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Sociologia Cientí�ca Brasileira: desvendando novos parâmetros para entender a Sociedade Brasileira AUTORIA Ma. Solange Santos de Araujo Me. Josimar Priori Esp. Fúlvio Branco Godinho de Castro Ma. Daiany Cris Silva A geração pós-1950 foi composta por sociólogos que vieram de diversas universidades, inaugurando estilos e tendências, num momento em que a Sociologia já estava mais consolidada como disciplina acadêmica, culminando no surgimento de diversas escolas sociológicas em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, entre outros lugares do país. Conhecida como a etapa da Sociologia cientí�ca, essa fase teve seu apogeu no �nal da década de 1950, mas, segundo o sociólogo Florestan Fernandes (1977), esta só se con�gurou plenamente no pós-guerra e possuía, como característica dominante, uma preocupação de: [...] subordinar o labor intelectual, no estudo dos fenômenos sociais, aos padrões de trabalho cientí�co sistemático. Essa intenção se revela tanto nas obras de investigação empírico-indutivas (de reconstrução histórica ou de campo), quanto nos ensaios de sistematização teórica (FERNANDES, 1977, p. 28). Isso signi�ca que o trabalho dos sociólogos brasileiros estava centrado em uma orientação metodológica mais acirrada com relação às teorias sociológicas. Segundo Ianni (2000), os novos intelectuais desse período instituem outros parâmetros de compreensão e explicação da realidade político-econômica e sociocultural: “[...] esses parâmetros estão mais ampla e sistematicamente imersos na cultura das ciências sociais, em alguns casos bene�ciando-se dos padrões de ensino e pesquisa desenvolvidos no âmbito universitário.” (IANNI, 2000, p. 71). Ianni (2000) pontua, ainda, que os intelectuais da emergente Sociologia cientí�ca possuíam o objetivo de realizar uma análise aprofundada da realidade brasileira, considerando seus diferentes grupos sociais, suas formações históricas e suas tradições culturais. Nesse sentido, esses intelectuais buscavam, portanto, bene�ciar- se “[...] amplamente das conquistas das ciências sociais, por suas pesquisas de reconstrução histórica e de campo; combinando economia e sociedade, política e cultura, com acentuado sentido de história e do contraponto entre as nações” (IANNI, 2000, p. 71). Dentre os vários autores que compõem essa fase, destacamos o sociólogo e antropólogo Darcy Ribeiro e o sociólogo paulista Florestan Fernandes. O primeiro analisa a formação cultural da sociedade brasileira e as particularidades da população indígena no país. O segundo, sob perspectiva marxista, estuda as relações raciais e de classe e as desigualdades da constituição do capitalismo brasileiro. CONECTE-SE Intérprete de um Brasil só Estimado(a) aluno(a), para �car por dentro das discussões atuais sobre a Sociologia brasileira, veja a entrevista que o sociólogo brasileiro Jessé Souza concedeu à revista eletrônica Cult, em março de 2018. Essa revista é conhecida por sua independência editorial, o que a permite tratar de temas poucos explorados por outros veículos do jornalismo cultural. Jessé Souza é doutor em Sociologia pela Universidade de Heidelberg (Alemanha) e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC). Foi presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) entre 2015 e 2016, também coordenou pesquisas de amplitude nacional sobre classes e desigualdade social. Além disso, Jessé Souza é autor de 27 livros, incluindo “A ralé brasileira: quem é e como vive” (2009) e “A tolice da inteligência brasileira: ou como o país se deixa manipular pela elite” (2015). Fique por dentro, acesse. Fonte: Elaborado pelas autoras. ACESSAR https://revistacult.uol.com.br/home/jesse-souza-interprete-de-um-brasil-so FASE DE IMPLANTAÇÃO DA SOCIOLOGIA NO BRASIL 1ª Fase Estudos literários com resgate histórico sobre o Brasil. Principais autores: Euclides da Cunha, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa. 2ª Fase Estudos empíricos com pesquisa de campo sistematizada. Principais autores: Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. 