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Autora: Profa. Alessandra Lucca Colaboradoras: Profa. Mônica Teixeira Profa. Carolina Kurashima Nutrição no Esporte Professora conteudista: Alessandra Lucca Graduada em Nutrição pela Universidade de São Paulo (USP-1996), mestre em Nutrição em Saúde Pública (USP- 2000) e doutora em Nutrição em Saúde Pública (USP-2006). Aprimorada em transtornos alimentares pelo Programa de Transtornos Alimentares (Ambulim) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP (2018/2019). Foi coordenadora auxiliar do curso de Nutrição da Universidade Paulista (UNIP). É professora titular na UNIP desde 2009, dos cursos de Nutrição e Enfermagem. Foi docente no curso de pós-graduação em Esportes de Aventura da Uni-FMU. Também foi docente da disciplina de Nutrição Esportiva no curso de Educação Física do Centro Universitário FIG-Unimesp por 10 anos. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) L934n Lucca, Alessandra. Nutrição no Esporte / Alessandra Lucca. – São Paulo: Editora Sol, 2022. 160 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Metabolismo. 2. Refeições. 3. Suplementos. I. Título. CDU 796:612.39 U514.02 – 22 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Sandra Miessa Reitora em Exercício Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades do Interior Unip Interativa Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Jaci Albuquerque de Paula Vitor Andrade Sumário Nutrição no Esporte APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 10 Unidade I 1 INTRODUÇÃO À TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA .................................................................................. 11 1.1 Capacidade de realizar trabalho ..................................................................................................... 12 1.2 Primeira lei da termodinâmica ....................................................................................................... 12 1.3 Fotossíntese e respiração celular ................................................................................................... 12 1.4 Metabolismo catabólico aeróbico e anaeróbico ...................................................................... 15 1.5 Combustíveis para o exercício ......................................................................................................... 15 1.6 Energia das ligações de fosfato ...................................................................................................... 16 1.6.1 Trifosfato de adenosina: a moeda corrente de energia .......................................................... 17 1.6.2 Vias de produção de ATP ...................................................................................................................... 19 1.6.3 Fosfocreatina ............................................................................................................................................ 19 1.6.4 Sistema ATP-CP (sistema imediato) ................................................................................................ 19 1.6.5 Glicólise ....................................................................................................................................................... 21 1.6.6 Produção aeróbica de ATP ................................................................................................................... 26 1.6.7 Ciclo de Krebs ........................................................................................................................................... 26 1.7 Liberação de energia pelas gorduras ............................................................................................ 29 1.8 Efeitos hormonais ................................................................................................................................ 31 1.9 Interação do metabolismo de gordura/carboidrato ............................................................... 32 1.10 Lipogênese ............................................................................................................................................ 33 1.11 Liberação de energia pelas proteínas ......................................................................................... 33 2 METABOLISMO DOS MACRONUTRIENTES NO EXERCÍCIO E NO TREINAMENTO ................... 36 2.1 Interação dos substratos ................................................................................................................... 36 2.2 Intensidade e duração do exercício x uso de substratos ...................................................... 37 2.3 Mobilização e utilização dos carboidratos durante o exercício ........................................ 39 2.4 Fadiga relacionada aos nutrientes ................................................................................................ 40 2.5 Efeito da dieta na disponibilidade de carboidratos ................................................................ 42 2.6 Mobilização e utilização das gorduras durante o exercício ................................................ 43 2.7 Treinamento aeróbico e utilização de gorduras ...................................................................... 44 2.8 Mobilização e utilização das proteínas durante o exercício ............................................... 45 3 AVALIAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL: PROTOCOLO CLÍNICO NO ESPORTE ......................... 46 3.1 Avaliação dietética ............................................................................................................................... 46 3.2 Antropometria ....................................................................................................................................... 47 3.3 Exames bioquímicos ............................................................................................................................ 48 3.4 Avaliação clínica ................................................................................................................................... 49 3.5 Meio ambiente ...................................................................................................................................... 49 3.6 Composição corporal .......................................................................................................................... 50 3.7 Impedância bioelétrica ....................................................................................................................... 51 3.8 Antropometria ....................................................................................................................................... 53 3.8.1 Equações preditivas ...............................................................................................................................54 3.8.2 Somatório de dobras cutâneas ......................................................................................................... 55 3.9 Protocolos de percentual de gordura........................................................................................... 56 3.10 Limitações do índice de massa corporal para indivíduos fisicamente ativos ............ 57 3.11 Estimativa do gasto energético na atividade física ............................................................. 58 4 RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS PARA A PESSOA FISICAMENTE ATIVA ............................... 62 4.1 Necessidades de macronutrientes ................................................................................................. 62 4.1.1 Carboidratos .............................................................................................................................................. 62 4.1.2 Proteínas ..................................................................................................................................................... 64 4.1.3 Gorduras ..................................................................................................................................................... 65 4.2 Necessidades de micronutrientes .................................................................................................. 66 4.3 Vitaminas e minerais de interesse principal no desempenho esportivo ........................ 66 4.3.1 Vitamina D ................................................................................................................................................. 67 4.3.2 Ferro ............................................................................................................................................................. 69 4.3.3 Cálcio ........................................................................................................................................................... 70 4.3.4 Antioxidantes ........................................................................................................................................... 71 Unidade II 5 PLANO ALIMENTAR DE TREINAMENTO E COMPETIÇÃO (PRÉ, DURANTE E PÓS) ................... 78 5.1 Refeições com carboidratos: antes do exercício ..................................................................... 78 5.1.1 Ingestão de carboidrato menos de 5 minutos antes do exercício ...................................... 78 5.1.2 Ingestão de carboidrato 30-60 minutos antes do exercício ................................................. 79 5.1.3 Ingestão de carboidrato 3-4 horas antes do exercício ............................................................ 80 5.1.4 Supercompensação ou carregamento de carboidratos (ingestão de carboidrato 7 dias antes do exercício) ................................................................................................................................ 