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Psicologia Fenomenológica Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto 5 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA Unidade I APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Organização do material: Nesta disciplina, você entrará em contato a Psicologia Fenomenológica, com ênfase nas possibilidades abertas pelo pensamento desenvolvido pelo filósofo Martin Heidegger (1989-1976) para a Psicologia. Apoiado na fenomenologia de Edmund Husserl (1959-1938), ele questionou a ontologia metafísica e a tentativa de determinação substancial do ser da existência humana. Destacaremos sua compreensão da existência humana, denominada Dasein (ser-aí). Através dessa quebra do paradigma metafísico, Heidegger abre caminho para novas perspectivas de compreensão dos fenômenos humanos. Buscaremos compreender o projeto da fenomenologia de Husserl, “aplicado” por Heidegger na investigação da existência humana. Em seguida, estudaremos as implicações da compreensão da existência humana como Dasein para a Psicologia. Com isso, entraremos em contato com a compreensão dos fenômenos psicológicos a partir do enfoque da fenomenologiaexistencial, na direção de compreender o lugar e as possibilidades de intervenção do psicólogo nessa abordagem. A descrição da existência realizada por Heidegger torna-se fundamento da psicopatologia e da psicoterapia chamada Daseinsanalyse, primeiramente por Ludwig Binswanger (1881-1966), depois por Medard Boss (1903-1990). Será nosso objetivo nesta disciplina conhecer e compreender os pressupostos epistemológicos e ontológicos do pensamento fenomenológico-existencial para promover a identificação deste método e da concepção de homem que lhe é pertinente com o lugar e a função do psicólogo no trato com o fenômeno psicológico e na promoção de saúde. Este material poderá ser utilizado como orientação para seu estudo e como complemento das atividades realizadas nas aulas presenciais. O programa da disciplina está distribuído em 8 módulos, que devem ser estudados ao longo do semestre letivo. Os módulos 1 a 4 serão objeto de avaliação na NP1 e os 5 a 8 serão avaliados na NP2. Módulo 1: Introdução à fenomenologia de Edmund Husserl Apresentação dos dados biográficos de Edmund Husserl Introdução ao método fenomenológico e à consciência intencional Bibliografia básica: FEIJOO, A. (2011) “Husserl e a Fenomenologia”. A existência para além do sujeito. p. 25-34. 6 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Módulo 2: Introdução à fenomenologia existencial de Martin Heidegger e à Analítica Existencial O projeto fenomenológico de Heidegger A constituição ontológica da existência (Dasein) Bibliografia básica: DASTUR, F.; CABESTAN, P. (2015) “Analítica existencial e Daseinsanalyse”. cap. I.B. p. 34-56. Módulo 3: A condição humana descrita pela fenomenologia existencial Temporalidade do Dasein. Angústia e finitude do Dasein Bibliografia obrigatória: SAPIENZA, B. (2015) “Encontro com a Daseinsanalyse”. p. 48-95. Módulo 4: Fenomenologia existencial da história pessoal A concepção de história pessoal (historiobiografia) de Dulce Critelli Historiobiografia e sentido da vida na fenomenologia existencial Bibliografia básica: CRITELLI, D. (2012) “História pessoal e sentido da vida –historiobiografia”. Módulo 5: A Daseinsanalyse de Ludwig Binswanger Apresentação dos dados biográficos de L. Binswanger Noções básicas da Daseinsanalyse de L. Binswanger Bibliografia básica: DASTUR, F.; CABESTAN, P. (2015) “A obra fundadora de Ludwig Binswanger (1881- 1966)”. cap. II.A. p. 64-101. Módulo 6: A Daseinsanalyse de Medard Boss Apresentação da Daseinsanalyse desenvolvida por Medard Boss Indicação dos existenciais pertinentes ao Dasein Bibliografia básica: EVANGELISTA, P. (2011) A Daseinsanalyse de Medard Boss. In: EVANGELISTA, P. (Org.). (2015) “Psicologia fenomenológico-existencial”. p. 139-158. Módulo 7: Compreensão e ação clínica Concepção de psicoterapia daseinsanalítica Ação e compreensão na clínica fenomenológico-existencial Bibliografia básica: JARDIM, L. E. Ação e compreensão na clínica fenomenológico-existencial. In: EVANGELISTA, P. (Org.). (2015) “Psicologia fenomenológico-existencial”. p. 45-76. Bibliografia complementar: POMPÉIA, J.; SAPIENZA, B. (2011) A terapia e a era da técnica. In: POMPÉIA, J.; SAPIENZA, B. “Os dos nascimentos do homem”. p. 123-140. 