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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI EDUCAÇÃO DO DEFICIENTE FÍSICO E DO MÚLTIPLO DEFICIENTE GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................... 5 2 CONCEITOS BÁSICOS DA PSICOMOTRICIDADE ........................... 6 3 ELEMENTOS DA PSICOMOTRICIDADE ........................................... 7 4 O PAPEL DO PSICOMOTRICISTA ................................................... 10 5 PSICOMOTRICIDADE COMO ÁREA TRANSDISCIPLINAR ............ 13 6 APLICAÇÕES DA EDUCAÇÃO E DA REEDUCAÇÃO PSICOMOTORA ............................................................................................................14 6.1 Antes de reeducar, identificar ...................................................... 16 7 ASPECTOS ESSENCIAIS AO DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR ............................................................................................................17 8 O PAPEL DO PSICOMOTRICISTA NA EDUCAÇÃO E NA REEDUCAÇÃO PSICOMOTORA ......................................................................... 20 9 A NATUREZA ADAPTATIVA DA INTELIGÊNCIA ............................. 22 9.1 Assimilação e acomodação como um modelo de funcionamento psicomotor................ ......................................................................................... 24 10 DA AÇÃO À OPERAÇÃO ............................................................... 30 11 CORPO E PERSONALIDADE ....................................................... 31 12 A CRIANÇA É O SEU CORPO ...................................................... 33 13 O CORPO COMO MATERIALIZAÇÃO DA HUMANIZAÇÃO ......... 34 14 CONCEPÇÕES SOBRE A IMAGEM DO CORPO ......................... 34 14.1 Noção de esquema corporal e de imagem do corpo .................. 36 14.2 A ilusão do membro fantasma no amputado .............................. 38 14.3 A somatognosia .......................................................................... 41 14.4 Concepção neurofisiológica da imagem do corpo ...................... 44 3 15 CORPO, MOVIMENTO E EXPRESSÃO ........................................ 48 16 CORPO, MOVIMENTO, EXPRESSÃO E CONSTRUÇÃO DE DOMÍNIOS CULTURAIS ....................................................................................... 52 17 PRÁTICAS CORPORAIS E EDUCAÇÃO FÍSICA .......................... 56 18 O CONCEITO DE DEFICIÊNCIA ................................................... 60 18.1 Deficiência física ......................................................................... 62 18.2 Transtorno do espectro autista ................................................... 63 18.3 Deficiência sensorial ................................................................... 64 18.4 Deficiência intelectual ................................................................. 65 18.5 Aspectos motores ....................................................................... 69 19 INCLUSÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL...................... ........................................................................................ 70 20 A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA COMO PROMOTORA DA INCLUSÃO ESCOLAR .......................................................................................... 74 21 AS ATIVIDADES FÍSICAS E A QUALIDADE DE VIDA PARA O DEFICIENTE FÍSICO ............................................................................................ 78 22 REINVENTANDO O ESPAÇO FÍSICO DA ESCOLA ..................... 80 23 DEFICIÊNCIA FÍSICA: O PERIGO DA OBESIDADE ..................... 80 23.1 Algumas deficiências e seus possíveis quadros ......................... 81 23.2 Quais são os problemas causados pelo excesso de peso? ....... 82 23.3 Sobre a importância da atividade física ...................................... 84 24 REFLEXÕES SOBRE ALGUMAS DEFICIÊNCIAS E SUAS POSSIBILIDADES ................................................................................................. 84 24.1 Deficiência intelectual: ................................................................ 84 24.2 Pessoas com paralisia cerebral: ................................................. 86 24.3 Deficiência auditiva: .................................................................... 86 4 24.4 O esporte para o deficiente auditivo: .......................................... 87 24.5 Ao tratar uma pessoa com deficiência auditiva: .......................... 88 24.6 Deficiência visual: ....................................................................... 89 24.7 Algumas sugestões para os relacionamentos: ........................... 91 25 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ................................................................ 92 26 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ............................................... 92 5 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 6 2 CONCEITOS BÁSICOS DA PSICOMOTRICIDADE A psicomotricidade é a ciência que estuda o homem e as suas relações com seu corpo e seus movimentos, além de considerar as relações que surgem da interação com o outro e o ambiente. Se for analisada a etiologia da palavra (psi = emoção, co = cognitivo, motric = movimento humano, idade = etapas de vida), percebe-se o quão abrangente o campo de estudos da psicomotricidade pode ser. O estudo da psicomotricidade tem forte caráter educacional, pois é aplicado em escolas e salas de aula e de atendimento especializado, com a intenção de aprimorar o desenvolvimento dos sujeitos que possam apresentar (ou não) dificuldades relacionais, motoras ou de aprendizagem em tais espaços (MIGUEL, 2019). As pesquisas que deram origem ao campo psicomotor apresentaram inicialmente um enfoque eminentemente neurológico. Em 1909, o neuropsiquiatra Ernest Dupré, figura de fundamental importância na área, afirmou a independência da debilidade motora de um possível correlato neurológico, apontando que, ainda assim, essa debilidade poderia causar alterações consideráveis em relação ao desenvolvimento humano (MIGUEL, 2019). Em 1925, o médico e psicólogo Henri Wallon estudou o movimento humano, reconhecendo sua categoria fundante como instrumento na construção do psiquismo. Essa diferenciação permitiu a Wallon relacionar o movimento ao afeto, à emoção, ao meio ambiente e aos hábitos do indivíduo. Em 1935, Edouard Guilmain, neurologista, desenvolveu um exame psicomotor para fins de diagnóstico, indicação da terapêutica e prognóstico. Em 1947, o psiquiatra Julian de Ajuriaguerra redefiniu o conceito de debilidade motora, considerando-a como uma síndrome com suas próprias particularidades. Foi quem delimitou com clareza os transtornos psicomotores que oscilam entre os âmbitos neurológico e o psiquiátrico. Com essasnovas contribuições, a psicomotricidade passou a se diferenciar de outras disciplinas, adquirindo sua própria especificidade e autonomia (MIGUEL, 2019). Com o entendimento de que as dificuldades motoras podem existir mesmo que não haja uma deficiência neurológica no ser humano, o uso do termo 7 psicomotricidade ganhou força em 1970, explicar tais acontecimentos durante o desenvolvimento, sobretudo o infantil. Nessa década, diferentes autores definiram a psicomotricidade como uma motricidade de relação, considerando a íntima ligação dos aspectos afetivos aos aspectos motores dos sujeitos (MIGUEL, 2019). A partir daí, começou a ser delimitada a diferença entre uma postura reeducativa e uma postura terapêutica. Ao se desligar da técnica instrumentalista e se ocupar do "corpo de um sujeito", a abordagem terapêutica dá, progressivamente, maior importância à relação entre mente e coração, bem como ao entendimento do sujeito como um todo. Tal entendimento perdura até os dias atuais (MIGUEL, 2019). 3 ELEMENTOS DA PSICOMOTRICIDADE De acordo com Fonseca (2008), são várias as classificações e as terminologias utilizadas para denominar as funções psicomotoras. De qualquer forma, os conceitos são basicamente os mesmos; o que muda é a forma de classificar e agrupar esses conceitos. As terminologias mais utilizadas no Brasil e os seus respectivos conceitos são apresentados a seguir. Esquema corporal: é o saber pré-consciente a respeito do seu próprio corpo e de suas partes, permitindo que o sujeito se relacione com espaços, objetos e pessoas que o circundam. As informações proprioceptivas ou cinestésicas é que constroem esse saber acerca do corpo, e, à medida que o corpo cresce, acontecem modificações e ajustes no esquema corporal. Exemplo: a criança sabe que a cabeça está em cima do pescoço e sabe que ambos fazem parte de um conjunto maior, que é o corpo, conforme descreve Fonseca (2008). Imagem corporal: é a representação mental inconsciente que fazemos do nosso próprio corpo, formada a partir do momento em que esse corpo começa a ser desejado e, consequentemente, passa a desejar, bem como ser marcado por uma história singular e pelas inscrições materna e paterna. Um exemplo de como se dá sua 8 construção é o estágio do espelho, que começa aos 6-8 meses de idade, quando a criança já se reconhece no espelho, sabendo que o que vê é sua imagem refletida. A imagem, portanto, vem antes do esquema — portanto, sem imagem, não há esquema corporal, conforme aponta Le Bouch (1992). Tônus: de acordo com Sampaio (2009), é a tensão fisiológica dos músculos que garante equilíbrio estático e dinâmico, coordenação e postura em qualquer posição adotada pelo corpo, esteja ele parado ou em movimento. Exemplo: a maioria das pessoas portadoras da Síndrome de Down possui uma hipotonia, ou seja, uma tonicidade ou tensão menor do que a normal, o que faz com que haja um aumento da mobilidade e da flexibilidade e uma diminuição do equilíbrio, da postura e da coordenação. Coordenação global ou motricidade ampla: é a ação simultânea de diferentes grupos musculares na execução de movimentos voluntários, amplos e relativamente complexos. Exemplo: para caminhar, utilizamos a coordenação motora ampla, em que membros superiores e inferiores se alternam coordenadamente para que haja deslocamento, de acordo com Le Bouch (1992). Motricidade fina: é a capacidade de realizar movimentos coordenados utilizando pequenos grupos musculares das extremidades, conforme define Le Bouch (1992). Exemplo: escrever, costurar, digitar. Organização espaço-temporal: é a capacidade de se orientar adequadamente no espaço e no tempo. Para isso, é preciso ter a noção de perto, longe, em cima, embaixo, dentro, fora, ao lado de, antes, depois. Alguns autores estudam a organização espacial e a organização temporal separadamente. Fonseca (2008) cita como exemplo a brincadeira “Batatinha frita 1, 2, 3”. 