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História Contemporânea: da Era das Revoluções ao Mundo do Capital Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Avelar Cezar Imamura Revisão Textual: Profa. Ms. Luciene Oliveira da Costa Santos A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa 5 • A Primeira Guerra Mundial • A Rendição Alemã e o Fim da Guerra • A Revolução Russa de 1917 · Entender a Primeira Guerra Mundial como resultado do desenvolvimento do capitalismo europeu e a Revolução Russa como consequência da Primeira Guerra Mundial. Caro(a) aluno(a), Leia atentamente o conteúdo desta Unidade, que lhe possibilitará conhecer a Primeira Guerra Mundial como resultado do desenvolvimento do capitalismo europeu e a Revolução Russa como consequência da Primeira Guerra Mundial. Você também encontrará nesta Unidade uma atividade composta por questões de múltipla escolha, relacionada com o conteúdo estudado. Além disso, terá a oportunidade de trocar conhecimentos e debater questões no Fórum de Discussão. É extremante importante que você consulte os materiais complementares, pois são ricos em informações, que possibilitam o aprofundamento de seus estudos sobre o assunto. Bom estudo! A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa 6 Unidade: A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa Contextualização Caro(a) aluno(a), Para iniciar esta Unidade, leia o texto a seguir: “Uma das ironias deste estranho século é que o resultado mais duradouro da Revolução de Outubro, cujo objetivo era a derrubada global do capitalismo, foi salvar seu antagonista, tanto na guerra quanto na paz, fornecendo-lhe o incentivo — o medo — para reformar-se após a Segunda Guerra Mundial e, ao estabelecer a popularidade do planejamento econômico, oferecendo-lhe alguns procedimentos para sua reforma”. (HOBSBAWM, Eric. J. A Era dos Extremos: o breve século XX 1914-1991. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1996). Oriente sua reflexão pela seguinte questão: 1) Foi o socialismo da União Soviética que salvou o capitalismo ocidental? Em que sentido? 7 A Primeira Guerra Mundial Introdução Sou jovem, tenho vinte anos, mas da vida conheço apenas o desespero, o medo, a morte e a mais insana superficialidade que se estende sobre um abismo de sofrimento. Vejo como os povos são insuflados uns contra os outros e como se matam em silêncio, ignorantes, tolos, submissos e inocentes. Vejo que os cérebros mais inteligentes do mundo inventam armas e palavras para que tudo isto se faça com mais requintes e maior duração e, como eu, todos os homens da minha idade, tanto deste quanto do outro lado do mundo inteiro, vêem isto; toda a minha geração sofre comigo. Que fariam nossos pais se nós nos levantássemos e nos apresentássemos a eles, para exigir que nos prestassem contas? Que esperam de nós, se algum dia a guerra terminar? Durante todos esses anos nossa única preocupação foi matar. Nossa primeira profissão na vida. Nosso conhecimento da vida limita-se à morte. Que se se pode fazer depois disto? Que será de nós? (REMARQUE, Erich Maria. Nada de Novo no Front. São Paulo: Abril, 1981, p. 210). Nada melhor para começar um estudo sobre a Primeira Guerra Mundial que um trecho do livro Nada de Novo no Front, do escritor alemão Erich Maria Remarque, que lutou na Primeira Guerra Mundial e que nos dá desse evento um retrato direto, sem falsas ilusões, sem nenhum romantismo, porque foi a Guerra: morte e desespero sem sentidos, uma geração jogada nas trincheiras e na morte, conduzidas por interesses encobertos sob o eufemismo da defesa da pátria, das honras nacionais, quando o que importava de fato era o controle de mercados e dos povos. Os Antecedentes da Primeira Guerra Mundial Os conflitos de natureza econômica entre as potências europeias levaram ao acirramento dos conflitos diplomáticos e das disputas por territórios. O que determinava realmente os conflitos era a expansão econômica, que ultrapassava as fronteiras nacionais e estendiam-se além-mar, tornando as disputas nacionalistas em conflitos internacionais. O Imperialismo exacerbou os nacionalismos e as disputas tornaram-se cada vez mais aguerridas, organizadas em torno dos blocos de alianças (como a Entente Cordiale, entre Inglaterra e França), mas de fato era a exportação de capitais e a disputa por mercados que davam realmente a tônica das disputas. A Guerra-Franco Prussiana (1979/1871), a Guerra da Crimeia e a Guerra Russo- Japonesa são antecedentes desse novo