falar nisso, a preocupação com a falta de legitimidade das leis
lamentavelmente veio a se concretizar, pois alguns fatos serviram para
demonstrar que não era possível limitar o Direito somente às regras
jurídicas criadas pelo poder legislativo. É o caso dos acontecimentos
ligados ao nazismo na Alemanha, quando foi necessário afastar os
princípios do juiz natural, de proibição de tribunais ad hoc e de
exceção, além do adágio nullum crimen sine lege para possibilitar o
julgamento dos crimes de guerra pelo Tribunal de Nuremberg, pois os fatos
que haviam sido praticados, principalmente o extermínio de seis milhões de
judeus, atingiram a própria civilização, não obstante a punição não
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constasse de qualquer sistema de direito positivo[87]. Assim, para assegurar a
prevalência da justiça, expressa na punição aos responsáveis pelos atos,
colocou-se à margem a ideia de que a existência do fato jurídico decorre,
implacavelmente, de uma previsão normativa que incide sobre um fato
natural ou conduta social, qualificando-os como fatos jurídicos, sendo assim
aptos a produzir efeitos no âmbito jurídico.
O cerne do problema que envolve a legitimidade consiste em
conciliar a segurança jurídica, oriunda da positivação do direito, com a
ideia de justiça, que nem sempre está presente nas normas jurídicas
positivadas. Consequentemente, a discussão nunca terá fim, embora seja
salutar para o aperfeiçoamento da ciência jurídica.
Após expormos uma síntese dos fatores que orientarão este
trabalho, faremos em seguida um apanhado a respeito da noção de poder
e da separação de poderes para, então, entrarmos propriamente nos
diversos aspectos que envolvem a atividade legislativa.
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PODER E PRODUÇÃO JURÍDICA
 
 
 
 
O significado de poder
A palavra poder pode ser examinada em diferentes aspectos.
Num sentido amplo, diz respeito à capacidade de atuar ou de produzir
efeitos. Na perspectiva social, reflete inclusive a possibilidade de o homem
determinar o comportamento de seus semelhantes.
A existência do poder, independentemente de sua origem, é
baseada na relação de sujeição ou subordinação que há entre as
pessoas[1]. Desta forma, o homem exerce em relação ao poder a posição de
sujeito e de objeto[2].
O poder está presente em todos os núcleos sociais. Trata-se, no caso
específico, do chamado poder social, que se liga à sociabilidade humana, e,
deste modo, deve ser estudado como fenômeno social[3]. De fato, o homem
vive em sociedade, não sendo comum, em situações normais, encontrá-lo
vivendo isolado. Ao contrário, o homem buscou historicamente constituir
sociedades. À propósito, bem ressalta Enrique Vescovi que o estado natural
do homem é o social, sendo despidas de fundamento as teorias que
procuram trabalhar sob a ótica de um suposto estado prévio de vida
natural[4].
Com a vida emsociedade, o homem busca alcançar o objetivo
comum, ou coletivo, chamado de bem comum, que, por sua vez, pode ser
considerado com os olhos voltados de maneira precípua para a sociedade,
quando então mencionaremos que a lei é ordenada para o bem comum (lex
est ordinatio ad bonum commune), ou reputá-lo – consoante o princípio da
utilidade defendido por Jeremy Bentham - como a soma dos vários bens
particulares. Em todas as hipóteses, entretanto, a finalidade da lei
continuará a ser a de ordenar a vida em sociedade tendo em vista o bem
comum.
 Por outro lado, as ações humanas serão direcionadas dentro da
sociedade de acordo com o objetivo almejado: o bem comum. Para tanto,
será necessário organizá-la para que o intuito visado seja atingido. Com
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isto, será preciso ordenar a conduta dos seus integrantes, o que levará ao
surgimento do poder dentro da sociedade.
O poder social decorre, por conseguinte, da necessidade de
organizar a sociedade para que as finalidades pretendidas sejam atingidas.
Nada mais é do que uma forma de controle social. Todavia, é diferente
das demais formas, tendo em vista que é a única eficaz para permitir a
existência humana no seio da sociedade[5].
O poder é tão importante para a vida social que dentro da própria
unidade familiar, considerada o menor grupo social, é possível verificar sua
existência ao longo dos tempos, seja pela preponderância do poder da mãe[6]
ou do pai, embora a maior parte dos estudiosos aponte que tenha sido detido
historicamente apenas por este último. Entretanto, para este estudo o que
importa é o seu sentido social, já que o homem vive necessariamente em
constante relação com outros homens, dentro de grupos que, em conjunto,
formam a sociedade, entendida como núcleo maior que envolve as relações
travadas num sentido mais amplo, envolvendo diversas famílias e mesmo
comunidades. Interessa, sobretudo, examinar quando o poder passa do
despótes (senhor absoluto da família) na oikia (família) para o governante
da pólis.