80 5.2 Refeições com carboidratos: durante o exercício ................................................................... 82 5.2.1 Bochecho de carboidrato .................................................................................................................... 83 5.3 Refeições com carboidratos: após o exercício .......................................................................... 86 5.4 Índice glicêmico .................................................................................................................................... 87 5.5 Proteínas no exercício ........................................................................................................................ 88 5.5.1 Proteínas no exercício prolongado (de endurance) .................................................................. 88 5.5.2 Proteínas no treinamento de força (contrarresistência) ......................................................... 89 5.5.3 Consumo de CHO e PRO no pré-exercício e durante o exercício ....................................... 92 5.5.4 O tempo de ingestão da proteína para a adaptação metabólica ........................................ 92 5.6 Lipídios no exercício ............................................................................................................................ 96 6 TERMORREGULAÇÃO E EQUILÍBRIO HÍDRICO DURANTE O ESPORTE ........................................ 98 6.1 Equilíbrio térmico: perda de calor ................................................................................................. 98 6.1.1 Perda de calor pela radiação .............................................................................................................. 98 6.1.2 Perda de calor por condução ............................................................................................................. 99 6.1.3 Perda de calor por convecção ............................................................................................................ 99 6.1.4 Perda de calor por evaporação .......................................................................................................... 99 6.2 Consequências da desidratação ...................................................................................................100 6.3 Balanço hídrico ...................................................................................................................................100 6.3.1 Como avaliar o equilíbrio hídrico? .................................................................................................100 6.3.2 Grau de desidratação ..........................................................................................................................101 6.3.3 Taxa de sudorese ...................................................................................................................................101 6.4 Esvaziamento gástrico x densidade energética .....................................................................103 6.5 Contextualização para as recomendações atuais .................................................................103 6.6 Hidratação antes do exercício .......................................................................................................104 6.7 Hidratação durante o exercício ....................................................................................................104 6.7.1 Hiponatremia ..........................................................................................................................................105 6.8 Hidratação pós-exercício ................................................................................................................106 7 TRÍADE DA MULHER ATLETA .....................................................................................................................107 7.1 Baixa disponibilidade de energia e sua mensuração ...........................................................108 7.2 Baixa disponibilidade energética em homens atletas .........................................................109 7.3 Efeitos da baixa disponibilidade de energia na saúde ........................................................110 7.3.1 Endócrino ................................................................................................................................................. 110 7.3.2 Função menstrual ................................................................................................................................. 110 7.3.3 Saúde óssea ..............................................................................................................................................111 7.3.4 Metabolismo ............................................................................................................................................111 7.3.5 Cardiovascular .........................................................................................................................................111 7.3.6 Gastrointestinal e imunológica....................................................................................................... 112 7.3.7 Crescimento e desenvolvimento ....................................................................................................112 7.3.8 Psicológico ...............................................................................................................................................112 7.4 Desordens alimentares .....................................................................................................................113 7.5 Consequências da baixa disponibilidade energética na performance..........................113 7.6 Prevenção da deficiência de energia no esporte ...................................................................115 7.7 Tratamento de RED-S .......................................................................................................................115 7.7.1 Intervenções farmacológicas ...........................................................................................................116 7.8 Estratégias de tratamento para distúrbios alimentares e comportamento alimentar desordenado ...........................................................................................................................116 8 SUPLEMENTOS NUTRICIONAIS NO DESEMPENHO DO ATLETA ...................................................116 8.1 Recursos ergogênicos .......................................................................................................................116 8.2 Situações em que o uso de suplementos pode auxiliar no desempenho ...................117 8.3 Suplementos mais utilizados .........................................................................................................118 8.3.1 Ácido β-hidroxi-β-metilbutirato (HMB) .....................................................................................118 8.3.2 Monoidrato de creatina ..................................................................................................................... 118 8.3.3 Aminoácidos essenciais (AAE) ......................................................................................................... 120 8.3.4 Aminoácidos de cadeia ramificada (AACR ou BCAA) ............................................................ 120 8.3.5 Ácido fosfatídico ...................................................................................................................................121 8.3.6 Ácido linoleico conjugado (CLA) .................................................................................................... 122 8.3.7 Glutamina ............................................................................................................................................... 123 8.3.8 Isoflavonas .............................................................................................................................................. 124 8.3.9 Tribulus terrestris ................................................................................................................................. 124 8.3.10 Sulfato de vanadil (vanádio) ......................................................................................................... 125 8.3.11 Aspartato de zinco e magnésio (ZMA) ...................................................................................... 125 8.3.12 Beta-alanina (β-alanina) ............................................................................................................... 125 8.3.13 Cafeína ................................................................................................................................................... 127 8.3.14 L-carnitina ............................................................................................................................................ 129 8.3.15 Taurina ................................................................................................................................................... 130 8.3.16 Arginina e ornitina ............................................................................................................................ 130 8.3.17 Triglicerídeos de cadeia média ......................................................................................................131 8.3.18 Bicarbonato de sódio (NaHCO3) ...................................................................................................131 8.3.19 Nitrato e óxido nítrico ..................................................................................................................... 132 8.3.20 Whey protein ...................................................................................................................................... 