conflito que tomaria proporções continentais e, depois, mundiais, porque todas essas guerras deixaram marcas na memória dos povos e o sentimento de revanche, que é sempre o estopim de novas guerras desde as mais antigas eras. 8 Unidade: A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa A Guerra Franco Prussiana (1870/1871) marcou a natureza das relações entre França e Alemanha, assim como a Guerra da Crimeia (1854/ 1855) marcaria as relações entre Inglaterra, França e Turquia de um lado e a Rússia de outro, e a Guerra Russo-Japonesa (1904/ 1905) marcaria as relações entre a Rússia e o Japão, estendendo ao mundo a teia de conflitos e chauvinismos nacionalistas, que seriam, no fim das contas, para os soldados que lutaram de ambos os lados do conflito, algo absolutamente sem sentido, como bem registra o texto de Erich Maria Remarque. Desde o final do XIX, as condições políticas para uma guerra entre as potências europeias já estavam dadas, já havia uma intensidade rivalidade entre as nações e nada amenizou essa rivalidade. Na verdade, a expansão capitalista acirrou as disputas latentes, intensificou o debate em torno das questões nacionais, mesmo quando sua natureza se tornava cada vez mais transnacional. As Causas da Primeira Guerra Mundial Podemos elencar, então, os seguintes elementos como determinantes da Primeira Guerra Mundial: a) As disputas imperialistas: no afã de conquistarem novos territórios e mercados, as potências imperialistas entraram em choque por mercados e zonas de influência; determinadas a garantirem o acesso a novos mercados consumidores, mobilizados pela expansão do capitalismo, a Primeira Guerra foi o resultado direto da política imperialista. b) Nacionalismo: curiosamente, o Imperialismo exacerbou o chauvinismo, os nacionalismos; na época do imperialismo, surgiram o Pan Germanismo e o Pan Eslavismo, antecedentes do fascismo; as disputas nacionalistas se acirraram com o armamentismo: incentivados pela alcance das novas tecnologias e recursos disponíveis, a indústria bélica ofereceu novos armamentos (na Alemanha, era famosa a fábrica de armamentos Krupp), incentivando deliberadamente novos conflitos. c) O desequilíbrio entre as nações europeias: após a unificação da Alemanha e da Itália, houve um desequilíbrio nas relações entre as nações europeias; principalmente devido ao fato de que a Alemanha, num rápido processo de industrialização, em pouco tempo, já disputava com a Inglaterra a supremacia econômica. Na verdade, o cenário do conflito já estava pronto: rivalidades acirradas, disputas por mercados, o revanchismo e os nacionalismos prepararam a iminência da guerra, de maneira que seria preciso um só elemento para desencadear a crise que viria. O estopim da guerra Em 28 de junho de 1914, em Sarajevo, um militante nacionalista sérvio assassinou o arquiduque Francisco Fernando, herdeiro do trono Austro-Húngaro, ao qual a Sérvia pertencia. O militante responsável pelo assassinato se chamava Gavrilo Princip e fazia parte de uma organização ultranacionalista sérvia chamada Mão Negra, que combatia o domínio austríaco. A Áustria, desrespeitando a soberania sérvia, exigiu que a apuração do crime fosse feita por agentes austríacos, o que não ocorreu e ensejou a invasão da Sérvia pela Áustria. Na política de alianças estabelecida na Europa, logo a Alemanha ofereceu apoio à Áustria e entrou em confronto com a Tríplice Entente, que era formada pela Inglaterra, França e Rússia. A Rússia logo declarou apoio à Sérvia e, em pouco tempo, todoo continente seria arrastado à guerra e, logo depois, boa parte do mundo estaria envolvida com a guerra. 9 Da Guerra de Movimento à Guerra de Trincheiras A primeira fase da guerra foi marcada pela rápida movimentação dos exércitos de ambos os lados (tanto da Tríplice Entente quanto da Tríplice Aliança), na qual os aliados da Tríplice Entente foram perdedores. Tríplice Entente: formada pela Inglaterra, França e Rússia. Tríplice Aliança: formada pela Alemanha, Áustria-Hungria e Itália. Na segunda etapa, destacaram-se três acontecimentos; a saída da Itália da Tríplice Aliança e sua adesão aos aliados da Entente; a Revolução Russa e sua quase imediata retirada da Guerra com o Tratado de Brest-Litovsk (1918), e, depois, a entrada dos Estados Unidos na guerra em 6 de abril de 1917. A fase final da Guerra, a segunda guerra de movimento, teve como elemento principal a participação norte-americana (a partir de abril de 1917), que ajudou a reverter a jogo a favor da