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livro Diálogos com Reggio Emília_2

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dm, “O pós-guerra, em meio à re- 
| de uma Europa devas- 
“tada, que cidadãos de uma pequena 
e cidade italiana resolveram repensar o 
“” futuro a partir da criação de uma nova 
escola. Com tijolos de casas que ha- 
viam sido bombardeadas e areia das 
margens do no que cortava a cidade, 
Villa Ceila tomou-se o marco zero da 
experiência de Reggio Emilia, uma das 
propostas mais inovadoras e bem-su- 
cedidas para a pedagogia da primeira 
imfância. 
Regoio Emilia é uma cidade no 
nordeste da ltália. Antes conhecida 
pela qualidade de seu vinho, hoje é re- 
ferencial de excelência no campo da 
educação. À proposta de Reggio, idea- 
fizada por Loris Malaguzzi, baseia-se 
na pedagogia da escuta, em que a 
criança é posta ceno protagonista de 
seu próprio processo de conhecimen- 
to. G espaço da escola é pensado com 
base no princípio de horizontalidade e 
respeito mútuo, contra quaiquer tipo 
de hierarquização. A participação dos 
pais no dia a dia escolar é estimutada, 
bem como & da comunidade. Não ha 
um ensino convencional das matérias 
tradicionais, e os atehês perrriem um 
contato abrangente da criança Com as 
mais variadas formas de are. O resul. 
tado é fascinante, vsio O aumento de 
E instituições que seguem a abordagem 
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DIÁLOGOS COM 
REGGIO EMILIA 
 
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Carla Rinaldi 
DIÁLOGOS COM 
REGGIO EMILIA 
EsCUTAR, INVESTIGAR 
E APRENDER 
Tradução 
Vania Cury 
Revisão técnica 
Marilia Dourado 
12º edição 
D 
Paz SUTERRA 
Rio de Janeiro | São Paulo 
2020 
Digitalizado com CamScanner
Copyright O 2008 Cara Rinaldi 
Copyright desta edição 45 Paz e Terra 
Tradução autorizada da edição em iaglês publicada pela Routedge, 
empresa membro do Taylor & Prancts Group 
Direitos de edição da olwa em lingua portuguesa no Brasil adqui 
vdos pela Eryrona Pas n Penna. Todos os direitos reservados. Ne 
nbuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em siste 
tma de banco de dades ou processo sumdlar, em qualquer forma ou 
meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação etc, sem a permissão 
do detentos do copyright. 
ERITORA PAZ E TERRA LTDA 
Rua do Paraiso, 149, 10º andar, conjunto 101 - Paraíso 
São Paulo, SP 04103000 
hevpo é www record com br 
Atendimento e venda direta ao leitor: 
saceprecon. com.br 
Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Lingua Portuguesa 
CIPRRASA CATALOGAÇÃO NA FONTE 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. 
Rinaldi, Carla 
12º ed. Diblogos com Regaio Emilia : escutar, 
investigar e aprender Carla Rinaldi; tradução de 
Vania Cury — 12*ed — Rio de Janeiro / São Paulo: 
Paz e Terra, 2020. 
ISBN 978-85-7753-242 
Titulo original: In Dizlogue with Reggio 
Emiíli 
1. Educação infannil 2. jardim de infância 
3. Reggio Emilia 1. Titulo. 
12-06932 CDD-372.21094543) 
 
2020 . 
impresso BO Brasil / 
Primseá in Brazil 
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PARA AS CRIANÇAS, PROFESSORES, PEDAGOGOS, P
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ADMINISTRADORES DE REGGIO EMILIA, 
 
