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Indaial – 2022 Toxicologia Prof.ª Roberta Nunes 1a Edição Elaboração: Prof.ª Roberta Nunes Copyright © UNIASSELVI 2022 Revisão, Diagramação e Produção: Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI Impresso por: N972t Nunes, Roberta Toxicologia. / Roberta Nunes – Indaial: UNIASSELVI, 2022. 213 p.; il. ISBN 978-85-515-0557-1 ISBN Digital 978-85-515-0553-3 1. Toxicologia dos cosméticos. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 610 Caro acadêmico, este livro didático reúne informações e conteúdos sobre toxicologia. A toxicologia é uma área de grande importância da área da saúde, pois é responsável pelo estudo das interações de diversas substâncias com o nosso organismo, sob condições específicas de exposição. Entretanto, quais seriam essas substâncias? Essas substâncias vão desde medicamentos, agrotóxicos, alimentos, cosméticos, produtos químicos e drogas lícitas e ilícitas. Para facilitar e organizar os seus estudos, dividimos o conteúdo da disciplina em três unidades. Na Unidade 1, abordaremos as definições básicas em toxicologia. Você compreenderá como surgiu a toxicologia, onde ela está presente em nosso dia a dia, além de conceitos básicos que serão de grande importância para o entendimento dos conteúdos das demais unidades. Além disso, abordaremos um tópico sobre toxicologia dos cosméticos. Você entenderá como as indústrias de produtos cosméticos garantem a segurança e a eficácia dos próprios produtos, sem gerar nenhum risco aos consumidores. Na Unidade 2, estudaremos a aplicação clínica da toxicologia. Uma das grandes áreas de estudo da toxicologia é a toxicologia social, que visa estudar os efeitos nocivos decorrentes do uso não médico de drogas ou fármacos, causando prejuízo ao próprio indivíduo e à sociedade. Por fim, na Unidade 3, aprenderemos a toxicologia de alimentos e a toxicologia ambiental. Ademais, abordaremos as principais técnicas analíticas utilizadas para a detecção de agentes químicos em diversas amostras, como fluidos biológicos, alimentos, água, ar, solo etc. Vamos começar essa leitura e adquirir muito conhecimento e informação? Bons estudos! Prof.ª Roberta Nunes APRESENTAÇÃO Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos. GIO QR CODE Olá, eu sou a Gio! No livro didático, você encontrará blocos com informações adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender melhor o que são essas informações adicionais e por que você poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto estudado em questão. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual – com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente, apresentamos também este livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Preparamos também um novo layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os seus estudos com um material atualizado e de qualidade. Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira, acessando o QR Code a seguir. Boa leitura! ENADE LEMBRETE Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conheci- mento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa- res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! SUMÁRIO UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO À TOXICOLOGIA ........................................................................ 1 TÓPICO 1 - CONCEITOS BÁSICOS EM TOXICOLOGIA ..........................................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................3 2 HISTÓRICO DA TOXICOLOGIA ............................................................................................5 3 INTOXICAÇÃO .....................................................................................................................8 4 TOXICOCINÉTICA ................................................................................................................9 4.1 ABSORÇÃO ............................................................................................................................................. 11 4.1.1 Absorção via dérmica ................................................................................................................. 11 4.1.2 Absorção pelas vias respiratórias ...........................................................................................12 4.1.3 Absorção via oral, digestiva ou gastrintestinal ...................................................................12 4.2 DISTRIBUIÇÃO ..................................................................................................................................... 13 4.3 BIOTRANSFORMAÇÃO ....................................................................................................................... 13 4.4 EXCREÇÃO ........................................................................................................................................... 14 5 TOXICODINÂMICA .............................................................................................................14 5.1 SELETIVIDADE DE AÇÃO ................................................................................................................... 15 RESUMO DO TÓPICO 1 ......................................................................................................... 17 AUTOATIVIDADE ..................................................................................................................18TÓPICO 2 - AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE ........................................................................... 21 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 21 2 AVALIAÇÃO DE RISCO ..................................................................................................... 22 3 MUTAGÊNESE E CARCINOGÊNESE ................................................................................ 24 3.1 MUTAGÊNESE .......................................................................................................................................25 3.2 CARCINOGÊNESE ...............................................................................................................................26 4 TOXICOLOGIA DA REPRODUÇÃO .....................................................................................27 5 ABORDAGEM INICIAL AO PACIENTE INTOXICADO ........................................................ 30 5.1 SÍNDROMES TOXICOLÓGICAS ...........................................................................................................31 5.2 DESCONTAMINAÇÃO ..........................................................................................................................31 5.3 ACELERAÇÃO DA ELIMINAÇÃO ........................................................................................................31 5.3.1 Hemodiálise .................................................................................................................................31 5.3.2 Alcalinização urinária ...............................................................................................................32 5.3.3 Doses múltiplas de carvão ativado ......................................................................................32 5.4 ADMINISTRAÇÃO DE ANTÍDOTOS ESPECÍFICOS ........................................................................32 RESUMO DO TÓPICO 2 ........................................................................................................ 35 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 36 TÓPICO 3 - TOXICOLOGIA DE COSMÉTICOS ..................................................................... 39 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 39 2 TESTES DE EFICÁCIA E SEGURANÇA ............................................................................ 40 2.1 MÉTODOS ALTERNATIVOS AO USO DE ANIMAIS ......................................................................... 41 2.1.1 HET-CAM ......................................................................................................................................43 2.1.2 BCOP .............................................................................................................................................44 2.2 VALIDAÇÃO DE MÉTODOS ALTERNATIVOS AO USO DE ANIMAIS ...........................................46 LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................................................ 48 RESUMO DO TÓPICO 8 ........................................................................................................ 54 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 55 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................57 UNIDADE 2 — TOXICOLOGIA APLICADA À CLÍNICA ...........................................................59 TÓPICO 1 — TOXICOLOGIA SOCIAL – DROGAS DEPRESSORAS E ESTIMULADORAS DO SNC ........................................................................... 61 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 61 2 DEPENDÊNCIA E TOLERÂNCIA ....................................................................................... 62 2.1 DEPENDÊNCIA......................................................................................................................................62 2.2 TOLERÂNCIA ........................................................................................................................................65 3 DROGAS ESTIMULADORAS DO SNC ............................................................................... 