9 Ritmo: é a ordenação constante e periódica de um ato motor. Para ter ritmo, é preciso ter organização espacial, segundo Fonseca (2008). Exemplo: pular corda. Lateralidade: é a capacidade de vivenciar os movimentos utilizando- se, para isso, os dois lados do corpo, ora o lado direito, ora o lado esquerdo. Por exemplo: a criança destra, mesmo tendo sua mão direita ocupada, é capaz de abrir uma porta com a mão esquerda. É diferente da dominância lateral, que é a maior habilidade desenvolvida em um dos lados do corpo devido à dominância cerebral — ou seja, pessoas com dominância cerebral esquerda têm maior probabilidade de desenvolverem mais habilidades do lado direito do corpo e, por isso, são destros. Com os canhotos, acontece o inverso, já que sua dominância cerebral é do lado direito, conforme destaca Sampaio (2009). Equilíbrio: é a capacidade de se manter sobre uma base reduzida de sustentação do corpo, utilizando uma combinação adequada de ações musculares, parado ou em movimento. Um exemplo de equilíbrio dinâmico é caminhar sobre uma prancha, e de equilíbrio estático é manter-se sentado corretamente, conforme Sampaio (2009). 10 4 O PAPEL DO PSICOMOTRICISTA Para o psicomotricista, o sujeito constitui sua unidade a partir das interações com o mundo externo e nas ações do outro (mãe e substitutos) sobre ele. A especificidade do psicomotricista se situa, assim, na compreensão da gênese do psiquismo e dos elementos fundadores da construção da imagem e da representação de si (MIGUEL, 2019). Uma criança que não consegue organizar seu corpo no tempo e no espaço não conseguirá sentar-se em uma cadeira, concentrar-se, segurar um lápis com firmeza e reproduzir em um papel o que elaborou em pensamento. Autores como Oliveira (2015) indicam que o primeiro dicionário é escrito no corpo, reforçando, assim, a importância do movimento enquanto base para outras novas aquisições das etapas do desenvolvimento humano. Corroborando com isso, Le Boulch (1985) indica que o ato antecipa a palavra, e a fala é uma importante ferramenta psicológica organizadora, pois é por meio da fala que a criança integra os fatos culturais ao desenvolvimento pessoal. Logo, a partir do momento em que ocorrem falhas no desenvolvimento dos movimentos dessa criança, podem também ocorrer falhas na capacidade de aquisição da linguagem verbal e/ou escrita. Com isso, o psicomotricista, primeiramente, pode atuar na educação infantil, estimulando o desenvolvimento infantil a partir do trabalho das habilidades motoras e das capacidades físicas, com vistas ao aprimoramento das questões sociais e afetivas. Tanto que alguns autores sugerem a importância do trabalho do psicomotricista nos primeiros cinco anos de idade da criança, como se houvesse uma espécie de “janela” aberta para o melhor desenvolvimento das mesmas nesse período (MIGUEL, 2019). O Quadro 1 apresenta os principais conhecimentos e aquisições psicomotoras em cada fase de desenvolvimento infantil (MIGUEL, 2019). 11 12 De acordo com a Associação Brasileira de Psicomotricidade ([2019]), as áreas de atuação para o psicomotricista podem ser: educacional, institucional e clínica. Em relação aos eixos de atendimento, a associação destaca os descritos a seguir. Psicomotricidade educacional: atendimento voltado ao espaço escolar, podendo ser realizado no nível da educação infantil e dos ensinos fundamental, médio e superior. Psicomotricidade hospitalar: em ambulatórios, UTIs, espaços de saúde e brinquedotecas, com vistas à reabilitação de alguma debilidade psicomotora. Psicomotricidade empresarial: atividades de ergopsicomotricidade, em que se encontram formas de desenvolver aspectos motores dentro dos espaços de trabalho. Terapia psicomotora: destinada a indivíduos com particularidades em saúde mental e idade avançada, comoé o caso dos idosos. 13 5 PSICOMOTRICIDADE COMO ÁREA TRANSDISCIPLINAR A psicomotricidade, a psicopedagogia e a educação física estão intimamente ligadas, pois, antes de aprender a matemática, o português e os ensinamentos formais, o corpo deve estar organizado, com todos os elementos psicomotores estruturados, para que isso seja possível. Especificamente em se tratando de infância, desde o nascimento, o que salta aos olhos no desenvolvimento infantil é o corpo em movimento, que, inicialmente, não apresenta significados inscritos, mas, aos poucos, transforma-se em expressão de desejo e, posteriormente, em linguagem, conforme descreve Lapierre (1986). Assim, aos poucos, esse corpo em movimento se transforma e, a partir daí a criança é capaz de reproduzir situações reais, fazendo imitações que se transformam em “faz de conta”, conforme leciona Sampaio (2009). A partir daí a criança consegue separar o objeto de seu significado, falar daquilo que está ausente e representar corporalmente. Esse processo nada mais é do que a vivência dos elementos psicomotores dentro de contextos histórico-culturais e afetivos significativos, ainda conforme aponta Sampaio (2009). O que garantirá a aprendizagem de conceitos formais aliados à aprendizagem de conceitos do cotidiano são práticas como: construir textos, contar uma história, dar um recado, fazer compras, varrer a casa, utilizar as operações matemáticas para contar quantas pessoas vieram, quantas faltaram, etc. Além disso, para chegar a uma coordenação motora fina, necessária à construção da escrita, a criança precisa desenvolver a motricidade ampla, organizar seu corpo, ter experiências motoras que estruturem sua imagem e seu esquema corporal, conforme Fonseca (2010). De modo geral, parece evidente a função da psicomotricidade enquanto forma de estruturar o desenvolvimento humano em diversos contextos de origem existentes. Com isso, é possível reforçar a abordagem transdisciplinar da psicomotricidade, que sugere a compreensão do conhecimento de forma plural, em que não se dissocia o sujeito e os temas envolvidos no desenvolvimento humano (afetividade, motricidade, cognição). A psicomotricidade pode representar uma peça 14 importante no quebra-cabeças do desenvolvimento humano, sobretudo o infantil. Todas as possibilidades adquiridas por meio da psicomotricidade na infância vão refletir na qualidade de uma série de processos sociocognitivos, afetivos e motores na vida adulta, promovendo, assim, um desenvolvimento integral dos indivíduos. (MIGUEL, 2019) 6 APLICAÇÕES DA EDUCAÇÃO E DA REEDUCAÇÃO PSICOMOTORA Entende-se por educação psicomotora toda a atividade orientada e com uma finalidade concreta realizada no período da infância, sobretudo na educação infantil. Segundo Lebouch (1987), a partir da educação psicomotora, a criança aprende sobre seu corpo, tomando consciência sobre ele e formando sua personalidade. A partir das ações espontâneas da criança, realizam-se ações educativas (Figura 1), com a finalidade de auxiliar na experimentação dos movimentos e na consequente aquisição de novas habilidades motoras (correr, saltar, chutar, rebater etc.), tão importantes ao desenvolvimento. 15 Autores como Curtiss (1988) descrevem a educação psicomotora como uma ferramenta importante para o desenvolvimento das questões afetivas da criança, podendo auxiliar na expansão de sua capacidade de expressar sentimentos e contribuir para a qualidade de sua interação com o mundo externo. Nesse sentido, é de grande relevância educar a criança considerando-se o “todo” — ou seja, de forma que o cognitivo (inteligência), a afetividade (sentimentos e emoções), o social (relações pessoais com os outros) e o motor (movimentos em geral) sejam trabalhados de modo integrado, por meio de atividades lúdicas realizadas em duplas ou grupos, com música, materiais alternativos (balões), espelhos, entre outros elementos. Em ambientes de grande diversidade, como é o caso da escola, não é incomum observar crianças com alterações motoras significativas em relação ao ritmo, à marcha, à coordenação, entre outros aspectos. Tais alterações podem decorrer de múltiplos fatores, como lesões no sistema nervoso central ou imaturidade afetiva, cognitiva ou meramente motora, pela ausência de experimentação. Nesses casos, é possível lançar mão da reeducação psicomotora, que é uma abordagem que utiliza o movimento como forma de normalizar o comportamento geral da criança, conforme Oliveira (1999). Na reeducação motora, são retomadas vivências anteriores que não foram estimuladas de forma correta no período em que deveriam ter sido. 16 6.1 Antes de