Buscar

afeto-ou-ideologia-medindo-polarizacao-politica-brasil-2578

Prévia do material em texto

1 
 
 
 
 
 
 
 
 
12º Encontro da ABCP 
18 a 21 de agosto de 2020 
Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa (PB) 
 
Área Temática: Comportamento Político e Opinião Pública 
Afeto ou ideologia: medindo polarização política no Brasil? 
 
 
Mario Fuks 
Universidade Federal de Minas gerais 
 
Pedro Marques 
Universidade Federal de Minas gerais 
 
 
 
 
 
2 
Introdução 
 Nos Estados Unidos há, praticamente, um consenso que as elites partidárias estão 
cada vez mais polarizadas, isto é, que os membros dos partidos democrata e republicano 
estão cada vez mais internamente homogêneos e cada vez mais distantes entre si na 
ideologia (Poole e Rosenthal, 1997). Já em relação ao público, as conclusões têm sido 
bem menos consensuais. Assim, há uma divisão entre os autores que negam a existência 
de uma polarização (Fiorina, Abrams e Pope, 2006; Fiorina e Abrams, 2008), os que 
afirmam que há em curso uma crescente polarização ideológica (Abramowitz e Saunders, 
2008; Abramowitz, 2010) e aqueles que afirmam que, fundamentalmente, se trata apenas 
de uma polarização afetiva (Mason, 2018; Iyengar, Lelkes e Sood, 2012). Se lá, apesar 
das conclusões dissonantes, sabe-se mais acerca da polarização entre o público do que se 
sabia há vinte anos atrás, no Brasil, infelizmente, se sabe muito pouco. 
 No Brasil, até bem pouco tempo, o que se observava era de que a maioria dos 
partidos importantes se deslocava progressivamente em direção ao centro da escala 
ideológica. A esquerda aderia cada vez mais à economia de mercado, de um lado, e a 
direita, de outro, com o fenômeno que convencionou-se chamar de direita envergonhada, 
não assumia a sua identidade ideológica (Zucco, 2011). No tocante à opinião pública, de 
forma congruente, os eleitores viam de forma cada vez mais indistinta os partidos, se 
posicionavam menos na escala ideológica e associavam menos a ideologia ao voto 
(Carreirão, 2007). Nesse contexto, um estudo sobre polarização pareceria estranho, o que 
explica a escassa produção intelectual sobre o tema. 
 Mais recentemente, porém, a ciência política brasileira identifica o surgimento de 
uma nova direita nas ruas (Avritzer, 2017; Alonso 2017) e no parlamento (Quadros e 
Madeira, 2018; Melo, Câmara e Santos, no prelo), nos meios de comunicação tradicionais 
(Penteado e Lerner, 2018) e na internet (Messemberg, 2017). Essa novidade, que 
culminou na eleição de Jair Bolsonaro, um candidato de extrema-direita saudosista da 
ditadura militar brasileira (1964-1985), alterou o cenário de marasmo político e 
ideológico da competição entre PT e PSDB e recolocou a questão da polarização na 
agenda. Esse quadro, tem estimulado, na sociedade e em meios acadêmicos, o diagnóstico 
de que estamos polarizados, o que ainda não foi empiricamente testado. 
 A produção sobre polarização, no Brasil recente, é escassa e desatualizada, não 
cobrindo o período pós-2014 (Borges e Vidigal, 2018). Além disso, a maior parte dos 
estudos que contribuem para uma melhor compreensão da polarização política hoje, no 
Brasil, são sobre o antipartidarismo. Esses estudos analisam a dinâmica afetiva e não 
 
 
3 
ideológica do fenômeno e se limitam às atitudes positivas e negativas em relação a um 
único partido: o PT (Paiva, Krause e Lamerião, 2016; Samuels e Zucco, 2018). Isso 
explica apenas parcialmente o fenômeno e não permite comparações com outras 
realidades. 
Nesse artigo, nos baseamos em algumas definições e medidas de polarização 
empregadas pela literatura estadunidense e buscamos, a partir delas, criar uma série de 
indicadores de polarização afetiva e ideológica com os dados disponíveis para o Brasil, 
especialmente o Lapop e Eseb. Assim, analisamos quase 20 anos de dados de opinião 
pública. Com ele esperamos contribuir para o estudo da polarização afetiva e ideológica 
em países com sistemas multipartidários fracamente estruturados e com baixa 
identificação partidária do eleitor. 
 Na próxima seção discutiremos em detalhes a metodologia empregada. Em 
seguida, apresentamos nossos principais resultados para, enfim, encerrar com a discussão 
desses resultados. Os dados aqui apresentados indicam que devemos ser muito cautelosos 
quando falamos de polarização no Brasil, pois: 1) ela só ocorre em 2018; 2) ela é muito 
mais afetiva do que ideológica; 3) na ideologia, ela é perceptível, de forma moderada, na 
dimensão simbólica, mas não na operacional; 4) ela é assimétrica, pois ocorre, em grande 
medida, entre eleitores da direita; 5) assim como outros fenômenos da política brasileira, 
ela tem uma natureza mais personalista do que partidária. 
 
