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Ludicidade na Educação Infantil

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Prévia do material em texto

LUDICIDADE E EDUCAÇÃO INFANTILl 
Ana Soares JORGE2 
Resumo: Este artigo tem como base uma pesquisa-intervenção ligada ao Projeto 
Integrado Co-construindo o Conhecimento e a Subjetividade com o Educador 
Infantil e a Criança, realizado nas creches municipais pela equipe de Psicologia 
integrante do Núcleo Multidisciplinar de Pesquisa, Extensão e Estudo da Criança 
de Oa 6 anos (UFF). Tal pesquisa viabilizou-se a partir do convênio firmado 
entre este Núcleo e a Fundação Municipal de Educação de Niterói. Observando 
e vivenciando o cotidiano de uma das creches, vislumbramos um caminho de 
interlocução e co-construção de um trabalho que os ajudasse a refletir, analisar 
e enriquecer suas práticas lúdico-pedagógicas. Assim, o Projeto do Brincar foi 
co-construído e desenvolvido por mim e pela equipe de educadores da creche. 
Nosso trabalho objetivou deslocar essas atividades lúdicas do lugar secundário 
que comumente ocupam, visando a promover, junto aos educadores, a 
necessidade de preparar esses espaços e, principalmente, de atentar para o que 
nele acontece, planejando e estruturando certas atividades, não só dentro das 
salas como também nos espaços externos. 
Palavras-chave: Brincar. Educação Infantil. Desenvolvimento. 
1 Artigo baseado em uma pesquisa realizada pela autora, como bolsista PIBIC/CNPq pela 
Universidade Federal Fluminense (UFF), de 1997 a 1999. Esta pesquisa foi vencedora do 
Prêmio UFF-Vasconcellos Torres - 1998. 
2 Mestre em Psicologia Clínica (PUC-Rio). E-mail: anasj@ajato.com.br 
74 Avesso do Avesso, vA. n.4, p.74 - 99, novo 2006 
"Já podaram seus momentos, 
desviaram seu destino, 
seu sorriso de menino 
quantas vezes se escondeu. 
Mas renova-se a esperança, 
nova aurora a cada dia, 
e há que se cuidar do broto 
para que a vida nos dê flor e fruto." 
(Wagner Tiso e Milton Nascimento) 
Pensar a infância e sua educação no contexto contemporâneo é 
pensar as instituições existentes atualmente e a forma como elas pensam, se 
conectam e se articulam com a criança e o educador. No presente artigo, 
remetemo-nos especificamente à instituição creche3, que se estabelece como 
um modo recente de amparo e referência à infância; um espaço que deixa de ser 
local de guarda e assistência, passando a ser percebido enquanto universo 
educacional. Um novo habitar da criança e do profissional de educação. 
Pretendemos, nas próximas linhas, compartilhar algumas histórias, narrando 
vivências e produzindo novos sentidos, pensando o cotidiano como um universo 
de multiplicação, e não enquanto cristalização da vida. 
No ano de 1995, o Ministério da Educação e do Desporto lançou 
o primeiro manual para atendimento a crianças em creches, intitulado Política 
Nacional de Educação Infantil. Nele, o respeito pelos direitos fundamentais das 
crianças era defendido concedendo-lhes o direito a brincadeiras, à atenção social, 
3 Neste trabalho abordaremos o termo creche enquanto instituição de educação infantil 
que atende a crianças de O a 6 anos, não dicotomizando tal organização em: creche (O a 3 
anos) e pré-escola (3 a 6 anos), como nos propõe a Lei n° 9.394, de 1996, que trata das 
diretrizes e bases da educação nacional. 
Avesso do Avesso, v.4, n.4, p. 74 99, novo 2006 75 
a ambiente aconchegante, seguro e estimulante, a alimentação saudável, além de 
atenção especial durante seu período de adaptação à creche. Com isso, os 
espaços de Educação Infantil tomaram-se mais valorizados, deixando para trás, 
de certa forma, o estigma de depósito, local de guarda para crianças. 
Em dezembro de 1996, o Governo Federal promulgou a nova Lei 
de Diretrizes e Bases (n° 9.394/96), com profundas mudanças na legislação 
brasileira. Destaca-se no que diz respeito à Educação Infantil que um dos 
importantes avanços foi o fato desta passar a integrar o sistema de educação, 
estando os municípios incumbidos de oferecê-la, tendo como prioridade a 
manutenção do ensino fundamental - único nível escolar instituído como 
obrigatório. A LDB aponta para o direito das crianças até os 6 anos, ao 
atendimento municipal em creches e pré-escolas e sua respectiva gratuidade; no 
entanto, não cria condições e metas para que tal compromisso - e dever dos 
governos - seja assegurado. 
É fundamental que a educação da criança com menos de 6 anos 
não seja colocada como uma questão menor, pois mesmo não sendo obrigatória, 
ela deve fazer parte da concepção geral de educação no Brasil e representar o 
real valor que deve ser dado ao desenvolvimento e ao futuro das nossa,;; crianças. 
A infância é um período em que ocorrem transformações e acontecimentos 
importantíssimos na vida humana, constituindo uma parte vital no processo 
permanente de desenvolvimento. Nesse sentido, passa a ser essencial a 
elaboração não só de propostas pedagógicas, como também de propostas lúdicas 
que valorizem e enriqueçam esse desenvolvimento, em todos os sentidos. 
A creche, a pré-escola, a escola seriada, enfim, as organizações de 
educação em geral precisam ser espaços democráticos, com propostas lúdico­
pedagógicas de qualidade, valorizando sempre a criança como co-construtora 
de seu desenvolvimento e respeitando seu tempo e processo de aprendizagem 
próprios. O desenvolvimento infantil se dá em ritmos e modos peculiares a cada 
criança, sendo repleto de movimentos e especificidades que devem ser 
76 Avesso do Avesso, v.4. n.4, p.74 - 99, novo 2006 
pennanentemente levados em conta. 