Tríplice Entente, impondo derrota mesmo ao poder naval alemão e sua frota submarina. A Primeira Guerra “inaugurou” o período das guerras contemporâneas, pelo uso que fez de novas tecnologias bélicas, pelo saldo de mortos e foi a primeira guerra de trincheiras. Foi uma guerra em escala industrial e dentre as novas tecnologias utilizadas estavam os aviões, que fizeram sua primeira aparição nas guerras e que seriam fundamentais nas estratégias de batalhas da próxima guerra; o uso de gases tóxicos e de tanques, metralhadoras e outras tecnologias da morte. Esse incremento de novas tecnologias fez com que o saldo de mortos fosse espantoso: apenas na Batalha de Verdun, que durou de fevereiro a agosto de 1916, e na Batalha do Somme, também entre julho e novembro de 1916, morreram cerca de 2 milhões de soldados, entre franceses, ingleses e alemães. Saiba Mais Batalha de Verdun: foi uma das principais batalhas da Primeira Guerra Mundial na Frente Ocidental. Colocou frente a frente o exército alemão e as tropas francesas, de 21 de fevereiro a 18 de dezembro de 1916, num terreno cheio de elevações a norte da cidade de Verdun-sur-Meuse, nordeste da França. De acordo com estimativas contemporâneas, teriam morrido 714.321 homens, 377.231 do lado francês e 337.000 do lado alemão. Foi a batalha mais longa e uma das mais devastadoras em termos de baixas da Primeira Guerra Mundial e da história militar. Estimativas atuais estimam que o número de baixas foi de 976.000. Batalha do Somme: foi travada entre julho a novembro de 1916, sendo considerada uma das maiores batalhas da Primeira Guerra Mundial. Tratou-se de uma ofensiva anglo-francesa, com o objetivo de romper as linhas de defesa alemãs, ao longo de 12 milhas (19 km), estacionadas na região do Rio Somme (França). As baixas foram elevadíssimas para ambos os lados, sobretudo para a Inglaterra, ainda mais pelo fato de o objetivo não ter sido atingido. Não sem razão, pelas suas proporções épicas, muitos enxergaram a Primeira Guerra como uma catástrofe bíblica, um episódio em que forças imensas haviam sido liberadas e a partir do qual o homem estaria sempre sob o risco de sua própria insanidade. 10 Unidade: A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa A Rendição Alemã e o Fim da Guerra O presidente norte-americano Woodrow Wilson (1856-1924) impõe à Alemanha como condição à negociação de paz a implantação de um governo democrático, encontrando apoio no general alemão Erich Ludendorff (1865-1937), preocupado em tirar de cena o exército e a aristocracia, responsáveis pela política expansionista alemã (MOTA, 1986). Um governo provisório é estabelecido na Alemanha, mas o Motim de Kiel e uma greve geral em novembro levam o kaiser (imperador) a abdicar e a fugir para a Holanda. A República é então proclamada na Alemanha, que assina a rendição em 11 de novembro de 1918. Saiba mais Motim de Kiel: foi uma rebelião dos marinheiros de Kiel contra o governo imperial alemão no final da Primeira Guerra Mundial. A Alemanha foi obrigada a aceitar um acordo humilhante, realizado pelo novo governo democrático, o qual isentava aparentemente os militares alemães de culpa pela derrota. Leon Daudet [...] publicou um dia [...] uma reportagem sobre o Salão do Automóvel que se poderia sintetizar na seguinte fórmula [...]: “L’automobile c’est la guerre” (O automóvel é a guerra). A ideia subjacente a essa surpreendente associação era de uma intensificação dos recursos técnicos, de uma aceleração dos seus ritmos, das suas fontes de energia etc., que não encontram nas nossas vidas privadas uma utilização completa e adequada e, no entanto, exercem uma forte pressão no sentido de se legitimarem. [...] a realidade social não amadureceu o suficiente para transformar a técnica num órgão seu e que a técnica não era suficientemente forte para dominar as forças elementares do social. Sem pretender de modo nenhum diminuir a importância as causas econômicas da guerra, podemos afirmar que a guerra imperialista [...] é determinada pela discrepância gritante entre os gigantescos meios de que dispõe a técnica, por um lado, e um mínimo esclarecimento moral desses meios, por outro. (Walter Benjamin, Teorias do Fascismo Alemão. IN: O Anjo da História. Belo Horizonte/São Paulo: Autêntica Editora, 2012). O escritor e filósofo alemão Walter Benjamin percebeu o abismo existente entre a técnica e o seu uso e de como a técnica pressionou em direção à guerra. A Guerra imperialista a que se refere Benjamin é a Primeira