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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL GUARULHOS – SP SUMÁRIO 1 SOCIEDADE CIVIL ................................................................................................. 3 1.1 O Conceito de Sociedade Civil ................................................................................ 3 1.2 Sociedade Civil: Uma breve introdução histórica ..................................................... 4 1.3 O Conceito de Sociedade Civil hoje: 4 matrizes teóricas de destaque .................... 9 1.4 Matriz neotocquevilliana .......................................................................................... 9 1.5 Matriz neoliberal .................................................................................................... 12 1.6 Matriz habermasiana ............................................................................................. 15 1.7 Matriz gramsciana ................................................................................................. 18 2 ESTADO E CLASSES SOCIAIS: INTRODUÇÃO AOS MOVIMENTOS SOCIAIS.....................................................................................................................24 2.1 Organização de Movimentos Sociais nas Redes Sociais Virtuais ......................... 31 2.2 Os Tipos de Movimentos ....................................................................................... 36 2.3 Composição de um Movimento Social ................................................................... 37 2.4 Características dos Movimentos Sociais ............................................................... 37 3 MOVIMENTOS SOCIAIS: SUJEITOS, PROJETOS ............................................. 38 3.1 As análises marxistas ............................................................................................ 39 3.2 Teoria das Massas ................................................................................................ 39 3.3 Teoria da Mobilização dos Recursos ..................................................................... 40 3.4 Teoria dos Processos Políticos .............................................................................. 41 4 PRINCIPAIS MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS NO BRASIL, COMO OBJETO DE SOCIOLOGIA ....................................................................................... 42 5 LUTAS, MOVIMENTOS E ASSOCIATIVISMO NA AMÉRICA LATINA ................ 43 6 MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL ANTECEDENTES: A ERA MOVIMENTISTA (1970-1980) ............................................................................................................... 50 6.1 Cenário dos Movimentos Sociais na atualidade no Brasil ..................................... 53 7 ESPAÇOS DE LUTAS SOCIAIS ........................................................................... 58 7.1 Demandas pela Educação nos Movimentos na Educação Escolar ....................... 60 7.2 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST ...................................... 65 7.3 Movimento dos Trabalhadores Sem Teto - MTST ................................................. 67 7.4 Fórum Social Mundial - FSM ................................................................................. 68 7.5 Movimento Hippie .................................................................................................. 69 7.6 Movimento Feminista ............................................................................................. 71 7.7 Movimento Estudantil ............................................................................................ 73 8 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ....................................................................................... 76 3 1 SOCIEDADE CIVIL 1.1 O Conceito de Sociedade Civil Sociedade civil é composta pelas organizações que servem como estrutura para um grupo de pessoas que se articulam em um propósito comum ao grupo. Sociedade é um grupo de indivíduos que possuem as mesmas características e se unem em busca de uma meta para o grupo. Civil diz respeito a cidadão e não faz parte de religião ou política. Fonte: fitf.org.br Portanto, são as pessoas que buscam lutar pelos seus direitos como cidadãos e indivíduos no meio social, protestando e reivindicando as suas vontades e direitos. São os grupos de conjuntos de organizações privadas, instituições civis, ONG’S, ou seja, qualquer entidade que não seja pública e que não tenha nenhuma relação com política, partidos políticos, religiões ou seitas. O significado da palavra civil é “quem não é militar ou eclesiástico, pertence ao cidadão”. Por isso, sociedade civil é um grupo de cidadãos que não estão vinculados com militarismo ou qualquer tipo de igreja. Para as Ciências Sociais o entendimento de sociedade civil é: Grupos que realizam atos no meio público, na política, sem fazer parte do governo. Fazemos parte 4 da sociedade civil quando exercemos a cidadania com o direito ao voto, manifestando a nossa satisfação ou insatisfação com os atos realizados pelo governo, ou simplesmente exercendo o nosso papel de cidadãos que somos. A forma de organização da sociedade civil é: Autônoma: O cidadão possui autonomia para se organizar, observadas algumas ressalvas na constituição. Independente: a organização da sociedade civil não depende de autorização ou subordinação. Voluntária: Participa quem quiser. A sociedade civil é cada pessoa que se entende no direito e dever de buscar na legislação, exigir e fazer com que seus direitos e deveres sejam cumpridos1. 1.2 Sociedade Civil: Uma breve introdução histórica Sociedade civil foi um conceito relacionado aos países da Europa e aos Estados Unidos até o início da terceira onda de democratização (COHEN & ARATO,1992; KEANE, 1988a). Tal conceito surgiu no século XIX, por volta de 1820, como uma dimensão dualista capaz de expressar duas mudanças trazidas pela modernidade ocidental: Nesse contexto, diferenciação social significou que "...o Estado não é o Estado se sempre se funde com a sociedade civil e esta não é sociedade quando é sociedade política ou o Estado" (RIEDEL,1984, p. 133). Assim, em sua primeira formulação, a sociedade civil é um conceito dualista, que expressa o início de um processo de diferenciação entre Estado e sociedade na Europa. Ao longo do século XIX, o conceito de sociedade civil não pôde ser utilizado para além dos limites dos países do Atlântico Norte porque os processos sociais que expressava pertenciam exclusivamente àqueles. No caso do Brasil, as primeiras diferenciações modernas entre a economia doméstica e a esfera privada não tiveram lugar no mesmo período, com a grande propriedade rural servindo de "locale" para o exercício da dominação econômica e política. O conceito não era aplicável até, pelo menos, o início do século XX a uma situação de pouca diferenciação entre o privado e o público. 1 Texto extraído de: www.significadosbr.com.br 5 O Brasil do início do século XIX ainda passava por um processo político privatista (FREYRE, 1959) no qual a grande propriedade rural era o lugar de realização das atividades públicas. Esse processo anterior resultou em uma esfera privada desproporcionalmente grande e a possibilidade sempre aberta de estender as relações pessoais para o campo político. Nenhum processo de diferenciação social que conduzisse a uma ideia de separação entre grandes interesses privados e o Estado poderia ter surgido nesta situação. O conceito surgiu ou ressurgiu na cena política e social no final do século XX com duas grandes diferenças do seu significado em relação ao século XIX: primeiro, envolvendo um significado tripartite, em que a sociedade civil se diferenciatanto do mercado como do Estado. Assim, diferentemente do início do século XIX, o mercado entendido como a esfera das atividades econômicas privados também se diferencia da sociedade civil. Em segundo lugar, o conceito de sociedade civil reaparece para explicar os processos sociais que estavam ocorrendo nos países da Europa do Leste e nas sociedades latino-americanas (ARATO, 1981; COHEN & ARATO, 1992; KEANE, 1988a; 1988b; 1998; HABERMAS, 1995). O significado tripartite do conceito está ligado à diferenciação do final do século XX entre o mercado e a sociedade e tem recebido diferentes formulações na literatura. Cohen e Arato, em seu trabalho seminal sobre a sociedade civil, diferenciaram a sociedade civil dos "...mecanismos que coordenam a ação na economia (dinheiro) ou em organizações formalmente organizadas e burocraticamente estruturadas (poder)"(COHEN & ARATO, 1992, p. 429). Eles relacionaram a sociedade civil ao nível institucional de um mundo da vida, entendido como um lugar de socialização, interação social e atividades públicas. Esta é uma das raízes de um modelo tripartite da sociedade civil, que também pode ser identificada em outras tradições do pensamento social, entre elas a diferenciação entre sociedade civil, sociedade política e Estado em Gramsci (BOBBIO, 1988; OXHORN, 1995). 