Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Rodrigo Moretto LA HERENCIA DE LA CRIMINOLOGIA CRITICA Elena Larrauri (1991) Índice 1. BOAS VINDAS AS TEORIAS NORTEAMERICANAS................................... 3 Introdução .............................................................................................................. 3 I. A conexão sociológica: crítica a teoria da anomalia e as teorias subculturais ....... 3 II. A morte de Lombroso: as tendências anticorrecionalistas ................................... 6 III. Uma troca de paradigma: o labelling approach................................................. 9 III. A. Quando se aplica uma etiqueta?.................................................................. 10 III. B. Quem e porque se aplica o etiquetamento? ................................................. 11 III. C. Como se aplica esta etiqueta?..................................................................... 12 III. D. Quais são as conseqüências da aplicação da etiqueta? ................................ 13 IV. Sociologia da Vida Cotidiana: Etnometodologia, Antipsiquiatria e Marxismo . 14 IV. A. Etnometodologia........................................................................................ 15 IV. B. Antipsiquiatria............................................................................................ 16 IV. C. Marxismo................................................................................................... 18 2. A NOVA TEORIA DO DESVIO ..................................................................... 20 II. 1. Questionamento do consenso social ............................................................. 22 II. 2. Questionamento acerca da natureza patológica da ação desviada.................. 23 II. 3. Status do ato desviado.................................................................................. 23 II. 4. Questionamento da natureza absoluta da reação ........................................... 23 II. 5. Questionamento do caráter objetivo das estatísticas...................................... 24 II. 6. Questionamento do delito comum................................................................. 24 II. 7. Questionamento do caráter determinado do delinqüente ............................... 24 II. 8. Caráter do desviado ..................................................................................... 25 II. 9. Questionamento do fim corretivo da política criminal ................................... 25 II. 10. Questionamento do papel do ciminólogo: ................................................... 26 4. A CONTRA-REFORMA ................................................................................. 29 I. Os Duros Anos Setenta: O Desfalecimento Da Ndc........................................... 30 II. A descoberta da classe operária: a gravidade do delito comum......................... 32 III. O idealismo e o romantismo de esquerda: crítica à inversão dos postulados positivistas............................................................................................................ 33 III. 1. O consenso é “realidade e ilusão” ............................................................... 34 III. 2. Há “diferentes” atos desviados.................................................................... 34 III. 3. O ato desviado “exacerba” os valores do sistema........................................ 34 III. 4. A reação não constitui o desvio................................................................... 34 III. 5. O caráter “não-disjuntivo” das estatísticas .................................................. 34 III. 6. Delito comum “aumenta e é grave” ............................................................. 35 III. 7. O delinqüente é livre e determinado ............................................................ 35 2 III. 8. O delinqüente não é Robin Hood ................................................................ 35 III. 9 Para uma política criminal “intervencionista” ............................................... 35 III. 10. O criminólogo condenador ........................................................................ 36 III. 11. A atenuação da concepção instrumental do direito .................................... 37 IV. Sumário .......................................................................................................... 38 5. LA CRISIS DE LA CRIMINOLOGÍA CRÍTICA (A CRISE DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA)............................................................................... 39 Introdução ............................................................................................................ 39 I. Crise: que crise? ................................................................................................ 39 II. A questão etiológica: as causas de seu abandono.............................................. 43 II. A. Porque era crítico superar o paradigma causal?............................................ 43 II. B. Porque é crítico recuperar a pergunta causal?............................................... 43 III. As alternativas ao cárcere: redes mais amplas?................................................ 44 IV. A função simbólica do direito penal: o paradigma da nova criminalização....... 47 V. A vitimologia: no lado de quem estamos?......................................................... 50 VI. A tarefa do criminólogo crítico: o que fazer?................................................... 51 3 LA HERENCIA DE LA CRIMINOLOGIA CRITICA 1. BOAS VINDAS AS TEORIAS NORTEAMERICANAS Introdução A década de 50 está dominada nos Estados Unidos por teorias criminológicas que se baseiam em um modelo funcionalista de sociedade, na teoria da anomia e nas teorias subculturais. Estas teorias foram criticadas por Matza por entender que estas permanecem atreladas a criminologia positiva. A criminologia positiva explicava os delitos através de causas biológicas, psicológicas e sua interação com causas sociais, mas não explicava o aumento do índices de criminalidade nos anos 60, período de prosperidade econômica e aumento da intervenção social. Contemporaneamente se desenvolve a pespectiva do etiquetamento (labelling approach), que produz uma troca de paradigma.. O estudo do delito é concentrado não na ação, mas sim na reação social. Este enfoque está ligado ao clima político dos anos 60. A revolta dos estudantes, as manifestações pacifistas, o movimento em favor dos direitos humanos, a nova esquerda, e por conseqüência a criminalização destas atividades dão credibilidade a idéia de que o controle penal produz a desviação. I. A conexão sociológica: crítica a teoria da anomalia e as teorias subculturais As teorias criminológicas dominantes nos Estados Unidos na década de 50 eram as teorias da anomia e as teorias subculturais. A teoria da anomia e de certa forma as teorias subculturais se baseiam na corrente sociológica funcionalista desenvolvida por Parsons. Seria absurdo em poucas palavras falar sobre as perspectivas mais influentes da sociologia. A única coisa que resultaria disso seria um esboço esteriotipado e limitado. Esteriotipado porque reproduz as afirmações da corrente funcionalista. Limitado porque o conjunto da teoria funcionalista só destaca os aspectos relevantes para a criminologia. 4 O funcionalismo pretende explicar como manter a sociedade unida. Segundo Hobbes o funcionalismo utiliza como paralelo um corpo vivente, por exemplo, um corpo humano. A sociedade é igual ao corpo humano, pode ser concebida como um sistema. Este é um todo composto de diversas partes atreladas entre si. As trocas entre as partes afetariam o funcionamento do todo. Também a sociedade é formada por por um sistema formado por vários subsistemas (político, econômico, cultural) desenvolvidos para assegurar o funcionamento, manutenção e reprodução da sociedade. Por sua vez os subsistemas são compostos por múltiplasinstituições (família, escola, religião). Por que estas instituições existem, porque cumprem este ou aquele papel na sociedade, só podemos entender estas questões analisando as funções que cumprem no contexto social global. Assim, para entender o funcionamento da sociedade devemos analisar as diversas instituições. Como se assegura que todas as instituições contribuam para o funcionamento do sistema? Isto se consegue porque todas as instituições compartilham dos mesmos valores sociais, de tal forma que estes valores gerais e globais permitem o consenso no fundamental que é o funcionamento integrado de todo o sitema social. As instituições são compostas por indivíduos e por estes valores que devem resultar em direções concretas de atuação. Para que estes valores resultem em situações concretas de ação são necessárias as normas, específica para cada forma de comportamento associado ao status social que ocupa. Porque o indivíduo se comporta de acordo com as normas de atuação, que o impede de se desviar dela? O que evita a desviação é o fato do indivíduo ter sido socializado nos valores culturais e nas normas. E existe uma motivação para se comportar de acordo com as normas, baseada na concessão de prêmios e castigos. Assim podemos falar em controle social que pode ir de um mínimo formal (sentimentos de vergonha, elogios, etc) a um máximo formal (a imposição e o castigo realizado pelo sistema pena, com a obrigação de ressocializar-se). Resumimos: a influência do funcionalismo na criminologia se reflete no estudo do tema do delito e do sistema penal com base nas funções e disfunções que os comportamentos trazem para o sistema social. Conceber o controle social como uma reação a desviação, sendo que esta 5 representa uma deficiente socialização das