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Sumário 
NOTA DOS EDITORES: DIÁLOGOS COM 
REGGIO EMILIA 9 
NorTA SOBRE TERMINOLOGIAS II 
PRÓLOGO 
— MARILIA DOURADO 15 
INTRODUÇÃO: Nossa REGGIO EMILIA 
— GuNILLA DAHLBERG E PerTerR Moss 19 
Ficar do lado das crianças: A sabedoria 
dos educadores (1984) 57 
Participação como comunicação 
(1984) 91 
Malaguzzi e os professores (1996) 103 
Documentação e avaliação: Como se 
relacionam? (1995-1998) 117 
Diálogos 139 
O espaço da infância (1998) 145 
Questões sobre a educação de hoje 
(1998) 165 
Documentação e investigação (1999) 179 
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14 
Continuidade nos serviços para 187 
crianças (1999) 
Criatividade como qualidade do 203 
pensamento (2000) 
À construção do projeto educativo: 
| 
Entrevista com Carla Rinaldi, por Lella 
= 
Gandini e Judith Kaminsky (2000) 
Educadores como pesquisadores: 
Formação e desenvolvimento 
profissional numa escola de educação 
(2001) 247 
A organização, o método: Uma 
conversa com Carla Rinaldi, por 
Ettore Borghi (1998) ZA 
Atravessando fronteiras: Reflexões 
sobre Loris Malaguzzi e Reggio Emilia 
(2004) 299 
Diálogo com Carla Rinaldi: Um 
debate entre Carla Rinaldi, Gunilla 
Dahlberg e Peter Moss 317 
AGRADECIMENTOS 367 
BIRETO RARA 369 
ÍNDICE 385 
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Nota dos editores 
DiáLoGos com Reccio EMtiLIA 
O PROGRAMA PARA A PRIMEIRA infância de Reggio Emilia, na 
Itália, tornou-se reconhecido e aclamado como um extraor- 
dinário sistema de educação. Carla Rinaldi, ex-diretora dos 
centros municipais para a primeira infância de Reggio Emi- 
lia e sucessora de Loris Malaguzzi (um dos pensadores pe- 
dagógicos mais importantes do século XX), possui renome 
internacional na área da educação de crianças e tem feito 
palestras em todo o mundo sobre o assunto. 
Este livro oferece uma seleção de artigos, palestras e en- 
trevistas mais importantes de Rinaldi, de 1984 até 2004, com 
introduções que explicam o contexto que inspirou cada um de- 
les. Algumas questões impõem-se como foco desta coletânea: 
* Por que a Pedagogia da Escuta, a documentação pe- 
dagógica, a participação e a pesquisa são conceitos 
tão importantes para Reggio Emilia? Como são pra- 
ticados? 
* De que maneira os educadores podem fazer um uso 
mais efetivo da arte e da criatividade? 
* O que há de tão especial em Reggio Emilia? 
Diálogos com Reggio Emilia se encerra com uma entrevista 
de Rinaldi feita por Peter Moss e Gunilla Dahiberg, editores 
Digitalizado com CamScanner
da série Contesting Early Childhood [Debatendo a Primeir. 
infância, em tradução livre]. Nessa conversa, ela E 
sobre seu trabalho atual e faz reflexões sobre o passado, o 
presente e o futuro de Reggio. 
A leitura deste livro é fundamental não apenas para 
aqueles que estudam ou praticam a educação na primei- 
ra infância. Qualquer pessoa que se interesse pelas amplas 
questões do aprendizado, da infância e do lugar da escola 
muma sociedade democrática irá considerá-lo um texto se. 
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NOTA SOBRE TERMINOLOGIAS 
NESTE LIVRO, EMPREGAMOS TERMOS ITALIANOS para Os dois 
principais tipos de serviços para a primeira infância encon- 
trados em Reggio Emilia e no resto da Itália: o nido (no 
plural, nidi) é um centro ou creche para crianças de aproxi- 
madamente três meses a três anos; a scuola delVinfanzia (no 
plural, scuole delPinfanzia) é um centro para crianças acima 
de três anos e até a idade escolar obrigatória de seis anos. 
Em Reggio, usa-se o termo “escolas municipais” para se 
referir aos 33 centros para crianças pequenas — tanto nidi 
quanto scuole delPinfanzia — que são dirigidos diretamen- 
te pela municipalidade de Reggio Emilia (empregamos o 
termo “municipalidade” para designar a autoridade local) 
ou são administrados para a municipalidade por cooperati- 
vas ou demais organizações sem fins lucrativos; esse termo 
também é utilizado no livro para remeter a essa rede de 
serviços. Todavia, o termo “escola” (não qualificado com 
“municipal”) é empregado de forma genérica para iden- 
tificar todos os locais de aprendizagem, tanto para crian- 
ças recém-nascidas e de até seis anos quanto para crianças 
maiores e jovens. 
Os funcionários que trabalham diretamente com as 
crianças nos nidi e nas scuole delPinfanzia são identificados 
como “educadores”, ainda que em geral as equipes dos nidi 
tenham níveis mais baixos de formação inicial. 
Digitalizadocom CamScanner
 