66 3.1 COCAÍNA ............................................................................................................................................... 67 3.1.1 Padrões de uso ...........................................................................................................................68 3.1.2 Toxicocinética ..............................................................................................................................71 3.1.3 Toxicodinâmica .......................................................................................................................... 72 3.2 ANFETAMINAS ..................................................................................................................................... 73 3.2.1 Padrões de uso .......................................................................................................................... 74 3.2.2 Toxicodinâmica ......................................................................................................................... 75 4 DROGAS DEPRESSORAS DO SNC ....................................................................................76 4.1 BARBITÚRICOS .................................................................................................................................... 77 4.1.1 Toxicocinética .............................................................................................................................. 77 4.1.2 Toxicidade ....................................................................................................................................78 4.2 BENZODIAZEPÍNICOS ........................................................................................................................ 79 4.2.1 Toxicocinética ............................................................................................................................. 79 4.2.2 Toxicodinâmica ........................................................................................................................ 80 4.2.3 Tratamento para intoxicações agudas ............................................................................... 80 4.3 ÁLCOOL ................................................................................................................................................. 81 4.3.1 Toxicocinética ............................................................................................................................. 81 4.3.2 Toxicodinâmica .........................................................................................................................82 4.3.3 Tratamento para intoxicações agudas ................................................................................83 4.4 OPIÁCEOS E OPIOIDES ......................................................................................................................83 4.4.1 Padrões de uso ..........................................................................................................................83 4.4.2 Toxicodinâmica ........................................................................................................................ 84 RESUMO DO TÓPICO 1 ........................................................................................................ 86 AUTOATIVIDADE ..................................................................................................................87TÓPICO 2 - TOXICOLOGIA SOCIAL – DROGAS PERTURBADORAS DO SNC E FACILITADORAS DE CRIMES ......................................................... 89 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 89 2 DROGAS PERTURBADORAS............................................................................................ 89 2.1 CANNABIS .............................................................................................................................................90 2.1.1 Toxicocinética .............................................................................................................................. 91 2.1.2 Efeitos tóxicos da Cannabis ...................................................................................................92 2.2 ALUCINÓGENOS ..................................................................................................................................93 2.2.1 Padrões de uso ..........................................................................................................................94 2.2.2 LSD – DIETILAMIDA DO ÁCIDO LISÉRGICO ........................................................................95 2.2.3 Plantas alucinógenas ..............................................................................................................96 2.2.4 Cogumelos alucinógenos ....................................................................................................... 97 3 DROGAS FACILITADORAS DE CRIMES ........................................................................... 98 3.1 PRINCIPAIS DROGAS UTILIZADAS ..................................................................................................99 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................... 101 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................102 TÓPICO 3 - TOXICOLOGIA DE MEDICAMENTOS ...............................................................105 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................105 2 ANTI-INFLAMATÓRIOS ...................................................................................................105 2.1 SALICILATOS – AAS ..........................................................................................................................106 2.1.1 Efeitos tóxicos, diagnóstico e tratamento .........................................................................106 2.2 PARACETAMOL .................................................................................................................................. 107 3 ANTICONVULSIVANTES/ANTIEPILÉPTICOS ................................................................109 3.1 CARBAMAZEPINA ...............................................................................................................................110 4 ANTIDEPRESSIVOS ........................................................................................................ 110 4.1 ANTIDEPRESSIVOS ISRS ..................................................................................................................110 4.2 ANTIDEPRESSIVOS TRICÍCLICOS E TETRACÍCLICOS ................................................................111 5 SAIS DE FERRO ............................................................................................................... 112 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................... 113 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................... 118 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................ 119 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 121 UNIDADE 3 — TOXICOLOGIA ANALÍTICA ..........................................................................125 TÓPICO 1 — TOXICOLOGIA AMBIENTAL ............................................................................ 127 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 127 2 INIBIDORES DE COLINESTERASE: CARBAMATOS E ORGANOFOSFORADOS.................129 2.1 CARBAMATOS .................................................................................................................................... 129 2.2 ORGANOFOSFORADOS ...................................................................................................................130 3 ORGANOCLORADOS .......................................................................................................132 4 INSETICIDAS PIRETROIDES...........................................................................................133 5 HERBICIDA PARAQUAT ..................................................................................................134 5.1 DOSES TÓXICAS ................................................................................................................................134 5.2 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ........................................................................................................... 135 RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................... 137 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................138 TÓPICO 2 - TOXICOLOGIA DE ALIMENTOS ....................................................................... 141 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 141 2 PRINCIPAIS SUBSTÂNCIAS TÓXICAS PRESENTES NOS ALIMENTOS ........................ 141 3 MICOTOXINAS ................................................................................................................ 144 3.1 AFLATOXINAS ..................................................................................................................................... 145 3.2 OCRATOXINAS ................................................................................................................................... 