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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI ÉTICA GUARULHOS – SP SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO A ÉTICA: O PROBLEMA DA DEFINIÇÃO ................................... 3 1.1 Funções da ética ............................................................................................ 6 1.2 Os métodos próprios da ética ........................................................................ 6 1.3 O termo meta-ética ........................................................................................ 7 2 DIVISÃO DA ÉTICA .............................................................................................. 7 2.1 Descrição ou prescrição como fundamento classificatório. ............................ 7 2.2 Éticas naturalistas e não-naturalistas ............................................................. 8 2.3 Éticas cognitivistas e não-cognitivistas .......................................................... 8 2.4 Éticas de motivos e éticas de fins .................................................................. 8 2.5 Éticas de bens e de fins ................................................................................. 9 2.6 Éticas materiais e éticas formais .................................................................... 9 2.7 Éticas substancialistas e procedimentalistas ................................................. 9 2.8 Éticas teleológicas e deontológicas ............................................................. 10 2.9 Éticas da intenção e éticas da responsabilidade .......................................... 11 2.10 Éticas de máximos e éticas de mínimos ...................................................... 11 3 ÉTICA GREGA: GRANDES FILÓSOFOS E OS ENTENDIMENTOS DE ÉTICA 12 3.1 Ética para Sócrates ...................................................................................... 13 3.2 Ética para Platão. ......................................................................................... 14 3.3 Ética para Aristóteles ................................................................................... 18 3.4 Ética para Estoicos ...................................................................................... 21 3.5 Ética para Peter Singer ................................................................................ 23 4 FUNDAMENTAÇÃO TEOLÓGICA DA ÉTICA MEDIEVAL ................................. 24 4.1 Ética da era do ser ....................................................................................... 26 4.2 Éticas do período helenista .......................................................................... 27 4.3 Epicurismo ................................................................................................... 28 4.4 Estoicismo .................................................................................................... 28 4.5 Agostinho de Tagaste .................................................................................. 29 4.6 Tomás de Aquino ......................................................................................... 29 4.7 Éticas da era da “consciência” ..................................................................... 30 4.8 O sentimento moral: Hume .......................................................................... 30 4.9 A ética formal de Kant .................................................................................. 31 4.10 A ética material dos valores: Scheler ........................................................... 32 4.11 O utilitarismo ................................................................................................ 33 4.12 Éticas do movimento socialista .................................................................... 34 5 ÉTICA MODERNA .............................................................................................. 35 5.1 A Crise Ética na Modernidade ...................................................................... 36 5.2 A noção Ética Moderna: A Ética e a Moral ................................................... 39 5.3 Ética e Alteridade: As Relações Contemporâneas ....................................... 41 6 O MODELO DEONTOLÓGICO EM KANT .......................................................... 49 7 ETICIDADE E MORALIDADE EM HEGEL ......................................................... 52 7.1 As críticas de Hegel a Ética kantiana ........................................................... 54 7.2 Eticidade e moralidade na política ............................................................... 58 8 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ..................................................................................... 61 3 1 INTRODUÇÃO A ÉTICA: O PROBLEMA DA DEFINIÇÃO Fonte: margaridats.blogspot.com.br A ética é construída por uma sociedade com base nos valores históricos e culturais. Do ponto de vista da Filosofia, a Ética é uma ciência que estuda os valores e princípios morais de uma sociedade e seus grupos. Em primeiro lugar, não podemos discutir ética sem antes estabelecermos algumas definições preliminares sobre o termo, sobre do que trata está área de conhecimento. Etimologicamente, o termo ética vem do grego derivado da palavra ethos, que diz respeito aos costumes, a conduta moral e aos hábitos dos homens em sociedade. Baseados nisso, podemos dizer que ética é uma parte da filosofia que lida com a compreensão das noções e dos princípios que sustentam as bases da moralidade social e da vida individual. Trata-se de uma reflexão sobre o agir e o valor das ações humanas em sociedade. É uma área da Filosofia que trata dos ideais e valores que devem ou deveriam existir na convivência humana. No dizer de Boff (2003, p.11) “Ética é um conjunto de valores e princípios, de inspirações e indicações que valem para todos, pois estão ancorados na nossa própria humanidade”. A ética serve para que haja um equilíbrio e bom funcionamento social, possibilitando que ninguém saia prejudicado. Neste sentido, a ética, embora não possa ser confundida com as leis, está relacionada com o sentimento de justiça social. 4 A existência humana é permeada de questionamentos de cunho ético, que na maioria das vezes requerem respostas imediatas: Posso abortar? Devo denunciar quem tentou me subornar? Posso contaminar meus semelhantes com o vírus da AIDS? Essas questões de existência fatual existem, simplesmente, e de uma realidade normativa – aquilo que deve ser. Na tentativa de transformar “aquilo que é” “naquilo que deve ser” o homem se caracteriza como um ser moral. É refletindo acerca dessas questões que Sousa (2005) nos afirma que O homem é um ser que possui um senso ético e uma consciência moral. Isso quer dizer que constantemente ele avalia suas ações para saber se são boas ou más, certas ou erradas, justas ou injustas. Além disso, faz juízos de valor sobre o modo de ser e de agir dos demais seres humanos. Nesse sentido, é possível que a ética ilumina a consciência humana, sustenta e dirige as ações do homem, norteando sua conduta individual e social (p. 27-28). Diante disso, podemos afirmar que a ética se preocupa diretamente com o comportamento do homem em sociedade, julgando como certa ou como errada as ações humanas. Nas palavras de Valls (1987, p. 7) “a ética pode ser o estudo das ações e costumes e pode ser a própria realização de um tipo de comportamento”. Parafraseando Vásquez (2006) a ética é um conjunto de valores morais e princípios que norteiam a conduta humana na sociedade. A ética serve para que haja um equilíbrio e bom funcionamento social, possibilitando que ninguém saia prejudicado. Neste sentido, a ética, embora não possa ser confundida com as leis materiais, está relacionada com o sentimento de justiça social. Segundo Vásquez (2006, p. 18), “ética é a teoriaou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, é a ciência de uma forma específica do comportamento humano”. A ética é construída por uma sociedade com base nos valores históricos e culturais. É uma ciência que estuda os valores e princípios morais de uma sociedade e seus grupos. A ética se preocupa, [...] com as formas humanas de resolver as contradições entre necessidade e possibilidade, entre tempo e eternidade, entre indivíduo e o social, entre o econômico e o moral, entre o corporal e o psíquico, entre o natural e o cultural entre a inteligência e a vontade (VALLS, 1987, p. 56). Pedimos licença para tecer um breve comentário sobre esta assertiva, uma vez que neste ponto é possível refletir que, sobre o uso da inteligência em relação aos preceitos éticos, o nosso agir passa pelo crivo da razão filosófica, o que pode nos 5 levar ao controle de nossas vontades; sendo estas reveladas pelo controle de nosso instinto, caprichos e/ou desejos. Esse agir individual poderá incidir sobre o coletivo uma vez que cada sociedade e cada grupo possuem seus próprios códigos de ética. Num país, por exemplo, sacrificar animais para pesquisa científica pode ser ético. Em outro país, esta atitude pode desrespeitar os princípios éticos estabelecidos. Aproveitando o exemplo, a ética na área de pesquisas biológicas é denominada bioética. Além dos princípios gerais que norteiam as relações sociais, existe também a ética de determinados grupos ou locais específicos. Neste sentido, podemos citar: ética médica, ética de trabalho, ética empresarial, ética educacional, ética nos esportes, ética jornalística, ética na política, etc. Uma pessoa que não segue a ética da sociedade a qual pertence é chamado de antiético, assim como o ato praticado. Dessa forma, é possível afirmar que a ética também é o respeito aos costumes gerais de uma determinada sociedade