Na perspectiva co-construtivista há a tentativa de 
entender o sujeito em desenvolvimento através da 
integração de diferentes paradigmas, porém sempre 
capaz de construir o novo. ( ... ) Tal perspectiva 
redimensiona os vínculos presentes entre as perspectivas 
construtivista e sociogenética, preservando o papel 
central do sujeito ativo e subjetivo, que constrói seu 
próprio mundo psicológico, em constante relação e 
confronto com o mundo psicológico dos outros e o meio 
externo em geral. Junto a isso é preservada a noção da 
primazia histórica do mundo social (simbólico e afetivo) 
e o desenvolvimento humano é caracterizado pela 
construção conjunta (por isso co-construção) do sistema 
psicológico do sujeito em transformação. 
(VASCONCELLOS; VALSINER, 1995, p. 19) 
Neste momento, voltamo-nos para uma realidade específica: uma 
creche municipal onde desenvolvemos um trabalho de pesquisa-intervenção4 e 
assessoria aos educadores, e que viabilizou-se através do convênio fmnado entre 
a Fundação Municipal de Educação e o Núcleo Multidisciplinar de Pesquisa, 
Extensão e Estudo da Criança de O a 6 anos, fonnado por um grupo de 
professores e alunos/bolsistas (dos cursos de Psicologia, Educação e Serviço 
Social, dentre outros) da Universidade Federal Fluminense. 
4 Trabalho de pesquisa e extensão ligado ao Projeto Integrado Co-construindo o 
Conhecimento e a Subjetividade com o Educador Infantil e a Criança, sob coordenação 
da Profa. Dra. Vera Maria Ramos de Vasconcellos, de 1997 a 1999. 
Avesso do Avesso, v.4, n.4, p. 74 - 99, novo 2006 77 
Escolhemos duas questões para reflexão: Qual o real valor que o 
profissional de Educação Infantil dirige a si próprio? Que valor estamos dando, 
enquanto sociedade, a esse espaço de educação e a esses profissionais? Vivemos 
em um país onde o trabalho dos professores (não apenas da área de Educação 
Infantil, como também de todos os outros segmentos) não é suficientemente 
reconhecido pelos governantes. O salário e as condições de trabalho são 
aviltantes. 
Em 1994, o MEC reconheceu a falta de transparência sobre a 
aplicação dos recursos em educação. Com todos esses fatores (e alguns outros), 
os educadores sentem-se colocados em segundo plano e sem perspectivas de 
um futuro melhor em sua profissão. Trabalham muito, uma vez que, com todo 
este descaso, são raros aqueles que trabalham em apenas uma unidade pública 
de educação. Vivemem um ritmo acelerado, muitas vezes trabalhando em três 
lugares diferentes, para que possam, ao final do mês, compor um salário um 
pouco mais digno. Não há como desenvolver uma pesquisa-intervenção de 
qualidade nas VEIs de Niterói sem que antes seja feito um trabalho com os 
educadores. Através de nossa pesquisa-intervenção,5 acompanhamos a 
organização do Programa de Educação Infantil e a formação permanente dos 
profissionais de creche e pré-escola neste Município. 
Dessa forma a pesquisa vem sendo, mais uma vez, tecida 
nas observações das atividades das creches e nas 
reuniões com a equipe de educadores de cada unidade, 
5 Trabalho realizado nas creches municipais pela equipe de Psicologia integrante do 
NMPEEC O a 6 anos. Cada UEI possuía um projeto específico de pesquisa, desenvolvido 
pelo(s) bolsista(s) que exercia(m) atividades de estudo, pesquisa e extensão naquele 
espaço. Todos os projetos (realizados em cada creche) vinculavam-se ao Projeto Integrado 
de Pesquisa Contextos Infantis de Construção do Conhecimento e Formação da 
Subjetividade da Criança e do Educador. 
78 Avesso do Avesso. v.4, n.4, p.74 - 99, novo 2006 
além de atuar nos espaços de formação que fomos 
criando à medida que o grupo sentia necessidade de 
rediscutir as bases de suas ações. Nessa teia, foram 
sendo revistas as concepções de Criança, Educação 
Infantil e a importância dos educadores, enquanto autores 
e atores que são na construção do espaço coletivo que 
é cada creche, no sentido de tomar as condições desses 
profissionais cada vez mais interessantes e atraentes, 
sob o ponto de vista deles mesmos, das crianças e suas 
famílias. (VASCONCELLOS, 1998, p. 4) 
o olhar do observador não dá conta de toda a realidade e é 
produzido a partir de um determinado ponto de vista. Enquanto pesquisadores, 
buscamos outros olhares, outras formas e angulações sobre uma "mesma" 
realidade, sem a pretensão de dar conta de tal contexto ou de uma possível 
neutralidade. Apostamos nas misturas, nos encontros, nas trocas, na diversidade. 
O momento de entrada na creche é difícil, envolvendo a construção de relações 
de confiança com os educadores, as crianças e suas farm1ias, a conquista de um 
espaço/território - momento fundamental para o desenvolvimento de um trabalho 
de qualidade. 
Esse contato com tanta diversidade de opiniões, saberes, objetivos, 
perspectivas, projetos, ideais etc. foi enriquecedor para toda a equipe do 
NMPEEC Oa 6 e ajudou-nos a construir uma certa "filosofia" adotada por 
todos: um permitir-se entrar nesse universo de educação "por inteiro", 
aprendendo tanto com as educadoras e com as farm1ias como também com os 
pequenos - aprendendo com outros olhares, com outras representações de 
mundo. 
O trabalho conjunto entre bolsista/estagiária, educadores e 
educandos é uma forma de construir e co-construir a Educação Infantil, 
Avesso do Avesso, v.4, n.4, p. 74 - 99, novo 2006 79 
acreditando sempre em uma troca, em um aprender-ensinando e um ensinar­
aprendendo, reconhecendo e respeitando, por um lado, a criança como um ser 
único e seu direito pela educação e, por outro, o educador enquanto ator­
mediador e um dos protagonistas no processo de desenvolvimento infantil.. 