147 3.3 ZEARALENONA .................................................................................................................................148 3.4 TRICOTECENOS ................................................................................................................................. 149 3.5 FUMONISINAS ...................................................................................................................................150 3.6 PATULINA ............................................................................................................................................151 RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................................152 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................153 TÓPICO 3 - TOXICOLOGIA OCUPACIONAL .......................................................................155 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................155 2 AGENTES METEMOGLOBINIZANTES .............................................................................156 2.1 SÍNDROME TÓXICA ............................................................................................................................ 157 2.2 PRINCIPAIS AGENTES METEMOGLOBINIZANTES .....................................................................1583 SOLVENTES ORGÂNICOS ...............................................................................................159 3.1 BENZENO ............................................................................................................................................. 159 3.2 TOLUENO ............................................................................................................................................160 3.3 METANOL .............................................................................................................................................161 3.4 ETILENOGLICOL .................................................................................................................................161 4 GASES TÓXICOS .............................................................................................................162 4.1 CIANETO .............................................................................................................................................. 162 4.2 MONÓXIDO DE CARBONO ...............................................................................................................164 RESUMO DO TÓPICO 3 .......................................................................................................166 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................ 167 TÓPICO 4 - METODOLOGIAS ANALÍTICAS E APLICAÇÕES NA TOXICOLOGIA ...................169 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................169 2 PREPARO DAS AMOSTRAS ............................................................................................169 3 MÉTODOS DE TRIAGEM ..................................................................................................170 3.1 TESTES COLORIMÉTRICOS .............................................................................................................. 171 3.2 CROMATOGRAFIA EM CAMADA DELGADA (CCD) ..................................................................... 172 3.3 IMUNOENSAIOS ................................................................................................................................ 174 4 MÉTODOS CONFIRMATÓRIOS ........................................................................................ 174 4.1 CROMATOGRAFIA GASOSA (GC) .................................................................................................... 175 4.2 CROMATOGRAFIA LÍQUIDA DE ALTA EFICIÊNCIA (HPLC) ........................................................176 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................... 177 RESUMO DO TÓPICO 4 .......................................................................................................182 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................183 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................185 1 UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO À TOXICOLOGIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • identificar os conceitos básicos de toxicologia e os mecanismos de toxicocinética e toxicodinâmica; • compreender os riscos que diversas substâncias podem causar ao nosso organismo, dependendo da dose e das condições de exposição; • aprender as condutas básicas e as medidas de descontaminação a serem abordadas em um paciente intoxicado; • diferenciar os métodos de segurança e de eficácia utilizados na produção de cosméticos, a fim de evitar reações de toxicidade nos usuários. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – CONCEITOS BÁSICOS EM TOXICOLOGIA TÓPICO 2 – AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE TÓPICO 3 – TOXICOLOGIA DE COSMÉTICOS Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 1! Acesse o QR Code abaixo: 3 CONCEITOS BÁSICOS EM TOXICOLOGIA 1 INTRODUÇÃO Acadêmico, a partir de agora, iniciaremos os nossos estudos. A toxicologia é a ciência que estuda os efeitos nocivos decorrentes das interações das substâncias químicas com o organismo, com as finalidades de prevenir, diagnosticar e tratar da intoxicação. A toxicologia abrange uma vasta área de conhecimentos, na qual atuam profissionais de diversas formações. Ela pode ser dividida, de acordo com os diferentes campos de trabalho, em toxicologia analítica, ou química; toxicologia clínica, ou médica; e toxicologia experimental. A toxicologia analítica trata da detecção do agente químico ou de algum outro parâmetro relacionado à exposição ao toxicante, em substratos, como fluídos orgânicos, alimentos, água, ar, solo etc. A toxicologia analítica é, também, importante no monitoramento terapêutico, ou no acompanhamento de pacientes submetidos a um tratamento prolongado com alguns tipos de medicamentos, especialmente, os de baixo índice terapêutico, mediante determinação sistemática ou periódica do fármaco em material biológico, na maioria das vezes, no plasma. Outra aplicação de importância é no controle antidopagem, em competições esportivas, nas quais, mediante métodos analíticos apropriados, investiga-se a presença de substâncias cujo uso é proibido pela legislação esportiva. A toxicologia experimental desenvolve estudos para a elucidação dos mecanismos de ação dos agentes tóxicos sobre o sistema biológico, e para a avaliação dos efeitos decorrentes dessa ação. A avaliação da toxicidade de substâncias é feita, utilizando-se diferentes metodologias, in vitro ou in vivo, empregando-se diferentes técnicas, tipos celulares e espécies animais que mimetizam a ação do xenobiótico frente ao organismo humano, seguindo rigorosas normas preconizadas pelos órgãos reguladores do país (ROGERO et al., 2003). O atendimento do paciente exposto ao toxicante, ou do intoxicado, para prevenir ou diagnosticar a intoxicação, além de aplicar, nele, uma terapêutica específica, é da competência dos profissionais que atuam na toxicologia médica, ou clínica. Os toxicologistas analíticos, com o corpo clínico, desempenham um importante papel no diagnóstico das intoxicações e na identificação de agentes tóxicos, por meio de análises laboratoriais, clínicas e toxicológicas. Embora já tenhamos dito que a toxicologia é fundamental para o nosso conhecimento, talvez, seja difícil você conseguir compreender em que momento ela está presente no nosso dia a dia. Por isso, para a sua melhor compreensão, leia os casos a seguir: TÓPICO 1 - UNIDADE 1 4 CASO 1 – Caso Backer, janeiro de 2020: “Os primeiros casos de uma síndrome nefroneural, inicialmente, tratada como "doença misteriosa do Buritis", vieram a público por meio de grupos de WhatsApp, ainda, no início de janeiro, pouco depois das festas de Natal e réveillon, quando é grande o consumo de cervejas. Investigações sanitária e policial foram abertas. Em 13 de janeiro, a Polícia Civil informou ter identificado as substâncias tóxicas monoetilenoglicol e dietilenoglicol na linha de produção da cervejaria, em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os laudos, também, acusaram os dois agentes químicos em garrafas de cerveja recolhidas na fábrica e em casas de pacientes com sintomas da intoxicação. O consumo foi ligado à síndrome nefroneural – conjunto de sintomas nefro e neurológicos –, manifestada por pessoas que consumiram a cerveja”. FONTE: <https://bit.ly/3HwSAha>. Acesso em: 5 ago. 2021. CASO 2 – Morte do cantor Chorão, março de 2013: “Uma overdose de cocaína matou Alexandre Magno Abrão, conhecido como Chorão, do grupo Charlie Brown Jr.,aponta o laudo necroscópico da Polícia Técnico- Científica de São Paulo. O vocalista da banda foi encontrado morto em 6 de março no seu apartamento, na Zona Oeste da capital paulista. O laudo considera resultados do exame toxicológico número 5054/2013, do Instituto Médico-Legal (IML), feito no corpo de Chorão. O exame toxicológico apontou que o corpo apresentava 4,714 microgramas da droga por mililitro de sangue. Segundo os peritos, foi possível concluir, a partir dos testes, que a causa da morte foi intoxicação exógena, devido à cocainemia”. FONTE: <https://glo.bo/3AWd4O9>. Acesso em: 5 ago. 2021. Veja que, em ambos os casos, há uma substância tóxica envolvida, contudo, é importante frisarmos que uma substância tóxica, não necessariamente, precisa ser um produto químico, ou uma droga ilícita. O que determinará