normas sociais e importante para os penalistas conceber que esta depende da motivação do indivíduo para atuar de acordo com a norma, sendo esta baseada em prêmios e castigos. No entanto, a nova teoria da desviação não foi tão influente quanto as teorias que críticas a esta que surgiram nos anos 70. De acordo com a teoria da anomia desenvolvida por Merton, os indivíduos adquirem objetivos que são valorados em cada sociedade. A cultura não só designa os objetivos valorados, mas os meios através dos quais possam ser adquiridos. Isto se realiza pelo valor (riqueza), mas não se aceita que se consiga de qualquer maneira. Do exposto surgem algum problemas. O primeiro é que as pessoas não internalizam adequadamente a necessidade de respeitar os meios legítimos para atingir os objetivos. Um segundo é que a cultura define os objetivos de forma igualitária, porém as possibilidades não são repartidas de forma igualitária. Por conseqüência disto surge uma tensão, uma situação de anomia (ausência de normas). Umas das respostas que o indivíduo pode adotar frente a esta tensão é o comportamento delitivo. Para Merton este comportamento delitivo é uma problema de socialização defeituosa, uma situação criada estruturalmente, produto de uma tensão entre os objetivos culturas (êxito ecônomico) e os meios legítimos limitados que existem para atingí-los. Já o presssuposto comum das teorias subculturais e a delinqüência está em uma resposta que é a solução social compartilhada dos problemas causados pela estrutura social. As teorias subculturais representam o intento de combinar um enfoque macro dos problemas criados pelas estruturas com um enfoque micro, de onde se localiza e como se aprendem os comportamentos delitivos. O intento dessa teoria era verificar a origem das diferenças, isto é, porque determinados comportamentos se desenvolvem em alguns ambientes e em outros não. As teorias subculturais aceitaram que os jovens de extratos inferiores da sociedade se encontram em estado de tensão por não poder atingir os objetivos culturais valorados pela sociedade. Frente a esta tensão o jovem renegará os objetivos culturais valorados dominantes e desenvolverá valores próprios de sua subcultura de acordo os objetivos a serem valorados. O desenvolvimento de uma subcultura delitiva aparece como uma resposta aos problemas surgidos por uma má situação na estrutura social. 6 As teorias da anomia e subculturais aceitam a atividade delitiva como um comportamento induzido pela má localização do jovem na estrutura social. Estas teorias sofreram duram críticas nos anos 60. Três são as razões: Primeira. As mesmas críticas feitas as teorias funcionalistas foram repercutir na credibilidade destas teorias que tinham por base um modelo funcionalista de sociedade. Assim podemos lembrar a crítica aos funcionalistas no sentido de que existem diversos grupos na sociedade e que estes possuem uma multiplicidade de valores e que não é difícil prever que exista conflito em torno dos valores e interesses que cada grupo defende. Um segunda crítica as as teorias subculturais é a realizada por Matza que diz que estas teorias possuem inconsistências internas, permanecendo baseadas algumas de suas idéias na criminologia positivista. Ele questiona os pilares básicos da criminologia positivista que é o de entender o delinqüente como um ser distinto do cidadão convencional. A última crítica as teorias da anomia e subculturais residem no fato de que estas não a desviação predominante nos anos 60, que era formadas por delitos sem vítima (drogas, homosexualidade, campanhas em favor dos direitos humanos, etc). E este tipo de desviação era majoritariamente da classe média. Frente a isto a desviação baseada na tensão dos extratos inferiores da estrutura social e carecedor de acesso aos objetivos culturais valorados ficou seriamente debilitada. Na verdade quando se critica as teorias da anomia e subculturais se está criticando as teorias funcionalistas do delito e a criminologia positivista. As teorias funcionalistas do delito eram criticadas por afirmar um sistema uniforme de valores e assim aceitar a delinqüência como um fenômeno patológico. Os positivistas eram criticados, pois defendiam a idéia de um ser patológico, ou seja, que o delinqüente era um ser doente e que necessitada de tratamento. Matza com estas críticas remarcou o cárater transitório e voluntário da maior parte da delinqüência, afirmando que o homem é sujeito e não um objeto como veremos adiante. II. A morte de Lombroso: as tendências anticorrecionalistas Importante a nova teoria da desviação foram as críticas feitas por Matza as teorias positivistas. 7 Ele nega a existência do delinqüente como um ser patológico distinto. Para ele o delinqüente aceita e compartilha dos valores sociais dominantes. O delinqüente necessita utilizar umas técnicas de neutralização. Essas técnicas de neutralização são: 1. negação da responsabilidade; 2. negação do dano; negação da vítima, entre outros. Essas ténicas se baseiam em respostas que são normalmente aceitas pela sociedade e o delinquënte justifica seus atos com respostas utilizadas pelos membros convencionais da sociedade. Matza também analisa a juventude e assinala que os jovens americanos se comportam de forma convencional e participam de versões convencionais das tradicionais juventudes desviadas. O caráter rebelde da juventude leva esta a participar de um setor de subculturas desviadas. Existe uma relação dialética das subculturas com o contexto social mais amplo. As diversas subculturas do mundo convencional tem relação com as tradicões subterrâneas presentes neste, relações que modificam tanto a subcultura quanto a cultura dominante. Estas relações impedem de conceber as subculturas como algo totalmente oposto aos valores que regem o mundo convencional. Assim, percebe-se que existem valores que em sua versão extema configuram forma de rebeldia juvenil, mas que também tem sua versão juvenil convencional. Sobre o positivismo Matza afirma que este foi uma sobrerreação aos postuladosda escola clássica. O legado positivista pode ser resumido em três premissas: Primeira: A primazia do autor sobre o ato infrator Por influência da escola positivista toda a criminologia posterior tem buscado explicar a delinqüência baseada nas características do sujeito. As teorias justificam o comportamento delinqüente em aspectos físicos. E as teorias da personalidade afirmam causas do comportamento delinqüente os diferentes fatores que incidem sobre a personalidade. A conexão do delinqüente com seu contexto social mais amplo iniciou a superação da imagem de delinqüente patológico determinando o delito e reafirmaram a idéia de um sujeito socialmente distinto e comprometido, por pertencer as subculturas, com a atividade delitiva. O positivismo havia diminuido, mas não havia desaparecido. Segunda: A concepção de um sujeito determinado Para dar um caráter científico a questão passou-se a estudar o homem como um objeto, determinado por várias causas que regem a física. 8 A conseqüência foi a negativa da liberdade do homem como se as ciências sociais fossem científicas. Essa negação da liberdade não comporta o castigo do homem, então apareceram as idéias de correção das faltas que causaram o delito, ou seja, surgiram as idéias de tratamento essencialmente baseadas na correção do delinqüente incapaz de autodeterminar-se. Se bem que de resto as ciências sociais produziram um determinismo soft que realça a peculiaridade do objeto de estudo – o homem – com sua capacidade para ser causa e não somente efeito, sujeito e não somente objeto. Terceira: A diferenciação entre delinqüentes e sujeitos convencionais Baseia-se esta premissa na visão de que o delinqüente é um ser distinto do resto dos cidadãos convencionais. Diferenças estas baseadas em heranças genéticas, em distintos contextos socias e em distintas personalidades. Realizada a crítica a criminologia positista Matza elaborou sua explicação da delinqüência (principalmente juvenil) baseada nas seguintes idéias: similitude do delinqüente com o cidadão convencional, o caráter intermitente de sua atividade e a capacidade do homem para autodeterminar-se. Como se explica as atividades delitivas? Matza recupera os conceitos de tradições subterrâneas e técnicas de neutralização. Para que o sujeito incorra em atividades delitivas é necessário que ele neutralize o vínculo que o une ao sistema normativo. Essa neutralização é a função que cumpre a subcultura. Essa acomodação se dá por meio de duas técnicas. O primeiro mecanismo é a presença das tradições subterrâneas na cultura convencional. A subcultura (desviada) representa uma extensão e radicalização das tradições subterrâneas presentes na cultura convencional. Um segundo mecanismo são as técnicas de neutralização que consistem na criação de um sistema de valores que justifiquem o fato delitivo. Assim se produz uma ampliação das excusas legais previstas no direito penal que eximem da responsabilidade penal. Essas técnicas consistem: 1. negação das responsabilidades; 2. sentimento de injustiça; 3. definição como dano civil, em vez de delito. Com estas técnicas o indivíduo neutraliza o vínculo que o une a ordem normativa. Assim neutralizado o vínculo Matza entende que a situação é propicia a prática de atividades delitivas. E essa prática se materializa dependendo da vontade do sujeito e das condições favoráveis. 