Guerra Mundial. O texto Teorias do Fascismo Alemão foi escrito como uma recensão crítica ao livro Krieg und Krieger (Guerra e Guerreiros) coletânea organizada pelo escritor Ernest Jünger publicada em 1930, que louvava o espírito da guerra rememorando a Primeira Guerra Mundial. Benjamin descontrói qualquer imagem romântica ou qualquer associação da guerra com progresso espiritual. Lembrando que os alemães foram derrotados na Primeira Guerra e o livro Guerra e Guerreiros foi escrito por ex-combatentes da Primeira Guerra que estão a defender o espírito da guerra em 1930, fica evidente a conexão entre a Primeira Guerra e o fascismo que surgiria logo depois e que levaria a Alemanha para outra guerra. 11 Os perdedores Dentro do complexo tabuleiro de xadrez europeu, a Primeira Guerra definiu uma série de situações que levariam à Segunda Guerra Mundial. A paz foi assinada com o Tratado de Versalhes, (1919) que impôs pesadíssimos encargos à Alemanha. As principais imposições do Tratado de Versalhes à Alemanha foram: a) Restituição à França da Alsácia-Lorena, tomada pelos alemães quando da Guerra Franco- Prussiana (1870/1871). b) Cessão de territórios à Bélgica, à Dinamarca e à Polônia (a maior parte da Prússia Ocidental e da Posnânia). c) Cessão à França das minas de carvão da Bacia do Sarre. d) Proibição de ter aviação militar ou marinha de guerra. e) Proibição do serviço militar obrigatório. f) Reparações de guerra no total de 33 bilhões de dólares, a serem pagos pela Alemanha. Esses foram alguns dos pontos do Tratado de Versalhes, que, sem dúvida, despertaria um intenso sentimento revanchista entre os alemães, e que estaria na origem do avanço do nazismo e da subsequente segunda grande guerra. Outros Tratados Além do Tratado de Versalhes, que acertou a paz entre os vencedores da guerra e a Alemanha (principalmente), outros tratados estabeleceram as regras para a paz com as outras nações perdedoras envolvidas com a guerra. a) Tratado de Saint-Germain: assinado em setembro de 1919 promoveu o desmembramento do Império Austro-Húngaro. A Áustria cedeu territórios para Hungria, Romênia, Iugoslávia e Polônia. b) Tratado de Trianon: reduziu o território da Hungria, que passou de 325.000 km2 para 93.000 km2. c) Tratado de Sèvres: fez com que a maior parte do território turco na Europa fosse cedido à Grécia. Após a Guerra A herança pós-guerra pode ser sintetizada em alguns pontos fundamentais: um profundo endividamento da Europa com os Estados Unidos,que passa a assumir o papel de principal potência mundial; o fim os impérios Austro-Húngaro e Turco-Otomano, com o surgimento de novos países como a Tchecoslováquia. Mas um dos acontecimentos que seriam alavancados pela Primeira Guerra Mundial foi a Revolução Russa de 1917, sobre a qual falaremos agora. 12 Unidade: A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa A Revolução Russa de 1917 Introdução Em 1914, ninguém suspeitava que somente Lenine via claro ao afirmar que a guerra fora o mais belo presente de Nicolau II à Revolução. Julgava-se, ao contrário, que a abertura das hostilidades era o dobre de finados do movimento revolucionário. Pois, à exceção de alguns bolcheviques, não tinham chefes e tropas corrido para o inimigo como todo mundo? [...] O povo russo nutria um tal ódio contra seus dirigentes que derrubar o czarismo era para ele um dever tão sagrado quanto a defesa da pátria. Foi para a guerra, mas a derrota também o levou a condenar o regime responsável. (FERRO, 2004, p. 15). A Primeira Guerra ajudou a desestabilizar um regime já cambaleante, que era o regime monárquico russo, liderado pelo czar Nicolau II (1894-1918). Gigante territorial, a Rússia era o país mais atrasado da Europa, apegado a tradições que há muito já estavam desfeitas no resto da Europa, resistente à democracia constitucional e às modernizações que permitiriam o avanço do capitalismo. Enfim, o capitalismo industrial ainda não tinha chegado à Rússia. Saiba mais Nicolau II: foi o último imperador da Rússia. É também conhecido como São Nicolau pela Igreja Ortodoxa Russa. Ele, sua mulher, seu filho, suas quatro filhas foram executados pelos bolcheviques em 1918. Politicamente, o que marcava a Rússia era justamente a natureza despótica do regime czarista. A palavra que define a natureza desse regime é autocracia e autocracia significa o poder concentrado nas mãos de um único governante, o qual, pela sua natureza, não pode ser questionado. A autocracia czarista vem desde 1500, “a partir do reinado