se uma substância é passível de intoxicação é a dose utilizada e a intensidade de exposição. No Tópico 1, abordaremos, justamente, essas questões. O medicamento paracetamol, utilizado para quadros de dor, é tóxico? O Escabin®, utilizado para controle de pediculose (piolhos), é tóxico? A água pode ser tóxica? Antes de responder a essas e demais perguntas, precisamos entender alguns conceitos importantes na área da toxicologia (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014): 5 • Xenobióticos: substâncias químicas que são estranhas ao organismo e sem valor nutritivo. • Agente tóxico: xenobiótico capaz de causar dano a um sistema biológico, alterando uma função ou o levando à morte, sob certas condições de exposição. • Intoxicação: a manifestação do agente tóxico e corresponde ao conjunto de sinais e de sintomas que revelam desequilíbrio produzido pela interação do agente tóxico com o organismo. • Veneno: mistura de substâncias de origem biológica (animal ou vegetal), capaz de causar alterações nocivas a órgãos ou a sistemas de organismos vivos quando há interações com eles. • Toxicidade: propriedade intrínseca e potencial de um agente químico capaz de produzir efeito nocivo ao organismo. A toxicidade depende, principalmente, das seguintes condições de exposição: º dose ou concentração da substância liberada na exposição; º vias de introdução no organismo (trato respiratório, trato gastrintestinal, pele e via sanguínea); º tempo e frequência de exposição; º propriedades físico-químicas do toxicante; º suscetibilidade do organismo. • Exposição: contato do indivíduo com o agente tóxico, por quaisquer vias de introdução, interna ou externa, que possa ocasionar, ou não, uma intoxicação. • Dose: comumente, o efeito de uma substância é proporcional à dose, sendo, esta, a quantidade de substância administrada a um organismo. Vale ressaltar que algumas substâncias possuem um efeito “tudo ou nada”, que independe da dose administrada: º dose letal (DL50): quantidade calculada de um agente químico necessária para causar a morte de 50% dos animais em estudo. Geralmente, é expressa em miligrama, ou grama, da substância, por quilo de peso corporal (mg/kg ou g/kg); º dose efetiva (DE50): quantidade necessária de uma substância para causar um determinado efeito em 50% dos animais em estudo. É, também, expressa em mg/ kg, ou g/kg. • Índice terapêutico: distância entre a máxima concentração terapêutica e a mínima concentração tóxica. Quanto maior o valor do índice terapêutico, ou margem de segurança, mais “segura” será a substância. Uma margem de segurança estreita indica maior risco. 2 HISTÓRICO DA TOXICOLOGIA A história da toxicologia acompanha a própria história da civilização, pois, desde a época mais remota, o homem possuía conhecimento dos efeitos tóxicos de venenos de animais e de uma variedade de plantas tóxicas. 6 Um dos documentos mais antigos, o Papiro de Ebers (1500 a.C.), de origem egípcia, registra uma lista de cerca de 800 ingredientes ativos, incluindo metais do tipo chumbo e cobre, venenos de animais e diversos vegetais tóxicos. Na antiguidade, o veneno foi muito utilizado com fins políticos. Provavelmente, o caso mais conhecido do uso de veneno em execuções do Estado foi o de Sócrates, condenado à morte pela ingestão de extrato de cicuta (Conium maculatum), que contém a presença da substância cicutoxina, um agente colinérgico que produz sintomas de náusea, vômito e dor abdominal, tipicamente, nos primeiros 15-60 minutos de ingestão. Em poucas horas, causa tremores, convulsões, arritmia, hipertensão e insuficiência respiratória. A dose letal (LD50) é de 2.8 mg/kg (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). Além da cicuta, outras substâncias, também, eram obtidas do reino vegetal, como o ópio (princípio ativo da morfina), o acônito e os digitalis (glicosídeos digitálicos extraídos da Digitalis purpurea L) – planta conhecida, popularmente, como dedaleira. Já no reino animal, os venenos de víboras, sapos e salamandras eram utilizados como agentes tóxicos (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). A toxicologia evoluiu lentamente, e, mesmo nos séculos XVII e XVIII, os métodos de estudo eram muito empíricos. Avicena deu sua contribuição à toxicologia, com as discussões de mecanismos de ação de venenos, incluindo neurotoxicidade e efeitos metabólicos. Ele recomendava a pedra de bezoar (concreções biliares de bode) como antídoto e preventivo de doenças. As pedras preciosas eram tidas como excelentes antídotos. Às pedras de maior valor, era atribuído maior efeito curativo. Assim, a ametista era indicada para intoxicações por bebidas alcoólicas, e, o topázio, para a prevenção de morte subida (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2013). Uma figura de grande importância na Medicina, assim como na história da Ciência, Paracelsus desenvolveu estudos e ideias, revolucionárias na época, envolvendo a toxicologia. Vários dos princípios dele permanecem válidos, principalmente, o postulado mais conhecido: Conceito de antídoto: é um agente capaz de antagonizar (reverter) os efeitos tóxicos de substâncias. Exemplo 1: Naloxona (antagonista de opioides) é o antídoto para intoxicação por morfina. Exemplo 2: Flumazenil (antagonista dos efeitos hipnóticos, sedativos e da inibição psicomotora) é o antídoto para intoxicação por barbitúricos. Exemplo 3: N-acetilcisteína é o antídoto para intoxicação por paracetamol. NOTA 7 Esse conceito responde questões que deixamos em aberto na introdução desta unidade. O paracetamol, se utilizado em doses terapêuticas, é desprovido de toxicidade. No entanto, se o usuário ultrapassar a dose terapêutica diária, existirão riscos de desenvolver um quadro de toxicidade, o que, também, acontece com a deltametrina, vendida, no Brasil, com o nome comercial Escabin®. Apesar de ser considerada segura para humanos, para animais é, altamente, tóxica, acometendo, principalmente, o SNC. E a água, tão indicada para consumo diário, é capaz de causar quadros de intoxicação? A resposta é sim. A hidratação excessiva pode causar um distúrbio eletrolítico no nosso organismo, gerando um quadro de hiponatremia (baixos níveis de sódio), o que pode ser perigoso, principalmente, em pessoas que já têm um problema renal, hepático ou cardíaco preestabelecido. Lembre-se: a diferença entre o veneno e o remédio é a dose (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). O século XX se caracterizou pelo grande avanço tecnológico no campo da síntese química. Milhares de novos compostos foram sintetizados para diversos fins, como farmacêuticos (fármacos, excipientes), alimentares (conservantes, corantes) e agrícolas (praguicidas, herbicidas). O contato do homem com esses agentes tem provocado inúmeros casos de intoxicação. Um caso de grande repercussão aconteceu no final da década de 1950, quando várias crianças foram vítimas de um grave acidente ocorrido pela utilização de talidomida pelas mulheres no período de gestação. A talidomida é, potencialmente, teratogênica aos fetos, principalmente, nos primeiros meses de desenvolvimento. “Todas as substâncias são venenos; não há nenhuma que não seja um veneno. A dose correta diferencia o veneno do remédio”. Paracelsus(1493-1541) FIGURA 1 – PHILIPPUS AUREOLUS THE OPHRASTUS BOMBAST VON HOHENHEIM, CONHECIDO COMO PA- RACELSUS FONTE: <https://bit.ly/3FUpasa>. Acesso em: 27 ago. 2021. 8 A MÉDICA QUE SALVOU UMA GERAÇÃO DE BEBÊS DA TRAGÉDIA DA TALIDOMIDA NOS EUA O “não” que a médica Frances Oldham Kelsey disse a uma empresa, em 1960, foi um dos mais poderosos da história da indústria farmacêutica. Com a negativa dela, ajudou a salvar, talvez, milhares de pessoas da morte ou da invalidez durante a vida, afirmou a Agência de Drogas e Alimentos (FDA, na sigla em inglês). Quando a médica começou a trabalhar nessa organização, ela recebeu algo que parecia um pedido “fácil” de encaminhamento. Tratava-se de um remédio que, inicialmente, havia sido comercializado como sedativo na Europa, no final dos anos 1950, e, depois, para aliviar náuseas durante a gravidez. Nos anos 1960, o medicamento era acessível em dezenas de países, mas Kelsey impediu a venda nos EUA porque não estava satisfeita com as evidências apresentadas a respeito da segurança para o uso. Vários meses depois, viria, a público, um terrível vínculo que a comunidade científica internacional desconhecia: a talidomida causava danos graves aos fetos. Foram, ao menos, 10 mil crianças que nasceram com diversas malformações. Alguns sem braços, outros sem pernas. Muitos outros morreram no útero. No Brasil, centenas de crianças foram atingidas pela tragédia. A talidomida atingiu famílias em mais de 45 países. FONTE: <https://bbc.in/3skvEvc>. Acesso em: 5 ago. 2021. INTERESSANTE Após a Segunda Guerra Mundial, a toxicologia experimentou notável desenvolvimento, principalmente, a partir da década de 1960, deixando de ser a ciência envolvida, apenas, com o aspecto forense. Hoje, a ênfase é voltada à avaliação de segurança e de risco para a utilização de substâncias químicas. Ainda, à aplicação de dados gerados em estudos toxicológicos para o controle regulatório de substâncias químicas no alimento, no ambiente, nos locais de trabalho etc. Os estudos de carcinogenicidade, mutagenicidade, teratogenicidade, incluindo os aspectos preventivos, preditivos e comportamentais de substâncias químicas, são alguns exemplos de tópicos da toxicologia contemporânea (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2013). 