6 Fonte: slideplayer.com.br Aqueles que defendiam um conceito Gramsciano de sociedade civil tentaram concentrar-se mais fortemente na ideia de conflito e na ideia de uma luta pela hegemonia cultural no seio da sociedade civil (FONTANA, 2011). Para eles, o elemento central das sociedades civis latino-americanas deveria ser a tentativa de ir além de uma concepção funcional da política para se concentrar em disputas de hegemonia no campo da cultura e no território geográfico (OXHORN, 1995). Há ainda uma terceira fonte para o ressurgimento do conceito de sociedade civil, que é uma tradição neotocqueviliana ou neodurkheimiana que diferenciou a esfera do Estado da esfera das associações voluntárias. Nesta concepção, a sociedade civil é uma instância autônoma de produção de solidariedade social (SHILLS, 1990; FEINBERG, WAISMAN e ZAMOSC, 2006). Nos três casos, a sociedade civil adquiriu o significado de um conceito cujo ressurgimento foi além dos modelos dualistas do século XIX, de diferenciação do Estado e da sociedade, tanto devido à sua independência da economia de mercado, quanto ao reconhecimento de que o problema da solidariedade social não pode encontrar uma solução satisfatória na esfera privada. 7 Durante a democratização brasileira, a sociedade civil surgiu como um conceito relacionado à sua nova forma tripartite e expressou a nova concepção de maneira particular: atrelou o surgimento do conceito ao processo de reconstituição dos laços sociais pelos pobres da América Latina (OXHORN, 1995; ALVAREZ, DAGNINO & ESCOBAR, 1998; AVRITZER, 1994) e setores de classe média (WEFFORT, 1989; STEPAN, 1989) em uma situação em que os atores sociais estavam sob a pressão de um regime autoritário. A sociedade civil foi, então, entendida como sendo um conceito capaz de diferenciar os novos atores sociais emergentes tanto do mercado, aqui entendido como os interesses econômicos privados associados ao regime autoritário, como do Estado autoritário. Todos os Estados autoritários latino- americanos, com a exceção do México, buscaram formas antissociais de organização social através da intervenção em sindicatos e associações voluntárias. Assim, o conceito de sociedade civil na América Latina surgiu como um conceito tripartite adaptado às formas de diferenciação entre o mercado, o Estado e a sociedade que se consolidou na região ao longo do século XX. No entanto, uma importante ressalva permaneceu no uso do conceito com o avanço da democratização no Brasil: as diferentes formas de relação entre a sociedade civil e o Estado (DAGNINO, 2002). Não havia ferramentas conceituais para compreender estas novas situações. Alguns autores argumentaram na direção de um novo corporativismo em que a organização da sociedade civil desempenharia o papel de novas formas de organização da sociedade para ser integrada na estrutura do Estado (REIS, 1995), enquanto outros queriam sublinhar a dimensão neopluralista. Em todos os casos, houve a necessidade de teorizar as novas práticas democráticas desenvolvidas pela sociedade civil brasileira e descobrir as maneiras pelas quais ela interage com o Estado. Teorias da sociedade civil durante o final dos anos 1980 e início de 1990 trataram as práticas de atores da sociedade civil em termos de autonomia, que, nesse caso, foi entendida em um sentido muito amplo; como autonomia organizacional do Estado bem como uma esfera independente para a ação do Estado (SADER, 1988; AVRITZER, 1994). Na medida em que postulou essa ideia de autonomia social, o conceito de sociedade civil incorporou uma dimensão do debate internacional, mas também envolveu fortes elementos locais. 8 Ele incorporou todos os tipos de movimentos sociais na dimensão autônoma da sociedade civil e, até mesmo, uma ideia geral de autonomia que vinha do próprio sindicalismo. Esta dimensão de autonomia mostrou-se muito forte durante o autoritarismo e influenciou um conjunto de movimentos, entre os quais cabe destacar o associativismo comunitário, o movimento de saúde, o movimento da reforma urbana e quase todos os movimentos com a presença de ativistas da igreja católica. Mas a verdade é que este movimento pela autonomia social não sobreviveu à democracia com a mesma concepção com que surgiu. Fonte: blogdapoliticabrasileira.com.br Uma segunda fase tanto da prática democrática quanto da teoria da sociedade civil surgiu em meados dos anos noventa do século XX e colocou a questão da interdependência entre a sociedade civil e o Estado. No caso brasileiro, a interdependência foi motivada pela sua associação com o aprofundamento democrático (DAGNINO, OLVERA & PANFICHI, 2006). Os atores da sociedade civil superaram uma fase de demarcação de espaço com o Estado e começaram a interagir em conselhos de políticas (TATAGIBA, 2002; 2004) bem como em projetos específicos que envolvem a implementação de políticas públicas (ABERS & KECK, 2006; AVRITZER, 2008). Neste artigo, descrevo o surgimento da sociedade civil no Brasil durante os anos setenta e analiso suas 9 principais áreas de atuação durante sua primeira fase. Analiso também uma segunda fase de interação entre Estado e sociedade mostrando que a sociedade civil ainda é semiautônoma (CORNWALL & COELHO, 2007), ou seja, interage com o Estado mantendo a sua própria dinâmica organizacional e o seu próprio processo de tomada de decisão2. 1.3 O Conceito de Sociedade Civil hoje: 4 matrizes teóricas de destaque São vários os autores que, no decorrer da história, trabalharam e contribuíram para o desenvolvimento do conceito de sociedade civil. Embora tão distantes no tempo, estes autores continuam presentes, influenciando o pensamento de vários autores contemporâneos. De maneira geral, pode-se destacar nos dias de hoje quatro matrizes teóricas que dariam as cartas do debate, matrizes estas que serão brevemente expostas abaixo. Seriam elas: Matriz neotocquevilliana; Matriz neoliberal; Matriz habermasiana; Matriz gramsciana. 1.4 Matriz neotocquevilliana Desde que Tocqueville visitou os Estados Unidos na década de 1830, este país tem desempenhado um papel central nos estudos sistemáticos acerca da relação existente entre democracia e sociedade civil. Como já visto anteriormente, o que mais impressionou Alexis de Tocqueville foi a propensão para a associação cívica dos estadunidenses, propensão esta que seria, para Tocqueville, o fator fundamental para o funcionamento da democracia estadunidense.2 Fonte de: www.scielo.br 10 “Americanos de todas as idades, de todas as posições na vida, e de todos os tipos de disposição estão sempre formando associações. Não há apenas associações comerciais ou industriais nas quais todos tomam parte, mas outras de milhares de tipos diferentes – religiosas, morais, sérias, fúteis, muito genéricas e muito limitadas, imensamente grandes e muito pequenas (...). Nada, em minha visão, merece mais atenção do que as associações morais e intelectuais na América” (Tocqueville apud Putnam, 1995:66). De acordo com esta vertente, a existência de uma sociedade civil ativa é algo fundamental para a consolidação da democracia – “a liberdade de associação se tornou uma garantia necessária contra a tirania da maioria” (Tocqueville apud Montaño, 2003:68). De maneira mais específica, a qualidade da vida pública e a performance das instituições sociais são poderosamente influenciadas pelas normas e redes de engajamento cívico – resultados satisfatórios são mais prováveis em comunidades civicamente engajadas (Chambers & Kymlicka, 2002). Na verdade, nas palavras de Putnam; “(...) análises históricas sugerem que estas redes de reciprocidade e de solidariedade cívica organizada, longe de serem um epifenômeno da modernização socioeconômica, foram uma condição prévia para isto” (Putnam, 1995:66). Um conceito utilizado para entender esse fenômeno é o de capital social: fazendo uma analogia com as noções de capital físico e capital humano, o conceito de capital social se refere a aspectos da organização social tais como redes, normas e confiança social que facilitam a coordenação e a cooperação para o benefício mútuo. Assim, para os autores vinculados a esta vertente seriam três os pontos positivos de uma sociedade com grande estoque de capital social. 11 Fonte: blog.sage.com.br Em primeiro lugar, redes de engajamento cívico promovem normas fortes de reciprocidade generalizada e encorajam a emergência da confiança social. Tais redes facilitam a coordenação e a comunicação, amplificam as reputações e, desta maneira, colaboram para a resolução dos problemas de ação coletiva. Quando as negociações política e econômica estão incrustadas em densas redes de interação social, incentivos para o oportunismo são reduzidos. Em segundo lugar, as redes de engajamento cívico incorporam sucessos passados de colaboração que podem servir como bases para colaborações futuras. Por fim, em terceiro lugar densas redes de interação provavelmente ampliam o sentido de self do participante, contribuindo para que o “eu” se transforme em “nós” ou, na linguagem dos teóricos da escolha racional, aumentando o “gosto” dos participantes por bens coletivos (Putnam, 1995). Em especial, no que diz respeito aos países que faziam parte do antigo bloco comunista, lamenta-se a falta de uma tradição de engajamento cívico independente e a tendência muito difundida de confiança passiva no Estado. Para tais autores, as democracias ocidentais e principalmente os Estados Unidos, eram tomadas como exemplos a serem seguidos. Contudo, como aponta Robert D. Putnam, seria possível notar nas últimas décadas um declínio da pujança da sociedade civil estadunidense, uma queda no estoque de capital social. Essa queda se evidenciaria, por exemplo, no declínio da participação nas eleições nacionais, a despeito do aumento do nível de 12 escolaridade; na queda do número de afiliações religiosas; no declínio do número de afiliações sindicais; e no declínio da membresia em organizações fraternas e cívicas voluntárias. Uma evidência desse desengajamento social nos Estados Unidos nos dias de hoje é o fato de que os estadunidenses estão cada vez mais jogando boliche sozinhos. Em outras palavras, “o capital social estadunidense na forma de associações cívicas tem se desgastado na última geração” (Putnam, 1995:73). Em suma, pode-se dizer que, para os neotocquevillianos, a força e a estabilidade das democracias liberais dependem, necessariamente, de uma esfera de participação associacional ativa e pujante. Neste sentido, tais autores concebem a sociedade civil como um local habitado por organizações de associação livre, da qual o cidadão possa participar de acordo com os seus interesses privados, vinculando-se com outros por intermédio da ajuda mútua. A sociedade civil é vista de uma forma “espontaneísta”, na qual grupos e associações voluntárias afloram. Além disso, ela também é vista de uma maneira deveras positiva na medida em que é composta por associações voluntárias e livres que contribuem para a estabilidade da democracia liberal. 