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LIVRO - MONTAGEM E EDICAO

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ser
educacional
gente criando o futuro
Presidente do Conselho de Administração Janguiê Diniz
Diretor-presidente Jânyo Diniz
Diretoria Executiva de Ensino Adriano Azevedo
Diretoria Executiva de Serviços Corporativos Joaldo Diniz
Diretoria de Ensino a Distância Enzo Moreira
Autoria Profa. Maria Aparecida Atum
Projeto Gráfico e Capa DP Content
DADOS DO FORNECEDOR
Análise de Qualidade, Edição de Texto, Design lnstrucional,
Edição de Arte, Diagramação, Design Gráfico e Revisão.
© Ser Educacional 2019
Rua Treze de Maio, nº 254, Santo Amaro
Recife-PE - CEP 50100-160
*Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência.
Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio
ou forma sem autorização.
Aviolação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lein.º 9.610/98e punido pelo artigo 184do
Código Penal.
Imagens de ícones/capa:© Shutterstock
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ASSISTA
Indicação de filmes, vídeos ou similares que trazem informações comple­
mentares ou aprofundadas sobre o conteúdo estudado.
CITANDO
Dados essenciais e pertinentes sobre a vida de uma determinada pessoa
relevante para o estudo do conteúdo abordado.
CONTEXTUALIZANDO
Dados que retratam onde e quando aconteceu determinado fato;
demonstra-se a situação histórica do assunto.
CURIOSIDADE
Informação que revela algo desconhecido e interessante sobre o assunto
tratado.
DICA
Um detalhe específico da informação, um breve conselho, um alerta, uma
informação privilegiada sobre o conteúdo trabalhado.
I EXEMPLIFICANDOInformação que retrata de forma objetiva determinado assunto.
EXPLICANDO
Explicação, elucidação sobre uma palavra ou expressão específica da
área de conhecimento trabalhada.
Unidade 1 - A linguagem cinematográfica
Objetivos da unidade . 12
Montagem e construção de senti do .
L. -mquaqern e percepçao .
13
13
I
. , .
magem e serniótica . 15
Constituição da linguagem cinematográfica 17
D e eu p a gem té e n ie a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
Planos e movimentos de câmera 21
A montagem no Primeiro Cinema 28
O cinema de atrações-1896 a 1905 29
Período de transição -1906 a 1915 33
Sintetizando 42
Referências bibliográficas 43
Unidade 2 - A montagem cinematográfica
Objetivos da unidade 46
O roteiro 47
Fábula e enredo 47
Argumento 49
A narrativa cinematográfica clássica 50
Principais características do cinema clássico 51
A es e o I a am e ri e a na 53
O cinema soviético da década de 1920 e as teorias da montagem 55
Da montagem expressiva à ideológica 56
Teorias da escola soviética 57
Lev Kuleshov 58
Vsevo Iod Pudovkin 59
Sergei Eisenstein 61
Dziga Vertov 67
A montagem nas experiências das vanguardas modernistas 68
Expressionismo alemão 69
Surrealismo francês 72
Sintetizando 75
Referências bibliográficas 76
MONTAGEME EDIÇÃOo
Unidade 3 - Som, cinema moderno e videoarte
Objetivos da unidade 78
O som e o cinema 79
Os fenômenos sonoros 79
O á ud io no ein ema 82
A música como elemento da ação 86
O ci nema moderno 88
Neorrealismo italiano 89
Nouvelle Vague 91
Truffaut e Godard 93
Tecnologias do vídeo e a videoarte 97
A tecnologia do vídeo como linguagem 98
O mavim ento da vid eoa rte 99
Sintetizando 104
Referências bibliográficas 105
MONTAGEME EDIÇÃOo
Unidade 4 - Tecnologias de montagem e edição
Objetivos da unidade 108
Os impactos das tecnologias digitais na produção audiovisual 109
O pós-modernismo e a Era Digital 110
O audiovisual e suas transformações midiáticas 112
O YouTube e a evolução do vídeo 114
O audiovisual como recurso pedagógico 116
Prática de montagem e edição 118
Linguagem de edição 119
Edição de corte 121
Son op I asti a 1 23
Créditos 124
Introdução aos softwares de edição 125
Configuração de um projeto de vídeo no Adobe Premiere 126
Painéis projeto e origem 129
A I in ha do tempo 130
Editando o áudio 131
Man ipu Ia çã o de vídeo 133
Manipulando imagens, textos, formas e barra de ferramentas 135
Prática experimental a partir de exercícios orientados 137
Sintetizando 140
Referências bibliográficas 141
MONTAGEME EDIÇÃOtt
MONTAGEM E EDIÇÃO tt
A disciplina Montagem e Edição tem como propósito abrir as janelas da lin­
guagem cinematográfica buscando mostrar, primeiramente, a capacidade hu­
mana de construir sentidos através da percepção e a evolução da linguagem
sob a ótica da semiologia da imagem.
Adentraremos ao universo audiovisual descrevendo os principais funda­
mentos que constituem a linguagem cinematográfica, a fim de compreender
que a construção de sentidos pode ser manipulada pelos elementos técnicos
de montagem do cinema.
Dentro de uma breve perspectiva histórica, vamos viajar ao período denomi­
nado Primeiro Cinema (1896-1915), em que veremos a transformação da narrati­
va cinematográfica e da indústria que, através da padronização de técnicas cria­
das por cineastas visionários, encontraram sequências narrativas que fossem
compreensíveis ao novo público que florescia.
Será no desabrochar da Era Moderna que veremos a evolução da narrativa
clássica junto ao surgimento dos longas-metragens e da sonoridade, elevando
finalmente o cinema ao patamar de uma das linguagens de comunicação em
massa mais poderosa do planeta. Dentro desse contexto, daremos ênfase às
contribuições de cineastas soviéticos e dos vanguardistas modernos, bem como
das novas linguagens visuais que surgiram após suas experimentações. Vere­
mos, ainda, os impactos que a era digital trouxe à linguagem cinematográfica.
Finalmente, após embasamentos históricos e teóricos, entraremos na capa­
citação técnica introduzindo a prática experimental através-de ferramentas de
edição e montagem utilizadas pelo filmmaker.
Bons estudos!
MONTAGEME EDIÇÃOtt
A professora Maria Aparecida Atum
é especialista em Cornu nicação e M ídia
pela Universidade Paulista (2009), com
aperfeiçoamento em Educação à Dis­
tância (2011 ). É graduada em Sistemas
de Informação pela Faculdade Mario
de Andrade (2008) e trabalhou como
Professora Titular e Coordenadora Au­
xiliar em curso de Comunicação Digital.
É autora de mais de 1 O livros didáticos
de cursos presenciais e à distância em
Gestão da Tecnologia da Informação e
Graduação em Artes Visuais.
Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9996777679183976
Aos professores da minha mais tenra infância que, com sua sabedoria e
dedicação, me ensinaram sobre a rica expressividade da palavra.
MONTAGEME EDIÇÃOe
UNIDADE
educacional
MONTAGEM E EDIÇÃO -
•
Montagem e construção de sentido
A estrutura cognitiva do ser hu­
mano tem uma capacidade limitada
para captar imagens. Trata-se de um
processo que demanda pouca ener­
gia, visto que qualquer informação
que nos é transmitida de maneira
simples e natural parece ser capta­
da automaticamente. Diante de uma
imagem em movimento, por exem­
plo, nosso cérebro assimila a infor­
mação de maneira orgânica, sem a
necessidade de desenvolver ou apri­
morar ferramentas fisiológicas res­
ponsáveis pela captação da imagem.
. -n ua em e percepçao
Percepção é um processo que o sistema nervoso realiza no curso de uma in­
teração entre o cérebro e uma representação. A partir de nossa percepção visual,
observamos com detalhes um mundo que criamos e compartilhamos. Mundo que
aprendemos a compreender visualmente, seja por instinto ou por adaptação.
-=
=­-~ - CITANDO"O termo 'percepção' é usado na Psicologia para designar os processos
conscientes e inconscientes que transformam impressões em informação
significativa" (BERGSTRÖM, 2009, p.79).
Para que possamos ser criativos com relação àquilo que percebemos, nosso
cérebro se esforça, em diferentes graus, para ativar nossa inteligência visual. Por
meio dela, buscamos sentidos para uma dada representação visual.Afinal, por que nos esforçamos para buscar algum sentido além da representação
imagética? Simplesmente porque desejamos uma experiência real do contato direto.
MONTAGEME EDIÇÃOe
Tomemos como exemplo quando os astronautas do Apollo 11 pisaram pela primeira
vez na Lua. Os cem milhões de telespectadores que assistiam em tempo real teriam
acreditado da mesma forma se fosse uma reportagem escrita? Obviamente não. Ain­
da que tenha sido televisionado muitos acreditaram ter sido uma armação, se tratar
de efeitos especiais.
Esse evento histórico é somente um exemplo de como a mente humana prio­
riza informação visual, tendo em vista quer o ato de ver é uma experiência direta.
O uso de recursos visuais para comunicar informações representa a maior apro­
ximação que podemos alcançar com relação à verdadeira natureza dos fatos.
Para que possamos entender esse processo, vamos retroceder ao início da
evolução da linguagem, quando imagens se transformaram em pictogramas,
passando para a representação gráfica que conhecemos como alfabeto. Cada
um desses passos representou uma maior eficiência na comunicação. Estamos
ainda evoluindo, posto que construímos cotidianamente novos sentidos para
as representações visuais através da percepção inerente ao homem. Para aqui­
lo que reconhecemos como significativo construímos um símbolo, o que signi­
fica que a representação é uma compensação do sistema nervoso para cons­
truir a percepção de sentidos. Dessa forma, podemos corroborar com Dandis
(1997) ao afirmar que:
A linguagem é simplesmente um recurso de comu­
nicação próprio do homem, que evoluiu desde sua
forma auditiva, pura e primitiva, até a capacidade de
ler e escrever. A mesma evolução deve ocorrer com
todas as capacidades humanas envolvidas na pré-vi­
sualização, no planejamento, no desenho e na cria­
ção de objetos visuais, da simples fabricação
de ferramentas e dos ofícios até a criação
de símbolos, e, finalmente, à
criação de imagens (DON DIS,
1997, p. 2).
