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O Deboche, a Palhaçada e o Jogo de Interesses

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O Deboche, a Palhaçada e o Jogo de 
Interesses – a Câmara dos 
Deputados e os Direitos Humanos: 
uma análise crítica 
Publicado em 27 de junho de 2014 por Toni Reis em Artigos // 0 comentários 
Por Toni Reis* 
Testemunhei pessoalmente o troca-troca na Câmara dos Deputados na semana 
passada (6 e 7 de março) para eleger o presidente e indicar integrantes da Comissão de 
Direitos Humanos e Minorias, criada há 18 anos para institucionalizar a luta pela 
igualdade e contra a discriminação. Foi escandaloso, vergonhoso e inaceitável. Vi com 
meus próprios olhos a manipulação e o jogo de interesses. Vi o machismo e 
autoritarismo desrespeitosos do líder do PSC para com a deputada Antônia Lúcia 
(PSC/AC). Tive a infelicidade de ouvir Jair Bolsanaro (PP/RJ) falar que foi o melhor 
presente de aniversário e natal que já teve de todos os tempos. 
Oito deputados do mesmo partido numa só Comissão não é coincidência, é trampa, e a 
maioria é ligada ao fundamentalismo religioso evangélico. Ao total, agora 13 dos 18 
titulares da Comissão são pastores. Estuprar a proporcionalidade da representação 
partidária na Comissão está equivocado e fere o Regimento Interno da Câmara: as 
Comissões devem ser plurais. 
Com essa eleição, a Câmara dos Deputados rasgou a Constituição Federal e a 
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Tornou-se, mais uma vez, uma vergonha 
para o Brasil e para o mundo. O Parlamento Brasileiro retornou à idade das trevas. É 
preciso que os(as) parlamentares relembrem e ajam de acordo com o princípio (e a lei) 
de que o Brasil é um Estado Laico. Com a ascendência do fundamentalismo religioso no 
Congresso Nacional, assiste-se a um espetáculo que relembra o surgimento da tomada 
do poder pelos nazistas na Alemanha dos anos 1930. 
O episódio foi especialmente vergonhoso pela conivência do PMDB, PSDB, PR, PTB e PP 
em cederem vagas na Comissão para o PSC, além da incabível indicação de Jair 
Bolsonaro (PP/RJ) para integrá-la, bem como o PSB, o PSD e o PV indicando pastores em 
detrimento de pessoas historicamente atuantes no campo dos direitos humanos. 
As origens de alguns desses partidos simbolizam a luta pela democracia e o rechaço ao 
autoritarismo no Brasil da Abertura. Quem diria?! Das 20 Comissões Permanentes da 
Câmara dos Deputados, a de Direitos Humanos foi a penúltima a ser escolhida, 
mostrando uma falta de prioridade generalizada. 
https://www.tonireis.com.br/?author=1
https://www.tonireis.com.br/?cat=2
Não é de se surpreender a estimativa de que uma pessoa é assassinada a cada 10 
minutos no Brasil (Instituto Sangari, 2011) e que em 2011, segundo o UNODC, o país 
estava em primeiro lugar no ranking do mundo neste quesito. O exemplo vem de cima, 
o Congresso Nacional não está preocupado com os direitos humanos e as 
consequências que este descaso traz. 
Decepcionou também a falta de prioridade dada pelo PT e pelo PCdoB. Uma pergunta 
que ficou no ar é por que o PT priorizou a Comissão de Relações Exteriores e Defesa 
Nacional em detrimento da Comissão de Direitos Humanos e Minorias? 
Repetiu-se mais uma vez a imperdoável negociação dos direitos humanos em troca de 
interesses políticos e do projeto de manutenção do poder, o que – no caso da população 
LGBT, negra, mulheres, indígenas – tem se tornado corriqueiro na atual 
legislatura. Estamos cansados(as) de ser moeda de troca. 
É uma aberração eleger para presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias uma 
pessoa que é objeto de inquérito no Supremo Tribunal Federal, acusada de estelionato, 
racismo e homofobia. 
Não faltam exemplos nas redes sociais comprovando algumas dessas alegações contra 
o Pastor Marco Feliciano (PSC/SP), eleito presidente da Comissão em 07 de março: 
 