ou grupo. Os valores éticos podem se transformar. Assim como a sociedade se transforma. Nesse sentido, o que há tempos atrás era considerado errado hoje pode ser aceito. Desse modo, uma determinada ação só seria errada apenas enquanto ela não fosse o tipo de comportamento vigente (VALLS, 1987). A ética pode ser vista como uma reflexão acerca da influência que o código moral estabelecido exerce sobre a nossa subjetividade, e acerca de como lidamos com essas prescrições de conduta, se aceitamos de forma integral ou não esses valores normativos. Dessa forma, até que ponto nós damos o efetivo valor a tais valores. Poderíamos então sintetizar essa breve reflexão afirmando que o julgamento ético é sempre uma decisão subjetivo-pessoal do indivíduo baseado nos costumes sociais vigentes em um determinado grupo social, época e lugar. De acordo com Chauí (2008), a filosofia moral ou a disciplina denominada ética nasce quando se passa a indagar o que são, de onde vêm e o que valem os costumes. Isto é, nasce quando também se busca compreender o caráter de cada pessoa, isto é, o senso moral e consciência moral individual. Assim, podemos dizer que o Senso Moral é a maneira como avaliamos nossa situação e a dos outros segundo ideais como o de justiça, injustiça, bom e mal. Para concluir essa sessão, podemos dizer que a ética, é uma reflexão filosófica, puramente racional, sobre a moral. Assim, procura justificá-la e fundamentá-la, encontrando as regras que, efetivamente, são importantes e podem ser entendidas 6 como uma boa conduta a nível mundial e aplicável a todos os sujeitos, o que faz com que a ética seja de caráter universal, por oposto ao caráter restrito da moral, visto que esta pertence a indivíduos, comunidades e/ou sociedades, variando de pessoa para pessoa, de comunidade para comunidade, de sociedade para sociedade. O objeto de estudo da ética é, portanto, o que guia a ação: os motivos, as causas, os princípios, as máximas, as circunstâncias; mas também analisa as consequências dessas ações. Desta forma, é possível afirmarmos que violar um princípio ético exige coragem individual e que a ética, por sua vez, sofre mudanças sociais porque o indivíduo se propõe mudar um costume coletivo, o que por vez, pode influenciar outros indivíduos a agir sob a mesma conduta, causando (ou não) com isso, as mudanças de hábito/costumes/morais na sociedade na qual o indivíduo está inserido. A ética não se identifica com nenhum código moral, mas isso não significa que ela seja neutra diante dos diferentes códigos, pois ela é crítica dos costumes morais. 1.1 Funções da ética A ética tem uma tripla função: 1) esclarecer o que é a moral, quais são seus traços específicos; 2) fundamentar a moralidade, ou seja, procurar averiguar quais são as razões que conferem sentido ao esforço dos seres humanos de viver moralmente; 3) aplicar aos diferentes âmbitos da vida social os resultados obtidos nas duas primeiras funções, de maneira que se adote uma moral crítica em vez da subserviência a um código. 1.2 Os métodos próprios da ética A moral dogmatiza com seus códigos, enquanto que a ética argumenta criticamente. Não há totalitarismo em exigir argumentação, mas é totalitário o dogmatismo da mera autoridade, das pretensas evidências, das emoções e das metáforas. Filosofar é argumentar. Este é o modo de proceder da filosofia moral. Os métodos para argumentar podem ser muitos: empírico-racional (Aristóteles), empirista e racionalista (era moderna), transcendental (Kant), dialético-absoluto (Hegel), dialético-materialista (Marx), genealógico-desconstrutivo (Nietszche), fenomenológico 7 (Husserl, Scheler), análise da linguagem (Moore, Stevenson, Ayer), neocontratualista (Rawls). 1.3 O termo meta-ética Meta-ética refere-se aos autores da análise da linguagem. Ela é uma metalinguagem ocupada em esclarecer os problemas tanto linguísticos como epistemológicos da ética. Ela tenta discernir a cientificidade, a suficiência, os caracteres formais, a situação epistemológica da ética. 2 DIVISÃO DA ÉTICA Variedade de enfoques na ética tem sua origem na diversidade dos métodos filosóficos empregados para entender o fenômeno moral ou pela contraposição a teorias éticas anteriores. Desses confrontos surgem várias classificações. Respondem a diversos modos lógicos de entender o moral, destacando mais um aspecto do fenômeno moral. Por isso, cada uma delas, corresponde a uma vertente do fenômeno total da moralidade. As classificações ajudam a se aproximar da lógica da ação moral. 2.1 Descrição ou prescrição como fundamento classificatório. Durante algumas décadas esteve difundida a classificação entre éticas normativas e descritivas. Alguns filósofos morais descrevem como as pessoas se comportam de fato em relação a assuntos morais, outros apontam para o modo como as pessoas devem comportar-se. O primeiro considera a moral como um fenômeno a ser descrito e explicado e o segundo como um conteúdo a ser recomendado. Hoje essa distinção é criticada, porque a dimensão normativa faz essencialmente parte da moral, embora diferentemente sob o ponto de vista cotidiano imediato ou sobre a perspectiva da filosofia moral que explica e fundamenta o fenômeno moral. 8 2.2 Éticas naturalistas e não-naturalistas Esta classificação foi proposta por Moore com o objetivo de mostrar que a moral não se identifica com fenômenos naturais que afetam a vida humana. Daí que éticas que reduzem a moral ao prazeroso ou a busca da felicidade seriam naturalistas, enquanto que aquelas que concebem a moral como um âmbito autônomo, irredutível a outros fenômenos, seriam éticas não naturalistas. 2.3 Éticas cognitivistas e não-cognitivistas Diz respeito à possibilidade de enunciados morais suscetíveis de verdade ou falsidade. Assim as primeiras consideram a moral como mais um âmbito do conhecimento cujos enunciados podem ser verdadeiros ou falsos. As não- cognitivistas negam quese possa falar de verdade ou falsidade com respeito à moral, concebendo-a como algo alheio ao conhecimento. Hoje o cognitivismo moral aparece sob outra forma em que a questão não é a verdade ou falsidade de enunciados morais, mas a possibilidade de argumentar racionalmente para chegar a normas morais. A questão não é lógica, mas dialógica. Este é o caso da ética do discurso. 2.4 Éticas de motivos e éticas de fins Ambas encaram a natureza humana como uma pauta para a conduta, mas chegam a ela por caminhos diferentes. A ética de motivos realiza a investigação empírica das causas das ações. Pretende ver quais motivos efetivamente determinam a conduta humana. O bem ou o fim moral responde a aspirações afetivas. Desta vertente é o epicurismo e o utilitarismo. O problema desta ética é o subjetivismo dos motivos como fundamentação da moral. A ética dos fins supera este problema, investigando não tanto o que motiva, mas em que consiste o aperfeiçoamento e a plenitude humana, porque nisto reside o bem do ser humano. Assim o acesso à natureza não é empírico, como é o caso da primeira, mas tentará chegar à essência do ser humano. Nesta linha estão os gregos e os medievais. O positivo é a sua objetividade, mas o problema são as diferentes interpretações da essência humana. 9 2.5 Éticas de bens e de fins As éticas de bens consideram que o bem moral consiste na realização de um fim subjetivo, isto é, na obtenção de um bem desejado. Algumas priorizam o conjunto dos bens sensíveis, outras fazem uma seleção. As éticas de fins defendem que o bem moral reside no cumprimento de um fim objetivo independente do desejo do sujeito. Este fim pode ser o aperfeiçoamento do indivíduo ou da sociedade. 2.6 Éticas materiais e éticas formais Classificação procede de Kant. As éticas materiais afirmam que o critério de moralidade para avaliar ações, são os enunciados com conteúdo, pois existem bens e valores moralmente determinados. Aqui o fundamento da moral é definido pela ontologia, teologia, sociologia ou psicologia empírica, mas não a partir da própria moralidade. A fundamentação proposta por Kant foi uma revolução em relação a esse modo de fundar a moral, pois aposta na autonomia e não na heteronomia. As éticas formais dizem que o bem moral não depende de um conteúdo, mas da forma de alguns comandos. Normas que assumem determinada forma são válidas, porque assumem a forma da razão. Essa forma evidencia-se quando se adota a perspectiva da igualdade (em um mundo de pessoas empiricamente desiguais) e da universalidade (em um mundo com indivíduos, dotadas de preferências subjetivas). A vontade que adota essas perspectivas atua autonomamente, racionalmente e humanamente, pois cria um mundo humano (moral, jurídico, político, religioso) em meio a um mundo empírico. Ela é a base da moralidade. 2.7 Éticas Substancialistas e Procedimentalistas As éticas procedimentais (Habermas, Appel, Kohlberg) seguem o formalismo de Kant, substituindo alguns elementos criticáveis. Defendem que a ética não tem como tarefa recomendar conteúdos morais concretos, mas apenas descobrir procedimentos que possam legitimar ou deslegitimar normas procedentes da vida cotidiana. O procedimento básico é a racionalidade prática no sentido kantiano, isto é, o ponto de vista de uma vontade racional universalizável. O que a razão propõe 10 como obrigatório não pode identificar-se com o que de fato se deseja ou o que subjetivamente convém, mas o que qualquer pessoa desejaria adotar na perspectiva da igualdade e da universalidade, porque este é o ponto de vista moral. Uma limitação do formalismo kantiano era a concepção monológica da razão. Os procedimentalistas propõem uma visão dialógica da razão. Isso aparece na ética de Rawls, na ética do discurso e na teoria de Kohlberg. As éticas substancialistas afirmam que é impossível falar de normas sem ter como pano de fundo uma concepção partilhada do que é uma vida moralmente boa. Para eles, a principal questão, no âmbito da moral, não são as normas morais justas, mas os fins, os bens, as virtudes comunitariamente vividas num contexto vital concreto. Eles criticam os procedimentalistas por não serem capazes de criar laços de coesão social e de terem uma visão abstrata e vazia. 