Medindo Polarização no Brasil 
 Entre os conceitos e medidas de polarização política empregadas na literatura 
internacional, duas definições se destacam: a polarização ideológica e a polarização 
afetiva. Seguindo essa literatura, definimos a polarização ideológica como sendo o 
aumento da distância ideológica entre os grupos políticos, com o concomitante 
esvaziamento do centro (Abramowitz, 2010). Já a polarização afetiva ocorre quando há 
aumento do desafeto entre grupos políticos rivais (Iyegar, Sood e Lelkes, 2012). Um 
estudo recente (Hobolt, Leeper e Tilley, 2020) mostra que a polarização afetiva pode 
inclusive envolver grupos que não tenham como referência os partidos políticos. 
 No tocante à polarização ideológica, os autores costumam a analisar a dispersão 
em direção aos extremos da autolocalização no continuum liberal-conservador (ou 
esquerda e direita) entre os eleitores que se identificam com os partidos Republicano e 
Democrata. Outra alternativa, seguida por Abramowitz (2010), é analisar como os 
partidários desses dois partidos se diferenciam naquilo que a literatura chama de ideologia 
 
 
4 
operacional (Ellis e Stimson, 2012), que são as posições do indivíduo em relação a um 
conjunto issues, tais como o tamanho e responsabilidade do Estado, gasto militar, direitos 
de minorias e questões de gênero. 
 Já a polarização afetiva tem como base a teoria dos grupos sociais e seu foco incide 
sobre a identidade grupal e o aumento da desafeição em relação ao grupo político rival. 
Assim, a estratégia de identificação do fenômeno segue originalmente a identificação dos 
grupos e a mensuração do afeto intragrupal e do desafeto intergrupal. A análise deste 
fenômeno nos EUA incide sobre a aversão de republicanos em relação aos democratas e 
vice-versa, o uso de estereótipos e o desejo de distanciamento social em relação ao grupo 
alvo da desafeição (Iyengar, Lelkes e Levendusky, 2019). 
 A teoria que baseia a formulação de polarização afetiva deriva de algumas teses 
dos estudos sobre identidade social e teoria dos grupos, que entendem que a identidade e 
filiação a um grupo é capaz de introduzir uma série de atitudes positivas em relação ao 
ingroup e atitudes de competição, rivalidade e depreciação dos outgroup. 
 A ancoragem nos partidos para a mensuração de polarização ideológica e afetiva, 
embora adequada para realidade bipartidária e com alto número de partidários 
estadunidense, não pode, evidentemente, ser aplicada automaticamente à o sistema 
multipartidário brasileiro, pouco estruturado e com bases sociais reduzidas e voláteis. 
Uma chave possível, como indicam alguns analistas, seria identificar petismo e 
antipetismo como as duas principais identidades políticas no país, como sugerem Samuels 
e Zucco (2018), uma chave promissora em razão do crescimento do antipetismo (Belo, 
2019). Estudos recentes problematizam essa divisão dos sentimentos partidários, 
identificando outras expressões relevantes do antipartidarismo (Fuks, Borba e Ribeiro, 
2020a e 2020b) recente no Brasil. Adicionando a isso manifestações, igualmente recentes, 
da fragilidade e volatilidade do nosso sistema partidário, acreditamos que as bases da 
polarização devem ser procuradas em outras identidades para além do antipetismo. 
 Mas, como então medirpolarização afetiva e ideológica num sistema 
multipartidário, fragmentado, frágil e sem base social consistente? Uma série de estudos 
recentes permitem pensar a polarização afetiva e ideológica a partir de identidades que 
não sejam partidárias e nem mesmo pertencimentos grupais fixos e consolidados. Outros 
estudos indicam que, mesmo sob bases partidárias instáveis, as eleições criam 
identidades e alinhamentos suficientes para a formação de dinâmicas afetivas para a 
polarização. Juntos, esses referenciais teóricos nos permitem captar a polarização em 
 
