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1 12º Encontro da ABCP 18 a 21 de agosto de 2020 Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa (PB) Área Temática: Comportamento Político e Opinião Pública Afeto ou ideologia: medindo polarização política no Brasil? Mario Fuks Universidade Federal de Minas gerais Pedro Marques Universidade Federal de Minas gerais 2 Introdução Nos Estados Unidos há, praticamente, um consenso que as elites partidárias estão cada vez mais polarizadas, isto é, que os membros dos partidos democrata e republicano estão cada vez mais internamente homogêneos e cada vez mais distantes entre si na ideologia (Poole e Rosenthal, 1997). Já em relação ao público, as conclusões têm sido bem menos consensuais. Assim, há uma divisão entre os autores que negam a existência de uma polarização (Fiorina, Abrams e Pope, 2006; Fiorina e Abrams, 2008), os que afirmam que há em curso uma crescente polarização ideológica (Abramowitz e Saunders, 2008; Abramowitz, 2010) e aqueles que afirmam que, fundamentalmente, se trata apenas de uma polarização afetiva (Mason, 2018; Iyengar, Lelkes e Sood, 2012). Se lá, apesar das conclusões dissonantes, sabe-se mais acerca da polarização entre o público do que se sabia há vinte anos atrás, no Brasil, infelizmente, se sabe muito pouco. No Brasil, até bem pouco tempo, o que se observava era de que a maioria dos partidos importantes se deslocava progressivamente em direção ao centro da escala ideológica. A esquerda aderia cada vez mais à economia de mercado, de um lado, e a direita, de outro, com o fenômeno que convencionou-se chamar de direita envergonhada, não assumia a sua identidade ideológica (Zucco, 2011). No tocante à opinião pública, de forma congruente, os eleitores viam de forma cada vez mais indistinta os partidos, se posicionavam menos na escala ideológica e associavam menos a ideologia ao voto (Carreirão, 2007). Nesse contexto, um estudo sobre polarização pareceria estranho, o que explica a escassa produção intelectual sobre o tema. Mais recentemente, porém, a ciência política brasileira identifica o surgimento de uma nova direita nas ruas (Avritzer, 2017; Alonso 2017) e no parlamento (Quadros e Madeira, 2018; Melo, Câmara e Santos, no prelo), nos meios de comunicação tradicionais (Penteado e Lerner, 2018) e na internet (Messemberg, 2017). Essa novidade, que culminou na eleição de Jair Bolsonaro, um candidato de extrema-direita saudosista da ditadura militar brasileira (1964-1985), alterou o cenário de marasmo político e ideológico da competição entre PT e PSDB e recolocou a questão da polarização na agenda. Esse quadro, tem estimulado, na sociedade e em meios acadêmicos, o diagnóstico de que estamos polarizados, o que ainda não foi empiricamente testado. A produção sobre polarização, no Brasil recente, é escassa e desatualizada, não cobrindo o período pós-2014 (Borges e Vidigal, 2018). Além disso, a maior parte dos estudos que contribuem para uma melhor compreensão da polarização política hoje, no Brasil, são sobre o antipartidarismo. Esses estudos analisam a dinâmica afetiva e não 3 ideológica do fenômeno e se limitam às atitudes positivas e negativas em relação a um único partido: o PT (Paiva, Krause e Lamerião, 2016; Samuels e Zucco, 2018). Isso explica apenas parcialmente o fenômeno e não permite comparações com outras realidades. Nesse artigo, nos baseamos em algumas definições e medidas de polarização empregadas pela literatura estadunidense e buscamos, a partir delas, criar uma série de indicadores de polarização afetiva e ideológica com os dados disponíveis para o Brasil, especialmente o Lapop e Eseb. Assim, analisamos quase 20 anos de dados de opinião pública. Com ele esperamos contribuir para o estudo da polarização afetiva e ideológica em países com sistemas multipartidários fracamente estruturados e com baixa identificação partidária do eleitor. Na próxima seção discutiremos em detalhes a metodologia empregada. Em seguida, apresentamos nossos principais resultados para, enfim, encerrar com a discussão desses resultados. Os dados aqui apresentados indicam que devemos ser muito cautelosos quando falamos de polarização no Brasil, pois: 1) ela