Paulo Freire (1997) discute a questão da relação professor-aluno, 
da paixão de ensinar e aprender, afirmando que para se chegar à tão sonhada 
democracia na educação e nas escolas, é preciso que se lute, sempre, por um 
espaço em que se fale aos e com os alunos para que, ouvindo-os, seja possível 
também ser ouvido por eles. O educador deve estar sempre atento e refletindo 
sobre o seu fazer, construindo e reconstruindo práticas e objetivos, reinventando 
sua ação pedagógica e buscando sempre aproximar-se da realidade dos seus 
alunos, atuando não só como educador, mas também como companheiro e 
aprendiz. 
Contextualizando a creche 
A creche localiza-se no bairro do Engenho do Mato, em Niterói. 
Atualmente, passou por reformas e mudou seu espaço, mas será descrita aqui 
como encontrava-se no período em que estivemos por lá. Era composta por 
sete salas, das quais as quatro maiores funcionavam como salas de atividades 
para cada grupo de crianças e, as outras três restantes, como sala dos professores, 
secretaria e uma sala de vídeo. Havia ainda um almoxarifado, umacozinha, três 
banheiros (dois para uso das crianças e um para uso dos educadores), uma 
pequena lavanderia e um amplo espaço coberto onde funcionava o refeitório. O 
espaço da creche também era composto por uma extensa área livre arborizada, 
onde se encontravam alguns brinquedos (balanços, casinhas, escorregas etc.). 
Não havia uma organização planejada das salas, cantinhos ou espaços específicos 
reservados para leitura, trabalho com sucata, brincadeiras e jogos. 
A creche contava em seu quadro de funcionários com uma diretora, 
Avesso do Avesso, v.4, n.4, p.74 99, novo 2006 80 
uma professora orientadora, uma auxiliar administrativa, uma merendeira, qua­
tro professoras, quatro auxiliares de creche, uma auxiliar de creche volante e 
duas serventes6• Um problema constante apontado pela unidade era o número 
insuficiente de professores e funcionários.7 Estes, cumpriam uma carga horária 
semanal diferenciada, sendo alguns contratados em regime de 20 horas 
(professoras) e outros, de 40 horas (auxiliares de creche). 
Existia entre os educadores uma união que demonstrava a existência 
de um trabalho em conjunto. Os membros da equipe (professoras e auxiliares) 
tinham consciência da necessidade de construir seu papel como educadores. A 
dedicação às crianças e o prazer no desenvolvimento do trabalho diário, ensinando 
e aprendendo com seus alunos, eram pontos essenciais do cotidiano desses 
educadores que funcionavam, de certa forma, como instrumentos motores e 
motivadores da permanência na profissão desqualificada pelos poderes públicos. 
A creche funcionava em horário integral (das 8h às 17h), atenden­
do a 80 crianças com idades entre 2 e 6 anos. As crianças eram moradoras da 
comunidade e pertencentes, em sua maioria, à classe de baixa renda. Os 
responsáveis, em grande parte, percebiam a creche como um local onde seus 
filhos poderiam ser cuidados durante seu horário de trabalho. Não havia um 
calendário sistemático de reuniões de pais, realizando-se encontros somente 
quando a direção e/ou os educadores precisavam discutir assuntos específicos 
com os responsáveis. Mesmo tendo acesso direto à creche, os responsáveis 
limitavam-se a deixar e a buscar as crianças na unidade, quase nunca 
6 Quadro do funcionários demonstrativo dos anos de 1997 e 1998. 
7 Como exemplo, destaco o caso da turma do 30 período (crianças de 5/6 anos) que 
praticamente passou o ano inteiro de 1997 sem uma professora. A turma contava apenas 
com a auxiliar que, por sua vez, tinha que desempenhar um papel amplo de professora, 
para conseguir realizar um trabalho de qualidade com as crianças. A professora, solicitada 
exaustivamente à FME, foi enviada à unidade somente no final do ano, quando faltavam 
menos de três meses para o término do ano letívo. 
Avesso do Avesso, v.4, n.4, p. 74 99. novo 2006 81 
ultrapassando o portão de entrada. Normalmente a participação dos pais dava­
se quando havia alguma reunião ou quando solicitavam determinadas infonnações 
sobre seus filhos (referentes a saúde, relação com os educadores etc). 
Apesar do grupo de educadores afirmar que trabalhava sob a 
abordagem teórica do construtivismo,8 muitas vezes não era isso o que se 
percebia. Algumas mantinham uma prática eminentemente tradicional, assim como 
observamos casos em que as educadoras não aproveitavam a capacidade dos 
seus alunos, às vezes por falta de recursos materiais, outras por falta de 
esclarecimento ou conhecimento teórico. 
A adesão a novas teorias tem, com certa freqüência, 
assumido um caráter superficial de modismo. Assim, oseducadores têm se declarado construtivistas, 
interacionistas, vygotskyanos ... As teorias por detrás 
desses nomes, mal compreendidas, ficam reduzidas a 
um nome ou a poucos conceitos insuficientes para 
orientar a práxis pedagógica. Maior estudo e reflexão a 
esse respeito fazem-se necessários para fundamentar 
opções mais críticas e conscientes. (ROSSETTI; 
FERREIRA apud VASCONCELLOS; VALSINER, 
1995, prefácio) 
o aspecto pedagógico era entendido apenas como escolarizante, 
sendo inexistente a busca por alternativas que poderiam transformar ou inter­
8 O construtivismo traduz-se como uma filosofia que acredita e visa possibilitar ao sujeito 
a construção do seu próprio conhecimento. O educador deve proporcionar à criança um 
ambiente favorável aos objetivos propostos, mantendo uma postura mediadora das 
diversas situações e fatos que se apresentam, valorizando a autonomia, o questionamento, 
a observação e a criatividade da criança. 
82 Avesso do Avesso, v.4, n.4, p.74 99, novo 2006 
- .-.._----~----
relacionar o pedagógico com o lúdico, tomando aquele mais agradável e de fácil 
acesso às crianças. A polarização do mundo feita pelas organizações de educação 
é muito comum, colocando de um lado o universo da brincadeira, do jogo, da 
fantasia, do sonho, e de outro, o universo do estudo, do trabalho, da seriedade. 
Brincadeira e aprendizagem são consideradas, muitas vezes, ações opostas, com 
diferentes finalidades e que nunca podem ocupar o mesmo espaço. Não há 
interação, interlocução ou união, existindo apenas a dicotomia: ou se aprende ou 
se brinca. 