reeducar, identificar Algumas crianças são apontadas pelos pais ou pelos professores como trapalhonas, com pouco interesse ou jeito para os desportos ou com dificuldades para adquirir uma marcha segura ou começar a andar de bicicleta. Os educadores também destacam aquelas que se sujam muito ao comer, que fazem birras ou que não gostam de pintar — o que, mais tarde, traduz-se em uma caligrafia disforme. Esses podem ser alguns sinais de alerta para a existência de alguma perturbação motora, podendo ser ela do equilíbrio, da coordenação ou de qualquer outro elemento que compõe a psicomotricidade. A perturbação motora é uma inquietação corporal causada por uma emoção que desorganiza o viver; ela abrange perturbações no esquema corporal, no tônus muscular e na imagem corporal, conforme aponta Fonseca (2012). Como sabemos, a exploração motora do ambiente é um meio de convívio privilegiado na infância, o que significa que crianças que têm dificuldades para realizar essa exploração podem apresentar comprometimentos sociais ou emocionais. De acordo com Oliveira (1999), existem alguns sinais de possíveis dificuldades motoras de aprendizagem. Cabe salientar que o paciente não necessariamente apresenta todos os sintomas na mesma época; eles podem surgir na medida do seu amadurecimento. Na idade pré-escolar, os seguintes sinais podem ser observados: Atraso na aquisição de marcos de desenvolvimento, como rolar, sentar- -se, andar ou falar; Dificuldade em correr, saltar, apanhar ou chutar uma bola ao nível dos pares; Dificuldade nos conceitos espaciais, como “em cima”, “embaixo”, “à frente”, “atrás”, “dentro”, “fora”; Dificuldade em se vestir sozinho; Dificuldade em adquirir uma pega do lápis adequada ao seu nível. (MIGUEL, 2019) 17 Já na idade escolar e nos anos seguintes, os sinais a seguir podem ser observados: As dificuldades vividas na pré-escola se mantêm; Evitar ou não gostar de educação física e jogos de grupo; Dificuldade em apertar botões ou atar algum cadarço/fita; Dificuldade acentuada em copiar do quadro; Escrita muito laboriosa e imatura; Caligrafia imatura (MIGUEL, 2019). Muitas vezes, esse conjunto de características toma proporções emocionais, não sendo improvável encontrarmos crianças com baixa tolerância à frustração, falta de motivação, baixa autoestima e evitamento de tarefas motoras. Isso se deve essencialmente ao cansaço e ao fracasso repetido, comuns na rotina desses alunos. A detecção dessas perturbações pode ser feita pelos professores da criança (independentemente da área); então, elas devem ser encaminhadas a um psicomotricista, para a reeducação das estruturas instáveis (MIGUEL, 2019). 7 ASPECTOS ESSENCIAIS AO DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR Segundo De Fontaine (1980), a reeducação tem como base de sua eficácia os mecanismos que estão na origem da vida mental, do controle gestual e do pensamento, que regulam as reações tônico-emocionais, o equilíbrio, a fixação, a atenção e a correta apreensão do tempo e do espaço. Com isso, as atividades a serem trabalhadas na educação psicomotora remetem ao aprimoramento dos aspectos citados acima, acompanhadaspelo treino da percepção. A percepção é a capacidade de reconhecer e compreender os estímulos recebidos por meio de brincadeiras, atividades físicas, jogos simbólicos e interação ou, simplesmente, do ambiente em que se vive. 18 De acordo com Fonseca (1985), o desenvolvimento psicomotor se divide em sete aspectos básicos: Tonicidade; Equilíbrio; Lateralidade; Noção corporal; Estruturação espaço-temporal; Práxia fina; e Práxia global. O Quadro 1 apresenta a conceituação de cada um dos sete aspectos essenciais ao desenvolvimento psicomotor, com base em Fonseca (1985). Em função de esses aspectos servirem como uma espécie de base para o desenvolvimento, Fonseca (1985) criou uma bateria psicomotora (BPM), com uma 19 série de testes capazes de avaliar os fatores descritos e, com isso, direcionar o atendimento aos casos com alguma necessidade de reeducação psicomotora. 20 8 O PAPEL DO PSICOMOTRICISTA NA EDUCAÇÃO E NA REEDUCAÇÃO PSICOMOTORA O psicomotricista, enquanto profissional atuante na educação e na reeducação motora, promove a mediação entre o movimento e as descobertas do aluno sobre seu corpo e sobre si mesmo. Esse profissional realiza uma atividade de repetição, que deve ser disciplinada pela busca de acertos, sem que os erros sejam vistos como uma “negativa” dentro do processo. Pelo contrário, a partir da percepção dos erros, o psicomotricista pode adaptar as situações, desenvolvendo estratégias que possam facilitar a aquisição motora dos alunos. A finalidade é que eles avancem em direção a uma nova aquisição, mais complexa do que a primeira (MIGUEL, 2019). O educador que observa um aluno com alguma perturbação motora pode reparar que, por vezes, algumas das suas características fazem com que os resultados não traduzam o esforço investido por ele. A seguir, são apresentadas estratégias que têm como principal objetivo ajudar esse aluno a progredir, sem ser prejudicado pelas suas dificuldades, conforme Fonseca (2012). 21 Dê mais tempo para o aluno realizar as tarefas mais exigentes a nível motor, como pintar, escrever, desenhar. Utilize papel pautado ou quadriculado, mais facilitador a nível perceptivo. Encoraje uma boa postura de escrita. Caso seja um trabalho muito exigente ao nível da velocidade, encurte a atividade em conteúdo. Permita a utilização do computador. Utilize auxiliares de pega do instrumento de escrita, caso esta seja imatura ou incorreta (variação nos lápis e canetas). Permita a utilização de métodos alternativos de avaliação, como apresentações orais. Não faça comparações com outros alunos. Elogie o esforço, e não a habilidade. Promova a competição consigo mesmo, e não com os outros. A participação deve ser mais importante do que a competição. No caso de feedback corretivo, dê informação direta, sucinta e positiva — por exemplo: “Levante a cabeça” ou “Agarre a bola com os dedos afastados”. Se necessário, modifique os materiais — por exemplo, use bolas mais leves ou de diferentes materiais. O psicomotricista é o profissional que age na conexão da saúde, da educação e da cultura, avaliando, prevenindo, cuidando e pesquisando o indivíduo em sua relação com o ambiente e analisando os seus processos de desenvolvimento. O objetivo de sua função é atuar nas dimensões do esquema e da imagem corporal em conformidade com o movimento, a afetividade e a cognição. Esse profissional pode lançar mão de uma série de medidas para avaliar, planejar e acompanhar o desenvolvimento psicomotor de seus alunos/pacientes. (MIGUEL, 2019) 22 9 A NATUREZA ADAPTATIVA DA INTELIGÊNCIA Jean Piaget (1947, 1956, 1964b, 1965, 1970, 1976) é um dos maiores vultos do conhecimento moderno. Influenciou todos os campos da psicologia e da pedagogia, não só pela vastidão do seu trabalho teórico e empírico, mas também pela fundamentação interdisciplinar que o caracteriza. Inicialmente zoólogo, com uma tese sobre moluscos, mais tarde filósofo, lógico e epistemólogo, Piaget (1973, 1976), sempre interessado pelas ciências da natureza, tornouse um dos psicólogos genéticos mais conhecido e distinto da atualidade. Trabalhando como assistente de investigação de Simon, no Laboratório de Binet, em Paris, a sua missão centrou-se, na época, na padronização dos testes de lógica de Burt com amostras de crianças francesas em idade escolar, padronização essa que permanentemente combateu ao longo da sua carreira. O seu interesse, pelo contrário, foi-se situando muito mais sobre o processo de raciocínio subjacente que as crianças usavam, não só quando produziam respostas certas, mas, especialmente, quando produziam respostas erradas. Interessou-se, assim, particularmente, em conjunto com seus colegas Inhelder e Szeminska, pela maneira como as crianças pensavam em problemas, ou seja, pelo seu processo cognitivo, e não meramente pelos produtos ou comportamentos em si (FONSECA, 2008). Não se conhece uma teoria da aprendizagem de Piaget, nem qualquer tentativa neurobiológica ou neuropsicológica para explicá-las, todavia a sua contribuição sobre o desenvolvimento cognitivo da criança é uma obra extraordinária, quer em termos quantitativos, quer qualitativos. Também interessado em estudos cognitivos sobre crianças portadoras de deficiência mental e de dificuldades de aprendizagem, Piaget permitiu esclarecer em muito o desenvolvimento destas, tendo concluído que, em termos globais, tal desenvolvimento se caracteriza sensivelmente pelas mesmas seqüências de raciocínio cognitivo que as crianças ditas normais, só que seguindo regras de aplicação em um ritmo mais lento e de uma forma inacabada, com oscilações e regressões (Inhelder, 1943; Inhelder e Piaget, 1948). O seu contributo é também inovador no âmbito da avaliação do potencial cognitivo, pois, ao contrário da 23 perspectiva psicométrica e padronizada, acabou por criar instrumentos mais flexíveis, quer na administração, quer na cotação, permitindo, ainda, a sua adequabilidade a crianças com perturbações de desenvolvimento. Com tarefas indutoras de interação entre o observador e a criança observada, sem limite de tempo e suscetíveis de serem aplicadas várias vezes e com variações, o objetivo da sua observação-tipo era indagar sobre o nível de funcionamento cognitivo da criança, com base na ocorrência de processos de facilitação da sua expressão, ou seja, de processos de interação e de questionamento que permitam chegar mais perto das estruturas dos seus conceitos cognitivos do que sobre o rendimento do seu