134 8.3.21 Caseína ................................................................................................................................................... 135 9 APRESENTAÇÃO A disciplina de Nutrição no Esporte aborda conhecimentos específicos sobre nutrição na prática esportiva, com ênfase para esportistas e/ou atletas em treinamento físico e nas fases de competição. A disciplina também busca aprofundar os conceitos básicos de fisiologia, bioquímica dos macronutrientes e micronutrientes nas vias metabólicas e sua aplicação na performance do esportista e atleta. Como objetivo geral, essa disciplina de nutrição esportiva pretende estudar a fisiologia do exercício, compreender a bioquímica do metabolismo energético e a utilização dos macronutrientes como fonte de energia, reconhecer a bioquímica das vias metabólicas utilizadas nas diferentes modalidades de exercícios e relacionar a nutrição saudável com o desempenho físico. Além disso, visa avaliar as necessidades nutricionais e a composição corporal do esportista e/ou atleta para um planejamento nutricional e verificar a real necessidade na prescrição de suplementos esportivos. Entre os objetivos específicos, pretende-se que o aluno: • Descreva bioquimicamente as principais vias de produção de ATP a partir dos macronutrientes, identifique os substratos utilizados nos diferentes tipos de exercício. • Calcule as necessidades energéticas e nutricionais do esportista e/ou atleta. • Aponte as necessidades nutricionais no período de pré-competição, competição e pós-competição e também elabore um plano alimentar que seja adequado ao melhor rendimento nas diversas fases do treinamento. • Compreenda a importância da avaliação nutricional como uma condição para realização de atividade física do esportista e/ou atleta e para o bom desempenho físico. • Compreenda não somente o mecanismo da hidratação e termorregulação, mas sua importância no meio esportivo visando a uma boa performance. • Conheça os suplementos e as formas de suplementação e identifique as suas reais necessidades na prática esportiva. 10 INTRODUÇÃO A nutrição esportiva é a área que estuda principalmente a relação entre os nutrientes e o desempenho do atleta ou praticante de atividade física e objetiva a melhoria de desempenho físico do indivíduo. Este livro-texto é composto por duas unidades. Em cada uma serão abordados distintos conteúdos relacionados a essa disciplina de nutrição esportiva. Na unidade I, aprenderemos um pouco sobre as diferentes vias de energia utilizadas no exercício; o papel do oxigênio no metabolismo energético; a liberação de energia dos macronutrientes e o uso dos substratos energéticos de acordo com a duração, diferentes intensidades de exercício e como o treinamento interfere no uso desses substratos. Veremos também os tipos de fibras musculares e alguns aspectos sobre o sistema cardiovascular e cardiorrespiratório no que se refere à capacidade aeróbica e às adaptações promovidas pelo treinamento regular. Ainda nessa unidade aprenderemos como fazer a avaliação nutricional no atleta ou indivíduo fisicamente ativo, estimar seu gasto energético e quais os principais protocolos de percentual de gordurautilizados, bem como as recomendações nutricionais para a pessoa fisicamente ativa. Na unidade II, veremos como elaborar um plano alimentar de treinamento e competição considerando suas diferentes fases (pré, durante e pós-competição) e qual a importância do correto manejo dos macronutrientes para o bom desempenho esportivo. A hidratação também desempenha um papel importante na performance esportiva, por isso veremos sua relação com a termorregulação, as consequências da desidratação no esporte, a composição e a função das bebidas esportivas, bem como os protocolos de hidratação nas diferentes fases do exercício (pré, durante e pós). Por fim, ainda na unidade II, veremos a importância de se estudar uma síndrome conhecida como deficiência de energia relativa no esporte (RED-S), que pode comprometer a saúde e o desempenho de atletas quando a disponibilidade energética não for suficiente para assegurar suas funções fisiológicas mais básicas, e quais os suplementos nutricionais mais utilizados no meio esportivo, bem como seus efeitos ergogênicos e/ou adversos. 11 NUTRIÇÃO NO ESPORTE Unidade I A nutrição esportiva estuda a importante relação existente entre a alimentação e a atividade física, uma vez que a capacidade de rendimento físico melhora por meio de alimentação e hidratação adequadas, com a ingestão equilibrada dos macronutrientes (carboidratos, proteínas e lipídios) e micronutrientes (vitaminas e minerais). Sabe-se que uma dieta inadequada inibe a performance (mesmo em atletas bem treinados), pode facilitar o surgimento de lesões e prejudicar a saúde. Todo atleta ou praticante de atividade física necessita de níveis adequados de “combustível”, para atender às demandas energéticas e nutricionais e atrasar a fadiga, além de uma boa hidratação e nutrientes para otimizar ao máximo o desempenho. O papel do nutricionista esportivo é avaliar a adequação da ingestão alimentar, verificar a necessidade e/ou uso inadequado de suplementos vitamínico-minerais e/ou substâncias ergogênicas. Esse profissional ainda é essencial no aconselhamento dos atletas/praticantes de atividade física acerca das necessidades nutricionais adequadas antes, durante e após o treino/exercício, para a manutenção de saúde, massa e composição corporal adequados. Lembrete A nutrição esportiva é a área que aplica os conhecimentos em nutrição, fisiologia e bioquímica no esporte e na atividade física, estudando a relação entre os nutrientes e o desempenho esportivo. Estão entre os objetivos da nutrição esportiva a melhoria do desempenho do atleta ou praticante de atividade física, bem como a otimização da recuperação pós-exercício, ao mesmo tempo que promove a saúde geral e o bem-estar. 1 INTRODUÇÃO À TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA A cada minuto do dia, milhares de reações bioquímicas ocorrem em todo o organismo. O metabolismo celular é o conjunto de reações que ocorrem nas células dos organismos vivos com o objetivo de sintetizar as biomoléculas ou degradá-las para produzir energia. Todos os seres vivos (desde as algas unicelulares até os mamíferos) apresentam metabolismo e dependem da realização simultânea de centenas de reações metabólicas para adquirirem energia continuamente de forma que possam realizar diversas funções biológicas, como crescimento, reprodução e movimento. 12 Unidade I Esse processo metabólico de conversão de substratos energéticos (gorduras, proteínas e carboidratos) em uma forma de energia biologicamente utilizável é denominado bioenergética. Existem dois grandes processos metabólicos: anabolismo ou biossíntese e catabolismo. • Anabolismo: refere-se ao processo que constrói moléculas complexas, a partir de moléculas precursoras simples e pequenas, consumindo energia para isso. A construção de tecidos, o ganho de massa muscular, o armazenamento de substratos energéticos são exemplos de processos anabólicos. Em resumo, o anabolismo é o conjunto de reações de síntese ou construção. • Catabolismo: é o conjunto de reações envolvidas na degradação ou quebra das moléculas complexas, as quais são convertidas em moléculas mais simples, com a liberação de energia para o organismo. A respiração celular é um exemplo de processo catabólico, pois durante as reações, as ligações entre as moléculas são quebradas, liberando energia. Assim o catabolismo resume-se em reações de degradação ou quebra. 1.1 Capacidade de realizar trabalho Para que o corpo possa se exercitar, as células musculares esqueléticas devem ser capazes de extrair energia continuamente dos nutrientes contidos nos alimentos e transferi-la para os elementos contráteis no musculoesquelético. De fato, a incapacidade de transformar a energia contida nos alimentos em energia biologicamente utilizável limitaria o desempenho nas atividades de resistência. Uma vez que as células musculares precisam de uma fonte de energia contínua para continuar contraindo, quando a energia não é prontamente disponibilizada, a contração muscular fica impossibilitada e, assim, o trabalho tem que ser interrompido. A taxa de conversão da energia química obtida de carboidratos, proteínas e lipídios em energia mecânica durante a contração muscular é considerada um dos principais eventos fisiológicos determinantes da realização do movimento e do desempenho esportivo. 