Nas Unidades de Educação Infantil com as quais tivemos um maior 
contato ao longo de dois anos, a rotina, em sua maioria, desenvolvia-se da seguinte 
forma: as crianças chegavam à creche, lanchavam, iam para as salas onde 
realizavam atividades pedagógicas, brincavam no parquinho (espaço externo). 
Em seguida almoçavam, dormiam, voltavam ao parquinho, tomavam banho e 
retornavam às suas casas.9 Não havia um comprometimento maior dos educadores 
com esse brincar, que se resumia, basicamente, na ida das crianças ao pátio/ 
parquinho após a realização das atividades pedagógicas nas salas, ficando por 
todo o tempo soltas, "livres", brincando por si próprias enquanto a educadora 
as observava. Constantemente, o fato da brincadeira e do jogo serem, em si 
mesmos, uma situação de aprendizagem, era esquecido. 
Observando este cotidiano e percebendo a pouca preocupação 
dos adultos com o momento do brincar, vislumbramos um possível caminho de 
interlocução e co-construção de um trabalho que os ajudasse a refletir e questionar 
mais sobre as práticas lúdico-pedagógicas. Acreditamos que o lúdico deve 
atravessar o espaço educacional e associar-se a outras práticas, a fim de 
transformá-lo e enriquecê-lo. Com isso, o processo de conhecer o mundo ganha 
9 Dependendo do período no qual a criança estivesse (10 período: de 2 a 3 anos; 2° período: 
de 3 a 4 anos; 3° período: de 5 a 6 anos), apesar de serem as mesmas atividades, a ordem 
delas ao longo do dia era outra. 
Avesso do Avesso. v.4, n.4, p. 74 - 99, novo 2006 83 
asas. O brincar possibilita a todos, crianças e adultos, outras fonnas de desco­
bertas, de relacionarem-se consigo mesmos e com o mundo que os cerca; en­
fim, novas fonnas de criar, trocar, sentir, significar. 
o lúdico em ação 
"Chegamos, filho. 
É aqui. Prepare-se. 
Aqui você vai descobrir um vale encantado, 
vai chegar na caverna misteriosa e vai conhecer o estranho 
laboratório do cientista louco. 
E eu queria lhe dizer uma coisa. Não esqueça, filho. 
Uma rosa não é uma rosa. Uma rosa é o amanhã, uma mulher, o 
canto de um homem. 
Uma rosa é uma invenção sua. O mundo é uma invenção sua. 
Você lhe dá sentido. Você o faz bonito. Você o cobre de cores. 
Um brinquedo, o que é um brinquedo? 
Duas ou três partes de plástico, de lata .. . 
Uma matéria fria, sem alegria, sem História .. . 
Mas não é isso, não é, filho? 
Porque você lhe dá vida, você faz ele voar, viajar. .. 
Vamos, filho. 
Sabe que lugar é esse? 
É um lugar de sonhos. 
Uma casa de brinquedos. 
Vamos entrar." 10 
10 Fernando Faro. Introdução do disco Casa de brinquedos, produzido por Toquinho e 
Fernando Faro. 
84 Avesso do Avesso, v.4, n.4, p.74 - 99, novo 2006 
Devemos considerar que há algo de essencial no brincar para o 
desenvolvimento humano. Através dele, os sujeitos interagem uns com os outros, 
experimentam e ressignificam o mundo, criam e imaginam, exteriorizam seus 
afetos, constróem e integram valores e costumes às suas vidas, brincam de vir a 
ser. 
o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal 
da criança. No brinquedo, a criança sempre se comporta 
além do comportamento habitual de sua idade, além de 
seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela 
fosse maior do que é na realidade. Como no foco de 
uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as 
tendências do desenvolvimento sob forma condensada, 
sendo, ele mesmo, uma grande fonte de 
desenvolvimento. (VYGOTSKY, 1989, p. 117) 
A brincadeira não deve ser entendida como uma atividade sem 
propósito, desnecessária, ou apenas como uma atividade que entretém e dá 
prazer à criança. O jogo, o brinquedo e a brincadeira possuem uma dimensão 
de troca, de criação, de conquista, e não devem ser entendidos como sinônimos. 
Cada um tem a sua própria especificidade. Não se pretende estender e discutir 
a fundo tais distinções, apenas ressaltar algumas diferenças mais fundamentais. 
Concordando com Kishimoto (1997), destacamos que diferindo 
do jogo, o brinquedo supõe uma relação íntima com a criança e uma 
indeterminação quanto ao uso, ou seja, a ausência de um sistema de regras que 
organizem a sua utilização. Uma boneca permite à criança várias formas de 
envolver-se com o lúdico, desde a manipulação até a realização de brincadeiras 
como "mamãe e filhinha". O brinquedo estimula a representação, a expressão 
de imagens que evocam aspectos da realidade. Ao contrário, jogos como o 
Avesso do Avesso, v.4, n.4, p. 74 - 99, novo 2006 85 
xadrez e jogos de construção exigem, de modo explícito ou implícito, o desem­
penho de certas habilidades defInidas por uma estrutura preexistente no próprio 
objeto e em suas regras. O brinquedo não pode ser reduzido à pluralidade de 
sentido do jogo, pois enquanto objeto é sempre suporte de brincadeira, conten­
do uma dimensão material, cultural e técnica. Ainda de acordo com Kishimoto, 
a brincadeira pode ser entendida como a ação que a criança desempenha ao 
concretizar as regras do jogo, ao mergulhar na ação lúdica - podemos dizer que 
é o lúdico em ação. 
Segundo Winnicott (1975), o brincar éum fazer que requer tempo 
e espaço próprios; um fazer universal que constitui-se de experiências culturais 
promotoras de saúde, uma vez que facilita o crescimento, conduz aos 
relacionamentos grupais e pode ser uma forma de comunicação dacriança consigo 
mesma e com os outros. O meio cultural e social no qual a criança está imersa 
exerce uma influência fundamental na sua futura relação como jogo e o brincar. 