 
5 
ambientes com clivagens partidárias voláteis e sustentadas por lideranças, que se mostram 
adequados à realidade atual brasileira. 
 Hobolt, Leeper e Tilley (2020) mostram, por exemplo, que a polarização afetiva 
pode se formar em relação a grupos bem mais fluídos do que os formados pelas 
identidades partidárias. Assim, ela ocorreria também com base em grupos formados por 
pessoas com opiniões rivais, como no caso do Brexit e do independentismo catalão, 
podendo desaparecer e migrar para outra temática. Além disso, a polarização afetiva se 
formaria também em relação a líderes políticos e não só em relação a grupos partidários, 
como demonstra a medida empregada por Rogowski e Sutherland (2016). Seu estudo 
mostra como a polarização ideológica favorece o sentimento de aversão em relação ao 
candidato rival e desencadeia comportamentos típicos de uma polarização afetiva, o que 
habilita a introdução de indicadores em relação a líderes e não só a grupos. 
 Pereira (2014) argumenta, por exemplo, que as clivagens partidárias no Brasil são 
bastante fluídas, sendo ativadas ou mesmo forjadas principalmente durante as eleições. 
Em estudo mais recente, o autor (Pereira, 2020) mostra a força das eleições na 
conformação até mesmo da identidade ideológica de grande parte dos eleitores, quando, 
durante o período eleitoral muitos eleitores passam a se identificar com a ideologia do 
candidato escolhido, e não escolher o candidato em função da sua ideologia. Esse tipo de 
evidência empírica revela que o período eleitoral por si só é capaz de forjar identidades 
provisórias, mas, possivelmente capazes de sustentar a identificação com grupos por 
tempo suficiente para que a polarização afetiva aconteça. 
Esses estudos apontam estratégias alternativas complementares de investigação 
da polarização para contextos como o brasileiro. Acreditamos ser adequada para o caso 
brasileiro tanto a polarização em torno de lideranças políticas como das clivagens 
formadas durante as eleições, complementando as medidas de polarização partidária. 
 
Dados 
 Quanto às medidas usadas, elas serão as seguintes. Em relação à polarização 
afetiva, criamos duas variáveis. Tendo como base uma pergunta do Eseb, em que se pede 
aos entrevistados que deem notas de 0 a 10 aos principais partidos e candidatos a 
presidência do país, onde 0 é detesta e 10 é gosta muito, calculamos a subtração entre a 
nota dada ao partido de esquerda que chegou ao segundo turno das eleições presidenciais 
pela nota dada ao de direita que o enfrentou. Dessa forma, chegamos a uma variável em 
que os valores mais extremos, abaixo ou acima de zero, indicam sentimentos 
 
 
6 
contrastantes e os valores mais próximos de 0 indicam sentimentos equivalentes em 
relação aos dois partidos. Usamos uma pergunta equivalente para os candidatos políticos 
para medir a polarização em relação aos líderes. 
 Observamos, então, a distribuição, no tempo, do desvio padrão dessas duas 
variáveis de polarização afetiva, de modo que quanto maior o desvio padrão maior a 
polarização afetiva. Por fim, tomando como referência aqueles eleitores com 
identificação partidária em relação a um dos dois partidos que chegaram ao segundo turno 
e os eleitores que votaram em um dos candidatos desses dois partidos, observamos a nota 
dada aos partidos ou candidatos rivais nestes segundos turnos. Nosso foco incide, assim, 
sobre a evolução, no tempo, da desafeição em relação ao partido e ao candidato rival. 
 No campo da polarização ideológica adotaremos uma estratégia semelhante. Com 
base na variável de autolocalização ideológica, onde é pedido para o entrevistado situar-
se numa escala de 0 a 10 na qual 0 é esquerda e 10 direita, observaremos a evolução da 
distribuição nos extremos tanto da população como um todo como dos partidários dos 
dois partidos que se enfrentaram no segundo turno das eleições presidenciais. 
 Além disso, para superar as limitações do indicador de autolocalização ideológica, 
já que ele não se associa necessariamente a posições substantivas (Turgeon, 2015), 
utilizaremos também indicadores de ideologia operacional. Neste caso, agora com base 
nos dados do Lapop, observamos a evolução da opinião pública em relação a dois issues 
distintos, escolhidos em função de se repetirem ao longo de quase toda a série histórica 
do survey. Um issue econômico, no qual se pergunta se o entrevistado concorda, numa 
escala de 0 a 7, que o Estado deve implementar políticas firmes de combate à 
desigualdade de renda entre ricos e pobres e um issue moral, que pergunta se ele concorda, 
numa escala de 1 a 10, que casais homossexuais tenham o direito de se casarem. Em 
seguida, dividindo novamente os eleitores entre os partidários dos dois partidos que se 
enfrentaram no segundo turno das eleições presidenciais, observamos em que medida 
suas opiniões convergiram ou se distanciaram durante. 
 Quanto ao partidarismo, no Eseb, ele foi definido pela seguinte pergunta: “Qual 
partido melhor representa a maneira como o senhor(a) pensa?”, presente em todos os anos 
com exceção de 2014. No Lapop, a pergunta utilizada foi: “Com qual partido o(a) sr./sra. 
simpatiza?”. Como anunciado, a análise deu-se sobretudo em relação aos petistas, aos 
pessedebistas entre 2002 e 2014 e aos pesselistas em 2018. 
 