1.5 Matriz neoliberal De certa maneira vinculada à matriz neotocquevilliana na medida em que incorpora em sua análise muitos dos elementos desenvolvidos por estes teóricos (Montaño, 2003:63-76)65, nota-se também a existência de uma visão mais pró- establishment, na qual a sociedade civil é considerada de uma maneira mais passiva, menos como uma esfera contraposta ao Estado e ao capitalismo e mais como um complemento ou mesmo um substituto para o Estado e o mercado. Esta seria a visão neoliberal de sociedade civil. 13 Fonte: filosofiaeeticadireito.blogspot.com Sociedade civil, neste sentido, é o reino entre o Estado, o mercado e a família; não é o reino da luta e da emancipação, mas sim o reino da estabilidade, da provisão, da confiança e da responsabilidade social. Termos como organizações sem fins lucrativos ou organizações não governamentais são usados para descrever os atores da sociedade civil. Um sinônimo para o conceito de sociedade civil usado por esta matriz teórica é o conceito de Terceiro Setor, que permeia os relatórios e informes emitidos pelas instituições internacionais (Banco Mundial, OMC e FMI, por exemplo). Neste ponto, cumpre destacar que, de acordo com o Banco Mundial; “A constituição de capital social e o surgimento de uma sociedade civil forte são os ingredientes essenciais para a consecução do desenvolvimento sustentável a longo prazo (...)” (Banco Mundial apud Garrison, 2000:18-19). Tal matriz teórica parte de uma concepção limitada de bem-estar, segundo a qual este pertence ao âmbito privado, ou seja, as famílias, a comunidade, as instituições religiosas e filantrópicas devem se responsabilizar por ele, buscando assim tecer uma “rede de solidariedade” que seja capaz de proteger os mais pobres. Por trás dessa concepção se encontra uma estratégia substitutiva, de descentralização e privatização dos serviços públicos. Desta forma, os governos 14 nacionais se desobrigam totalmente da responsabilidade pela implementação de programas sociais, delegando-se assim aos governos locais em parceria com as ONGs ou outras organizações sociais tal responsabilidade. Neste sentido, a sociedade civil diria respeito “Ao vasto setor não-governamental, formado por associações comunitárias, movimentos sociais, ONGs, entidades beneficentes, associações profissionais, igrejas e fundações de empresas” (Garrison, 2000:13). Nota-se, assim, uma conversão do Estado como “público” e de tudo que é não- estatal mercado e sociedade civil – como “privado” e uma separação desses espaços como esferas autônomas. Todavia, tal oposição seria resolvida com o surgimento de um “novo setor”, “público, porém privado”, que passaria a absorver cada vez mais a dita questão social. Desta forma, identificando o Estado com o Primeiro Setor e o mercado com o Segundo Setor, essa matriz teórica adiciona uma área de interseção que desempenharia funções públicas a partir de espaços e iniciativas privadas. Dito isto, pode-se afirmar que, dos pressupostos sobre os quais se baseia tal matriz, destacam-se os seguintes: separação e autonomização entre Estado, mercado e sociedade civil que se converte em Terceiro Setor, confusão entre público e privado;equiparação entre “Estado” e “governo”; identificação de ONG com movimento social; construção de parceiras com o Estado; complexa e heterogênea multipolarização supraclassista da nova questão social; crise fiscal do Estado. Firmados em tais pressupostos, os autores vinculados a essa matriz teórica apresentam as seguintes promessas que poderiam ser cumpridas pelo Terceiro Setor: o Terceiro Setor reforçaria a sociedade civil, diminuindo o poder estatal e sua ingerência na esfera privada; criaria um espaço alternativo de produção e consumo de bens e serviços; propiciaria o desenvolvimento democrático; estimularia os laços de solidariedade local e voluntária; compensaria as políticas sociais abandonadas pelo Estado; constituiria uma fonte alternativa de emprego (Montaño, 2002:134-177). Em suma, o fortalecimento da sociedade civil e de sua atuação no âmbito do desenvolvimento social seria, para esta matriz teórica, o caminho correto e necessário para que se possa combater de maneira eficiente a injustiça e a exclusão. Isso se deve ao fato de que a ação do terceiro setor no enfrentamento dessas questões “oferece modelos de trabalho que representam modos mais eficazes de resolver problemas sociais” (Cardoso, 1997:10). 15 Ora, tal afirmação parece resumir o que seria a matriz neoliberal, com sua ênfase na ineficiência intrínseca à esfera estatal. Esta, burocrática e intrinsecamente ineficiente e incompetente para gerir as questões de cunho social, é satanizada por esta matriz teórica que, como solução, exalta as virtudes da “sociedade civil” na promoção do desenvolvimento social. 1.6 Matriz habermasiana Habermas desenvolveu sua teoria da ação comunicativa como uma espécie de correção à tradição marxista que via o trabalho como a força motora da evolução social. Para Habermas, essa ênfase no trabalho teria produzido uma visão estreita das dinâmicas sociais que deixaria de fora o que ele chamou de “mundo da vida”. Habermas Neste sentido, os homens não apenas transformariam o mundo externo/natural através do trabalho, mas também, geração após geração, o mundo interno/sociocultural através da interação simbólica ou da comunicação. Ou seja, contrariamente a Marx e Lukács, para Habermas a categoria que propicia o salto ontológico do ser orgânico (que “reproduz o mesmo”) para o ser social (que “produz o novo”) não seria o trabalho, mas a linguagem, que produz não mais valores de uso e sim consensos a partir do agir comunicativo (Montaño, 2003). 16 O mundo da vida é o pano de fundo de toda a interação social; é o lugar transcendental fundante, não fundado, onde se desenvolve a intersubjetividade, constitutiva do ser social. Ele contém as interpretações acumuladas das gerações passadas e é feita de significados. É transmitida, alterada e reproduzida via comunicação, sendo a linguagem e a cultura e não o trabalho, seus aspectos basilares (Chambers, 2002; Arato & Cohen, 1994). No tocante à questão da sociedade civil, nota-se que Andrew Arato e Jean Cohen propuseram um conceito habermasiano de sociedade civil. De acordo com estes autores, “Habermas não nos oferece uma teoria da sociedade civil (mas) (...) nos fornece os meios para defender a nossa teoria da sociedade civil” (Arato & Cohen, 1994:151). Destarte, eles se apropriaram da análise habermasiana acerca da diferenciação entre sistema e mundo da vida com o objetivo de estabelecer uma identidade entre o processo de defesa do mundo da vida e a ideia de movimentos da sociedade civil. Neste sentido, estes autores propõem duas modificações importantes, uma no conceito de sociedade civil e outra no instrumental analítico habermasiano. Em primeiro lugar, no tocante ao conceito de sociedade civil, eles propõem uma transformação estrutural, de acordo com a qual este se liga com movimentos sociais e instituições que podem se localizar tanto na esfera privada quanto na pública e ter como objetivo deter ações do mercado e do Estado nos pontos de contato entre estes e a sociedade civil. Desta forma, é possível notar aqui um distanciamento das visões dicotômicas da sociedade civil e a inserção desta no interior de uma sociabilidade multidiferenciada, capaz de gerar movimentos cuja unidade residiria na sua forma interativa de organização. Em segundo lugar, no tocante ao instrumental analítico habermasiano, a introdução do conceito de sociedade civil permite a criação de novas formas de mediação entre os subsistemas e o mundo da vida, por intermédio da constituição de formas institucionais permanentes de limitação do mercado e do Estado; tais instituições penetrariam os subsistemas com objetivos autolimitados. Dito isto, nota-se haver uma diferença entre tais autores e Habermas, diferença está que reside no seguinte fato: 17 “Habermas na Teoria da Ação Comunicativa só consegue pensar em táticas defensivas do mundo da vida em relação ao sistema, ao passo que Cohen e Arato tentam constituir a sociedade política e econômica enquanto um instrumento ofensivo da sociedade civil contra a sua própria colonização pelo sistema” (Avritzer, 1994:39). A sociedade civil seria, assim, o mundo da vida conforme este é expresso nas instituições. Ou seja, a sociedade civil incluiria, assim, todas as instituições e formas associacionais que requerem interação comunicativa para sua reprodução e que confiam primariamente em processos de integração social para ação coordenada dentro de suas fronteiras. Desta forma, é possível perceber que o que proporciona as relações na sociedade civil é a comunicação, e a sociedade civil é autônoma quando suas atividades são governadas por normas que são tiradas do mundo da vida e reproduzidas e reformuladas através da comunicação. Com a natureza comunicativa como aspecto definidor da sociedade civil, fica mais fácil ver como a economia e o Estado podem ser excluídos. Cumpre ainda destacar o fato de que, conforme pode ser visto no que foi dito acima, Cohen e Arato reabilitam o conceito hegeliano de sociedade civil. Para estes autores, a autoridade das comunidades locais e daquilo que era chamado de corporações (guildas ou associações) na sociedade civil são considerados como sendo as barreiras contra a intrusão de caprichos subjetivos no poder confiado ao servo civil. A sociedade civil era a arena na qual o indivíduo era socializado; através do trabalho com outros dentro das instituições da sociedade civil, o indivíduo se torna consciente dos “fins universais”. Nas palavras dos autores, “Como Montesquieu antes dele e Tocqueville depois, (Hegel) buscou um nível intermediário de poder entre o indivíduo e o Estado: ele temia a impotência de sujeitos atomizados e procurou um controle da arbitrariedade potencial da burocracia estatal” (Cohen & Arato, 2000:135). Em suma, Arato e Cohen veem a sociedade civil como um projeto emancipatório contemporâneo. A sociedade civil seria uma forma de ação comunicativa habermasiana – isto é, um processo de deliberação através do qual os indivíduos podem estabelecer a validade de reivindicações morais. 