9 Frente ao positivismo Matza sugere a substituição de uma perspectiva correcionalista por uma apreciativa, a adoção de uma imagem de diversidade frente a patologia, negação da sobreposição do mundo convencional sobre o mundo dos desviados. Na última parte de seu livro Matza fala sobre o processo pelo qual uma pessoa passa a ser considerada delinqüente. Estes processo se dá em três momentos: Primeiro: a afinidade Nesta o sujeito responde a uma série de causas. Por exemplo, a pobreza. Segunda: a afiliação Neste o sujeito precisa converter-se em delinqüente, precisa aprender. Terceira: a significação Uma vez realizado o delito, o sujeito contemplará a atividade desde dentro do currículo de iniciados.O ato praticado para a ter o significado de um ato proibido. O ato posterior é o ato da detenção e encarceramento. O processo penal passa a ter significado de ato proibido e dentro do submundo do crime o sujeito pode assumir finalmente a identidade de delinqüente. III. Uma troca de paradigma: o labelling approach As dúvidas mais influentes dos anos 60 foi o labelling approach. Os representantes do labelling approach buscaram apoio nas correntes sociológicas que na década 60 (re) emergem o interracionismo simbólico (criado por Mead). Acabam resurgindo a criminologia pelos teóricos do etiquetamento. Segundo Blumer existem duas diferenças entre as correntes tradicionais estruturalistas e o interracionalismo simbólico. Primeira Estudam o indivíduo como um mero objeto, sobre várias confluências, fatores sociais e psicológicos que levam a atuar em determinado sentido. Estudam o indivíduo como um ser que atua em função da interpretação dos objetos, situações e ações dos outros. Blumer entende que o autor percebe o comportamento do outro como uma ação plena significando expressando algum objetivo ou sentimento integrado em um rol. Para compreender a ação social esta deve ser estudada desde a perspectiva do autor. Segunda 10 As ações dos indivíduos não se concebem sujeitas as necessidades do sistema, suas funções ou a determinados valores culturais, mas sim respondem as necessidades de lidar com as situações que as pessoas se encontram na vida cotidiana. Desta forma, as estruturas e organizações sociais são o marco donde se produzem as ações e não suas determinantes. O labelling approach foi saudado como marco da troca de paradigma da desviação. Ocorreu um mudança no objeto do estudo: do estudo do delinqüente e as causas de seu comportamento (paradigma etiológico) para o estudo dos organismos sociais que tem por função controlar e reprimir a desviação (paradigma da reação social). Estes organismos sociais abarcam os assistentes sociais, psiquiatras, psicólogos, juízes, entre outros. Para exemplificar cita-se o caso de delinqüência juvenil em que os jovens praticavam jogos definidos como delitos, sem que os jovens soubessem que estes jogos se configuravam em um delito. Passou-se a pensar em uma série de conseqüências: como um ato se torna delito, como um grupo passa a ser considerado delinqüente. Observando isto vemos que a perspectiva do etiquetamento tem uma preocupação central: o que ocorre quando alguém é identificado e definido como delinqüente? Quais são os efeitos desta etiqueta para a pessoa etiquietada? III. A. Quando se aplica uma etiqueta? A resposta convencional é dizer que é quando alguém pratica um delito. Mas nem todos que cometem um delito são processados ou encarcerados, e por isso, não são etiquetados. Se delito é um comportamento definido como tal, este comportamento apresenta diferentes características dos outros. A diferença é que alguém comportamentos são definidos como delitos e outros não. Segundo Becker a desviação não é uma qualidade do ato que a pessoa realiza, mas sim uma conseqüência da aplicação de regras e sanções que os outros aplicam ao ofensor. Se desprende disso que a desviação não tem uma natureza ontológica, não existe independentemente da margem de um processo de reação social. Esta reação social é o que define determinado ato como desviado. 11 Em conseqüência, o delito não é um ato mas sim uma construção social que requer um ato e uma reação social (independente). E o delinqüente não é aquele que delinqüe, mas aquele que é atribuída a etiqueta de delinqüente. O etiquetamento não é resultado do ato desviado, mas sim o significado que é atribuído a este ato. Percebe-se que nenhum ato é desviado, mas sim observa-seque a reação social suscita. A reação social varia no contexto no qual o ato se produz. Por exemplo, no latrocínio a reação social é negativa, entretanto, no homicídio em legítima defesa a reação social é positiva. Para que um ato seja considerado desviado deve haver uma reação social negativa, assim o ato passa a ser desviado e se etiqueta o sujeito. III. B. Quem e porque se aplica o etiquetamento? A resposta mais óbvia seria: deve-se castigar os atos mais graves que põe em perigo a existência do sistema social. Becker entende que a razão porque se etiquetam determinados atos é devido ao fato de que o processo de etiquetamento cumpre umas funções sociais, independentemente de quem se etiqueta. Mead afirma que o delinqüente era usado como bode expiatório, para reafirmar a solidariedade social. Se une todo bom cidadão contra o delinqüente. Gusfield analisando a legislação norteamericana trás novos argumentos. Exemplifica dizendo que a proibição do consumo de alcóol nos Estados Unidos visava impedir o consumo do produto e também perseguir os novos grupos sociais (industriais e católicos) que eram consumidores desse produto. Becker sugeria que o castigo de determinadas atividades era a obra de empresários morais de grupos de pressão que conseguem impor sua peculiar visão de mundo e seus peculiares valores, castigando todos que se contrapõe a eles. Juntamente com eles atuavam os policiais e os assistentes sociais como mais ativos etiquetadores, os primeiros representando a intromissão do sistema penal e os segundos a intervenção do sistema de assistência social. 12 A pergunta que fica é: o castigo cumpre alguma função social? Porque estas e não outras são atividades etiquetadas? A quem interessa etiquetar uma e não outras condutas? Quem eram os empresários morais? III. C. Como se aplica esta etiqueta? Para que uma pessoa seja considerada delinqüente, não depende da realização do ato, senão do reconhecimento público deste, mas não se deve extrair do estudo do porque somente certos atos são tipificados, que estes tem origem numa reação social formal. Também deve-se averiguar que somente uma minoria de atos considerados como delitos são objeto de efetiva persecução penal. Kitsuse-Cicourel diz que os índices de comportamento desviado são produzidos por ações desenvolvidas pelas pessoas do sistema social que definem, classificam e registram determinados comportamentos como desviados. As estatísticas refletem a distinta persecução policial de que são objetos determinados comportamentos e também a maior vulnerabilidade de alguns grupos sociais que sofrem essa persecução. É importante resaltar um estudo (Vild-Bernard) que verifica o porque existe uma maior ou menor persecução criminal sobre determinados comportamentos que são considerados como delitos. As respostas são as seguintes: Primeira: Maior interação da polícia com o infrator Esta depende da imagem que a polícia tem do infrator. Exemplo: educação, raça, forma de agir, etc. Segunda: Maior interação da polícia com a vítima Esta depende da imagem que a polícia tem da posição social da vítima, da insistência desta, etc. Terceira: Organização da olícia Existem municípios com delegacias especializadas. Por exemplo: furtos, narcotráfico, delitos contra as mulheres, etc. Quarta: A troca das políticas policiais também podem ocasionar uma persecução diferenciada 13 Podem dar maior atenção a violência doméstica ou a abuso sexual de menores, por exemplo. Quinta: A concepção da polícia A própria concepção que a polícia tem de seu trabalho poderá influenciar a persecução deste ou daquele ato considerado delituoso. A questão que fica é a seguinte: o sistema penal normalmente tem uma visão de que o delinqüente é homem, moreno, de aspecto delgado. Porque esta imagem? Porque estes são os elegidos? III. D. Quais são as conseqüências da aplicação da etiqueta? De acordo com o interaccionismo simbólico o indivíduo constrói seu eu com base nas interações com os demais indivíduos. O indivíduo pode acreditar numa beleza e atuar de acordo com este crença, mas a medida que a respostas dos demais não confirmam essa crença, o indivíduo mudará a percepção de si mesmo. Os infratores raramente tem uma concepção de si mesmos como delinqüentes, sendo que seus atos tem alguma explicação que desaprovam o caráter criminal. Alguns sujeitos podem resistir a condição de ser etiquetados como delinqüentes, mas podem aceitar e econtrar vantagens. Por exemplo: o jovem com problemas pode ficar aliviado ao ser etiquetado como delinqüente juvenil e enviado para o entorno familiar. Ao assumir a nova identidade ele passa a integrar o novo grupo social e desenvolver comportamentos próprios do novo grupo. Desta forma, assumindo a identidade criminal abre a possibilidade para integrar uma subcultura desviada, estabelecer novas relações, comportamentos, etc. A etiqueta é uma profecia que se auto-realiza: O definido como ladrão acaba sendo um ladrão. Lemert faz uma diferença em desviação primária, que são aqueles atos que o sujeito realiza devido a fatores sociais, psicológicos, etc e a desviação secundária é aquela na qual o sujeito guiado por fatores iniciais é levado a uma nova situação, uma nova identidade, uma crença, como forma de responder os problemas gerados pela reação social. 