1.2 Primeira lei da termodinâmica A transformação da energia biológica obedece às leis da termodinâmica. A primeira lei da termodinâmica, que descreve o importante princípio de conservação da energia, estabelece que o corpo não produz, não consome, nem esgota energia, mas transforma a energia de uma forma para outra sem ser esgotada. No corpo, a energia química existente nas ligações dos macronutrientes não se dissipa imediatamente na forma de calor durante o metabolismo energético. Pelo contrário, grande parte permanece como energia química, que o sistema musculoesquelético transforma em energia mecânica e, finalmente, em energia térmica (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2016) 1.3 Fotossíntese e respiração celular Toda a energia existente na Terra é proveniente do Sol. As plantas capturam a energia luminosa do Sol e a transformam em energia química, num processo denominado fotossíntese (ver figura a seguir). O pigmento clorofila, contido nos cloroplastos das folhas, absorve a energia radiante (solar) 13 NUTRIÇÃO NO ESPORTE para sintetizar glicose a partir do dióxido de carbono e da água, enquanto o oxigênio flui para o meio ambiente, conforme demonstra a seguinte equação: 12H2O + 6CO2 Luz C6H12O6 + 6H2O + 6O2 CO2 + H2O Fotossíntese C6H12O6 + O2 Absorve gás carbônico Libera gás carbônico Figura 1 – Reação de fotossíntese Adaptada de: McArdle, Katch e Katch (2016, p. 210). As plantas transformam os carboidratos em lipídios e proteínas para armazenamento como uma futura reserva para obter energia e permitir o crescimento. A seguir, os animais (inclusive os seres humanos) ingerem os nutrientes das plantas para atender às suas próprias necessidades energéticas e utilizam a glicose e o oxigênio durante o processo de respiração celular (um processo reverso da fotossíntese denominado respiração celular). C6H12O6 + O2 Respiração celular CO2 + H2O Absorve gás carbônico Libera gás carbônico Figura 2 – Respiração celular 14 Unidade I Em essência, a fotossíntese é a principal responsável pela entrada de energia na biosfera e inicia a maior parte das cadeias alimentares na Terra, fornecendo alimento e oxigênio ao mundo animal (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2016). Respiração celular (reverso da fotossíntese) Trabalho mecânico Trabalho químico Trabalho de transporte Citoplasma Líquido extracelular Glicose Glicerol + ácidos graxos Aminoácidos Glicogênio Triacilglicerol Proteína Glicose + +6O2 6CO2 Respiração celular (o inverso da fotossíntese) 6H2O ATP Glicose Glicogênio Trabalho mecânico Trabalho químico Trabalho de transporte Figura 3 – Os processos de fotossíntese e respiração celular estão interligados: a respiração celularcoleta energia potencial existente no alimento para formar energia (ATP); a energia do ATP aciona todas as formas de trabalho biológico Adaptada de: McArdle, Katch e Katch (2011, p. 127). 15 NUTRIÇÃO NO ESPORTE Nas reações de respiração celular, os animais recuperam a energia armazenada das plantas, liberando-a e associando-a a outros compostos químicos para ser utilizada no trabalho biológico (figura anterior). Nos seres humanos, o trabalho biológico assume uma das 3 formas: trabalho mecânico da contração muscular; trabalho químico que sintetiza moléculas celulares, como glicogênio, triacilglicerol e proteína; trabalho de transporte que concentra e transfere substâncias nos líquidos intracelular e extracelular. 1.4 Metabolismo catabólico aeróbico e anaeróbico O metabolismo catabólico pode ser dividido também em relação à presença de oxigênio (metabolismo aeróbico) e na ausência de oxigênio (metabolismo anaeróbico). A transferência de energia ocorre graças às milhares e complexas reações químicas que utilizam uma mistura balanceada de macronutrientes (carboidratos, lipídios e proteínas) e micronutrientes (vitaminas e minerais), bem como o suprimento e utilização contínuos de oxigênio. O metabolismo aeróbico envolve as reações catabólicas geradoras de energia que necessitam de oxigênio. A presença de oxigênio determina em grande parte a capacidade para a produção de energia (ATP), e esse tipo de metabolismo predomina em atividades de maior duração e menor intensidade. Por outro lado, no metabolismo anaeróbico, durante a oxidação de combustíveis metabólicos, não há a presença de oxigênio para geração de energia. As reações bioquímicas que não consomem oxigênio geram muita energia por curtos períodos, e é uma estratégia crucial quando é necessário haver energia rápida para manter o desempenho em atividades curtas de alta intensidade. Assim a transferência rápida de energia anaeróbica mantém um alto padrão de desempenho em esforços máximos de curta duração e de alta potência. Observação O fracionamento anaeróbico e aeróbico dos alimentos ingeridos fornece a fonte energética que permite sintetizar o combustível químico que aciona todas as formas de trabalho biológico. 1.5 Combustíveis para o exercício As biomoléculas energéticas que podem ser metabolizadas pelos seres humanos, em particular, estão presentes nos seus alimentos, sob a forma de carboidratos, lipídios e proteínas. O corpo usa estes nutrientes, consumidos diariamente, os quais são digeridos, absorvidos e são os substratos para fornecer a energia necessária à manutenção das atividades celulares, tanto em repouso como durante o exercício. Esses substratos também são mobilizados das reservas endógenas (moléculas estocadas nos organismos na forma de glicogênio e gorduras), quando há uma ingestão insuficiente desses nutrientes na alimentação. Durante a realização do exercício, quando o consumo energético aumenta significativamente, os nutrientes primários usados para obtenção de energia são as gorduras e os 16 Unidade I carboidratos, enquanto as proteínas contribuem com uma quantidade relativamente pequena da energia total utilizada. Desse modo, o corpo humano extrai continuamente a energia de seus combustíveis/nutrientes e a utiliza para executar as múltiplas e complexas reações metabólicas. A glicose é a forma primária de carboidrato usada como fonte de energia, sendo armazenada nas células animais em forma de glicogênio. Os ácidos graxos são a forma primária de gordura usada como fonte de energia e são estocados como triglicerídeos nas células musculares e adiposas. Já o uso da proteína como substrato energético necessita da quebra desta em sua forma primária, ou seja, em seus aminoácidos constituintes. 1.6 Energia das ligações de fosfato Para que o corpo humano consiga manter as suas atividades básicas e realizar suas muitas e complexas funções fisiológicas, ele necessita de um suprimento de aporte ininterrupto de energia química. No entanto a energia oriunda da oxidação do alimento não é prontamente liberada para o nosso organismo, já que nos seres humanos a dinâmica energética envolve, por intermédio de ligações químicas, a transferência de energia para outras moléculas, conhecidas como trifosfato de adenosina (ATP), um composto de fosfato de alta energia. A energia potencial contida nas ligações dos carboidratos, das gorduras e das proteínas é liberada por etapas, através de reações controladas por enzimas específicas localizadas no citosol (citoplasma) ou dentro das mitocôndrias. A energia perdida por uma molécula é transferida para a estrutura química de outras moléculas, conservando temporariamente parte dessa energia para liberá-la posteriormente, conferindo, portanto, alta eficiência às transformações energéticas. O trabalho biológico ocorre quando compostos pobres em energia potencial são “enriquecidos” pela transferência de energia através das ligações de fosfato de alta energia, o ATP, que é a fonte de energia imediata para todos os processos celulares e, também, para a contração muscular. Dessa forma, toda dinâmica energética se inicia com o ATP, que é a molécula carreadora especial de energia livre. A energia proveniente do ATP aciona todas as formas de trabalho biológico, razão pela qual ele é considerado a “moeda corrente de energia” das células (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2016). Os processos corporais de transferência de energia são acionados por reações de oxidorredução (reação redox), ou seja, reações que envolvem a transferência de elétrons de uma substância para outra. O termo reação redox descreve comumente uma reação de oxidação-redução acoplada. As reações de oxidação transferem átomos de oxigênio, átomos de hidrogênio ou elétrons, e nesse tipo de reação ocorre sempre perda de elétrons. A reação de redução envolve qualquer processo no qual os átomos em um elemento ganham elétrons (POWERS; HOWLEY, 2014). No caso da perda de elétrons, denomina-se agente redutor a substância que doa ou perde elétrons ao ser oxidada. Por outro lado, a substância que está ganhando elétrons ou sendo reduzida é denominada agende oxidante ou aceitador de elétrons (POWERS; HOWLEY, 2014). 17 NUTRIÇÃO NO ESPORTE A transferência de elétrons requer tanto um agente oxidante quanto um agente redutor, e as reações de oxidação e de redução são caracteristicamente acopladas, de forma que qualquer energia liberada por uma reação é incorporada nos produtos de outra reação. Dessa maneira, devido a essas reações serem acopladas, sempre que ocorre oxidação, processa-se também a redução reversa, ou seja, quando uma substância perde elétrons (oxidação), a outra substância os ganha (redução) (POWERS; HOWLEY, 2014). Lembrete Grande parte das reações metabólicas da célula ocorre no citosol (material que pode apresentar consistência mais fluida ou viscosa, rico em água, proteínas, eletrólitos, glicose, compostos lipídicos e outras substâncias). 1.6.1 Trifosfato de adenosina: a moeda corrente de energia A energia proveniente da oxidação dos macronutrientes é recolhida e conduzida através do composto rico em energia trifosfato de adenosina (ATP), uma vez que a energia contida nos alimentos não é transferida direta e prontamente às células para a realização de um trabalho biológico. Embora o ATP não seja a única molécula transportadora de energia na célula, é a mais importante. Independentemente se a energia útil é produzida de maneira aeróbica ou anaeróbica, o produto resultante é a molécula de ATP, um composto ideal para a transferência de energia, já que fica retida em suas ligações fosfato uma grande parte da energia potencial do alimento (POWERS; HOWLEY, 2014). O ATP é formado a partir de uma molécula de adenina e de ribose (denominada adenosina) unida a três fosfatos (trifosfato), como ilustra a figura a seguir. C CN N N C C O O PCH2 NH2 Ligação de alta energia P PO O O- O- O O- O O- O H H C OH Adenina Ribose+ + 3 fosfatos H H C OH N CHCCH Figura 4 – Formação estrutural do trifosfato de adenosina (ATP) Fonte: Kraemer, Fleck e Deschenes (2016, p. 60). 