18 Assim, o formalismo kantiano é suplantado por um procedimento deliberativo que é realizado através da realidade da discordância e do debate público que é experimentado na sociedade civil. A sociedade civil seria assim uma forma de refrear o que Habermas chama de “colonização do mundo da vida”. 1.7 Matriz gramsciana Conforme já adiantado previamente, de certa forma complementar à análise marxiana da relação entre capital e trabalho está a crítica de Marx ao Estado moderno. Para este autor, tal forma de Estado tem como sustentáculo a objetificação efetuada pelo sistema capitalista, segundo a qual a política é abstraída da vida material real e a dominação implícita da política pela classe que controla a vida material (Wood, 2001). Ocapitalismo, na medida em que se trata de um sistema centrado na comodificação e na alienação do trabalho e, neste sentido, na propriedade privada dos meios de produção e de apropriação do seu produto, pressupõe a criação de um espaço social no qual o direito do indivíduo em adquirir e alienar uma propriedade pode existir, um espaço no qual capital e trabalho possam se encontrar na condição de compradores e vendedores de mercadorias. Fonte: dicio.com.br 19 A criação de tal espaço requer um desenvolvimento histórico no qual a fusão entre política e economia é desfeita. Por um lado, a emergência do capitalismo envolveu a criação histórica de uma esfera “privada” na qual os indivíduos poderiam ser entendidos em abstração, separados da sociedade na qual eles na realidade se encontram incrustados, e assim são capazes de conceber e buscar seus próprios interesses econômicos egoístas. Seguindo Hegel, Marx chama esta esfera de indivíduos egoístas aparentemente isolados de Burgerliche Gesellschaft, sociedade civil. A economia aqui é situada dentro do reino individualista da sociedade civil. Correspondendo a esta esfera “privada” há uma esfera “pública” na qual a vida comunal dos indivíduos abstratos do capitalismo pode ser expressa. É interessante notar que o mesmo processo de abstração que separou o indivíduo e sua propriedade privada da comunidade, e criou desta forma a sociedade civil como um espaço social inteligível, também gerou a possibilidade de um espaço comunal distinto da sociedade civil. O Estado político moderno se distingue precisamente devido à sua construção histórica dentro dessa esfera pública. É neste sentido que se pode afirmar, assim como Derek Sayer, que “a formação do Estado político e a despolitização da sociedade civil são dois lados da mesma moeda” (Sayer apud Rupert, 1995:23). O Estado é, assim, internamente vinculado à relação classista da produção no âmbito da sociedade civil: são aspectos complementares da mesma realidade social histórica. Conforme visto anteriormente, Gramsci, por sua vez, desenvolve sua perspectiva marxista a partir da crítica às correntes idealistas presentes na filosofia italiana e às interpretações economicistas, positivistas e mecânicas do marxismo que eram correntes no movimento socialista no início do século XX. Assim, preocupado com a unificação entre teoria e prática, Gramsci reconstruiu a ontologia social de Marx a fim de desenvolver um entendimento da ação política revolucionária no capitalismo avançado do século XX. Parte integral de tal projeto era uma perspectiva dual da política social que incorporava Estado e sociedade, formas coercitivas e consensuais de poder e aspectos culturais e militares de luta. Caso fosse possível resumir o problema que Gramsci busca resolver em uma pergunta, tal pergunta se assemelharia à seguinte: 20 “Por que, apesar da crise econômica aguda e da situação aparentemente revolucionária que existia em boa parte da Europa Ocidental ao longo de todo o primeiro após-guerra, não foi possível repetir ali, com êxito, a vitoriosa experiência dos bolcheviques na Rússia? ” (Coutinho, 1981:65). Assim, a partir da reflexão acerca da experiência bolchevique Gramsci chega à conclusão de que as circunstâncias da Europa ocidental eram muito diferentes das condições da Rússia. Em especial, a Rússia e a Europa ocidental eram bastante distintas no que diz respeito à força relativa tanto do Estado quanto da sociedade civil. De maneira específica, na Rússia o aparato administrativo e coercitivo do Estado era formidável, mas vulnerável, enquanto a sociedade civil se encontrava em um estado de subdesenvolvimento, o que permitiu que uma classe trabalhadora relativamente pequena fosse capaz de tomar o poder sem encontrar uma resistência efetiva por parte do restante da sociedade civil. Por outro lado, havia na Europa ocidental uma sociedade civil muito mais desenvolvida sob o domínio da burguesia, o que dificultava em muito a possibilidade de uma tomada do poder mediante um levante revolucionário. Nas palavras de Gramsci, “A mesma transformação (que ocorreu na arte militar) deve ocorrer na arte e na ciência política, pelo menos no que se refere aos Estados mais avançados, onde a ‘sociedade civil’ tornou-se uma estrutura muito complexa e resistente às ‘irrupções’ catastróficas do elemento econômico imediato (crises, depressões, etc.); as superestruturas da sociedade civil são como o sistema das trincheiras na guerra moderna. (...) O último fato deste gênero na história da política foram os acontecimentos de 1917. Eles assinalaram uma reviravolta decisiva na história da arte e da ciência da política” (Gramsci, 2002b:73). Nota-se aqui que Gramsci busca mostrar, através do uso das analogias militares de guerra de posição e guerra de movimento, as diferenças circunstanciais e estratégicas entre cada uma. A hegemonia realiza-se no âmbito da sociedade civil, ou seja, é neste conceito, entendido como esfera de mediação entre a infraestrutura econômica e o Estado em seu sentido restrito, que se encontra materialmente a figura social da hegemonia. Neste sentido, uma guerra de movimento, ou seja, uma estratégia insurrecional não lograria êxito nos Estados da Europa ocidental. A estratégia alternativa seria então uma guerra de posições que, vagarosamente, constrói os fundamentos sociais de um novo Estado. Destarte, na Europa ocidental a luta deveria ser ganha primeiro no âmbito da sociedade civil antes que um assalto ao Estado possa lograr êxito. 21 Mas em que consiste a sociedade civil para Gramsci? De maneira mais específica, a sociedade civil é “o conjunto de organismos designados vulgarmente como ‘privados’ (...)” (Gramsci, 2001b:20), formada pelas organizações responsáveis tanto pela elaboração quanto pela difusão das ideologias, compreendendo assim o sistema escolar, as igrejas, os sindicatos, os partidos políticos, as organizações profissionais, a organização material da cultura (que se dá pelos jornais, revistas, editoras, meios de comunicação de massa), etc. Fonte: colegioweb.com.br Em suma, os ditos “aparelhos privados de hegemonia”, organismos sociais coletivos voluntários e relativamente autônomos em face da sociedade política (Gramsci, 2004:112). Tal sociedade civil é considerada uma das esferas principais do Estado visto em seu sentido ampliado; a outra seria a sociedade política: o conjunto de mecanismos através dos quais a classe dominante detém o monopólio legal da repressão e da violência e que se identifica com os aparelhos de coerção sob controle das burocracias executivas e policial-militar. Tal distinção entre sociedade política e sociedade civil é de ordem metodológica e não orgânica, uma vez que sociedade civil e Estado se confundem na realidade concreta (Liguori, 2003; Macciocchi, 1976). Contudo, conforme afirma Coutinho (Coutinho, 1981), tal distinção se justifica por duas razões: em primeiro lugar, 22 porque há uma diferença na função que ambas as esferas exercem na organização da vida social, na articulação e na reprodução das relações de poder. Embora ambas sirvam para conservar ou promover uma determinada base econômica, o modo como se dá tal conservação/promoção varia; no âmbito e através da sociedade civil as classes buscam exercer sua hegemonia através de direção política e consenso. Já no tocante à sociedade política as classes exercem uma dominação mediante a coerção. Isso aponta para a novidade introduzida por Gramsci, a saber, a concessão de uma base material própria, de um espaço autônomo e específico de manifestação para a hegemonia enquanto figura social. Em segundo lugar e ligado à primeira razão, tais