3 INTOXICAÇÃO Intoxicação é um processo patológico causado por substâncias endógenas ou exógenas, caracterizado pelo desequilíbrio fisiológico, consequente das alterações bioquímicas no organismo. O processo de intoxicação é evidenciado por sinais e sintomas, ou mediante dados laboratoriais, e pode ser desdobrado em quatro fases: exposição, toxicocinética, toxicodinâmica e clínica (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). 9 • Fase de exposição: é a fase em que a superfície externa, ou interna, do organismo entra em contato com o toxicante. É importante considerar, nesta fase, a via de introdução, a frequência e a duração da exposição, as propriedades físico-químicas, além da dose, ou da concentração do xenobiótico, e da suscetibilidade individual. • Fase de toxicocinética: inclui todos os processos envolvidos na relação entre a disponibilidade química e a concentração dos agentes nos diferentes tecidos do organismo. Intervêm, nesta fase, a absorção, a distribuição, o armazenamento, a biotransformação e a excreção das substâncias químicas. As propriedades físico- químicas dos toxicantes determinam o grau de acesso aos órgão-alvos, assim como a velocidade de eliminação no organismo. • Fase toxicodinâmica: compreende a interação entre as moléculas do toxicante e os sítios de ação, específicos ou não, dos órgãos, e, consequentemente, a alteração do equilíbrio homeostático. • Fase clínica: demonstra evidências de sinais e sintomas, ou, ainda, alterações patológicas detectáveis mediante provas diagnósticas, caracterizando os efeitos nocivos provocados pela interação do toxicante com o organismo. 4 TOXICOCINÉTICA A toxicocinética é o estudo do comportamento de um agente nos diferentes compartimentos do organismo, dependentes dos processos de absorção, distribuição e eliminação. O efeito tóxico é, geralmente, proporcional à concentração do agente no sítio molecular de ação, o tecido-alvo. Entretanto, há uma dificuldade de determinar a concentração no sítio de ação, por isso, quantifica-se a concentração do agente tóxico no sangue, predominantemente, no plasma, que constitui o tecido acessível e em constante comunicação com os tecidos-alvo (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2013). FIGURA 2 – FASES DA INTOXICAÇÃO FONTE: Adaptada de Ruppenthal (2013) 10 Tecido-alvo: órgão ou sítio no qual uma determinada substância química tem efeito. NOTA Qualquer substância precisa ultrapassar certas barreiras físicas, químicas e biológicas para alcançar os locais de ação moleculares e celulares. O revestimento epitelial do trato gastrointestinal, e outras membranas mucosas, representam um tipo de barreira; são, também, encontrados outros tipos de barreiras após a penetração dessas substâncias no sangue e vasos linfáticos (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). Boa parte desses agentes que circulam no sangue deve se distribuir para tecidos locais, um processo que pode ser impedido por determinadas estruturas, como pela barreira hematoencefálica. Na maioria das vezes, essas substâncias ultrapassam o compartimento intravascular nas vênulas pós-capilares, nas quais existem lacunas maiores entre as células endoteliais, o que permite a passagem delas (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). A principal barreira biológica encontrada no nosso organismo são as membranas com bicamada fosfolipídica. Essas membranas contêm uma camada de lipídios hidrofóbicos e possuem uma superfície hidrofílica em contato com os ambientes extracelular e intracelular aquosos. Os principais componentes lipídicos das membranas biológicas consistem em moléculas anfifílicas, incluindo fosfolipídios, colesterol e outros componentes de menor relevância (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2013). Os xenobióticos atravessam as membranas por diferentes mecanismos, dependendo das propriedades físico-químicas. No entanto, boa parte da distribuição de uma substância ocorre por difusão passiva, cuja velocidade é afetada por condições iônicas e celulares locais (DINIS-OLIVEIRA; CARVALHO; BASTOS, 2018). O transporte passivo é o mecanismo dependente do gradiente de concentração e das características físico-químicas dos agentes químicos. Esse processo compreende a filtração, que é a passagem de moléculas polares, hidrossolúveis, pelos poros aquosos da membrana; e a difusão lipídica, que é a passagem de moléculas hidrofóbicas pela difusão de membranas. Ainda, agentes químicos podem ser transportados por carregadores nas membranas celulares sem, contudo, haver consumo de energia. Por essa última razão, esse transporte é denominado de difusão passiva (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2013). Além do transporte ativo, é possível que determinada substância ultrapasse a membrana através do transporte ativo. O transporte ativo é caracterizado pelo consumo de energia, movimento de substância contra o gradiente de concentração e existência de proteínas carreadoras de moléculas. 11 4.1 ABSORÇÃO A absorção é a passagem de substâncias do local de contato para a circulação sanguínea. As principais vias de exposição aos agentes tóxicos, no organismo, são a dérmica, a oral e a respiratória. Outras vias, como a intramuscular, a intravenosa e a subcutânea, constituem meios normais de introdução de agentes medicamentosos que, dependendo da dose, das condições fisiológicas ou da doença do paciente, podem produzir efeitos adversos acentuados, com lesões graves em diversos órgãos. É importante ressaltar que, pela via intravenosa, não existe absorção, já que as substâncias alcançam, diretamente, a circulação sistêmica, sendo, essa via de administração, relevante para alguns fármacos e drogas de abuso, como o cloridrato de cocaína. 4.1.1 Absorção via dérmica A pele é um órgão formadopor múltiplas camadas de tecidos e contribui com cerca de 10% do peso corpóreo. No estado íntegro, a pele constitui uma barreira efetiva contra a penetração de substâncias químicas exógenas. No entanto, alguns xenobióticos podem sofrer absorção cutânea, dependendo de fatores, como a anatomia e as propriedades fisiológicas da pele e físico-químicas dos agentes (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). Os efeitos dos agentes tóxicos, na pele, podem ser tópicos ou sistêmicos. Efeitos tópicos são a corrosão, a sensibilização e a mutação. Efeitos sistêmicos podem resultar da ação do toxicante em tecidos distantes. FIGURA 3 – PRINCIPAIS VIAS DE EXPOSIÇÃO FONTE: CRFRN (2020, p. 18) 12 A via dérmica é a porta de entrada mais frequente das intoxicações por agrotóxicos, pois a contaminação ocorre nas mãos, braços, pescoço, face e couro cabeludo, pela absorção de respingos, névoa de pulverização e uso de roupas contaminadas. Os fatores ligados à absorção via dérmica são tempo de exposição, hidro ou lipossolubilidade, tamanho da molécula, temperatura do corpo e do ambiente, volatilidade, dentre outros (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). 4.1.2 Absorção pelas vias respiratórias A via respiratória é muito importante para a toxicologia ocupacional, visto que muitas intoxicações ocupacionais são decorrentes da aspiração de substâncias contidas no ar. A absorção pela via respiratória é uma via importante de entrada de partículas sólidas ou líquidas suspensas no ar atmosférico, além de gases e substâncias voláteis, que podem passar pelas fossas nasais, faringe, laringe, brônquios, traqueia e alvéolos pulmonares, alcançando a circulação sistêmica (DINIS-OLIVEIRA; CARVALHO; BASTOS, 2018). O fluxo sanguíneo contínuo exerce uma boa ação de dissolução, e muitos agentes químicos podem ser absorvidos rapidamente, a partir dos pulmões. A retenção parcial, ou total, dos agentes, nas vias superiores, está ligada ao diâmetro da partícula, hidrossolubilidade, condensação e temperatura. Geralmente, as partículas com diâmetro maior do que 30 µm ficarão retidas nas regiões menos profundas do trato respiratório. Também, quanto maior a solubilidade em água, maior será a tendência de ser retido no local. 4.1.3 Absorção via oral, digestiva ou gastrintestinal No trato gastrintestinal (TGI), um agente tóxico poderá sofrer absorção desde a boca até o reto. Poucas substâncias sofrem a absorção na mucosa oral, porque o tempo de contato, nesse local, é pequeno. Estudos experimentais, no entanto, mostram que a cocaína, a estricnina, a atropina e vários opioides podem sofrer absorção na mucosa bucal. Não sendo absorvido na mucosa oral, o toxicante poderá sofrer absorção na porção do TGI, onde existir a maior quantidade da forma dele não ionizada (lipossolúvel). Um dos fatores que favorece a absorção intestinal de nutrientes e xenobióticos é a presença de microvilosidades, que proporcionam uma grande área de superfície (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). A absorção oral, em especial, é uma via relevante para diferentes classes de xenobióticos. A ingestão pode ser acidental, por meio de água ou de alimentos contaminados, ou voluntária, no ato suicida ou na ingestão de drogas ou fármacos de abuso por indivíduos dependentes. 