Entre as capacidades humanas de criação de
objetos visuais relacionadas pelo autor, encon­
tramos, finalmente, o cerne de nossos estudos: a
montagem da linguagem cinematográfica.
MONTAGEME EDIÇÃO e
Efetivamente, a montagem constitui o elemento mais específico da lingua­
gem cinematográfica, pois é intrínseca a construção de significados. Através dela
determina-se o fluxo narrativo, a identidade e a estética do filme, seja pela orde­
nação dos planos, pela seleção das cenas ou pela relação que se estabelece en­
tre a imagem e o som. De maneira resumida, "a montagem é a organização dos
planos de um filme segundo determinadas condições de ordem e de duração"
(MARTIN, 2005, p.167).
Portanto, dentro do universo audiovisual, será através da montagem cinema­
tográfica que poderemos exteriorizar concepções do nosso universo particular
e criar possibilidades representações da realidade social. É claro que isso não
significa que uma produção audiovisual será o espelho da realidade, pois o pro­
cesso de construção de sentidos é subjetivo. A representação da realidade de
uma narrativa possibilita diversas interpretações, provocando em cada receptor
uma percepção diferente.
aoem e semiótica
A fim de compreendermos melhor o sistema de significação da imagem repre­
sentacional, vamos recorrer brevemente à teoria semiótica (semiologia), desen­
volvida pelo físico, filósofo e matemático norte-americano Charles Sanders Peirce
(1839-1914). A semiótica é uma ciência que estuda a relação entre os símbolos, o
poder de comunicação entre eles e seus significados. Seu maior objetivo é modificar
ou não, sob novas perspectivas, o objeto de análise.
, '
DICA
Aprofunde-se no estudo da Semiologia, enriquecendo seus conhecimentos
sobre o presente tópico, lendo a obra escrita pela educadora e semióloga
brasileira Maria Lucia Santaella Braga - uma das principais difusoras da Teoria
da Semiologia no Brasil-, e pelo linguista e semiólogo alemão Winfried Nöth,
Imagem: cognição, semiótica e mídia, lançado em 1998.
' I ,
Segundo a semiologia, a imagem pode ser dividida em dois campos: o primeiro
como representação visual, como pinturas, fotografias, desenhos e o cinema, por
exemplo; o segundo, um campo imaterializado de imagens em nossa mente, as re­
presentações mentais. Dessa forma, podemos entender que, pela teoria semiótica,
MONTAGEME EDIÇÃOe
a imagem se divide entre representação e imaginação, e pode ser apresentada na
forma de signos que representem a si mesmos como figuras abstratas ou formas
coloridas. A maneira como se analisa cada uma dessas representações seria o obje­
to de estudo da semiótica da imagem.
Um filme, portanto, não expressa seu significado apenas pelos subsídios que
formam sua estrutura, mas quando tais subsídios são consumidos, ou seja, vistos,
apropriados e interpretados pelos espectadores. Sob esse ponto de vista, o signifi­
cado de uma narrativa cinematográfica pode ser criado ou modificado através da
eficiência da linguagem. Nesse caso, na eficiência da montagem cinematográfica
que influencia, modifica e constrói a interpretação.
Não há imagens como representações visuais que
não tenham surgido de imagens da mente daque-
les que as produziram, do mesmo modo que não
há imagens mentais que não tenham alguma origem
no mundo concreto dos objetos visuais (SANTAELLA;
NOTH, 1999, p. 15).
A imagem se divide, então, entre
imaginação e representação material,
entre o imaginário e o real. Ela pode se
apresentar na forma de signos que re­
presentem a si mesmos como figuras
abstratas ou formas coloridas.
Esse antagonismo - real e imaginário, realidade e ficção, objetivo e subjetivo - é
a essência da construção do sentido de um sistema de representações, como é o
caso do cinema. O sentimento de realidade do cinema é particularmente fácil de ser
contornado, tendo em vista que a linguagem fílmica dá ao diretor mecanismos de
construir diversas outras realidades. Ao contrário da fotografia que, mesmo passível
de inúmeras interpretações, ao estarmos diante dela, não deixamos de crer na rea­
lidade que representa. Portanto, a grande diferença entre a representação fotográ­
fica e a representação fílmica são as possibilidades de manipulação na construção
de sentidos. Enquanto na fotografia o receptor será o responsável por construir a
maior parte das realidades e ficções, através de suas imagens mentais, a linguagem
cinematográfica se vale de técnicas de montagem para envolver a imagem objetiva
em uma realidade extraordinariamente fantástica.
MONTAGEME EDIÇÃOe
Na fotografia, a construção de sentido depende da oposição do real em relação
ao imaginário da qual o ser humano deriva. No cinema, esta oposição pode ser ma­
nipulada por elementos que constituem a linguagem cinematográfica. Uma simples
angulação da câmera, enquadramento ou plano utilizados na produção de um fi Ime
pode acarretar maneiras de percepção e de interpretação distintas em relação ao
objeto imagético.
Constituição da linguagem cinematográfica
Vimos até o momento que representações são sistemas de símbolos que cha­
mamos de linguagem. São inventadas pelo homem e já foram, um dia, percepção de
uma imagem. A linguagem cinematográfica, assim como qualquer outra linguagem,
é simplesmente um recurso de comunicação próprio do homem.
Matéria-prima do cinema, a imagem nasce como produto da realidade e, através
de fatores que criam e condicionam sua expressividade, o resultado passa do estáti­
co ao dinâmico, do registro exterior à matéria artística conhecida como sétima arte.
Responsável pelas decisões em todas as fases de produção, o diretor de uma
produção cinematográfica tem como função principal pensar por meio de imagens
e captá-las através da câmera, apresentando a história e revelando personagens
com todos os seus aspectos racionais e emocionais. Deve ser capaz de "ver" o filme
pronto antes iniciar a gravação, tendo bem claro o que pretende fazer com as ima­
gens de cada ação descrita pelo roteiro e saber transmitircom a mesma clareza sua
ideia ao restante de sua equipe.
O roteirista é fundamental para transmitir sua versão dramática ao diretor, mas
a expressão final do filme, mesmo que influenciada pela subjetividade do roteiro,
será a forma que o diretor tem de expressar a linguagem do cinema, ou seja, de
seu olhar crítico e artístico da obra fundamentada pelo roteiro. No filme A Paixão de
Cristo, por exemplo, dirigido por Mel Gibson em 2004, há uma concepção artística
de uma história exaustivamente filmada de uma maneira completamente diferente
das criações de outros diretores como Cecil B. DeMille em 1927, no filme O Rei dos
Reis ou Franco Zefirelli em 1977,com)esus de Nazaré. Enquanto estes
focaram na biografia de Jesus Cristo muito próxima à narrativa dos
textos bíblicos, Gibson, por sua vez, expressou sua visão antissemita
explorando a crueldade que ocorreu na via crúcis.
•
MONTAGEME EDIÇÃOe
•
Decupagem técnica
EXPLICANDO
Decupar vem da palavra francesa decoupage e significa formar imagens. "Na
linguagem cinematográfica, refere-se à escolha da imagem mais adequada
para cada palavra, frase ou parágrafo de urn roteiro" (MOLETTA, 2009, p. 45).
A linguagem cinematográfica
constituiu elementos essenciais que
servem de ferramentas para a con­
cepção de uma obra audiovisual,
como é o caso da decupagem téc­
nica. É a divisão realizada no rotei ro
utilizando os seguintes elementos
técnicos: corte, sequência, cena, to­
mada, plano e contraplano, como
veremos a seguir:
• Corte: é o que define o início e o fim de uma ação, facilitando o controle
da narrativa. D. W. Griffith, considerado por muitos o introdutor desse recurso
na linguagem cinematográfica, foi o primeiro diretor a utilizar esse recurso em
1915 com o primeiro longa-metragem norte-americano O Nascimento de uma
Nação (TheBirth of a Nation).
Figura 1. Cena de The Birth of a Nation (ONascimento de uma Nação), de D. W. Griffith, 191 S.
MONTAGEME EDIÇÃOe
• Sequência: também chamado de plano-sequência, é uma série de planos e
cenas que formam uma ação independente e completa, ou seja, com início, meio
e fim. Pode ser definida como uma cena longa e sem cortes, não necessariamente
ambientada em um mesmo espaço, mas que desempenhe uma ação de movimen­
to narrativo. Dois exemplos de planos-sequência extraordinários do cinema foram
dirigidos por Stanley Kubrick em O Iluminado (The Shining), de 1980, e por Quentin
Tarantino em Kill Bill: Volume 1, de 2003. Veja abaixo as cenas das sequencias:
Figura 2. Cena de plano-sequência em TheShining (O Iluminado), de Stanley Kubrick, 1980.
Figura 3. Cena de plano-sequência em Kill Bill Vol. 7, de Quentin Tarantino, 2003.
MONTAGEME EDIÇÃOe
• Cena: é uma estrutura de pla­
nos com começo, meio e fim que se
desenvolve dentro de um tempo
determinado da unidade dramá­
tica. Exemplo: Momento exato em
que o carro é roubado antes da
sequência de perseguição: o vilão
observa de longe o dono do carro
esquecendo as chaves dentro, olha
para os lados, atravessa a rua e
rouba o carro.
• Tomadas: "São as menores unidades de ação de cada cena, gravadas
sem corte. Se uma sequência é dividida em várias cenas, uma cena pode ser
dividida em várias tomadas" (MOLETTA, 2009, p. 47). Dentro do exemplo
anterior seria o momento do roubo.