Resultados 
 
 
7 
 Analisando primeiro a polarização afetiva, os resultados mostram que estamos 
mais polarizados afetivamente, em 2018, principalmente em relação aos candidatos. A 
análise do desvio padrão da variável de polarização afetiva em relação aos partidos que 
se enfrentaram nos segundos turnos das eleições presidenciais de 2002 a 2018 (Gráfico 
1) mostra que a distribuição oscila no período, mas há um aumento expressivo da 
dispersão em 2018, com os sentimentos dos eleitores mais distantes em relação aos dois 
competidores nas eleições. Além disso, a média na variável de afeição/desafeição em 
relação ao partido político rival (Gráfico 2) mostra queda acentuada, em 2018, da nota 
dada pelos partidários ao partido com o qual disputavam a eleição. Assim, na escala de 
afeição/desafeição, a nota dada pelos petistas ao PSDB, em 2014, foi 4,25, enquanto ao 
PSL, em 2018, foi 3,68. No mesmo sentido, e de forma mais acentuada, ocorre a queda 
da nota dada pelos partidários da direita ao PT. Em 2014 os pessedebistas davam nota 
3,87 ao PT. Já em 2018, a nota dos pesselistas para o PT foi 1,89. 
Polarização Afetiva no Brasil 2002 - 2018 
 
 
Fonte: Elaboração própria com base no Eseb. 
4,92
4,25
4,89
4,69
5,58
3
4
5
6
7
2002 2006 2010 2014 2018
1 - Desvio padrão da 
polarização afetiva em 
relação aos partidos 2002 -
2018
4,07 3,46 3,87
1,89
4,33 3,9 4,25
3,68
0
2
4
6
2002 2006 2010 2018
2 - Sentimento em Relação ao 
Opositor
Pessedebistas (2002 - 2010) e
Pesselistas em 2018
Petistas
5,08 5,09 5,29 5,42
6,51
3
4
5
6
7
2002 2006 2010 2014 2018
3 - Desvio padrão da 
polarização afetiva em 
relação aos líderes 2002 -
2018
5,22 4,67 4,94
4,66
3,48
5,07 3,92 4,55 4,19 2,77
0
2
4
6
2002 2006 2010 2014 2018
4 - Sentimento em relação ao 
candidato opositor
Votaram no PT
 
 
8 
 Do mesmo modo, há, entre 2014 e 2018, um aumento expressivo da dispersão da 
afeição em relação os líderes dos dois partidos que disputaram o segundo turno (Gráfico 
3). Houve também, desde 2010 e, especialmente,em 2018, uma queda substancial no 
afeto direcionado ao líder rival do candidato em que se votou (Gráfico 4). Em média, 
quem votou na Dilma, em 2014, deu nota 4,6 ao Aécio, enquanto quem votou em Haddad, 
em 2018, deu 3,48 ao Bolsonaro. Da mesma forma, enquanto quem votou em Aécio, deu 
nota 4,19 para a Dilma, quem votou em Bolsonaro, deu 2,77 para o Haddad. Esses dados 
revelam a magnitude da polarização em relação aos líderes e a importância dessa medida 
em contexto de baixa tradição e alta volatilidade do sistema partidário. 
 Quanto à ideologia, é importante destacar a evolução nas taxas de 
autoposicionamento na escala esquerda-direita (Gráfico 5). Desde 2010, vem diminuindo 
o número daqueles que não respondiam ou respondiam que não sabiam se autolocalizar 
na escala. Essa medida, embora não seja um indicador de polarização, mostra que o 
brasileiro passou a se identificar mais com as posições ideológicas1. 
 