de Ivan III, que adotou [...] o título de autocrata (samoderjets), que seus sucessores, czares e imperadores, usaram até 1917”. (LAROUSSE CULTURAL, 1998, p. 534). Há uma relação entre o regime democrático e a forma econômica do capitalismo: não há como o capitalismo se desenvolver com uma dinâmica política centralizada numa única pessoa; para o capitalismo, a democracia, enquanto forma de governo, significa a mobilidade política que o sistema econômico precisa, por isso que enquanto durou a autocracia czarista a economia ficou estagnada. Desde o século XIX que a população russa clamava por mudanças: O Reino de Nicolau I (1825/1855) abre-se com a repressão da Insurreição Dezembrista, organizada por oficiais e nobres liberais. É o sinal de uma reação firme a qualquer tentativa de questionar o poder autocrático dos tzares. Na época da revolução europeia, em 1848, o absolutismo russo se apresenta como o último bastião do conservadorismo político. A Rússia é chamada, e com razão, “o policial da Europa” (SALOMONI, 1997, p. 8). 13 A Rússia foi o último país da Europa a abolir a servidão (1861), mas de qualquer forma: [...] o fator dominante da história russa continua sendo o princípio da autocracia. O poder autocrático também deve sua hegemonia a razões de ordem militar. O czarismo sempre se colocou como única força capaz de garantir a estabilidade, a ordem e a potência militar. O poder do soberano – que alega ser outorgado diretamente por deus – é ilimitado e não prevê nenhuma forma de representação nacional. (SALOMONI, 1997, p. 12). Ainda que atingida por manifestações diversas ao longo do século XIX, mesmo assim, a autocracia resiste, mas a Primeira Guerra ajudará a quebrar a resistência czarista e as forças sociais revolucionárias explodirão, quebrando todas as vidraças da monarquia e mesmo da burguesia incipiente e insegura. A Revolução de Fevereiro de 1917 Em fevereiro de 1917, com o país arrasado com o esforço de guerra, com crise de abastecimento e com a alta dos preços, a Rússia é tomada de manifestações contra a carestia; uma série de greves toma conta do país a partir de 23 de fevereiro, levando a deposição do czar Nicolau II no dia 27 de fevereiro de 1917: caiu o czarismo e o poder foi transferido para a Duma (parlamento) e formou-se um governo provisório chefiado pelo príncipe Georgy Lvov (1861-1925). Foi a Revolução de Fevereiro de 1917. O dirigente das greves e manifestações foram os sovietes. Foram os sovietes que levaram a população a se manifestar e que puseram fim ao regime monárquico: As jornadas de Fevereiro representam a crise final do regime czarista. Marcada por uma rápida e inesperada mobilização dos trabalhadores, o movimento se inicia em 23 de fevereiro com manifestações pelo Dia Internacional da Mulher (no nosso calendário este dia corresponde a 8 de março). Cerca de 90.000 trabalhadores estão em greve, dos quais um bom número vai unir- se à passeata das mulheres. (SALOMONI, 1997, p.33). Saiba mais Sovietes: são conselhos que, originados na Rússia a partir de 1905, eram constituídos pelos representantes dos trabalhadores (operários, camponeses e soldados) e que, após a Revolução de Outubro de 1917, passaram a possuir a função de órgãos deliberativos. A queda do czar foi o resultado de uma série de conflitos anteriores e principalmente fruto das lutas dos trabalhadores organizados, que clamavam por mudanças, as quais o czar não queria conceder. 14 Unidade: A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa Em 2 de março, foi fechado um acordo entre a Duma e o soviete que permitia a formação de um governo provisório de maioria liberal, à espera da convocação de uma assembleia constituinte. Com a abdicação de Nicolau II e a recusa do Grão Duque Mikhail em sucedê-lo a Rússia fica sem um soberano. Foi realizada uma aliança entre os soldados e os trabalhadores do soviete de Petrogrado: Nesta conjuntura difícil e perigosa, foi selada uma aliança – que irá tornar-se um dos mitos mais poderosos da história do século XX – entre os soldados e operários de Petrogrado. O seu soviete eleito manifesta uma forma de poder que impede o governo provisório nomeado pela Duma de pura e simplesmente substituir- se ao antigo gabinete imperial, a fim de restabelecer a ordem no país e continuar a guerra até a vitória final [...]