Mas há ainda outros grupos de trabalhadores que desem- 
penham um papel muito importante nas escolas munici- 
pais de Reggio. Além dos auxiliares, sobre quem se discute 
em vários momentos deste livro (como, por exemplo, co- 
zinheiras e faxineiras), existem também os pedagogistas e 
os atelieristas. Os pedagogistas têm alto nível de formação 
em psicologia e pedagogia, e cada um deles trabalha com 
um pequeno número de escolas municipais, a fim de ajudar 
a desenvolver o entendimento dos processos de aprendiza- 
gem e do trabalho pedagógico, por meio de, por exemplo, 
documentação pedagógica (uma estratégia que será discuti- 
da com alguma profundidade neste livro). Atelieristas, cuja 
formação em geral é em artes visuais, trabalham com os 
professores nas escolas municipais de Reggio, normalmente 
num ateliê (oficina), num nido ou numa scuola dell'infanzia, 
onde apoiam e ajudam a desenvolver as linguagens visuais 
de adultos e crianças, como parte de um complexo processo de 
Construção do conhecimento. 
Outra questão de terminologia deve ser assinalada aqui, 
nesse estágio inicial do livro: a distinção entre as palavras 
italianas programmazione e progettazione. Em italiano, o ver- 
bo progetiare tem uma variedade de significados: inventar, 
Planejar, elaborar, projetar (num sentido técnico de enge- 
nharia). O emprego da forma substantiva progettazione por 
educadores de Reggio, porém, tem seu significado especial. 
Ela é utilizada, em Reggio, em oposição a programmazione, 
que implica currículos, programas, estágios e outros as- 
pectos pré-definidos. O conceito de progettazione represen- 
ta, assim, uma abordagem mais global e flexível, na qual 
as hipóteses iniciais são elaboradas acerca do trabalho em 
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(ARIA RINALDI 
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sala (assim como acerca do desenvolvimento dos demais 
educadores e da relação com os pais) e estão sujeitas a mo- 
dificações e alterações de rumo no curso do processo de 
andamento do trabalho: o projeto de trabalho “cresce em 
direções distintas sem nenhum princípio ordenador geral, 
desafiando a ideia corrente de que a aquisição do conheci- 
mento se dá numa progressão linear, simbolizada pela ár- 
vore” (p.30). 
Não é fácil achar um termo que possa descrever esse pro- 
cesso tal qual ele se dá em Reggio Emilia. Alguns escritores 
de língua inglesa empregaram expressões, como “currículo 
emergente”, “currículo projetado” ou “currículo integra- 
do”, a fim de descrever de maneira geral como os professo- 
res de Reggio planejam e trabalham com crianças, colegas e 
pais. Esses termos, porém (como o leitor vai perceber), são 
inapropriados, originários de métodos e modos de trabalhar 
desenvolvidos e utilizados em outros lugares; seu emprego 
torna invisível a especificidade de Reggio. Assim, decidimos 
manter a palavra italiana progettazione. 
DiáLoGos com Reggio EMILIA 
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PRÓLOGO 
Em DiáLoGos com Reggio Emtria, escuto, investigo e aprendo, 
como está posto no título desta obra. Mas vou mais além: 
sonho e cultivo a ideia de escolas de educação infantil do 
Brasil e do mundo dotadas de princípios ético, estético e 
político, que reconheçam as crianças como agentes de mu- 
dança e transformação e que com elas, efetivamente, esta- 
beleçam relações de coNFIANÇA para a construção de uma 
AUTONOMIA criativa. 
Faço parte do International Network da Reggio Chil- 
dren, grupo mundial organizado com representantes e 
associações de mais de trinta países e presidido por Carla 
Rinaldi. Sou membro deste grupo como representante do 
Brasil na RedSOLARE — associação latino-americana em 
defesa da cultura da infância e de difusão das práticas edu- 
cativas das escolas municipais de Reggio Emilia. 
Como representante da RedSOLARE Brasil, tenho tido 
a oportunidade de ir à cidade de Reggio Emilia duas vezes 
ao ano, nos últimos cinco anos. Faz três anos que Carla me 
fez uma provocação e desde então vivo com esta ideia na 
cabeça e no coração: “A América Latina é a esperança do mun- 
do, vocês estão se organizando para responder a essa expectativa? 
Temos muito o que aprender com vocês.” 
Minhas reflexões referem-se, principalmente, ao proces- 
so gerativo, à contribuição da prática educativa de Reggio e 
 