As relações entre pais e filhos, desde o seu nascimento e durante seu 
desenvolvimento, envolvem jogos afetivos e cognitivos, resultando em inúmeras 
descobertas, transformações e aprendizagens. 
O movimento interdisciplinar das atividades que envolvem a 
ludicidade (universo dos brinquedos, da música, dos livros, dos filmes/desenhos 
animados/vídeos infantis, do teatro etc.) é um fator de grande importância para 
a formação cultural e o desenvolvimento do sujeito. 
Destacamos que o momento da brincadeira é aquele em que a 
criança está pensando, refletindo, buscando, explorando, construindo e 
reconstruindo, simbolizando e dando outros sentidos ao mundo que a cerca 
(momento de experimentação, criação e significação dos costumes, crenças, 
valores). É tempo e espaço de troca,de partilhas com o grupo, sendo também, 
contudo, momento no qual o sujeito desempenha papel principal na peça que 
criou ou escolheu, protagoniza sua história imaginária. 
Para Vygotsky (1989), através do brinquedo a criança opera com 
86 Avesso do Avesso, v.4, n.4, p.74 - 99. novo 2006 
significados desligados dos objetos e ações aos quais estão habitualmente 
conectados. Urna condição muito interessante surge quando a criança, envolvida 
em momentos de brincadeira, inclui nesta ações e objetos reais (da sua vida e do 
mundo que a cerca). Esta é urna das características da natureza de transição da 
atividade do brincar: é um estágio entre as restrições puramente situacionais da 
primeira infância e o pensamento adulto que pode ser totalmente desvinculado 
de situações reais. Podemos ainda destacar um atributo essencial do brincar: 
aqui, urna regra toma-se um desejo. 
o brinquedo cria na criança uma nova forma de desejos. 
Ensina-a a desejar, relacionando seus desejos a um 'eu' 
fictício, ao seu papel no jogo e suas regras. C.. ) Uma 
criança não se comporta de forma puramente simbólica 
no brinquedo; ao invés disso, ela quer e realiza seus 
desejos, permitindo que as categorias básicas da realidade 
passem através de sua experiência. A criança ao querer 
realiza seus desejos. Ao pensar, ela age. As ações 
internas ou externas são inseparáveis: a imaginação, a 
interpretação e a vontade são processos internos 
conduzidos pela ação externa. (VYGOTSKY, 1989, p. 
114) 
o brincar depende de alguns fatores tais corno a companhia, o espaço, o 
tempo, o brinquedo/jogo ou qualquer outro objeto que dê suporte à atividade 
lúdica. É importante considerarmos o momento sócio-histórico no qual a criança, 
o jovem e o adulto envolvidos em tal atividade estão inseridos. Os brinquedos e 
as brincadeiras são reflexos de um momento histórico expressos através da 
linguagem. Brinquedo e jogo são objetos culturais, corno nos indica Kishimoto 
(1997, p. 17): 
Avesso do Avesso. vA. nA, p. 74 - 99. novo 2006 87 
( ... ) enquanto fato social, o jogo assume a imagem, o 
sentido que cada sociedade lhe atribui. É este o aspecto 
que nos mostra por que, dependendo do lugar e da época, 
os jogos assumem significações distintas. Se o arco e a 
flecha hoje aparecem como brinquedos, em certas 
culturas indígenas representavam instrumentos para a 
arte da caça e da pesca. Em tempos passados, o jogo 
era visto como inútil, como coisa não-séria. Já nos 
tempos do Romantismo, o jogo aparece como algo sério 
e destinado a educar a criança. 
A prática social de separar as brincadeiras pelo gênero também é 
um fator interessante a ser considerado. Separar e propor atividades distintas 
para meninos e meninas ou não permitir que haja trocas de papéis e atividades 
(meninos brincando com bonecas e meninas, com bola ou carrinhos, por exemplo ) 
são construções sociais que marcam a divisão de papéis e a delimitação de 
funções que "deverão" ser assumidas futuramente pela criança, adulto de amanhã. 
Em História social da criança e da famt1ia, Philippe Aries (1981) 
destaca que na sociedade européia, por volta de 1600, não havia separações 
entre brinquedos e brincadeiras "femininos" e "masculinos", e nem entre 
brincadeiras de criança e de adulto não havia uma separação entre o mundo 
infantil e o mundo adulto. Crianças de ambos os sexos usavam os mesmos trajes, 
os mesmos vestidos, e brincavam com os mesmos jogos e brinquedos dos adultos 
(a partir dos três ou quatro anos), podendo brincar com outras crianças ou com 
os adultos; estes participavam de brincadeiras e jogos que, nos dias de hoje, 
reservamos ao universo infantil. 
O educador tem função mediadora no processo de desenvolvimento 
infantil (psíquico e intelectual). Visto sob esse prisma, é possível pensar que a 
partir de brinquedos/jogosjáexistentes (atuais ou não), o adulto pode transformá-
Avesso do Avesso. v.4, nA, p.74 99, novo 2006 88 
los, juntamente com a(s) criança(s), em outras formas de brincar. Através de 
propostas de diferentes brincadeiras e jogos, sem demarcações de papéis ou 
funções, possibilita-se um enriquecimento do universo lúdico da criança e também 
do adulto. A construção partilhada de novos caminhos e projetos envolvem o 
adulto e a criança, o grande e o pequeno, em momentos ricos e singulares de 
produção de subjetividades e construção de conhecimento. 
O ato de levar o jogo ou o brinquedo (material concreto) para a 
sala de aula, muitas vezes, já é suficiente para que o educador compreenda 
aquele como sendo um momento de brincadeira. A chave para a compreensão 
da importância do brincar não está no fato de abolirem-se as atividades lúdicas 
livres, sem propostas ou regras. Há também algo de fundamental na brincadeira 
sem controle, sem algum planejamento, no "brincar pelo brincar". A partir das 
brincadeiras livres, vinculadas à observação permanente do educador, novas 
propostas ou encaminhamentos pedagógicos podem ser pensados, sem 
esquecermos que podem revelar, de certa forma, o estado de desenvolvimento 
psicológico, cognitivo, lingüístico, social (integral) da criança. Entretanto, devemos 
entender que as atividades lúdicas não se restringem a isso. Alguns 
questionamentos se colocam: será que está sendo constituído um espaço de 
liberdade para que as crianças criem, imaginem e ressignifiquem aquele brinquedo 
e/ou jogo? Será que está sendo promovido um espaço rico para o brincar dos 
pequenos? Ao serem propostas atividades de brincadeira, tem-se deixado que 
as crianças apropriem-se delas, dando-lhes outros sentidos? 