Polarização Ideológica no Brasil 2002 - 2018 
 
Fonte: Elaboração própria com base no Eseb. 
 Os resultados indicam que, em 2018, estamos mais polarizados do que em eleições 
anteriores, porém, de forma assimétrica. Embora a distribuição tenha se tornado mais 
dispersa, é apenas a direita que se desloca, de forma inequívoca, para o extremo. Além 
disso, enquanto a direita atrai mais de 40% do eleitorado, a esquerda, mesmo tendo 
 
1 Segundo vários autores, esse fenômeno está correlacionado com a polarização das elites (Lachat, 2008; 
Levendusky, 2010; Abramowitz, 2010; Dalton, 2011; Ellis e Stimson, 2012; Zhechmester e Corral, 2013, 
Singer, 2016) 
0
10
20
30
40
50
2002 2006 2010 2014 2018P
er
ce
nt
ua
l d
a 
Po
pu
la
çã
o
5 - Autolocalização Ideológica 
Categórica 
Direita Esquerda Centro
N.S.E.D NA
5,82 5,71
7,68
8,49
3,84 5,53 6,05 5,69
1
6
2002 2006 2010 2018
6 - Média da autolocalização 
ideológica por grupo 
partidário, 2002 -2018.
Pessedebista (2002 - 2014) e
Pesselista (2018)
Petista
 
 
9 
crescido, é bem menos expressiva, inclusive em comparação com o centro. Aliás, longe 
de desaparecer, o centro aumentou de 2010 para 2014 e se manteve constante desde então. 
 No Gráfico 6, vemos a expressão desse fenômeno no nível dos eleitores 
partidários. Os pesselistas se situam bem mais à direita do que os pessedebistas, ao passo 
os petistas guinaram à direita depois de 2002 e permanecem próximos ao centro. Assim, 
se há, entre os partidários, um aumento na distância ideológica, isso se deve à direita, 
enquanto que a base do principal partido da esquerda permanece moderada, se situando 
muito próximo do centro da escala. 
Os dados indicam que a polarização ideológica não é tão evidente quanto à 
polarização afetiva. Mesmo tendo a distribuição ficado mais dispersa e tendo aumentado 
a distância ideológica entre os partidários dos dois partidos que chegaram ao segundo 
turno das eleições presidenciais, o centro não declinou e apenas um dos eixos ideológicos 
(a direita) teve um nítido deslocamento para o extremo. Concluímos, portanto, que 
estamos mais polarizados ideologicamente em 2018 do que em 2014, mas que essa 
polarização é bem menos abrangente do que se supõem normalmente e que, além disso, 
é uma polarização assimétrica. 
 Além disso, analisamos os indicadores de polarização da ideologia em sua 
dimensão operacional. Em relação a população em relação a adoção de políticas de 
combate à desigualdade (Gráfico 7) e ao casamento paritário (Gráfico 8)2, percebemos 
duas tendências. Em relação ao casamento paritário aumenta o percentual daqueles que 
concordam com a afirmação de que homossexuais tenham o direito de se casarem, 
diminuindo tanto o não posicionamento como as respostas neutras e o conservadorismo 
como aponta Silva (2017). Já em relação às políticas de combate à desigualdade, aumenta 
o percentual daqueles que discordam delas, embora aqueles que concordem sejam ainda 
a esmagadora maioria, como identificado por Arretche e Araujo (2017). Há assim, alguma 
tendência de substituição de antigos consensos por uma distribuição menos consensual 
das opiniões, mas que não conduz, de fato, a um aumento da polarização da dimensão 
operacional da ideologia. 
 
 
 
 
2 2 A variável sobre casamento homossexual foi categorizada da seguinte forma no gráfico 8: Aprova (1-
3), Neutro (4-7), Desaprova (8-10). A variável de políticas firmes contra a desigualdade, no g´rafico 9, por 
sua vez, foi classificada da seguinte forma: Concorda (1-3), Neutro (4), Discorda (5-7). 
 
 
10 
Polarização Ideológica Operacional, Lapop, Brasil. 
 
 
 
Fonte: Elaboração própria com base no Lapop. 
 