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às experiências e reflexões que Carla Rinaldi oferece a nós, 
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educadores brasileiros, porque creio que essa é uma das 
questões mais importantes a ser compreendida, para irmos 
muito além do aparente, do modismo, da importação de 
modelos, do fazer sem refletir. 
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Neste livro, com capítulos escritos ao longo de três dé- 
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cadas, encontro muitas ideias, pistas e trilhas para atribuir 
sentido e participar da construção e reconstrução das traje- 
tórias de creches e pré-escolas de educação infantil no meu 
país, valorizando história, identidade, cultura e participação. 
Este é um convite à compreensão de que estamos no 
momento de agir e convocar todos os atores sociais que 
trabalham em espaços educativos para a defesa da infância 
através de um diálogo verdadeiro, transparente e transfor- 
mador, conscientes das nossas escolhas e de quanto temos 
que aprender com as crianças. É o contrário da indiferença, 
do conformismo e da negligência. 
Na obra, a autora narra seu percurso profissional em 
diferentes momentos da sua história e a experiência das 
escolas de Reggio Emilia como um projeto que, vivido e 
testemunhado com autenticidade e conhecimento de cau- 
sa, foi construído na coletividade, optando por reconhecer 
recursos e potencialidades sempre inéditos nas crianças du- 
 
À rante a primeira infância, por valorizar os educadores e a 
| 1 família como protagonistas, assim como a memória, o re- 
gistro, a documentação e a história como elementos de um 
patrimônio cultural das escolas. Como um projeto que op- 
| tou também destacar como as riquezas da espécie humana 
| transcendem as culturas individuais, o que exige responsa- 
bilidade e participação de todos. 
I6 | Carta RiNALDI 
iii ii 
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| 
REAL ain pi, hs 
As escolas são ambientes organizados que oferecem ao 
ser humano um espaço de vida. Como devem ser esses es- 
paços, são escolhas que devemos fazer. Carla defende que 
sejam lugares envolventes para crianças e adultos, acolhen- 
do-os numa rede de relações em um campo de possibili- 
dades criativas de expressão e de comunicações múltiplas. 
Aqui entra a tão bem-colocada ideia de escuta; uma escuta 
que prevê diálogo atento, cuidadoso e marcado pelo respei- 
to — uma comunicação que não está só conectada com a 
palavra, mas também com os olhos, o corpo, as mãos. 
Volto à provocação inicial que Carla me fez e questio- 
no: Como os educadores de Reggio podem aprender com 
as nossas experiências? Recordo Humberto Maturana, que 
afirmou: “Mesmo que de imediato não o percebamos, so- 
mos sempre influenciados e modificados pelo que experien- 
ciamos.” 
Vejo que, na ideia de complementaridade, encontramos 
as possibilidades de intervenção e colaboração. É com a 
nossa identidade e com o nosso próprio sentido de atuar 
em relações democráticas e respeitosas com o outro, com 
o mundo e com a natureza que expressamos nossas gran- 
des riquezas. É nossa vocação para a atitude positiva e agre- 
gadora, sobretudo pela realidade desafiadora e tão diversa 
que vivenciamos no Brasil, a pista colocada por Carla para 
trilharmos nosso caminho para uma educação infantil que 
faça a diferença. 
Vamos portanto construir laços entre espaços geográfi- 
cos do nosso país e do mundo e tempos históricos diferentes 
da nossa história e de muitas outras que nos projetem para 
um aqui e agora pleno e um futuro cheio de relações múlti- 
DiÁLoGos com Reggio EmiLia | 17 
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plas. para que sejamos capazes de perceber o valor da nossa 
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para que a educação infantil floresça, cre
sça, transfor. 
força. 
estimule a cultivar novos sonhos. me e nos 
Marilia Dourado 
Representante Nacional da REdSOLARE Brasil 
 