14 A crítica ao processo penal radica na sua contribuição decisiva neste processo de assunção da nova identidade criminal. Conclui-se observando que devido a assunção do status de delinqüente lhe proporciona o apoio de um determinado grupo social, novas possibilidades de atuação e devido as restrições que se encontra para atuar no mundo convencional, uma vez etiquetado como delinqüente, o sujeito assume sua nova identidade e seus atos são guiados por esta nova faceta. Nota-se um enorme impacto do da perspectiva do etiquetamento na criminologia posterior. O objeto de estudo dos anos posteriores foi o papel dos agentes de controle na criação e ampliação da delinqüência. O centro das atenções se desprende do indivíduo que delinqüe para os órgãos que controlam, dos motivos que se realiza os atos delitivos iniciais para respostas que aceitam uma vez assumida sua nova identidade criminal. IV. Sociologia da Vida Cotidiana: Etnometodologia, Antipsiquiatria e Marxismo Para o surgimento da nova teoria “de la desviación”, foi necessário nutrir-se de idéias provenientes das ciências sociais influentes na década de 60. Estas teorias foram precisamente assimiladas por seu “ar radical”. Estas correntes se negavam a aceitar a objetividade. A desviación se revelou como uma categoria socialmente construída. Os índices de delito, as imagens da “desviación”, e as atividades desviadas tiveram vida com os acontecimentos realizados pelo homem no mundo social. Com o homem emergiu uma nova concepção, de que o homem seria capaz de transformar o mundo. (isto é um esboço das idéias que permeavam-se, passando a fazer parte do saber da nova teoria “de la desviación”) Neste momento então, estas idéias se transformaram em ideais. O clima político favoreceria uma leitura radical de teorias. Entender que o labelling aproach provinha de uma só vertente, há um dado lugar, como veremos, há numerosos mal entendidos1. (Plummer, 1979) É certo que também esta confusão não era privativa da criminologia. Também na sociologia se discutia as diferenças entre interacionismo simbólico e etnometodologia , também os etnometodólogos deviam explicar que eles são distintos de uma sociologia fenomenológica. 1 Larrauri, Elena .La herencia de la criminologia crítica . página 40 15 IV. A. Etnometodologia A etnometodologia não foi uma corrente desenvolvida para abordar os problemas “de la desviación”. É provável que sua influência sedeva a similitude das posições de Garfinkel com idéias provenientes do interacionismo simbólico, e que foram recebidas, integradas, re-elaboradas e maltratadas, por alguns novos sociólogos. A repercussão de seu fundador Garfinkel , (da nova sociologia da desviação), se configurou com seu artigo, que foi lido como um argumento contra os órgãos de controle social. Neste artigo afirma que os “autores” do delito se vêem degradados em seu status e com uma nova identidade; substituindo a anterior: “o sujeito é o que sempre havia sido, um ladrão”. Os mesmos são vistos como acidente, causalidade ou excepcionalidade . Ao Juiz, ao juizado, a sociedade, não importa determinar quem é, senão concluir que não é como nós mesmos. Estas decisões são morais, implicam um pronunciamento moral contra atos e sujeitos como estes. Aos denunciantes cabe ser visto como um representante público, de qualidades e valores de uma maioria. Finalmente, o acusado deve ser estranho, não tem nada que ver com os valores do jurado e nem do denunciante, deve ser ritualmente separado da comunidade. Estas são as condições que, de acordo com Garfinkel, devem cumprir as cerimonias de degradação para terem êxito. A crítica implícita que, em minha opinião, trazia o artigo de Garfinkel, era que em nossas sociedades estes procedimentos se institucionalizaram em um corpo de profissionais. Ele salientou diferenças com as cerimonias de degradação que se produziam em sociedades tribais; que no caso por tribunais, foi estruturada de forma diferenciada e nada propícias. A etnometodologia é uma corrente sociológica norteamericana desenvolvida fundamentalmente por Garfinkel (1967) . Definiu como o estudo do conhecimento de sentido comum e a variedade de procedimentos e considerações pelos quais os membros correntes da sociedade dotadas de sentido, encontram seu caminho e atuam nas circunstâncias em que se encontram. É conhecido que a etnometodologia recebe influência da sociologia fenomenológica de Schutz e da corrente funcionalista de Parsons. 16 Recordemos que para Parsons, o indivíduo se comporta da forma esperada devido a internalização de normas de conduta, e o mesmo se motiva a internalizá-las com base ao estabelecimento de prêmios e castigos. Garfinkel como já vimos, não pensa assim, mas a base da ordem que propõe Schutz – um conhecimento compartilhado por um processo inter - subjetivo de ajustamento contínuo ( parece demasiadamente frágil como garantia de ordem comum). Garfinkel afirmará que este processo cognitivo serve para interpretar o mundo e para atuar conforme este. Mas uma desviação da ordem cognitiva não é alegremente tolerada, senão que se trata como uma questão moral e é objeto de sanção. Este tipo de reação permite compreender que em efeito, todos tentamos atuar conforme normas para evitar sanções. Por outro lado, o comportamento sempre será objeto de interpretação, com base a outro marco de referência; nossas ações estam condenadas a possuir significado. A primeira idéia de Garfinkel com a criminologia é que deve-se analisar o fato considerando o olhar do autor, deve-se ver o mundo com os seus olhos. Para entender um ato não é suficiente ver sua externalidade, senão que devem analisar-se os motivos, os interesses, os conhecimentos do autor que vão materializado no comportamento. Certo que as vezes as explicações não convencem. Uma pessoa pode explicar porque realizou determinada conduta e o estudioso pode pensar que na realidade ele se deve a outros motivos. Esta imputação de motivos, ou a designação de determinados comportamentos como irracionais, é o que se combate com a indiferença etnometodológica. Para entender o comportamento deve-se analisar os atos e as explicações, ambos se constituem em objeto de estudo. A Segunda idéia e talvez a mais influente e descutida partiu de Garfinkel, a qual definiu a atitude fenomenológica. Esta atitude se baseia em aprendizagem anterior, as quais são fixadas e construídas como verdade para o indivíduo. Por isso Husserl também entendia que o papel da consciência era primordial; pois um objeto real é uma constituição de unidade de significado, consequentemente a visão não só percebe o objeto senão que o constitui. IV. B. Antipsiquiatria 17 A antipsiquiatria discutiu que a enfermidade mental fosse exclusivamente uma questão a determinar técnica, objetiva e medicamente. O esquizofrênico seria aquele que não podem suportar mais a estrutura familiar, o loco seria aquele que não pode compreender as demandas contraditórias de uma sociedade irracional embasada em trabalhar para consumir e consumir para trabalhar; o homossexual é considerado como uma alteração psiquiátrica, refletindo um conflito de valores. Estas concepções(1974) aparecem como resposta a um contexto social, onde o patológico era considerado o contexto. O comportamento do sujeito, por estranho que fosse, adquiria sentido se analisado as circunstâncias em que se produz. Também a delinqüência havia sido frequentemente explicada como resposta a problemas criados pela estrutura, pela invenção dos agentes de controle. Não somente a enfermidade mental era uma resposta a uma sociedade, senão que representava outra forma de manejar as contradições que a sociedade submetia. A enfermidade, uma característica intrínseca da pessoa, seria uma atribuição a um estatus social inferior. Com estas premissas, a antipsiquiatria era questionada. O trabalho do psiquiatra é visto como um intento de des- politizar os problemas e convertê-lo em problemas individuais. Ignoram que a enfermidade mental é uma etiqueta. (O saber psiquiátrico na visão da autora é ambiguo , dubio). Existiam indivíduos que se comportavam de modo estranho, mas até que ponto estes comportamentos não eram um produto das atuais práticas psiquiátricas? Neste momento a autora realiza duras críticas a institucionalização dos enfermos em hospitais e da existência do cárcere. Ao seu olhar a institucionalização somente agrava o quadro destes indivíduos: devido ao estigma social. Goffman destaca que ao entrar no sistema, inicia-se o processo de degradação e mortificação: corte de cabelo, troca de roupas, retirada de pertences restrição ao fumar, telefonemas, visitas... definitiva privação de direitos. Ele propõe a retirada, desaparecimento da internação e por extensão todas as instituições totais. As instituições psiquiátricas apresentam tantas contradições que enlouquecer nelas não é excessivamente difícil . A autora propõe um revisão de métodos e conceitos no trato com estas pessoas ditas delinqüentes. Não podemos desconhecer as contradições que atravessavam o campo da psiquiatria. Sem querer avançar demais, destacamos que a anti-psiquiatria se debatia em contradições que atravessavam toda a nova teoria da desviação: a enfermidade mental era resposta ao contexto, o louco sabia o que fazia, racional em seus atos e responsabilidades, mas ao mesmo tempo deveria 18 ser considerado irresponsável; se queria evitar as conseqüências da responsabilidade penal e conceder-le um trato mais benevolente. IV. C. Marxismo A influência das idéias marxistas na nova teoria da desviação, em minha opinião, é um reforço do que se escutava proveniente de outras teorias. Também a teoria marxista representa um legado contra a objetivação do mundo: o homem é responsável pelo mundo e pela necessidade de realizar trocas sociais. Cada sistema econômico se caracteriza por determinadas relações de produção, no sistema capitalista as relações de produção se caracterizam pela propriedade privada dos meios de produção e pelo trabalho assalariado. O desenvolvimento das forças produtivas conjuntamente com as relações de produção permitem classificar a evolução das sociedades em