Essas relações sociais, por sua vez, somente serão relevantes para o
nosso estudo quando forem objeto de disciplina pelo Direito, pois então
teremos, efetivamente, a conduta social sob a incidência da norma, aspecto
relacionado ao exercício do controle social, já que a socialização somente
será importante para nós quando impuser, por meio de normas jurídicas,
comportamentos que precisam ser respeitados.
Assim, tendo em vista o aspecto social, e, em especial, a disciplina
da conduta humana, pode-se conceituar o poder como a capacidade de
impor a obediência em situações em que há a prevalência da vontade
coletiva[7] por intermédio de normas de conduta, dentro dos limites fixados
pelo próprio grupo. É por isso que o Direito e o poder estão relacionados, já
que as imposições quanto à forma de se conduzir no seio da sociedade não
surgem espontaneamente, sendo o resultado da atuação de uma autoridade,
estatal ou não[8].
Em se tratando da disciplina das condutas, manifesta-se, de plano,
dentro da sociedade politicamente organizada, a necessidade de adequar as
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relações e ordenar as condutas para compatibilizar interesses, tornando-
os harmonizáveis, de forma que ocorra um mínimo de conflitos[9].
O poder é, portanto, algo inerente a todo e qualquer grupo,
independentemente do grau de sua organização social. Aliás, bem
coloca Dalmo de Abreu Dallari que está comprovado historicamente que o
poder sempre existiu, já que todos os documentos encontrados até hoje,
mesmo os relativos aos períodos pré-históricos, demonstram que nunca
houve uma sociedade humana desprovida de poder[10].
Por intermédio do exercício do poder é estruturada toda a
sociedade. São os seus titulares que traçam as regras básicas de convívio
interno, assegurando a harmonia indispensável para a própria sobrevivência
do grupo, o que faz com que o poder se manifeste com grande importância
no campo jurídico, mediante a produção e aplicação de normas
jurídicas. Desta constatação decorre a afirmação de Norberto Bobbio de
que a norma jurídica e o poder são duas faces da mesma medalha[11], tendo
em vista que os detentores do poder moldam o comportamento da sociedade
com a emissão de normas jurídicas.
Por falar nisso, ao observarmos melhor, veremos que o poder está
presente em todos os grupos sociais, como é o caso da igreja, da família e
da escola. Em todos esses casos, há mecanismos disciplinando a tomada de
decisões e as regras que devem ser observadas, inclusive de forma coativa.
O poder serve assim para garantir a estrutura de dominação
existente. Por isto, as discussões envolvendo problemas ligados ao poder
são tidas por grande parte dos sociólogos como os de maior relevo para a
organização e funcionamento da sociedade, a ponto de serem indicadas
como correspondentes ao núcleo dos estudos sociais[12].
Do mesmo modo, no estudo da atividade estatal, em especial da
legislativa, não há como deixar de estudar o poder, pois o direito dele
decorre, sendo um dos instrumentos essenciais para a sua
exteriorização. Assim, embora nem toda manifestação de poder se realize
por intermédio do direito, é indiscutível que grande parte do poder se torna
real por meio das normas jurídicas expressas na constituição, nos códigos,
nas leis, nos regulamentos, nas decisões administrativas e nas sentenças dos
tribunais[13].
Desenvolvimento e limitação do poder
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O exercício do poder no interior da família, do grupo e,
posteriormente, no contexto da sociedade, encontrou, ao longo do tempo,
diferentes explicações[14].
A mais importante, no princípio da evolução humana, estava
baseada em fatores ligados à própria pessoa. Neste sentido, em
sociedades primitivas, a força bruta era um elemento configurador da
existência de poder.
Também ligadas à própria pessoa, embora sobrevivam até hoje, são
as concepções vinculadas a fatores religiosos, que fundamentam o poder,
tido como divino, dos monarcas.
Há ainda o critério baseado na raça, utilizado pela aristocracia ao
sustentar que as qualidades superiores são transmitidas biologicamente,
sendo os títulos hereditários sua expressão[15].
O realce às características pessoais também foi utilizado para
amparar o poder dos anciãos, decorrente da prevalência dos costumes
como meio de organização social[16]. Assim, como as regras de conduta
eram transmitidas de geração a geração oralmente, os mais aptos a conhecê-
las seriam os mais antigos habitantes.