 
 
18 | Cas r RX E 
ARTS MINAI DI 
Digitalizado com CamScanner
Introdução 
Nossa REGGIO EMILIA 
O diálogo é fundamental. Trata-se de uma ideia de diálogo 
não como troca, mas como processo de transformação em 
que se perde totalmente a possibilidade de controlar o resul. 
tado final. E isso vai ao infinito, vai ao universo, é possível se 
perder. E, hoje, para os seres humanos, e para as mulheres 
em particular, se perder é uma possibilidade e um risco, sabe? 
Carla Rinaldi 
ESTE LIVRO TRATA DE UMA EXPERIÊNCIA extraordinária vista pe- 
los olhos de uma de suas intérpretes mais importantes. Car- 
la Rinaldi começou a trabalhar em Reggio em 1970, primei- 
ro como pedagoga, depois como diretora pedagógica dos 
serviços municipais para a primeira infância e, desde a sua 
aposentadoria, em 1999, atua como consultora da Reggio 
Children, organização criada pela municipalidade de Reg- 
gio Emilia para administrar a relação entre as escolas muni- 
cipais de Reggio e o resto do mundo. Nessas várias funções, 
Carla fez muitos discursos, deu inúmeras entrevistas e es- 
creveu diversos artigos, dos quais este livro apresenta uma 
seleção. Por intermédio deles, podemos acompanhar como 
” Desde 2007, Carla Rinaldi é presidente da Reggio Children. (N.E.) 
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20 ! 
a experiência de Reggio Emilia se desenvolveu ao longo de 
mais de quarenta anos, tanto em relação às perspectivas filo- 
sóficas e teóricas particulares quanto a respeito dos contex 
tos social, cultural e político mais amplos. 
O que é Reggio Emilia? É uma cidade no norte da 
Itália com uma população de aproximadamente 150 mil 
habitantes, uma comunidade próspera cuja longa histó- 
ria se tornou, nos últimos anos, etnicamente diversa ao 
criar uma “nova Reggio” (Piccinini, 2004). O psicólogo 
norte-americano Jerome Bruner, eminente visitante do 
ultramar que se tornou amigo íntimo e admirador da ci- 
dade, tendo recebido o título de cidadão honorário em 
1998, argumentou que não se pode compreender as es- 
colas municipais se não se compreender a cidade onde 
elas nasceram: Reggio Emilia, ele afirma, “não é nem 
arordoadamente grande nem sufocantemente pequena [é 
de um tamanho que] favorece a imaginação, a energia, o 
espirito de comunidade. (...) [Em] Reggio pode-se conhe- 
cer uma forma rara de cortesia, um modo precioso de 
respeito mútuo” (2004: 27). 
Reggio é também o conjunto de 33 escolas municipais 
para crianças com idades que vão de poucos meses de vida a 
seis anos, mantidas pela autoridade local, tanto diretamente 
quanto por meio de acordos com cooperativas. O mais im- 
portante, porém, talvez seja o fato de que Reggio represen- 
ta um corpo único de teoria e prática sobre o trabalho com 
crianças peguenas e suas famílias, surgido em contextos 
histórico, cultural e político bastante particulares. O objeto 
deste livro é formado por esse corpo de teoria e prática e 
seu contexto. 
Carris ResaiD 
Digitalizado com CamScanner
Como editores de uma série denominada Contesting 
Early Childhood (Debatendo a primeira infância, em tra- 
dução livre) e autores de um livro dessa série intitula- 
do Ethics and Politics in Early Childhood Education (Ética e 
política na educação da primeira infância, em tradução 
livre), consideramos a experiência das escolas municipais 
de Reggio Emilia, assim como a interpretação de Carla 
acerca dela, extremamente relevantes; pois, para nós, pa- 
rece que vivemos hoje numa fase da história em que as 
dimensões ética e política da educação, com seus deba- 
tes correlatos, têm sido constantemente negligenciadas. 
A ideia da educação para todas as crianças, inclusive =| 
bem pequenas, como experiência compartilhada numa 
sociedade democrática e de escolas como parte dessa so- 
ciedade, cujos cidadãos se responsabilizam por todas as 
suas crianças, tem cada vez mais sido substituída por ou- 
tra noção. A educação vem sendo tratada, mais e mais, 
como uma mercadoria individual e como metáfora para 
as mudanças que a escola tem passado, de espaço ou fó- 
rum público para negócio privado, uma atividade que 
compete no mercado para vender seus produtos — edu- 
cação e cuidado. Os pais se transformam em consumido- 
res autônomos calculistas, que fundamentam os cálculos 
individuais em conceitos administrativos, tais como bens 
em oferta, qualidade, excelência e resultados. A escola 
fica reduzida a um local de prática técnica, a ser avalia- 
da de acordo com sua capacidade de reproduzir conhe- 
cimento e identidade e de atingir critérios uniformes e 
consistentes. A escola é transformada numa tecnologia 
 