2.8 Éticas teleológicas e deontológicas Alguns distinguem entre éticas que prestam atenção às consequências, identificadas com as teleológicas (teleos designa em grego o fim), e éticas que não as levam em consideração, pois estão centradas no dever, sendo denominadas de deontológicas (deón em grego é dever). Mas essa distinção não é mais útil, porque nenhuma teoria ética hoje desconsidera as consequências. Teleológica é uma ética que sustenta que o que é correto só pode ser definido a partir das consequências que uma dada ação produz. Isso se dá por que para esse tipo de teoria ética, só podemos afirmar o que é correto se antes definirmos o bem a ser alcançado. Seguindo Frankena, Rawls propõe outra definição mais adequada. Éticas teleológicas ocupam-se em discernir o que é o bem não moral antes de determinar o dever, considerando moralmente boa a maximização do bem não moral. Éticas deontológicas definem o âmbito do dever antes de se ocupar do bem, só considerando bom o que é adequado ao dever. Apesar das duas teorias, teleológica e deontológica, terem concepções diferentes, isso não quer dizer que as duas são contrárias em tudo. Em muitos casos as duas possuem a mesma opinião a cerca de uma determinada ação. O que vai diferenciar são as justificativas que as duas encontram para se opor a esta ação. 11 2.9 Éticas da intenção e éticas da responsabilidade A distinção foi introduzida por Max Weber no seu trabalho sobre a Política como vocação. Para o político apresentam-se duas atitudes possíveis: seguir a ética absoluta incondicionada ou a ética da responsabilidade. Para a primeira, importam a convicção interna, a pureza de intenção, a correção da religião. A segunda, ao contrário, atende aos efeitos das ações pelos quais assume a responsabilidade. O eticista da convicção ou da intenção fundamenta a sua ação na convicção do racionalismo cósmico-ético. O eticista da responsabilidade se apoia na justificação dos meios pelo fim. O principal defeito da ética da intenção é o mal não desejado como consequência da ação bem intencionada, enquanto que o da ética da responsabilidade é o mal aceito como meio para o fim. Weber propõe que as duas devem complementar-se. 2.10 Éticas de máximos e éticas de mínimos Muitos autores propõem a distinção entre o justo e o bom dentro do fenômeno global da moralidade. Os dois se complementam, pois não posso definir o justo sem ter alguma ideia de vida boa, nem posso esboçar um ideal de felicidade sem considerar os elementos da justiça. Apesar disso é importante distingui-los, porque justo é aquilo que é exigível de todos, tendo presente interesses universalizáveis. A justiça refere-se ao que é exigível no fenômeno moral, além de ser exigível para qualquer ser racional que queira pensar moralmente. Portanto justo é aquilo que satisfaz os interesses universalizáveis atingidos por um diálogo entre todos os afetados em condições de simetria. Ao contrário, quando falamos que algo é bom ou que proporciona felicidade não podemos exigir que qualquer ser racional o considere como bom, porque essa é uma opção subjetiva. Por isso ganha espaço hoje a distinção entre éticas de mínimos (éticas da justiça) e éticas de máximos (éticas de felicidade). As primeiras ocupam-se da dimensão universalizável do fenômeno moral, isto é, daqueles deveres exigíveis de qualquer ser racional, identificada com as exigências mínimas. As éticas de felicidade oferecem ideais de vida boa, possíveis de hierarquização, para atingir a maior felicidade. Trata-se de éticas de máximos que aconselham modelosmorais que 12 dependem de uma opção subjetiva, não sendo exigíveis para qualquer ser racional. Nesse campo existe um pluralismo axiológico de modelos (axios = valor). 3 ÉTICA GREGA: GRANDES FILÓSOFOS E OS ENTENDIMENTOS DE ÉTICA Fonte: portalconscienciapolitica.com.br A ética pode ser entendida como um estudo ou uma reflexão sobre ações, costumes ou comportamentos. É de extrema importância destacar que a ética está diretamente ligada aos hábitos e costumes, e esses mudam de acordo com o tempo e a localização. Sendo assim, o que é considerado ético hoje, pode não o ser amanhã e o que é considerado certo em determinado país ou localidade, pode não o ser em outro. Álvaro Valls (2000) traz assim, uma definição mais abrangente de ética, onde a entende como hábitos e comportamentos aceitos em determinado espaço de tempo e em determinada localidade de acordo com os costumes vigentes, enquanto considerados morais pela maioria da sociedade, deixando clara a condição situacional da ética. 13 3.1 Ética para Sócrates Fonte:dannybia.com Os grandes pensadores da ética buscaram uma universalização dos princípios éticos. No entanto, a grande diversidade de costumes e culturas, torna difícil essa universalidade. Alguns pensadores se destacaram, conforme mostra Valls (2000) e não podem deixar de serem citados no estudo da ética. Na Grécia antiga, entre os anos de 500 e 300 a.C., aproximadamente, pode-se encontrar inúmeras reflexões acerca da ética que são de extrema importância não somente para aquele tempo, mas para todo o fundamento do pensamento sobre a ética até os dias de hoje. Dentre eles, encontra-se o grego Sócrates que viveu entre 470 e 399 a.C. e que se destaca por ter desafiado a cidade-estado, questionando as leis, mesmo obedecendo-as, fazendo com que o conservadorismo grego o condenasse a beber veneno. Apesar de não ter deixado nada escrito, seus ensinamentos podem ser observados por intermédio dos seus discípulos, dentre eles Platão em seus diálogos. Séculos depois, Sócrates foi chamado de fundador da moral, pela tentativa de compreensão da justiça através da sua convicção pessoal. Valls (2000) aborda moral 14 como sinônimo. Para muitos, Sócrates de ética, com pequeno destaque para a interiorização das normas. Platão, que viveu entre 427 e 347 a.C., discípulo de Sócrates, acreditava que todos os homens estavam em busca da felicidade, no entanto, sempre se questionava, onde estaria esse bem supremo. Ética para Sócrates basta saber o que é bondade para que se seja bom. Na época de Sócrates era uma noção perfeitamente coerente com o pensamento, ainda que não com a prática da sociedade grega. Para Sócrates pode ser atribuída à origem da ética (ou filosofia moral), tendo como ponto de partida a consciência do agente moral, “É sujeito ético ou moral somente aquele que sabe o que faz, conhece as causas e os fins de sua ação, o significado de suas intenções e de suas atitudes e a essência dos valores morais”. Sócrates afirma que apenas o ignorante é vicioso ou incapaz de virtude, pois quem sabe o que é bem não poderá deixar de agir virtuosamente. Sócrates não foi somente o bom; procurou também a ciência do ser bom, a ética, à filosofia moral, a partir de princípios gerais absolutos, tendo como fim da ação a felicidade. A ética para Sócrates reside no conhecimento e na felicidade. Aquele que comete o mal crê praticar algo que o leve à felicidade, por ter seu juízo enganado por meros "achismos”. Por isso é preciso, antes, conhecer a si mesmo. Depois disso valorizar acerca do bem e do mal. A felicidade, para ele, não se resumia a bens materiais, riquezas, conforto ou status perante os demais homens. Sua ética é, portanto teleológica, a forma da moral é fundamentalmente finalista como todas as éticas antigas. Bom é o que atende aos fins do homem, em especial ao seu desejo de felicidade. A moral é, portanto, um bem viver em vista de uma hierarquia de faculdades do homem, a felicidade procurada se ordena de tal maneira a fazer prevalecer a do espírito. No caso de Sócrates este espírito resulta em certa rigidez, por causa do sem sentido das coisas materiais e da necessidade do purificar a alma de delitos anteriores. O comportamento quase ascético de Sócrates é resultado desta sua moral com base no dualismo órfico (dogmas, mistérios, princípios e poemas filosóficos atribuídos a Orfeu). 3.2 Ética para Platão. Platão parecia acreditar em uma vida após a morte, demonstrando em seus diálogos a espera da felicidade especialmente depois da morte. Ele acreditava que 15 esta vida devia servir de contemplação de ideias, dentre elas, a principal, a ideia do bem. Segundo João Mattar (2004), Platão teve outra importância, fundando o que pode ser considerada a primeira universidade da história da humanidade ao fundar sua Academia. Suas obras são descritas em diálogos e cartas. Fonte:profselione.blogspot.com.br Como Sócrates, Platão também teve seus discípulos, dentre eles, Aristóteles, que viveu entre 384 e 322 a.C., pensador que analisava depoimentos sobre a vida das pessoas e das diferentes cidades gregas. Também compara o ser e o bem, relevando as diversidades de ambos e enfatizando que cada substância terá o seu ser em busca do seu bem, para que o homem atinja a felicidade. Mas Aristóteles compreende que o homem não necessita de um único bem supremo; em sua complexidade, necessita de vários bens, de diversos tipos, formando um conjunto. Segundo Álvaro Valls (2000). Platão propõe uma ética transcendente, dado que o fundamento de sua proposta ética não é a realidade empírica do mundo, nem mesmo as condutas humanas ou as relações humanas, mas sim o mundo inteligível. O filósofo centra suas indagações na Ideia perfeita, boa e justa que organiza a sociedade e dirige a conduta humana. As Ideias formam a realidade platônica e são os modelos segundo os quais os homens tem seus valores, leis, moral. Conforme o conhecimento das ideias, das essências, o homem obtém os princípios éticos que governam o mundo social. 