Em todos os exemplos citados há a personalização do poder,
fundamentada na completa identificação entre titular e poder, que, assim,
dele dispunha como entendia melhor, ficando alheio a qualquer controle.
Entretanto, como o poder era baseado em qualidades e privilégios
pessoais, era constantemente contestado, gerando situações de instabilidade
e de descontinuidade, uma vez que sua justificação ou “legitimação”
decorria unicamente das condições de prestígio e força de seus
detentores[17].
Com o passar do tempo, em razão da maior organização da vida em
sociedade, que resultou especialmente da ruptura com o feudalismo e da
emergência de novos parâmetros científicos, industriais e tecnológicos,
assim como do desenvolvimento de mecanismos para controlar o
absolutismo dos monarcas, obra acima de tudo dos iluministas, o poder
adquiriu novo contorno, concentrando-se, a partir de então, em órgãos
criados especialmente para a realização de fins comuns, sendo que o
mais importante deles é, sem dúvida, o Estado. Com isto, ocorreu o fim da
personalização do poder, pois surgiu, em seu lugar, a institucionalização.
Marco neste sentido é a Revolução Francesa, por meio da qual foi
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derrubado o fundamento teológico do poder, motivo utilizado pelos
monarcas para justificar sua titularidade, e, em seu lugar, houve a laicização
do poder, fruto da visão racionalista.
Do mesmo modo, o exercício do poder foi fracionado, ficando a
cargo de órgãos distintos.Além do mais, o titular do poder passou a ser o
povo, que o exerce por meios de representantes eleitos, presentes nos
diferentes órgãos que integram a estrutura estatal.
Por fim, a institucionalização do poder levou também à
elaboração da Constituição, na qual são descritos os órgãos ou instituições
que exercerão o poder, definidas suas atribuições e a respectiva esfera de
competência[18].
Em todos os casos descritos, há uma relação de dominação do
homem pelo homem, por intermédio de algum tipo de poder, sendo que a
única diferença entre os modelos descritos é que, em se tratando do Estado,
a dominação é, a princípio, legítima[19], uma vez que o poder assume
contornos jurídicos.
Ocorre, porém, que a limitação do poder do Estado não foi tão
simples como poderia parecer à primeira vista, sendo fruto de uma longa
evolução, na qual contribuíram inúmeros fatores, uma vez que nem sempre
o Estado representou o sentido atual, de acordo com o qual é apontado
como uma criação jurídica voltada, preponderantemente, para a satisfação
dos interesses gerais. Ao contrário, significou, em várias oportunidades, a
encarnação do poder dos soberanos e a própria forma para a emanação da
vontade real.
Assim sendo, é imprescindível analisarmos três importantes teorias
que procuraram restringir o poder do Estado, ou, em última análise, do
próprio soberano. Com este intuito, apreciaremos a teoria contratual, a da
separação de poderes e a normativista.
Teorias voltadas à limitação do poder
Como mencionado a pouco, três teorias procuraram limitar o poder
do Estado, evitando, em especial, o seu exercício de maneira arbitrária.
As três teorias são as seguintes: contratual, da separação de poderes e
normativista.
A teoria contratual justifica a existência do Estado com a ideia de
que decorre de um acordo entre os membros da sociedade. Sob o
aspecto histórico, esse posicionamento teórico relaciona-se a Epicuro -
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filósofo grego que viveu entre 341 a 270 a.C. -, responsável por combater o
entendimento de que o legislador poderia livremente elaborar um Estado
justo, por acreditar que as leis deveriam decorrer de um contrato social
originário de uma experiência comum da humanidade[20]. Entretanto, o
maior desenvolvimento dessa doutrina ocorreu nos trabalhos de Thomas
Hobbes e Jean-Jacques Rousseau.
De acordo com o pensamento de Hobbes, o Estado é composto
pelos poderes de vários homens, que foram reunidos numa só pessoa
natural ou civil – o Estado -, que os exerce de acordo com sua vontade[21].
O mesmo entendimento expressa Rousseau, para quem os
indivíduos, por intermédio de um pacto, uniram forças e poderes em prol
da criação de um órgão que refletisse a vontade geral.
O Estado, de acordo com as duas teorias expostas, é o resultado do
acordo – contrato – firmado entre os membros da sociedade. Entretanto,
apenas a teoria de Rousseau serve, verdadeiramente, para justificar a
restrição do poder do Estado, uma vez que para Hobbes o poder do
soberano seria absoluto.