A brincadeira possui códigos. É necessário perceber o objeto, 
conhecer os brinquedos, saber dar início e término à atividade. Muitos 
desconhecem esse fator, e após a proposta e o início do momento do brincar, 
não conseguem mais findá-lo: a brincadeira então domina espaço e tempo. 
Entendendo o brincar como algo essencial para a formação da 
criança, através do qual a criatividade, as descobertas, os sentidos e significações, 
a experimentação e a imaginação vão ganhando força e espaço, podemos pensar 
Avesso do Avesso, v.4, n.4, p. 74 - 99. novo 2006 89 
mais claramente sobre as inúmeras vantagens que nos traz o trabalho com materiais 
de sucata. De acordo com Jorge & Santos (1998), a sucata vem dar lugar ao 
novo, ao criar, fazendo com que a criança e o adulto tenham a chance de inventar 
e reinventar outras possibilidades de brinquedos e brincadeiras. Éum dar sentido 
a algo que até então estava sem significação alguma. 
O lidar com a sucata não deve ser pensado apenas como substituto 
à falta de outros materiais elou brinquedos, e sim como possibilidade de criação, 
de trabalhar com diferentes materiais e dar lugar à diversidade, ao novo, ao 
múltiplo. O brinquedo artesanal, produzido e criado pelo sujeito, não se contrapõe 
ao brinquedo industrializado: coloca-se ao seu lado no "rinque de importância". 
Ambos devem ser entendidos como fontes ricas para o desenvolvimento infantil 
e desempenham papéis fundamentais na vida das crianças. 
O brinquedo deve representar muito mais do que um objeto, 
podendo sempre adquirir diversas funções e papéis. O importante é valorizar a 
criança como um agente ativo e participativo em todos os processos lúdicos e 
de construção de "novos" brinquedos. 
De uma maneira geral, os brinquedos documentam como 
o adulto se coloca com relação ao mundo da criança. 
Há brinquedos muito antigos como bola, roda, roda de 
penas, papagaio, que provavelmente derivam de objetos 
de culto e que, dessacralizados, dão margem para a 
criança desenvolver a sua fantasia. E há outros 
brinquedos simplesmente impostos pelos adultos 
enquanto expressão de uma nostalgia sentimental e de 
falta de diálogo. Em todos os casos, a resposta da criança 
se dá através do brincar, através do uso do brinquedo, 
que pode enveredar por uma correção oumudança de 
função. E a criança também escolhe os seus brinquedos 
90 Avesso do Avesso, v.4, n.4, p.74 99. novo 2006 
~.. - ... _._-----------­
por conta própria, não raramente entre os objetos que 
os adultos jogaram fora. As crianças 'fazem a história a 
partir do lixo da história'. É o que as aproxima dos 
'inúteis' , dos 'inadaptados' e dos marginalizados. (BOLE 
apud BENJAMIN, 1984, p. 14). 
Os (des)caminhos percorridos 
Através desse contexto de análise e reflexão sobre as atividades 
lúdicas, o projeto do Brincar foi desenvolvido na Unidade de Educação Infantil 
em questão. Tal trabalho foi co-construído entre bolsista/pesquisadora e equipe 
de educadores da creche, permanentemente. Dentre as várias atividades 
desenvolvidas, destacamos algumas como as mais interessantes e produtivas, 
estando articuladas não somente ao brincar, como também favorecendo e 
cristalizando a relação bolsista-creche-fann1ia. 
Realizamos um levantamento acerca das informações existentes 
sobre cada criança no arquivo da unidade e, frente à insuficiência dos dados, 
elaboramos a Ficha da Criança, contando com a participação e colaboração 
da direção e de todos os educadores. Através de entrevistas marcadas com os 
responsáveis para o devido preenchimento das fichas, conseguimos reunir um 
bom número de informações sobre cada criança, referentes a hábitos, alimentação, 
sono, saúde, brincar, entre outros aspectos. A partir desses encontros, foi possível 
um contato mais direto dos responsáveis/familiares com a bolsista e, 
principalmente, urna nova porta foi aberta, visando à maior aproximação daqueles 
com a UEI. Este projeto foi muito bem recebido pela equipe e teve sua 
continuidade no ano seguinte quando, no ato da matrícula, todos os responsáveis 
preencheram a ficha com o auxilio dos educadores e/ou da direção. 
A Ficha da Criança construída por todos nós, não deve ser entendida 
enquanto instrumento fechado e determinado. Haverá sempre a possibilidade 
Avesso do Avesso, vA, nA, p. 74 - 99, novo 2006 9] 
de incluir ou excluir questões e observações. Este é um viés que lhe é próprio e 
que foi sempre marcado por nós junto ao grupo: é um instrumento coletivo e 
passível de mudanças, de ganhar outras formas e contornos. 
A concepção dos educadores da unidade sobre atividades lúdicas 
e atividades pedagógicas pôde ser melhor compreendida a partir de outro 
levantamento realizado pela pesquisadora. Através de um questionário, 
professores e auxiliares responderam a três questões dissertativas, a partir das 
quais: 1) exemplificavamatividades pedagógicas livres, atividades pedagógicas 
orientadas/dirigidas, atividades lúdicas livres, atividades lúdicas orientadas; 2) 
respondiam com qual(is) dela( s) preferiam trabalhar com sua turma e por quê; 
3) com qual(is) dela( s) eles sentiam que as crianças tinham maior prazer de se 
envolver e por quê. 