3ª Fase Institucionalização da Sociologia como disciplina acadêmica, a Sociologia Cientí�ca. Principais autores: Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro. Darcy Ribeiro (1922-1997), intelectual mineiro, conhecido pelos estudos que realizou nas comunidades indígenas brasileiras, buscou compreender como poderíamos construir uma identidade latino-americana. Ao contrário de Gilberto Freyre, que defende a democracia racial, Darcy Ribeiro demonstra que, no Brasil, o processo de miscigenação da população não foi pací�co e marca uma série de desigualdades na construção cultural da sociedade brasileira. Uma das obras mais importantes do autor e que revela esse ponto de vista é “O povo brasileiro”, publicada no ano de 1995. Nesse estudo, o autor alega que a formação do Brasil e do povo brasileiro surge “[...] da con�uência, do entrechoque e do caldeamento do invasor português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados como escravos” (RIBEIRO, 1995, p.19). Observe, caro(a) aluno(a), que ele se refere ao português como “invasor”, destacando o papel explorador dos colonizadores. Darcy Ribeiro anuncia, logo na introdução de “O povo brasileiro”, que a pluralidade cultural na formação social brasileira é o que nos une como nação, com uma identidade própria: Nessa con�uência, que se dá sob a regência dos portugueses, matrizes raciais díspares, tradições culturais distintas, formações sociais defasadas se enfrentam e se fundem para dar lugar a um povo novo (Ribeiro, 1970), num novo modelo de estruturação societária. Novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente mestiçada, dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada pela de�nição de traços culturais delas oriundos. Também novo porque se vê a si mesmo e é visto como uma gente nova, ainda, porque é um novo modelo de estruturação societária, que inaugura uma forma singular de organização sócio-econômica, fundada num tipo renovado de escravismo e numa servidão continuada ao mercado mundial. Novo, inclusive, pela inverossímil alegria e espantosa vontade de felicidade, num povo tão sacri�cado, que alenta e comove a todos os brasileiros (RIBEIRO, 1995, p. 19). Portanto, Darcy Ribeiro demonstra que o Brasil, como nação e sociedade, é resultado de uma mistura étnica, formando um “caldeirão de raças”, ou seja, um povo multiétnico. No entanto, perceber esse processo de formação tão plural culturalmente, segundo o autor, não nos pode cegar para os equívocos e as desigualdades da dinâmica de constituição do povo brasileiro, que possui uma: [...] unidade nacional, viabilizada pela integração econômica sucessiva dos diversos implantes coloniais, que foi consolidada, de fato, depois da independência, como um objetivo expresso, alcançado através de lutas cruentas e da sabedoria política de muitas gerações (RIBEIRO, 1995, p. 22). Dessa maneira, o autor destaca o caráter exploratório e desigual da colonização do nosso país, que forjou a formação cultural de um povo miscigenado. Assim, pode-se a�rmar que a obra de Darcy Ribeiro contribui no sentido de delinear uma identidade latino-americana, percepção que in�uenciou muitos estudiosos da região. Ademais, Darcy Ribeiro realizou estudos denunciando as problemáticas da integração, ou não, da população indígena na sociedade brasileira. O autor analisa como o desenvolvimento e o progresso civilizatório excluem a cultura indígena, acarretando a disseminação e o aniquilamento das comunidades indígenas, e alerta sobre como a concepção moderna de civilização põe em risco essas comunidades. No que se refere a Florestan Fernandes (1920-1995), outro cientista social importante para a consolidação da Sociologia no Brasil, o autor desenvolveu importantes estudos sobre relações raciais e educação, participou de movimentos em defesa da educação pública, foi militante político e investigou o processo de modernizaçãodo Brasil e da América Latina. Portanto, pode-se a�rmar que Florestan Fernandes é um ícone no processo de consolidação e legitimação das ciências sociais no Brasil. Florestan Fernandes possui análises sociais notórias e mobilizou estudos funcionalistas nas publicações sobre a sociedade Tupinambá: “A organização social dos Tupinambá”, de 1949, e “A