comportamento. Nessa perspectiva inovadora, este autor aproxima-se das correntes atuais de avaliação dinâmica (Tzuriel, 1989; Haywood e Tzuriel; 1992, Lidz; 1997). A sua perspectiva seqüencial de desenvolvimento, de estádios precedentes a estádios subseqüentes, serve igualmente de base para construir escalas evolutivas que podem orientar a avaliação longitudinal e o ensino de aptidões cognitivas a crianças que apresentam várias condições de dificuldade. Investigadores, observadores, avaliadores, clínicos, professores e outros não podem deixar de usar estes conceitos todos os dias na sua prática profissional, dada a sua importância e utilidade psicopedagógica (FONSECA, 2008). Não cabendo neste livro a abordagem multifacetada da sua vasta obra, tentarei neste capítulo integrar apenas as suas principais idéias sobre o desenvolvimento cognitivo da criança, ao mesmo tempo que tentarei analisar alguns dos seus conceitos e suas contribuições mais próximos dos paradigmas da teoria da ação e do desenvolvimento psicomotor da criança e do jovem (FONSECA, 2008). Interessando-se desde cedo pelo estudo das estruturas e dos domínios da totalidade da função cognitiva, da “organização horizontal” dos estádios de desenvolvimento cognitivo e da gêneseda inteligência na criança, (Piaget, 1961, 1962c, 1964a, 1964b, 1972a), também designado como um cientista somático, imprime aos seus trabalhos uma ótica simultaneamente biológica e evolutiva que naturalmente o aproxima dos trabalhos de Darwin (1956), de Freud (1967, 1968), de Hanna (1970) e de Lorenz (1974). 24 Independentemente da sua abordagem sobre o desenvolvimento cognitivo ser considerada complexa, em alguns âmbitos até mesmo difícil de captar e de integrar, corro o risco de alguma simplificação neste capítulo dedicado ao desenvolvimento psicomotor, com o sentido de viabilizar a acessibilidade aos seus conceitos mais fundamentais (FONSECA, 2008). 9.1 Assimilação e acomodação como um modelo de funcionamento psicomotor Assim, segundo Piaget (1961, 1964b, 1970, 1973), a inteligência humana concretiza-se na adaptação do homem ao mundo exterior, adaptação essa que tem na sua perspectiva dois componentes: a) assimilação: do mundo exterior para a criança; b) acomodação: da criança para o mundo exterior. A inteligência, para Piaget (1964b, 1973, 1976), é a resultante e o resultado da experiência do indivíduo. Segundo ele, é através da experiência como ação e, portanto, como motricidade, que o indivíduo simultaneamente integra e incorpora o mundo exterior e o vai transformando. No primeiro caso, opera-se a assimilação do mundo exterior e, no segundo, a acomodação ao mundo exterior, isto é, em síntese, o indivíduo, ao transformar o 25 mundo exterior, transforma o seu mundo interior, transformandose em si próprio (FONSECA, 2008). Piaget (1973) possui uma visão da inteligência ou da cognição humana como uma adaptação biológica específica de um organismo complexo a um envolvimento igualmente complexo, um sistema cognitivo extremamente ativo, que seleciona e interpreta a informação do envolvimento à medida que constrói o seu conhecimento. Para Piaget (1964a, 1965a, 1972), não se trata de uma cópia da informação como ela se apresenta aos sentidos, mas mais de uma reconstrução e reinterpretação desta, para que se integre em um enquadramento mental preexistente. A mente, na sua perspectiva, nunca copia o envolvimento, aceitando- o de forma passiva ou preestabelecida, nem o ignora, criando uma concepção mental privada ou autista. Pelo contrário, a mente constrói estruturas de conhecimento, captando dados externos e interpretando-os, transformando-os e reorganizando-os de forma autodirigida. Trata-se, portanto, de um sistema de interação com o mundo exterior, ou seja, de uma adaptação biológica, composta de dois componentes inseparáveis e indivisíveis, complementares e simultâneos – a assimilação e a acomodação. Embora seja necessário abordar cada um destes componentes de forma separada, em termos mentais, eles estão intrinsecamente unidos, são as duas faces da mesma moeda, por assim dizer (FONSECA, 2008). A assimilação significa aplicar o que já se conhece e adquiriu, ou seja, interpretamos o mundo exterior (objetos, situações, eventos, etc.) em termos do que mentalmente podemos dispor para lidar com tais dados. A criança pequena pode fingir que um pedaço de madeira é um avião porque o “assimila” ao seu conceito mental de avião, isto é, incorpora o objeto dentro da estrutura de conhecimento que possui de aviões (FONSECA, 2008). A acomodação significa, por outro lado, ajustar o conhecimento em resposta às características especiais de um objeto ou de uma dada situação, tendo em conta as suas propriedades e relações objetivas e concretas, ou seja, por meio dela, adquire-se a noção estrutural dos atributos da informação em questão, o que 26 permite desencadear respostas adaptativas, logo motoras, a tais condições do envolvimento. A criança que pretende imitar os gestos da mãe tenta “acomodar-se” ou ajustar-se no seu aparelho mental (o que inclui um componente motor já integrado), aos detalhes do comportamento do seu modelo de ação (FONSECA, 2008). A assimilação sugere, portanto, um processo de adaptação dos estímulos externos às estruturas mentais internas do sujeito, enquanto a acomodação sugere um processo complementar de adaptar essas estruturas mentais à estrutura dos mesmos estímulos. Trata-se de dois aspectos extremamente interdependentes, inseparáveis e de igual importância, mas integrantes de um mesmo processo cognitivo, sugerindo uma constante e vital interação e colaboração entre o interno- cognitivo e o externoambiental, ambos mutuamente contribuindo para a construção do conhecimento (FONSECA, 2008). O modelo funcional de assimilação-acomodação, que, em termos psicomotores, apresenta uma similitude clara, acaba por fornecer igualmente uma concepção geral sobre o desenvolvimento cognitivo e sobre as suas mudanças estruturais e graduais, fundamentalmente causadas pela maturação e pela experiência (FONSECA, 2008). Os incrementos do crescimento mental decorrentes de repetidas assimilações e acomodações levam a um processo dialético contínuo do tipo passo- a-passo, gerando processos mentais transformados, que se desenvolvem a partir de outros mais elementares como conseqüência de mudanças graduais nas possibilidades assimilativas e acomodativas (FONSECA, 2008). Tais mudanças, entretanto, resultam da ativação contínua de tais funções mentais no decurso da adaptação prospectiva ao ambiente. A contínua assimilação do meio e a acomodação da mente ao meio são a conseqüência lógica da repetição do funcionamento cognitivo. É esse processo gradual, lento e integrado que acaba por ilustrar os diferentes tipos de pensamento da criança, desde o período sensório- motor até o período formal (FONSECA, 2008). Pelos esquemas das páginas anteriores, podemos, pois, facilmente verificar como a adaptação ao mundo exterior, em termos de aprendizagem, implica uma 27 relação permanente entre dois processos dinâmicos e complementa res – por um lado, a assimilação, preferencialmente envolvida na integração multissensorial, e, por outro, a acomodação, mais enfocada na elaboração motora. Em termos evolutivos simples, a criança tem de passar primeiro por uma fase de assimilação (dita receptiva ou de input), para poder atingir depois uma fase de acomodação (dita expressiva ou de output) (FONSECA, 2008). A criança estabelece, assim, a relação com o mundo exterior através da circularidade entre as percepções (assimilação) e as ações (acomodação), e é o conjunto de adaptações que, na sua circulação corporalizada pela motricidade, irá transformar a inteligência prática e sensório-motora em inteligência reflexiva e gnósica (FONSECA, 2008). Em traços muito gerais, posso tentar resumir a noção da inteligência em Piaget a uma noção de adaptação construtivista, noção, aliás, original e de um alcance psicopedagógico muito importante, ainda mais que, depois dos trabalhos 28 de Binet, de Freud, de Watson e de Terman, a noção de inteligência ficara contaminada de verbalismo. Piaget (1972a, 1972b, 1972c), em certa medida, desmistificou a noção verbal de inteligência e situou-a em um plano mais global, complexo e abrangente. A inteligência, na perspectiva piagetiana, consiste em uma dinâmica interiorizada, em que se verificam conexões representacionais de assimilações e de adaptações. Mas atenção: estas conexões deverão ser entendidas como integrações conservadas e consolidadas, isto é, devem ser edificadas e construídas de acordo com a lei da natureza sobre o equilíbrio dinâmico, sinônimo, aliás, da própria noção de adaptação (FONSECA, 2008). 29 Parece-me agora oportuno desenvolver um pouco mais esta noção de inteligência de Piaget (1964b). Assim, para o autor suíço, a inteligência verbal ou reflexiva repousa em uma inteligência sensório-motora, que, por sua vez, se apóia em ações e em associações de ações adquiridas e integradas. De fato,a coordenação do sistema sensóriomotor é a primeira e última demonstração de inteligência humana. Organizando e recombinando movimentos, a criança integra e transforma o mundo, da mesma forma que o homem primitivo foi construindo ferramentas e transformando a natureza de acordo com as suas necessidades de adaptação (Piaget, 1960, 1976). O movimento intencional, isto é, 30 a ação criadora, torna-se, assim, um elemento de compreensão prática que explica a seqüência das ações e a realização das condutas, ao mesmo tempo em que é um instrumento da experiência humana que aperfeiçoa e melhora a assimilação do mundo exterior. Efetivamente, antes da aquisição da linguagem (período pré-verbal) a criança demonstra a sua inteligência ou adaptação por estruturas sensório-motoras cada vez mais aperfeiçoadas e complexas. A formação destas estruturas é uma sucessão e uma integração de novas estruturas que obedecem a vários fatores que iremos desenvolver mais à frente (FONSECA, 2008). É dentro dessas “regras piagetianas” que se dá a embriologia da inteligência, demonstrando o caráter estruturante e estruturado da inteligência humana em formação (FONSECA, 2008). 