• Plano: se a tomada é a divisão das cenas, por sua vez, o plano é o
que a câmera vê na tomada. Durante a produção audiovisual o plano é nor­
malmente confundido com a tomada, pois cada tomada é uma tentativa de
rodar um plano, que pode ser diferente um do outro. "Se nossa tomada
fosse uma janela aberta, o plano seria a paisagem que vemos através dela"
(MOLETTA, 2009, p. 47).
-==------=-=- - CITANDO
"A partir do que foi exposto, é necessário, agora, que façamos uma
diferenciação entre plano e quadro. Enquanto o plano supõe uma
mesma tomada, que pode ou não ter o mesmo enquadramento, o
quadro supõe, inversamente, a manutenção do enquadramento, mas
também a possibilidade de várias tomadas" (COSTA, 2005, p.178).
• Contraplano: é a imagem oposta ao plano em 30°. O plano e o contra­
plano são imagens próximas que narram uma só ação. Essa técnica serve
para inserir o espectador na cena. É comumente usada para visualizar ora um
personagem ora outro, que estejam conversando frente a frente. Também é
conhecida como pingue-pongue.
MONTAGEME EDIÇÃOe
B A
O plano é a captura enquadrada de uma imagem, sendo que distância entre
ela e a câmera é a mesma entre o personagem e o espectador. A padronização
dos enquadramentos e dos movimentos de câmera trouxe enorme aprimora­
mento à linguagem cinematográfica, e começou a tomar forma durante o perío­
do do cinema mudo, no qual era essencial trabalhar os elementos técnicos para
aprimorar a forma limitada de comunicação.
Existem vários tipos de planos e de movimentos de câmera em uma produ­
ção audiovisual. São eles: plano aberto, plano americano, plano conjunto,
plano médio, plano fechado, close-up, plano detalhe, plano subjetivo, zoom,
plongê, contraplongê, panorâmica e travelling. A seguir, nos aprofundaremos
em cada um desses tipos.
Plano geral (PG): mostra todo o cenário onde a ação está sendo executada.
Personagens poderão compor ou não esse cenário, mas serão apenas detalhes.
MONTAGEME EDIÇÃOe
21
Figura 4. Disposição de câmeras pela técnica de contraplano de filmagem. Fonte: MAMER,2014.
p os oviment s e câmera
Figura 5. Silhueta dos bandidos no horizonte no momento em que abordam um vilarejo indefeso na sequência de
abertura de Seven Samurai (Os Sete Samurais), de Akira Kurosawa, 1954.
• Plano aberto (PA): esse enquadramento é como o plano geral, porém o
personagem é identificável e importante, bem como suas ações e emoções
perceptíveis.
Figura 6. Exemplo de plano aberto em cena de Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, 2002.
• Plano americano (PAm): mostra apenas um personagem até um pouco
acima dos joelhos, facilitando o enquadramento e a captura do movimento.
MONTAGEME EDIÇÃOe
• Plano conjunto (PC}: mostra um ou mais personagens combinados com
objetos que atribuem importância à cena. Não é um plano corporal (joelho,
cintura, rosto), mas conceituai.
Figura 7. Exemplo de plano conjunto em cena de Lose in Translation (Encontros e Desenconcros), de Sofia Coppola, 2003.
• Plano médio (PM}: mostra o personagem até a cintura. Comumente uti­
lizado no telejornalismo, já que o enquadramento é próximo o bastante para
criar empatia, mas também pode produzir o efeito rejeição.
• Plano fechado (PF}: conhecido também como primeiro plano (PP), mostra
apenas um personagem até os ombros, num enquadramento mais próximo
que o plano americano e mais distante que o close-up.
Figura 8. Exemplo de plano fechado em cena do filme Li/ya a-ever (Para Sempre Li/ya), de Lukas Moodysson, 2002.
MONTAGEME EDIÇÃOe
• Close-up: a câmera enquadra somente o rosto do personagem, de prefe­
rência entre a testa e o queixo. Muito utilizado na teledramaturgia, pois o en­
quadramento direciona totalmente o espectador às emoções do personagem.
• Plano detalhe (PD): pode ser denominado também como primeiríssimo
plano (PPP), esse enquadramento mostra um detalhe de grande significado
narrativo, seja ele um objeto ou parte do corpo do personagem. Ao mesmo
tempo em que serve para evidenciar, serve também para ocultar.
• Plano subjetivo: os planos vistos até agora se referem à distância entre a
imagem captada e a câmera. Essa distância, nos casos anteriores, é a mesma
entre o personagem e o espectador. O plano subjetivo se refere à câmera como
extensão de seus olhos, ou seja, a câmera é o espectador do personagem que
vê e sente a ação dramática.
• Zoom: técnica de enquadramento, relativa ao movimento da lente, seja
de aproximação, ao qual denominamos zoom-in, ou de afastamento, chamado
zoom-out. Geralmente este movimento tem a finalidade de chamar a atenção
de um personagem ou objeto após enquadrar um plano aberto.
~~-----i•(-------
Figura 9. Enquadramento simultâneo de panorâmica e zoom mudam a perspectiva de um espaço estreito para um
espaçoalongado.
MONTAGEME EDIÇÃOe
Figura 10. A mudança de perspectiva com zoom em cena de The Graduare (A primeira noite de um homem), de
Mike Nichols, 1967.
EXEMPLIFICANDO
Em The Graduate, na cena em que Dustin Hoffman sai correndo em direção
à igreja, temos um dos poucos bons exemplos de como as características
espaciais de ambos os extremos da lente zoom podem ser usadas com
bons resultados. A corrida de Hoffman em direção à câmera é apenas um
segmento de uma sequência mais longa. Quando Hoffman chega à câmera,
a câmera se move e desce ao mesmo tempo. O resultado é a transição de
uma lente que estreita o espaço para uma lente que aglomera o espaço. De
repente, Hoffman é uma figura minúscula ofuscada por uma enorme igreja.
• Plongê: esse plano se refere ao enquadramento quanto ao seu ângulo
vertical. Do francês plongée, que significa mergulho, o ângulo da câmera está
posicionado acima do personagem ou do objeto. Esta técnica transmite ao es­
pectador sensação de opressão ou inferioridade do personagem.
• Contraplongê: técnica de enquadramento de ângulo vertical como o plon­
gê, porém a câmera é posicionada inversamente, ou seja, de baixo para cima.
A montagem utilizando esta técnica transmite a sensação contrária ao plongê,
ou seja, superioridade.
MONTAGEME EDIÇÃO ft
Figura 11. Posição da câmera em plano concraplongê.
Figura 12. Exemplo de planos plongê e contraplongê em cena de M (M, O Vampiro de Dusse/dor/), Fritz Lang, 1931.
Fonte: MAMER,2014.
EXEMPLIFICANDO
A obra-prima do cineasta austríaco naturalizado norte-americano Fritz
Lang, M, o Vampiro de Dusse/dort, tem uma cena clássica que incorpora
os planos plongê e contraplongê que envolve dois homens discutindo. Um
deles suspeita que o outro seja um assassino de crianças que é o foco
da história. Um homem é baixo (o acusado) e o outro alto (o acusador). A
cena é, então, uma interação entre planos de alto ângulo e baixo ângulo,
na qual o espectador vê a percepção que cada homem tem do outro.
MONTAGEME EDIÇÃOe
• Panorâmica (Pan}: técnica de enquadramento quanto ao movimento de
câmera, que gira em seu próprio eixo na horizontal e na vertical.
• Travelling: técnica de enquadramento na qual a câmera é fixada sobre um
carrinho sobre trilhos ou grua (espécie de gangorra em contrapeso que eleva a
câmera verticalmente), variando, assim, a altura em relação ao assunto. "Essemo­
vimento comporta o travelling horizontal e o travelling vertical acompanhando a
ação de baixo para cima ou vice-versa" (MOLETIA, 2009, p. 51). Travelling-in/out é
o termo usado ao movimento de aproximação e afastamento, respectivamente.
)
-
....
Figura 13. Uma grua com cámera permite o crave/lingnas filmagens.
Figura 14. Cena clássica de Notorius (lnrerlúdio), de Alfred Hitchcock, 1946, filmada na grua com sequência de enqua­
dramento travelling e plano detalhe.
MONTAGEME EDIÇÃOe
EXEMPLIFICANDO
Um bom exemplo de filmagem com grua é um dos mais famosos de Alfred
Hitchcock, Notorius, de 1946. O travelling começa com um movimento da
grua, mostrando uma cena ampla de uma festa. Filmado do pé da escada,
a informação é aleatória e indiferenciada. Simplesmente estabelece a
cena como uma festa formal. Parece ser uma foto de rotina projetada para
criar uma transição simples entre uma cena e a próxima. Devido à nature­
za convencional dessa abertura, o que vem a seguir captura o espectador
com um plano detalhe na mão de um dos convidados.
•
A montagem no Primeiro Cinema
A linguagem cinematográfica foi
concebida a partir do invento da
fotografia e da automação da cap­
tação da técnica. O cinema tinha
como característica fundamental
a leitura visual de uma sequência
de fotografias através de um proje­
tor rudimentar no qual as imagens
eram transmitidas gerando a sen­
sação de movimento.
Em 1826, o químico e litógrafo francês Niépce (1765-1833) foi o primeiro
que conseguiu registrar imagens utilizando a câmara escura e papel sensi­
bilizado, mas foi só em 1839 que a técnica foi aperfeiçoada pelo também
francês Louis Jacques Mandé Daguerre (1787-1851 }, ao utilizar o iodeto de
prata como substância sensível à luz e o vapor de mercúrio como agente
"revelador" do processo. Submeteu, então, a placa a um banho fixador com
sal de cozinha, dando origem ao processo que batizou de daguerreotipia.