7 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA Módulo 8: Processos psicoterapêuticos daseinsanalíticos Compreensão dos fenômenos clínicos atuais Psicoterapia infantil fenomenológica existencial Bibliografia básica: FEIJOO, A. (2011) “A clínica psicológica na tonalidade do temor”. cap. 3.3.2. p. 155-195. Bibliografia complementar: FEIJOO, A. (2011) “A clínica psicológica com crianças”. cap. 3.1.4. p. 108- 133. Em cada um dos módulos, haverá uma breve apresentação do assunto, indicação de material para leitura, atividades de estudo e exercícios de verificação da aprendizagem. Lembre-se que a mera realização dos exercícios não permitirá a aprendizagem dos temas. É imprescindível que você realize todas as atividades descritas em cada módulo. Bibliografia A bibliografia apresentada a seguir relaciona as obras consideradas importantes para o estudo dos temas. Em cada módulo, serão indicados os trechos específicos que devem ser lidos. BÁSICA DASTUR, F.; CABESTAN, P. Daseinsanalyse: fenomenologia e psicanálise. 1. ed. Rio de Janeiro: Via Verita, 2015. EVANGELISTA, P. (Org). Psicologia fenomenológico-existencial –possibilidades da atitude clínica fenomenológica. 2. ed. Rio de Janeiro: Via Verita, 2015. FEIJOO, A. M. L. C. A existência para além do sujeito: a crise da subjetividade moderna e suas repercussões para a possibilidade de uma clínica psicológica com fundamentos fenomenológico- existenciais. Rio de Janeiro: Via Verita, 2011. COMPLEMENTAR CRITELLI, D. História pessoal e sentido da vida –historiobiografia. São Paulo: Educ, 2012. POMPÉIA, J. A.; SAPIENZA, B. T. Na presença do sentido: uma aproximação fenomenológica a questões existenciais básicas. 2. ed. São Paulo: Educ, 2013. POMPÉIA, J. A.; SAPIENZA, B. T. Os dois nascimentos do homem: escritos sobre terapia e educação na era da técnica. Rio de Janeiro: Via Verita, 2011. SAPIENZA, B. T. Do desabrigo à confiança: Daseinsanalyse e terapia. São Paulo: Escuta, 2007. 8 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I SAPIENZA, B. T. Encontro coma Daseinsanalyse: a obra Ser e Tempo, de Heidegger, com fundamento da terapia daseinsanalítica. São Paulo: Escuta, 2015. Além destas referências, é desejável que você recorra a outras fontes, caso queira se aprofundar em algum tópico específico do programa. É importante que, em sua pesquisa, você recorra a fontes confiáveis. Indicamos a seguir alguns endereços eletrônicos cuja consulta é recomendada: PEPSIC – PERIÓDICOS ELETRÔNICOS EM PSICOLOGIA <http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php> PERIÓDICOS CAPES <www.periodicos.capes.gov.br> BIBLIOTECA VIRTUAL EM SAÚDE – BVS <http://www.bvs-psi.org.br> BIBLIOTECA DIGITAL DE TESES E DISSERTAÇÕES (USP) <http://www.teses.usp.br/> CENTRO DE FORMAÇÃO E COORDENAÇÃO DE GRUPOS EM PSICOLOGIA <http://www.fenoegrupos.com> ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DASEINSANALYSE <http://www.daseinsanalyse.org/> INTRODUÇÃO À FENOMENOLOGIA DE EDMUND HUSSERL Apresentação dos dados biográficos de Edmund Husserl Introdução ao método fenomenológico e à consciência intencional Apresentação dos dados biográficos de Edmund Husserl Bibliografia básica: FEIJOO, A. (2011) “Husserl e a Fenomenologia”. A existência para além do sujeito. p. 25-34. Edmund Husserl nasce em Prossnitz, na Morávia; atual Prostejov, República Tcheca, em 8 de abril de 1859, filho de comerciantes judeus. Em 1876, inicia seus estudos universitários em Leipzig. Concentra-se na matemática, mas estuda também física, astronomia, filosofia e psicologia com W. Wundt. Em 1882, doutora-se na Universidade de Viena com a tese “O Cálculo das Variações”. Em 1887, pouco antes de casar- se, defende a tese de habilitação “Sobre o Conceito de Número: análise psicológica”, na cidade de Halle. Essa trajetória culmina na Psicologia. Nessa época, a Psicologia era o estudo das faculdades mentais do homem. Até bem pouco tempo, era disciplina especulativa, filosófica. Quando Wundt funda o laboratório de psicologia científica em 1879, começa sua trajetória de ciência aplicada. Husserl acompanhou de perto essa transformação. A filosofia do fim do século XIX dividia-se entre duas vertentes: aqueles que defendiam uma base objetiva para o conhecimento e aqueles que o fundamentavam nas faculdades mentais. 