10 DA AÇÃO À OPERAÇÃO Piaget (1947, 1956, 1962c, 1964a) destaca a importância da motricidade na formação da imagem mental (representação imagética). O vivido, integrado pelo movimento e pela experiência, é, como vimos, o reflexo da introjeção do mundo (assimilação), ao mesmo tempo que é também projeção no mundo (acomodação). A inteligência é ação e interação; não é mais do que uma ação interiorizada e organizada. A ação (movimento) transforma o objeto e o real, modificando-os através de processos sensóriomotores que antecedem a linguagem (“No começo é ação”, já dizia Goethe em analogia com o paradigma bíblico “no princípio era o verbo”). Efetivamente, a imagem mental só é possível quando apóiada e alicerçada na experiência e na ação. 31 A imagem (aspecto figurativo do pensamento) apóia-se e emerge da ação. A imagem mental, portanto, advém de uma imagem interiorizada do objeto ou do real. Tal imagem só é adquirida e assimilada quando passa pela experiência e pela ação. Ou seja, a criança só pode ter uma imagem ou uma noção de um objeto se esse objeto passar pela sua experiência, pela sua ação, isto é, pelas suas mãos. Do objeto real ao objeto mental, na lógica piagetiana, a motricidade integrada encarrega-se de produzir uma imagem e uma (re)presença coerente das suas ações e interações sujeitoobjeto. Em termos simples, diria que a criança conhece o objeto depois de tê-lo agido e manipulado. Há, portanto, na proposta de Piaget (1956, 1960, 1965a, 1976), um sentido dinâmico da ação e da imagem. Uma é a conseqüência da outra. Note-se, entretanto, que, na perspectiva escolar e clínica, a conseqüência deste pensamento conduz-nos a uma reinterpretação da importância da motricidade e do jogo em qualquer tipo de aprendizagem na criança, seja ela não-verbal ou não- simbólica, verbal ou simbólica. Sem um componente corporal e cinestésico de qualquer tipo de aprendizagem, as redes neuronais múltiplas que suportam os seus engramas (a sua memória específica) têm mais dificuldade para se fixar ou conservar e, conseqüentemente, são mais difíceis de rechamar ou de recuperar para serem mobilizadas para a organização de respostas adaptativas (FONSECA, 2008). 11 CORPO E PERSONALIDADE Julian de Ajuriaguerra, médico de origem basca, formado na França e radicado durante muito tempo na Suíça, é mundialmente reconhecido pelos seus trabalhos no âmbito da neurofisiologia, da neuropatologia e, fundamentalmente, no campo que interessa mais à teoria da psicomotricidade, ou seja, o da neuropsiquiatria infantil. Sua obra é de tal extensão e profundidade que naturalmente se torna impossível tratála, ou mesmo só apresentá-la, em um livro de sensibilização à problemática do desenvolvimento psicomotor e da aprendizagem, como é o caso. No entanto, não posso adiar por mais tempo uma primeira 32 abordagem à perspectiva multifacetada deste autor, que permite, por si só, completar e concretizar um sentido multi e transdisciplinar, que entendo ser hoje indispensável a todos os especialistas em desenvolvimento humano (pais, inclusive) quando, principalmente, está em questão o estudo, a compreensão, a caracterização e a intervenção sobre a personalidade total, inteira, completa e evolutiva da criança e do jovem (FONSECA, 2008). Nessa perspectiva, considero este autor como essencial, e o seu conhecimento, inadiável, em especial para a compreensão da importância da neuropsicologia da motricidade e da gênese do corpo na formação integral das crianças e dos jovens na sociedade atual (FONSECA, 2008). Claro que a interpretação de uma obra científica tão valiosa como é a de Ajuriaguerra implicará correr riscos – por um lado, o risco do recurso a determinados pressupostos complexos e, por outro, o artifício léxico-visual na apresentação dos vários temas. Tentarei, no entanto, atenuar tais inconvenientes salvaguardando ao máximo o rigor científico com que Ajuriaguerra construiu as suas obras de primeira importância para a psicomotricidade. Ao leitor e educador estudioso competirá, assim o espero, aprofundar qualquer destas noções em um estudo mais completo e exaustivo da bibliografia relevante deste autor (FONSECA, 2008). Para Ajuriaguerra (Ajuriaguerra, 1956, 1961, 1962, 1972a, 1974, 1976, 1978, 1980, 1981; Ajuriaguerra e Angelergues, 1962), a evolução da criança é sinônimo de consciencialização e de conhecimento cada vez mais profundos do seu corpo, ou seja, do seu eu total. É com o corpo, diznos este autor, que a criança elabora todas as suas experiências vitais e organiza a sua personalidade única, total e evolutiva. Esta perspectiva, que constitui indubitavelmente um contributo original para a compreensão da evolução da criança e do jovem no plano científico, tem, por isso mesmo, encontrado resistências de várias ordens, principalmente filosóficas e até culturais. Claro que a tais dificuldades e resistências não será estranha, por um lado, a já clássica e tradicional separação entre o homem e o ambiente, isto é, dos vários ecossistemas, e, por outro, o famoso dualismo teológico e cartesiano corpo-espírito, tão enraizado nos mais variados campos do conhecimento e do pensamento 33 humano. Nesta perspectiva mecanicista, que nunca é demais desmistificar, o corpo foi caracterizado e considerado como uma massa e um físico, constituído por um conjunto de ossos e de articulações “empilhados” de baixo para cima em um esqueleto de vísceras e de músculos revestido e envolvido por pele e pêlos (FONSECA, 2008). Daí ter sido fácil e freqüente ter-se caído e continuar-se a cair na alienação do corpo, quer no trabalho, quer no esporte, quer na arte, quer na educação, quer em outra atividade qualquer. O corpo surge, então, como uma ferramenta de produção ou máquina industrial, que, racionalizada ao extremo, adquire um potencial de alto rendimento, transforma-se em um recorde ou em um mister ou miss mundo qualquer! (FONSECA, 2008). 12 A CRIANÇA É O SEU CORPO A obra de Ajuriaguerra (1948, 1962, 1972a, 1974, 1980) é, pois, um grito de alarme contra tal perspectiva fácil, vulgar, mediática e simplista, colocando, ao contrário, o corpo em uma dimensão antropológica e ontológica de grande amplitude, isto é, “a criança é o seu corpo”. Claro que não é Ajuriaguerra o primeiro e único autor a preocupar-se com a problemática do corpo. Basta que recordemos a preocupação que sempre o corpo constituiu, desde o cristianismo, passando pelo hinduísmo ou pelo budismo, por exemplo. Podemos mesmo, ainda, recuar mais no tempo e recordar, muito sincreticamente, com Hanna (1970), como o corpo já fora preocupação de Aristóteles e dos filósofos tomistas. Também os filósofos somáticos,como Descartes, Kant, Kierkegaard e outros, encontraram no corpo um objeto de estudo e de reflexão. Descartes, por exemplo, reduz o corpo a um objeto, “fragmento do espaço visível e mensurável”. Só com Rousseau, por um lado, e Nietzche, por outro, esta noção é profundamente abalada e desmistificada, ao ponto de, mais tarde, o fenomenologismo (Merleau-Ponty, 1967, 1969; Husserl, 1985, 1992; Heidegger, 1958, 1986; Henry, 1965; Buytendijk, 1952, 1957, 1967; Bergson, 1913), o 34 existencialismo (Sartre, 1939) e alguns filósofos (de Biran, 1932, Chirpaz, 1969, Hanna, 1970) terem colocado esta análise filosófica em uma visão epifenomenológica. 13 O CORPO COMO MATERIALIZAÇÃO DA HUMANIZAÇÃO Claro que não me compete aqui e agora fazer um estudo comparativo e polêmico das várias perspectivas de ver, ser e estar com o corpo. Tampouco aproveitarei este capítulo para lançar minha própria perspectiva e linha de investigação. No entanto, e antes de passar ao corpo proposto por Ajuriaguerra (1978, 1980, 1981), não quero deixar de registrar que, para mim, o estudo do corpo é, no mínimo, o estudo do ser humano na sua dimensão ontológica, e que a humanização do corpo é, pelo menos, a materialização do seu percurso evolutivo. De qualquer forma, foi só após as especulações filosóficas sobre o corpo do século XIX que, no século XX, este se tornou efetivamente objeto e sujeito de um estudo mais profundo, sistemático e experimental. Primeiro, pelos neurologistas, para compreenderem o funcionamento do cérebro e da sua patologia (Head, 1911, 1937; Foester, 1931; Pick, 1973; Goldstein, 1983; Wernicke, Von Bogaert, citados por Ajuriaguerra e Hécaen, 1964, etc.). Depois, pelos psicólogos (Wallon, 1969, 1970; Piaget, 1973, 1976; Gesell, 1949, 1962; Vygotsky, 1962, 1978; Leontiev, 1969, 1975, 1978; etc.) e pelos psicanalistas (Freud, 1962, 1968; Schilder, 1968; Klein, 1972, 1966; etc.), para compreenderem a evolução da personalidade da criança e do jovem e as suas perturbações. 