base a suas distintos modos de produção. De acordo com a teoria marxista, costumam destinguir-se nos seguintesperíodos: pré-capitalista(escravidão e feudalismo), capitalismo e comunismo. Esta contradição entre as forças produtivas e as relações de produção, é o que originou revoluções burguesas e o surgimento das sociedades capitalistas. Da mesma forma, a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção existentes no capitalismo, é o que provocaria a instauração de um modelo comunista. Junto com a economia, toda sociedade desenvolveu umas determinadas instituições jurídicas, políticas, etc. Estas constituem o que se denomina, vagamente de Estado. O estado é um sub-administrador e coordenador de bens e serviços que estavam fora do alcance da iniciativa individual, e o monopolizador da violência. No capitalismo, as relações de produção se caracterizam por uma relação de poder onde a classe proprietária tem a propriedade dos meios de produção, e do outro lado, somente a posse da força de trabalho.. Em conseqüência, uma característica relevante da sociedade capitalista é sua divisão em classes sociais, com a atenção a posição que ocupa com respeito aos meios de produção. Esta condição é alienante, retrato das condições em que se desenvolve as sociedades capitalistas. Significa que o “obreiro” não experimenta o produto final como parte de seu trabalho, como sua obra, não lhe é dado o direito de controle do processo, nem de modificar ou variar resultados. 19 Quando se produz um objeto e o transforma em mercadoria, as relações se estabelecem através deste; relações entre objetos dotados de valor. O dinheiro entra nesta situação: ele nada mais é do que um papel dotado de valor. Estas características da produção capitalista permitem falar de uma alienação social; esquecendo que abaixo desta objetividade esta a capacidade humana de criar. Este sistema segundo Marx, gera infelicidade aos trabalhadores. Seus benefícios são esquecidos em pról da manutenção do poder de outros: produzindo assim, a luta de classes – cada classe social possui interesses enfrentados. Formalmente possuímos liberdade para trabalhar, mas o mercado nos impõe sua lei ; formalmente existe liberdade de expressão, de associação....Esta aparente liberdade cria uma ilusão. (críticas da autora) Para que ocorra a mudança é necessário uma revolução. Revolução que será possível quando a classe proletária tome consciência de sua situação, quando estiver organizada e em união com outras classes; permitindo a força necessária para conquistar o poder. Uma primeira conseqüência do conhecimento marxista foi o estudo da delinqüência . Sociólogos analisaram a delinqüência que se produz em uma sociedade embasada no mundo capitalista. Delinqüência tomando em consideração o contexto social global. Os primeiros estudos criminológicos concentraram-se nas relações entre delito e situação econômica; onde o delito não é um ato solitário, para entendê-lo é necessário compreender a sociedade que a produz. Existe uma relação entre delito e sociedade, entre suas estruturas econômicas, políticas e jurídicas. A Segunda idéia do marxismo seria a delinqüência como uma manifestação mais de luta de classes. Se a delinqüência é uma expressão de luta de classes, isto significa que os atos delitivos possuem um caráter político. Estão imersos em um conflito de interesses . Uma nova formação social por tanto, se eliminaria as causas e as situações criminógenas capitalistas que conduzem ao delito. Em síntese, a influência marxista serviu para politizar as correntes norteamericanas, para assim germinar a elaboração de uma nova teoria da desviação. É importante que se fixe a idéia de que este capítulo buscou clarificar que: a desviação é uma construçaõ social; que o sujeito é enfermo, e que por isso determinou seu delito será descartada (deve-se considerar o meio e cultura). As causas que levam ao delito são múltiplas , impossível enumerar e inúteis de ser estudadas. “o que importa é o processo, a etiqueta que leva”- sociedade. As estatísticas não são neutras nem objetivas, não contribuem. Para elaborar uma nova teoria da desviação, e eficazmente compreender o tema, é necessário sair do discurso da criminologia oficial...a qual será objeto do próximo capítulo. 20 2. A NOVA TEORIA DO DESVIO Neste capítulo, a autora apresenta as afirmações mais comuns da “nova teoria do desvio”. A maior caraterística destas era o ceticismo a respeito de assuntos abordados pela criminologia clássica e a teoria do delito e, por isso, chama-os de “céticos”. Sua maior característica consistiu em questionar os principais pressupostos da criminologia positivista, embora nem sempre encontrassem respostas satisfatórias a estas indagações. Para compreendermos a formação deste grupo de “céticos”, a autora inicia por falar do impacto das teorias norte-americanas. Estas apresentavam o mundo como construção social e ressaltava a necessidade de desmistificar construções aparentemente objetivas como fenômenos sociais. A autora resume em um “decálogo” a forma como as contribuições das teorias norte- americanas foram recebidas na Inglaterra: 1.- Simpatizar com o desviado 2.- o ato desviado é racional, apenas tem uma racionalidade diferente. 3.- O homem é livre, o desviado também. O desvio é uma atitude política. 4.- Ninguém é diferente, somos todos desviantes 5.- O controle cria o desvio. Toda intervenção penal é negativa, pois etiqueta o sujeito. 6.- Sejamos tolerantes, não ao etiquetamento. 7.- O Direito Penal é um instrumento a serviço das classes dominantes. 8.- A polícia atua com base em estereótipos. 9.- O Direito Penal é seletivo, cria bodes expiatórios. 10.- As estatísticas são uma construção social, não refletem a realidade. A leitura destas teorias na Inglaterra dos anos 60, produziu o que a autora chama de “nova esquerda”. Esta se caracterizava por questionar o positivismo e os órgãos de controle social. Para compreender o impacto destas teorias e porque tiveram tão amplos reflexos, é necessário analisar alguns dos fatos que marcaram a década de 60: a guerra do Vietnã e os protestos civis que a ela se seguiram; as lutas anti-raciais de Martin Luther King e, anos depois, seu assassinato; a “revolução cultural “ de Mao; o assassinato de Che Guevara; a “primavera de Praga”; os movimentos estudantis de maio de 68. Estes e outros acontecimentos favoreceram o clima de 21 efervescência da década e acabaram por produzir este movimento de nova esquerda, que pretendia criar uma nova moral, em oposição à ética do trabalho (eminentemente capitalista) e à ética pequeno-burguesa da classe média. Neste contexto, esta nova esquerda defenderá o direito a ser diferente, ao prazer, a respeitar formas e opções diferentes de vida. Marcuse, pensador da escola de Frankfurt, era referência nesta época. Dentre as questões que estes pensadores colocavam, uma poderia ser emblemática no período: por que a revolução socialista não acontecia, se haviam todas as condições objetivas? Dada esta questão, passou-se a investigar as formas de opressão existentes na sociedade e a forma como as mesmas atuavam. Grosso modo, poderíamos resumi-las afirmando que a sociedade não se mantém apenas através de coerção externa, mas de coerções sutis. Perpetuação de necessidades de consumo que são criadas e que nos mantém presos à dinâmica capitalista: emprego, horários, hábitos de consumo (p. 70). Este controle leva as pessoas ao desvio. Larrauri cita Marcuse, onde afirma que as necessidades criadas artificialmente imobilizam o homem, tornando-o impotente e acrítico frente às mesmas. Há uma despolitização frente á vida, incorporaram-se as formas sutis de controle. Frente a isso, impõe-se uma repolitização da vida (p.71). a luta não era então apenas contra o sistema, mas para reestruturar a natureza humana. Tudo passa a ser político: de um lado, criminalizam-se protestos pacifistas. De outro, boicotar o consumo dedeterminados bens passa a ser um protesto político. “As fronteiras entre o pessoal, o político e o delitivo vão se fundindo” (p. 71, tradução livre). Tudo é político, o desviado é político. Como ator consciente, aquele que pretende outro modo de vida; como ator inconsciente, aquele que pratica delitos comuns que nada mais são do que a insurgência contra o sistema desigual ou como vítima de tais delitos. Toda esta produção dá-se à margem dos partidos de esquerda tradicionais, que, ortodoxos, viam com desconfiança tais movimentos, que não eram enraizados no movimento operário. Como conseqüência disto, ocorre a criação de inúmeros grupos marginalizados em relação a estes partidos de esquerda tradicionais. Os anos compreendidos entre 1968 e 1973 foram especialmente produtivos, nestes, um grupo de jovens sociólogos começa a reunir-se e a discutir sob perspectivas radicalmente em contraposição à criminologia clássica. Ao passo que esta pretendia ressociliazar e adotava enfoques psicologizados para tanto, estes jovens interessavam-se menos pela delinqüência comum e mais por estes novos fenômenos sociais, como o consumo de drogas, a homossexualidade, os 22 delitos políticos. Acreditavam que não havia por que buscar corrigir a estes comportamentos e desconfiavam da criminologia que estivera até então a serviço do poder, em sua opinião. Acreditavam que dever-se-ia estudar o desvio e não o delito, buscando-se suas conexões sociológicas (p.73). Por isso, propunham abandonar a criminologia em prol do que chamaram a sociologia do desvio. Esta postura afastou-os do meio acadêmico, criando-lhes o rótulo de sociologia hippie. A necessidade de tornarem-se um grupo, faz com que fundem a National Deviance Conference. Este pretendia ser um foro permanente de discussão e produção de todos aqueles que trabalhassem