25,2
37,2 35,3
44,3 42,5
24,8 23,7
18,8 17,9 19,1
45,5
36,1
44,1
36,8 36,6
4,5 2,9 1,7 0,9 1,70
10
20
30
40
50
2010 2012 2014 2017 2019
8 - Atitude ante o direito dos 
homossexuais se casarem
Aprova Neutro
Desaprova NA
79,8 81,2 81,6 77,1 68,8 72,7
7,1 6,4 7,7 11,4
18,8 16,4
7,1 7 7,5 9,1 11,9 10,25,9 5,4 3,1 2,4 0,7 0,70
20
40
60
80
100
2008 2010 2012 2014 2017 2019
9 - Atitude diante da adoção, pelo 
Estado, de políticas firmes de 
combate à desigualdade
Concorda Discorda
Neutro NA
4,31 5,79 3,5 4,67 4,91
5,01 5,53 5,21
5,5
5,89
1
6
2010 2012 2014 2017 2019
10 - O quanto o(a) sr./sra.
aprova ou desaprova que casais
homossexuais tenham o direito
de se casar?
Pessedebistas (2010 - 2017) e
Pesselistas em 2019
Petista
6,29 6,16 5,69
5,17
5,67
6,11 6,17 5,75 5,77 5,59
1
3
5
7
2010 2012 2014 2017 2019
11 - Aprova políticas firmes 
contra a desigualdade
Pessedebistas (2010 - 2017) e
Pesselistas em 2019
Petistas
-0,15
-0,1
-0,05
0
0,05
0,1
0,15
2010 2012 2014 2017 2019
12 - Correlação entre 
identidade ideológica e 
casamento paritário
-0,15
-0,1
-0,05
0
0,05
0,1
0,15
2010 2012 2014 2017 2019
13 - Correlação entre identidade 
ideológica e desigualdade
 
 
11 
 Quando olhamos para a forma que essas opiniões se associam com o partidarismo 
(Gráfico 10 e Gráfico 11), percebe-se que não há diferença entre os petistas e seus 
opositores. A diferença de média no posicionamento entre eles não é estatisticamente 
significante em quase nenhum momento da série histórica (a exceção é a diferença entre 
pessedebistas e petistas sobre casamento paritário em 2014). Por fim, vemos também 
(Gráfico 12 e 13) que a identidade ideológica e as opiniões em relação aos temas são 
apenas fracamente correlacionadas entre si. 
Esse conjunto de dados deixam claro que os partidários da esquerda e da direita, 
assim como aqueles que se identificam com a esquerda ou com a direita, não se 
diferenciam em relação aos dois temas e, mais importante, não há mudança nesse padrão 
na série histórica. Tal resultado indica que, se há um amento da polarização, certamente 
ela não é de natureza ideológica. 
 
Conclusão 
Nesse artigo, investigamos a polarização afetiva e ideológica num contexto de 
multipartidarismo fragmentado, fracamente estruturado e com baixa identificação 
partidária. Isso favorece uma morfologia e dinâmica da polarização baseada em 
lideranças e em coalisões provisórias, tal como visto em 2018. Portanto, não se trata de 
um fenômeno de natureza estrutural, tendo como referência a oposição sistemática entre 
os mesmos partidos e atores, mas uma polarização fluida e episódica. 
 Nossos resultados indicam a presença de polarização afetiva, principalmente em 
relação às lideranças políticas, uma moderada e assimétrica polarização na identificação 
ideológica e a inexistência de polarização na posição em relação a issues. Em síntese, não 
vivemos num contexto de polarização ideológica generalizada e alimentada igualmente 
pela radicalização da esquerda e da direita. 
 Dando-se principalmente com base afetiva, a polarização do eleitorado brasileiro 
nos oferece o pior dos mundos. Significa que o grande público não vê na disputa política 
uma disputa prioritariamente programática (Marques, 2020). Quanto às suas 
consequências, a polarizaçãoafetiva parece ser a mais danosa para a democracia. 
Enquanto a literatura fala que polarização ideológica pode ter algumas consequências 
positivas para o regime democrático, como potencializar a participação, a consistência 
ideológica e o partidarismo (Abramowitz, 2010; Hetherrington, 2001; Lachat, 2008; 
Levendusky, 2010; Abramowitz, 2010; Dalton, 2011; Singer, 2016), a polarização afetiva 
parece ter um imenso leque de consequências negativas, afetando inclusive a legitimidade 
 