9 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA Os naturalistas defendiam que a objetividade do conhecimento está na realidade objetiva, externa, “fora” do sujeito. Conhecer a natureza significa saber mensurá-la, a fim de revelar suas leis universais. Essas leis universais, as verdades universais, só são acessíveis através de hipóteses. Para isso, esse modelo de conhecimento dispõe da metodologia de observação, mensuração e classificação. Como toda a realidade é objetiva, física, também a consciência, da qual fala a Psicologia, deve ser física. Husserl, como grande pensador, leva ao limite as bases desse pensamento para expor sua contradição: se tudo pode ser reduzido à natureza física, também a concepção de que tudo pode ser reduzido à natureza física é apenas mais um processo físico, incapaz de sustentar-se como verdade universal. Do outro lado, os psicologistas defendiam a mente como fundamento último de todo conhecimento. Para eles, a objetividade é dada pelo sujeito “puro”, abstrato. As leis objetivas, o real, são convenções subjetivas explicáveis pelo psicólogo. Levando às últimas consequências essa fundamentação, também a Psicologia mina o conhecimento objetivo e científico-natural, pois, para ela, tudo é processo psicológico. As ciências, como a matemática, tornam-se relativas. O pensamento de Husserl recebe impulso dessa “crise” insuperável, na tentativa de encontrar solução. Para fundamentar o conhecimento verdadeiro – tarefa da filosofia – Husserl não poderá se apoiar no Naturalismo nem no Psicologismo. A Fenomenologia surge como crítica à pretensão de cientificidade plena das ciências, ao recurso à dedução e à inferência como método de conhecimento (modelo hipotético) e à determinação psicofísica atribuída ao seu sujeito do conhecimento (FEIJOO, 2011). Atividades recomendadas: 1. Leia atentamente o texto indicado como bibliografia básica. 2. Faça uma pesquisa bibliográfica sobre a vida e a obra de Edmund Husserl. 3. Acompanhe o exercício a seguir: Husserl (1859-1938) foi o iniciador da fenomenologia. Sua formação acadêmica iniciou-se na matemática, passou pela psicologia filosófica e desembocou na filosofia. A fenomenologia é filosofia. Sobre a fenomenologia elaborada por Husserl, está correto afirmar: I – Busca um fundamento seguro para as ciências humanas, as ciências naturais e a filosofia. II – Tem como lema o retorno “às coisas mesmas”, que significa um retorno à pesquisa empírica e à experimentação. III – A palavra “fenomenologia” é composta de “fenômeno”, que significa “aquilo que aparece”, e “logos”, que significa “sentido imanente”. IV – Foi formulada desde 1900 como um modelo de atendimento psicoterápico, que visa à compreensão do outro. 10 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I V – Concebe o mundo como existindo em si mesmo e concebe um método (“método fenomenológico”) para conhecer a realidade que se esconde por trás das aparências. Estão corretas apenas as afirmações: A) I, II, III, IV e V. B) I, II, IV e V. C) I e III. D) II, IV. E) I e III. Se você leu atentamente os textos e compreendeu o impulso husserliano à fenomenologia, foi capaz de identificar a alternativa E como correta. A afirmação II indica como “retorno às coisas mesmas” o retorno à empiria, por isso está incorreta. A proposta da fenomenologia é retornar aos fenômenos no seu aparecer na correlação intencional, isto é, na relação consciência-objeto. A afirmação IV apresenta a fenomenologia como um método psicoterápico, o que está errado, pois surgiu como filosofia primeira, no esforço de fundamentação de todas as ciências. A afirmação V fala de uma “realidade por trás da aparência”. Para a fenomenologia, o que aparece é o que