. Todos sovietes formados em seguida, nas cidades e mesmo nos campos, serão criados segundo o modelo do soviete de Petrogrado: comando do exército e da marinha, controle das estradas e ferrovias, gestão dos correios e telégrafos. (SALOMONI, 1997, p. 37). Isso marca o início da dualidade de poderes, como diz Salomoni, entre o poder constituído e legitimado pela Duma e o poder direto dos sovietes, uma forma de democracia direta (não representativa) que já anunciava o espírito da revolução de outubro. Saiba Mais A Revolução Russa foi motivo de vários filmes, entre eles alguns clássicos do cinema: do cineasta russo Sergei Eiseinstein há dois filmes – O “Encouraçado Potemkin”, que aborda a tentativa de revolução em 1905, e Outubro, que foi realizado em 1927, em comemoração aos dez anos da revolução. No cinema norte-americano há o longa “Reds”, que trata da vida do jornalista John Reed, que vivia na Rússia no momento da revolução e que escreveu um clássico da reportagem que é o livro “Dez Dias que Abalaram o Mundo”. John Reed era militante de esquerda e sua narrativa dos episódios revolucionários é vibrante, cheia de um colorido ímpar, que aparece um pouco no filme (Reds), que trata da vida dele, mas que acaba falando também da Revolução Russa. Governo Provisório Das negociações entre o Soviete dos Operários e Soldados e o Comitê Executivo Provisório da Duma instalou-se o Governo Provisório em 1917, presidido por Georgy Lvov (1861-1925). Alexander Kerenski (1881-1970), um socialista moderado, representava a esquerda nesse governo (MOTA, 1986). O Governo Provisório (de 17 de março a 15 demaio de 1917) adotou importantes medidas, mas não se retirou da Primeira Guerra Mundial e nem levou avante a partilha das terras aos camponeses, duas reivindicações populares. Algumas das medidas do Governo Provisório: a) Anistia imediata e completa em todos os casos de natureza política e religiosa, incluindo atos terroristas, revoltas militares e crimes agrários etc. 15 b) Liberdade de expressão, de imprensa e de reunião, e o direito de formar sindicatos e direito à greve e à extensão da liberdade política para pessoas que serviam nas forças armadas, limitadas apenas pelas exigências de circunstâncias militares e técnicas. c) A abolição de todas as restrições baseadas na classe, religião e nacionalidade. d) Preparativos imediatos para a convocação da Assembleia Constituinte na base do sufrágio universal e voto secreto, que determinava a forma de governo e a constituição do país. e) A substituição da polícia por uma milícia popular, com os dirigentes eleitos pelos órgãos responsáveis de autogoverno local. f) Eleições de autogoverno local a ser realizada com base no sufrágio universal, igual e direto e com voto secreto. g) As unidades militares que tomaram parte no movimento revolucionário não deveriam ser nem desarmadas nem retiradas de Petrogrado. Vladimir Lenin (1870-1924), dirigente do Partido Bolchevique, ganhou expressão política, pois pregava a paz com a saída da Rússia da Primeira Guerra, a distribuição de terra aos camponeses e o fortalecimento dos sovietes. Cresceram para 80 mil militantes os apoiadores dos bolcheviques, aumentando assim a participação nos sovietes. Em 4 de maio de 1917, já não havia mais condições para o Governo Provisório prosseguir. O príncipe Lvov permaneceu, com novo ministério de coalizão (15 de maio a 5 de agosto de 1917) composto de mencheviques e do Partido Socialista Revolucionário. Kerenski foi o ministro da Guerra (MOTA, 1986). Saiba Mais Mencheviques: palavra russa que significa “minoria”. Pertenciam a uma facção do movimento revolucionário russo que surgiu em 1903 depois da disputa entre Vladimir Lenin e Julius Martov, ambos membros do Partido Operário Social- Democrata Russo (POSDR). Era uma facção que realizava uma interpretação ortodoxa dos conteúdos do pensamento marxista. Liderados por Georgy Plekanov e Julius Martov, os mencheviques acreditavam que a burguesia deveria liderar a nova república a ser constituída após a queda do czar Nicolau II. Dessa forma, as forças produtivas seriam devidamente ampliadas para que uma revolução socialista acontecesse décadas mais tarde. Bolcheviques: a palavra bolchevique significa “maioria” no idioma russo. Essa palavra passou a ser usada, no começo do século XX, para designar os integrantes mais radicais do Partido Operário Social-Democrata Russo. Os bolcheviques eram favoráveis a uma mudança radical na Rússia, com a queda do czarismo e implantação da ditadura do proletariado através de uma revolução comunista. Para eles, o novo governo russo, pós-revolução, deveria ser composto por uma união entre os operários e os camponeses. Partido Socialista Revolucionário: foi um grande partido político na Rússia do início do século XX e um tendo um papel importante na Revolução Russa. Após a Revolução de Fevereiro de 1917 dividia o poder com outras forças socialistas, liberais e democráticas dentro do Governo Provisório Russo. Em novembro de 1917, ele foi o partido mais votado nas eleições democráticas realizadas, pela primeira vez na Rússia, para a Assembleia Constituinte Russa. Foi derrotada e destruída pelos bolcheviques no curso da Guerra Civil Russa. 