16 O uso reto da razão é entendido como o meio de alcançar os valores verdadeiros que devem ser seguidos pelos homens. No mito da caverna, o filósofo expõe a condição de ignorância na qual se encontra o homem ao lidar com o conhecimento das aparências. Somente pelo conhecimento racional o homem pode elevar-se até as Ideias, até o Ser e conhecer a verdade das coisas. Isto se dá através do método dialético, o qual elimina as aparências e encontra as essências, a verdade no conhecimento das coisas. Este método filosófico tem por finalidade libertar os homens da ignorância e levá-los ao conhecimento de ideia em ideia, até alcançar o conhecimento da Ideia Suprema: o Bem. As outras ideias participam desta e devem sua existência a esta. O Bem ilumina o ser com verdade, permitindo que seja conhecido, assim como o Sol ilumina os objetos e permite que sejam vistos – nota-se aqui a analogia entre Bem e Sol apresentada no mito da caverna. Existem diversas ideias e é devido à participação nestas, mesmo que enquanto cópia imperfeita, que se fez possível o mundo sensível. Ao contemplar a ideia do Bem, o homem passa a sofrer as exigências do Ser, isto é, suas ações devem ser pautadas conforme a ideia contemplada. A alma humana – de suma relevância para a ética platônica- é tripartite, isto é, forma-se pela inteligência, pela irascibilidade e pela concupiscência. Tal como as partes da cidade ideal, cada uma das partes da alma possui suas funções específicas que não podem ser exercidas por nenhuma das outras partes. Cada uma das partes da cidade e, por analogia, cada uma das partes da alma, possui uma função própria a qual pode ser executada com excelência ou não, e, ao executá-la com excelência, sua virtude própria é exercida. A virtude é definida,pois, como capacidade de realizar a tarefa que lhe é inerente. No caso do governante da cidade e da alma racional, a virtude inerente aos mesmos é a sabedoria; no caso dos guerreiros e da parte irascível da alma, a virtude que lhes é própria é a coragem; por fim, no caso da parte concupiscente da alma e dos produtores de bens da cidade, a virtude própria é temperança. Dada a posição de cada classe, pode-se definir a justiça como cada parte fazendo o que lhe compete, conforme suas aptidões. Portanto, ao estabelecer uma relação de analogia entre a sociedade e indivíduo, Platão define o conceito de justiça – o qual seria também concebido como princípio de equilíbrio do indivíduo e da sociedade – e o liga ao conceito de virtude. 17 O sentimento de justiça é, pois, a virtude maior cujo valor ético guia as condutas dos homens. Para que esta virtude seja alcançada, o homem deve buscar o bem em si mesmo, porque ele realiza o ideal de justiça, tanto com relação ao bem individual quanto social. A ética platônica ocupa-se com o correto modo de agir e sua relação com o alcance da felicidade. Contudo, o discurso ético apresentado na República acerca da felicidade relaciona esta com o conceito de justiça. O problema da justiça enquadra- se no âmbito político, o qual tem estreita relação com o campo da ética: é deste modo que surge a tese central de que só o justo é feliz. No diálogo República, buscando a constituição da cidade ideal, surge o problema cerne acerca da definição da justiça para que se pudesse, posteriormente, definir o que é a justiça tanto no indivíduo quanto no Estado. Há, pois, um paralelo entre Estado e indivíduo a fim de que se encontre a definição de justiça. Para Platão, a sociedade seria como algo orgânico e bem integrado, como uma unidade construída por vários elementos independentes, embora integrados. A cidade forma-se por três classes, como já apontamos, e cada classe possui sua função específica. Deve-se notar que tais funções são determinadas conforme as aptidões naturais de cada membro da cidade. O objetivo desta divisão é mostrar com mais clareza como ocorre o mesmo na alma humana. A finalidade da cidade justa e boa é, então, propiciar a felicidade do indivíduo ao viabilizar a prática de suas virtudes, de suas aptidões específicas. Devemos ter em mente que a virtude correspondente a cada classe da cidade e a cada parte da alma humana deve ser ensinada visando a realização do ideal da polis. Esta educação embasa-se no método dialético ascendente, o qual liberta o homem dos sentidos e o eleva até o mundo inteligível, até o ponto mais claro do Ser, a ideia do Bem. Após contemplar o Bem diretamente, o filósofo deve retornar à cidade que lhe propiciou educação de modo a guiar os outros cidadãos da ignorância ao conhecimento racional. As ideias – das quais se originam as cópias sensíveis – são, pois, existentes em si e por si, são realidades universais, eternas, imutáveis. Por tais motivos, são os modelos a serem seguidos, são paradigmas para a construção da cidade ideal e para a educação moral, política e espiritual do homem. Além do mais, são ordenadoras do cosmos. 18 Fica evidente que a proposta de Platão se liga, principalmente, às ideias de Justiça e do Bem-este último é o supremo valor que sustenta a justiça com relação à organização política e à conduta individual. O equilíbrio entre as três partes componentes da alma e da cidade gera equilíbrio, harmonia e leva à felicidade. Assim, Platão busca por definições gerais, universais, imutáveis, eternas, existentes por si mesmas: as Ideias. Como veremos adiante, tal busca é oposta à busca aristotélica pela virtude ligada à aplicabilidade desta. 3.3 Ética para Aristóteles Aristóteles afirma que os homens têm o seu ser no viver, no sentir e na razão, sendo esses os fatores que definirão os melhores bens para cada um. Aristóteles valoriza a vontade humana, apregoando que o homem necessita converter seu esforço em bons hábitos, de acordo com a razão, sendo esse esforço voluntário. Fonte:filosofiaemvideo.com.br Aristóteles desenvolve a teoria da virtude que, segundo João Mattar (2004), tem como uma das principais funções morais o cultivo de traços de caráter, sendo estas, características que as pessoas já possuem, bastando externá-las através de suas atitudes no dia-a-dia. Aristóteles ainda considerava virtuosa a pessoa que conseguisse, através da sabedoria prática adquirida pela experiência individual, o equilíbrio entre o vício do excesso e da escassez. 19 No final do século XVIII, volta-se a destacar a análise da subjetividade com o pensador alemão Kant que viveu entre 1724 e 1804, na busca de uma ética universal, na igualdade entre os homens. Sua filosofia, segundo Álvaro Valls (2000), se chama filosofia transcendental, por buscar no próprio homem o conhecimento verdadeiro e o agir livre. Para a igualdade fundamental, Kant necessitaria chegar a uma moral única, racional. Conforme demonstra Valls (2000, p. 20) “Se a moral é a racionalidade do sujeito, esse deve agir de acordo com o dever e somente por respeito ao dever: porque é dever, eis o único motivo válido da ação moral”. A ética aristotélica, em oposição à ética de seu mestre, é imanente, tendo suas bases na realidade empírica do mundo, no questionamento acerca das condutas humanas e na organização social. As exigências com relação à vida na polis e a realidade do homem formam o conteúdo das ideias, e são ambas as responsáveis pela escolha dos valores, pela moralidade e pelas leis, pela definição das condutas dos homens. Sua teoria ética era realista, empirista em contrapartida à visão idealista e racionalista de Platão. A ética aristotélica inicia-se com o estabelecimento da noção de felicidade. Neste sentido, pode ser considerada eudemonista por buscar o que é o bem agir em escala humana, o agir segundo a virtude – diferentemente de Platão, que buscava a essência das ideias de felicidade e da ideia do Bem sem relacioná-las diretamente à prática. A felicidade é definida como uma certa atividade da alma que vai de acordo com uma perfeita virtude. Partindo dessa definição, faz-se necessário um estudo sobre o que é uma virtude perfeita e, assim, faz-se necessário, também, o estudo da natureza da virtude moral. A virtude é definida pelo Estagirita como hábito ou disposição racional constante, sendo a virtude o hábito torna o homem bom e o capacita na boa execução de sua função. Esta definição se mostra oposta à de Platão: a virtude é definida como capacidade de realizar uma função determinada, inerente a alguma parte da alma humana ou da cidade ideal. A virtude moral é consistida por uma mediedade relativa a nós e o filósofo define- a como disposição – já que não podem ser nem faculdades nem paixões – para agir de forma deliberada, sendo que a disposição está de acordo com a reta razão. Após estabelecer a virtude moral como uma disposição – héxis – ou seja, como se dá o comportamento do homem com relação às emoções, há ainda a necessidade de que a diferença específica entre virtude moral e virtude intelectual seja explicitada. 