função social da guerra na sociedade Tupinambá”, de 1951. Além disso, possui uma larga produção de perspectiva marxista, que se observa, principalmente, na obra “A integração do negro na sociedade de classes”, de 1964. O sociólogo brasileiro possuía, como objetivo principal, produzir uma análise crítica sobre a realidade brasileira, e a sua metodologia dialogou com a produção sociológica clássica e com os pensadores brasileiros contemporâneos. Florestan SAIBA MAIS Até quando a civilização é realmente um avanço social? O conceito de civilização assombrou as teorias sociais durante muitas décadas e ainda nos assombra, por assumir uma concepção de mundo que inferioriza populações de origem cultural não hegemônica ou que não se assemelhe à cultura europeia. O processo de colonização foi uma grande prova desse movimento em que o processo de civilização da sociedade ocidental se pautou na exploração de populações indígenas e africanas, dando a esse povo um lugar de inferioridade na tessitura social. No entanto, muito são os teóricos e os ativistas que contestam o conceito de que a civilização é um avanço social necessário. Davi Kopenawa Yanomami, líder indígena, ao relatar o momento em que os brancos chegaram à sua aldeia, menciona que o seu povo logo percebeu que os colonizadores seriam destruidores e que essa civilização exploratória poderia levar a sociedade em que viviam à ruína. Para saber mais sobre a posição do autor, leia o texto intitulado “Descobrindo os brancos”, acesse. Fonte: Elaborado pelas autoras. ACESSAR https://www.indios.org.br/files/file/PIB_verbetes/yanomami/descobrindo_os_brancos.pdf Fernandes propõe uma investigação dos movimentos e das lutas sociais, principalmente aquelas travadas pelos setores populares. Segundo Mazucato (2015), foi como professor da Universidade de São Paulo (USP) que Florestan Fernandes alicerçou as bases teóricas das ciências sociais para os estudantes brasileiros. Na década de 1950, deu-se a “[...] construção da sociologia de Florestan Fernandes, assim como a organização chamada Escola Paulista de Sociologia” (ARRUDA, 2010, p. 15). Fernandes defendia que era preciso de�nir com rigor e clareza os métodos de pesquisa, para de�nir a Sociologia como disciplina cientí�ca (ARRUDA, 2010). Nesse sentido, a produção acadêmica de Florestan Fernandes dialoga com teorias clássica e modernas, incluindo o pensamento marxista, e “[...] compreende os passos fundamentais, em termos lógicos, da teoria da explicação e da metodologia da pesquisa. Vai desde as formas de explanação, caracterizadas como descritiva e interpretativa, até as técnicas de pesquisa” (IANNI, 1996, p. 32). Em “A integração do negro na sociedade de classes”, Fernandes (1965) defende que, após a abolição da escravatura, não houve uma real inserção da população negra na sociedade brasileira. Para fundamentar esse posicionamento, o autor realizou uma pesquisa qualitativa, em que mobilizou diversas fontes, como: [...] documentos escritos (jornais, manifestos, depoimentos, questionários), gravações de entrevistas, procurando reter as situações psicológicas e sociais que envolveram a mobilidade dos indivíduos tanto ‘brancos’ como ‘negros’ no interior da sociedade de classes em formação (CLAUDINO, 1973, p. 265). Florestan Fernandes “[...] teve como problemática principal o processo da diferenciação cultural, a marginalização do elemento de ‘cor’, as condições de ‘supremacia’ social, econômica e política dos brancos” (CLAUDINO, 1973, p. 266). O cenário de investigação do autor é a metrópole paulista no período histórico entre a abolição da escravatura, em 1888, e o processo de industrialização urbana. O contexto de desigualdade racial na sociedade brasileira persiste, pois a população negra ainda é marginalizada, ocupando o menor número de posições de poder e possuindo os postos de trabalho com remuneração mais baixa. A análise atenta e rigorosa do sociólogo paulista nos serve como referencial para muitas discussões sobre a estrutura de nossa sociedade. Compreende-se que o projeto cientí�co construído por Florestan Fernandes pressupunha uma agenda de pesquisa de rigor teórico e metodológico, que poderia