de normatização. 
DiáLocos com Regcio EMILIA | 21 
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É nesse contexto histórico que uma viagem à excepcio 
nal experência educacional e cultural das escolas munici. 
pais de Regrio Emiha se torna tão importante e urgente. 
Essas escolas não desprezam o conhecimento técnico, nem 
inoram aspectos de organização e estrutura. Mas os co- 
jocam em seus devidos lugares: como bases de apoio para 
um projeto educacional que compreende a escola, antes e 
acima de tudo, como espaço público e como local para a 
pratica ética e política — um lugar de encontro e conexão, 
mreração e diálogo entre cidadãos, sejam jovens ou velhos, 
gue vivem juntos na comunidade. Jamais esquecemos, diz 
| Carda sobre Reggio, que “por trás de cada solução e cada 
| organização, quer dizer, por trás de cada escola, existe uma 
: escolha de valores e ética”. 
no 
Para mós, Regeio Emilia é uma experiência que abar- 
ca. mas palavras do filósofo francês Gilles Deleuze, “uma 
crença no mundo” e promete esperança para uma cultura 
renovada sobre a mfância e sobre a recuperação da escola 
como espaço público de importância crucial nas sociedades 
democráricas No restante desta introdução, tentaremos 
exphcar as armações que temos feito de Reggio. Todavia, 
fazendo 18so, reconhecemos que estamos apresentando nos- 
sa Rego. nossa mterpretação dessa experiência única que 
resultou de duas décadas de acompanhamento dessa prát- 
ca, lendo, visitando e discutindo com professores e outros 
educadores. Sentimo-nos encorajados a fazer isso porque 
pensamos que Caria e seus colegas em Reggio diriam que 
mterpretar o mundo é inevitável (de fato, no capítulo final 
dese isvro, Caria observa que "a própria Reggio é uma mM 
terpretação de Reggio! 'p 348); e que novos conhecimentos 
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são criados quando se colocam interpretações em discussão 
c em contestação. 
À HISTÓRIA DE UM EXPERIMENTO PEDAGÓGICO 
A experiência pedagógica de Reggio Emília é uma história 
que vem perpassando mais de quarenta anos e que pode ser 
descrita como um experimento pedagógico em toda uma 
comunidade. Como tal, ela é única; até onde temos conheci- 
mento, jamais houve algo assim antes. A fim de colocar essa 
experiência em perspectiva, a única escola experimental de 
John Dewey, durou apenas quatro anos. O psicólogo norte- 
“americano Howard Gardner, ao refletir sobre a experiência 
de Reggio Emilia, definiu uma escala das realizações do local 
em relação à história da educação progressista nos Estados 
Unidos, onde, assim como na maioria dos países, os ideais da 
educação progressista raramente se concretizam na prática: 
 