20 O Estagirita, em contrapartida às visões de Sócrates e Platão, atribui um papel importante dos sentimentos no âmbito ético, pois esta parte emocional da alma também é responsável na formação das virtudes, quando em conformidade com a parte racional. O que distingue as duas espécies de virtude é a mediania. A virtude intelectual é adquirida através do ensino, e assim, necessita de experiência e tempo. A virtude moral é adquirida, por sua vez, como resultado do hábito. O hábito determina nosso comportamento como bom ou ruim. É devido ao hábito que tomamos a justa-medida com relação à nós. Logo, a mediania é imposta pela razão com relação às emoções e é relativa às circunstâncias nas quais a ação se produz.Nenhuma das virtudes morais surge nos homens por natureza – ao contrário da visão inatista platônica – porque o que é por natureza não pode ser alterado pelo hábito, a natureza nos capacita em receber tais virtudes e esta capacidade em recebê- las é aperfeiçoada pelo hábito. Virtudes e artes são adquiridas pelo exercício, ou seja, a prática das virtudes é um pré-requisito para que se possa adquiri-las. Sem a prática, não há a possibilidade de o homem ser bom, de ser virtuoso. Neste ponto da exposição aristotélica, podemos notar outra oposição com relação à ética platônica: conforme esta, o homem só pode ser bom e virtuoso ao contemplar a ideia do Bem – o que aponta para a diferença entre as concepções idealistas/racionalistas apresentadas por Platão e as concepções realistas/empiristas expostas pelo peripatético. Aristóteles critica a identificação feita por seu mestre entre virtude e conhecimento, de modo que conhecer a essência da Justiça implicaria em ser justo, haja vista que são identificados. Assim, o conhecimento da ideia do Bem seria a condição para o bem agir, e a virtude consistiria em somente um tipo de conhecimento teórico, conforme a crítica feita pelo Estagirita. Este afirma que a razão não é a única a atuar na determinação da boa conduta, devendo-se levar em conta os sentimentos por auxiliarem na formação das virtudes, além do fato de que as virtudes implicam uma atividade racional. Como vimos, as virtudes morais são vistas como produto do hábito, consequentemente não são tomadas como inatas – como o fizeram Sócrates e Platão. Ao considerar as virtudes morais como adquiridas, há uma implicação de que o homem é causa de suas próprias ações, responsável por seu caráter – por esse motivo a ação precede e prevalece sobre a disposição – o que refuta a ideia platônica de que o homem que age mal, o faz por ignorância, pois o mal é a ausência do bem. 21 Está na natureza das virtudes a possibilidade de serem destruídas pela carência ou pelo excesso e cabe à mediania preservar as virtudes morais e também diferenciá-las das virtudes naturais. Pode-se notar, pois, que a ideia de justa-medida preconiza que qualquer virtude é destruída pelos extremos: a virtude é o equilíbrio entre o sentir em excesso e a apatia. Portanto, fica evidente que a virtude busca pela harmonia – e esta é dada pela razão entre as emoções extremas. O meio-termo é experimentar as emoções certas no momento certo e em relação às pessoas certas e objetos certos, de maneira certa. Isso é a mediania, é a excelência moral, a qual diverge da noção platônica de excelência moral, que seria cada parte da alma exercer sua tarefa própria da melhor maneira possível, com excelência para exercer sua respectiva virtude. 3.4 Ética para Estoicos O estoicismo é uma filosofia essencialmente ética orientada para a virtude, diferente do epicurismo que é orientado para hedonismo buscando a felicidade através do prazer. O estoicismo foi representado, a princípio, por três importantes pensadores; Zenão de Cítio (336 – 264 a.C.), Cleanto de Assos (280 – 210 a.C.) e Sêneca (4 ou 2 até 65 d. C.). Fonte: metaeticasite.wordpress.com 22 Para os Estoicos, todas as coisas corpóreas são semelhantes aos seres vivos, o Sopro divino está presente em tudo, e é esse Sopro que faz com as partes que compõem um corpo se tornem independentes. Assim sendo, na visão Estoica, o Universo é uma junção de todas as coisas unidas pelo Sopro Ígneo (alma), e a razão Universal (os logos) seria a alma comum, que a tudo penetra e organiza. Assim, tanto na natureza, como na vida humana, não haveria lugar para o caos nem para a desordem, pois isso estaria contrariando os logos. Dessa observação Estoica, surge então a física proposta por eles que trata o mundo como um ser vivo, um animal sábio e totalmente racional, e ainda, inserida ao seu corpo ciclos de surgimento e desaparecimento – ensinando ao homem que há coisas que não estão em seu domínio ou poder. Todavia, dependem de causas exteriores a ele e se encadeiam de maneira necessária e racional. Acompanhando essa premissa, nos encontramos sujeitos à predeterminação de tudo, pois somente a predeterminação pode explicar a ordem perfeita das coisas. A organização e a cosmobiologia estoica lembra o modelo aristotélico, onde a Terra estava no centro do universo e que os céus tinham os seus movimentos imutáveis, seguindo fino arranjo do cosmos. O estoicismo pondera também que, a vocação do homem era bem aproveitada quando o talento do mesmo encontrava-se com a necessidade do mundo, ou seja, o homem já estava predeterminado, o que lhe restava, consequentemente, era encontrar a necessidade do mundo para se encaixar a ela com seu talento. A ética estoica adota o lema de “seguir a natureza”, corroborando com a visão da física. Segui-la, portanto, é o mais coerente a se fazer, pois a predeterminação considera a direção a ser seguida. Já a virtude moral é o acordo do homem com a sua intrínseca natureza, quando esse caminha no sentido correto, conforme o supramencionado, em conjunto com a prática e com a prudência, sua vida é bem empregada e aproveitada em todos os sentidos. Contudo, quando o homem contraria sua predeterminação, transtorno esse que é causado por suas paixões, que são oriundas, também de meios externos, a sua vida não será bem usufruída e, nem trará resultados positivos. Para Sêneca, o corpo humano é um mal necessário, uma prisão, uma passagem. Por conseguinte, enganam-se aqueles que vivem para o corpo e não para a alma, pois ela (a alma) é eterna, ao passo que o corpo é transitório. Não é difícil repararmos no trecho acima os detalhes plantonistas da reminiscência da alma. Visivelmente, tanto Sêneca como alguns preceitos estoicos, têm em sua natureza elementos da filosofia clássica. 23 Abaixo uma simples sintetização da filosofia desse grande pensador para entendermos melhor o pensamento estoico. O homem é um ser corpóreo e espiritual. O corpo é uma prisão para a alma e devemos, portanto, livrarmo-nos o máximo possível da influência deste (os desejos carnais) sobre ela (a alma); A razão é parte do espírito divino imerso no corpo humano; Para Sêneca, Júpiter é o único Deus; A pessoa é composta de corpo e alma; assim, essa palavra atinge para ele um elevado teor ético, contrariamente a toda a filosofia anterior na qual significava, meramente, aparência. 3.5 Ética para Peter Singer Outro autor que aborda a ética de forma abrangente, é Peter Singer (2002) que traz questões de natureza prática como a igualdade para as mulheres, o aborto, a eutanásia e utiliza, indiferentemente, as palavras ética e moral. Fonte:edmarciuscarvalho.blogspot.com.br Afirma que, para alguns, a ética pode ser vista como uma série de proibições ligadas ao sexo e para outros, pode ser confundida como algo bonito na teoria, mas que não funciona na prática. Segundo o autor (2002), isso acontece porque as pessoas acreditam que a ética é um conjunto de normas simples e breves como: não matar, não mentir, mas na vida real acontecem coisas inusitadas e complexas. Daí, 24 surge a concepção consequencialista, em que uma ação será ética ou não, dependendo das consequências que o ato acarretar. 4 FUNDAMENTAÇÃO TEOLÓGICA DA ÉTICA MEDIEVAL Os conteúdos da moral antiga serão reelaborados tendo como referência a matriz judaico-cristã. A Idade Média é um período marcado pela supremacia total da Igreja Católica Apostólica Românica. Sendo assim, a sociedade medieval estava à mercê das determinações da Instituição maior do Cristianismo. As decisões, de um modo geral, teriam que está em consonância com os mandamentos da Igreja que comandava a sociedade medieval. Assim, todas as produções, as criações e principalmente os valores éticos e morais teriam que ter como base os princípios fundamentais do cristianismo.Fonte: dialetico.com.br A ética tem sido discutida em diversas perspectivas, em diferentes períodos históricos. Neste trabalho, pretendemos abordar a ética em apenas um período da história, a ética na Idade Média. Este estudo tem por objetivo investigar como se davam as relações éticas e como eram jugadas as ações humanas neste período. Primeiramente, estabelecemos o significado etimológico do termo ética. Em seguida, https://www.dialetico.com.br/ 25 procuramos definir o que é ética, catalogamos vários conceitos de ética com base em alguns autores. Por último, fazemos uma abordagem sobre ética na Idade Média, enfatizando os principais problemas éticos desse período, e principalmente o problema do mal, com base na concepção de liberdade (livre-arbítrio) estabelecida por Santo Agostinho, priorizando a relação do homem com Deus, objetivando mostrar como eram julgadas as ações humanas, para então compreender como se davam as relações éticas entre os homens na sociedade medieval. Os diferentes sistemas ou doutrinas morais oferecem uma orientação imediata e concreta para a vida moral das pessoas. As teorias éticas não pretendem responder à pergunta “o que devemos fazer? ” Ou “de que modo deveria organizar-se a sociedade”, mas refletem sobre “por que existe moral? ” “Quais motivos justificam o uso de determinada concepção moral para orientar a vida? ”. As teorias éticas querem dar conta do fenômeno moral. Existem diferentes leituras do fenômeno moral. A Idade Média é um período marcado pelo abandono ao racionalismo. Este, talvez seja um ponto que diferencia a Idade Média de outros períodos da história. Neste contexto, predominantemente religioso, cabe uma indagação importante: e a ética como era concebida? Como eram julgadas as ações humanas? Nem é preciso fazer uma investigação profunda para responder a esses questionamentos. É sabido que as ações humanas eram julgadas apenas do ponto vista cristã, baseado nos