é tal como é. INTRODUÇÃO AO MÉTODO FENOMENOLÓGICO E À CONSCIÊNCIA INTENCIONAL Bibliografia básica: FEIJOO, A. (2011) “Husserl e a Fenomenologia”. A existência para além do sujeito. p. 25-34. A ascensão das Ciências Humanas amplia a crise das ciências. Qual seria a validade (verdade universal) das descobertas da antropologia, da sociologia ou mesmo da psicologia? A psicologia, num esforço para assegurar a verdade de suas afirmações, recorre ao método científico-natural de investigação. O teste de medição de inteligência desenvolvido por Alfred Binet (1857-1911) é um exemplo disso; determina-se a inteligência como mensurável e cria-se um instrumento para a medir. Husserl, por outro lado, identifica a carência de fundamentos das ciências naturais, é o naturalismo, descrito anteriormente. Seu objetivo é, então, inaugurar um novo fundamento para a lógica, para a teoria do conhecimento e para a psicologia: uma ciência originária, primeira. A chave para a fenomenologia vem dos estudos com Franz Brentano (1838-1917). Opondo-se a Wundt, Brentano propõe que os atos mentais são experienciáveis, de modo que a psicologia, através da intuição (observação), é ciência empírica. Brentano apresenta os atos psíquicos como intencionais. Resgata esse conceito da filosofia de Aristóteles. Na tradução latina da filosofia aristotélica, intentio significa “dirigir-se a”. Devemos tomar 11 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA muito cuidado para não confundir este conceito com a ideia comum de “intenção”, que significa desejo, motivação etc. Desta ideia, Husserl desenvolve o a priori da correlação: consciência é “consciência de”, e todo objeto só é enquanto visado por uma consciência. Intencionalidade significa que toda consciência é de algo e todo algo só é enquanto referido à consciênciaque se tem dele. Nessa formulação, Husserl lança mão de um aspecto da psicologia de Brentano que será característico da fenomenologia e de toda psicologia fenomenológica que nela se inspira: consciência é ato, não é um receptáculo. Com o conceito de intencionalidade, Husserl supera o Psicologismo, que prioriza o sujeito na relação sujeito-objeto, e o logicismo e naturalismo, que priorizam o mundo objetivo e natural, o objeto na relação sujeito-objeto. Para a fenomenologia, sujeito e objeto são intimamente relacionados, indissolúveis. Por isso, Feijoo (2011, p. 33) afirma que Com a noção de intencionalidade, portanto, escapa-se das articulações metafísicas a partir da fenomenologia e encontram-se possibilidades outras de se tratar o fenômeno psíquico, sem perder a possibilidade de se falar em sentidos e significados psíquicos de maneira rigorosa. A Fenomenologia surge como tentativa de elaboração de uma ciência rigorosa, capaz de fundamentar as várias ciências. Por isso, Husserl a chama de Ciência Primeira. O princípio de intencionalidade da consciência rege que toda consciência é consciência de algo e que todo algo só é tal como aparece na consciência. “Consciência”, entretanto, não é um recipiente vazio que se preenche; é um ato. O objeto ao qual se dirige e que surge na relação intencional é sempre significativo. Entretanto, nós não experienciamos essa relação íntima entre o nosso ver e a coisa vista, entre nosso sentir e a coisa sentida, entre nosso perceber e a coisa percebida. Husserl chama de atitude natural a nossa postura cotidiana de encontrar objetos “fora”, no mundo, como se existissem em si mesmos. A atitude natural pode ser descrita como aquela que consiste em pensar que o sujeito está no mundo como algo que o contém ou como uma coisa entre as demais. As ciências naturais operam sobre essa crença de que existem objetos em si no exterior, que podem ser observados, investigados e descritos a partir de suas propriedades imanentes. A atitude natural é a atitude ingênua. A fenomenologia busca superar a atitude ingênua suspendendo a crença na realidade da existência em si do mundo exterior, resgatando a consciência como condição de aparição do mundo. Essa etapa do método fenomenológico chama-se epoché e pode ser caracterizada como a colocação entre parênteses da realidade independente da consciência, para que a investigação fenomenológica se volte para a “fenomenalização” dos fenômenos, isto é, seu aparecer na correlação intencional. Pela redução fenomenológica, a consciência se mostra consciência constituinte de mundo. Atividades recomendadas: 1. Leia atentamente o texto indicado. 