Verificamos que 71,4% do grupo acreditava que seus alunos tinham 
maior prazer em envolver-se com atividades lúdicas, fossem elas livres ou 
orientadas; 57,14% preferiam desenvolver atividades lúdicas (livres e/ou 
orientadas), principalmente por sentirem seus alunos mais envolvidos e 
produtivos; 28,57% preferiam as atividades pedagógicas (livres e/ou dirigidas) 
por acreditarem que são veículos mais fáceis para perceber o desenvolvimento 
de seus alunos e por terem nelas "menos dificuldades em ver os objetivos do 
trabalho", dentre outros; e, finalmente, 14,28% do grupo não apresentou 
preferências, demonstrando realizar um trabalho de forma prazerosa com ambas. 
Como entendermos a visão das educadoras em relação ao lúdico e 
ao pedagógico? Estamos falando dos mesmos conceitos e práticas que elas? 
Como solicitado na pesquisa, elas descreveram tais atividades/propostas de 
acordo com o seu olhar. Trazemos então, alguns exemplos que estiveram 
presentes na maioria dos questionários: 
);- atividades pedagógicas: desenhos, trabalhos de recorte e colagem, uso 
dos blocos lógicos, pintura, pesquisa, interpretação e ilustração de histórias, 
massinha, livros, montagem de quebra-cabeças, dentre outras. 
92 Avesso do Avesso. vA. n.4, p.74 - 99, novo 2006 
» atividades lúdicas: uso de argila, parquinho, trabalhos com sucata, rodinha, 
dramatização de histórias, brincadeira de casinha ou trem/ônibus (com as 
cadeiras enfileiradas) na sala, brincadeira de faz-de-conta, cabra-cega, dentre 
outras. 
Apesar de grande parte do grupo (71,4%) acreditar que seus alunos 
tinham maior prazer em se envolver com atividades de brincadeira 11 e de 57,14 % 
afirmar que preferiam desenvolver atividades lúdicas com sua turma, as práticas 
educacionais percebidas eram de pouco aproveitamento do universo do brincar 
e um sim maior envolvimento com atividades pedagógicas livres e/ou direcionadas, 
tais quais exercícios padronizados, pintura de desenhos mimeografados, propostas 
de atividades que pouco valorizam a criatividade, a imaginação e a fantasia infantil 
etc. Não encaramos o trabalho pedagógico enquanto problemático ou 
insatisfatório; gostaríamos de esclarecer apenas que acreditamos que o 
aprendizado, o ensino, as trocas e interações entre educador e criança, ficam 
bem mais ricos e interessantes se houver a conciliação das práticas/propostas 
lúdicas com as pedagógicas. 
A inauguração da Sala de Multimeios foi também merecedora de 
destaque. Durante dois meses, trabalhamos na desocupação da antiga sala de 
vídeo, fizemos o levantamento e a organização de todo o material necessário e 
viável naquele momento, arrumamos e estruturamos o novo espaço. O antigo 
cinza presente nas paredes, no chão, no 'ar' da sala, perdeu seu lugar para a 
entrada de cores e de vida naquele território. Paredes, móveis e brinquedos 
coloridos espalharam-se por ali e transformaram não só o espaço como também, 
de certa forma, a relação da equipe com aquele lugar de possíveis encontros, 
risos, encantamentos, agenciamentos, educação, brincadeiras ... 
Desde então, os educadores puderam levar seu grupo à sala e 
II Livres e/ou direcionadas. 
Avesso do Avesso, v.4, n.4, p. 74 - 99, novo 2006 93 
desenvolver a atividade que fosse de seu interesse com as crianças que, por sua 
vez, contavam com brinquedos, fantoches, fantasias, material de leitura, sucata, 
televisão/vídeo, instrumentos musicais (bandinha), aparelho de som com fitas e 
discos, etc. 
Outro episódio importante foi a realização da oficina intitulada "Toda 
brincadeira não devia ter hora para acabar". A partir da inauguração da 
Sala de Multimeios, a equipe solicitou que a bolsista trouxesse mais materiais e 
bibliografia sobre ludicidade. No encontro da Formação Continuada12 realizado 
na UEI, foram desenvolvidas dinâmicas, leitura de textos teóricos (acerca do 
tema brincar), debate e, principalmente, brincadeiras. Foi levada também, uma 
grande quantidade de materiais de sucata para que os educadores pudessem 
contar com outras formas e possibilidades de brinquedos e jogos: os que fossem 
produzidos por eles e pelas crianças. O trabalho desenvolvido na oficina suscitou 
a mobilização e articulação dos educadores para um novo planejamento da 
Semana da Criança (semana comemorativa do Dia das Crianças). Sendo assim, 
o grupo elaborou um calendário e um cronograma de atividades de brincadeira 
a serem propostas às crianças todas as manhãs daquela semana, possibilitando 
articulações, conexões e trocas entre elas. 
Aqui, uma reflexão prático-teórica pode ser feita: de acordo com 
Lev Vygotsky (1989), a construção do conhecimento e da subjetividade do 
sujeito são processos sócio-históricos e não formações naturais, como afirmam 
outros pensadores. Não podemos falar de um sujeito epistemológico, que não 
está em um lugar específico. Segundo ele, o desenvolvimento não éalgo linear, 
fechado e previsível, há mudanças e especificidades possíveis de acordo com 
cada sujeito, estando as relaçõese interações em permanente movimento, em 
transformação. Sendo assim, o contexto deve ser sempre levado em conta na 
12 Encontro do mês de setembro de 1998. 
94 Avesso do Avesso, v.4, n.4, p.74 99, novo 2006 
pesquisa e análise acerca do indivíduo e seu desenvolvimento. O social exerce 
uma mediação fundamental no desenvolvimento humano. O corpo é social, o 
mundo e o corpo do sujeito são coexistentes, a criança sente o mundo. Sendo 
assim, os momentos de partilha, de encontros e experiências no coletivo são 
extremamente importantes. 
Contamos ainda com a apresentação para as crianças da atriz e 
contadora de histórias Fátima Café na Semana da Criança. A apresentação 
contou com a participação das crianças e dos educadores ao longo de toda a 
história I3 que em sua maioria nunca havia tido acesso a esse tipo de trabalho e 
atividade desdobrando-se, na outra semana, em diferentes atividades em sala 
sobre a temática despertada pelo conto. 