dogmas estabelecidos pela Igreja Católica. E o que não estivesse em consonância com os dogmas teológicos cristãos da época era considerado fora do padrão ético estabelecido pela Igreja. Assim, podemos afirmar que a ética nesse período estava a serviço dos preceitos do cristianismo, e o que não estivesse de acordo com a escritura sagrada era julgado como antiético. Na Idade Média, predomina a ética baseada nos dogmas do cristianismo, que abandona a ideia de que é através da razão que se pode chegar à perfeição moral, e focalizou a busca dessa perfeição no amor de Deus na boa vontade. Os valores éticos da época são valores religiosos e não éticos propriamente ditos. O homem não tem vontade própria, sente-se preso aos preceitos da Igreja católica. Vive em uma sociedade impregnada de valores religiosos e baseada no “amor” ao próximo, que incorpora as noções gregas de que a felicidade é um objetivo do homem e a prática do bem, um meio para atingi-la. “Agir eticamente é agir de acordo com o bem” (VALLS, 26 1987, p. 67). E esse bem só seria alcançado se fosse feita a vontade de Deus, se seguisse a escritura sagrada (Bíblia). Os filósofos medievais herdaram elementos da tradição filosófica grega, configurando-as no interior de uma ética cristã. Para os filósofos cristãos, a natureza humana tem destino predeterminado, e Deus é o princípio da felicidade e da virtude. Os critérios do bem e do mal estão vinculados à fé e à esperança da vida após a morte, herança das teorias filosóficas grega. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino são os principais filósofos da ética na Idade Média. 4.1 Ética da era do ser Sócrates: a excelência humana se revela pela atitude de busca da verdade. Isso significa abandonar atitudes dogmáticas e céticas e assumir a atitude crítica que só se deixa convencer pelo melhor argumento. A verdade habita no fundo de nós mesmos e podemos atingi-la pela introspecção e o diálogo. Embora a verdade encontrada pelo método maiêutico (parto de ideias) é sempre provisória, ela é um achado que ultrapassa simplesmente as fronteiras da comunidade que se vive. Sócrates professa o intelectualismo moral, pois quem conhece o bem sente-se impelido a agir bem e quem age mal é porque é um ignorante. Platão: propõe uma utopia moral no livro A República. O Estado perfeito é constituído por diversos estamentos com funções determinadas: a) os governantes tem a função de administrar, vigiar e organizar a cidade; b) os guardiães e os defensores (militares), de defender a cidade; c) os produtores (camponeses, artesãos), desenvolver as atividades econômicas. Cada estamento tem uma virtude específica: a) os governantes realizam sua tarefa pela prudência e sabedoria; b) os guardiães pela fortaleza ou coragem; c) os produtores, pela moderação ou temperança. Estes três estamentos correspondem às três espécies ou dimensões da alma: a) a racional que é o elemento superior e excelso dotada de autonomia e de vida própria, caracterizando-se pela capacidade de raciocinar; b) alma irascível que é a sede da decisão e da coragem nos quais predomina à vontade, fundamentando-se na força interior colocada em ação quando existe conflito entre os instintos e a razão; c) apetite ou parte concupiscível que corresponde aos desejos e às paixões. A virtude correspondente da alma racional é a prudência e a sabedoria; da alma irascível é a 27 fortaleza e o valor; da parte concupiscível do apetite, a virtude da moderação. A virtude da justiça harmoniza as diferentes virtudes tanto na cidade quanto na alma. Aristóteles: É o primeiro filósofo a elaborar tratados sistemáticos de ética como a Ética a Nicômaco. Ele se pergunta “Qual é o fim último de todas as atividades humanas?” Este fim não pode ser outro que a eudaimonia (felicidade como auto realização), a vida boa e feliz. A partir daí investiga o que é a felicidade. a) Ela deve ser um bem perfeito que se busca por si mesmo e não com meio para outra coisa; b) o fim último deve ser autossuficiente, desejável por si mesmo e que possuindo-o não deseje outra coisa; c) deve consistir em alguma atividade peculiar de cunho excelente. Qual é essa atividade? A felicidade perfeita para o ser humano reside no exercício da inteligência teórica, isto é, a contemplação e compreensão dos conhecimentos. Mas esse não é único caminho, pois também se pode ter acesso à felicidade pelo exercício do entendimento prático que consiste em dominar as paixões e conseguir uma relação amável e satisfatória com o mundo natural e social. Nesta tarefa, o ser humano tem a ajuda das virtudes capitaneadas pela prudência (sabedoria prática) que permite obter o equilíbrio entre o excesso e a falta e é a guia de todas outras virtudes. Por exemplo, a virtude da coragem é o equilíbrio entre a covardia e a temeridade. Mas uma pessoa virtuosa precisa viver numa sociedade regida por boas leis, porque o logos não só nos capacita para a vida intelectual teórica e a vida pessoal prática, mas também para a vida social, pois a ética não pode desvincular-se da política. 4.2 Éticas do período helenista Destruída a confiança na polis, o sábio será aquele que vive de acordo com a natureza. Mas epicuristas e estoicos divergem quanto à maneira de entender o conceito de natureza e, por isso, também não estão de acordo sobre o ideal do ser humano sábio. 28 4.3 Epicurismo Fonte: metaeticasite.wordpress.com É uma ética hedonista, isto é, uma explicação da moral como busca de felicidade entendida como prazer, como satisfação de caráter sensível. Essa escola foi fundada por Epicuro de Samos (341-270 A.C.). Para ele, o sábio é aquele que for capaz de calcular corretamente quais atividades proporcionam maior prazer e menor sofrimento. Trata-se de calcular a intensidade e a duração dos prazeres. Portanto as duas condições para saber ser sábio e feliz são o prazer e o entendimento reflexivo para ponderarestes prazeres. 4.4 Estoicismo Agrupa um grupo de autores gregos e romanos. Zenão de Cítio é o fundador, mas teve como protagonistas a Posidônio, Sêneca, Epicteto e o imperador romano Marco Aurélio. Eles indagaram pela ordem do universo como orientação para o comportamento humano. Para eles deve existir uma razão primeira, comum, que é, ao mesmo tempo, a lei do universo. A razão cósmica é a lei universal a qual tudo está submetido. Esta razão cósmica é o logos providente que cuida de tudo. Sábio é aquele que vive segundo esta lei universal do cosmo. Esta atitude cria liberdade interior https://metaeticasite.wordpress.com/ 29 quanto àquilo que depende de nós e imperturbalidade quanto ao exterior que não depende de nós, mas segue uma lei universal previdente. 4.5 Agostinho de Tagaste Fonte: radiorainhadapaz.com.br Para ele, os filósofos gregos estavam certos ao afirmar que a moral deve ajudar a conseguir uma vida feliz, mas eles não souberam encontrar a chave da felicidade humana que se encontra no encontro amoroso com Deus Pai. A felicidade não está em conhecer como pensavam os gregos, mas em amar, em desfrutar de uma relação amorosa com quem nos criou como seres livres. A moral é necessária, porque precisamos encontrar o caminho de volta para a Cidade de Deus da qual nos extraviamos por ceder às tentações egoístas. Para nos libertar do pecado, Deus nos enviou uma ajuda decisiva, a sabedoria encarnada que é o próprio Jesus Cristo que, pelos seus ensinamentos e pela sua graça, nos reconduz de volta à Cidade de Deus. 4.6 Tomás de Aquino Ele tenta conciliar as principais contribuições de Aristóteles com a revelação judaico-cristã contida na Bíblia. Dá prosseguimento às éticas eudaimonistas numa perspectiva teológica. Para Tomás, a felicidade perfeita está em contemplar a verdade https://www.radiorainhadapaz.com.br/ 30 que se identifica com o próprio Deus. Esta verdade divina identifica-se com a lei eterna que rege providencialmente o universo e se expressa no conteúdo da lei natural. Esta lei contém o primeiro princípio imperativo: “Faze o bem e evite o mal”. Mas em que consiste o bem e o mal? Em primeiro lugar nos ditames da Recta ratio, porque ela é a própria lei natural no ser humano. Em segundo lugar identifica-se com as inclinações naturais que a lei divina colocou na natureza humana. A sindérese, uma espécie de consciência moral fundamental, é a intuição ou o hábito que contém os preceitos da lei natural. A aplicação destes preceitos às circunstâncias concretas de cada ação particular acontece no juízo formulado pela consciência situada. A aplicação não pode ser mecânica, mas criativa e razoável. Aqui entra o papel das virtudes, principalmente a virtude intelectual da prudência e a virtude teológica da caridade que são os hábitos operativos do bem para encontrar a ação adequada à pessoa e ao contexto. 4.7 Éticas da era da “consciência” A partir dos séculos XVI e XVII a moral entra numa nova etapa. A revolução científica, as guerras de religião, a crise cultural faz centrar a moral na consciência. 4.8 O sentimento moral: Hume Ele compreende a razão ou o entendimento como uma faculdade exclusivamente cognoscitiva, cujo âmbito termina onde deixa de existir a questão da verdade ou da falsidade de juízos, os quais só podem ser referidos ao âmbito da experiência sensível. A moralidade é alheia à experiência sensível que diz respeito a fatos, enquanto que a moral está referida a sentimentos subjetivos de agrado ou desagrado. O papel da razão no terreno moral concerne unicamente ao conhecimento do dado, mas é totalmente insuficiente para produzir efeitos práticos. Hume delega as funções morais a outras faculdades menos importantes que a razão, as paixões e o sentimento. A razão não está encarregada de estabelecer juízos morais. Para ele, as ações morais se produzem em virtude das paixões orientadas para atingir fins propostos não pela razão, mas pelo sentimento. 