dar ao especialista “[...] condições de mobilizar os resultados das pesquisas para alterar sistemas de relações, por meio de novas descobertas forjadas no embate com questões sociais” (ARRUDA, 2010, p. 17). Dessa forma, reconhece-se que Florestan Fernandes foi fundamental no desenvolvimento da teoria sociológica brasileira, na medida em que realizou uma obra de extrema importância. Segundo Mazucato (2015), o sociólogo desenvolveu, durante sua trajetória, várias formas de diálogos intelectuais com muitos de autores nacionais e internacionais, em especial, com Karl Marx. Consequentemente, Fernandes fez um balanço crítico das diferentes ideias desses teóricos, realizando contribuições originais e abrindo possibilidades de re�exão para uma Sociologia mais elaborada cienti�camente. Conforme Ianni (1996), em síntese, a obra de Florestan Fernandes marca, de forma ampla, a sociologia brasileira, “[...] de tal maneira que está presente na formação dessa sociologia” (IANNI, 1996, p. 30) e contribui para pensar a realidade social do nosso país de forma sistematizada. SAIBA MAIS Dois olhares sobre Heleieth Saf�oti A socióloga brasileira Heleieth Saf�oti, que foi orientanda de Florestan Fernandes, foi uma das precursoras em incluir os estudos sobre as mulheres na sociedade patriarcal capitalista no rol dos fenômenos sociais estudados cienti�camente na academia. Sua tese de livre-docência, intitulada “A mulher na sociedade de classe: mito e realidade”, tornou-se um livro best-seller, publicado pela editora Vozes, em 1976. Esse livro, entre os demais já publicados pela autora, é um referencial nos estudos de gênero. Portanto, estimado(a) aluno(a), o texto da socióloga Bila Sorj, sugerido neste Saiba Mais, fala sobre Heleieth Saf�oti como professora orientadora ou colaboradora em projetos intelectuais, salientando suas contribuições, especialmente, no que diz respeito à mulher no trabalho e no desenvolvimento. O intuito desta sugestão de leitura é instigá-lo(a) a aprender mais sobre essa vertente da Sociologia, que se refere aos estudos das relações de gênero. Para saber mais, acesse. Fonte: Elaborado pelas autoras. ACESSAR https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/16928/15482 Portanto, imbuído em comprometer-se com as exigências lógicas e teóricas da re�exão cientí�ca, Florestan Fernandes contribuiu para o amadurecimento da Sociologia. O autor fez com que a ciência sociológica ingressasse em um processo no qual todas as implicações teóricas e históricas de pensar a realidade social fossem assumidas no cotidiano de ensino e pesquisa. Florestan Fernandes foi um intelectual importante da Sociologia crítica no Brasil, por colaborar para a institucionalização da disciplina. O sociólogo defendia que era preciso de�nir com rigor e com clareza os métodos de pesquisa. A sistematização e a objetividade cientí�ca eram os elementos principais dessa fase, que intitulamos, aqui, de Sociologia cientí�ca. Nesse sentido: [...] simultaneamente, as pesquisas realizadas e suscitadas por Florestan Fernandes, bem como por sua in�uência, abrem novos horizontes para a re�exão sobre a sociedade e a história. Segundo, cria um novo estilo de pensamento na sociologia brasileira (IANNI, 1996, p. 32). Em síntese, os autores da última fase de implantação da Sociologia no Brasil, a fase da Sociologia cientí�ca, cumpriram uma agenda de pesquisa suscitada pelas transformações ocorridas noBrasil durante seu processo de modernização. As desigualdades sociais, apontadas tanto por Darcy Ribeiro como por Florestan Fernandes, demonstram que o processo de colonização no Brasil, em seu caráter violento e exploratório, deixou marcas na formação de uma nação fundamentada no preconceito étnico-racial e na divisão de classes. Interpretar o Brasil tem sido um desa�o desde os primórdios da Sociologia brasileira, e nós, cientistas sociais que atuam na atualidade, continuamos a enfrentá-los, mas, agora, contamos com o apoio de muitos outros pro�ssionais que colaboram para as re�exões sobre a nossa sociedade e incorporam os conhecimentos dessa disciplina em sua atuação cotidiana.
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