Um contador de histórias educa, socializa, informa e 
desperta a imaginação das crianças na creche. ( ... ) A 
história alimenta a emoção e a imaginação. Agrada a 
todos de modo geral, sem distinção de idade, de classe 
social, de circunstância de vida. Todos os que tiveram 
um contador de histórias em sua história de vida sabem 
o quanto ele é importante. (COSTA apud ROSSETI­
FERREIRA, 1998, p. 86) 
As atividades descritas não só articularam-se ao brincar, como tam­
bém favoreceram a consolidação de um novo campo de atuação da Psicologia, 
como recusa da idéia de um trabalho clínico dentro dessa Instituição Pública de 
Educação. A abordagem da equipe do NMPEEC O a 6 anos, inaugurou a 
implantação de uma outra prática psicológica no espaço de educação, visando a 
13 Conto do Príncipe Lagartão. 
Avesso do Avesso. v.4. n.4. p, 74 - 99. nov, 2006 95 
desnaturalizar as várias demandas por atendimento e cuidados clinicos que par­
tiam comumente das instituições educacionais. Nossa prática sempre esteve 
voltada para a observação e análise das relações interpessoais refletidas nas 
interações entre criança-criança, educador-criança, educador e sua práxis, cre­
che-criança-fanulia e pesquisadora-criança-educador. Dedicamo-nos ao estu­
do dos processos de desenvolvimento infantil; das contribuições que o brincar 
pode trazer a tal processo; e, da formação da subjetividade de todos os atores 
envolvidos, como nós, na trama de conexões, agenciamentos, movimentos e 
caminhos nos campos da Psicologia e da Educação Infantil. Rede de encontros 
e produções: Subjetividade, Ludicidade, Infância. 
Considerações Finais "Toda brincadeira não devia ter hora para acabar" 
Procuramos, junto aos educadores, construir um outro olhar sobre 
o lúdico, compreendendo-o como essencial na formação da criança 
(subjetividade) e na construção do conhecimento. Visamos ainda, a acompanhar 
processos individuais de desenvolvimento nos espaços programados para 
brincadeiras no coletivo e analisar processos que emergiam a medida que as 
crianças atuavam no seu meio físico e social, delineando um universo próprio de 
brincar. 
Presenciamos encontros e desencontros, muitas vezes marcados 
por uma grande imobilidadede todos os envolvidos (inclusive nossa), mas também 
marcados por motivações, apesar dos baixos salários e das condições 
desfavoráveis ao trabalho. Buscamos co-construir com os sujeitos da creche 
um outro projeto educacional, onde houvesse possibilidades de rupturas com o 
modelo fechado e tradicional vigente na sociedade contemporânea e alternativas 
de construção de novas trilhas e caminhos, novas narrativas e outras formas de 
ser, com maior abertura, dando espaço ao novo, ao diverso. 
96 Avesso do Avesso, v.4, nA, p.74 - 99, novo 2006 
----_........._-­
Nosso trabalho objetivou deslocar essas atividades lúdicas do lu­
gar secundário que comumente ocupam, visando a promover, junto às educa­
doras, a necessidade de preparar esses espaços e, principalmente, de atentar 
para o que nele acontece, planejando e estruturando certas atividades não só 
dentro das salas como também nos espaços externos. O brincar representa um 
caminho pleno de novidades e surpresas possibilitando-nos entrar em contato 
com a cultura infantil e seu mundo social, afetivo e cognitivo. Um investimento 
mais profundo nessa práxis traz, sem dúvida, a ampliação das trilhas e oportuni­
dades no campo do desenvolvimento e o enriquecimento das relações 
interpessoais nos espaços de educação, bem como em todo e qualquer universo 
de troca entre adultos e crianças. 
Fazemos nossas as palavras de Madalena Freire, emA paixão de 
conhece r o mundo (1983): 
Quando se tira da criança a possibilidade de conhecer 
este ou aquele aspecto da realidade, na verdade se está 
alienando-a da sua capacidade de construir o seu 
conhecimento. Porque o ato de conhecer é tão vital como 
comer ou dormir, e eu não posso comer ou dormir por 
alguém. A escola em geral tem essa prática, a de que o 
conhecimento pode ser doado, impedindo que a criança 
e, também, os professores o construam. Só assim a busca 
do conhecimento não é preparação para nada, e sim 
VIDA, aqui e agora. E é esta vida que precisa ser 
resgatada pela escola. Muito temos que caminhar para 
isso, mas é no hoje que vamos viabilizando esse sonho 
de amanhã. (p. 15) 
Avesso do Avesso, vA. nA. p. 74 99, novo 2006 97 
JORGE, Ana Soares. Play Activities and Early Childhood education. Avesso 
do Avesso, Araçatuba, vA, n.4 , p. 77 - 99, novo 2006. 
Abstract: This article is based on a intervention-study in association to the 
integrated project Constructing Knowledge and Subjectivity with the Child 
Educator and the Child- (Construindo o Conhecimento e a Subjetividade 
com o Educador Infantil e a Criança )-which took place at municipal day care 
centers, perforrned by the Nucleusfor Multídisciplinary Research, Expansion 
and Study of Children from O to 6 years old psychology team (UFF). This 
study-intervention was possible due to a grant frrrned between the Nucleus and 
the Municipal Foundation for Education for the city ofNiteroi. 
By observing and experiencing the daily activities at one of the day care facilities, 
we devised a path for the dialogue and co-construction of a work which would 
enable them to think, analyze and enrich their teaching thru play practices. 
Therefore, the Project to Piay (Projeto Brincar), was constructed and 
developed by the team of teachers at the day care and I. The purpose of this 
project was to move these play activities from the secondary place they have 
occupied so far, with the intent to instigate the teachers for the need to prepare 
these spaces, and mainly, to ponder on what happens in them. Also, to suggest 
planning and structuring sorne activities not only inside the classroom but also in 
the outside spaces. 
Key words: Play Activities. Early Childhood Education. Development 
Referências Bibliográficas 
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98 Avesso do Avesso. vA, nA, p.74 99, novo 2006 
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1975.(Footnotes) 
Avesso do Avesso. vA. nA, p. 74 - 99, novo 2006 99

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