31 Nesse sentido, a bondade e a maldade das ações dependem dos sentimentos de agrado ou desagrado que provocam em nós. Por isso, o fundamento das normas e dos juízos morais é a utilidade e a simpatia. Hume critica também quem quer extrair juízos morais de juízos fáticos, concluindo um “deve” a partir de um “é”. Ele chama esta atitude de falácia naturalista. 4.9 A ética formal de Kant Ele parte de uma distinção típica em Aristóteles: o âmbito teórico que trata do que ocorre de fato no mundo e o âmbito prático que corresponde ao que ocorre por vontade livre dos seres humanos. No âmbito prático, o ponto de partida é um fato de razão: os seres humanos têm consciência de comandos que eles experimentam como incondicionados, isto é, como dever ou imperativos categóricos. Aqui existe uma virada copernicana, pois o ponto de partida da ética não é mais o bem que desejamos como criaturas naturais (a felicidade), mas o dever que reconhecemos como criaturas racionais. Isto significa que o dever não é dedutível do bem, mas o bem específico da moral é o cumprimento do dever. Os imperativos categóricos são aqueles que mandam incondicionalmente. Estão a serviço de um valor absoluto que são as pessoas. Dizem respeito à moral. Os imperativos hipotéticos dependem de uma condição: “se você quer x, então faça y”. Os imperativos categóricos são uma experiência da vida cotidiana de convivência entre pessoas. A missão da ética é descobrir as características formais que tais imperativos devem ter para que exista neles a forma da razão e, portanto, sejam normas morais. Essas características, expressas em máximas, são as seguintes: a) universalidade: “Aja de tal maneira que o teu agir possa ser lei universal”; b) referir-se aos seres humanos como fins em si mesmo: “Aja de tal maneira que você trate a humanidade tanto em ti como em qualquer outro, sempre como um fim em si mesmo e nunca apenas como meio”; c) valer para uma legislação universal em um reino de fins: “Aja por máximas de um membro legislador universal em um possível reino dos fins”. A chave para comandos morais autênticos é que possam ser pensados como se fossem leis universalmente cumpridas sem que isso implique em nenhuma 32 incoerência. Em outras palavras, ao obedecer a estes comandos se está obedecendo a sua própria consciência autônoma. Essa liberdade como autonomia é a razão de reconhecer aos seres humanos um valor absoluto. Esse é o sentido de os seres humanos não terem preço, mas dignidade, porque não podem ser trocados por algo equivalente. Assim a liberdade torna-se um postulado da razão prática, isto é, um postulado que não procede da ciência, mas é compatível com o que ela nos ensina. Somos capazes de decidir por nós mesmos, autonomamente, não levados pelos instintos biológicos, as forças sociais e os condicionamentos. Cada pessoa tem o poder da soberania racional sobre si mesmo. Por isso o próprio da moral é uma boa vontade, ou seja, a disposição permanente de conduzir a própria vida obedecendo a imperativos categóricos e não às tendências da natureza. Portanto o bem moral não reside na felicidade como defendiam as éticas tradicionais, mas em conduzir-se com autonomia, construir corretamente a própria vida. Mas o bem supremo não se identifica simplesmente com o bem moral. Ele só pode ser alcançado com a união entre o bem moral (possível pela boa vontade autônoma) e a felicidade que aspiramos por natureza. Mas a razão humana não oferece nenhuma garantia de que se possa alcançar este bem supremo. A única que pode fazer isso é a fé religiosa. Assim a existência de Deus é um outro postulado da razão que não se pode provar como também a imortalidade da alma como seu correlato. 4.10 A ética material dos valores: Scheler No início do século XX, Scheler opõe-se a Kant na sua obra O formalismo na ética e a ética material dos valores.Ele critica a existência de apenas duas faculdades: a razão pela qual se atinge a universalidade e a incondicionalidade (a priori) e a sensibilidade que capacita a conhecimentos particulares e condicionados (a posteriori). Scheler propõe uma terceira faculdade que é a “intuição emocional” que realiza atos não dependentes do pensamento racional nem da sensibilidade, mas que alcançam o estatuto do conhecimento a priori, característico do conhecimento moral. Scheler defende o abandono da identificação kantiana do a priori incondicional com a 33 racionalidade e do material com a sensibilidade. Por isso conjuga a formalidade da ética com a materialidade dos valores. a) Não se pode perguntar o que são os valores, porque eles não são, mas valem ou pretendem valer. Dizer que não são não significa que são ficções, mas que se identificam com as maneiras de ser das coisas. b) Também não é correto identificar os valores com o agradável ou o desejável, que são realidades variáveis em sua intensidade, enquanto que o valioso não depende de oscilações, nem com o útil, pois mesmo sendo úteis, os valores não se esgotam na utilidade, pois eles são um tipo. c) Os valores são qualidades dotadas de conteúdo, independentes tanto de nossos estados de espírito subjetivos como das coisas, as quais são bens portadores de qualidade (valor) que o sujeito dotado de intuição emocional capta. Scheler afirma uma ciência pura dos valores (axiologia pura) que se sustenta em três princípios: 1) Todos os valores são negativos ou positivos; 2) Valor e dever estão relacionados; 3) Nossa preferência por um valor e não por outro verifica-se porque nossa intuição emocional (estimativa moral) capta os valores já hierarquizados. 4.11 O utilitarismo Trata-se de uma versão renovada anglo-saxônica do hedonismo clássico, mas com uma perspectiva social. Procura conjugar a busca do prazer com os sentimentos sociais, entre os quais, a simpatia que faz perceber que os outros também desejam alcançar o prazer. O objetivo da moral volta a ser a felicidade identificada com o maior prazer para o maior número de seres vivos. É necessário optar pela ação que proporcione a maior felicidade ao maior número. O utilitarismo é um tipo de teoria teleológica, como podemos ver na definição dos seus dois tipos mais comuns: o utilitarismo de atos e de regra. O utilitarismo de atos diz que uma ação é correta se sua realização dá origem a estados de coisas pelos menos tão boas quanto aquelas que teriam resultado em cursos alternativos de ação. Já o utilitarismo de regras afirma que uma ação é correta se esta estiver em conformidade com uma regra que resulte num estado de coisas pelo menos tão boas quanto aquelas resultantes de regras alternativas. 34 Quem primeiro formulou esse princípio foi o jurista Cesare Beccaria, mas os clássicos do utilitarismo foram Jeremy Bentham (1748-1832), John Stuart Mill (18061876) e Henry Sigdwick (1838-1900). Bentham propõe uma aritmética dos prazeres, pois eles podem ser medidos e comparados. Mill rejeita essa ideia, dizendo que os prazeres não são uma questão de quantidade, mas de qualidade, de modo que existem prazeres superiores e inferiores, sendo preferíveis os prazeres intelectuais e morais. Mill supervaloriza os sentimentos sociais como fonte de prazer. Nas últimas décadas apareceu a distinção entre “utilitarismo do ato” que julga os diferentes atos pelas consequências previsíveis e o “utilitarismo da norma” que defende que é necessário ajustar as ações às regras habituais que já mostraram sua utilidade geral pelas consequências. 4.12 Éticas do movimento socialista No início do século XIX, Saint-Simon, Owen e Fourier, defensores do socialismo utópico, denunciaram as condições de miséria da classe operária, apelando à consciência moral de todas as pessoas e propondo reformas profundas na maneira de organizar a economia, a política e a educação. Para chegar a uma sociedade justa e próspera é necessário aproveitar os avanços da técnica e eliminar as desigualdades sociais. Insistem em abolir ou ao menos restringir a propriedade privada dos meios de produção, mas não aceitam a rebelião violenta. Reivindicam o diálogo social e o testemunho moral de experiências justas e, sobretudo, a necessidade de uma educação justa. Os socialistas libertários (Proudhon, Bakunin, Kropotkin, Malatesta, Abade de Santillán) opuseram-se aos socialistas utópicos, defendendo o anarquismo cuja tese principal é a abolição do estado. É necessário abolir todo tipo de opressão e exploração cuja fonte é o estado. Defendem uma sociedade solidária, autogestionada e federalista. O marxismo quer superar tanto o socialismo utópico como o anárquico, propondo um socialismo científico (Materialismo dialético e histórico). Apesar de que Marx não quis propor uma ética, o seu legado principal é moral pela sua provocação em prol da justiça. Marxismo prega um progresso moral dependente da superação das contradições sociais e a mudança das condições históricas. Identifica os interesses morais com os interesses objetivos e sociais. As dificuldades do 35 materialismo, professado pelo marxismo, são tanto o postulado da necessidade mecanicista da evolução histórica que impede a liberdade como o modo de acesso à verdade moral pregado pelo materialismo dialético. 