16 Unidade: A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa A timidez da política social do novo governo propiciou o avanço dos bolcheviques. A Rússia foi perdendo a guerra e os fracassos provocaram reações internas, como as manifestações de julho (“jornadas de julho”) em Petrogrado. Essas manifestações foram logo reprimidas e os próprios bolcheviques não as julgaram oportunas. Sob forte pressão, Lvov foi substituído por Kerenski. Lenin refugiou-se na Finlândia. A Revolução de Outubro de 1917 De seu exílio na Finlândia, Lênin coordenava os preparativos para a tomada do poder. Numerosos bolcheviques ingressaram nos sovietes e foi criada a Guarda Vermelha, uma milícia popular. Trotsky, em acordo com Lênin, fez-se eleger presidente do Soviete de Petrogrado. Em 23 de outubro de 1917, Lênin convenceu o Partido Bolchevique a se decidir pela revolução (MOTA, 1986). Apoiado pelos sovietes, Lênin preparou o povo para uma revolta armada. Na noite de 24 de outubro de 1917, no calendário russo, os bolcheviques ocuparam pontos estratégicos de Petrogrado. Abandonado por suas tropas, Kerensky foi obrigado a fugir. No dia 25, os sovietes da Rússia, reunidos em Congresso, confiaram o poder a um Conselho dos Comissários do Povo presidido por Lenin. Logo após a Revolução Russa, o governo bolchevique assinou o Tratado de Brest-Litovsk com as Potências Centrais (Império Alemão, Império Austro-Húngaro e Império Otomano) em 03 de março de 1918, pelo qual era reconhecida a saída russa da Primeira Guerra Mundial. A retirada da Rússia da guerra foi um dos principais objetivos da Revolução Russa de 1917 e uma das prioridades do recém-criado governo bolchevique. As Primeiras Medidas da Revolução Russa O Conselho dos Comissários do Povo tomou numerosas medidas para defender a revolução: suprimiu as grandes propriedades rurais, confiando sua direção aos comitês agrários; nacionalizou as fábricas, que passavam a ser controladas pelos trabalhadores (ARRUDA, 1974). Foi criado um novo exército para garantir o regime, o Exército Vermelho, e uma polícia política para combater os contrarrevolucionários. O Exército Vermelho foi organizado por Trotsky, líder revolucionário que pretendia difundir o movimento comunista pela Europa em conjunto com a própria Rússia. O Perigo da Contrarrevolução A situação na Rússia após sua saída da Primeira Guerra era grave, com levantes camponeses, ocupação desordenada de fábricas, pilhagens, muita fome, estradas de ferro desarticuladas, tifo. Os kulaks (camponeses ricos) boicotavam a venda de produtos, estocando gêneros de primeira necessidade para subir os preços. Em Moscou e Petrogrado faltavam pão e carne (MOTA, 1986). O perigo de uma contrarrevolução era muito forte. Por isso, foram tomadas medidas de exceção para estancar a fome, modernizar o país ainda feudal e promover reformas de base. 17 No campo econômico, nacionalizou-se a indústria, com estímulos ao aumento da produção: métodos de racionalização de produção foram adotados, inclusive importando técnicos estrangeiros; na agricultura a ação foi mais dura, com o confisco e decretação de monopólio do trigo; a terra dos kulaks foi dividida, estabelecendo-se governos locais de camponeses pobres (MOTA, 1986). No campo político, os revolucionários enfrentaram os opositores contrários à política agrária de Lenin. Em 30 de agosto de 1918, houve um atentado em que Lenin foi ferido gravemente, o que provocou a fase de terror político. Foram tomadas medidas de controle da imprensa e das eleições. A família imperial foi executada. As dissidências foram esmagadas e os perigos da contrarrevolução controlados. Em julho de 1918, foi criada a República Federal Socialista e Soviética Russa (RFSSR), regida por uma Constituição provisória que legalizou o sistema dos sovietes e a ditadura do proletariado. A indústria e as terras foram nacionalizadas (MOTA, 1986). A Nova Política Econômica (NEP) No início de 1921, a revolução tinha triunfado, embora