13 4.2 DISTRIBUIÇÃO Os xenobióticos são transportados pelo sangue e pela linfa para diversos tecidos. Portanto, a distribuição depende dos fluxos sanguíneo e linfático nos diferentes órgãos, além de sofrer interferência de outros fatores, como ligação às proteínas plasmáticas, diferenças regionais de pH e coeficiente de partição óleo/água de cada substância. O equilíbrio de distribuição é atingido, mais facilmente, nos tecidos que recebem grande circulação dos fluidos (coração, cérebro e fígado), e, mais lentamente, nos órgãos pouco irrigados (ossos, unhas, dentes e tecido adiposo) (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2013). As partículas, ou moléculas de substâncias tóxicas, passam do leito vascular para os espaços extracelulares, dispensando-se no fluido intersticial, e devem atravessar as membranas celulares para alcançar o fluido intracelular. A intensidade e a duração do efeito tóxico dependem da concentração do agente nos sítios de ação. Para alcançar o sítio de ação, a substância deve estar, preferencialmente, no estado molecular lipossolúvel dela, e não ligada a proteínas plasmáticas (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). Na fase inicial da distribuição, os órgãos, altamente, irrigados recebem uma grande quantidade de xenobióticos, mas, após algum tempo, órgãos pouco irrigados podem acumular uma maior quantidade do agente, desde que possuam grande afinidade ou poder de retenção em comparação aos órgãos, intensamente, irrigados. Estes são chamados de tecidos de depósito. É o caso, por exemplo, do chumbo: duas horas após a administração dele em animais, 50% da dose está no fígado; com 30 dias, 90% do metal que permanece no organismo está ligado ao tecido ósseo. Por fim, é liberado continuamente, à medida que a concentração plasmática diminui. Ainda, especificadamente, a respeito do chumbo, a intoxicação pode permanecer por muitos anos, uma vez que a meia-vida de eliminação dele tem cerca de 20 a 30 anos. Agentes lipofílicos, como alguns anestésicos e pesticidas, acumulam- se no tecido adiposo, e, se houver mobilização rápida de gordura, as concentrações aumentam e podem ser determinantes para a toxicidade (DINIS-OLIVEIRA; CARVALHO; BASTOS, 2018). 4.3 BIOTRANSFORMAÇÃO Biotransformação é toda alteração que ocorre na estrutura química da substância no organismo. A biotransformação pode ocorrer em qualquer órgão ou tecido orgânico, como no intestino, rins, pulmões, pele, testículos, placenta etc. No entanto, a grande maioria das substâncias, sejam elas endógenas ou exógenas, é biotransformada no fígado. A biotransformação de xenobióticos é catalisada por 14 enzimas inespecíficas, as quais metabolizam substâncias endógenas que, também, devem sofrer biotransformação para a renovação. As reações de biotransformação são divididas em reações de Fase I e II. As reações de Fase I – oxidação, redução e hidrólise – conferem polaridade aos xenobióticos por expor ou inserir grupamentos sulfidrila, hidroxila, amina ou carboxila, os quais geram o aumento da hidrofilicidade. As reações de Fase II – glicuronidação, sulfatação, acetilação, metilação, conjugação com a glutationa e com aminoácidos – são caracterizadas pela incorporação de cofatores endógenos às moléculas provenientes da Fase I (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). 4.4 EXCREÇÃO Excreção é o processo pelo qual uma substância é eliminada do organismo. Os agentes tóxicos são excretados por diferentes vias, e, na maioria das vezes, sob forma de produtos mais hidrossolúveis, após a biotransformação. As vias de excreção mais representativas são a urinária, a fecal e a pulmonar. A urina excreta substâncias hidrossolúveis, enquanto as fezes carregam substâncias não absorvidas no trato digestivo e os produtos excretados pela bile. A via pulmonar é a responsável pela excreção de gases e de vapores. 5 TOXICODINÂMICA A toxicodinâmica estuda os mecanismos da ação tóxica exercida por substâncias químicas sobre o sistema biológico, sob os pontos de vista bioquímico e molecular. Pelo elevado número de agentes químicos com potencial tóxico, os mecanismos de ação são os mais diversos. Obviamente, o efeito toxico depende, primordialmente, de o agente alcançar e permanecer no sítio de ação. Dessa forma, os fatores que facilitam a absorção, a distribuição para o sítio-alvo, a biotransformação, caso o agente tóxico seja produto dessas reações, ou que impeçam a eliminação É muito importante que você compreenda o caminho que os xenobióticos percorrem no nosso organismo, especialmente, o processo de excreção, visto que, em alguns casos de intoxicação, são administradas substâncias para aumentar a excreção daquela substância tóxica. Veremos mais detalhes adiante! ATENÇÃO 15 dele, facilitam o alcancedo agente químico no sítio de ação. Nesse local, a molécula ativa interage com o sítio molecular por meio de diferentes reações, as quais são determinadas pelas características físico-químicas e estruturais do agente químico e do sítio molecular (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). No caso dos medicamentos, é importante ressaltar, além de diferenciar os conceitos de reações adversas e intoxicação medicamentosa. As reações adversas, não desejadas, são aquelas provocadas por doses terapêuticas do medicamento e ocorrem pelo fato de o medicamento nem sempre possuir seletividade para um único alvo molecular, ou porque esse alvo se encontra distribuído em diferentes tecidos do organismo. A intoxicação medicamentosa é decorrente de dose excessiva, seja ela acidental ou intencional (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2013). As toxicidades provocadas por xenobióticos podem ser classificadas em agudas e crônicas, conforme o número e a persistência da exposição do sistema biológico ao agente. A intoxicação aguda é decorrente de uma única exposição ou de exposições múltiplas ao agente tóxico em um período de 24 horas. Os efeitos surgem de imediato ou no decorrer de alguns dias, no máximo, duas semanas. Já a intoxicação crônica é caracterizada por exposições contínuas, e os sinais e sintomas durante um longo período, até anos. Experimentalmente, a avaliação da toxicidade aguda de xenobióticos é feita se utilizando, pelo menos, três espécies animais, sendo, uma delas, não roedora. Geralmente, após a administração de uma única dose, os animais são observados quantos aos sinais e sintomas de intoxicação e ao percentual de mortalidade para o cálculo de doses letais. Os parâmetros mais utilizados para expressar o grau de toxicidade aguda de substâncias químicas são a DL50 (dose letal 50%) e a DL10 (dose letal 10%), os quais correspondem às doses que, provavelmente, matam, respectivamente, 50% e 10% de um lote de animais utilizados para os ensaios experimentais (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). 5.1 SELETIVIDADE DE AÇÃO Todas as substâncias químicas tóxicas produzem efeitos, alterando as condições fisiológicas e bioquímicas normais das células. Quando falamos da seletividade de ação, há algumas diferenças bioquímicas e fisiológicas, dependendo da espécie na qual a substância está sendo administrada ou entrando em contato. Na agricultura, por exemplo, usam-se praguicidas seletivos para combater certos fungos e insetos, sem causar danos significativos a outras espécies vivas. Ademais, a toxicidade seletiva de certos inseticidas, usados em forma de spray, reside no fato de os insetos absorverem uma maior quantidade do que o homem, pela maior área de superfície de contato em relação à massa corporal (DINIS-OLIVEIRA; CARVALHO; BASTOS, 2018). 16 Na medicina, os antibióticos são úteis pela toxicidade seletiva que possuem sobre os micro-organismos causadores de doenças. As penicilinas e as cefalosporinas agem, seletivamente, sobre as paredes celulares presentes nas bactérias, mas ausentes nas células animais. Alguns agentes químicos, por características físico-químicas, possuem seletividade específica para determinados tecidos nos quais se acumulam (tecidos de depósito). É o caso do flúor, que, em concentrações acima das permitidas, interage com a matriz óssea, conferindo fragilidade ao tecido. É importante ressaltar que a intensidade de intoxicação depende, também, do tecido atingido. Os tecidos epiteliais, incluindo o fígado, têm capacidade de regeneração em resposta a uma perda de massa tecidual, enquanto outros tecidos, como células nervosas, possuem capacidade de regeneração mais limitada. Para fixarmos esse conteúdo de seletividade de ação, é só pensarmos no chocolate. O chocolate, para seres humanos, não traz nenhum efeito tóxico. No entanto, para animais, o chocolate é um grande vilão. O composto teobromina, presente no chocolate, é um potente diurético, vasodilatador, cardiotóxico e neurotóxico para animais. INTERESSANTE 17 Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como: • Quanto maior a dose e a intensidade de exposição, maior a gravidade da intoxicação. • Para alcançar os tecidos-alvo, os xenobióticos precisam atravessar algumas barreiras químicas, físicas e biológicas. • A absorção é uma das etapas da toxicocinética. As principais vias de absorção são: dérmica, oral e respiratória. • A distribuição é a fase na qual os xenobióticos migram para os tecidos. Quanto mais irrigado for o órgão, mais rápida será a distribuição. • Na fase da biotransformação, ocorre a modificação da estrutura química da substância. • A última fase da toxicocinética é a excreção dos xenobióticos. As principais vias são: urinária, fecal e pulmonar. • A toxicodinâmica estuda os mecanismos de ação empregados pelos xenobióticos no nosso organismo. RESUMO DO TÓPICO 1 18 1 Por milhares de anos, os venenos e o estudo deles (toxicologia) teceram uma rica malha de experiências humanas. Sócrates foi morto envenenado com cicuta; Cleópatra usou uma serpente africana para se suicidar; a intoxicação com chumbo pode ter contribuído para o declínio do império romano; Marilyn Monroe, Elvis Presley e o ator Health Ledger morreram com doses excessivas de medicamentos sujeitos à prescrição obrigatória. A respeito dos conceitos básicos de toxicologia, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) São raras as substâncias consideradas tóxicas, visto que boa parte delas necessita de prescrição médica. b) ( ) As toxinas podem ser inaladas, aspiradas, ingeridas por via oral, injetadas ou absorvidas pela pele. c) ( ) A DL50 é uma das principais técnicas utilizadas para avaliar a toxicidade de uma substância em seres humanos. d) ( ) Os toxicantes podem se acumular em maior ou menor concentração, dependendo do local. Fígado, coração e pulmão são órgãos considerados como depósito de xenobióticos. 