Nos anos seguintes, a técnica foi sendo aperfeiçoada por vários outros
importantes personagens, porém o grande salto se deu em 1888 com o
lema publicitário "You press the button, we do the rest" (Você aperta o botão,
nós fazemos o resto), idealizado por George Eastman, industrial norte-a­
mericano fabricante de celuloide em Rochester, Nova York, ao introduzir no
mercado uma máquina fotográfica portátil e econômica chamada Kodak.
MONTAGEME EDIÇÃOe
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Figura 15. Campanha publicitária da Kodak, 1888. Fonte: WATKINS, 1959.
Um ano após esse evento, considerado o ponto culminante da demo­
cratização da imagem, a Eastman Company começou a fabricar os primei­
ros filmes para cinema e, em 1928, lançou o primeiro filme colorido, o Ko­
dacolor. Podemos afirmar que é a partir do processo de simplificação e de
baixos custos que a história do cinema tem início, e, consequentemente,
começaram a se formar grandes potências da indústria da imagem, como
a própria Eastman, nos Estados U nidos; a Agfa, na Alemanha; e os irmãos
Lum i ère, na França. Será, também, o momento no qual se estabelecem
os usos da linguagem cinematográfica, primeiro como provocador de ex­
periências sensoriais e segundo como produtor de códigos de linguagens
específicos do veículo transmissor.
O cine tr ções- 896 ~05
A histórica projeção pública no Grand-Café de Paris, que
os irmãos Lou is e Auguste Lum i ère fizeram, em 1896, do fi Ime
Arrivée d'un train à La Ciotat (Chegada de um trem à Estação), foi
o marco oficial do cinema e, certamente, provocou nos espectadores tal
espanto que se levantaram de suas poltronas e saíram correndo da sala
quando viram um trem vindo em direção da câmera.
MONTAGEME EDIÇÃOe
Figura 16. Cartaz de 1896 faz propaganda do Cinematógrafo Lumière.
A fantástica experiência sensorial vista no início das exibições dos Lumière
logo perdeu seu encantamento. O público já não se interessava mais com as
curtas cenas cotidianas de histórias simples, rápidas e diretas:
Tudo o que os irmãos Lumière queriam era mostrar
cenas de família, de suas fábricas, um trem em mo­
vimento, o almoço de um bebê. Parece pouco, não
é? Mas, é claro, não devemos esperar que os inven­
tores de um aparelho desenvolvam todas as suas
possibilidades (ARAUJO, 1995, p. 1 O).
O que nos mostra o autor é que, talvez, a maior contribuição dos irmãos Lu­
mière com a invenção do cinématographe (cinematógrafo) tenha sido com rela­
ção à ciência e à tecnologia. Espécie de máquina de filmar e projetor de cinema,
patenteada por eles em 1895, o aparelho era movido a manivela e utilizava nega­
tivos perfurados. Além disso, o maior propósito dos irmãos era comercializar o
cinematógrafo, e ofereciam um esquema de marketing no qual forneciam, além
da máquina - que pesava poucos quilos com relação ao seu maior concorrente,
o Vitascópio de Thomas Edison -, os suprimentos de filmes e operadores que
atuavam como cinegrafistas.
MONTAGEMEEDIÇÃOe
Figura 17. Cena de Arrivée d'un train à LaCiotat(Chegada de um trem àEstação),irmãos Lumière, 1897.
ASSISTA
Assista ao filme Arrivée d'un train à La Ciotat no acervo
digital oficial das obras dos irmãos Lumière disponível no
site Catalogue Lumière.
Com a comercialização e aperfeiçoamento dos projetores, o cinema ad­
quiriu um caráter de espetáculo itinerante de atrações autônomas, em que
a ampla maioria dos filmes era produzida com uma única tomada e pouco
integrada a uma cadeia narrativa. O desenvolvimento do cinema como espe­
táculo veio a dar um passo significativo com a obra do ilusionista e cineasta
francês Georges Méliès (1861-1938), quando dimensionou a história em tem­
po e espaço (mesmo que de maneira limitada) através de técnicas inovadoras
para a época, estreando o "filme de trucagem" (trick films). Méliès não foi o
primeiro a usar a trucagem no cinema, mas com certeza foi um dos maiores
desenvolvedores da técnica.
Méliès fez cerca de 500 filmes, entre eles o de maior sucesso Le Voyage
dans La Lune (Viagem à Lua, 1902), precursor dos filmes de ficção científica e
de fantasia, numa livre adaptação do romance de Jules Verne, Da Terra à Lua.
MONTAGEME EDIÇÃOe
Figura 18. Cena do filme Le Voyage dans La Lune (Viagem à Lua}, Méliès, 1904.
ASSISTA
Assista ao filme Voyage dans La Lune no acervo digital das
obras de Georges Méliès disponível no site Internet Archive.
Valendo-se de técnicas praticadas em seus shows de ilusionismo, Méliès
foi responsável por evoluir a linguagem cinematográfica, no sentido de dar
continuidade de enquadramento através da trucagem de filme (um detalhado
trabalho de corte). Não houve, porém, evolução propriamente dita na conti­
nuidade narrativa da linguagem, uma vez que a montagem estava a serviço
do espetáculo, e não da narrativa, e como montagem representa continuidade
de planos e não de enquadramentos, a historiografia tradicional não entende
como montagem o filme de trucagem. Apesar disso, a ele foi creditada a inven­
ção da técnica em stop motion, utilizada até hoje no cinema de animação e na
criação de efeitos especiais.
Essa característica do cinema em forma de atração de espetáculo tinha um
caráter de performance e seus objetivos estavam mais centrados em maravilhar
o espectador do que de contar uma história. Tais filmes eram exibidos em feiras,
MONTAGEME EDIÇÃOe
sobretudo em feiras populares. Cenários e forma de atuação eram
baseados no teatro do século XIX, em que os atores faziam gestos
estilizados e afetados na frente de painéis e objetos pintados.
Pelos motivos que acabamos de ver, esse período foi denominado "cinema
de atrações" e durou até 1905, com o surgimento dos chamados nickelodeons .
•
ríodo de tr sicão -1906 915
Até 1906 o cinema esteve ligado ao espetáculo de variedades, sem dese­
jar verossimilhança com a realidade. Teoricamente, esse período em que o
cinema era depreciado como arte teve um fim em 1906 com a expansão dos
nickelodeons, bem como da demanda de filmes de ficção.
Chamado de "período de transição" do cinema, essa fase mostra a ativi­
dade cinematográfica se organizando com bases na industrialização (divi­
dindo-se em diferentes setores de produção) e utilizando padrões na busca
de novos códigos narrativos com definição moral e psicológica do enredo.
Podemos dizer que o período do primeiro cine­
ma termina quando começa a se generalizar esta
forma de percepção, no momento em que ela co­
meça a se materializar em linguagem codificada e
massificada. O filme, como espetáculo industriali­
zado de massa, só pôde se generalizar depois de
um período de aculturação, de transição, quando
a compreensão uniforme das imagens se tornou
uma prioridade e o cinema deixou de ser atividade
marginal (COSTA,2005, p.59).
A transição desse período levou a uma padronização da linguagem ci­
nematográfica quanto às estratégias utilizadas pelos estúdios e produtoras
que se constituíram no começo do metier, além de atrair o público de classe
média e conquistar mais respeitabilidade social ao cinema. Nickelodeons era
a denominação dada a grandes armazéns transformados em salas exclusi­
vas para exibição de filmes, o primórdio das salas de cinema criadas nos Es­
tados Unidos. O nome vem do valor da entrada que custava cinco centavos
de dólar (ou um níquel).
MONTAGEME EDIÇÃOe
A atividade do cinema fora tão marginalizada no período anterior que as pro­
dutoras começaram a se organizar para moralizar a atividade criando regras de
autocensura e autorregulamentação a fim de não incomodar a elite conservadora
da época e incorporar a classe média como público que garantisse a sobrevivência
econômica da indústria do cinema.
A aparição dos nickelodeons marca, portanto, o início
do fim das formas de representação características
do primeiro cinema. Se o tempo dos primeiros filmes
compreendia a dominância do espetáculo na dialética
entre atração e narrativa, o período seguinte (de 1906
a 1915) 1representa a verdadeira narrativização do ci-
nema, culminando com a aparição dos longas-metra-
gens, que reformulam radicalmente o formato das va­
riedades, (COSTA, 2005, p.63).
Conclui a autora que a linguagem
de montagem narrativa culminada no
período de transição trouxe ao cinema
uma transformação radical, atingindo
não só a plateia anterior (predominan­
temente pobre, operária e urbana),
mas também a burguesia conserva­
dora da época, tornando a indústria
cinematográfica compreensível e lu­
crativa. A narrativa, quase exclusiva­
mente de ação, passa a buscar uma
variedade maior de gêneras.
O período, porém, mostrou a f ragi­
I idade do nascimento de uma nova lin­
guagem, principalmente na busca em adaptar romances, peças teatrais e poemas
para o cinema. O público não compreendia a tentativa de adaptação representada
na tela, desencadeando uma crise de estética cinematográfica. D. W. Griffith, cineas-
ta norte-americano, foi o responsável, nesse momento, por integrar o cinema à cul-
tura dominante da época. Foi capaz de adaptar famosas obras literárias de maneira
compreensível para o novo público em formação, como nos mostra a autora:
MONTAGEME EDIÇÃOe
O uso que Griffith começou a fazer da alternância
de tempos e espaços, da técnica do campo/con­
tracampo, da aproximação da câmera para definir
psicologicamente e do ponto de vista subjetivo os
personagens, deu aos filmes uma nova legibilidade,
capaz de transmitir "o conteúdo moral e psicológico
da narração" (COSTA, 2005, p.64/65).
Segundo ela, algumas mudanças na linguagem cinematográfica, incorpora­
das no período de transição, ocorreram mediante o conservadorismo da socie­
dade norte-americana, chegando a crítica e a imprensa especializada da época
a propor, de maneira quase normativa, regras à linguagem em conformidade
com os padrões morais e estéticos da época.