De acordo com a visão exposta por Rousseau, a construção do
Estado, por meio de um contrato, coloca os exercentes do poder na função
de meros delegados de seus efetivos titulares. Assim, o exercício do
poder do Estado não poderia se afastar dos interesses da sociedade, já que
foi criado tendo em vista a vontade dos próprios homens, visando, em
especial, à satisfação dos interesses comuns[22]. A consequência que surge
inexoravelmente dessa constatação é que o Estado existe com a finalidade
de resolver os problemas que nascem no seio da sociedade. Sua função
básica é garantir a segurança, a realização da justiça e a harmonia entre os
homens, por meio da paz, do bem-estar e do progresso. Em suma, existe
para satisfazer as pretensões gerais ou individualidades das pessoas e
grupos, dentro de sua função básica de servir à comunidade[23]. Deste modo,
o Estado é um organismo de natureza pública, no sentido de se posicionar
acima dos interesses privados; sendo, por isto, dotado de proeminência
quando confrontado com os particulares, já que corresponde ao todo,
expressando através da consciência, vontade e sentimentos sociais, valores
que suplantam os interesses meramente individuais[24]. De qualquer forma,
seu poder jamais poderia se afastar da finalidade que justificou a sua
criação.
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A origem contratual do poder, no entanto, foi combatida pelos
teóricos da soberania, ao sustentarem que, em realidade, o poder dos
soberanos teria origem divina, por ser autorizado e regulado por uma
norma superior. Assim, embora se continuasse a sustentar que o Estado
havia sido formado por intermédio da concentração do poder que se
encontrava disperso na sociedade, o seu fundamento não era a vontade dos
membros da sociedade, mas sim a de Deus. Deste modo, o soberano
encarnaria um poder absoluto, baseado em sua própria vontade, surgindo
uma ligação indissolúvel entre poder e Estado, Estado e poder[25].
Outra importante tentativa de limitação do poder do Estado apoiou-
se na teoria da separação dos poderes. Para compreendê-la, é preciso
recordar que o Estado foi formado com a concentração dos poderes
anteriormente dispersos em grupos minoritários. O poder, por sua vez,
sempre existiu na sociedade, pois é impossível imaginar qualquer
relacionamento humano, mesmo o mais simples como o familiar, sem que o
poder esteja presente. O poder, contudo, adquiriu maior relevância por ter
assumido aspecto político (transição do governo doméstico para o governo
político – da oikos para a pólis) e em razão da força advinda da
concentração no Estado.
Além de uno, o poder transferido para o Estado era enquadrado
como indivisível e indelegável. O que levava à impossibilidade de divisão
do poder era o fato de ter sido concedido com exclusividade ao Estado. Por
outro lado, a possibilidade de delegação iria contra a própria unificação do
poder e sua transferência exclusivamente para o Estado. Assim, o poder
transferido ao Estado fortaleceu-o de tal modo que, não apenas ganhou
autonomia em face de outros poderes da sociedade, como também serviu
para elevá-lo a patamar superior, onde passou a ser supremo.
Na ordem interna o Estado foi colocado em posição de
preponderância na busca do bem comum[26], a fim de garantir o
equilíbrio e harmonia social, sendo o poder, nesta mesma linha de
entendimento, o seu instrumento de ação. Em realidade, o poder passou às
mãos do Estado para que este organizasse a sociedade com vistas a dispor,
de forma obrigatória, acerca das condutas de seus membros com a edição de
normas jurídicas[27].
Ocorre que essa concentração em pequenos grupos, ou mesmo em
uma única pessoa, originou governos que perderam a noção social e
passaram a utilizar o poder em benefício próprio. Viu-se, então, que o
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poder deveria ser dividido para combater o arbítrio que decorria de sua
concentração em uma única pessoa ou em pequenos grupos. Além disso, a
separação de poderes também encontrou justificativa no combate ao
absolutismo, possibilitando que a burguesia alcançasse o poder político,
pois significava, também, o enfraquecimento do monarca. Aparece, então, a
teoria da divisão ou fracionamento do poder, principal técnica utilizada para
limitar o poder ao dividi-lo de diversas formas, todas orientadas para a
mesma finalidade: o controle. Aliás, a necessidade de se dividir o poder foi
colocada pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789[28]
como mecanismo necessário para garantir os direitos do homem em relação
aos governantes. Com isto, a separação de poderes assumiu uma
importância tão grande que foi colocada como um dos elementos
essenciais de qualquer Constituição. Neste sentido, lembramos que a
técnica de separação que recebeu acolhimento é a funcional, que atribui o
exercício do poder a órgãos distintos, que correspondem, modernamente,
aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário[29].
Para a teoria normativista, legal ou jurídica, o poder

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