12 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I 2. Procure artigos de Psicologia Fenomenológica em revistas científicas que apresentem as bases filosóficas fenomenológicas. Preste atenção em como as ideias filosóficas são “aplicadas” na pesquisa empírica. 3. Acompanhe o exercício a seguir: Leia atentamente a seguinte afirmação de Husserl (1907/1990, p. 33): Mostra-se, pois, por toda a parte, esta admirável correlação entre o fenômeno do conhecimento e o objeto de conhecimento. Advertimos agora que a tarefa da fenomenologia, ou antes, o campo das suas tarefas e investigações, não é uma coisa tão trivial como se apenas houvesse que olhar, simplesmente abrir os olhos. [Referência bibliográfica: Husserl, E. A ideia da fenomenologia. Trad.: Artur Morão. 1. ed. 1907. Lisboa: Edições 70, 1990.] Leia as afirmativas a seguir a respeito desta citação: I – A passagem se refere à intencionalidade da consciência, que pode ser descrita como a propriedade de toda consciência ser referida a um objeto e todo objeto só ser enquanto referido a uma consciência. II – Através desta concepção, sujeito cognoscente e objeto conhecido deixam de ser entidades separadas e se revelam cooriginários. III – A fenomenologia é uma tarefa pois exige que se saia da atitude natural em relação ao mundo para poder conhecer sua constituição. IV – O fenomenólogo precisa do método fenomenológico para conhecer as intenções da consciência, isto é, o que a motiva. Estão corretas: A) I, II e IV, apenas. B) I e II, apenas. C) II, III e IV, apenas. D) I, II e III, apenas. (CORRETA) E) II e III, apenas. 13 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA INTRODUÇÃO À FENOMENOLOGIA EXISTENCIAL DE MARTIN HEIDEGGER E À ANALÍTICA EXISTENCIAL O projeto fenomenológico de Heidegger A constituição ontológica da existência (Dasein) Bibliografia básica: DASTUR, F.; CABESTAN, P. (2015) “Analítica existencial e Daseinsanalyse”. cap. I.B. p. 34-56. O livro de Heidegger, Ser e Tempo, publicado em 1927, tem como tarefa a elaboração da fenomenologia como filosofia. E filosofia é, para ele, perguntar pelo Ser, isto é, o que é a realidade?, quem somos nós?, tal como feito por toda a história ocidental. O método fenomenológico exige que se suspendam os pressupostos. Assim, Heidegger “coloca entre parênteses” as definições de Ser legadas pela tradição filosófica. Precisa perguntar ao Ser mesmo o que é. Para isso, começa perguntando pelo “ente que compreende ser”, que é o homem. Isto é, a existência é por ele assumida não como animal racional, nem como psiquismo, mas como abertura para coisas, para si mesmo e outros seres. Somente o homem pergunta o que é o mundo?, o que são as coisas?, o que sou eu? A tradição filosófica também deixou definições sobre o que é o homem. As várias abordagens psicológicas são exemplos disso; todas elas definem o que é o humano. Mas a fenomenologia é obrigada a colocar todas essas definições em suspensão. Com isso, Heidegger pergunta ao homem pelo seu ser, que seria o primeiro passo na colocação da pergunta pelo sentido de Ser em geral. O livro Ser e Tempo torna-se, assim, uma analítica existencial. Heidegger reserva a este o termo Dasein, “ser-aí”, para diferenciá-lo dos demais entes. Traduzindo ao pé da letra, “Da” significa “aí”; “Sein”, ser. Ou seja, Dasein é ser-aí. Mas, Heidegger visa descrever não os homens concretos, mas o ser dos homens. Daí a distinção da fenomenologia existencial entre ôntico – que é dos entes históricos, “concretos” (“existenciário”) – e ontológico, que se refere ao ser dos entes (“existencial”) (DASTUR; CABESTAN, 2015, p. 40). A analítica do Dasein (ou “analítica existencial”) é uma descrição de aspectos essenciais da existência humana. Heidegger chama esses aspectos de “existenciais”, para diferenciar da palavra “categorias”, usada na filosofia para descrever as propriedades do ser de tudo o que não é humano. A obra Ser e Tempo defende que o humano não é como as demais coisas do mundo, pois: 1) seu ser está sempre em jogo (ou seja, é uma questão em aberto) e 2) Dasein compreende ser (ou seja, é abertura para ser de coisas, outros e si mesmo). Medard Boss e Ludwig Binswanger, que desenvolvem a Daseinsanalyse, fundamentam os fenômenos encontrados na clínica nos “existenciais” descritos por Heidegger em Ser e Tempo. 