 Em 30 de março de 2011 afirmou em sua página no Twitter, que os africanos 
são descendentes de um “ancestral amaldiçoado por Noé” e que “sobre o 
continente africano repousa a maldição do paganismo, ocultismo, misérias, 
doenças oriundas de lá: ebola, Aids, fome…”; 
 
 no seguinte link http://portugues.christianpost.com/news/marco-feliciano-
denuncia-o-ativismo-gay-conexoes-com-hitler-e-a-aids-video-12838/ 
consta vídeo no qual afirmou que “A Aids é uma doença gay”; que existe um 
ativismo gay promovido por satanás que está “infiltrado” no governo brasileiro; que 
“enquanto crentes não saem para evangelizar… satanás levantou o seu ativismo [das 
pessoas LGBT] neste país. Ação de satanás contra a família brasileira”; que “O problema 
é o ativismo gay, o problema são pessoas que têm na sua cabeça o engendramento de 
satanás”; “São homens e mulheres que usam dos mesmos mecanismos que Stanley 
usou no seu comunismo nazista, usam a mesma linguagem de Hitler… uma mentira 
contada várias vezes com muita ênfase se torna verdade”. 
 
Da mesma forma, no caso da censura presidencial ao vídeo da campanha do Ministério 
da Saúde de combate a DST/AIDS no carnaval de 2012, com personagens gays, o 
deputado Marco Feliciano não só comemorou a retirada do vídeo da campanha com o 
casal gay do ar como também creditou à Frente Evangélica o “feito”. Em seu Twitter, o 
http://twitter.com/#!/marcofeliciano
http://portugues.christianpost.com/news/marco-feliciano-denuncia-o-ativismo-gay-conexoes-com-hitler-e-a-aids-video-12838/
http://portugues.christianpost.com/news/marco-feliciano-denuncia-o-ativismo-gay-conexoes-com-hitler-e-a-aids-video-12838/
deputado postou o link de uma matéria sobre a censura do material e sentenciou: 
“Pressão nossa”, numa clara demonstração da interferência religiosa na laicidade do 
Estado. 
Em outra ocasião afirmou que “a podridão dos sentimentos dos homoafetivos leva ao 
ódio, ao crime e à rejeição”. 
Pastor Marco Feliciano, que diz não ser homofóbico, também é autor das seguintes 
proposições, entre outras, que visam a negar a igualdade de direitos à população LGBT: 
 
Projeto de Decreto Legislativo 637/2012 – Ementa: Susta a aplicação da decisão do 
Supremo Tribunal Federal proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 
e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, que reconhece 
como entidade familiar a união entre pessoas do mesmo sexo. 
 