só ocorre em 2018; 2) ela é muito mais afetiva do que ideológica; 3) na ideologia, ela é perceptível, de forma moderada, na dimensão simbólica, mas não na operacional; 4) ela é assimétrica, pois ocorre, em grande medida, entre eleitores da direita; 5) assim como outros fenômenos da política brasileira, ela tem uma natureza mais personalista do que partidária. Medindo Polarização no Brasil Entre os conceitos e medidas de polarização política empregadas na literatura internacional, duas definições se destacam: a polarização ideológica e a polarização afetiva. Seguindo essa literatura, definimos a polarização ideológica como sendo o aumento da distância ideológica entre os grupos políticos, com o concomitante esvaziamento do centro (Abramowitz, 2010). Já a polarização afetiva ocorre quando há aumento do desafeto entre grupos políticos rivais (Iyegar, Sood e Lelkes, 2012). Um estudo recente (Hobolt, Leeper e Tilley, 2020) mostra que a polarização afetiva pode inclusive envolver grupos que não tenham como referência os partidos políticos. No tocante à polarização ideológica, os autores costumam a analisar a dispersão em direção aos extremos da autolocalização no continuum liberal-conservador (ou esquerda e direita) entre os eleitores que se identificam com os partidos Republicano e Democrata. Outra alternativa, seguida por Abramowitz (2010), é analisar como os partidários desses dois partidos se diferenciam naquilo que a literatura chama de ideologia 4 operacional (Ellis e Stimson, 2012), que são as posições do indivíduo em relação a um conjunto issues, tais como o tamanho e responsabilidade do Estado, gasto militar, direitos de minorias e questões de gênero. Já a polarização afetiva tem como base a teoria dos grupos sociais e seu foco incide sobre a identidade grupal e o aumento da desafeição em relação ao grupo político rival. Assim, a estratégia de identificação do fenômeno segue originalmente a identificação dos grupos e a mensuração do afeto intragrupal e do desafeto intergrupal. A análise deste fenômeno nos EUA incide sobre a aversão de republicanos em relação aos democratas e vice-versa, o uso de estereótipos e o desejo de distanciamento social em relação ao grupo alvo da desafeição (Iyengar, Lelkes e Levendusky, 2019). A teoria que baseia a formulação de polarização afetiva deriva de algumas teses dos estudos sobre identidade social e teoria dos grupos, que entendem que a identidade e filiação a um grupo é capaz de introduzir uma série de atitudes positivas em relação ao ingroup e atitudes de competição, rivalidade e depreciação dos outgroup. A ancoragem nos partidos para a mensuração de polarização ideológica e afetiva, embora adequada para realidade bipartidária e com alto número de partidários estadunidense, não pode, evidentemente, ser aplicada automaticamente à o sistema multipartidário brasileiro, pouco estruturado e com bases sociais reduzidas e voláteis. Uma chave possível, como indicam alguns analistas, seria identificar petismo e antipetismo como as duas principais identidades políticas no país, como sugerem Samuels e Zucco (2018), uma chave promissora em razão do crescimento do antipetismo (Belo, 2019). Estudos recentes problematizam essa divisão dos sentimentos partidários, identificando outras expressões relevantes do antipartidarismo (Fuks, Borba e Ribeiro, 2020a e 2020b) recente no Brasil. Adicionando a isso manifestações, igualmente recentes, da fragilidade e volatilidade do nosso sistema partidário, acreditamos que as bases da polarização devem ser procuradas em outras identidades para além do antipetismo. Mas, como então medirpolarização afetiva e ideológica num sistema multipartidário, fragmentado, frágil e sem base social consistente? Uma série de estudos recentes permitem pensar a polarização afetiva e ideológica a partir de identidades que não sejam partidárias e nem mesmo pertencimentos grupais fixos e consolidados. Outros estudos indicam que, mesmo sob bases partidárias instáveis, as eleições criam identidades e alinhamentos suficientes para a formação de dinâmicas afetivas para a polarização. Juntos, esses referenciais teóricos nos permitem captar a polarização em 5 ambientes com clivagens