como desvio. Ao longo destes cinco anos, o grupo saltou de sete fundadores para 230 membros; tiveram numerosa produção de artigos e ensaios, palestras, seminários, etc. Embora houvesse os mais diferentes matizes de pensamento de esquerda entre seus membros (desde liberais a marxistas ou anarquistas) estes estavam definidos em torno da busca de estudar e trabalhar com o tema do desvio . se várias questões os separavam, outras os uniam: sabiam contra quem lutavam, sabiam seu compromisso político, sua empatia com o mais fraco socialmente. Entre os postulados que criticavam e as hipóteses alternativas que levantaram, Larrauri cita dez proposições: II. 1. Questionamento do consenso social a- Positivismo: a ordem social está baseada em valores comuns e são estes que mantém a sociedade. Há uma ordem comum em toda a sociedade. A coerção aparece quando um indivíduo infringe estas normas, colocando em risco a ordem social que expressa o desejo da maioria. b- Céticos: não existe uma única base de valores, mas múltiplas ordens e subculturas. O homem cria diferentes respostas para diferentes contextos. A imagem do consenso social é, na verdade, a imposição de valores de uma classe dominante ao restante da sociedade. Os parelhos ideológicos e repressivos do Estado encarregam-se de manter esta ordem. O único consenso é não haver consenso. Dois entendimentos havia acerca do pretenso consenso: um, que acreditava tratar-se de falsa consciência; outro, que acreditava que tal acontecia como produto de coerção. 23 II. 2. Questionamento acerca da natureza patológica da ação desviada a- Positivistas: o ato desviado é irracional, carece de significado, é uma anormalidade. b- Céticos: não se deve buscar os parâmetros de normalidade, mas buscar entender o significado que a ação tem para o agente. Se escutarmos o desviado, saberemos que sentido tem para ele. Pode tratar-se de uma ação consicente política, de luta contra o sistema ou diversa, de causas variáveis, mas sempre com significado para o agente. II. 3. Status do ato desviado a- Positivistas: o ato desviado é um atentado contra os valores que a sociedade quer proteger. b- Céticos: Entende que não há valores consensuais. O ato desviado pode ser de duas ordens: de sobreposição, quando representa os mesmos valores da cultura dominante ou valores alternativos, prenúncio de uma sociedade vindoura. Por exemplo, alguém pode furtar simplesmente por querer possuir aqueles bens que são valorizados na sociedade de consumo e não possuir outros meios para tê-los. Ou pode furtar por entender que os bens deveriam ser igualitariamente repartidos. II. 4. Questionamento da natureza absoluta da reação a- Positivistas: a reação social dá-se frente a quem infringiu as bases do consenso b- Céticos: Para uma ação ser definida como desviada, são necessários dois elementos: o ato e a reação social (p. 83). Não havendo consenso, não há uma escala única para definirem-se os atos desviantes. Grupos dominantes determinam o que será o desviante e quem será etiquetado, mobilizam o Direito Penal e o Estado para isso; por fim, têm todo o apoio social. Não há diferença entre um comportamento normal e um desviado; isso é só uma questão de definição. 24 II. 5. Questionamento do caráter objetivo das estatísticas a- Positivistas: as estatísticas são aceitas como índices objetivos da quantidade de delitos existentes em um país. A grande ocorrência em populações de baixa renda revela uma predisposição inata para o delito, a ausência de socialização adequada e a influência de um meio social degradado. b- Céticos: não acreditam que as estatísticas constituem um instrumento objetivo. O delito não é privilégio de uma determinada classe social, mas está presente em todas as classes. As estatísticas são uma construção social, assim como o delito. Não refletem a incidência de delitos, mas a reação dos órgãos de controle social II. 6. Questionamento do delito comum a- Positivismo: o delito é o delito comum: roubos, assaltos, estupros, homicídios, geralmente ocorrem na rua e envolvem pessoas estranhas à vítima, envolvidas em situações de periculosidade , vindas de ambiente degradado, com baixa escolaridade e sem formação profissional (p. 89). b- Céticos- contrapunham três questões. A primeira, de que o delito comum não é delito – são formas culturais diversas. A segunda, negar a incidência do delito: ele não acontece na proporção que é falada. Terceira: comparados aos crimes de colarinho branco, os delitos comuns são bagatela (p. 90). Resumindo, poder-se-ia dizer que tinham acordo em que o delito comum noa era a única nem a mais comum das formas delitivas. Entretanto, não havia consenso entre os céticos de como avaliar o delito comum. II. 7. Questionamento do caráter determinado do delinqüente a- Positivistas: o delinqüente tem comportamento determinado por fatores orgânicos, psicológicos e sociais. b- Céticos: o homem é sujeito e noa objeto. Não há determinação de comportamento. Ressaltam o caráter voluntário da ação. Existem múltiplas formas de delito, por isso 25 não se pode falar de uma causa do delito. Realizar um delito não é uma questão de caráter, mas uma forma de atuar frente à determinada situação (p. 92). Outros autores, porém, argumentam que os homens são livres, mas agem influenciados por determinadas circunstâncias (como Marx, por exemplo, que colocava as estruturas do capitalismo). Ou ainda, podem os homens ser influenciados por órgãos de controle. Imperava porém al idéia de que o delito não é uma opção, mas um processo, no qual o sujeito entra e sai do mundo desviante para o não-desviante e vice-versa. II. 8. Caráter do desviado a- Positivistas: desde Lombroso até os novos sociólogos adeptos do positivismo, sempre atribuíram um caráter doente ao delinqüente. b- B- Céticos: possuíam três formas de ver ao delinqüente. O delinqüente pode ser um homem normal, igual a todos os outros, porem sem poder paraimpedir que seu comportamento seja etiquetado ou são iguais a nós porque fazem o que apenas fantasiamos. Ou podem ser vistos de forma positiva, a saber: pode ser um herói, que luta contra o sistema ou uma vítima dos fatores sociais, onde se comportamento é sintoma de seu desespero. II. 9. Questionamento do fim corretivo da política criminal a- Positivistas: a política criminal quer recuperar e ressocializar o delinqüente. Atenta-se para o ator, não tanto para o ato delitivo, prevendo-se sua periculosidade, antecedentes e possibilidades de reincidência. b- Céticos- o tratamento corretivo é ilegítimo, ineficaz e, se a culpa é da sociedade, não deve o indivíduo ser obrigado a tratar-se. Pregam a tolerância a comportamentos destoantes e a desconstrução de crenças que acabam por etiquetar o comportamento desviante. Pregam o desestigmatizar, desinstitucionalizar, desetiquetar. Ou, por outro lado, defendem uma política anti-intervencionista – onde a suposta correção da atitude delitiva seria uma intromissão ilegítima do Estado. 26 II. 10. Questionamento do papel do ciminólogo: a- Positivistas: defendiam sua neutralidade e, ao mesmo tempo, seu compromisso com o fim de ressocializar o delinqüente. Sua missão é combater o crime (p.97). b- Céticos: adotam atitude apreciativa. Esta, porém era ambígua e podia ser interpretada basicamente de três formas: meramente de observação, de análise do fenômeno estudado ou crescentemente, de empatia com o desviado, ouvindo sua versão e suas razoes; de simpatia, entendendo-o como vítima do controle social ou, finalmente, de admiração, entendendo-o como um herói marginal que enfrenta a estrutura social perversa. Não criaram (nem era seu objetivo criar ) uma nova teoria, mas se contrapuseram à criminologia clássica, adotando uma postura cética. Em seus inúmeros artigos, produziram inúmeros questionamentos aos postulados da criminologia oficial e diferentes possibilidades de contraposição a estas. Assim como as teorias norte-americanas poderiam ser lidas de diferentes maneiras, também al teoria do desvio tinha inúmeros matizes. A leitura mais popular que daí adveio foi a da nova criminologia. (p. 100). Estes contestavam de forma radical as questões que haviam sido abertas pelos céticos, tendo ainda uma franca identidade com o marxismo, o que ajudou a popularizar a teoria. 3. A NOVA CRIMINOLOGIA Nesse capítulo de sua obra, Elena Larrauri se refere ao livro “The New Criminology”, de autoria de Taylor-Walton-Young, que ao seu ver marca a passagem da recepção das teorias norte-americanas anteriormente expostas para a elaboração de uma criminologia marxista. Assim, por exemplo, a radicalização da perspectiva do etiquetamento (labelling approach), que havia se iniciado com a nova teoria do desvio, prossegue com os novos criminólogos em uma direção marxista, em detrimento de outras posições anarquistas ou liberais, existentes no seio da Nacional Deviance Conference. Segundo Larrauri, a “Nova Criminologia” reconheceu o legado da nova teoria do desvio (delito). Contudo, com forte influência de teóricos norte-americanos (principalmente Gouldner e Liazos), que, desde o viés materialista, teciam graves críticas ao labelling approach, pode-se 27 dizer que os novos criminólogos suplantaram em muitos os anteriores pensamentos criminológicos, realizando uma crítica materialista a estes (etiquetamento, subjetivismo radical, fenomenologia e demais), por eles designados de “subjetivos e idealistas”. Em suma, partindo de uma perspectiva materialista, a nova criminologia buscava desenvolver uma criminologia de orientação marxista. Contudo, ela se limitou a realizar uma crítica das teorias então existentes e a assinalar quais devia formais e materiais que deveria possuir uma ’teoria plenamente social do desvio’. Segundo, os autores da “Nova Criminologia” este