14 CONCEPÇÕES SOBRE A IMAGEM DO CORPO É, pois, dentro deste pressuposto que desejo apresentar, embora muito resumidamente, algumas das concepções que Ajuriaguerra (1962, 1972, 1974), Ajuriaguerra e Hécaen (1964), Ajuriaguerra e Marcelli (1984), Angellergues (1964), Damásio (1999, 2003), Bermúdez e colaboradores (1998), Campbell (1970), Benton (1979), Bergès e Lezine (1963), Bender e colaboradores (1952), Bors (1951) e 35 Charcot (1888) apresentam sobre o estudo do corpo. Antes, porém, de me adiantar um pouco mais nos conceitos de Ajuriaguerra, parece-me oportuno, a fim de atenuar um pouco as possíveis defasagens terminológicas em relação a este assunto, reunir em um pequeno quadro comparativo várias expressões equivalentes no seu conteúdo e fundamento neurofisiológico, situando-as analogicamente entre si e a expressão somatognosia (gnosia, reconhecimento do soma, do corpo), introduzida por Ajuriaguerra. De todas estas noções, porém, destacarei apenas as necessárias para um breve estudo comparativo e complementar dos trabalhos deste autor: 1. esquema corporal, por ser a mais habitual, e por se situar em um plano mais neurofuncional, envolvendo a integração neurológica de posturas e de programas motores em interação com a percepção espacial de objetos, pois se trata de um subsistema necessário à realização da ação; (FONSECA, 2008) 2. imagem do corpo: por ser a expressão original de Schilder (1968), autor que, no dizer do próprio Ajuriaguerra, foi o psicanalista clássico que mais atenção dedicou aos estudos sobre o corpo e, por isso, mais o influenciou. Trata-se de uma expressão mais enfocada na abstração e na representação inconsciente e consciente do corpo, 36 envolvendo a autopercepção, o autoconceito conceitualizado, a própria noção do eu – o denominado self, o sujeito de emoções vividas e integradas, a atitude, isto é, o componente principal do processo intencional; 3. membro fantasma: por revelar a persistência alucinatória, a ilusão dolorosa e a representação mental de um membro ou de membros ausentes ou desenervados que o sujeito amputado experimenta após situação traumática; (FONSECA, 2008) 4. anosognosia: desconhecimento ou negligência de membros hemiplégicos devidos a lesão hemisférica; (FONSECA, 2008) 5. somatognosia: por ser a noção criada e proposta pelo próprio Ajuriaguerra, que consubstancia a ontogênese psicomotora e da aprendizagem (FONSECA, 2008). 14.1 Noção de esquema corporal e de imagem do corpo A noção de esquema corporal é considerada por vários autores, entre os quais destaco Schilder (1968), como uma noção de âmbito neurofisiológico, que pode ser entendida como a imagem mental do corpo registrada no âmbito cerebral, mais exatamente no âmbito parietal, em função da integração das percepções e da elaboração das respectivas praxias. Tal noção, talvez a mais usada entre nós, tem, no entanto, o grande inconveniente de o termo “esquema” não traduzir a noção de plasticidade e de disponibilidade que este conceito contém. A imagem do corpo, por sua vez, segundo Schilder, expressa uma relação permanente com a história psicomotora (motora, afetiva e cognitiva) do indivíduo, estruturando-se e reestruturando-se continuamente, através da interrelação e da interação integrada das seguintes esferas do comportamento humano: 37 Na esfera fisiológica, Schilder considera as relações entre a psicotonia e a visuocinesiologia, referindo-se aos alicerces da atitude (postura bípede), ao papel da dor e à história corporal do indivíduo, isto é, à sua experiência anterior armazenada (FONSECA, 2008). Na esfera libidinal, o autor recua às concepções freudianas da personalidade, inter-relacionando as interferências sensoriais, erógenas e libidinais, em uma síntese integrada das relações entre o corpo e o mundo, dando ênfase à expressão “o corpo incorpora o mundo”. É neste equilíbrio em comunicação que, segundo este autor, se organiza a estrutura individual da personalidade (FONSECA, 2008). Na esfera social (ou sociológica), Schilder equaciona toda a fenomenologia do investimento corporal na relação e inter-relação social, isto é, o corpo surge como o instrumento de relação e interação com o outro (FONSECA, 2008). Note-se como no âmbito desta última esfera e em uma perspectiva já interdisciplinar, para Schilder, a imagem do corpo tem origem na imagem do corpo dos outros; para Wallon, no chamado diálogo corporal entre a mãe e o recém- nascido, e para Piaget, na imitação inteligente da criança (GANTHERET, 1961). Em suma, pode-se dizer que, para além da importância que tem para a descoberta do nosso corpo, para a sua experiência anterior e para as tendências libidinais que os outros exercem sobre nós, e vice-versa, o corpo não é apenas um 38 instrumento de construção e de ação, mas também o meio concreto e último de comunicação social. É nesse contexto que inúmeras pesquisas sobre a comunicação não-verbal têm sido desenvolvidas (Harlow, 1958; Argyle, 1975; Bergés, 1967; Buytendijk, 1967; Campbell, 1970; Chirpaz, 1969; Corraze, 1980; Dolto, 1957, 1984; Descamps, 1986; Fauché, 1993; Knap, 1972; Hall, 1986, 1994). 14.2 A ilusão do membro fantasma no amputado A ilusão do membro fantasma no amputado traduz a persistência no indivíduo da consciência do corpo na sua totalidade, independentemente da subtração ou da diminuição anatômica ou física ocorrida ou existente (FONSECA, 2008). O membro fantasma é designado em Ajuriaguerra (1974), Ajuriaguerra e Hécaen (1952, 1964) e em outros autores, como Alvim (1962), Angelergues (1964), Babinski (1914), Bors (1951) Benton (1979), Fere (1891), Foerster (1931), Fisher e Cleveland (1968), Fonseca (1974c, 1977c, 1985, 1991, 1992, 2001), Fonseca e Mendes (1990), Fonseca e Martins (2001), Gantheret (1961), Gerstmann (1927), Lhermitte(1939), Lowghi (1939), Pick (1973), Margoulis e Tournay (1963), Meyer (1982), Montagu (1979), Quesne (1969), Reinhardt (1990), Schilder (1968) e Wallon (1954), como o resíduo cinestésico do membro (ou parte do corpo) anatomicamente ausente. De fato, o corpo encontra-se mentalmente representado nas áreas motoras e sensitivosomáticas do córtex humano (área 4 e áreas 1, 2, 3 de Broadman, respectivamente). Como a cada área motora corresponde funcionalmente uma área sensitiva concomitante, a ausência súbita de qualquer parte do corpo corresponde, sem dúvida, a uma ausência anatômica das respectivas inervações sensitivomotoras, mas, paradoxalmente, na condição de membro fantasma, permanece uma “ilusão” mental (sentida, interiorizada e posicionada) do membro amputado, isto é, o sujeito amputado continua a sentir no coto o membro mutilado através da respectiva representação, não só de ordem cinestésica, como também, inclusive, de ordem 39 emocional e simbólica (Azcoaga et al., 1983; Bour, 1971; Bourret e Louis, 1983; Bergés e Lezine, 1963; Challey-Bert e Plast, 1973; Chalmers et al., 1971; Chauchard, 1963, 1967; Changeux, 1983; Delgado, 1971; Feldenkrais, 1971; Fulton, 1955; Gardner, 1968; Gatz, 1970; Grant, 1955, 1977; Gross e Zeigler, 1969; Hécaen, 1972, 1975; Lashley, 1929; Lezak, 1976; Morin, 1969; Pribram, 1960, 1973; Rasch e Burke, 1974; Russel, 1975; Sanides, 1966; Sarnat e Netsky, 1981). 40 41 14.3 A somatognosia Sendo a noção de somatognosia proposta por Ajuriaguerra (1956, 1974, 1978), Ajuriaguerra e Thomas (1948), Ajuriaguerra e Hécaen (1952, 1964), Ajuriaguerra e Angellergues (1962), Ajuriaguerra, Diatkine e Badaraco (1956), ela é entendida por Ajuriaguerra como a tomada de consciência do corpo na sua totalidade e respectivas partes, intimamente ligadas e inter-relacionadas com a evolução dos movimentos intencionais, isto é, a tomada de consciência do corpo como realidade vivida e convivida. 42 Os dados experimentais permitem, entretanto, revelar vários componentes da somatognosia: Repare-se, pois, como a noção de corpo, em Ajuriaguerra (1961, 1976), Ajuriaguerra e Soubiran (1962), Ajuriaguerra e Marcelli (1984) e Ajuriaguerra e colaboradores (1956), equivale à noção de veículo de adesão ao mundo, de envelope e fronteira da existência humana e de infra-estrutura da personalidade. É, 43 de certa forma, uma síntese de dois dos parâmetros apresentados por Schilder (1968). Ajuriaguerra e colaboradores (1956), equivale à noção de veículo de adesão ao mundo, de envelope e fronteira da existência humana e de infra-estrutura da personalidade. É, de certa forma, uma síntese de dois dos parâmetros apresentados por Schilder (1968). De fato, e como já mencionei resumidamente, a concepção deste autor recorre, em primeiro lugar, à noção de esquema corporal (de âmbito mais fisiológico), entendida como a integração das percepções e da elaboração das respectivas praxias e, em segundo, à noção de imagem do corpo (de âmbito mais psicológico), entendida como fator de relação inter-pessoal, cuja imagem resulta da oposição em comunicação entre a singularidade do sujeito e a universalidade da pessoa. Entre ambas as noções, como é óbvio, torna-se difícil desenhar fronteiras nítidas, dada a natureza psicofisiológica total e evolutiva do ser humano (FONSECA, 2008). Antes, porém, de passar, agora com outro desenvolvimento, à concepção neurofisiológica e neuropsicológica da imagem do corpo apresentada por Ajuriaguerra (1974) e Ajuriaguerra e Hécaen (1952), farei breves considerações pessoais sobre este assunto. Assim, pensamos que este problema da imagem do corpo é, no fundo, um problema que se situa na sempre e universalmente controversa questão de conceber e de definir a consciência: terá a consciência uma base material e corporal ou não? Que dizer dos múltiplos e variados estudos e investigações neurofisiológicas efetuadas não só sobre o membro fantasma nos amputados, mas também sobre as paralisias cerebrais, as lesões cerebrais e as várias e multifacetadas psicopatologias? Minha concepção de imagem do corpo compreende, principalmente, uma noção de unidade sensório-cinestésica em constante modulação com as circunstâncias do meio ambiente. Esta noção pretende, pois, realçar, como em Damásio (2003, 1999, 1994), que a noção do nosso corpo é não só uma estrutura sensorial e cinestésica registrada e integrada no cérebro, mas também, e simultaneamente, uma estrutura funcional indispensável a todas as condutas. Em 44 síntese, compreende um “sentimento” que se possui do nosso corpo, do nosso espaço existencial e, por isso, também do nosso espaço material. Parece, assim, não haver dúvidas de que o sentir se encontra mais ou menos identificado com o agir do corpo. Por este meio, o cérebro recebe, organiza e sente as informações do mundo exterior, e a partir delas comanda as ações intencionais (Paollard, 1961, 1980). Reflita-se, no entanto, antes de se passar imediatamente à concepção neurofisiológica, como a imagem do corpo, apresentada por Bonnier, em 1893, já era considerada como uma representação espacial, constante e figurativa, de relação com o mundo exterior. 