14 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Atividades recomendadas: 1) Faça uma leitura criteriosa do texto indicado, atentando para a apresentação da obra de Heidegger e sua importância para a Psicologia. 2) A partir da leitura, considere as relações possíveis entre a filosofia e a psicologia. 3) Diferencie a análise existenciária da análise existencial no contexto fenomenológico-existencial. 4)Acompanhe o seguinte exemplo de exercício: Sobre o Dasein, Heidegger escreve que “é próprio deste ente que seu ser se lhe abra e manifeste com e por meio do seu próprio ser, isto é, sendo. A compreensão do ser é em si mesma uma determinação do ser do Dasein. O privilégio ôntico que distingue o Dasein está em ser ele ontológico.” (1927, p.38) Nessa afirmação estãopresentes dois conceitos essenciais para a compreensão da fenomenologia existencial e para a implicação das descrições de Heidegger para as ciências do homem. A saber, tratam- se dos conceitos de “ontológico” e “ôntico”, que significam, respectivamente: A) “ontológico” é a constituição do aparelho psíquico do ser-aí, enquanto “ôntico” se refere às representações que o preenchem. B) “ontológico” é a constituição essencial do ser-aí, enquanto ôntico refere-se aos modos concretos possíveis em que essa constituição se manifesta cotidianamente. C) “ontológico” significa que se refere ao ser do ser-aí, enquanto “ôntico” ao ser dos objetos. D) “ontológico” significa a possibilidade de conscientização do ser-aí sobre si mesmo, enquanto “ôntico” relaciona-se ao modo irrefletido no qual as pessoas vivem. E) “ontológico” é sinônimo de “fenomenológico”, enquanto “ôntico” se refere às abordagens não fenomenológicas. Se você leu os textos e compreendeu a diferença entre ôntico e ontológico, assinalou a resposta B como a correta, pois nela está expresso que “ontológico” se refere à constituição essencial do Dasein, enquanto “ôntico” se refere aos modos concretos de ser. Assim, dizemos que o ser-no-mundo é ontológico – constitutivo de todo ser-no-mundo –, enquanto ser um existente neste contexto histórico-social, nesta família etc., é ôntico. A CONSTITUIÇÃO ONTOLÓGICA DA EXISTÊNCIA (DASEIN) Bibliografia básica: DASTUR, F.; CABESTAN, P. (2015) “Analítica existencial e Daseinsanalyse”. cap. I.B. p. 34-56. 15 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA O conceito de Dasein se refere à constituição ontológica do ser que nós somos, costumeiramente chamados de “humanos”. Porém, Heidegger não utiliza o termo “ser humano” ou “homem”, pois são termos que carregam significados não fenomenológicos acumulados ao longo da história do Ocidente. “Humano”, por exemplo, deriva de “húmus”, terra fértil, articulando-se com a tradição judaico-cristã de definição de homem. Por isso, Heidegger reserva o termo Dasein para indicar o ser que somos (DASTUR; CABESTAN, 2015, p. 34). No §9 de Ser e Tempo, Heidegger (1927, p. 77) escreve: “O ente que temos a tarefa de analisar somos nós mesmos. O ser deste ente é sempre cada vez meu. Em seu ser, isto é, sendo, este ente se comporta com o seu ser”. Isso significa que não há uma “essência” ou “natureza” para além dos modos concretos de existência. O livro Ser e Tempo é uma descrição fenomenológica – livre de pressupostos – da constituição ontológica do Dasein. Essa constituição é formada pelos “existenciais”, que são os caracteres ontológicos do Dasein. Resumindo a concepção de Dasein da obra Ser e Tempo, podemos afirmar que o homem é um ser que é aí, no mundo (ser-no-mundo). E ser no mundo significa ser sempre uma relação significativa consigo mesmo, com os outros e com coisas (mesmo que essas