2 A toxicologia é a ciência que estuda os efeitos nocivos decorrentes das interações das substâncias químicas com o organismo. A toxicologia abrange uma vasta área de conhecimento, na qual atuam profissionais de diversas formações: química toxicológica, toxicologia farmacológica, clínica, forense, ocupacional, ambiental, aplicada a alimentos, analítica, experimental, dentre outras áreas. A toxicidade, que resulta de exposições contínuas, e se estende por períodos de dias, meses ou anos, causando danos para a pele, mucosas e tecido hepático, é classificada como: a) ( ) Persistente. b) ( ) Aguda sistêmica. c) ( ) Crônica local. d) ( ) Crônica sistêmica. 3 A toxicocinética estuda o que o organismo faz com os xenobióticos, ao passo que a toxicodinâmica descreve o que os xenobióticos fazem no organismo. Dependendo das variáveis farmacocinéticas, os indivíduos podem adotar diferentes vias de administração, dosagem e frequência de uso. De acordo com o que vimos a respeito da toxicocinética, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: ( ) A distribuição é o processo pelo qual um xenobiótico abandona o leito vascular e entra no interstício (líquido extracelular), e, então, nas células dos tecidos. AUTOATIVIDADE 19 ( ) Na via dérmica, não há absorção, já que as substâncias alcançam, diretamente, a circulação sistêmica. ( ) A saída do xenobióticos do organismo ocorre por inúmeras vias, sendo a eliminação urinária a mais importante. Indivíduos com disfunção renal têm uma maior facilidade de excretar os xenobióticos, diminuindo os riscos de intoxicação. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V – F – V. b) ( ) V – F – F. c) ( ) F – V – F. d) ( ) F – F – V. 4 A automedicação é caracterizada pelo uso de medicamentos escolhidos pelo próprio indivíduo, comumente, indicados por pessoas não habilitadas no âmbito da saúde, como amigos, vizinhos e familiares, ou seja, ocorrendo sem orientação médica, farmacêutica, odontológica ou profissional de saúde qualificado. Assim, é importante frisar que doençasdiferentes podem apresentar sintomas similares ou iguais. Dessa forma, se levarmos em conta que cada organismo possui características diferentes, logo, pode-se apresentar reações diferentes para um mesmo medicamento. Neste contexto, descreva a diferença entre reações adversas e intoxicação medicamentosa. 5 A toxicocinética é o estudo do comportamento de um agente nos diferentes compartimentos do organismo. Para alcançar o tecido-alvo, esses agentes precisam atravessar várias membranas biológicas. Essa passagem ocorre por diversos meios de transporte. Assim, descreva os principais meios de transporte utilizados pelos xenobióticos. 20 21 AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE 1 INTRODUÇÃO Acadêmico, no Tópico 2, abordaremos como avaliar o grau de uma intoxicação. A toxicidade de uma substância, para um organismo vivo, pode ser considerada como a capacidade de lhe causar dano grave ou morte. Princípio fundamental para que o dano aconteça é que haja interação do agente químico com o organismo. A relação entre a intensidade do efeito, a concentração e o tempo de exposição dependem da idade e das condições de saúde do indivíduo ou do organismo exposto. Em virtude de o embrião e o feto serem, particularmente, sensíveis, as gestantes devem tomar cuidados especiais, evitando a exposição a substâncias, potencialmente, tóxicas. A suscetibilidade individual, também, deve ser considerada, em função de fenômenos, como polimorfismos genéticos, os quais podem proporcionar diferentes graus de toxicidade em indivíduos da mesma espécie. Uma substância, altamente, tóxica, pode promover um efeito tóxico quando empregada em pequenas quantidades, enquanto substâncias de baixa toxicidade necessitam de altas doses para promover o mesmo efeito. Entretanto, algumas substâncias com baixa toxicidade aguda podem promover efeitos carcinogênicos e teratogênicos com doses que não produzam qualquer efeito tóxico agudo. A exposição depende da dose (ou concentração) do agente químico envolvido e do tempo de interação com o organismo. A avaliação da exposição é realizada pela medida da dose administrada ou da concentração a que um organismo vivo é submetido. Para exercer o efeito tóxico, é fundamental que haja interação do agente químico com o organismo, de modo a exercer o efeito a níveis tecidual e celular. É, portanto, fundamental considerar que o efeito tóxico só deve ocorrer se a substância química estiver biodisponível para atingir o (s) órgão (s)-alvo e em concentração suficiente para promover o efeito (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). Um dos maiores problemas, para a definição do nível de exposição aceitável, está em se estabelecer o que deve ser considerado como dano, ou efeito adverso. Um efeito adverso, ou tóxico, é definido como uma alteração anormal, indesejável ou nociva após a exposição a substâncias, potencialmente, tóxicas. A morte é o efeito adverso mais drástico. Efeitos adversos incluem alteração no consumo de alimentos, variação no peso corporal ou de órgãos, alterações anatomopatológicas ou de níveis enzimáticos. UNIDADE 1 TÓPICO 2 - 22 2 AVALIAÇÃO DE RISCO Na toxicologia, conceitua-se, como perigo, a capacidade de uma substância de causar um efeito adverso, e, como risco, a probabilidade de um evento nocivo ocorrer, devido à exposição a um agente químico e/ou biológico. A avaliação do risco é um processo sistemático pelo qual o perigo, a exposição e o risco são identificados e quantificados. Também, é definida como a caracterização sistemática e científica dos efeitos adversos resultantes da exposição humana aos agentes químicos. Baseado nos resultados dessa avaliação e levando em consideração outros fatores, como os benefícios para a sociedade, um processo de tomada de decisão deve ser estabelecido no sentido de reduzir, ao mínimo, o risco que determinada substância química possa exercer para a saúde do homem. Avaliação de risco não é uma fórmula, ou número, mas, sim, um delineamento analítico, que define o tipo de dado e a metodologia que são empregados para se avaliar o risco. A partir dela, também, devem ser detalhadas as incertezas e os problemas associados a uma determinada avaliação (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2013). Dessa maneira, a avaliação do risco depende do potencial do agente químico para causar danos (toxicidade) e das condições e intensidade de exposição. Por exemplo, sabemos que o Sol emite radiações UVA e UVB, assim, a radiação solar é considerada um perigo. O que vai determinar se ela pode causar um risco é a intensidade e o horário de exposição; a utilização, ou não, de filtro solar, dentre outros fatores. Com relação à intensidade de exposição, o fracionamento da dose total reduz a probabilidade de que o agente venha a causar efeitos tóxicos. A razão, para isso, é que o corpo pode reparar o dano, ou neutralizar o efeito de cada dose subtóxica se ocorrer um intervalo de tempo suficiente até a próxima dose. Em tais casos, a dose total, que seria muito tóxica se recebida toda de uma vez, passa a ser pouco, ou não tóxica, se administrada em determinado período de tempo. Por exemplo, 30 mg de estricnina ingerida de uma só vez pode ser fatal para um adulto, enquanto 3 mg ingeridas a cada dia, por dez dias, podem não ser fatais (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). Estricnina: é um alcaloide cristalino muito tóxico. Foi muito usado como pesticida, principalmente, para matar ratos, porém, devido à alta toxicidade dele, não só em ratos, mas em vários animais e em seres humanos, o uso é proibido em muitos países. NOTA 23 Também, pode-se dizer que, nem sempre, a substância com forte toxicidade será a de maior risco. Tudo dependerá das condições de contato com a substância. Por exemplo, podemos ter agentes de alta toxicidade e baixo risco, ou, ainda, agentes de baixa toxicidade e alto risco. A exposição simultânea a várias substâncias pode alterar uma série de fatores (absorção, ligação proteica, metabolização e excreção) que influenciam na toxicidade de cada uma delas separadamente. Assim, a resposta final aos tóxicos combinados pode ser maior ou menor do que a soma dos efeitos de cada um deles, podendo-se ter (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014): • Efeito aditivo: quando o efeito final é igual à soma dos efeitos de cada um dos agentes envolvidos. • Efeito sinérgico: quando o efeito final é maior do que a soma dos efeitos de cada agente separado. • Potencialização: quando o efeito de um agente é aumentado se combinado com outro agente. • Antagonismo: quando o efeito