Era proibido, por exemplo, o olhar do ator direto para a câmera, assim como
finais felizes aos marginais e fracassados. Debatia-se sobre os melhores pla­
nos e enquadramentos com parâmetros estéticos refinados que fossem agra­
dáveis às senhoras mais conservadoras e que não abalassem a inocência dos
mais jovens, e propostas narrativas de doutrinação à valorização do trabalho e
da honestidade pelas camadas mais desbastadas. Tudo em consonância como
o contexto ideológico no qual o cinema florescia.
Griffith soube se apropriar do movimento de autocensura criado pelas
companhias produtoras de cinema da época, tipificando de maneira adequada
o enredo de seus filmes, seu método de direção e a criação de seus heróis e
heroínas. A domesticação estabelecida pelo cinema norte-americano
transformou o próprio código narrativo do cinema com a chancela do
senso comum, estabelecendo uma linguagem cinematográfica ho­
mogeneizada na representação do espaço e do tempo, "como
um processo de enquadramento de forças divergentes, de
fabricação de personagens sem ambiguidade, de finais
felizes necessários" (COSTA, 2005, p.70).
A linguagem cinematográfica do período de
transição, apesar da forçadaadaptação à ideo­
logia pregada pelas produtoras e estúdios
norte-americanos, sofreu algumas mudanças
técnicas significativas durante esse período.
MONTAGEME EDIÇÃOe
Movimentos de câmera e o uso de profundidade de campo, mesmo que limi­
tados, eram técnicas utilizadas desde o início em filmes curtos de um plano ou
composto de várias tomadas, mas de forma desajeitada e improvisada. A utili­
zação de panorâmicas nos filmes de perseguição realizados entre os anos 1903-
1906, por exemplo, também era utilizada antes de 1895 em filmes de atrações
sem a mínima conotação narrativa, mas em ambos os casos com a única finali­
dade de não haver corte, mantendo a continuidade no interior do campo. A pre­
dominância nos primórdios da linguagem era somente a autonomia do quadro.
Para a historiografia clássica, a montagem "verdadei­
ramente cinematográfica" só foi conquistada quando
o cinema conseguiu representar a continuidade do
fluxo narrativo, criando para o espectador uma sen­
sação de fluência. Assim, nem as trucagens, nem a
mera junção de planos, comuns aos primeiros filmes,
seriam verdadeiras montagens (COSTA, 2005, p.168).
Os longas-metragens começam
a se popularizar no final do perío­
do de transição (mais precisamen­
te após a Primeira Guerra Mundial)
e, com isso, dão maior visibilidade
narrativa às histórias. Porém, o pú­
blico a inda tin ha dificuldade de com­
preender motivações e sentimentos,
pois, lembremo-nos, os filmes não
tinham sons, e as relações espaciais
e temporais entre os planos foram
um desafio aos cineastas da época.
Consequentemente, se dá início ao
desenvolvimento de técnicas de fil­
magens quanto ao enquadramento,
iluminação, atuação e montagem a fim de suprir as dificuldades perceptivas da
plateia. Deixando para trás a típica atuação teatral vista no período anterior,
são criados personagens verossímeis que se aproximam mais da câmera, bem
como o uso mais frequente de intertítulos e da montagem.
MONTAGEME EDIÇÃOe
Abaixo podemos citar algumas mudanças que realmente são consideradas
evolutivas na história do cinema ocorridas no período do primeiro cinema:
l. lntertítulo
Essenciais para a comunicação no cinema mudo, os intertítulos assumem
a tarefa de auxiliar na criação de personagens mais definidos. Em 1910, enco­
lhem o tamanho dos letreiros fragmentando-se em pequenos diálogos pouco
antes dos planos referentes às falas. A mudança mais importante foi em 1913,
quando se estabeleceu o corte para os intertítulos no momento das falas, favo­
recendo o processo de individualização psicológica do personagem.
li. Enquadramento
Em 1909, nota-se a câmera mais próxima dos atores, valorizando as expres­
sões faciais, utilizando cada vez menos o método long shot, em que se enqua­
drava o corpo inteiro deixando uma margem acima e abaixo do personagem.
Outra mudança significativa ocorre nos estúdios Vitagraph, o maior dos Esta­
dos Unidos, ao utilizar o método de enquadramento nine foot line (linha dos
nove pés) que consistia em encenar a ação numa distância de nove pés em
relação à câmera, o equivalente a 2,74 metros. A técnica permitia que os ato­
res ocupassem toda a altura do quadro, com uma margem superior de um pé
(30,5 centímetros), deixando tornozelos e pés fora do enquadramento. Um ano
depois as demais grandes produtoras, como a também norte-americana Bio­
graph e a francesa Pathé, passaram a utilizar o mesmo padrão, influenciando
também as produtoras independentes que ainda resistiam no mercado.
Certamente, havia a mútua influência entre os padrões europeus e norte-a­
mericanos. O enquadramento utilizado pela Pathé, por exemplo, mantinha a po­
sição da câmera na altura da cintura do cineasta, enquanto nos Estados Unidos a
câmera era posicionada na altura do ombro do operador. Essa diversidade só foi
relevante quando os atores começaram a se posicionar mais pró­
ximos das câmeras, após 1908, possibilitando maior
aproveitamento da profundidade de campo.
Dessa forma, percebeu-se que a câmera
mais alta ou mais baixa com relação aos ato­
res permitia desenvolver a personalidade
dos personagens, influenciando quanto à per­
cepção de sua grandiosidade ou inferioridade.
MONTAGEME EDIÇÃOe
Permitia, também, posicionar os atores de costas para a câmera se assim exi­
gisse a ação. Utilizado pela primeira vez na França, o personagem de costas
configurava uma maneira mais realista de organizar a cena, influenciando de
tal forma a Vitagraph que o padrão de enquadramento passou a se chamar
Vitagraph look. Apesar disso, os europeus não adotaram esse modo de encenar,
preferindo manter os atores numa distância de quatro metros da câmera até
1913, quando aderiram ao método nine foot line, batizando o enquadramento
de plano americano. Por sua vez, a posição da linha dos quatro metros foi
batizada nos Estados Unidos de primeiro plano francês.
lii. Montagem
O cinema de transição tem como maior característica a busca dos cineastas
em tornar mais clara ao espectador a ação narrativa através da conexão de
planos, como explica o autor:
A constituição de um sistema de convenções que dei­
xasse claras essas questões só se completariam em
1917, mas desenvolveu-se no período de transição, en­
volvendo três maneiras básicas de conexão entre pla­
nos: montagem alternada, montagem analítica e mon­
tagem em contiguidade (MASCARELLO, 2014, p.43).
Segundo o autor, uma combinação de métodos de montagem da linguagem
cinematográfica se constituiu durante o período de transição do cinema, e são
as seguintes:
• Montagem alternada: é a montagem utilizando diferentes cenas simultâ­
neas com a intenção de mostrar ações acontecendo ao mesmo tempo. Foi uti­
lizada pela primeira vez no filme francês Le cheval emballé (O cavalo fugitivo),
dirigido por Ferdinand Zecca e produzido pelo estúdio Pathé em 1907. Foi de­
senvolvida com maestria por D. W. Griffith, sobretudo, no filme The lonely villa
(A vila solitátia, Biograph, 1909), aumentando a frequência das sequências e a
velocidade da montagem e encurtando a duração dos planos. Com cerca de 50
planos, Griffith utiliza a montagem alternada para criar suspense. Esse tipo de
montagem pode ser, também, chamada de montagem paralela.
• Montagem analítica: é a montagem fracionando a cena em vários enquadra­
mentos diferentes e tem o objetivo de facilitar a visualização de detalhes que
não podem ser percebidos no plano geral. Popularizou-se no final do período
MONTAGEME EDIÇÃOe
de transição. Um exemplo dessa forma de montagem pode ser visto no filme Le
médecin du château (O médico do castelo), produzido pela Pathé em 1908.
• Montagem em contiguidade: é
a montagem de transição de con­
tinuidade entre planos a fim de
transmitir a ideia que algo acon­
tece na cena a segu ir ou contígua.
Auxilia os cineastas a manterem
constante a direção do movimen­
to utilizando regras de entrada e
saída dos atores entre os planos.
Griffith utilizou essa continuidade
de direção no filme The loneda­
le operator (A operadora lonedale,
Biograph, 1911), cujo suspense de­
riva das relações espaciais entre
os planos, dando conti nu idade nas
transições para planos subjetivos.
Do método de montagem em contiguidade surgiram outras vertentes,
como o contraplano (reverse angle), e o plano de continuidade do olhar
(eyeline match), que auxiliam na transição de planos subjetivos determina­
dos pela direção dos olhares e obedecia à chamada "regra dos 180 graus",
ou seja, a câmera tinha que estar a 180 graus da linha do objeto antes de
ser direcionada para uma segunda posição. Esse corte tinha como finalida­
de mostrar para onde o personagem do plano inicial di recio nava seu olhar
(mas não do seu ponto de vista).
IV. Estilo Griffith e estilo europeu
D. W. Griffith dirigiu mais de 400 filmes entre os anos de 1908 e 1913,
representando um dos maiores fenômenos do início da comunicação em
massa que se formara após a Revolução Industrial. Enquanto esteve à
frente dos estúdios da Biograph, Griffith "desenvolveu o uso da monta­
gem paralela de manei ra inventiva e original,inaugurando uma tradição
narrativa que desembocaria na montagem invisível do cinema clássico"
(MASCARELLO, 2014, p. 46).
MONTAGEME EDIÇÃOe
O cineasta é considerado revolucionário, pois utilizava a montagem parale­
la não somente para combinar suspense e emoção como era comum na épo­
ca, mas para conduzir o espectador a novas continuidades narrativas, seja na
construção de contrastes dramáticos, seja no desenvolvimento psicológico dos
personagens: Griffith intervia narrativamente através da montagem paralela
para apontar contrastes sociais e de caráter para que o público reconhecesse
o paralelismo e tirasse suas conclusões morais. Esse mecanismo narrativo ex­
plorado por Griffith (ao ponto de ser chamada de maneiragriffithiana de narrar)
era muito explícito no desenrolar da ação e, depois de um tempo, foi conside­
rado exagerado, tornando-se imperceptível no período posterior, chamado de
cinema clássico, onde Griffith é tradicionalmente visto como seu criador.