18 Unidade I As ligações que unem os dois fosfatos mais externos são denominadas ligações de alta energia. A molécula de ATP pode armazenar uma quantidade considerável de energia potencial, liberando-a, quando necessário, por uma reação de hidrólise (quando ocorre a quebra de uma molécula em moléculas menores com a participação da água). Após a adição de uma molécula de água (reação de hidrólise), o ATP é decomposto em adenosina difosfato (ADP) e fosfato inorgânico (Pi) pela enzima adenosina trifosfatase (ATPase), liberando cerca de 7,3 quilocalorias de energia que pode ser usada nos processos celulares e para realização de trabalho (por exemplo: contração muscular), como demonstra a equação: ATP + H2O ⇒ ADP + Pi + energia livre No entanto, as moléculas de ADP, ATP e Pi não são destruídas durante essas reações. As células do nosso organismo estão constantemente utilizando as moléculas de ATP na obtenção de energia para as mais diversas reações, sendo necessária uma reposição constante. O ATP pode ser regenerado quando energia é adicionada para reformar a ligação que une o fosfato inorgânico (Pi) aos grupos de fosfato remanescentes na molécula de adenosina (ADP), como mostra a equação a seguir: ADP + Pi + energia livre ⇒ ATP + H2O A quebra de uma molécula de ATP se processa quase instantaneamente sem a necessidade do oxigênio molecular. Essa capacidade de hidrolisar o ATP sem oxigênio (anaerobicamente) gera transferência de energia para utilização rápida, o que não ocorreria caso o metabolismo energético necessitasse sempre de oxigênio para que a energia fosse liberada. Assim a energia produzida anaerobicamente pode ser considerada como uma fonte de potência de reserva que será disponibilizada toda vez que o corpo necessitar de energia numa velocidade acima da qual o metabolismo aeróbico consegue produzir prontamente. Por essa razão o ser humano consegue realizar uma atividade física imediatamente sem o consumo instantâneo de oxigênio. A capacidade que as células têm de armazenar energia, ainda que em pequena quantidade, viabiliza o acesso à energia rápida sem que se crie total dependência do metabolismo de oxigênio. No entanto é importante destacar que os estoques intramusculares de ATP são pequenos (cerca de 5 mmol por quilo de músculo). Caso outras vias metabólicas não fossem ativadas para ressintetizar ATP, o exercício seria sustentado apenas por curtos períodos. Exemplos de exercícios que proveem energia quase que exclusivamente de fontes anaeróbicas intramusculares incluem musculação, saltos, chutes, arremessos, um “pique” (sprint) de 10 segundos para pegar um ônibus, o levantamento de peso rápido, uma tacada de golfe, uma corrida durante uma partida de futebol a uma distância de 9 m, o bloqueio no voleibol ou a realização de qualquer exercício que consista em movimentos rápidos de alta intensidade (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2016). 19 NUTRIÇÃO NO ESPORTE 1.6.2 Vias de produção de ATP As células musculares podem produzir ATP por meio de uma via ou através da combinação de três vias metabólicas. A primeira via ressintetiza ATP através da quebra de fosfocreatina (PCr); a segunda via metabólica, pela degradação de glicose ou glicogênio (denominada glicólise) e, por fim, pela via oxidativa de formação de ATP. A seguir veremos a produção de ATP a partir do uso da fosfocreatina, um composto de alta energia semelhante ao ATP. 1.6.3 Fosfocreatina As células armazenam apenas uma quantidade pequena de ATP, portanto terão que ressintetizá-la rapidamente para atender às demandas contínuas de energia e acompanhar sua taxa de utilização. Devido ao aporte limitado de ATP, qualquer aumento na demanda energética, como por exemplo o início do movimento muscular, proporciona um desequilíbrio entre ATP, ADP e Pi. Esse desequilíbrio estimula imediatamente a degradação de outros compostos que contêm energia armazenada para ressintetizar o ATP e ativa rapidamente vários sistemas que aumentarão a transferência de energia. A transferência de energia será proporcional à intensidade do movimento. Assim, na transição de uma posição em repouso para uma caminhada, há aumento da transferência de energia em cerca de quatro vezes. Quando essa caminhada progride para um pique de intensidade máxima (sprint), a velocidade de transferência de energia nos músculos ativos aumenta cerca de 120 vezes. Como a quantidade de ATP disponível na célula é limitada, ou seja, proporciona energia disponível apenas para um curto período de tempo (5 a 30 segundos de um exercício máximo explosivo), para compensar essa limitação, a ressíntese de ATP se processa de forma contínua e ininterrupta. Embora a gordura (ácido graxo) e o carboidrato (glicogênio) representem as principais fontes energéticas para manter a ressíntese de ATP, alguma energia é proveniente da clivagem anaeróbica de um fosfato proveniente da fosfocreatina (fosfato de creatina – PCr), outro composto fosfato intracelular de alta energia. A fosfocreatina, também conhecida como CP, é uma molécula semelhante ao ATP e funciona como um “reservatório” de ligações fosfato de alta energia. Quando a ligação entre as moléculas de creatina e fosfato da PCr é rompida, a PCr libera uma grande quantidade de energia. 1.6.4 Sistema ATP-CP (sistema imediato) A combinação de ATP e CP (armazenados e disponíveis no músculo), é denominada sistema ATP-CP ou “sistema fosfagênico”. É o processo de geração de energia mais rápido e simples, pois o ATP e o CP necessários para a contração muscular já estão disponíveis no músculo e envolvem poucas reações químicas sem a utilização de oxigênio. 20 Unidade I No início do exercício, ocorre a quebra de ATP em ADP + Pi, liberando energia. Essas moléculas de ADP, ATP e Pi não são destruídas durante essas reações. Em vez disso, as ligações químicas que mantêm os grupos de fosfato juntos são degradadas para liberar energia. Quando energia é adicionada, a fosfocreatina (PCr) interage com ADP e Pi para formar ATP novamente, podendo ser usado pelo músculo em contração. Mais uma vez, esse é um método simples e rápido de produzir ATP, envolvendo a transferência de fosfato e sua energia de ligação da fosfocreatina (PCr) ao ADP. A nova formação de fosfocreatina (PCr) requer ATP e somente ocorre durante a recuperação do exercício: PCr + ADP + Pi ATPase ATP + Cr + Pi Figura 5 Esse sistema representa uma fonte imediata de energia para o músculo ativo, fornecendo energia para contração muscular no início do exercício e durante o exercício de alta intensidade e curta duração. Entretanto, como as células musculares armazenam apenas pequenas quantidades de fosfocreatina (PCr), a quantidade total de ATP que pode ser formada por essa via é limitada e capaz de manter exercício por apenas cerca de 30 segundos. Conforme o exercício progride por até aproximadamente três minutos, a energia para a ressíntese do ATP tem de provir de outras vias metabólicas, ou seja, a partir da extração de energia potencial existente nos macronutrientes alimentares armazenados. A glicólise, energia anaeróbica proveniente do catabolismo do carboidrato (glicose), junto com aquela fornecida pelo sistema fosfagênico (ATP-PC), são as fontes principais de energia durante atividades de curta duração e alta intensidade. A glicólise deverá ser a responsável por reabastecer o ATP para os músculos em funcionamento por até aproximadamente três minutos. Da mesma forma que no sistema fosfagênico, essa via também não envolve o uso de oxigênio para acontecer, sendo, portanto, denominada anaeróbica. Observação Suplemento de creatina: o ATP e a fosfocreatina (PC) fornecem uma fonte de energia rapidamente disponível para o músculo em contração, o qual é dependente do fornecimento contínuo de ATP para seu funcionamento. O exercício de alta intensidade e curta duração depleta a PC muscular disponível,o que acaba por limitar a continuidade da contração muscular. Por outro lado, sabe-se que a ingestão de creatina (Cr) leva ao aumento 21 NUTRIÇÃO NO ESPORTE das concentrações musculares de Cr e PC. Por essa razão, a suplementação desse composto é sugerida com o intuito de melhorar o desempenho no exercício de alta intensidade e curta duração. Evidências científicas sugerem que esse aumento na concentração de Cr e PC pode promover efeitos ergogênicos que incluem melhora da capacidade de treino, bem como melhoria no desempenho em esforços repetidos ou no número de repetições em exercícios de alta intensidade (≥ a 30 segundos). No entanto o consumo do suplemento de creatina leva à retenção hídrica e a um ganho agudo de massa (0,6-1 kg), que pode ser indesejável em esportes sensíveis a isso. O desconforto gastrointestinal também pode ser experienciado por alguns atletas (THOMAS; ERDMAN; BURKE, 2016a). Liberação de energia pelos macronutrientes (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2016) A liberação de energia no catabolismo dos macronutrientes tem como finalidade primordial transferir energia das ligações fosfato ao ADP para voltar a formar o composto rico em energia ATP (ADP + P ⇒ ATP). As seis fontes básicas de combustível dos macronutrientes que fornecem o substrato para oxidação e subsequente formação de ATP são: • reações anaeróbicas na fase inicial da degradação da glicose ou do glicogênio (no citosol), produzindo pequena quantidade de ATP; • fosforilação do ADP pela PCr; • glicose sanguínea (derivada do glicogênio hepático); • moléculas de triacilglicerol e de glicogênio armazenadas nas células musculares; • ácidos graxos livres derivados dos triacilgliceróis (no fígado e adipócitos) levados ao músculo ativo; • esqueletos de carbono provenientes dos aminoácidos intramusculares e derivados do fígado. 1.6.5 Glicólise Quando a duração do exercício se estende por mais tempo que 30 segundos, outras vias de energia tornam-se necessárias. Uma segunda via metabólica capaz de produzir ATP rapidamente sem envolvimento de oxigênio é denominada glicólise. A glicólise envolve a quebra de glicose ou glicogênio para formação de duas moléculas de piruvato ou lactato (POWERS; HOWLEY, 2014). A glicose pode ser obtida tanto das reservas sanguíneas de glicose quanto dos estoques intramusculares de glicogênio. 