Projeto de Decreto Legislativo 521 e 495/2011 – Ementa: convoca plebiscito sobre o 
reconhecimento legal da união homossexual como entidade familiar. 
Também apoia o Projeto de Decreto Legislativo 234/2011 – Ementa: Susta a aplicação 
do Parágrafo Único do Artigo 3º e Artigo 4º da Resolução do Conselho Federal de 
Psicologia nº 1, de 23 de março de 1999, que estabelece normas de atuação para os 
psicólogos em relação à questão da orientação sexual. 
A cruzada anti-LGBT promovida por Feliciano e outros fundamentalistas no Parlamento 
Brasileiro vai contra a maré internacional, tanto dos países vizinhos como Argentina e 
Uruguai, quanto a França e a Inglaterra, todos se esforçando para garantir o alcance da 
plena igualdade de direitos pelas pessoas LGBT. No nosso continente também o 
presidente Obama não tem medo de expressar essa convicção publicamente, como fez 
no discurso da posse em janeiro deste ano: “Nossa jornada não será completa até que nossos 
irmãos e irmãs LGBT sejam tratados como qualquer outro perante a lei – pois se somos 
verdadeiramente criados iguais, então certamente o amor que dedicamos um ao outro deve ser 
igual também.” Não queremos privilégios, queremos tão somente direitos iguais, nem 
menos, nem mais. 
Assim com Feliciano, os correligionários eleitos na mesma ocasião na semana passada 
também atuam na contramão da plenitude e universalidade dos direitos humanos em 
outras questões também, como as terras indígenas, os direitos sexuais e os direitos 
reprodutivos das mulheres, as políticas afirmativas de acesso da população negra às 
universidades, e assim por diante. Com sua nova composição, como bem disse a 
deputada Luiza Erundina (PSB/SP) “esta Comissão não é mais de direitos humanos”. 
Entendemos que o fundamentalismo e a intolerância religiosos manifestados pelo 
Pastor Marco Feliciano e seus asseclasnão são representativos da maioria das pessoas 
evangélicas e somos defensores intransigentes da liberdade de opinião e crença, desde 
que não se tornem apologia de preconceitos, discriminação, violência e crimes, como o 
racismo e a homofobia. 
Que a Câmara prime pelo bom senso e que realize uma nova eleição da Comissão de 
Direitos Humanos e Minorias, uma vez que a maneira como a eleição foi realizada a 
portas fechadas no dia 7 de março de 2013 contrariou o artigo 48 do Regimento Interno 
da Câmara dos Deputados. Isto faz lembrar os idos de 1964. 
Perdemos uma batalha, mas não perdemos a guerra. Todo apoio à criação da Frente 
Parlamentar dos Direitos Humanos e nossos agradecimentos pelos esforços 
expendidos pelos/as seguintes parlamentares, entre outros(as), na tentativa de reverter 
a desastrosa eleição: Janete Pietá (PT/SP), Domingos Dutra (PT/MA), Jean Wyllys 
(PSOL/RJ), Érika Kokay (PT/DF), Ivan Valente (PSOL/SP), Chico Alencar (PSOL/RJ), Padre 
Ton (PT/RO), Nilmário Miranda (PT/MG), Luiza Erundina (PSB/SP), Dr. Rosinha 
(PT/PR), Janete Capiberibe (PSB/AP), Jandira Feghali (PCdoB/RJ), Luiz Couto (PT/PB), 
Paulão (PT/AL) e Arnaldo Jordy (PPS/PA). 
Que o ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal conclua a análise do 
inquérito sobre o Pastor Marco Feliciano e que seja realizado o julgamento o mais 
brevemente possível. 
No sábado, 9 de março de 2013, em todo o Brasil milhares pessoas que ficaram 
revoltadas com a imoralidade da eleição da Comissão de Direitos Humanos e Minorias 
da Câmara dos Deputados saíram às ruas para protestar e exigir a correção deste erro. 
Em Curitiba as palavras de ordem incluíam: “Nem podridão, nem maldição, queremos 
igualdade na nação.” “Pelos direitos humanos, fora Feliciano”. 
O paralelo com as manifestações Fora Collor ficou evidente. Agora tem-se o movimento 
Fora Feliciano. Que continue havendo protestos até que sejam reinstaladas a 
democracia e a ética na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos 
Deputados. Que as organizações de classe, sindicatos e todas as pessoas e instituições 
ligadas à promoção e defesa dos direitos humanos se juntem às manifestações de 
repúdio ao acontecido e reforcem a mobilização em prol da anulação dessa eleição 
indigna. 
Não aceitamos e não acataremos este estupro coletivo da Comissão de Direitos 
Humanos. De forma que está, ela está acabada. Não existe mais. Se continuar assim, 
sugerimos que os partidos aliados dos direitos humanos não indiquem membros para 
esta Comissão. 
A luta tem que continuar: 
 
“Na primeira noite eles se aproximam 
e roubam uma flor do nosso jardim. 
E não dizemos nada. 
 
Na segunda noite, já não se escondem; 
pisam as flores, 
matam nosso cão, 
e não dizemos nada. 
 
Até que um dia, 
o mais frágil deles, 
entra sozinho em nossa casa, 
rouba-nos a luz, e, 
conhecendo nosso medo, 
arranca-nos a voz da garganta. 
E já não podemos dizer nada.” 
 
* Toni Reis, doutor em educação e mestre em filosofia. Diretor-executivo do Grupo 
Dignidade e do Instituto Brasileiro de Diversidade Sexual. Secretário de educação da 
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). 
 
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