Figura 19. Cena de The Birth of a Nation (O Nascimento de uma Nação}, de D. W. Gr"ffith, 1915.
Enquanto os norte-americanos, encabeçados por Griffith, desenvolviam
as técnicas de montagem e diminuíam a duração dos planos apoiando-se em
atuações cada vez mais realistas, os cineastas europeus buscavam desenvol­
ver suas técnicas embasadas na profundidade do espaço e na elaboração de
cenários. Não significa que não utilizavam as técnicas de montagem, mas a
tendência era a atuação complexa em cenários realistas que nada lembravam
os teatros utilizados de outrora.
MONTAGEME EDIÇÃOe
Dessa forma, os filmes franceses e italianos contrastavam drasticamente com
o cinema norte-americano (que ainda não se preocupava em encenar com painéis
pintados) e acabaram contribuindo para o desenvolvimento da iluminação deta­
lhada da atuação em vários planos, trazendo complexidade e sutileza às tomadas
internas. Dentro dessa especialidade, podemos citar alguns exemplos de diretores
que fizeram uso desses instrumentos, como o italiano Giovani Pastrone, o russo
Yevgeni Bauer, o francês Louis Feuillade e o dinamarquês Stellan Rye.
No famoso seriado de cinco episódios Fantômas (1913-1914), Feuillade usou a
encenação de profundidade para criar efeitos sobrenaturais e de violência.Já Pas­
trone, além da encenação de profundidade, percorreu seus complexos cenários
por lentos travellings na filmagem do épico Cabíria (1914), técnica que influenciou
Griffith na direção de uma de suas maiores obras, Intolerance (1916), mas se com­
parados os dois filmes fica nítida a diferença de estilos em voga.
V. Os longas-metragens
No fim do período de transição, a indústria do cinema ganhara a respeitabi­
lidade social e era um negócio lucrativo. Nos Estados Unidos, em 1917, a maioria
dos estúdios já tinham se transferido para Hollywood e a gravação dos filmes já
eram feitas em rolos que duravam 60 ou 90 minutos, os chamados feature films,
ou longas-metragens, mercado que já era dominado pelos europeus com suas pe­
lículas de múltiplos rolos. O primeiro longa norte-americano, O nascimento de uma
nação, de Griffith, fez tanto sucesso que o formato passou a ser norma e não mais
uma exceção. Além do sucesso, os cineastas perceberam as possibilidades que os
longas-metragens possuíam devido à duração do filme, que significava mais per­
sonagens, mais ação e maior independência narrativa, como nos mostra o autor:
A transição para os longas-metragens codificou as téc­
nicas que os cineastas tinham experimentado no pe­
ríodo de transição. A montagem analítica, o corte para
os close-ups, a alternância, a continuidade de olhar e
direção, o contracampo, tudo isso se tornou parte de
um padrão (MASCARELLO, 2014, p. 50).
Nascia, com o fim do período de transição, a mí dia mais importante do
século XX: o cinema!
MONTAGEME EDIÇÃOe
Sintetizando ••
Procuramos alcançar nesta unidade de estudo subsídios que identificas­
sem a capacidade humana de construir sentidos através da percepção e a evo­
lução da linguagem sob a ótica da semiologia da imagem. Encontramos aportes
congruentes que demonstram que a montagem é uma técnica de construção
de sentidos na linguagem cinematográfica a partir de seus elementos constitu­
tivos e como, dentro do contexto histórico, o cinema evoluiu para a verdadeira
narrativização do formato.
Pudemos verificar a capacidade de produzir sentido através da edição da
narrativa audiovisual, pois a montagem como técnica cinematográfica, intrín­
seca à construção de significados, exterioriza a representação de uma reali­
dade e valoriza a subjetividade quando modifica a perspectiva pela ótica do
cineasta. Vimos pela semiologia que a construção de sentidos depende da
interpretação adquirida pelo sujeito/público que, por sua vez, num processo
subjetivo, cria signos que representam uma nova realidade, um novo sentido
ou uma nova interpretação.
A partir daí pudemos entender o papel do cineasta como construtor de sen­
tidos utilizando elementos que constituem a linguagem cinematográfica. Para
corroborar essa afirmação, descrevemos métodos e exemplificamos monta­
gens realizadas que traduziram com maestria a expressão da linguagem de
cinema do diretor.
Finalmente, vimos que a solidificação da linguagem cinematográfica não foi
da noite para o dia e que muitos desafios foram superados para que ela evo­
luísse quanto a sua maior mudança: a montagem narrativa. No início marginali­
zada, a nova atividade não conquistou respeitabilidade nem tampouco foi com­
preendida pelo público. Tentativas de adaptação fracassadas e uma sociedade
conservadora incentivaram a busca por padronização industrial e técnica, o
que trouxe significativas mudanças no cinema, evoluindo gradativamente para
a era que estava por vir: a Era de Ouro do cinema!
MONTAGEME EDIÇÃOe
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MONTAGEME EDIÇÃOe
UNIDADE
educacional
Tópicos de estudo
• O roteiro
• Fábula e enredo
e Argumento
• A narrativa cinematográfica
clássica
• Principais características do
cinema clássico
• A escola americana
• O cinema soviético da década
de 1920 e as teorias da montagem
• Da montagem expressiva à
ideológica
• Teorias da escola soviética
• Lev Kuleshov
• Vsevolod Pudovkin
• Sergei Eisenstein
• Dziga Vertov
• A montagem nas experiências
das vanguardas modernistas
• Expressionismo alemão
• Surrealismo francês
MONTAGEM E EDIÇÃO -
•
O roteiro
A teoria da montagem, após o advento do primeiro cinema entre os anos
1896 e 1915, se distinguiu basicamente entre dois princípios formais de narração,
ou seja;
• Um sistema narrativo, desenvolvido sobre o enredo geralmente idealizado
por uma fábula.
• Um sistema não narrativo retórico, com foco nas justificativas apresentadas por
um argumento.
Para compreendermos esses dois sistemas e os diferentes tipos de monta­
gem que surgiram no limiar da linguagem cinematográfica, faremos uma breve
introdução aos conceitos de enredo e argumento.
u a e enre o
Na fase de pré-produção de uma obra cinematográfica, o roteiro é conside­
rado o estopim para transformar uma ideia efêmera em algo concreto. A partir
do momento que o roteirista transmite a versão dramática de seu roteiro ao
diretor, este, por sua vez, idealiza o roteiro em linguagem de cinema e constrói
imagens e sons provenientes daquelas ideias. Nas fases que compreendem a
direção, a captação, a montagem, a edição até a finalização do projeto, muitas
mudanças significativas poderão ocorrer no roteiro até a conclusão de uma
obra audiovisual.
EXPLICANDO
Ideia significa a variante mais importante da montagem, pelo menos quando
preenche uma finalidade expressiva e não unicamente descritiva. Consiste
em aproximar elementos diversos colhidos na massa real, fazendo surgir um
sentido novo da sua confrontação.
Porém, antes disso, o roteiro se origina normalmente de uma ideia
oriunda de uma lembrança ou imagem, vindo a gerar fontes de inspiração
que proporcionam estruturar e construir uma história. Os elementos prin­
cipais para estruturar essa história são a fábula e o enredo.
MONTAGEME EDIÇÃOe
Fábula é uma narrativa figurada onde as ações são organizadas em ordem
cronológica.Já o enredo é uma trama narrativa que independe dessa ordenação
no desenrolar dos acontecimentos, pois pode começar pelo meio ou pelo fim e
terminar pelo começo, por exemplo. Para seu desenvolvimento, porém, é funda­
mental o entendimento de sua fábula para que possíveis erros de trajetória dos
personagens sejam evitados.
EXEMPLIFICANDO
Na obra Retórica de Aristóteles, Esopo defende um homem acusado de
roubo, e narra uma fábula para sustentar seu argumento: "Uma raposa
caiu num fosso e lá ficou presa. Vieram muitos carrapatos e se agarraram
nela. Um ouriço que passava a viu em apuros e ofereceu-se para ajudar a
retirá-los de seu pelo. Ela respondeu: 'Esses carrapatos que estão gru­
dados em mim já estão saciados e sugam-me pouco sangue. Se você os,
retirar, virão outros, muito mais famintos'. E como no caso desse homem,
que já é rico e que não vai mais prejudicar ninguém. Mas se o matarem,
virão outros homens, pobres, que precisarão ser muito mais desonestos
para poder enriquecer" (CANTON, 2006. p. 15).
Teoricamente, a estruturação do roteiro é dividida em três partes:
• O mundo comum
• O mundo especial
• O retorno ao mundo comum.
Sob essa mesma perspectiva, o filósofo grego Aristóteles (384 a.c.- 322 a.C.),
em sua obra Arte Poética, pôde explicar essa distinção pela divisão que atribuiu à
estrutura da história dramática em três partes distintas:
• Apresentação, o mundo comum, ou seja, onde o personagem é construído
e se inicia a trama.
• Desenvolvimento, o mundo especial, onde se desenrola a experiência e o
personagem encontrará os conflitos e as dificuldades da trajetória narrativa.
• Desfecho, o retorno ao mundo comum, onde finalmente o personagem en­
contra o epílogo de sua experiência, conseguindo ou não o que deseja.