14.4 Concepção neurofisiológica da imagem do corpo Uma vez mais insisto que, em minha opinião, a compreensão do desenvolvimento psicomotor e da ontogênese da imagem do corpo tem as suas repercussões, diretas e indiretas, no desenvolvimento da personalidade e no potencial de aprendizagem (Launay e Vanhove, 1949; Thomas e Ajuriaguerra, 1949; Thomas e Autgaerden, 1963a, 1963b; Widlocher, 1969; Richel, 1972). Ambos exigem um conhecimento e um fundamento neurofisiológico e neuropsicológico sem o qual nos escaparão, bem como a qualquer educador ou terapeuta, não só os dados corretos da evolução da criança e do jovem, como também, o que não é menos importante, os limites dos casos a considerar, como desviantes ou atípicos, paranormais, parapatológicos ou mesmo patológicos e portadores de qualquer tipo de necessidade especial. De fato, penso, e já o disse logo de início, que o educador poderá obter mais êxito na aprendizagem, ou pelo menos não registrar tantos insucessos, se levar em conta, por um lado, a noção evolutiva e sistêmica da imagem do corpo da criança e do jovem, e por outro, a noção da sua disontogênese (VYGOTSKY, 1993). Nesse sentido, e independentemente de muitas outras noções dispersas por vários autores, algumas das quais foram já levantadas na introdução deste capítulo, parece-me oportuno completar um pouco mais e desenvolver algumas das noções neuropsicológicas propostas por Ajuriaguerra (Ajuriaguerra, 1961; 45 Ajuriaguerra et al., 1955, 1960, 1962, 1964), primeiro, porque Ajuriaguerra é, sem dúvida alguma, um dos autores que melhor reúne e aglutina os conceitos-chave para o conhecimento do corpo no desenvolvimento psicomotor e na aprendizagem, todos eles, sublinhe-se, com evidência clínica e experimental; segundo, porque estas noções são essenciais, e por isso oportunas, não só para a compreensão da importância da imagem do corpo de um modo geral, mas, principalmente, para o respectivo estudo neurológico em relação ao desenvolvimento psicomotor e às dificuldades, perturbações ou transtornos de aprendizagem, que já abordei em outras publicações (FONSECA, 1979, 1983, 1984, 1990, 1996, 2001). Realmente, parece-me que só no âmbito da concepção neurológica da imagem do corpo se poderá compreender qual o papel essencial deste componente em todo o fenômeno da aprendizagem. É, pois, neste sentido que, para aprofundar este assunto, vou a seguir recorrer a Ajuriaguerra. No entanto, aproveito esta ocasião para apresentar, embora muito resumidamente, um conjunto de noções e conceitos que, com a respectiva terminologia, considero fundamentais para ajudarna descoberta e no estudo deste neurologista por parte de todos os educadores (FONSECA, 2008). Porém, e antes ainda de entrar propriamente no assunto, parece-me útil referir, como fez o próprio Ajuriaguerra, os trabalhos realizados dentro desta mesma ótica por Head, Lhermitte, Schilder, Pick, Babinski, Van Bogaert, Gerstmann, Goldstein, Gueniot, Weir-Mitchel, Hécaen, etc., autores que são naturalmente outras tantas fontes de pesquisa e de consulta por parte dos especialistas mais curiosos e interessados (FONSECA, 2008). Assim, a imagem do corpo é vista como a resultante da relação entre o conjunto dos dados interoceptivos, proprioceptivos, exteroceptivos, isto é, as sensações, as percepções, os fantasmas, as projeções, as memórias e as intenções motoras. Esta resultante, no seu todo, representa e concretiza o ajustamento, a precisão e a eficiência das condutas humanas. Daí a importância, na minha opinião, da perspectiva dos estudos de Ajuriaguerra, uma vez que, à alteração de tais dados e inter-relações, naturalmente irá corresponder um desajustamento dos comportamentos e, por isso, o que poderíamos designar como uma patologia da 46 conduta – e por que não uma patologia da aprendizagem? –, pois o estudo das incapacidades de aprendizagem (como, por exemplo, das agnosias, das afasias, das assomatognosias, das apraxias, etc.) é uma pedra angular do estudo das dificuldades de aprendizagem (FONSECA, 2008). A observação das variadas e diferentes desintegrações parapatológicas ou patológicas e experimentais da imagem do corpo pode, pois, levar-nos de forma mais abrangente e dinâmica ao estudo do comportamento humano, ainda mais que a imagem do corpo é simultaneamente uma estrutura de conjunto e revela intrinsecamente, de forma coibida, seqüencializada e interdependente, uma unidade estrutural (FONSECA, 2008). É interessante assinalar aqui como Ajuriaguerra fundamenta tal afirmação baseando-se no estudo e na observação do fenômeno do membro fantasma. Realmente, segundo este autor, a ilusão do membro fantasma no indivíduo amputado (noção que já situei antes no seu conteúdo) é a confirmação mais evidente do papel do conhecimento e do sentimento do corpo na formação da personalidade humana. Note-se que, à supressão dos membros ou de qualquer outra parte anatômica do corpo, o indivíduo sinistrado responde com uma representação mental e uma sensação de volume e de localização da zona do corpo perdida ou extirpada (FONSECA, 2008). Mesmo sem o membro amputado, o indivíduo continua a senti-lo, não só nos seus movimentos, como também nas suas relações com as demais partes do corpo. Por quê? Somente porque o corpo está inserido e embutido na sua personalidade, é a própria personalidade, e é a razão da sua integridade (PIRISI, 1949; ONNIS, 1996). Esta observação clínica, confirmada em milhares de casos no pós-guerra e em acidentes cotidianos de trabalho ou de trânsito, não só mostra bem a unicidade coerente da imagem do corpo como confirma a totalidade do ser humano. Não podemos, no entanto, ignorar, bem pelo contrário, que a ausência anatômica de um membro amputado, além de uma agressão real à personalidade total do indivíduo sinistrado, traz consigo ainda uma modificação do peso, do volume, da densidade e da própria gravidade, interferindo no controle postural e em todos os aspectos da 47 atitude. Em uma palavra, traz consigo uma modificação dos próprios movimentos de um modo geral, mas esta realidade não impede, como vimos, que os movimentos sejam sentidos como estados psíquicos concomitantes e em perfeita e profunda co- relação (Fonseca, 1985, 1992) com os circuitos motores cerebrais (corticais e subcorticais), que continuam a representar os movimentos do membro amputado. Ajuriaguerra e Hécaen (1955) confirmam e fundamentam todas estas afirmações baseando-se, além de nas provas anteriores, nos trabalhos de Münzebrock e de Cronholm. Estes autores, citados por Ajuriaguerra e Hécaen, descobriram em 122 casos de amputados (não só fálicos, como de dentes, testículos, olhos, seios e membros) a existência de 118 com membros fantasmas (96,5%). Repare-se já agora e a título complementar, que Bors (1951), em outra investigação, demonstrou que o fantasma dos membros ausentes é mais intenso do que o fantasma dos membros paralisados, o que, diga-se de passagem, em termos de aprendizagem é bastante significativo Aliás, todas estas evidências são ainda confirmadas nas adaptações às próteses em indivíduos amputados, abrindo novas perspectivas de análise. Segundo Charcot (1888), existe mesmo uma sensação de irritação dos nervos do coto, ”sentida” na imagem sensorial do membro amputado. Ajuriaguerra, juntamente com outros neurologistas (Fulton, 1955; Hebb, 1958, 1959, 1976; Gatz, 1970; Gardner, 1968; Granit, 1977), equaciona os problemas de perturbação do membro fantasma, com síndromes assomatognósicas cuja localização cerebral se situa preferencialmente no lóbulo parietal. Note-se como tudo isto, que já era importante e significativo como fundamento científico para o desenvolvimento psicomotor e para a aprendizagem, se reforça ainda mais ao verificar-se que as várias e diferentes síndromes psicopatológicas cerebrais têm uma localização funcional: 48 15 CORPO, MOVIMENTO E EXPRESSÃO O ser humano, por sua natureza, por meio do seu corpo, se manifesta, se expressa, se relaciona, vive e convive, ou seja, se relaciona com o mundo. É muito comum pensar o corpo somente com uma visão do aspecto biológico, ou como algo possível de ser fragmentado (PRIESS, 2019). Para que você compreenda melhor a temática, iniciaremos tentando definir corpo e corporeidade para, somente após conhecer os diferentes conceitos, estabelecer a relação entre corpo, movimento e expressão (PRIESS, 2019). Segundo fontes de estudos da história da humanidade, o homem é um ser que está em pleno processo de evolução, em que nossos ancestrais eram “homens 49 macaco”, que andavam em “quatro patas” e movimentavam-se basicamente para a sua sobrevivência, na busca de alimentos e da sua própria defesa. Sendo assim, no