22 Unidade I A degradação da glicose se processa em dois estágios: no primeiro, a glicose é fracionada de forma relativamente rápida em duas moléculas de piruvato, por meio de uma série de 10 reações químicas catalisadas por enzimas que ocorrem no sarcoplasma das células musculares. Essa glicólise ocorre sem oxigênio (é anaeróbica) e representa uma produção rápida, porém limitada, de ATP (apenas 2 ATP por molécula de glicose), tendo o lactato formado a partir do piruvato (ou ácido pirúvico) como produto final (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2016; POWERS; HOWLEY, 2014). No estágio dois, após a etapa anaeróbica, o piruvato produzido migra para a mitocôndria, onde acontecerá a transferência de energia através do transporte de elétrons e fosforilação oxidativa (etapa aeróbica), e ocorrerá a degradação do piruvato até que se formem água e gás carbônico. Nesse caso, o piruvato continua sendo o produto final. Esse tipo de degradação do carboidrato, com o uso de oxigênio, resulta em substancial formação de ATP (36 moléculas de ATP para cada molécula de glicose), porém é um processo relativamente lento (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2016). Dessa forma, pode-se dizer que o carboidrato é um substrato bastante versátil, sendo o único macronutriente cuja energia armazenada gera ATP de forma aeróbica e anaeróbica. Formar energia anaerobicamente torna-se importante quando o exercício máximo requer liberação rápida de energia acima dos níveis supridos pelas vias aeróbicas (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2011). Lembrete A glicólise (lise ou quebra da glicose) é um processo que degrada a glicose em duas moléculas menores, sendo essencial para a produção de energia dos organismos. A reação seguinte mostra a glicólise, uma série de reações químicas controladas por enzimas, cujo produto final são duas moléculas de piruvato a partir do fracionamento anaeróbico da glicose. 23 NUTRIÇÃO NO ESPORTE Glicose 6-fosfato Frutose 6-fosfato Frutose 1,6-difosfato Fosfato de hi-hidroxiacetona 3-fosfogliceraldeído 1,3-difosfoglicerato 2(ácido 3-fosfoglicerato) 2(ácido 2-fosfoglicerato) 2(fosfoenolpiruvato) Desidrogenase láctica Lactato Lactato2 piruvato Desidrogenase láctica Glicogênio Glicose ATP ATP ATP ATP ATP ATP ADP ADP ADP ADP ADP ADP NADH+H NAD+ H2O NADH+H NAD+ H2O Para a cadeia de transporte de elétrons Para a cadeia de transporte de elétrons Hexoquinase Enzimas: Fosfofrutoquinase Triosefosfato isomerase Fosfogliceratoquinase Enolase Glicose 6-fosfato isomerase Aldolase Gliceraldeído 3-fosfato desidrogenase Fosfogliceromutase Piruvatoquinase Figura 6 – Glicólise anaeróbica Fonte: McArdle, Katch e Katch (2016, p. 286). 24 Unidade I Quando a glicólise se inicia (no citosol), a célula faz um investimento de energia de 2 ATP. Isso funciona como uma energia inicial de ativação, que posteriormente, ao final da via glicolítica, produzirá um ganho líquido de 2 moléculas de piruvato ou lactato por molécula de glicose e 2 ou 3 ATP, dependendo se a via começar com glicose ou glicogênio, respectivamente. Com o gasto inicial de 2 ATP, a molécula de glicose (C6H12O6) é quebrada em duas moléculas de 3 carbonos cada – o piruvato (C3H4O3). Parte da energia liberada por essa quebra forma 4 ATP, e a outra é capturada pela NAD+ (nicotinamida adenina dinucleotídeo – uma coenzima que ajuda a carregar elétrons), a qual remove os hidrogênios do substrato da glicose, formando duas moléculas de piruvato e ficando carregadas com energia na forma de elétron. Após essa etapa, essas coenzimas passam a ser chamadas de NADH. As duas moléculas carreadoras de hidrogênio, NAD+ e FAD (flavina adenina dinucleotídeo) carregam os hidrogênios removidos dos substratos nutrientes nas vias bioenergéticas e seus elétrons associados, para serem usados posteriormente, na geração de ATP na mitocôndria, via processos aeróbicos (POWERS; HOWLEY, 2014; KRAEMER; FLECK; DESCHENES, 2016). Após a finalização da glicólise, temos um saldo de 4 ATPs, 2 moléculas de piruvato e a energia dos 2 NADH. O piruvato e os NADH formados irão para dentro da mitocôndria, onde ocorrerão as outras etapas da respiração celular e mais ATP será produzido. A equação a seguir resume a glicólise: Glicose + ATP ⇒ 2 piruvatos + 2 NADH + 4 ATP O produto final da glicólise é o piruvato e o destino dessa substância depende de quanto oxigênio existe na célula. Havendo aporte adequado de oxigênio, o piruvato produzido pela glicólise entrará nas mitocôndrias para a produção aeróbica de ATP (ciclo de Krebs, cadeia de transporte de elétrons), evitando, assim, a produção da substância ácida lactato. Porém, se não houver oxigênio adequado disponível, o piruvato é convertido em lactato (POWERS; HOWLEY, 2014; KRAEMER; FLECK; DESCHENES, 2016). Durante exercícios de alta intensidade e curta duração, a elevada taxa de hidrólise de ATP resulta em um rápido aumento nas concentrações de H+. Nesse tipo de atividade, a taxa de ressíntese de ATP pelas vias oxidativas não é suficiente para suprir a demanda celular, e a glicólise passa a ser a principal fonte de ATP. Isso culmina em um aumento paralelo na produção de lactato (PINTO et al., 2014). Depois que o lactato é formado no músculo, ele pode seguir dois caminhos diferentes: difundir-se na corrente sanguínea, onde será removido e tamponado, ou proporcionar um substrato energético (principal precursor da gliconeogênese) para reabastecer as reservas de glicogênio depletadas pela atividade física intensa (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2016). Ao contrário do que se pensava em sua descoberta, no ano de 1780, quando seu papel ainda era desconhecido, o lactato não é um “resíduometabólico deletério”, produzido naturalmente pelo metabolismo anaeróbico (SANTOS, 2019). 25 NUTRIÇÃO NO ESPORTE É comum entre aqueles que treinam muito ou praticam exercícios intensamente sentirem dores musculares, queimação nos músculos e câimbras. Essas manifestações bastante frequentes são causadas pela acidose muscular, ocasionada pelo acúmulo de íons hidrogênio no interior da célula muscular. Essa acidose é apontada como fator limitante para o desempenho físico durante exercícios físicos de alta intensidade. Embora o aumento nas concentrações de lactato coincida com a acidose e com a fadiga, existem diversos estudos demonstrando que o lactato por si não possui qualquer efeito sobre a fadiga nesse tipo de exercício, ao contrário da acidose muscular (PINTO et al., 2014). Existem grandes evidências de que o lactato, antigamente tido como “vilão” responsável pela acidose muscular, não apenas não causa fadiga como também é importantíssimo para manter o exercício de alta intensidade. Por mais paradoxal que pareça, o lactato vem sendo estudado como agente capaz de atenuar a queda de pH intramuscular, aumentado a capacidade tamponante (capacidade de neutralizar os ácidos produzidos durante o exercício). Isso não significa que o lactato em si seja um tampão, mas, sim, que durante sua metabolização ocorre uma redução da quantidade de ácidos no organismo (PINTO et al., 2014). Assim, a suplementação de lactato, teoricamente, aumentaria os níveis sanguíneos de pH e bicarbonato, aumentando a capacidade de tamponamento extracelular, e por consequência melhorando o desempenho físico (PINTO et al., 2014). A suplementação com lactato também pode aumentar os níveis sanguíneos desse composto, elevando sua disponibilidade como substrato para a gliconeogênese. De fato, os “destinos metabólicos” do lactato incluem sua oxidação (equação 1) e sua conversão em glicose (equação 2) (PINTO et al., 2014): C3H5 O3 + 3 O2 + H+ → 3 CO2 + 3 H2O (equação 1) 2 C3H5 O3 + 2 H+ → 3 C6H12O6 (equação 2) No período de recuperação pós-exercício, o consumo de oxigênio está aumentado e torna-se mais disponível, promovendo a fosforilação oxidativa no fígado e, consequentemente, uma produção elevada de ATP, necessária para a gliconeogênese. Assim, quando o esforço físico termina, o mesmo musculoesquelético que durante a atividade produziu lactato pode convertê-lo a glicose através da gliconeogênese, no fígado (através do ciclo de Cori), de modo que a glicose possa ser transportada de volta aos músculos para armazenamento sob a forma de glicogênio. Estudos demonstraram que 20% do lactato produzido durante esforços de intensidade moderada é convertido em glicose via processos gliconeogênicos. Como visto, então, o lactato não é um produto residual do metabolismo anaeróbico, mas um meio de transportar carboidrato na forma de lactato pelo corpo, desempenhando papel relevante como substrato energético. 26 Unidade I Lactato Lactato Lactato sanguíneo Glicogênio Glicose ATP ATP Glicose sanguínea Figura 7 – O ciclo de Cori remove o lactato liberado pelos músculos ativos e o utiliza para reabastecer as reservas de glicogênio depletadas pela atividade física intensa Disponível em: https://bit.ly/3jHzs6p. Acesso em: 27 out. 2021. 1.6.6 Produção aeróbica de ATP A produção aeróbica de ATP ocorre nas mitocôndrias e envolve dois importantes sistemas de enzimas: o ciclo do ácido cítrico e a cadeia transportadora de elétrons. No segundo estágio do fracionamento do carboidrato, após a etapa anaeróbica, a extração da energia restante prossegue quando o piruvato é irreversivelmente transformado em acetil-CoA, que penetra no ciclo do ácido cítrico (também denominado ciclo de Krebs), onde é degradado em CO2 e átomos de hidrogênio, nas mitocôndrias, produzindo energia. A função primária do ciclo de Krebs é oxidar as fontes energéticas (como carboidratos, lipídios e proteínas) removendo hidrogênios e elétrons desses substratos, os quais serão transportados por moléculas carreadoras de hidrogênio (NAD+ e FAD) para o outro sistema enzimático: a cadeia transportadora de elétrons (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2016; KRAEMER; FLECK; DESCHENES, 2016). 