Nesse ínterim, é quase impossível dissociar a história do personagem, por isso
não há como dizer qual elemento é o mais importante numa obra. A construção
do personagem depende de uma minuciosa elaboração do roteirista, e sua perso­
nificação e exteriorização serão determinantes na estrutura narrativa de um fi Ime:
MONTAGEME EDIÇÃOe
Para Aristóteles, tudo aquilo que pode ser tirado do enredo
sem prejudicar a história não pertence a ela. Assim, uma his­
tória paralela deve sempre estar diretamente ligada à história
principal. Além disso, é preciso lembrar que cada história tem
dinâmica e coerência próprias, por isso nem tudo cabe em um
roteiro. A estrutura da história e o personagem é que deter­
minam isso (MOLETTA,2009, p. 23).
O personagem é mais um mecanismo fragmentado da trama narrativa. Um
protagonista, um antagonista e um conflito: eis os ingredientes básicos para
dar início à definição de um enredo.
Podemos definir "argumento" como um assunto, contexto ou até uma
afirmação seguida de uma justificativa. Mas, na definição teórica da lingua­
gem cinematográfica, argumento é o desenvolvimento detalhado do enre­
do, como conceitua o autor:
,
E a parte mais criativa do processo de escrita do roteiro. Se
o enredo é o esqueleto que sustenta a história, o argumento
compõe os órgãos, músculos e tendões que dão forma ao cor­
po. Pelo enredo sabemos o que vai acontecer com os perso­
nagens e a história; pelo argumento vamos saber como tudo
vai acontecer (MOLETTA, 2009, p. 33).
Até esse momento, as fases do roteiro questionaram três fragmentos
básicos para sua elaboração: o personagem, o antagonista e o confli­
to. No entanto, para fortificar a estrutura do que foi criado, é necessário
acrescentar mais três questões básicas: quando, como e onde. Além da
definição das locações e da caracterização física e psicológica dos perso­
nagens, este é o momento que envolve o início da montagem cinemato­
gráfica quanto às divisões de cenas, pré-formatando o roteiro através de
uma técnica chamada escaleta. A escaleta tem o objetivo de identificar os
pontos principais do argumento e é através dela que a descrição da ima­
gem e da ação pode ser vista e ouvida e, dessa forma, o desenvolvimento
estético do filme na linguagem cinematográfica pode finalmente sintetizar
MONTAGEME EDIÇÃOe
sua sequência na montagem do roteiro. Dependendo do argumento, maior
ou menor serão as possibilidades de construção de sentido.
Portanto, a partir desses conceitos, podemos observar que, após o pri­
meiro cinema, a linguagem cinematográfica se articulou e permitiu se dividir
em duas tendências ideológicas com relação à montagem:
• A montagem narrativa, onde o princípio unificador é o roteiro basea­
do na fábula clássica. Sua principal característica é a unidade da cadeia cau­
sal de eventos, tendo como diretriz
a questão "o que vai acontecer?".
Sua estrutura tem como princípio a
continuidade temporal, mesmo que
em planos diferentes. A montagem
narrativa dita clássica teve como
precursora a escola americana de
cinema, encabeçada pelo cineasta
norte-americano D. W. Griffith.
• A montagem como produção
de sentido, também chamada ex­
pressiva, foi teorizada por cineas­
tas soviéticos na década de 1920,
tendo como maior mentor o cineas­
ta russo Sergei Eisenstein. A escola soviética tin ha como diretriz a questão
"como tudo vai acontecer?", embasada no sistema não narrativo retórico
para reforçar uma doutrinação política, cujo enredo se desenvolve nas ra­
zões que sustentam o argumento.
•
A narrativa cinematográfica clássica
Muitos dos cineastas atuantes no período do primeirocinema não suspei­
taram das possibilidades que a natureza da montagem propiciava. Méliès foi
um deles, não deixando a câmera se libertar diante a imobilidade teatral de
seu cinema de atrações. O filme como totalidade significativa só foi alcança­
do quando se compreendeu as relações de uma cena com outra, ou de uma
sequência com outra sequência.
MONTAGEME EDIÇÃOtt
•
Principais características • a clássicoc
Destacamos a seguir as principais características da montagem narrativa clássica:
a} Causalidade temporal: significa a manipulação de tempo e espaço através
de técnicas de montagem, enquadramentos, iluminação e cenários, onde a fábula
assume uma narrativa fácil de compreender e acompanhar;
b) A fábula provoca uma consequência que, por sua vez, é causa de outra con­
sequência, permitindo ao espectador se concentrar na estória, pois a narrativa
não apresenta abandono de linhas causais;
c}As linhas causais de ordem, frequência ou duração, subordinadas à narrativa
clássica, têm no personagem seu principal agente, um indivíduo minuciosamen­
te concebido para empenhar-se diante das adversidades e resolver o conflito "no
mundo especial de Aristóteles";
d) Sua estrutura busca a conclusão lógica da cadeia narrativa, ou seja, a revela­
ção da verdade conforme o desfecho da teoria aristotélica. O "retorno ao mundo
comum" significa sucesso ou um evidente fracasso;
e) Os eventos e movimentos do protagonista são determinados normalmen­
te por suas características psicológicas (mas podem ser essencialmente de cunho
social). Se agir de forma inesperada às características que lhe foram atribuídas, a
narrativa clássica busca uma explicação suficientemente sustentável para tornar
sua personalidade mais interessante;
f} O enredo clássico muitas vezes mantém uma estrutura causal dupla, como
um simultâneo conflito romântico em meio à adversidade central, criando obstá­
culos e desfechos aleatórios ou interdependentes, com o objetivo de potencializar
a atenção da plateia.
Segundo a teoria contemporânea, os quatro tipos de montagem clássica que
envolvem a construção dessas características são definidos por referência ao cri­
tério fundamental da narrativa cinematográfica. São elas:
• A montagem linear: indica a organização de um filme admitindo uma ação
única, exibida numa sequência de cenas conforme uma ordem lógica e cronológi­
ca. Considerada a montagem mais simples, pois dificilmente se encontra um filme
que não haja uma interligação temporal a entreter duas ações parciais. A caracte­
rística básica da montagem é a continuidade temporal deslocando livremente a
câmera de um lado para o outro e sem colocação sistemática em paralelo;
MONTAGEME EDIÇÃOe
• A montagem invertida: designa a organização dos planos alternando a
ordem cronológica para indicar uma temporalidade subjetiva, dependente de
uma ação dramática, com rompimentos livres para o passado. Sua estrutura
envolve um único flashback ou uma série deles, que envolvem recordações que
correspondam a tantas outras evocações da memória (como, por exemplo, na
montagem realizada por Pedro Almodóvar no filme A Pele que Habito, de 2011);
Figura 1. Cena do filme La piel que habito, de Almodôvar, 2011.
• A montagem alternada: designa a montagem por paralelismo de duas ou
mais ações que se sobrepõem (acontecendo ao mesmo tempo). As ações, ba­
seadas na estrita contemporaneidade, se intercalam e podem se influenciar no
decorrer da trama ou se juntar no fim do filme. É o caso do filme Babel (2006),
de Alejandro González lñárritu;
Figura 2. Cena do filme Babel, de Alejandro González lñárritu, 2006.
MONTAGEME EDIÇÃOe
• A montagem paralela: diferentemente da montagem alternada, não ne­
cessita da contemporaneidade: caracteriza-se pela indiferença pelo tempo, vis­
to que consiste em aproximar acontecimentos pelo simbolismo das ações. O
exemplo mais clássico deste tipo de montagem é em Intolerance (1916), de D. W.
Griffith, que narra quatro histórias distintas visando mostrar que a intolerância
ocorre em todos os tempos.
•
Ae co •amer, ana
O primeiro filme considerado realmente cinematográfico foi The Great
Train Robbery (O Grande Assalto ao Trem}, dirigido pelo cineasta norte-a­
mericano Edwin S. Porter, em 1903. Porter compreendeu a significância
de organizar os planos dando fluidez e coerência narrativa à montagem
alternada, opondo-se radicalmente ao corte da narrativa como se fazia no
teatro.
David Llewelyn Wark Griffith (1875-1948) não foi o primeiro a usar a
montagem e nem tampouco seu inventor, mas é considerado o pai da mon­
tagem narrativa no sentido moderno e o primeiro a dar os passos mais
decisivos na consolidação da linguagem fílmica. D. W. Griffith, como era
conhecido, soube não somente organizar os planos, mas fazer deles um
meio de expressão.
Entre as maiores contribuições de Griffith para a linguagem cinemato­
gráfica, podemos destacar as seguintes:
• A variação de planos e do plano geral, ambos para criar impacto emocional;
• O close-up, empregado como corte de uma tomada mais distante para
mostrar detalhes;
• O plano detalhe, ou insert, designado para dar ênfase a um objeto;
• O travelling, técnica de enquadramento onde a câmera é fixada sobre
um carrinho sobre trilhos ou grua;
• Os flashbacks, retrocessos temporais;
• O plano subjetivo, o ponto de vista do personagem;
• A montagem paralela, baseada numa aproximação simbólica;
• Amontagem alternada, baseada na simultaneidade temporal de duas ações;
• Variações de ritmo.
MONTAGEME EDIÇÃOe
EXPLICANDO
Ritmo cinematográfico não significa alternância entre as relações de tempo
entre planos, mas a coincidência de duração de cada plano e os movimentos
de atenção que promove satisfação ao espectador. Portanto, variação de
ritmo não diz respeito ao ritmo temporal abstrato, mas ao ritmo de atenção.
Figura 3. Corte de plano aberto para dose-up em cena do filme Orphans of the storm, D. W. Griffith, 1921.
D. W. Griffith revolucionou a linguagem do cinema pelas suas qualidades nar­
rativas quando selecionou as imagens e as organizou pela primeira vez numa se­
quência temporal na montagem e, finalmente, quando fez uso de todos os mé­
todos de montagem desenvolvidos até então, criando duas grandes obras que
entraram no rol histórico da montagem cinematográfica: O nascimento de uma
nação, em 1915, e Intolerância, em 1916, vindo a inaugurar o processo de manipula­
ção da linguagem cinematográfica denominado montagem narrativa (ou clássica).