esferas se distinguem por possuírem uma materialidade social própria. Enquanto a sociedade política tem seus portadores materiais nos aparelhosrepressivos do Estado, os portadores materiais da sociedade civil são os “aparelhos privados de hegemonia”. A esfera ideológica ganha assim, nas sociedades capitalistas avançadas, uma autonomia material em relação ao Estado em seu sentido restrito. Em suma, a necessidade de conquistar o consenso como base para a dominação criou objetivações reais que passam a funcionar como portadores materiais específicos das relações sociais de hegemonia. Nas palavras de Coutinho; “É essa independência material (...) que funda ontologicamente a sociedade civil como uma esfera própria, dotada de legalidade própria, e que funciona como mediação necessária entre a estrutura econômica e o Estado-coerção” (Coutinho, 1981:93). Nota-se assim que, ao contrário de Marx que não fazia distinções entre a sociedade civil e a estrutura econômica (Montaño, 2002), Gramsci efetua tal distinção. Na verdade, como bem afirmou Bobbio, “a sociedade civil, em Gramsci, não pertence ao momento da estrutura, mas ao da superestrutura” (Bobbio, 1987b:32). Contudo, inferir daí que há uma primazia do político sobre o econômico, da superestrutura sobre a estrutura por parte de Gramsci é um equívoco. O que ocorre é um equívoco por parte de Bobbio na medida em que este supõe que, por Marx considerar a sociedade civil como o fator ontologicamente primário na explicação da história, Gramsci também o faça, retirando assim da infraestrutura sua centralidade ontológica. Contudo, como já visto anteriormente, Gramsci não nega, em absoluto, que “a produção e reprodução da vida material (...) é o fator ontologicamente primário na explicação da história” (Coutinho, 1981:88). 23 Em suma, a contribuição teórica de Gramsci é deveras significativa na medida em que este distingue no interior do Estado embora no Estado o momento da força e do consenso estejam dialeticamente unidos um nível superestrutural, a hegemonia, através do qual o Estado de classe exerce sua direção e mantém sua liderança ideológica sobre a sociedade civil. Fonte: tiabeth.com A distinção entre sociedade civil e sociedade política não é apenas uma distinção metodológica entre dois níveis da superestrutura, mas sim um ponto de extrema originalidade e enriquecimento teórico para a teoria marxista do Estado. Tal distinção põe em evidência a complexidade, a articulação e a relativa independência, com relação à base econômica, das instituições, das organizações, das formas da consciência e da ideologia através das quais é expresso o poder de uma classe, além de servir para explicar a relação dialética entre coerção e consenso, ditadura e hegemonia, que serve de base e expressão para o poder de uma classe3. 3 Texto extraído de: www.maxwell.vrac.puc-rio.br 24 2 ESTADO E CLASSES SOCIAIS: INTRODUÇÃO AOS MOVIMENTOS SOCIAIS Movimento social é a expressão da organização da sociedade civil, formada por ações coletivas onde os indivíduos têm como objetivo alcançar mudanças sociais através do debate político dentro de um determinado contexto na sociedade. Este tipo de expressão é característica de uma sociedade plural, pois ela age de forma coletiva para representar um movimento de resistência que luta pelas diversas formas de inclusão social. Grupos como os movimentos populares, sindicatos e organizações não governamentais (ONGs) são exemplos das formas coletivas de organização dos movimentos sociais. Os grupos atuantes dentro de um movimento social estão sempre em busca da representação política destas formas de exclusão social e suas atuações tem sempre o objetivo de produzir pressão direta ou indireta no Estado. Os Movimentos sociais são as expressões da organização da sociedade civil. Agem de forma coletiva como resistência à exclusão e luta pela inclusão social. “Nos movimentos sociais, a política revela seu maior potencial dinâmico, pelos constantes desenvolvimento de novas formas derivadas de situações cotidianas e da necessidade de sua transformação” (MAAR, 1994, p. 70). Fonte: espiritoimortal.com.br 25 É nas ações destes que se apresentam as demandas sociais que determinada classe social enfrenta, se materializando em atividades de manifestações como ocupações e passeatas em ruas provocando uma mobilização social, despertando uma sensibilização na consciência dos demais indivíduos como diz Maria Glória Gohn: “ao realizar essas ações, projetam em seus participantes sentimentos de pertencimento social. Aqueles que eram excluídos passam a se sentir incluídos em algum tipo de ação de um grupo ativo” (2011, p. 336). Para Frank e Fuentes (1989, p. 19 - ver a segunda, das “dez teses” que os autores pretendem expor em seu artigo): os Movimentos Sociais se baseiam “num sentimento de moralidade e (in) justiça em um poder social baseado na mobilização social contra as privações (exclusões) e pela sobrevivência e identidade”. É com uma vigorosa capacidade de mobilização que “[...] os sindicatos, as ONGs, e os diversos movimentos de luta conquistaram importantes direitos de cidadania ao longo da história brasileira” (LAMBERTUCCI, 2009, p. 82). É preciso fazer uma distinção entre movimentos sociais e protestos sociais. O simples fato de ir às ruas protestar contra a corrupção, por exemplo, não caracteriza um movimento social. Uma ação esporádica, ainda que mobilize um grande número de manifestantes, pode ter em seu coletivo representantes de movimentos sociais e populares, mas não caracterizam um movimento social como tal. Tais protestos e mobilização podem ser frutos da articulação de atores de movimentos sociais, ONG’s, tanto quanto podem incluir cidadãos comuns que não estão necessariamente ligados a movimentos organizados como tais. Alguns exemplos ilustram essa forma de organização, incluindo vários setores de participantes: a Marcha Nacional pela Reforma Agrária, de Goiânia a Brasília (maio de 2005), foi organizada por articulações de base como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Grito dos Excluídos e o próprio MST e por outras, transnacionais, como a Via Campesina. Também se realizaram articulações com universidades, comunidades, igrejas, através do encaminhamento de debates prévios à marcha. A Parada do Orgulho Gay tem aumentado expressivamente a cada ano, desde seu início em 1995 no Rio de Janeiro, fortalecendo-se através de redes nacionais, como a ABGLT, de grupos locais e simpatizantes. A Marcha da Reforma Urbana, em Brasília (outubro de 2005), resultou não só da articulação de organizações de base urbana (Sem Teto e outras), mas também de uma integração mais ampla com a Plataforma Brasileira de Ação Global contra a Pobreza. A Marcha Mundial das Mulheres tem sido integrada por organizações civis de todos os continentes (SCHERER-WARREN, 2006, p. 112). 26 Para haver esses movimentos sociais os motivos são os mais diversos, em geral são frutos da insatisfação popular frente a má gestão dos líderes políticos então eleitos pelo povo, que passam então a reivindicar ações efetivas quando os representantes políticos não cumprem com as promessas com as quais foram eleitos, em áreas como Saúde, Educação, Meio Ambiente, habitação, entre outras demandas não atendidas, fomentando indignação no povo e levando este a realizar movimentos e manifestações populares. Quanto mais as decisões políticas se tornam insatisfatórias e distantes do cotidiano das pessoas “tanto mais crescem os movimentos sociais como último espaço em que os homens, vivendo em sociedade, desenvolvem seus interesses” (MAAR, 1994, p. 72). “Enquanto na política institucional [dos governos] fala-se pelo povo e para o povo, nos movimentos sociais é o povo quem fala e está presente cotidianamente” (MAAR, 1994, p. 71). Maria Glória Gohn (2014) define as características de um movimentosocial: possui liderança, base, demanda, opositores e antagonistas, conflitos sociais, um projeto sociopolítico, entre outros. Ilse Scherer-Warren (2006) concorda com Maria Glória ao definir em sentido amplo os movimentos sociais em torno de uma identificação de sujeitos coletivos que possui adversários e opositores em torno de um projeto social. Veja-se por exemplo o Movimento Negro e Movimento Indígena, que se une pela força de uma identidade étnica (negra ou índia) e combatem o adversário do colonialismo, racismo e expropriação, tendo como projeto de luta o reconhecimento de sua identidade, suas tradições, valores e até mesmo de manutenção de um território que vive sob constante ameaça de invasão (os quilombos no caso dos negros e a luta pela demarcação de terras indígenas. Delson Ferreira (2003) define os movimentos sociais a partir das ações de grupos organizados que objetivam determinados fins, ou seja, os movimentos sociais se definem por uma ação coletiva de um grupo organizado e que objetiva alcançar mudanças sociais por meio da luta política, em função de valores ideológicos compartilhados questionando uma determinada realidade que se caracteriza por algo impeditivo da realização dos anseios de tal movimento. 