1.6.7 Ciclo de Krebs Antes da entrada no ciclo de Krebs, o piruvato (uma molécula de 3 carbonos) formado na glicólise é degradado. Na presença de oxigênio, esse piruvato é convertido em acetil-CoA, que pode ser formado a partir da quebra de carboidratos, gorduras ou proteínas. Em seguida, o acetil-CoA combina-se com o oxaloacetato (1 molécula de 4 carbonos) para entrar no ciclo de Krebs, formando citrato, 27 NUTRIÇÃO NO ESPORTE uma molécula de 6 carbonos. A partir daí, uma série de reações são iniciadas para regeneração de oxaloacetato e duas moléculas de CO2, e a via recomeça. O ciclo de Krebs é chamado de ciclo pois o oxaloacetato é usado na primeira reação dessa série de reações e é produzido na última reação. Depois disso, o citrato passa por várias reações que compõem o ciclo de Krebs. Os hidrogênios e seus elétrons associados combinam-se com as moléculas carreadoras de hidrogênio NAD+ e FAD para formar NADH e FADH2, que posteriormente são usadas para síntese de ATP. Dessa forma, cada acetil-CoA que entra no ciclo de Krebs resulta na produção de 1 ATP, dióxido de carbono e íons de hidrogênio. E embora produza apenas 1 ATP, o ciclo de Krebs contribui para a formação de grande parte do ATP produzido pela célula. Na sequência desse processo, boa parte do ATP produzido pelo metabolismo aeróbico é regenerada quando os átomos de hidrogênio e elétrons são transportados para a cadeia de transporte de elétrons, onde são oxidados. Essa remoção de hidrogênio é de suma importância, pois os hidrogênios (que possuem elétrons) contêm energia em potencial (POWERS; HOWLEY, 2014; KRAEMER; FLECK; DESCHENES, 2016). Produção de 2 NADH Produção de 2 NADH Produção de 2 GTP Produção de 2 NADH Produção de 2 FADH2 2 (Acetil-CoA) 2 oxaloacetato 2 malato 2 fumarato 2 succinato 2 succinil-CoA 2 isocitrato 2 a-cetoglutarato 2 citrato Ciclo de Krebs Respiração celularCélula Figura 8 – O ciclo de Krebs inicia-se com a entrada do acetil-CoA no ciclo, e cada uma de suas etapas é catalisada por enzimas específicas De forma resumida, a produção aeróbica de ATP consiste em três estágios, conforme demonstra a figura a seguir. 28 Unidade I Piruvato Betaoxidação Desaminação Gorduras Glicerol + ácidos graxos Carboidratos Glicose/glicogênio Proteínas aminoácidos Lactato Corpos cetônicos Glicina Alanina Ureia Urina GlutamatoCitratoOxaloacetato Ciclo de ácido cítrico Interconversões predominantes Gorduras e aminoácidos não essenciais Aminoácidos não essenciais Carboidratos ou gorduras Acetil-Coa Amônia Figura 9 – Importantes interconversões para catabolismo e anabolismo entre proteínas, gorduras e carboidratos; uma molécula central composta por dois carbonos, acetil-CoA, é gerada a partir da oxidação de ácidos graxos, glicose e alguns aminoácidos; a oxidação do acetil-CoA inclui etapas nas quais os elétrons são removidos; o passo seguinte é o carreamento dos elétrons para uma cadeia de transportadores de elétrons, ocorrendo a fosforilação oxidativa (formação de ATP) Fonte: McArdle, Katch e Katch (2016, p. 298). Uma vez na cadeia transportadora de elétrons, pares de elétrons passam de um citocromo para outro. Além da produção de NADH e FADH, o ciclo de Krebs ocasiona a formação direta de um composto rico em energia – o trifosfato de guanosina (GTP), o qual é capaz de transferir seu grupo fosfato terminal ao ADP e, assim, formar ATP novamente. Esse evento contribui apenas com uma pequena quantidade da conversão de energia total no ciclo de Krebs, pois a maior parte do rendimento de energia do ciclo de Krebs (NADH e FADH) é captada pela cadeia de transporte de elétrons para formar ATP (KRAEMER; FLECK; DESCHENES, 2016). 29 NUTRIÇÃO NO ESPORTE 1.7 Liberação de energia pelas gorduras A gordura armazenada representaa mais abundante fonte corporal de energia potencial. Embora a gordura fique armazenada em sua maior parte nas células adiposas (adipócitos) distribuídas ao longo do corpo, essas moléculas também são estocadas no musculoesquelético, sob a forma de triacilgliceróis (TG) e podem ser metabolizadas a fim de produzir energia (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2016). Uma pessoa de 70 kg com 15% de gordura corporal apresenta aproximadamente 10,5 kg de gordura. Cada 0,45 kg de gordura contém aproximadamente 3.500 kcal. Supondo que sejam necessárias cerca de 100 kcal para correr 1,6 km, esse indivíduo tem, teoricamente, energia suficiente no corpo (na forma de gordura) para correr quase 1.300 quilômetros (KRAEMER; FLECK; DESCHENES, 2016). Em contrapartida, a reserva corporal de carboidratos (glicogênio) soma apenas cerca de 2.000 kcal, o que permitiria a esse mesmo indivíduo correr somente 32 quilômetros. Existem três fontes energéticas específicas para o catabolismo das gorduras: • Os triacilgliceróis armazenados diretamente na fibra muscular estriada esquelética em grande proximidade da mitocôndria. • Os triacilgliceróis circulantes nos complexos lipoproteicos que acabam sendo hidrolisados na superfície do endotélio capilar de determinados tecidos. • Os ácidos graxos livres circulantes que foram mobilizados a partir dos triacilgliceróis no tecido adiposo. Para que a energia da gordura seja liberada e fique disponível para produzir ATP, é preciso que no citosol da célula haja o fracionamento do triacilglicerol (catalisado pela enzima lipase), cujo processo é denominado lipólise. Um mediador intracelular, adenosina 3’,5’ˈ-monofosfato cíclico, ou AMP cíclico, ativa a lipase hormônio sensível, regulando, assim, o metabolismo das gorduras. Nessa hidrólise (lipólise), regulada por uma família de enzimas denominadas lipases, ocorre a divisão da molécula de triacilglicerol em 1 molécula de glicerol e 3 moléculas de ácidos graxos. O glicerol liberado por lipólise não é uma fonte de energia direta para o músculo, mas pode ser usado pelo fígado para sintetizar glicose (POWERS; HOWLEY, 2014). A equação dessa reação é representada a seguir: Triacilglicerol + 3H2O Lipase Glicerol + 3 ácidos graxos Figura 10 30 Unidade I A energia proveniente do metabolismo das gorduras vem da degradação dos triacilgliceróis em ácidos graxos, compostos por números pares de moléculas de carbono até 24. Os ácidos graxos podem ser degradados em 2 subunidades de carbono, as quais podem ser transformadas em acetil-CoA e, depois, metabolizadas via aeróbica. Quanto maior a extensão do ácido graxo, mais acetil-CoA é produzido. Portanto, quanto mais longo o ácido graxo, maior a produção de ATP (KRAEMER; FLECK; DESCHENES, 2016). A energia é liberada quando os triacilgliceróis armazenados na fibra muscular também são degradados a glicerol e ácidos graxos. Os ácidos graxos livres (AGL) liberados pelos adipócitos serão transportados pelo sangue ligados à albumina plasmática (complexo albumina-AGL) e captados pelo músculo. Na sequência, os ácidos graxos são ativados para o catabolismo (convertidos a acil-CoA graxo) e penetram nas mitocôndrias musculares, onde são fracionados em acetil-CoA por uma reação denominada betaoxidação, ocorrendo a produção de NADH e FADH2 (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2016). Hidrogênios e elétrons do ciclo de Krebs são transportados por FADH2 e NADH para o sistema de transporte de elétrons a fim de completar o metabolismo aeróbico (KRAEMER; FLECK; DESCHENES, 2016). No músculo, o complexo albumina-AGL libera os AGL para serem transportados por difusão e/ou por um sistema carreador mediado por proteínas através da membrana plasmática. Uma vez dentro da fibra muscular, os AGL podem ser reesterificados para formar triacilgliceróis, e/ou combinam-se com proteínas intramusculares e penetram nas mitocôndrias a fim de participarem do metabolismo energético pela ação da carnitina aciltransferase. Em seguida, a acilcarnitina formada atravessa a membrana mitocondrial (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2016). A molécula hidrossolúvel de glicerol formada durante a lipólise difunde-se prontamente do adipócito para a circulação. O glicerol, quando é levado até o fígado, funciona como um precursor para a síntese de glicose (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2016). Ácidos graxos e glicerol também podem ser sintetizados a partir da glicose e dos aminoácidos. A glicose pode ser transformada em glicerol e a molécula de 2 carbonos de acetil-CoA obtida da glicose ou do glicogênio pode ser usada para sintetizar ácidos graxos. Ácidos graxos e glicerol podem, então, ser utilizados pelos adipócitos para formar triglicerídeos (KRAEMER; FLECK; DESCHENES, 2016). 31 NUTRIÇÃO NO ESPORTE 3-fosfogliceraldeído Piruvato Coenzima A Coenzima A Glicerol + 3 AGTriglicerídio + 3 H2OGlicose 2 CO2 H2 ATP H2 H2 H2 H2 Acetil-CoA CoA + Acetil β-oxidação Ciclo do ácido cítrico Cadeia transportadora de elétrons Figura 11 – Degradação de uma molécula de triacilglicerol em 1 glicerol e 3 ácidos graxos: o glicerol penetra nas vias energéticas durante a glicólise; os ácidos graxos preparam-se para entrar no ciclo do ácido cítrico (Krebs) por meio da betaoxidação; a cadeia transportadora de elétrons aceita hidrogênios liberados durante a glicólise, a betaoxidação e o metabolismo do ciclo do ácido cítrico; e finaliza o processo formando ATP Fonte: McArdle, Katch e Katch (2016, p. 236). 1.8 Efeitos hormonais As lipases geralmente estão inativas, até serem estimuladas pelos hormônios epinefrina (adrenalina), norepinefrina (noradrenalina), glucagon e hormônio do crescimento (GH), promovendo a lipólise e a mobilização dos AGL a partir do tecido adiposo (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2016). As concentrações plasmáticas desses hormônios lipogênicos aumentam durante o exercício de baixa intensidade e prolongado, por exemplo, para que os músculos estriados ativos tenham energia para a contração. Esse aumento da lipólise, mediado pela adenosina 3’,5’- monofosfato cíclico (AMP cíclico), ocasiona aumento dos níveis sanguíneos e musculares de AGL, além de promover o metabolismo de gorduras, de forma a aumentar ainda mais o fornecimento de AGL ao músculo ativo. De modo geral, a lipólise é um processo lento, e um aumento do metabolismo de gorduras ocorre somente após vários minutos de exercício (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2016; POWERS; HOWLEY, 2014). 