partidárias voláteis e sustentadas por lideranças, que se mostram adequados à realidade atual brasileira. Hobolt, Leeper e Tilley (2020) mostram, por exemplo, que a polarização afetiva pode se formar em relação a grupos bem mais fluídos do que os formados pelas identidades partidárias. Assim, ela ocorreria também com base em grupos formados por pessoas com opiniões rivais, como no caso do Brexit e do independentismo catalão, podendo desaparecer e migrar para outra temática. Além disso, a polarização afetiva se formaria também em relação a líderes políticos e não só em relação a grupos partidários, como demonstra a medida empregada por Rogowski e Sutherland (2016). Seu estudo mostra como a polarização ideológica favorece o sentimento de aversão em relação ao candidato rival e desencadeia comportamentos típicos de uma polarização afetiva, o que habilita a introdução de indicadores em relação a líderes e não só a grupos. Pereira (2014) argumenta, por exemplo, que as clivagens partidárias no Brasil são bastante fluídas, sendo ativadas ou mesmo forjadas principalmente durante as eleições. Em estudo mais recente, o autor (Pereira, 2020) mostra a força das eleições na conformação até mesmo da identidade ideológica de grande parte dos eleitores, quando, durante o período eleitoral muitos eleitores passam a se identificar com a ideologia do candidato escolhido, e não escolher o candidato em função da sua ideologia. Esse tipo de evidência empírica revela que o período eleitoral por si só é capaz de forjar identidades provisórias, mas, possivelmente capazes de sustentar a identificação com grupos por tempo suficiente para que a polarização afetiva aconteça. Esses estudos apontam estratégias alternativas complementares de investigação da polarização para contextos como o brasileiro. Acreditamos ser adequada para o caso brasileiro tanto a polarização em torno de lideranças políticas como das clivagens formadas durante as eleições, complementando as medidas de polarização partidária. Dados Quanto às medidas usadas, elas serão as seguintes. Em relação à polarização afetiva, criamos duas variáveis. Tendo como base uma pergunta do Eseb, em que se pede aos entrevistados que deem notas de 0 a 10 aos principais partidos e candidatos a presidência do país, onde 0 é detesta e 10 é gosta muito, calculamos a subtração entre a nota dada ao partido de esquerda que chegou ao segundo turno das eleições presidenciais pela nota dada ao de direita que o enfrentou. Dessa forma, chegamos a uma variável em que os valores mais extremos, abaixo ou acima de zero, indicam sentimentos 6 contrastantes e os valores mais próximos de 0 indicam sentimentos equivalentes em relação aos dois partidos. Usamos uma pergunta equivalente para os candidatos políticos para medir a polarização em relação aos líderes. Observamos, então, a distribuição, no tempo, do desvio padrão dessas duas variáveis de polarização afetiva, de modo que quanto maior o desvio padrão maior a polarização afetiva. Por fim, tomando como referência aqueles eleitores com identificação partidária em relação a um dos dois partidos que chegaram ao segundo turno e os eleitores que votaram em um dos candidatos desses dois partidos, observamos a nota dada aos partidos ou candidatos rivais nestes segundos turnos. Nosso foco incide, assim, sobre a evolução, no tempo, da desafeição em relação ao partido e ao candidato rival. No campo da polarização ideológica adotaremos uma estratégia semelhante. Com base na variável de autolocalização ideológica, onde é pedido para o entrevistado situar- se numa escala de 0 a 10 na qual 0 é esquerda e 10 direita, observaremos a evolução da distribuição nos extremos tanto da população como um todo como dos partidários dos dois partidos que se enfrentaram no segundo turno das eleições presidenciais. Além disso, para superar as limitações do indicador de autolocalização ideológica, já que ele não se associa necessariamente a posições substantivas (Turgeon, 2015), utilizaremos também indicadores de ideologia operacional. Neste caso, agora com base nos dados do Lapop, observamos a evolução da opinião pública em relação a dois issues distintos, escolhidos em função de se