de um agente é diminuído, inativado ou eliminado se combinado com outro agente. • Reação idiossincrática: é uma reação anormal a certos agentes tóxicos. Nesses casos, o indivíduo pode apresentar uma reação adversa a doses, extremamente, baixas (doses consideradas não tóxicas), ou apresentar tolerância surpreendente a doses consideradas altas, ou, até mesmo, letais. • Reação alérgica: é uma reação adversa que ocorre após uma prévia sensibilização do organismo ao agente tóxico. Na primeira exposição, o organismo, após incorporar a substância, produz anticorpos. Estes, após atingir uma determinada concentração no organismo, ficam disponíveis para provocar reações alérgicas no indivíduo, sempre que houver uma nova exposição àquele agente tóxico. Inicialmente, para caracterizar o risco, é necessário identificar o perigo. Para isso, são utilizados, principalmente, os dados provenientes de estudos em animais de experimentação, e, se disponíveis, de estudos conduzidos em humanos (estudos clínicos ou estudos epidemiológicos em populações expostas), estudos toxicológicos in vitro, ex vivo e estudos de relação estrutura-atividade. Diferença entre in vitro e ex vivo: in vitro é traduzido, do latim, como “em vidro”. Esse método de teste envolve experimentos em matéria biológica (células ou tecidos) fora de um organismo vivo. Em contraste, ex vivo significa “fora de um corpo vivo”. Nesse tipo de experimento, os tecidos vivos não são criados artificialmente,mas retirados, diretamente, de um organismo vivo. O experimento é, então, conduzido, imediatamente, para um ambiente de laboratório, com alteração mínima das condições naturais do organismo. ATENÇÃO 24 Nas experimentações realizadas com animais (toxicidades aguda, subaguda, crônica, carcinogenicidade, toxicidade para a reprodução e para o desenvolvimento intrauterinos, neurotoxicidade etc.), a abordagem tradicional determina o limiar de toxicidade (threshold) pelo estabelecimento do nível de dose, a partir do qual não são observados efeitos adversos (NOAEL, do inglês No Observable Adverse Effect Level), e da menor dose, a partir da qual são observados efeitos adversos (LOAEL, do inglês Lowest Observed Adverse Effect Level). A determinação dessa dose limiar é ditada pela seleção de doses do estudo de toxicidade (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). Além de identificar o perigo, é necessário caracterizá-lo. Nesse caso, o objetivo é quantificar o perigo, descrito na etapa anterior, como identificação do perigo, e embasar a seleção dos endpoints (efeitos críticos) de relevância e dos níveis de dose, a partir dos quais não são observados efeitos adversos (NOAEL), que, por sua vez, deverão ser utilizados no processo de caracterização do risco à saúde humana da população-alvo. Os diversos endpoints de toxicidade podem incluir efeitos cancerígenos, genotóxicos, toxicidade sobre a reprodução e sobre o desenvolvimento intrauterino, desregulação endócrina, neurotoxicidade, imunotoxicidade etc. 3 MUTAGÊNESE E CARCINOGÊNESE Como vimos anteriormente, o risco está relacionado à probabilidade de um evento nocivo ocorrer. Um fator de risco para o câncer, quando presente, aumenta a probabilidade de ocorrência da doença numa dada população, e, quando removido, torna esse efeito menos provável. O surgimento de câncer envolve desde fatores ambientais, hábitos alimentares, estilo de vida, exposição a agente físicos e químicos, mas o ponto principal envolve alterações genéticas, principalmente, processos de mutagênese. Agentes mutagênicos são, frequentemente, carcinogênicos. Contudo, qual é a relação da toxicologia com o câncer? GRÁFICO 1 – NOAEL E LOAEL FONTE: <https://i.imgur.com/6iT5GaQ.png>. Acesso em: 30 nov. 2021. 25 QUADRO 1 – PRINCIPAIS MUTAÇÕES GENÉTICAS FONTE: Adaptado de Oga, Camargo e Batistuzzo (2014) A toxicologia experimental, principalmente, realiza os testes toxicológicos preditivos, que permitem a avaliação do potencial carcinogênico de substâncias a que o homem, ainda, não foi exposto, isto é, novos produtos, como medicamentos, pesticidas, aditivos alimentares, cosméticos, e assim por diante. Essa investigação prévia de segurança, durante o desenvolvimento de inovações na área químico-farmacêutica, destina-se a evitar que os produtos criados pelo homem venham a constituir novos fatores de risco para o câncer. 3.1 MUTAGÊNESE Mutação é uma alteração súbita do material genético que é transmitida à descendência. Dependendo da linhagem celular em que ocorra, germinativa ou somática, a mutação passará, respectivamente, às novas gerações, ou células-filhas. A análise genética das mutações, no homem, é baseada em heredogramas, e, nos animais de laboratório, em esquemas específicos de cruzamentos entre animais com diferentes fenótipos. De modo geral, é possível estabelecer se a mutação é dominante ou recessiva e se está localizada em cromossomos autossômicos ou sexuais. Há exemplos clássicos de heredogramas de famílias nas quais foi possível identificar, além do tipo de herança, o indivíduo no qual ocorreu a mutação (ANDRADE FILHO; CAMPOLINA; DIAS, 2013). Veja, no Quadro 1, as principais mutações relacionadas com doenças genéticas: MUTAÇÃO CARACTERÍSTICA Mutação pontual Afetam um único par de bases. Esse grupo inclui as substituições, perdas e adições de bases. Mutação induzida Ocorrem devido a exposição a agentes denominados mutagênicos, como agentes químicos (ácido nitroso, etiletanossulfonato) e físicos (radiações ionizantes e UV). Mutação com troca de sentido (missense) Há modificação da proteína codificada pelo gene mutante, pois a substituição de um par de bases altera o sentido de um códon, levando a substituição de um aminoácido. Mutação sem sentido (nonsense) A mutação gera o aparecimento de um códon sinalizador de finalização de transcrição e aborta o RNA mensageiro precocemente, resultando no aparecimento de fragmentos não funcionais do polipeptídio. Mutação silenciosa A mutação pode alterar o códon para um sinônimo, de modo que o mesmo aminoácido será codificado. 26 3.2 CARCINOGÊNESE O processo de carcinogênese envolve interações complexas entre vários fatores, exógenos (ambientais) e endógenos (genéticos, hormonais etc.). As alterações que ocorrem em uma célula, durante o processo de transformação maligna, são de natureza genética (mutação) ou epigenética (alteração no padrão de expressão gênica decorrente de outros fatores que não mutação). Considerando a carcinogênese como um processo de múltiplas etapas, envolvendo várias alterações tipo mutação, esses erros teriam efeito cumulativo durante a vida do indivíduo, até a expressão do fenótipo final (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). Algumas substâncias agem de tal modo que é, praticamente, certo que a pessoa exposta a uma determinada dose venha a desenvolver câncer. É o caso do composto 2-naftilamina, usado na indústria química. Na Inglaterra, no início do século, todos os homens de uma fábrica que a destilavam desenvolveram câncer de bexiga. Do mesmo modo, o câncer de pulmão, frequentemente, desenvolve-se após, pelo menos, dez anos de intensa exposição ao fumo. A incidência de leucemias, em Hiroshima e Nagasaki, aumentou cinco anos após a explosão da bomba atômica, atingindo o pico após oito anos (DINIS-OLIVEIRA; CARVALHO; BASTOS, 2018). Indivíduos portadores do vírus da hepatite B apresentam risco 200 vezes maior do que os não portadores de desenvolver hepatocarcinomas. Do mesmo modo, o vírus Epstein-Barr tem sido associado à etiologia do linfoma de Burkitt. Alguns agrotóxicos podem, também, induzir o aparecimento de câncer, de doenças reprodutivas e degenerativas. Essas adversidades decorrem do fato de alguns componentes químicos, presentes nos agrotóxicos, apresentarem características genotóxicas e/ou mutagênicas, que os tornam capazes de interagir com o DNA, o que pode promover, por exemplo, alterações numéricas ou estruturais nos cromossomos, ativação ou inativação de genes. Segundo a International Agency for Research on Cancer (IARC) ([20--] apud INCA, 2013), há uma classificação para determinar agentes carcinogênicos: • Grupo 1 – o agente é carcinogênico para humanos (evidências suficientes de carcinogenicidade em humanos). • Grupo 2A – o agente é, provavelmente, carcinogênico para humanos (evidências limitadas de carcinogenicidade em humanos e suficientes evidências em experiências animais). • Grupo 2B – o agente pode vir a ser carcinogênico para humanos (evidências inadequadas de carcinogenicidade em humanos, mas suficientes em animais, ou evidências limitadas em humanos e insuficientes em animais). 27 • Grupo 3 – o agente não pode ser classificado como carcinogênico para humanos. • Grupo 4 – o agente não é, provavelmente, carcinogênico para humanos (evidências indicam que não é carcinogênico em animais). Vários testes foram criados para avaliar o potencial mutagênico de agentes químicos e físicos, utilizando diferentes sistemas biológicos, desde bactérias até células humanas, in vivo. Do mesmo modo, é importante a avaliação do potencial carcinogênico desses agentes, embora os testes específicos, para isso, sejam limitados. Os roedores têm sido, grandemente, empregados, principalmente, para a avaliação de compostos fabricados pelo homem. Esses testes são demorados, caros e fornecem dados nem sempre válidos para a espécie humana. Um dos problemas é a dificuldade em se estabelecer a equivalência entre as
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