27 Fonte: sabedoriapolitica.com.br Com a luta dos movimentos sociais ampliou-se o leque de atores sociais e surgiram novas facetas à cidadania com ênfase na responsabilidade dos cidadãos na elaboração de Políticas Públicas, com espaços criados institucionalmente para esta parceria entre Estado e sociedade civil, como é o caso, por exemplo, dos conselhos gestores de políticas públicas. “Novos e antigos atores sociais fixarão suas metas na conquista de espaços na sociedade política, especialmente nas parcerias que se abrem entre governo e sociedade civil organizada, por meio de Políticas Públicas” (GOHN, 2014, p. 58). E como afirma Antonio Lambertucci – então secretário executivo da Secretária-geral da Presidência da República na época do governo Lula: “[...] as contribuições dos movimentos e organizações sociais impactam as políticas públicas e são garantias de execução [...] Isto significa uma mudança na relação com a sociedade civil e um autêntico reconhecimento do papel das entidades” (2009, p. 72). Antonio Lambertucci chama atenção ainda para o fato de como tais organizações e movimentos sociais constituem espaços de participação em uma grande rede entre indivíduos sendo através destas redes que “[...] os atores sociais formam opinião, se expressam, fazem sua vontade ganhar poder coletivo e, assim, interferem nos destinos do país” (2009, p. 82). 28 Além disso, em tempos de tecnologia e cibercultura vale ressaltar também como nossa época é marcada pela comunicação em massa das redes sociais na internet, levando a ocorrência de marchas pelas ruas onde os manifestantes se mobilizam através de redes sociais, como o Movimento #VemPraRua ocorrido no Brasil em 2013 e outras manifestações ocorridas em vários países da Europa e da África, como a Primavera Árabe (entre 2010 e 2012) e os Indignados na Europa (entre 2011 e 2012) (GOHN, 2014). Manifestações, marchas e ocupações que “[...] simbolizam uma nova forma de fazer política. Não a política partidária, oficial, mas a política no sentido dos gregos, do cidadão que se manifesta e discute na praça pública” (GOHN, 2014, p. 75). Estas novas formas de protestos com as novas TIC’s (Tecnologia de Informação e Comunicação) criaram o conceito de ciberativismo: uma forma de ativismo realizado através de tecnologias de informação e comunicação, principalmente através da internet. A utilização das informações por meio da Internet passou a ter maior visibilidade não só pelo baixo custo e eficácia na resposta a curto, médio e longo prazo pela comunidade virtual, como pela facilidade e velocidade com que as informações podem ir de um extremo a outro do planeta. O que as marchas, manifestações, ocupações e protestos que ocorreram ao longo de 2011, 2012 e 2013 têm em comum: São articuladas via redes sociais, internet e celulares; são compostas por manifestantes que não tem necessariamente uma Ideologia Política (a adesão é a uma causa, ou mais de uma, e não à Ideologia de um grupo) e não pertencem a um grupo específico (político ou não) e por isso não tem ligação Política partidária (mesmo que entre seus manifestantes haja pessoas ligadas a algum grupo político); as manifestações ocorrem à margem não apenas de partidos mas também de sindicatos; os protestos têm grande visibilidade na mídia em função do grande número de contingente que consegue agrupar; a Democracia é um dos eixos articuladores das marchas, em seu sentido e exercício pleno; são espaços de aprendizagem que se produzem a partir de uma vivência e experiência, no sentido de uma educação não formal; contribuem para a construção de uma nova cultura política (GOHN, 2014, p. 74-76). Para Maria Glória Gohn a cibercultura tem alterado as formas de mobilização social de várias maneiras, tanto no que diz respeito a “ação coletiva de movimentos alterglobalização” (GOHN, 2014, p. 19) que também é impulsionada pelas novas formas de comunicação e informação, quanto altera a forma de comunicação entre jovens manifestantes afirmando, inclusive, que “saber se comunicar on-line ganha status de ferramenta principal para articular as ações coletivas” (GOHN, 2014, p. 17). 29 O desenvolvimento da internet tem alterado não apenas a forma de articulação dos protestos e movimentos sociais, como a própria concepção da democracia. “A Internet não permite somente comunicar mais, melhor e mais rápido; ela alarga formidavelmente o espaço público e transforma a própria natureza da democracia” (CARDON, 2012, p. 01). Além disso, “dominar códigos das novas tecnologias e participar das redes sociais passou a fazer parte do perfil desse ativista” (GOHN, 2014, p. 60). Marchas, manifestações e ocupações na atualidade são promovidas por coletivos organizados que estruturam, convocam/convidam e organizam-se on-line, por meio das redes sociais [...] A sensibilização inicial é uma causa, vista como um problema social, como a corrupção de políticos, a ganância de banqueiros, o preconceito contra gays etc. (GOHN, 2014, p. 21 – grifos da autora). A internet tem alterado a forma de articulação dos movimentos sociais e de protestos individuais ou mesmo coletivos, mas que não se caracterizam, necessariamente, como um movimento social, como é o caso da blogueira cubana Yoani Sanchez, responsável pela manutenção do blog Generacion Y e do site Wikileaks.org. Yoani Sanchez 30 Yoani Sánchez é conhecida por seus artigos e críticas à situação social em Cuba do governo de Fidel Castro usando como um dos instrumentos de suas críticas o seu Blog. Há algumas controvérsias em torno da blogueira dependendo do ponto de vista com que se analisa a questão. Para alguns, Yoani é uma defensora da liberdade de expressão em um governo ditatorial, autoritário e repressivo. Para outros, ela não seria mais do que uma aliada dos E.U.A, suspeita de ligações com supostos agentes estrangeiros infiltrados em Cuba e com a CIA que o seu blog tem servido apenas para ataques contra o regime cubano. Qualquer que seja o caso, o fato é que a jornalista utiliza amplamente a rede mundial da internet para expor suas análises e críticas ao regime cubano, entre outras análises políticas e sociais. Já o Wikileaks.org pode ser considerado como uma organização transnacional sem fins lucrativos que publica, em seu website, postagens de fontes anônimas, documentos, fotos e informações confidenciais, vazadas de governos ou empresas, sobre assuntos que podem ser considerados até mesmo de segredo e segurança nacional. Ao longo do ano de 2010, WikiLeaks publicou grandes quantidades dedocumentos confidenciais do governo dos Estados Unidos, com forte repercussão mundial. A publicação de um vídeo de um ataque aéreo em Bagdá é uma das mais notáveis publicações do site. Seu fundador, Julian Assange, publicou livros como “Cypherpunks – Liberdade e o futuro da Internet”, onde acusa governos de usarem a internet com objetivos de manutenção do poder político e econômico das nações e “Wikileaks – A guerra de Julian Assange contra os segredos de Estado”. Em todos estes casos: […] as novas mídias sociais, operadas on-line, com destaque para a mediação da internet, estão mudando a forma das pessoas se relacionarem, abrindo acesso a fontes de conhecimento e a formas de construir a Democracia, mas também fornecem todos os elementos para a construção de novas formas de Controle Social (GOHN, 2014, p. 50)4. 4 Texto extraído de: www.sabedoriapolitica.com.br 31 2.1 Organização de Movimentos Sociais nas Redes Sociais Virtuais As características de interatividade, cooperação e descentralização da internet abriram espaço para as lutas sociais a partir da segunda metade da década de 1990, haja vista as possibilidades de difusão de reivindicações, disseminação de ideias e estabelecimento de contatos, e sem ter a necessidade de passar pelos filtros ideológicos da grande mídia. Dessa forma, “a militância online vem alargar a teia comunicacional planetária, usufruindo de uma das singularidades do ciberespaço: a capacidade de disponibilizar, em qualquer espaço tempo, variadas atividades, formas e expressões de vida. ” (MORAES, 2000, p. 142). Fonte: folhapolitica.org O ciberespaço e a dinâmica propiciada por este em termos de aproximação de diferentes tempos culturais resultam em uma sinergia entre as redes presenciais e redes virtuais. Além das articulações entre as redes virtuais e presenciais, novas possibilidades de articulações podem ser vislumbradas, seja na relação entre legados históricos e projetos de transformações ou mesmo na relação entre escalas locais e globais dos movimentos (SCHERER-WARREN, 2005). 32 Há uma importância nas mudanças em relação aos modos como a informação passou a circular nas mídias, passando de uma “lógica hegemônica de transmissão das informações de forma massiva e generalizada, de um pequeno grupo produtor a um coletivo indiscriminado” para uma forma na qual há “possibilidade de produção de informação e estabelecimento de comunicação de uma forma mais descentralizada e distribuída para públicos segmentados”. Embora a interatividade possa ser vista em outras mídias, é na internet que ela apresenta maior predominância e força (COGO; BRIGNOL, 2011, p. 83). Como o ciberespaço constitui-se em um “universal indeterminado”, a falta de controle e de hierarquias aparentes possibilita que as partes possam se reinventar em densidades e extensões distintas sem se sobreporem ou subjugarem às demais. Por essas características, pode ser denominada de “Babel cultural”, visto a constante mutação e desordem saudável dos espaços disponíveis (MORAES, 2000, p. 143). Edwards e McCarthy (2004) apontam a importância da internet para os movimentos sociais em virtude das possibilidades disponibilizadas para disseminar informações e coordenar atividades em diferentes grupos sociais. No entendimento de Klandermans e Staggenborg (2002, p. 332), a internet pode se configurar como uma rica fonte de dados para se analisar tais movimentos em virtude da crescente difusão de informações em seu espaço. A internet serve, portanto, como importante complemento para as ações políticas, engajamento cívico e participação democrática, o que não significa que os processos tradicionais se encerrem em virtude dessa nova dinâmica de participação, mas que os indivíduos têm à disposição novos espaços para diferentes tipos de deliberações democráticas (FREY, 2003). Há um deslocamento das fronteiras comunitárias e locais tradicionais, podendo se verificar o desenvolvimento de um potencial de ações coletivas na era da informação. O ciberespaço coloca-se como um ambiente com capacidade de revitalizar lutas e movimentos civis, já que constantemente aumenta o número de indivíduos que procuram tais espaços ansiando por expressar-se. Apesar de anárquica, a internet mostra-se bem mais democrática que as mídias de massa, característica esta que se fortalece ainda mais quando se consideram o barateamento dos custos, o aumento do raio de abrangência global e a rápida velocidade de circulação de informações (MORAES, 2000). 