programa que deveria ser desenvolvido no futuro deveria estudar: 1. As origens mediatas do ato de desvio, isto é, os fatores sócio-estruturais que propiciam tal prática; 2. As origens imediatas do ato de desvio, isto é, que expliquem como os sujeitos elegem conscientemente o desvio como resposta aos problemas criados pelo sistema social; 3. O ato em si mesmo, isto é, explicar a relação entre as crenças que o sujeito possui e o ato que realiza ou, dito em outros termos, investigar a racionalidade do ato como fruto da eleição ou da limitação; 4. As origens imediatas da reação social, em função do que se produz essa reação; investigar o clima moral e sua relação com os imperativos políticos e econômicos que suscitam uma reação frente a determinados delitos ou indivíduos enquanto outros passam inadvertidos; 5. As origens mediatas da reação social: se trata de investigar a relação existente entre as necessidades do Estado e a criminalização de determinadas condutas; 6. A influência da reação social sobre a conduta ulterior do desviado, enfatizando mais que o sujeito é desviado porque elege essa opção de forma consciente, ainda quando às vezes de forma inarticulada, como forma de luta, protesto ou simples oposição ao sistema dominante e não só como produto do controle o etiquetamento exercido sobre ele; 7. A natureza do processo de desvio em seu conjunto, que conecte o indivíduo e a sociedade em uma relação dialética, na qual ambos se influem e modificam mutuamente. Ademais, segundo Elena Larrauri, das críticas que a “Nova Criminologia” realiza a outras teorias criminológicas e mesmo do programa de estudo proposto podemos inferir que provavelmente os novos criminólogos entendiam que tal perspectiva deveria ser caracterizar, entre outros, por: 1. Aplicar um método materialista histórico ao estudo do desvio; 28 2. Analisar a função que cumpre o Estado, as leis e as instituições legais na manutenção de um sistema de produção capitalista; 3. Estudar o desvio no contexto mais amplo da luta de classes sociais com interesses enfrentados; 4. Vincular a teoria a prática. Apesar dos novos criminólogos não desenvolverem uma “nova criminologia”, o livro de Taylor-Walton-Young passou a história como uma criminologia que havia conseguido unir Marx com as proposições radicais da nova teoria do desvio. E, justamente, o êxito da obra “Nova Criminologia” pode-se explicar por esta incorporação de Marx ao âmbito da criminologia e por sua apresentação em forma de livro. A entrada de Marx no mundo da criminologia se traduziu em uma tomada de consideração do contexto social global no estudo da delinqüência; na análise das normas, sua aplicação e funcionamento do sistema penal, em atenção a função que cumprem no estabelecimento e reprodução do sistema capitalista, e na elaboração de uma teoria apta para propiciar a mudança social. A repercussão e o impacto da “Nova Criminologia” foi enorme e pode dizer-se que está marcou o surgimento da criminologia crítica. Contudo, igualmente não se livrou de múltiplas objeções. Por um lado, foi acusada de haver introduzido pouco marxismo, em virtude de seu passado com a nova teoria do desvio. Por outro, afirmava-se que era duvidoso que se pudesse construir uma teoria do delito marxista. Ademais, aduzia-se que a concepção de delinqüente como lutador político e a meta de uma sociedade onde não exista o poder de criminalizar era mais apropriada aos anarquistas. Por outro lado, foi também criticada pelo contrário, haja vista que ao introduzir o marxismo havia utilizado-o como elemento para desqualificar as demais perspectivas e em especial os avanços trazidos pelo labelling approach. Desse modo, os críticos alegavam que tal postura havia devolvido a criminologia a seu estágio originário. Ou, ainda, que paradoxalmente, o marxismo e suas preocupações macro, com sua insistência nas condições estruturais, parecia introduzir um novo determinismo nesta ocasião social. Não obstante, Elena Larrauriprocura demonstrar em sua obra que a posição da “Nova Criminologia” com o marxismo economicista/determinista era ambivalente. Adicionalmente, a consideração do contexto social global e a análise em função do sistema capitalista, levou-os a adotar uma concepção instrumental do direito, dando-se a entender que 29 toda a lei e todo o controle respondia ao desígnios da classe capitalista. Esta versão “funcionalista de esquerda”, própria de criminologia crítica originária, não foi questionada até o fim dos anos setenta. Segundo Elena Larrauri a dificuldade de produzir uma integração teórica de ambas correntes de pensamento, marxista com as perspectivas sociológicas, sejam fenomenológicas, etnometodológicas ou interaccionistas simbólicas, mais a desqualificação que se operou entre elas, levou a reduzir seu potencial revolucionário e teórico. As críticas a perspectiva do etiquetamento que se realizou na “Nova Criminologia” se converteram em paradigmáticas para uma nova geração de criminólogos críticos. Contudo, como tenta mostrar Elena Larrauri, não se pode afirmar de forma gritante que o labelling approach não entendesse as causas que levam a desviação primária, nem que afirme que o controle cria ou conduz inexoravelmente a desviação, nem que desconhecesse a dimensão do poder. Pode-se dizer que não contestavam a todas estas perguntas com os conceitos marxistas, e também se pode dizer as diferenças existentes no seio da perspectiva do etiquetamento obedecem, provavelmente, as distintas correntes sociológicas que a integravam: interaccionismo simbólico e fenomenologia ou etnometodologia, respectivamente. Este ataque indiscriminado atingiu as demais protagonistas da “nova teoria do desvio”, os quais consideravam que a perspectiva do etiquetamento já havia sofrido um processo de materialização e politização na Inglaterra pela influência da “nova esquerda”. Assim, os novos criminólogos foram acusados de imperialismo epistemológico: parecia que não adotar uma perspectiva marxista para o estudo do delito era uma ignorância em vez de desacordo teórico/conceitual. As múltiplas críticas dirigidas a “Nova Criminologia” originaram um processo de auto- reflexão do que havia sido alegremente afirmado nos anos sessenta, iniciando-se, desse modo, a contra-reforma dos anos setenta. 4. A CONTRA-REFORMA Neste capitulo, a autora busca discutir as reflexões feitas acerca da “nova teoria do desvio” e da “nova criminologia”. Ambas as perspectivas se originaram na Inglaterra no final dos anos 60 e inicio dos anos 70. 30 “A partir de 1975, a ‘criminologia crítica’ parece iniciar uma nova época. Terminada a guerra do Vietnã, finalizado o impacto de maio de 68, com a presença de governos conservadores, o surgimento do terrorismo, novas formas delitivas de violência racial, ataques a mulheres, etc. o panorama com que se enfrentaram os criminólogos se transformou”(p. 187, tradução livre). Os céticos e a nova criminologia fizeram uma revisão de seus postulados, tendo sido acusados pela criminologia crítica de apenas inverter o paradigma positivista. Como produto desta crítica, surgiu a denominação do período anterior de “romantismo de esquerda” e iniciou-se uma contra-reforma. As maiores reavaliações deste período deram-se sobre a reavaliação do delito comum (especialmente por Young, apoiado por uma corrente norte americana, vai estudar as conseqüências do delito comum em comunidades de trabalhadores); a negação do caráter político da delinqüência (com a revisão dos pressupostos dos céticos, que ignoraram as contribuições dos períodos anteriores) e a diferenciação dos matizes de oposição ao positivismo. O aumento da influência marxista, as dissidências e reflexões acabam por colocar a National Deviance Conference em decadência. Desta revisão surgem as divisões da criminologia crítica nos anos 80. I. Os Duros Anos Setenta: O Desfalecimento Da Ndc Como já foi assinalado, a NDC contava entre seus diferentes pensadores, com anarquistas, marxistas e liberais. Como assinala Cohen, com tantas diferenças, pretendendo ser um foro de discussão e produção, é de admirar-se que haja sobrevivido por mais de uma década. Havia, entretanto, como foi assinalado, unidade na questão central, que era o enfrentamento com o positivismo. Mesmo este consenso seria abalado com a publicação, em 1973, da “Nova Criminologia”. Os liberais pretendiam seguir com as discussões do interacionismo simbólico; os anarquistas, pretendiam aprofundar o enfoque cético e os marxistas queriam trazer a teoria de Marx para o campo do desvio. Nesta segunda etapa da NDC, seguem publicando farto material, centrados no estudo da reação social e em seu papel na criação do desvio. A influencia que sentiam era predominantemente marxista. 