ainda restassem muitos problemas a resolver: a resistência da antiga classe dominante em colaborar com o novo regime; a incompreensão dos camponeses, que receberam terras, em repartir seus produtos com o Estado; o desânimo dos trabalhadores, que vinham enfrentando anos difíceis; e até mesmo revoltas no exército. Lênin iniciou, em março de 1921, a Nova Política Econômica (NEP). Os investimentosforam dirigidos para os setores fundamentais: produção de energia e de matérias-primas básicas; importação de técnicos e máquinas estrangeiras; organização dos comerciantes e agricultores em cooperativas (ARRUDA, 1974). Sob o ponto de vista econômico, a NEP foi um sucesso: fez crescer a produção agrícola e industrial e impulsionou o comércio. Entretanto, criou vantagens para certos grupos sociais, o que contrariava o caráter socialista do Estado. Em 1924, já era evidente o sentido provisório da NEP. A partir de 1928, iniciou-se a aplicação dos planos quinquenais de desenvolvimento, introduzindo o planejamento econômico de longo prazo na administração pública, método adotado, posteriormente pelos países capitalistas. Esses planos aceleraram o desenvolvimento soviético (ARRUDA, 1974). A Organização Política da Rússia Revolucionária A Constituição que estabelecia a nova forma de governo foi aprovada em janeiro de 1924. O reconhecimento do novo regime da Rússia pelas potências europeias teve início com o acordo comercial celebrado com a Inglaterra em 1921. Impunha-se, então, a regularização das instituições políticas do país (ARRUDA, 1974). Várias províncias, que se haviam separado da Rússia durante a revolução, reintegraram- se depois que a situação se definiu. Em 1922, esses Estados, reunidos à Rússia Soviética, formaram a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). 18 Unidade: A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa Em 1924, o Congresso dos Sovietes adotou uma Constituição que ampliava a de 1921. Ela previa que os sovietes seriam a base do poder político: cada soviete escolheria determinado número de representantes, que se reuniriam anualmente no Congresso dos Sovietes da União. Teoricamente, esse congresso possuía o poder supremo, mas era composto por representantes numerosos demais para exercer o governo com eficiência; por isso delegava o poder a um Comitê Central Executivo. Na realidade, o poder pertencia ao Conselho dos Comissários do Povo e ao Presídio, órgão permanente do Comitê Central do Partido Comunista (ARRUDA, 1974). A integração do povo na política era feita pelos sindicatos e pelo Partido Comunista, que tinham grande importância na educação política dos trabalhadores. O partido era composto por uma minoria ativa (apenas 2% da população, em 1927). Sua organização era semelhante à organização dos sovietes: um congresso, um comitê central e um diretório político. 19 Material Complementar Vídeos: Para complementar os conhecimentos adquiridos nesta unidade, veja os seguintes vídeos no Youtube: Primeira Guerra Mundial – O fim de uma era Disponível em: https://youtu.be/Dyl3TzYWinc?list=PLXXuZljChbLw3hwe1k4fS3T6xnXtIb2yR Do czar ao Lênin Disponível em: https://youtu.be/9CT04kjysoo Livros: HOBSBAWM, Eric. J. A Era dos Extremos: o breve século XX 1914-1991. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. Ambos enriquecerão sua compreensão sobre os aspectos econômicos, históricos e políticos dos fascismos. Bom estudo! 20 Unidade: A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa Referências ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo – Antissemitismo, Imperialismo, Totalitarismo. São Paulo: Cia. De Bolso, 2012. ARRUDA, José Jobson de A. História Moderna e Contemporânea. São Paulo: Ática, 1974. BENJAMIN, Walter, O Anjo da História. Belo Horizonte/São Paulo: Autêntica Editora, 2012. BRUIT, Héctor Hernán. O Imperialismo. São Paulo / Campinas: Atual / UNICAMP, 1988. FERRO, Marc. A Revolução Russa de 1917. São Paulo: Perspectiva, 2004. HOBSBAWM, Eric J. A Era do Capital. São Paulo: Paz e Terra, 2001. ________________. A Era dos Impérios. São Paulo: Paz e Terra, 2011. LAROUSSE CULTURAL, Grande Enciclopédia. Verbete Autocracia, Vol. III, p. 534. São Paulo: Nova Cultural, 1998. MOTA, Carlos Guilherme. História Moderna e Contemporânea. São Paulo: Ática, 1986. REMARQUE, Erich Maria. Nada de Novo no Front. São Paulo: Abril, 1981, p. 210. SALOMONI, Antonella. Lenin e a Revolução Russa. São Paulo: Ática, 1997. 21 Anotações
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