32 Unidade I A ativação da lipólise ocorre em várias situações, como, por exemplo, no exercício leve a moderado, no exercício prolongado, quando há redução das reservas de glicogênio, durante o jejum, quando a dieta ingerida é hipocalórica e quando o indivíduo é exposto ao frio. O treinamento físico também pode induzir a adaptações (incluindo as adaptações bioquímicas e vasculares nos próprios músculos) que levam a uma maior mobilização e utilização das gorduras e, consequentemente, maior obtenção de energia durante atividade moderada (POWERS; HOWLEY, 2014). Em contrapartida, a mobilização de AGL para o sangue é inibida pelo hormônio insulina e por níveis sanguíneos de lactato elevados, devido à inibição da ativação do AMP cíclico. A insulina inibe a lipólise por inibição direta da atividade da lipase. Normalmente, a concentração de insulina diminui durante o exercício prolongado. O aumento das catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) durante o exercício supera os efeitos inibitórios da insulina sobre a lipólise. 1.9 Interação do metabolismo de gordura/carboidrato Durante o exercício de curta duração, é improvável que as reservas musculares de glicogênio ou os níveis de glicemia sejam depletados. No entanto, durante o exercício prolongado (por exemplo, duração superior a 2 horas), as reservas musculares e hepáticas de glicogênio podem atingir níveis baixíssimos. Isso é importante porque a depleção das reservas musculares e sanguíneas de carboidrato limita o desempenho durante o exercício prolongado, podendo provocar fadiga muscular. Quando as reservas de carboidratossão depletadas no corpo, a taxa de degradação dos ácidos graxos também diminui. Isso ocorre, possivelmente, porque quando o carboidrato disponível diminui (em decorrência da indisponibilidade de glicose ou de glicogênio), a taxa de glicólise também é reduzida, o que, consequentemente, leva a uma menor concentração de piruvato no músculo. O piruvato (produzido por glicólise) é importante para a promoção do aumento da concentração de intermediários do ciclo de Krebs. Se os níveis de intermediários do ciclo de Krebs também diminuem, ocorre uma queda na taxa de atividade do ciclo, de modo que o resultado final é uma redução da taxa de produção aeróbica de ATP. É importante ressaltar que a diminuição da quantidade de intermediários do ciclo de Krebs (em decorrência da depleção de glicogênio) acarreta numa taxa reduzida de produção de ATP a partir do metabolismo de gordura, já que as gorduras podem ser metabolizadas apenas por meio da oxidação no ciclo de Krebs. Dessa forma, utiliza-se na fisiologia a frase “as gorduras são queimadas na chama dos carboidratos”, justamente porque se não houver carboidratos suficientemente disponíveis nos estágios mais importantes do processo de produção de energia, a gordura não será completamente metabolizada (POWERS; HOWLEY, 2014). Apesar de a gordura poder gerar potencialmente muita energia, existe um limite de velocidade para a utilização dos ácidos graxos pelo músculo ativo. Assim uma redução apreciável na disponibilidade de carboidratos limita muito a capacidade de transferência de energia, podendo acarretar provavelmente em uma fadiga muscular “periférica” ou local durante o exercício (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2016). 33 NUTRIÇÃO NO ESPORTE Outras condições que podem levar à depleção de glicogênio além da atividade física prolongada são: aporte energético insuficiente, restrição ou eliminação dos carboidratos da dieta (conforme aconselhado nas “dietas cetogênicas”), dias consecutivos de treinamento intenso sem o devido descanso e uma condição metabólica que dificulte a captação celular da glicose como o diabetes melito (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2016). 1.10 Lipogênese A lipogênese é a síntese de ácidos graxos e triglicérides, principalmente no citoplasma das células hepáticas, e requer a energia do ATP agindo juntamente com as vitaminas do complexo B, biotina, niacina e ácido pantotênico. Ocorre quando a glicose ou a proteína consumida em excesso não é utilizada completamente para sustentar o metabolismo energético. O excedente é transformado em triacilglicerol e armazenado nas células adiposas. Após uma refeição com grandes quantidades de carboidratos, por exemplo, as reservas musculares e hepáticas de glicogênio ficam plenas, ocorrendo a liberação de insulina pelo pâncreas para promover a entrada da glicose nas células. A insulina também acarreta um aumento de 30 vezes no transporte de glicose para o interior dos adipócitos. A lipogênese tem início com os carbonos provenientes da glicose e das moléculas de aminoácidos que são convertidos para acetil-CoA. As células hepáticas realizam a união das partes de acetato das moléculas de acetil-CoA em uma série de etapas para formar o ácido graxo saturado com 16 carbonos. A seguir, essa molécula aumenta seu comprimento para um ácido graxo com 18 ou 20 cadeias de carbono no citosol ou nas mitocôndrias. Três moléculas de ácidos graxos acabam se unindo (esterificando) com uma molécula de glicerol (produzida durante a glicólise) a fim de produzir uma molécula de triacilglicerol. O glicerol formado durante a lipólise difunde-se prontamente do adipócito para a circulação. Então, quando é levado até o fígado, o glicerol funciona como um precursor para a síntese de glicose. A molécula hidrossolúvel de glicerol formada durante a lipólise difunde-se prontamente do adipócito para a circulação. Apesar de os seres humanos não serem capazes de transformar os ácidos graxos em glicose, o componente glicerol, quando levado até o fígado, funciona como um precursor para a síntese de glicose (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2016). 1.11 Liberação de energia pelas proteínas Embora a proteína possa ter um papel auxiliar como substrato energético durante as atividades de endurance e treinamento intenso, normalmente pouca proteína ou aminoácido é metabolizada para fornecer energia. Muitos aminoácidos podem ser transformados em glicose, os quais são denominados gliconeogênicos. Alguns aminoácidos, sobretudo aqueles de cadeia ramificada (como leucina, isoleucina, valina, glutamina, alanina e aspartato), podem ser convertidos em intermediários metabólicos ou moléculas capazes de penetrar no processo bioenergético em algum momento. Para que isso ocorra, é necessária a transferência do nitrogênio que contém o grupo amino do aminoácido para um cetoácido, pela transaminação, ou pela retirada do nitrogênio pela desaminação, 34 Unidade I processo no qual o grupo amino removido dá origem à amônia (NH3). Todos os aminoácidos precisam ser desaminados ou transaminados para entrar no metabolismo aeróbico. Os aminoácidos glicogênicos, como a glicina, quando desaminados, produzem intermediários (como piruvato, oxaloacetato ou malato) para a síntese da glicose por meio da gliconeogênese. O piruvato pode ser transformado em acetil-CoA, capaz de entrar no ciclo do ácido cítrico (ciclo de Krebs). Alguns aminoácidos, como a glicina, são cetogênicos, isto é, quando desaminados, podem ser convertidos em acetil-CoA ou acetoacetato. Esses compostos não podem ser usados para sintetizar a glicose; em vez disso, são sintetizados para triacilglicerol ou são catabolizados para a obtenção de energia no ciclo do ácido cítrico (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2016; KRAEMER; FLECK; DESCHENES, 2016). Alguns aminoácidos, como o glutamato, podem entrar diretamente no ciclo de Krebs e ser metabolizados. H C O N H OC Cadeia lateral H H Alguns podem ser usados para sintetizar glicose e, por isso, são glicogênicos Alguns podem ser transformados em acetil-CoA Alguns conseguem entrar no ciclo de Krebs diretamente e são glicogênicos Piruvato NH2 NH2 NH2 H+ para CTE CO2 Glicose Aminoácidos Acetil-CoA Ciclo de Krebs Figura 12 – Os aminoácidos conseguem entrar no metabolismo aeróbico, após desaminação ou transaminação Fonte: Kraemer, Fleck e Deschenes (2016, p. 90). Os aminoácidos também podem ser captados e metabolizados pelos tecidos, inclusive pelo musculoesquelético, para gerar energia em determinadas situações como, por exemplo, durante uma dieta hipocalórica extrema, na qual haverá perda de massa muscular. Por outro lado, uma ingestão elevada de proteínas também acarreta maior contribuição das proteínas como substrato energético, uma vez que menos carboidrato proporcionalmente estará disponível. 35 NUTRIÇÃO NO ESPORTE Numa dieta mista rica em carboidratos ou gorduras, apenas uma pequena parte das proteínas será usada na produção de ATP durante a prática do exercício ou no repouso, pois o organismo usará preferencialmente o substrato que estiver mais prontamente disponível. Entretanto, em atividades de longa duração que demandam um aporte maior de energia, pode haver um pequeno aumento no metabolismo dos aminoácidos (sobretudo os de cadeia ramificada e a alanina). Tipicamente a proteína contribui com menos de 2% do substrato utilizado durante o exercício com menos de 60 minutos de duração, mas durante uma atividade prolongada (de 3 a 5 horas), essa contribuição pode chegar até 15% da energia disponível (KRAEMER; FLECK; DESCHENES, 2016). Assim como os carboidratos, a proteína dietética excedente também pode ser transformada em gordura. Os carboidratos em excesso proporcionam os fragmentos de glicerol e de acetil para sintetizar os triacilgliceróis. No caso das proteínas, após a sua digestão, essas são transportadas na circulação para o fígado. O piruvato produzido pela desaminação dos esqueletos de carbono penetra na mitocôndria para sua conversão em acetil-coA a fim de participar
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