33 Fonte: raiz.org.br Com apenas um clique, uma pessoa pode fortalecer um movimento, como por exemplo, assinando um abaixo assinado, o que nos remete a um novo conceito de ‘cliqueativismo’. Esse fato ainda colabora com o entendimento das chamadas “forças dormentes” que Machado (2007, p. 278) argumenta serem importantes para os movimentos sociais nas redes virtuais, visto que essas forças são relacionadas a pessoas que fazem parte da rede e, apesar de não muito engajadas, podem se identificar com certas causas e ações e fortalecê-las em dados momentos. Machado (2007) alerta para a existência de movimentos sociais que ocorrem em zonas cinzas de descontrole, nas quais se torna difícil estabelecer controle e responsabilidades. A exemplo desses movimentos, o autor aponta para o “hacktivismo” e o “ciberterrorismo”, os quais se utilizam de ataques virtuais a sites e sistemas diversos de organizações. Nos dias atuais, um movimento que tem ganhado força nesse contexto advém de ações do grupo intitulado como Anonymous5. Apesar das diversas possibilidades para o desenvolvimento de movimentos sociais, Moraes (2000, p. 153) argumenta que 5 Anonymous é um grupo hacktivista internacional. Formado por membros anônimos, como o próprio nome indica em inglês, o grupo atua em diversas frentes, geralmente "defendendo causas em prol da sociedade", como eles costumam se posicionar. Como forma de protesto, o Anonymous invade páginas na Internet e derruba sites. 34 alguns fatores requerem melhor análise do quadro de expectativas que a internet pode propiciar. Para o autor, “a cibermilitância necessita aprofundar experiências de comunicação eletrônica” e, além disso, ao mesmo tempo em que o fenômeno dos movimentos se torna muito rápido graças à tecnologia, também se mostra muito lento devido aos hábitos culturais e políticos. Além dos aspectos mencionados, a internet pode dar maior visibilidade para certos movimentos, mas isso não retira o poder predominante de determinadas mídias de massa que são bem perceptíveis na atualidade. Dessa forma, as redes sociais virtuais mostram-se como um importante espaço de interação, reconhecimento e ação, mas podem requerer, em certos casos, outros tipos de recursos e ambientes para desenvolver os movimentos sociais. Para Scherer-Warren (2006, p. 112), por exemplo, as mobilizações contemporâneas na esfera pública resultam de articulações entre “atores dos movimentos sociais localizados, das ONGs, dos fóruns e redes de redes, mas buscam transcendê-los por meio de grandes manifestações na praça pública, incluindo a participação de simpatizantes, com a finalidade de produzir visibilidade através da mídia e efeitos simbólicos para os próprios manifestantes (no sentido político- pedagógico) e para a sociedade em geral”. Uma importante discussão a respeito das redes de movimentos sociais reside no fato das múltiplas participações em movimentos sociais, possibilidade esta que se eleva quando se leva em consideração as ações no ambiente virtual. Conforme esclarecido por Della Porta e Diani (2006), alguns tipos de grupos exigem afiliação exclusiva, tal como organizações políticas, enquanto outros possibilitam múltiplas afiliações, como nocaso de grande parte dos movimentos sociais. A múltipla afiliação possibilita aos indivíduos e grupos acessarem diferentes áreas e estabelecerem relações de confiança com demais grupos que podem apoiar as ações desenvolvidas, tornando-se um importante canal para a articulação de iniciativas. 35 Fonte: medium.com Ao estudar a participação política de jovens brasileiros, Mische (1997, p. 145) argumenta que o contexto brasileiro apresenta uma característica de “militância múltipla”, podendo ser observado por meio da participação dos indivíduos em uma série de movimentos (estudantis, políticos, religiosos), o que leva a crer que as redes de movimentos são extremamente interligadas. Mesmo tendo clara a grande possibilidade que as redes virtuais oferecem para a integração e articulação dos movimentos sociais, Machado (2007) argumenta que ainda não se pode definir a exatidão dos impactos dessas para os movimentos, até mesmo porque os estudos neste campo são insuficientes. Contudo, pode-se afirmar que as redes sociais virtuais são um importante marco em relação à atuação dos/nos movimentos sociais, provocando consideráveis alterações na forma como as relações e as ações coletivas se estabelecem e se desenvolvem, bem como no impacto de tais redes para os resultados esperados. Além disso, fatores como a motivação, significados e organização das ações coletivas dos movimentos sociais não se mostram tão claros, mas de certo modo, intrigantes e desafiadores6. 6 Texto extraído de: www.rigs.ufba.br 36 2.2 Os Tipos de Movimentos Em termos de classificação podemos dividir os movimentos sociais em: Movimentos reivindicatórios, os quais focam sua ação em exigências de questões imediatas. Utilizam-se da pressão pública para pressionar instituições que possam modificar os dispositivos legais que possam lhes favorecer. Movimentos políticos, os quais buscam influenciar a população na participação política direta enquanto garantia para transformações estruturais na sociedade. Movimentos de classe, os quais buscam subverter a ordem social e, consequentemente, alterar as relações entre distintos fatores na conjuntura nacional. Movimentos rurais: também são chamados de movimentos do campo e as principais causas são relacionadas à distribuição de terras para a agricultura (reforma agrária) e a substituição da força de trabalho humana pelas máquinas, Organizações não governamentais (ONGs): são organizações sociais sem objetivo de lucro que se organizam por determinadas causas ou para ajudar grupos sociais específicos. Podem atuar em qualquer área (educação, saúde, assistência social, meio ambiente, entre outras). 37 Fonte: sintratel.org.br 2.3 Composição de um Movimento Social Para que haja um movimento social efetivo, é preciso a conjugação de alguns fatores. O primeiro deles é o projeto, o qual abarca toda proposta e objetivos do movimento em questão. Um outro fator crucial é a ideologia que embasa este movimento. A ideologia é a responsável por articular a união entre os grupos sociais em prol do movimento. Por fim, ao se instituírem, os movimentos sociais estabelecem uma disposição hierárquica. Essa hierarquização pode ser descentralizada ou não, numa estrutura deliberada para possuir líderes e outros integrantes. 2.4 Características dos Movimentos Sociais Existem diferentes tipos de movimentos sociais, que lutam por diversas causas e que têm sua própria identidade e forma de funcionamento. Mas existem algumas características que são comuns a todos os movimentos ou a quase todos eles. Conheça as principais: 38 Existência de um conflito social: é a partir da observação da existência de um problema social que os movimentos sociais começam a ser organizados com o objetivo de obter uma melhoria, Confronto e pressão contra o Estado: é uma característica desses movimentos porque lutam pelo reconhecimento de direitos ou modificações que são impostas ou propostas por um governo, a pressão social feita pelos cidadãos que demonstram suas opiniões ou interesses é uma das principais formas de mobilização social, Combate à injustiça social: os movimentos envolvem questões relacionadas ao interesse ou necessidades de um grupo ou o combate a uma injustiça social. Luta por cidadania: as causas defendidas por movimentos sociais são ligadas ao exercício ou ao reconhecimento de direitos, assim, são diretamente ligadas ao exercício da cidadania7. 3 MOVIMENTOS SOCIAIS: SUJEITOS, PROJETOS Os movimentos sociais, enquanto objeto empírico, têm alimentado um debate constante no campo das Ciências Sociais, estimulando e promovendo o desenvolvimento de múltiplas perspectivas teóricas e focos de atenção diversos. Fonte: sul21.com.br 7 Texto extraído de: www.todapolitica.com 39 Apresentaremos, de forma introdutória, as teorias que se destacaram, sendo elas: a Teoria Marxista dos Movimentos Sociais, a Teoria das Massas (TM), a Teoria da Mobilização dos Recursos (TMR), a Teoria dos Processos Políticos (TPP) e a Teoria dos Novos Movimentos Sociais (TNMS). 3.1 As análises marxistas Origem: Remontam ao século XIX e possuem sua origem na sociologia clássica de Karl Marx e Friedrich Engels e se desenvolveu a partir de diversos autores conhecidos como marxistas. Principais características: 1) Abordagem de viés estruturalista, ou seja, o movimento surge como resultado de determinado contexto industrial ou econômico que possui impacto nas formas de divisão do trabalho e organização dos operários, 2) No âmbito dos processos associativos está ancorada na categoria classe (em si, e para ai) e, 3) Nas abordagens que focam no papel da liderança, a destacam como intelectuais orgânicos que são responsáveis pelo direcionamento e construção ideológica da mobilização. Os movimentos sociais são entendidos como ações coletivas de uma classe social explorada que busca: 1) Melhores condições de trabalho, de salários e de vida e; 2) Eclodir uma revolução, a tomada do poder a fim de implantar uma ditadura do proletariado a fim de suplantar o Capitalismo. 