repetirem ao longo de quase toda a série histórica do survey. Um issue econômico, no qual se pergunta se o entrevistado concorda, numa escala de 0 a 7, que o Estado deve implementar políticas firmes de combate à desigualdade de renda entre ricos e pobres e um issue moral, que pergunta se ele concorda, numa escala de 1 a 10, que casais homossexuais tenham o direito de se casarem. Em seguida, dividindo novamente os eleitores entre os partidários dos dois partidos que se enfrentaram no segundo turno das eleições presidenciais, observamos em que medida suas opiniões convergiram ou se distanciaram durante. Quanto ao partidarismo, no Eseb, ele foi definido pela seguinte pergunta: “Qual partido melhor representa a maneira como o senhor(a) pensa?”, presente em todos os anos com exceção de 2014. No Lapop, a pergunta utilizada foi: “Com qual partido o(a) sr./sra. simpatiza?”. Como anunciado, a análise deu-se sobretudo em relação aos petistas, aos pessedebistas entre 2002 e 2014 e aos pesselistas em 2018. Resultados 7 Analisando primeiro a polarização afetiva, os resultados mostram que estamos mais polarizados afetivamente, em 2018, principalmente em relação aos candidatos. A análise do desvio padrão da variável de polarização afetiva em relação aos partidos que se enfrentaram nos segundos turnos das eleições presidenciais de 2002 a 2018 (Gráfico 1) mostra que a distribuição oscila no período, mas há um aumento expressivo da dispersão em 2018, com os sentimentos dos eleitores mais distantes em relação aos dois competidores nas eleições. Além disso, a média na variável de afeição/desafeição em relação ao partido político rival (Gráfico 2) mostra queda acentuada, em 2018, da nota dada pelos partidários ao partido com o qual disputavam a eleição. Assim, na escala de afeição/desafeição, a nota dada pelos petistas ao PSDB, em 2014, foi 4,25, enquanto ao PSL, em 2018, foi 3,68. No mesmo sentido, e de forma mais acentuada, ocorre a queda da nota dada pelos partidários da direita ao PT. Em 2014 os pessedebistas davam nota 3,87 ao PT. Já em 2018, a nota dos pesselistas para o PT foi 1,89. Polarização Afetiva no Brasil 2002 - 2018 Fonte: Elaboração própria com base no Eseb. 4,92 4,25 4,89 4,69 5,58 3 4 5 6 7 2002 2006 2010 2014 2018 1 - Desvio padrão da polarização afetiva em relação aos partidos 2002 - 2018 4,07 3,46 3,87 1,89 4,33 3,9 4,25 3,68 0 2 4 6 2002 2006 2010 2018 2 - Sentimento em Relação ao Opositor Pessedebistas (2002 - 2010) e Pesselistas em 2018 Petistas 5,08 5,09 5,29 5,42 6,51 3 4 5 6 7 2002 2006 2010 2014 2018 3 - Desvio padrão da polarização afetiva em relação aos líderes 2002 - 2018 5,22 4,67 4,94 4,66 3,48 5,07 3,92 4,55 4,19 2,77 0 2 4 6 2002 2006 2010 2014 2018 4 - Sentimento em relação ao candidato opositor Votaram no PT 8 Do mesmo modo, há, entre 2014 e 2018, um aumento expressivo da dispersão da afeição em relação os líderes dos dois partidos que disputaram o segundo turno (Gráfico 3). Houve também, desde 2010 e, especialmente,em 2018, uma queda substancial no afeto direcionado ao líder rival do candidato em que se votou (Gráfico 4). Em média, quem votou na Dilma, em 2014, deu nota 4,6 ao Aécio, enquanto quem votou em Haddad, em 2018, deu 3,48 ao Bolsonaro. Da mesma forma, enquanto quem votou em Aécio, deu nota 4,19 para a Dilma, quem votou em Bolsonaro, deu 2,77 para o Haddad. Esses dados revelam a magnitude da polarização em relação aos líderes e a importância dessa medida em contexto de baixa tradição e alta volatilidade do sistema partidário. Quanto à ideologia, é importante destacar a evolução nas taxas de autoposicionamento na escala esquerda-direita (Gráfico 5). Desde 2010, vem diminuindo o número daqueles que não respondiam ou respondiam que não sabiam se autolocalizar na escala. Essa medida, embora não seja um indicador de polarização, mostra que o brasileiro passou a se identificar mais com as posições ideológicas1. Polarização Ideológica no Brasil 2002 - 2018 Fonte: Elaboração própria com base no Eseb. Os resultados indicam que, em 2018, estamos mais polarizados do que em eleições anteriores, porém, de forma assimétrica. Embora a distribuição tenha se tornado mais dispersa, é apenas a direita que se desloca, de