percurso histórico da humanidade, o ser humano apresenta inúmeras variações na concepção e no tratamento de seu corpo, bem como nas formas de se comportar corporalmente, que revelam as relações do corpo com um determinado contexto social (PRIESS, 2019). Conforme cada tempo histórico, a concepção e a imagem do corpo sofreram transformações, tanto que a cultura corporal do Oriente é diferente da do Ocidente. A primeira concebe a experiência do corpo como chave para a experiência do mundo e para a consciência cósmica, advinda das tradições místicas — há um respeito à sua corporalidade —, enquanto a segunda (Ocidente), com suas raízes na Antiguidade grega, tem uma visão dualista do homem — corpo e espírito —, valorizando a razão em detrimento do sentimento (GONÇALVES, 1994). Tentando definir as diferentes terminologias, é possível afirmar que as palavras corpo e corporeidade estão intimamente ligadas e são indissociáveis. Segundo Prado (2017), o corpo humano integra as dimensões da materialidade — ossos, músculos, hormônios, fezes, sangue, etc. — e da imaterialidade — emoções, criatividade, ludicidade, etc. Sendo assim, observa-se que a corporeidade é o corpo vivo, vivenciado. É, então, a mente e o corpo conectados, envolvendo dimensões fisiológicas, afetivas e emocionais, ou seja, o conjunto do corpo “físico”, suas emoções, seus sentimentos e suas relações. De acordo com Gonçalves (1994), desde os primórdios, o homem apresenta inúmeras formas de conceber e tratar o corpo, considerando técnicas corporais relacionadas a: a) movimentos como andar, correr, nadar, pular, entre outros; b) movimentos corporais expressivos, como expressões faciais, posturas e gestos; c) a ética corporal que envolve ideias e sentimentossobre a aparência, como vergonha, pudor, ideias e estereótipos de beleza; d) controle de estruturas dos impulsos e das necessidades. 50 Esses aspectos podem ter uma ordenação diferente conforme o contexto sociocultural, a religião, o sexo, a classe social, entre outros. Compreender o corpo, então, somente é possível a partir das experiências e vivências estabelecidas nas relações consigo, com os outros e com o mundo. Essa capacidade de cada pessoa sentir e apossar-se do seu próprio corpo como meio de manifestação e interação com o mundo chamamos de corporeidade (BONFIM, 2003). E qual a relação entre corpo e movimento? É praticamente impossível falar em corpo sem relacionar com movimento. Quando pensamos em movimento, tende a vir em nossa mente a ação de deslocamento, ou seja, de mudança, saída de um estado para outro, no caso, do nosso corpo. Já o movimento para a criança nos anos iniciais acontece por meio do corpo e por ele que ela interage, experimenta, reconhece o mundo em seu entorno. O bebê aprende a comunicar-se com os pais pelos movimentos faciais, podendo ser inicialmente um sorriso, ou choro, ou por diferentes tipos de expressões de aceitação ou negação. É nesse momento que o ser humano já inicia o reconhecimento de seu corpo, desenvolvendo a percepção dos mais diferentes sentidos, dos aspectos intelectual, espacial, afetivo, social, entre outros (PRIESS, 2019). Portanto, corpo, movimento e expressão são aspectos indissociáveis, ou seja, é praticamente impossível pensar em um aspecto sem relacionar com qualquer um dos outros. Na educação física, especificamente, o trabalho por meio do corpo, do movimento e da expressão é imprescindível. O indivíduo age no mundo por meio de seu corpo, mais especificamente por meio do movimento. É o movimento corporal que possibilita às pessoas se comunicarem, trabalharem, aprenderem, sentirem o mundo e serem sentidos (PRIESS, 2019). A expressão corporal e a linguagem corporal são uma forma de comunicação não verbal, na qual o indivíduo se expressa utilizando o seu corpo, por expressões faciais, posturas corporais, gestos e outras manifestações corporais. O processo de expressão corporal/linguagem corporal é anterior à linguagem verbal e pode ser considerado ainda hoje como uma das mais importantes formas de comunicação do ser humano. Estudos afirmam que a 51 comunicação não verbal, por meio da expressão corporal, representa aproximadamente 93% de toda a comunicação humana, ou seja, o nosso corpo, como um todo, “fala” (PIRES, 2012). A expressão corporal e a linguagem corporal por muitos momentos se confundem e estão tão relacionadas que fica difícil distingui-las ou defini-las de forma individualizada. A expressão corporal trata-se de diferentes formas de manifestações do corpo que são bastante comuns nas atividades rítmicas, na dança, no jogo, nos esportes e nas atividades físicas em geral. Já a linguagem corporal pode demonstrar alguns comportamentos e traços da personalidade da pessoa. Como exemplo, podemos citar pessoas que ficam movimentando com frequência determinada parte do corpo (como os pés, ao estar sentado) e esse movimento pode estar relacionado ao estado de ansiedade ou nervosismo da pessoa no momento (PRIESS, 2019). A educação física, por meio das diferentes formas de manifestações corporais (como a dança, a ginástica, os esportes, os jogos, as brincadeiras, as lutas, as atividades expressivas e rítmicas, entre muitas outras), trabalha com o corpo de forma integral, com as possibilidades de movimento e expressão corporal. (PRIESS, 2019) Portanto, pode-se observar no decorrer do texto que corpo e movimento, apesar de terem características próprias, estão diretamente ligados entre si e podem ser considerados “a base” da educação física, pois formam a base da maioria de seus conteúdos (PRIESS, 2019). 52 16 CORPO, MOVIMENTO, EXPRESSÃO E CONSTRUÇÃO DE DOMÍNIOS CULTURAIS A educação física, conforme já abordado anteriormente, trabalha com o corpo de uma forma global, mais especificamente com o corpo em movimento. O corpo, no contexto histórico e cultural, passa por transformações significativas, de acordo com a época vivida e a cultura do povo (PRIESS, 2019). Diferentes momentos históricos mostram que o corpo passou por inúmeras transformações e teve diferentes características nas mais diferentes épocas. Utilizando-se como exemplo o corpo feminino, observa-se que a cultura local e da época interfere de forma significativa na questão corporal. Houve uma prevalência entre as mulheres, em épocas passadas, de corpos com estilos “mais gordinhos”, mulheres com coxas e quadris “mais avantajados”. Em outro momento, o padrão de “cintura fina” tomou conta da época. Em um terceiro momento, privilegiavam-se corpos mais magros por completo (PRIESS, 2019). Fato interessante de se destacar é a escultura de “Vênus de Willendorf” (também conhecida atualmente como Mulher de Willendorf), uma escultura de 11,1 cm. de altura representando estilisticamente uma mulher da época (período aproximado de 25.000 a 20.000 a.C). Essa escultura é considerada uma idealização da figura feminina, apresentando a vulva, os seios e a barriga extremamente volumosos, características inferidas à fertilidade. Já a “Vênus de Milo”, escultura do período aproximado de 100 a 190 a.C, foi encontrada em 1820 na ilha grega de Milos e representa um corpo feminino esteticamente considerado “magro”, assim como a estátua que representa o símbolo da educação física, o “Discóbolo de Miron”, representada por meio de um atleta lançador de disco. Os exemplos demonstram diferentes padrões corporais nas diferentes épocas, fatos que voltam a serem observadas em diferentes épocas da história da humanidade (PRIESS, 2019). Atualmente observa-se uma tendência para corpos mais musculosos (“sarados”, como utiliza-se na gíria popular). Ou seja, o corpo é uma forma de 53 expressão da cultura e das tendências da época e seus padrões são modificados de acordo com os diferentes momentos históricos e culturais. (PRIESS, 2019) A educação física, por meio de seus conteúdos e práticas, está diretamente ligada a ações da cultura corporal do ser humano, em diferentes formas de manifestações. O processo cultural é bastante interessante e rico e envolve diferentes aspectos. Como exemplo, podemos citar algumas práticas de danças e jogos que, geralmente, começam como algo “mais informal”, com poucas regras e exigências, e, quando um grupo significativo de pessoas começa a se familiarizar com essas práticas, acabam se tornando um hábito no seu dia a dia. Assim, vão sistematizando e divulgando entre outros grupos. Muitas práticas chegam a passar de geração em geração e, assim, começam a fazer parte da “cultura” daquele povo. Podemos citar as danças folclóricas como o frevo, o carnaval, a capoeira e muitas outras (PRIESS, 2019). As práticas culturais, esportivas e folclóricas são uma forma de manifestação do corpo. Iniciando pelo folclore, a dança é um exemplo prático de manifestação cultural e folclórica por meio do corpo e da expressão corporal. Essas manifestações diferenciam-se de cultura para cultura e, dentro das próprias culturas, em diferentes momentos históricos, ou seja, algo praticado em determinada época pode ser extinto ou modificado em outro momento histórico. Como exemplo dessas manifestações culturais e históricas, podemos citar: o carnaval, que é uma festa tradicional e histórica no Brasil e apresenta diferentes formas de manifestações da cultura; as danças tradicionais gauchescas, muito presentes no Rio Grande do Sul; e as danças típicas dos povos germânicos, italianos, poloneses, entre outros, que formam a diversidade da cultura Brasileira. Destacamos também a capoeira, que é uma prática muito presente na cultura brasileira (PRIESS, 2019). De acordo
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