Figura 4. Cena do filme Intolerance, de D. W. Griffith, 1916.
MONTAGEME EDIÇÃOe
A narrativa clássica se transformou no modo dominante de se
fazer cinema e sinônimo de cinema convencional, consolidando-se
em torno de 1917 com a ascensão do cinema hollywoodiano.
•
O cinema soviético da década de 1920 e as teorias da
montagem
ADiferentemente da montagem narrativa, cuja finalidade básica é a orde­
nação de planos segundo uma sequência lógica ou cronológica, a montagem
expressiva, por sua vez, tinha por finalidade produzir um efeito direto através
de choque entre duas imagens com efeitos de ruptura no pensamento do es­
pectador e influenciar pela retórica a ideia expressa pelo realizador. O ritmo da
montagem expressiva desempenhava então um papel diretamente sensorial.
CITANDO
"A montagem expressiva, estabelecida sobre as justaposições de
planos e tendo por finalidade produzir um efeito direto e exato através
do choque de duas imagens. Neste caso, a montagem visa exprimir
através de si própria um sentimento ou uma ideia; deixa então de ser
um meio para constituir um fim" (MARTIN, 2005, p.1t67).
O cinema norte-americano ditou
regras de linguagem tendo como
base ideológica a montagem nar­
rativa, mas isso não quer dizer que
exista uma ruptura nítida entre os
dois tipos de montagem. Existem
efeitos de montagem narrativa que
possuem ao mesmo tempo um valor
expressivo e que comportam a utili­
zação das montagens alternadas e as
paralelas, mas os cineastas soviéticos levaram a narrativa expressiva ao seu
apogeu, atribuindoa ela o formato do terceiro gênera decisivo na articulação
da montagem no cinema, a montagem intelectual ou ideológica.
MONTAGEME EDIÇÃOe
•
Da mont
O principal teórico da montagem ideológica foi o cineasta russo Sergei Ei­
sentein, que a define da seguinte maneira: "Todo o momento agressivo - isto é,
qualquer elemento teatral exerce sobre o espectador uma pressão sensorial ou
psicológica de forma a produzir esta ou aquela emoção de choque" (MARTIN,
2005, p.173/175). Longe de construir um enredo, a base latente da montagem
intelectual é o sistema não narrativo retórico, fundado na construção de senti­
mentos e reflexões pela linguagem cinematográfica.
O papel da montagem ideológica é aproximar os planos destinados a co­
municar um ponto de vista, sentimento ou ideia ao espectador.
-=
=== =­-~ - CITANDO"Trata-se de todas as conjunções construídas sobre uma analogia de
caráter psicológico entre conteúdos mentais através do olhar, do nome
ou do pensamento. A um nível superior, a montagem desempenha um
papel intelectual propriamente dito, criando ou evidenciando relações
entre acontecimentos, objetos e personagens" (MARTIN, 2005, p.194).
Sob este contexto, a aproximação de planos é realizada utilizando princí­
pios da montagem paralela e por metáforas ideológicas como mecanismo psi­
cológico que nasce do choque entre duas imagens, uma das quais é o termo de
comparação (quase sempre um animal ou um objeto) e a outra o objeto com­
parado (quase sempre um ou vários seres humanos). Como exemplo, podemos
usar a abertura do filme Tempos Modernos, de Charlie Chaplin (1936).
Figura 5. Corte de imagens na abertura do filme Modern Times, de Charlie Chaplin, 1936.
MONTAGEME EDIÇÃOe
O sentido da comparação das imagens provoca o riso num primeiro instante
(pois se trata de um filme cômico), mas o confronto da metáfora ideológica cria um
campo de consciência inverso, bastante amargo e pessimista. Nesse caso, a mon­
tagem desempenha um papel intelectual, criando uma relação de paralelismo ou
analogia, que constituiu a montagem ideológica propriamente dita.
A busca por processos formais que pudessem transmitir ideias através da nar­
rativa foi a finalidade fundamental das teorias desenvolvidas pela escola soviética .
•
Teorias da escola soviética
O cinema expressionista soviético
surge com o fim da Revolução Bolche­
vique de 1917 e o discurso construti­
vista russo dos movimentos de van­
guarda no país, que pregavam a arte
como inspiração das conquistas da di­
tadura do estado operário. Apesar da
grande influência que Griffith tinha na
União Soviética, a geração pós-revolução não considerava o cinema como simples
meio de entretenimento, mas uma arte aberta a novas perspectivas e técnicas
que servisse como propaganda ideológica. Diante disso, muitos artistas russos,
produtores privados, cineastas e atores, como Naum Gabo e Vassily Kandinsky,
deixaram a União Soviética, por discordarem dessa política cultural que passava a
orientar a produção artística soviética.
Dessa forma, os cineastas soviéticos tinham a dupla função de intensificar
as ideias da doutrina política por meio do cinema e desenvolver teorias que des­
sem continuidade ao papel do cinema de sustentar a revolução. Em agosto de
1919, com o decreto assinado por Lênin de nacionalização da indústria cinema­
tográfica e a criação da Faculdade de Cinema de Moscou, surgiram as primeiras
bases de uma reflexão sobre o cinema como linguagem e várias teorias sobre a
montagem cinematográfica, expondo as possibilidades narrativas, expressivas e
plásticas da nova arte em prol do Partido Comunista.
As teorias mais importantes desses estudos foram realizadas pelos cineastas
Lev Kuleshov, Vsevolod Pudovkin, Sergei Eisenstein e DzigaVertov.
MONTAGEME EDIÇÃOe
•
ev I s o,
Lev Kuleshov (1899-1970), marcado culturalmente pelo construtivismo russo da
época, é considerado o pioneiro nos estudos da montagem soviética. Desenvolveu
sua teoria baseada no que ficou conhecido como "efeito Kuleshov", em 1921, reali­
zado no prédio do Comitê Cinematográfico (anteriormente ocupado pela produtora
norte-americana Trans-Atlantic), onde Kuleshov era chefe da seção de cinejornais.
O experimento consistia na exibição de três cenas distintas:
1) o plano de um prato de sopa, cortado pelo plano em close-up inexpressivo e
neutro de um ator;
2) o plano de uma criança no caixão, cortado pelo plano em close-up inex­
pressivo e neutro de um ator;
3) o plano de uma bela mulher deitada, cortado pelo plano em close-up
inexpressivo e neutro de um ator.
Voluntários que participaram da experiência, após visualizarem as ce­
nas, interpretaram os sentimentos do homem/ator de maneiras diferentes,
embora o close-up do ator fosse sempre o mesmo. Diante do prato de sopa,
a expressão do homem era interpretada como fome, diante o caixão era de
tristeza, e diante a mulher era de desejo.
= Tristeza
= Fome
= Desejo
Figura 6. "Efeito Kuleshov", por Kuleshov, 1921. Fonte: Jordan Center for the Advanced Study of Russia.
MONTAGEME EDIÇÃOe
A partir dos resultados demonstrados pela experiência de Kuleshov, pôde-se
concluir que:
• Um plano isolado existe somente de maneira fragmentada, pois "o resulta­
do semântico é, assim, um produto, e não uma soma" (JOLY, 2002, p. 221);
• A justaposição de planos (ou a inclusão de um plano entre dois planos) alte­
ra e induz deliberadamente ideias através da montagem e pode depender ex­
clusivamente da relação subjetiva do espectador, surgindo daí um terceiro nível
de significado;
• O choque, ou conflito, é inerente a todos os signos visuais do cinema, ou
seja, um plano adquire um significado em relação ao plano anterior ou posterior;
• Que a montagem é a ferramenta fundamental do cinema, pois a arte cine­
matográfica só se inicia aos unir fragmentos de planos.
CITANDO
"Existe em psicologia uma lei que diz que, se uma emoção dá origem a
um certo movimento, a imitação desse movimento vai permitir evocar
uma emoção. [. .. ]Deve-se compreender que a montagem é, de fato, um
meio de induzir deliberadamente os pensamentos e as associações do
espectador. Se a montagem for coordenada em função de uma série de
acontecimentos escolhidos com precisão, ou de uma linha conceituai -
seja agitada, seja calma -terá respectivamente um efeito excitante ou
calmante no espectador" (KULESHOV, 1926 apud AUMONT, 2008, p. 230).
O "efeito Kuleshov" tornou-se lendário e paradigma do potencial da monta­
gem como construtora de significados, influenciando outros estudiosos a pro­
por novos conceitos de linguagem cinematográfica.
V euolo
Vsevolod Pudovkin (1893-1953),propagandista e cineasta, teorizou que os ato­
res na tela não agem realmente, mas o contexto deles que os move, através da
montagem, por sua relação com os objetos exteriores.
Ex-aluno de Kuleshov, foi a partir dos estudos de seu mestre que Pudovkin de­
senvolveu seu conceito de "montagem construtiva", onde diz, fundamentalmen­
te, que a montagem é a base estética do filme. Para provar essa tese, Pudovkin
MONTAGEME EDIÇÃOe
compara o cinema à literatura que, segundo ele, são linguagens semelhantes com
relação à construção de sentidos. As palavras, matéria-prima da frase, só teriam
significado quando relacionadas com outras palavras, pois isoladamente não pos­
suem vida nem realidade artística. Tal como a língua, a palavra da montagem seria
a imagem, e sua frase seria a combinação das imagens. Dessa forma, o teórico
conclui que a montagem é como a gramática, e, após analisar exaustivamente a
clássica montagem intuitiva de Griffith, parte em busca de um processo formal de
transmitir ideias pela narrativa do cinema, usando como base as experiências de
Kuleshov e, em parte, de suas próprias como cineasta.
A montagem construtiva desenvol­
vida por Pudovkin é considerada uma
sistematização de princípios gerais da
linguagem cinematográfica, onde o
realizador deve destacar na montagem
determinados acontecimentos reais e
relevantes e omitir o restante, selecio­
nando e relacionando

Outros materiais