forma inequívoca, para o extremo. Além disso, enquanto a direita atrai mais de 40% do eleitorado, a esquerda, mesmo tendo 1 Segundo vários autores, esse fenômeno está correlacionado com a polarização das elites (Lachat, 2008; Levendusky, 2010; Abramowitz, 2010; Dalton, 2011; Ellis e Stimson, 2012; Zhechmester e Corral, 2013, Singer, 2016) 0 10 20 30 40 50 2002 2006 2010 2014 2018P er ce nt ua l d a Po pu la çã o 5 - Autolocalização Ideológica Categórica Direita Esquerda Centro N.S.E.D NA 5,82 5,71 7,68 8,49 3,84 5,53 6,05 5,69 1 6 2002 2006 2010 2018 6 - Média da autolocalização ideológica por grupo partidário, 2002 -2018. Pessedebista (2002 - 2014) e Pesselista (2018) Petista 9 crescido, é bem menos expressiva, inclusive em comparação com o centro. Aliás, longe de desaparecer, o centro aumentou de 2010 para 2014 e se manteve constante desde então. No Gráfico 6, vemos a expressão desse fenômeno no nível dos eleitores partidários. Os pesselistas se situam bem mais à direita do que os pessedebistas, ao passo os petistas guinaram à direita depois de 2002 e permanecem próximos ao centro. Assim, se há, entre os partidários, um aumento na distância ideológica, isso se deve à direita, enquanto que a base do principal partido da esquerda permanece moderada, se situando muito próximo do centro da escala. Os dados indicam que a polarização ideológica não é tão evidente quanto à polarização afetiva. Mesmo tendo a distribuição ficado mais dispersa e tendo aumentado a distância ideológica entre os partidários dos dois partidos que chegaram ao segundo turno das eleições presidenciais, o centro não declinou e apenas um dos eixos ideológicos (a direita) teve um nítido deslocamento para o extremo. Concluímos, portanto, que estamos mais polarizados ideologicamente em 2018 do que em 2014, mas que essa polarização é bem menos abrangente do que se supõem normalmente e que, além disso, é uma polarização assimétrica. Além disso, analisamos os indicadores de polarização da ideologia em sua dimensão operacional. Em relação a população em relação a adoção de políticas de combate à desigualdade (Gráfico 7) e ao casamento paritário (Gráfico 8)2, percebemos duas tendências. Em relação ao casamento paritário aumenta o percentual daqueles que concordam com a afirmação de que homossexuais tenham o direito de se casarem, diminuindo tanto o não posicionamento como as respostas neutras e o conservadorismo como aponta Silva (2017). Já em relação às políticas de combate à desigualdade, aumenta o percentual daqueles que discordam delas, embora aqueles que concordem sejam ainda a esmagadora maioria, como identificado por Arretche e Araujo (2017). Há assim, alguma tendência de substituição de antigos consensos por uma distribuição menos consensual das opiniões, mas que não conduz, de fato, a um aumento da polarização da dimensão operacional da ideologia. 2 2 A variável sobre casamento homossexual foi categorizada da seguinte forma no gráfico 8: Aprova (1- 3), Neutro (4-7), Desaprova (8-10). A variável de políticas firmes contra a desigualdade, no g´rafico 9, por sua vez, foi classificada da seguinte forma: Concorda (1-3), Neutro (4), Discorda (5-7). 10 Polarização Ideológica Operacional, Lapop, Brasil. Fonte: Elaboração própria com base no Lapop. 25,2 37,2 35,3 44,3 42,5 24,8 23,7 18,8 17,9 19,1 45,5 36,1 44,1 36,8 36,6 4,5 2,9 1,7 0,9 1,70 10 20 30 40 50 2010 2012 2014 2017 2019 8 - Atitude ante o direito dos homossexuais se casarem Aprova Neutro Desaprova NA 79,8 81,2 81,6 77,1 68,8 72,7 7,1 6,4 7,7 11,4 18,8 16,4 7,1 7 7,5 9,1 11,9 10,25,9 5,4 3,1 2,4 0,7 0,70 20 40 60 80 100 2008 2010 2012 2014 2017 2019 9 - Atitude diante da adoção, pelo Estado, de políticas firmes de combate à desigualdade Concorda Discorda Neutro NA 4,31 5,79 3,5 4,67 4,91 5,01 5,53 5,21 5,5 5,89 1 6 2010 2012 2014 2017 2019 10 - O quanto o(a) sr./sra. aprova ou desaprova que casais homossexuais tenham o direito de se casar? Pessedebistas (2010 - 2017) e Pesselistas em 2019 Petista 6,29 6,16 5,69 5,17 5,67 6,11 6,17 5,75 5,77 5,59 1 3 5 7 2010 2012 2014 2017 2019 11 - Aprova políticas firmes contra a desigualdade Pessedebistas (2010 - 2017) e Pesselistas em 2019 Petistas -0,15 -0,1 -0,05 0 0,05 0,1 0,15 2010 2012 2014 2017 2019 12 - Correlação entre identidade ideológica e casamento paritário -0,15 -0,1 -0,05 0 0,05 0,1 0,15 2010 2012 2014 2017 2019 13 - Correlação entre identidade ideológica e desigualdade 11 Quando olhamos para a forma que essas opiniões se associam com o partidarismo (Gráfico 10 e Gráfico 11), percebe-se que não há diferença entre os petistas e seus opositores. A diferença de média no posicionamento entre eles não é estatisticamente significante em quase nenhum momento da série histórica (a exceção é a diferença entre pessedebistas e petistas sobre casamento paritário em 2014). Por fim, vemos também (Gráfico 12 e 13) que a identidade ideológica e as opiniões em relação aos temas são apenas fracamente correlacionadas entre si. Esse conjunto de dados deixam claro que os partidários da esquerda e da direita, assim como aqueles que se identificam com a esquerda ou com a direita, não se diferenciam em relação aos dois temas e, mais importante, não há mudança nesse padrão na série histórica. Tal resultado indica que, se há um amento da polarização, certamente ela não é de natureza ideológica. Conclusão Nesse artigo, investigamos a polarização afetiva e ideológica num contexto de multipartidarismo fragmentado, fracamente estruturado e com baixa identificação partidária. Isso favorece uma morfologia e dinâmica da polarização baseada em lideranças e em coalisões provisórias, tal como visto em 2018. Portanto, não se trata de um fenômeno de natureza estrutural, tendo como referência a oposição sistemática entre os mesmos partidos e atores, mas uma polarização fluida e episódica. Nossos resultados indicam a presença de polarização afetiva, principalmente em relação às lideranças políticas, uma moderada e assimétrica polarização na identificação ideológica e a inexistência de polarização na posição em relação a issues. Em síntese, não vivemos num contexto de polarização ideológica generalizada e alimentada igualmente pela radicalização da esquerda e da direita. Dando-se principalmente com base afetiva, a polarização do eleitorado brasileiro nos oferece o pior dos mundos. Significa que o grande público não vê na disputa política uma disputa prioritariamente programática (Marques, 2020). Quanto às suas consequências, a polarizaçãoafetiva parece ser a mais danosa para a democracia. Enquanto a literatura fala que polarização ideológica pode ter algumas consequências positivas para o regime democrático, como potencializar a participação, a consistência ideológica e o partidarismo (Abramowitz, 2010; Hetherrington, 2001; Lachat, 2008; Levendusky, 2010; Abramowitz, 2010; Dalton, 2011; Singer, 2016), a polarização afetiva parece ter um imenso leque de consequências negativas, afetando inclusive a legitimidade 12 do governo perante os opositores. Além disso, ao ocorrer de forma mais marcante em relação aos líderes, o atual quadro de polarização, caso se acentue, pode operar como um entrave à institucionalização da competição partidária. O próximo passo é investigar se a polarização afetiva alimenta a ideológica (Iyengar, Lelkes e Sood, 2012) ou/e vice versa (Rogowski e Sutherland, 2016). Além disso, está na nossa agenda avaliar se a polarização ideológica, no Brasil, mesmo não sendo um fenômeno saliente na população em geral, ocorre em certos segmentos da sociedade, em especial os que têm mais interesse e são politicamente mais engajados (ABRAMOWITZ, 2010). Referências bibliográficas ABRAMOWITZ, A. I; SAUNDERS, K. L. Is polarization a myth? The Journal of Politics, Chicago, v. 70, n. 2, p. 542-555, abr. 2008. ABRAMOWITZ, A. I. The Disappearing Center: Engaged Citizens, Polarization, and American Democracy. New Haven, London: Yale University Press, 2010 Arretche, M.; ARAÚJO, V.. O Brasil tornou-se mais conservador? Apoio à redistribuição e taxação no Brasil. Novos Estudos Especial, pp. 15–22. 2017. ALONSO, A. “A política das ruas: protestos em São Paulo de Dilma a Temer”. Novos Estudos, São Paulo, vol. 37, n.1, p. 49-58, jun. 2017. AVRITZER, L. “Participation in democratic Brazil: from popular hegemony and innovation to middleclass protest”. 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