relações estejam implícitas). A analítica do Dasein revela que o homem é ontologicamente no-mundo e com-os-outros. Ser e Tempo não se detém nas descrições dos diversos modos concretos em que nos relacionamos com os outros, pois não é essa a tarefa de Heidegger. Sendo inacabado, o Dasein é ontologicamente possibilidade, ele se realiza em possibilidades. Isso significa que ninguém nasce pronto, mas precisa se realizar. Heidegger chama esse existencial de cura ou cuidado (Sorge, em alemão). O “realizar-se” é sempre situado em relação aos demais e à “significatividade” compartilhada. Não sendo pronto e acabado, o Dasein precisa sempre se realizar como uma possibilidade; ao Dasein sempre está faltando algo. Heidegger diz que ele é sempre culpado. A palavra culpa, em alemão, é Schuld, que também significa débito. Sendo inacabado, a existência está sempre em dívida consigo mesma de realizar-se. A única possibilidade que encerra a culpa e que só pode ser vivida por cada qual singularmente é sua própria morte. O Dasein se relaciona constantemente com essa sua própria possibilidade. Entretanto, essa possibilidade nunca é vivenciada por cada um, pois, quando acontece, não estamos mais aí para vivenciá-la. Atividades recomendadas: 1) Faça uma leitura criteriosa dos textos indicados, atentando para a concepção de Dasein neles presente. 2) Responda: essa concepção de existência (Dasein) pode fundamentar uma compreensão de fenômenos descobertos no trabalho do psicólogo? Justifique sua resposta. 3) Acompanhe o exercício a seguir: 16 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Escreve o daseinsanalista Pompeia (2004): Poder existir é uma oportunidade que se renova a cada instante. Pode ser que vivamos só este momento ou por mais alguns dias, anos, até mais de cem anos. Pode, não tem de ser assim, apenas pode. A vida não é um direito nosso, pois pode ser arrebatada a qualquer momento; não é um dever nosso, pois não nos é dada como condição de necessidade, mas é uma contingência. Assim, existir emerge como projeto. A partir desse contexto, a afirmação correta é: A) O determinismo encontra-se aí na condição de ser-para-a-morte. B) A experiência humana da vida é, originariamente, fixada num dado tempo e num dado espaço. C) A relação entre o homem e sua existência depende do modo como ele enfrenta sua condição de mortal. D) A existência só pode ser compreendida a partir de uma análise cronológica dos eventos que permeiam a vida de cada homem. E) O horizonte existencial do homem é infinito e indeterminado. A afirmação A apresenta o ser-para-a-morte como uma condição determinística. Está incorreta, pois embora a morte seja uma possibilidade certa, ela não impõe determinação alguma à existência. Como cada qual lida com a mortalidade (e não com a morte em si) é uma questão pessoal, social e cultural e possível, indeterminada. A afirmação B está incorreta, pois não é possível fixar um tempo ou espaço para a vida. Essas questões permanecem em aberto – possíveis – enquanto a existência existir. Na afirmação C lemos que a relação de cada um com sua existência depende de como enfrenta sua condição de mortal. Devemos lembrar que enfrentar a condição de mortal é sinônimo de enfrentar a própria existência. Assim, como cada qual lida com sua vida está, sim, relacionado com como cada qual lida com a possibilidade de sua impossibilidade. E isso a cada instante. É a alternativa correta. Vejamos por que as demais estão incorretas. A afirmação D apresenta que devemos fazer uma análise cronológica dos eventos da vida para compreender a existência. Está errado, pois a cronologia é secundária para o Dasein. Os eventos passados adquirem sentido a partir do projeto em que o Dasein está lançado. Isso ficará mais claro quando estudarmos a temporalidade do Dasein. A afirmação E apresenta que o horizonte existencial como infinito. Está errada, pois o horizonte existencial de todos nós é a morte, que é um acontecimento certo com data incerta. Cada Dasein lida com a possibilidade de sua impossibilidade – horizonte finito – à sua maneira.
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