Como educador norte-americano, não posso deixar de me sen- 
tir afetado por alguns paradoxos. Nos Estados Unidos, temos 
orgulho de nos focarmos nas crianças, mas mesmo assim não 
prestamos atenção suficiente àquilo que elas realmente expres- 
sam. Reivindicamos aprendizadocooperativo entre as crianças, 
mas raramente sustentamos qualquer tipo de cooperação entre 
educadores e administradores. Invocamos trabalhos artísticos, 
mas quase nunca criamos ambientes que possam realmente 
abraçá-los e inspirá-los. Apelamos ao envolvimento dos pais, 
mas abominamos repartir com eles a propriedade, a responsa- 
biidade e os créditos. Reconhecemos a necessidade da comu- 
nidade, mas com frequência nos cristalizamos rapidamente 
Drátogos com Reggio Emma | 23 
Digitalizado com CamScanner
 
b 
“ em interesses de grupos. Elogiamos o método das descober- 
tas. mas não temos confiança em deixar as crianças seguirem 
os próprios mstíntos. Convocamos o debate, mas sempre o 
Tecusarmos convidamos a ouvir, mas preferimos falar; somos 
afizentes, mas não salvaguardamos os recursos que possam 
Dos conservar assim e também permitir a afluência dos outros. 
Regpso é muito insrutiva nesses aspectos. Enquanto ficamos 
Exzm sem cansar para resolver muitas dessas questões que são 
Fundamentais — e fundamentalmente dificeis (Gardner, 1999 
Uma das ra razões do vigor e da longevidade de Reggio tem 
são z disposição para ultrapassar limites, decorrente de uma 
curiosidade múinita e do desejo de criar novas perspectivas. 
Os educadores de Reggio reuniram teorias e conceitos de di- 
VETSOS campos diferentes, não apenas da educação, mas tam- 
dém da flosofz da arquiserura, da ciência, da Hreratura e da 
Cormnicação visual Eles relacionaram seu trabalho a uma 
 
DE So Eaiê eee Dodi escreveu: 
/ É curiosa (embora não injustificada) a resistência da crença 
j de que ne sócias e práticas educacionais só podem se originar de 
* modelos oficiais ou teorias estabelecidas (...) No entanto. as 
t discussões sobre educação imclusive e de crianças pe- 
| | quenas) não podem ficar confinadas a essa literarura Essa faiz, 
Nm 
À tradução deste + de curros trechos citados no lxro é nossa. amda que apre- 
Sexos ns Aibhogrzõs as edições brasdeiras (N E 
Digitalizado com CamScanner 
 —d
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“a 
que também é polí tica, deve provocar, de modo contínuo, im- N 
portantes mudanças e transformações sociais na economia, 
nas ciências, nas artes e nas relações e hábitos humanos. To- 
Ç > r 
Ps AS das essas grandes forças influenciam a forma pela qual o 
res humanos — até mesmo as crianças pequenas — “teem 
e lidam com as realidades de suas vidas. É daí que emergem, 
tanto no plano geral quanto no plano local, novos métodos de 
conteúdo e prática educativa, assim como novos problemas e 
uestões mais profundas (Malaguzzi, 1999). 
Todavia, os educadores de Reggio não apenas trouxeram 
teorias e conceitos de vários lugares; na realidade, refleti- 
ram sobre eles e os experimentaram, criando os próprios 
significados e implicações para a prática pedagógica. 
Ao mesmo tempo, eles sempre foram críticos e questio- 
nadores. Por exemplo, um grande desejo de acompanhar 
as últimas realizações da ciência foi temperado pela análise 
crítica e pela forte crença de que a ciência sozinha não con- 
segue resolver aquilo que é normalmente questão de valor, 
como, por exemplo, o que consideramos uma vida boa para 
crianças e outros cidadãos de uma comunidade, ou como 
pensamos que são as crianças. Eles reconhecem que a ciên- 
cia oferece não somente possibilidades boas, mas também 
possibilidades de dominação e exploração. Como observou 
o biólogo chileno Humberto Maturana: 
O que a ciência e a formação para ser um cientista não nos 
oferecem é sabedoria. A ciência moderna surgiu numa cultu- 
ra que valoriza a apropriação e a riqueza, que trata o conhe- 
cimento como fonte de poder, que promove crescimento e 
y ALOG cos Regcso TT ALOGOS COS Goro Emilia 
Digitalizado com CamScanner 
 