 
12 
do governo perante os opositores. Além disso, ao ocorrer de forma mais marcante em 
relação aos líderes, o atual quadro de polarização, caso se acentue, pode operar como um 
entrave à institucionalização da competição partidária. 
O próximo passo é investigar se a polarização afetiva alimenta a ideológica 
(Iyengar, Lelkes e Sood, 2012) ou/e vice versa (Rogowski e Sutherland, 2016). Além 
disso, está na nossa agenda avaliar se a polarização ideológica, no Brasil, mesmo não 
sendo um fenômeno saliente na população em geral, ocorre em certos segmentos da 
sociedade, em especial os que têm mais interesse e são politicamente mais engajados 
(ABRAMOWITZ, 2010). 
 
Referências bibliográficas 
ABRAMOWITZ, A. I; SAUNDERS, K. L. Is polarization a myth? The Journal of 
Politics, Chicago, v. 70, n. 2, p. 542-555, abr. 2008. 
ABRAMOWITZ, A. I. The Disappearing Center: Engaged Citizens, Polarization, and 
American Democracy. New Haven, London: Yale University Press, 2010 
Arretche, M.; ARAÚJO, V.. O Brasil tornou-se mais conservador? Apoio à redistribuição 
e taxação no Brasil. Novos Estudos Especial, pp. 15–22. 2017. 
ALONSO, A. “A política das ruas: protestos em São Paulo de Dilma a Temer”. Novos 
Estudos, São Paulo, vol. 37, n.1, p. 49-58, jun. 2017. 
AVRITZER, L. “Participation in democratic Brazil: from popular hegemony and innovation 
to middleclass protest”. Opinião Pública, Campinas, vol. 23, n. 1, p. 43-59, abr. 2017. 
BORGES, A.; VIDIGAL, R. Do lulismo ao antipetismo? Polarização, partidarismo e voto 
nas eleições presidenciais ̃ brasileiras. Revista Opinião Pública, v. 24, n. 1, p. 53-89, 
2018. 
CARREIRÃO, Y. S. “Identificação ideológica, partidos e voto na eleição presidencial de 
2006”. Opinião Pública, Campinas, vol. 13, n. 2, p. 307-339, nov. 2007. 
DALTON, R. J. Left-Right Orientations, Context, and Voting Choices. In: DALTON, R. J.; 
ANDERSON, C. J. (Ed.) Citizens, Context, and Choice: How Context Shapes Citizens’ 
Electoral Choices, New York: Oxford University Press, p. 103–125, 2011. 
ELLIS, C.; STIMSOM, J. A. Ideology in America. New York: Cambridge University 
Press, 2012. 
EZROW, L.; TAVITZ, M.; HOMOLA, J. Voter Polarization Strength of Partisanship and 
Suport for Extremist Parties Comparative Political Studies. Vol 47, Issue 11, 2014 
 
 
13 
FIORINA, M. P.; ABRAMS, S. J. Political Polarization in the American Public. Annual 
Review of Political Science, vol. 11, p. 563-588, jun. 2008. 
FIORINA, M. P.; ABRAMS, S. J.; POPE, J. C. Culture War? The Myth of a Polarized 
America. New York: Pearson Education. 2006. 
FUKS, M.; RIBEIRO, E.; BORBA, J. Antipartisanism and political intolerance in Brazil. 
Revista Sociologia e Política, vol. 28, n. 75, 2020a. 
FUKS, M.; RIBEIRO, E.; BORBA, J. Brazilian Political Science Review, vol. 14, n. 3, 
2020b. 
HETHERINGTON, M. J. Resurgent Mass Partisanship: The Role of Elite Polarization 
Article. American Political Science Review, Cambridge, vol. 95, n. 3, p. 619-631, set, 
2001. 
HOBOLT, S. B.; LEEPER, T. J.; TILLEY, J. Divided by the vote: affective polarization in the 
wake of the Brexit referendum. British Journal of Political Science. 07 jul. 2020 
HRIDOY, M. K. I. "The political consequences of elite and mass polarization". Punjab, 
200 f. Doutorado em Filosofia: Tese de Doutorado. Lovely Professional University, 2014. 
IYENGAR, S.; LELKES, Y.; LEVENDUSKY, M.; MALHOTRA, N.; WESTWOOD, S. J. The 
Origins and Consequences of Affective Polarization in the United States. Annual Review 
of Political Science, vol. 22, n. 1, p. 129–146, maio. 2019. 
IYENGAR, S.; SOOD, G.; LELKES, Y. Affect, Not Ideology: A Social Identity Perspective 
on Polarization. Public Opinion Quarterly, vol. 76 n. 3, p. 405–431, set. 2012. 
KITSCHELT, H.; HAWKINS, K. A.; LUNA, J. P.; ROSAS, G.; ZECHMEISTER, E. J. Latin 
American Party Systems. New York: Cambridge University Press, 2010. 
LACHAT, R. The impact of party polarization on ideological voting. Electoral Studies, vol. 
27, n. 4, p. 687–698, Londres, dez. 2008. 
LEVENDUSKY, M. S. Clearer Cues, More Consistent Voters: A Benefit of Elite 
Polarization. Political Behavior, Berlim, vol. 32, n. 1, p. 111-131, mar. 2010. 
LIPSET, S. M. Some Social Requisites of Democracy: Economic Development and 
Political Legitimacy. The American Political Science Review, vol. 53, n. 1, p. 69-105, 
mar. 1959. 
LUPU, N. Party Brands in Crisis: Partisanship, Brand Dilution, and the Breakdown of 
Political Parties in Latin America. Cambridge University Press, 2016. 
MASON, L. Uncivil Agreement: How Politics Became Our Identity. Chicago: University 
of Chicago Press, 2018. 
 