31 Nesta etapa há ainda dois grupos que exercem forte influencia sobre a NDC: Stuart Hall e o centro universitário de pesquisas que dirigia acerca dos estudos de subculturas juvenis (que foi responsável pela integração da teoria das subcuturas com as tendências marxistas e estruturalistas de tradição européia) e a constituição do “grupo europeu” (p. 146). Foi através deste grupo que os criminólogos críticos, em seus diferentes países, puderam entrar em contato. assim, puderam difundir suas idéias e discutir conjuntamente. Segundo a autora, duas foram as influencias européias que se difundiram na Inglaterra. De um lado, as idéias abolicionistas de Bianchi e Mathiesen, que seriam impactantes através da publicação de The Politics of Abolicion (1974). De outro lado, a incorporação do grupo de juristas italianos ligados ao PCI. Houve então um reforço da influencia marxista e de estudos do Direito. Ainda, o movimento de antipsiquiatria italiano reforçou os postulados contra instituições totais. Apesar destas novas posições, inicia-se um movimento de contra-reforma, de revisão das posições dos céticos no final dos anos 70. Certamente, os acontecimentos econômicos e políticos da década influenciaram esta revisão. Crise econômica e conflitos sociais, tendo como resultado final a vitoria do Partido Conservador acabaram por limitar o estado social. Frente a isso, os progressistas que postulavam a não intervenção do estado passaram a reivindicar maior aplicação do Estado em gastos sociais. Da mesma forma, o incremento de ações terroristas permitiu-se falar de uma “estratégia da tensão”, destinada a abalar os regimes democráticos e impedir o avanço das forças de esquerda. A esquerda se vê forçada a defender o Estado de direito e a legalidade, antes tidos como “defesa do Estado burguês”. (p.147) A imagem do desviado também sofria modificações. Via-se aumentar a violência contra trabalhadores imigrantes, frente à crise econômica. A violência contra a mulher também não podia contribuir para a imagem do desviado como rebelde contra o sistema. Este clima político, as divergências internas, o esgotamento da nova esquerda, a saída de alguns fundadores, a crítica ao romantismo dos céticos, podem explicar o enfraquecimento no interior da NDC. Começa então sua lenta decadência. Sem dúvida, foi grande a influência da NDC no estudo de diferentes formas de desvio e a criminologia oficial absorveu a importância do controle social como variável determinante para o estudo da delinqüência. Estudos acadêmicos, publicações, discussões foram suscitadas a partir de suas produções. 32 Alguns de seus postulados puderam ser absorvidos pelo senso comum, como é o caso de suas críticas às estatísticas ou de dar voz ao marginalizado. Permitiu, desta forma, ver-se que o tratamento que se dá ao desviante não é uma questão técnica, mas uma questão política. II. A descoberta da classe operária: a gravidade do delito comum As críticas já apresentadas ao que chamaram a sociologia hippie, de que a nova criminologia não se preocupava com a delinqüênciacomum e de haver sido romântica ao postular ser todo o desvio uma luta política provocaram um artigo de Young em 1975, que vai revisar vários de seus postulados. Critica a romantização do desviado e a fé em seu potencial revolucionário. Afirma que os novos sociólogos não conseguiram diferenciar os dois tipos de desvio e subestimaram os efeitos nocivos da delinqüência. Young propõe-se então a uma criminologia da classe operária. Esta se diferença da anterior por uma “nova teoria do desvio”, fazendo as seguintes afirmações: a- A maior parte dos delitos ocorre dentro e não entre as classes sociais – daí advém as demandas de “lei e ordem” da classe trabalhadora. Eles são os maiores afetados pela delinqüência. b- - A classe operária tem um consenso a respeito dos crimes que mais as afetam – contra a vida e contra a propriedade. Ainda que influenciadas pela mistificação ideológica, isto deve ser considerado pela criminologia. c- Cada forma de delinqüência deve ser analisada distintamente. d- A própria comunidade trabalhadora deve exercer controle sobre atitudes delitivas danosas a ela, como crimes contra a vida e `a propriedade. e- O papel da criminologia é analisar o desvio a partir dos interesses da classe trabalhadora. Faz-se necessário analisar o delito com base nos efeitos que produz na classe trabalhadora. Nem todos os delitos tem significado político e nem todos os desviantes são marginais. A criminologia da classe operária se caracterizou por opor-se a celebração do desvio, atitude que reinava até aquele momento. Deram destaque para aquele que até então não havia sido pensado: a vítima. Alguns postulados das variações que a criminologia da classe operaria colocou: 33 a- O número de delitos é superior às estatísticas oficiais. b- O delito atenta contra interesses comuns. c- O delito tem vítimas e estas são predominantemente trabalhadores. d- Há uma simetria moral entre delinqüente e vitima – são as classes trabalhadoras que mais cometem delitos. e- A delinqüência dificulta a luta dos trabalhadores. O delinqüente não é um aliado na luta de classes. f- A esperança de mudança social repousa sobre os trabalhadores. g- Deve proporcionar-se um controle social da delinqüência exercido pela comunidade, por seus efeitos negativos sobre a mesma. h- A criminologia deve dirigir seu interesse para a delinqüência comum Não estava claro, no entanto, se estas críticas referiam-se apenas à “nova teoria do desvio” ou se estendia-se também à nova criminologia. III. O idealismo e o romantismo de esquerda: crítica à inversão dos postulados positivistas Os anos sessenta serão conhecidos como os anos do “idealismo de esquerda” e da inversão dos postulados positivistas. Young expõe esta crítica ao colocar que, onde o positivismo encontrava o consenso, o idealismo de esquerda encontrava dissenso; onde o primeiro via o irracional, o segundo via o racional; onde um acreditava cegamente em estatísticas, o outro as negava, etc. Uma segunda característica do idealismo de esquerda era a concepção da realidade como mera ilusão. Nas palavras de Cohen (apud Larrauri, p. 157): “Lo que parece, no es, y sea lo que sea, es malo.” Na década de 70, então, estes postulados serão revisados, embora ainda não se delineie uma nova teoria. Larrauri lembra o que coloca Baratta (apud Larrauri, p. 158) de que o idealismo de esquerda foi um fenômeno inglês, muito distante do que aconteceu na Itália ou Alemanha. 34 III. 1. O consenso é “realidade e ilusão” Revisam-se os postulados do dissenso total. Acredita-se que a existência de valores diferenciados não deslegitima a existência de valores comuns, como a vida ou a propriedade. Revisa-se ainda o papel que teria o Direito e a coerção para a ordem social III. 2. Há “diferentes” atos desviados Esta distinção permitia condenar alguns atos delitivos por sua não legitimidade. Mesmo quando se atribui a alguns atos delitivos, um potencial de luta contra o sistema, consideram-se parâmetros e limites com respeito a sua eficácia e legitimidade. III. 3. O ato desviado “exacerba” os valores do sistema Quando se diferenciam os atos delitivos vê-se que apenas alguns, resguardados certos limites, merecem ser qualificados como valores alternativos. Em geral, eles representam mesmo a exacerbação de valores capitalistas. Volta-se então a falar de desvio e mesmo de delito e não mais de diverso III. 4. A reação não constitui o desvio Nos anos setenta, dá-se maior importância à realidade que existia sob o etiquetamento: não era este que produzia o sofrimento, mas a própria condição do etiquetado também. A reação não produz o desvio. Nem todo o controle social é exercido pelo Estado , nem todo ele é funcional (p. 189). III. 5. O caráter “não-disjuntivo” das estatísticas 35 As estatísticas constituem uma forma de leitura e expressão da realidade. Há, de fato, mais delitos e maior vulnerabilidade à detenção. III. 6. Delito comum “aumenta e é grave” O delito tem sempre uma vítima; os delito os comuns atingem preferencialmente as classes trabalhadoras; a existência de crimes de colarinho branco não nos impede de reconhecer o potencial ofensivo dos crimes comuns. III. 7. O delinqüente é livre e determinado O delinqüente exerce sua liberdade, porém em circunstâncias não escolhidas por ele (p. 189). III. 8. O delinqüente não é Robin Hood a visão do desviado como herói ou vítima, colocava o resto da sociedade como seu algoz ou como incompreensivos. Consequentemente, não era o desviante que deveria mudar, mas a sociedade que deveria ficar mais tolerante. Verificou-se que, se o positivismo pretendia mudar o sujeito delinqüente adaptando-o à sociedade, alguns novos criminólogos esforçavam-se por adaptá-lo à sociedade do futuro. O delinqüente aparece, neste período, como vilão – ainda que herói inconsciente, é sobre outras vítimas do sistema que ele delinqüe. Se é um bode expiatório, é um bode expiatório real (p. 177). Ele deixa de ser Robin Hood. III. 9 Para uma política criminal “intervencionista” No principio, acreditava-se que toda a intervenção produzia etiquetamento, sendo portanto, maléfica. Esta postura facilitou a retirada do Estado da intervenção assistencial e aquilo a que denominou-se “esquecimento benigno” da população desviada. Os setores mais 36 conservadores apoiaram esta política criminal de mínima intervenção para que os gastos nessa área fossem mínimos. Revisa-se este postulado e passa-se a defender que toda a sociedade deve criminalizar certos atos e que pode haver uma intervenção libertadora e uma intervenção controladora (p. 178) Esta compreensão dá lugar à que coloca a compreensão da necessidade de intervenção estatal. Da intervenção, passa-se a defender o controle social. Nem sempre, acredita- se, o controle é negativo. Há certas atitudes que devem ser controladas pelo Estado. Daí passa-se à defesa da necessidade de criminalizar certos comportamentos. A principio, aqueles que ferem os direitos humanos; depois, admite-se mesmo a criminalização de delitos comuns, pois atacam os mais frágeis. Fala-se em justo castigo. Como numa volta ao classicismo, fala-se neste período em “una politica penal que protegiese las garantías y límites al castigo” (p. 180). Fala-se nisso especialmente quanto ao direito juvenil, isento de garantias e portanto mais propenso à violação de direitos legais. III. 10. O criminólogo condenador São duas as questões a considerar: a atitude e o fazer criminológico. Já se viu que o método naturalista consistia em apreciar a versão do desviado, os motivos pelos quais um sujeito realiza determinada atuação, originou rapidamente uma empatia, a qual se transformou em simpatia acabando em uma franca admiração. Essa evolução obedecia a que a
Compartilhar