5 ÉTICA MODERNA A ética faz parte da filosofia responsável por investigar os princípios que motivam, disciplinam, distorcem ou orientam o comportamento do homem, refletindo sobre a sua essência, valores, as normas, preceitos e exortações presentes em qualquer meio social. Na história humana, a reflexão sobre a ética sempre esteve presente em todas as sociedades, mesmo que de forma desorganizada e não racionalizada. Esse saber ético, inicialmente tradicional, foi o responsável pelos fundamentos da ética filosófica. Ela estendeu sua reflexão axiológica ao se direcionar as ciências particulares e técnicas, que hoje são fundamentais para conceder um melhor convívio entre grupos sociais. A ética se faz importante por guiar o pensar e o agir do homem em todos os tempos. Além de expressar as vontades e problemas de cada época, expressa também as formas de organização política, social e religiosa de uma comunidade. Com isso, estudo da ética, fundamentado na filosofia, proporciona o conhecimento sobre o ser humano, como ser de ação, racional e social. A Ética filosófica sempre procurou orientar e encontrar soluções para os problemas básicos das relações entre os homens. Desde a Grécia Antiga à Contemporaneidade a ética também está intimamente ligada ao Direito. Ao contrário da ciência do Direito a ética não estabelece regras, todavia ela busca justificativas para as regras pertencentes ao âmbito jurídico. O Direito tem por objetivo promover a justiça, para tanto é necessário que haja um mínimo ético a ser cumprido para a segurança das relações sociais e profissionais. 36 5.1 A Crise Ética na Modernidade Fonte: imscoachingdecarreira.com.br A ética moderna traz à tona o conceito de que os seres humanos sempre devem ser o fim de uma ação e nunca um meio para alcançar determinado interesse, pois o homem é visto no centro e tudo está ao seu serviço. Essa é uma ideia defendida por Kant, um dos principais filósofos da modernidade, que acreditava na ideia de que o homem é um ser egoísta, destrutivo, ambicioso, cruel e agressivo. As crises históricas determinam as mudanças que acontecem e mudam a realidade da sociedade de forma radical. É uma questão bastante relevante para filosofia, visto que o desenvolvimento da história e as suas crises cabem a filosofia, ela não pode ficar estática a situações vividas pelo homem moderno. A função da filosofia é elucidar o homem em seu ser total. A ética tornou-se uma problemática fundamental no ocidente do século XX. Durante osanos 50 e 60 chegou-se a utilizar o termo reabilitação ética. A mentalidade técnico-científica se tornou cada vez mais dominante na civilização ocidental, menosprezando a ética e a reduzindo apenas aos problemas individuais. A ética não faz parte do âmbito racional, pois racionalidade é ligada a ciência, e tudo que não é pertencente a ciência é resultado do livre arbítrio de cada um. A ética está no centro da vida humana, pois a tarefa fundamental e primordial do homem é a construção do seu eu. 37 Fonte: dialogospoliticos.wordpress.com O problema se faz presente, sobretudo, no pensamento europeu, ainda por uma oposição que vem desde Kant, com um enorme empecilho a qualquer ontologia. Não se faz mais uma teoria do mundo. A filosofia virou apenas uma teoria do nosso conhecimento do mundo. Enquanto não suplantarmos a dicotomia entre ser humano e mundo, entre sujeito e objeto, entre teoria e realidade, que é a legado deixado pela modernidade, ainda majoritária no pensamento atual, nós não teremos saídas. Teremos saídas, no máximo que não são capazes de dizer o que devemos fazer frente às questões que cada um deve enfrentar. A questão fundamental da filosofia hoje é voltar a ser uma teoria da realidade, é voltar a falar do legítimo. A partir dos valores, em primeiro lugar, ontológicos, pode- se perguntar o que a realidade pode dizer enquanto exigência ética. 38 Fonte: iped.com.br Podemos pensar em uma ótica de entender a ética da vida coletiva. E uma ideia fundamental que se destaca como uma ética alternativa é aquela onde o homem não é em primeiro lugar só indivíduo, mas um ser fundamentalmente de relações e que só conquista o seu ser através do outro. Somente uma sociedade que pudesse ser articulada de tal maneira, onde cada ser humano possa ser respeitado e respeitar os outros, seria uma sociedade capaz de criar condições para realização do ser humano. Esta é a ideia do reconhecimento mútuo, da dignidade igual de todos os seres humanos. É um princípio ético fundamental para organizar a vida coletiva. Isto é, não há seres humanos especiais e a eles não se destinam os bens da Terra. Mas todos os seres humanos são portadores da mesma igualdade. É por isso que a participação, naquilo que é comum, e nas decisões da vida coletiva, é um direito fundamental de cada um, uma vez que cada um é igual. 39 5.2 A noção Ética Moderna: A Ética e a Moral Fonte: taringa.net Ética não se constitui em um catálogo de valores particulares e alheios à prática dos grupos sociais, das sociedades e das áreas do saber. Para Chauí (2003), a ética moderna trata de um determinado coletivo, como ele se desenvolveu e como age. Já, a moral – um dos objetos da ética – é um conjunto de regras gerais de uma sociedade que, ao ser introjetada pelas pessoas, torna-se uma questão de consciência individual. Ser moral significa se adequar e viver de acordo com as normas de uma determinada sociedade. Ser imoral significa conhecer as normas e não segui-las. O indivíduo considerado amoral é o que não segue as normas sociais por desconhecê-las ou não compreender os seus valores. A ética, entretanto, está acima da moral: ela analisa e critica a moral, embora com ela se relacione. A moral diz respeito aos conceitos abstratos de certo e errado para cada consciência, enquanto a ética procura resolver os dilemas dos grupos por meio da reflexão e do debate social acerca da ação concreta desta ou daquela comunidade. A ética, portanto, relaciona- se com o Direito, com a Justiça, com a Política, com as Leis e com as práticas científicas e profissionais. 40 Ser ético significa viver coerentemente com uma linha ética, aproximando o que penso daquilo que faço, buscando o benefício e a qualidade de vida de todos, da humanidade. A finalidade da ética é orientar a prática. Fonte: conceptoseticaymoral.blogspot.com.br Ao discutir a existência ética, Chauí trata da diferenciação entre senso e consciência moral. Para a autora, nossos sentimentos e ações, assim como nossas dúvidas acerca da correção de uma determinada decisão, exprimem nosso senso moral. O julgamento (razão) sobre a decisão a tomar se dá por meio de nossa consciência moral, posta em ação pelo senso moral. O senso e a consciência moral, desta forma, relacionam-se aos valores (justiça, integridade, generosidade; etc.), aos sentimentos gerados pelos valores (vergonha, culpa, admiração, raiva, dúvida, etc.), bem como às decisões tomadas (ações e suas consequências individuais e coletivas). Portanto, o senso moral e a consciência moral não são dados pela natureza: são indissociáveis da cultura, são escolhas das pessoas que vivem numa determinada cultura ou grupo. Para Chauí (2003, p.9), os conteúdos dos valores podem variar, mas sempre estão ligados a um valor mais profundo: o BEM. Por meio de nosso juízo de valor é que definimos comportamentos como BONS ou MAUS. Nosso juízo ético de valor fundamenta-se em normas que determinam o que deve ser feito, quais obrigações, intenções e ações são corretas ou incorretas. 41 5.3 Ética e Alteridade: As Relações Contemporâneas Fonte: petdirunb.wordpress.com A necessidade de pensar o sujeito contemporâneo a partir de sua relação com o outro torna-se bastante problemática se não inserirmos, nessa reflexão, a questão da identidade e a sua antinomia imediata que é o descentramento. Penso exatamente que é na tensão entre essas duas dimensões que se poderá, talvez, encontrar algumas respostas a essa questão. As tradições platônico-judaico-cristã e islâmica trouxeram a ilusão de uma unidade, daí a questão do homem e do mundo ter sido abordada a partir do conceito de identidade. A perspectiva e o objetivo fundamental desse estilo de pensamento é o de ir em busca de algo que determina o ser, que o defina e trace o seu limite: uma natureza ou um substrato que tenha um caráter absoluto e necessário. Atualmente, esse tipo de pensamento que parte e privilegia a categoria de substância não resiste a argumentos mais ousados, e por isso mesmo a problemática da identidade se transformou. O principal indício da natureza dessa transformação consiste na introdução da ideia de identidade como parte de impacto do social sobre o individual. Esse pressuposto situa- se, a rigor, no cruzamento de duas vertentes: a que parte do indivíduo e a que parte da sociedade, isto é: uma dimensão endógena e uma dimensão exógena. Essa dupla determinação exige, mesmo que brevemente, uma explicitação maior, e a faremos a seguir. 42 Fonte: lounge.obviousmag.org Em primeiro lugar, identidade remete à sensação subjetiva de que eu sou eu, isto é, de que um algo permanente subjaz aos diversos momentos de minha existência, encadeando umas às outras as diversas vivências e representações que sucessivamente vão se apresentando à consciência. Nesse sentido, o fundamento dessa certeza subjetiva é o vínculo que une meus pensamentos e emoções a meu corpo: a identidade está visceralmente ligada à ideia de uma diferença entre um dentro e um fora, separados inicialmente pela pele que reveste o corpo; é a percepção do corpo próprio de que nos fala Merleau-Ponty, em seu texto “A Fenomenologia da Percepção” (1945). É a circunscrição do corpo que sustenta a vivência da identidade própria, originando a convicção de que um eu habita este corpo e somente este corpo, e inversamente, de que este corpo é habitado apenas e exclusivamente por meu eu. Daqui emerge a exigência de uma diferenciação entre eu e os outros. O corolário da proposição eu sou eu é obviamente eu não sou os outros, ou os outros não sou eu, com a consequente inferência de que cada outro é um eu, habitando seu próprio espaço, do lado de dentro de uma pele como a minha. Reunindo essas duas perspectivas, verifica-se existirem duas condições para o que proponho
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