 
14 
MARQUES, P. Dimensão e determinantes do pensamento ideológico entre os brasileiros. 
Agenda Política, Volume 8, Número 1, São Carlos, 2020, 78-105, 2020. 
MCCOY, J.; RAHMAN, T.; SOMER, M. Polarization and the global crisis of democracy: 
Common patterns, dynamics, and pernicious consequences for democratic polities. 
American Behavioral Scientist, vol. 62, n.1, p. 16–42, mar. 2018 
Melo, C. R.; Câmara, R.; Santos, M. What informs Ideology? An analysis of deputies and 
parties in the Brazilian, Chilean and Uruguayan legislatives. In: Alcântara. (Org.) 
Studying Political Elites in Latin America. Boulder: Editora Lynne Rienner. No Prelo. 
Messenberg, D. A direita que saiu do armário: a cosmovisão dos formadores de opinião 
dos manifestantes de direita brasileiros. Revista Sociedade e Estado, Brasília, vol. 32, n. 
3, p. 621-648, set.-dez., 2017. 
PAIVA, Denise; KRAUSE, Silvana and LAMEIRAO, Adriana Paz. O eleitor antipetista: 
partidarismo e avaliação retrospectiva. Opin. Publica [online]. 2016, vol.22, n.3, pp.638-
674. 
Penteado, C., Lerner, C. “A Direita na Rede: Mobilização Online no Impeachment de 
Dilma Rousseff”. Em Debate, Belo Horizonte, v. 10, n. 1, p. 12-24, abr. 2018. 
Quadros, M. P. R; Madeira, R. M. “Fim da direita envergonhada? Atuação da bancada 
evangélica e da bancada da bala e os caminhos da representação do conservadorismo no 
Brasil”. Opinião Pública, Campinas, vol. 24, n. 3, set.-dez. 2018. 
ROGOWSKI, J. C.; SUTHERLAND, J. L. How Ideology Fuels Affective Polarization. 
Political Behavior, vol. 38, n. 2, p. 485–508, 2016 
SAMUELS, D. J.; ZUCCO, C. Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior 
in Brazil. Cambridge: Cambridge University Press, 2018. 
SANTOS, W. G. Sessenta e quatro: anatomia da crise. São Paulo: Vértice. 1986. 
SARTORI, G. Partidos e Sistemas Partidários. Rio de Janeiro: Zahar. 1982. 
SINGER, M. Elite Polarization and the Electoral Impact of Left-Right Placements: 
Evidence from Latin America, 1995–2009. Latin American Research Review, Pittsburgh, 
vol. 51, n. 2, p. 174-194, 2016. 
OLIVEIRA, Carlos and TURGEON, Mathieu. Ideologia e comportamento político no 
eleitorado brasileiro. Opin. Publica [online]. 2015, vol.21, n.3, pp.574-600. 
Zucco Júnior, C. Esquerda, direita e governo. A ideologia dos partidos políticos 
brasileiros. In: Power, T.; ______. (Org.). O Congresso por Ele Mesmo: Autopercepções 
da classe política brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. 
 
 
 
15

Continue navegando