3.2 Teoria das Massas Origem: Desenvolvida entre aos anos de 1940 e 1960, sobretudo por influência das grandes manifestações públicas do nazismo e do fascismo. 40 Principais características: 1) Marcada fortemente pelo positivismo e, em particular, pela sociologia organicista de Durkheim e; 2) A grande preocupação dos teóricos estava em entender o comportamento das massas sob uma análise da Psicologia Social, sendo elas tidas como perigosas e, portanto, combatidas e; 3) A preocupação era entender os movimentos não democráticos, o processo de alienação das massas e a perda de controle e influência das elites culturais. Os movimentos sociais são entendidos como patologias sociais, desajustamentos causados pelas disfunções da modernidade. Assim, os movimentos sociais são tidos como movimentos desviantes e irracionais compostos por indivíduos marginalizados. 3.3 Teoria da Mobilização dos Recursos Origem: Surge do contexto de transformações políticas ocorridas na sociedade norte- americana nos anos 1960. Sua origem se relaciona diretamente a rejeição da ênfase que a Teoria das Massas dava aos sentimentos e ressentimentos dos grupos coletivos, assim como o approach eminentemente psicossocial dos clássicos, centrado nas condições de privação material e cultural dos indivíduos. 41 Principais características: 1) Preocupação em entender o papel da burocracia na organização dos movimentos sociais; 2) Os estudos focam nos recursos disponíveis aos movimentos sociais, sendo eles humanos, financeiros e de infraestrutura; 3) Foco no papel das lideranças, sobretudo em sua capacidadede mobilizar e trocar bens num mercado de barganhas, as quais são entendidas a partir de uma visão exclusivamente economicista, num processo em que todos os atores agiam racionalmente, segundo cálculos de custos e benefícios, lógica emprestada da Teoria da Escolha Racional e a Teoria do Utilitarismo e; 4) As ações coletivas são explicadas a partir de uma visão comportamentalista organizacional. Os movimentos sociais são entendidos como grupos de interesses, vistos como organizações e analisados sob a ótica da burocracia de uma instituição, tendo recebido fortes influências da Sociologia weberiana. 3.4 Teoria dos Processos Políticos Origem: Se desenvolve nos anos de 1970 como crítica ao utilitarismo e ao individualismo metodológico da Teoria da Mobilização dos Recursos Principais características: 1) Trazer para o centro do debate elementos político-culturais e simbólicos, os quais passam a ser entendidos como importantes para atrair novos membros, mobilizar o apoio de variados públicos, constranger as opções de controle social de seus oponentes e tentar direcionar as políticas públicas e as ações do Estado; 2) Preocupação em observar as dimensões externas das lutas dos movimentos que são tidas como relevantes para a competição por poder; 3) Ideias, símbolos e palavras-chave são observados como importantes na construção da identidade dos movimentos sociais e sua mobilização; 4) Foco nos processos sociais de longa e média duração e; 42 5) Ênfase nas estruturas das oportunidades e restrições políticas. Os movimentos sociais são entendidos um ator político de mudança social, esta entendida como uma ação reformista e não revolucionária. 4 PRINCIPAIS MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS NO BRASIL, COMO OBJETO DE SOCIOLOGIA Origem: surgiu como arcabouço explicativo para os movimentos sociais transclassistas, ou seja, composto por sujeitos pertencentes a diferentes classes sociais, ou ainda a movimentos por demandas pós-materiais, tais a qualidade do ar, a igualdade de gênero e a luta pela paz. Fonte: cafecomsociologia.com Principais características: 1) Foca nas identidades coletivas e, portanto, apresentando uma visão culturalista dos movimentos sociais; 2) O reconhecimento e o auto reconhecimento são elementos fundamentais para entender a ação coletiva e; 43 3) Observação de que as demandas dos movimentos sociais não são apenas materiais. Os movimentos sociais são entendidos como atores sociais marcados pelo reconhecimento identitário que buscam melhores condições de vida, envolvendo ganhos materiais e não materiais, tais como respeito aos diferentes, preservação do meio ambiente, etc.8 5 LUTAS, MOVIMENTOS E ASSOCIATIVISMO NA AMÉRICA LATINA A primeira década deste século trouxe, nos dizeres de Touraine (1984), o retorno do ator social nas ações coletivas que se propagaram na maioria dos países da América Latina, de forma bastante contraditória. Em alguns países latino- americanos, houve uma radicalização do processo democrático e o ressurgimento de lutas sociais tidas décadas atrás como tradicionais, a exemplo de movimentos étnicos - especialmente dos indígenas na Bolívia e no Equador, associados ou não a movimentos nacionalistas como o dos bolivarianos, na Venezuela. Algumas se fundamentam em utopias como o bien vivir dos povos andinos da Bolívia e do Equador, e vem se transformando em propostas de gestão do Estado - um Estado considerado como plurinacional porque composto por povos de diferentes etnias que ultrapassam os territórios e fronteiras do Estado-nação propriamente dito. 8 Texto extraído de: www.cafecomsociologia.com 44 América Latina / Fonte: mundovestibular.com.br Observa-se também no novo milênio a retomada do movimento popular urbano de bairros, ou movimento comunitário barrial, especialmente no México e na Argentina. Todos estes movimentos têm eclodido na cena pública como agentes de novos conflitos e renovação das lutas sociais coletivas. Em alguns casos elegeram suas lideranças para cargos supremos na nação, a exemplo da Bolívia. Movimentos que estavam na sombra e tratados como insurgentes, emergem com força organizatória como os piqueteiros na Argentina, cocaleiros na Bolívia e Peru, zapatistas no México. Outros, ainda, articulam-se em redes compostas de movimentos sociais globais ou transnacionais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Brasil (MST) e a Via Campesina, além da Cordinadora LatinoAmericana de Organizaciones del Campo (CLOC). Um aspecto importante a registrar é a ampliação das fronteiras dos movimentos rurais, articulando-se com os movimentos urbanos. Muitas vezes a questão central é rural, mas a forma de manifestação do movimento ocorre no urbano, a exemplo dos protestos na Argentina, e o próprio Movimento de Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), no Brasil. Ao falarmos de articulações, registre-se também que o movimento sindical de trabalhadores está presente em várias modalidades, pelo que tem sido chamado de novo, a exemplo dos piqueteiros na Argentina, que têm composição social multiforme e heterogênea. 45 Na primeira década deste século, ampliaram-se os movimentos que ultrapassam fronteiras da nação; são transnacionais, como o movimento alter ou antiglobalização, presente no Fórum Social Mundial, por exemplo, que atuam por meio de redes conectadas via meios tecnológicos da sociedade da informação. Novíssimos atores entraram em cena, tanto do ponto de vista de propostas que pautam para os temas e problemas sociais da contemporaneidade, como na forma como se organizam, utilizando-se dos meios de comunicação e informação modernos. Eles se preocupam com a formação de seus militantes, via experiência direta, e não tanto com a formação em escolas, com leituras e estudos de textos. O exame do material produzido sobre os movimentos altermundialistas nos revela que existem vínculos internacionais que os unem, especialmente na mídia, do tipo o jornal Le Monde Diplomatique, editado em vários idiomas, escrito por membros participantes ou adeptos do movimento. Há uma densa e intensa rede de comunicações intra-membros, militantes com militantes. Produzem textos, boletins, artigos etc. Fonte: diplomatique.org.br 46 Registre-se, entretanto, que no movimento alterglobalização, por se tratar de uma rede, não há homogeneidade tanto das propostas como das formas de lutas – todas fragmentadas. Há diferentes correntes ideológicas que sustentam os ideais dos ativistas que vão das novas formas do anarquismo do século XIX, organizadas agora em torno da ideia de desobediência civil (Di Cintio, 2010), às concepções radicais de grupos articulados a partidos políticos de esquerda, passando pelas práticas de compromisso e responsabilidade social das organizações não governamentais (ONGs) e entidades de perfil mais assistencial, aos movimentos populares herdeiros do movimentalismo associativista dos anos de 1970/1980 no Brasil. É importante destacar que, apesar das diferenças existentes nos movimentos transnacionais, a exemplo do próprio Fórum Social Mundial, eles unem à crítica que fazem sobre as causas da miséria, exclusão e conflitos sociais, a busca e a criação de um consenso que viabilize ações conjuntas. À globalização econômica os movimentos propõem outro tipo de globalização, alternativa, baseada no respeito às diferentes culturas locais. Com isso, contribuem para construir outra rede de globalização, a da solidariedade. Ela se expressa não somente nos fóruns mundiais, mas principalmente nas redes de defesa dos direitos humanos, nas lutas contra a fome e defesa de frentes de produção alimentar e não de armas, na defesa do meio ambiente, na luta pela paz, contra a exploração do trabalho infantil etc. Não podemos ignorar, entretanto,
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