 
 
25
 
controle, que respeita hierarquias e dominação, que glorifica 
as aparências e o sucesso, e que perdeu a visão da sabedoria 
e não sabe mais como cultivá-la. Nós, cientistas, em nossos 
esforços para fazer aquilo de que mais gostamos, a bem dizer, 
pesquisa científica, com frequência somos aprisionados pelas 
paixões, pelos desejos e objetivos de nossa cultura e pensamos 
que a expansão da ciência justifica tudo, ficando cegos dian- 
te da sabedoria e da forma de aprendê-la. A sabedoria viceja 
no respeito ao próximo, no reconhecimento de que o poder 
emerge na submissão e na perda da dignidade, na aceitação 
de que o amor é a emoção que constitui a coexistência social, 
a honestidade e a confiança, e no reconhecimento de que o 
mundo no qual vivemos é sempre, e inevitavelmente, nossa 
construção. Mas, se a ciência e o conhecimento científico não 
nos propiciam sabedoria, pelo menos não a negam (Matura- 
na, 1991: 50). 
A curiosidade, a abertura e a capacidade de ultrapassar li- 
mites deixaram Reggio, em diversas ocasiões, à frente do 
seu tempo. Teorias e filosofias que hoje começam a ser 
amplamente utilizadas em discussões sobre educação, mas 
que ainda não são muito visíveis e incorporadas nas práticas 
pedagógicas, chegaram a ser bastante visíveis e incorpora- 
das em Reggio durante algum tempo. Assim como outras 
práticas educativas radicais nos anos 1970, os educadores de 
Reggio se inspiraram no pensamento de Piaget, em espe- 
cial na importância por ele atribuída à epistemologia e na 
sua visão de que o objetivo do ensino é oferecer condições 
de aprendizado. Mas eles também compreenderam que os 
educadores, “com uma ganância simplória”, tinham muitas 
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/ 
26; Cana RinaLDI 
Digitalizado com CamScanner
vezes tentado extrair da psicologia de Piaget aspectos que 
ele não considerava de modo algum propícios à educação. 
Muito cedo, também, cedo, também, eles S compreenderam certa fra- 
mM 
ueza na teoria de Pi za na teoria de Piaget, inclusive a forma. pela qual seu 
construtivismo descontextualiza e isola a criança, coisa 
que muitos construtivistas hoje tentam remediar. Como 
consequência, os educadores de Reggio começaram a 
olhar de forma mais crítica para determinados aspectos da 
teoria de Piaget, inclusive 
a subestimação do papel do adulto na promoção do desen- 
volvimento cognitivo; a atenção marginal à interação social e 
à memória (em oposição à inferência); a distância entre pen- 
samento e linguagem; a linearidade de cada passo do desen- 
volvimento no construtivismo; o modo pelo qual os diversos 
tipos de desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral são trata- 
dos separadamente, com cursos separados; a ênfase exagerada 
nos estágios estruturados, no egocentrismo e nas habilidades 
classificatórias; a falta de reconhecimento das competências 
parciais; e a superutilização de paradigmas das ciências bioló- 
gicas e físicas (Malaguzzi, 1999). 
A transgressão da ideia descontextualizada de Piaget levou 
Reggio a, nos anos 1970, começar a experimentar aquilo 
que acabaria resultando na adoção de outra concepção: a 
de que o aprendizado das crianças se situa num contexto so- 
ciocultural e se dá por meio de tea ue que requerem 
a construção de um ambiente que “permita um movimento 
máximo, interdependência e interação” (ibid). Desse modo, 
vieram a adotar uma perspectiva social construtora, na qual 
 
l 
 
 
 
 
 
DiáLocos com Reggio EmiLia | 27 
Digitalizado com CamScanner
o conhecimento é visto como parte de um contexto dentro 
de um processo de produção de significados em encontros 
contínuos com os outros e com o mundo, e a criança € o 
educador são compreendidos como coconstrutores do co- 
nhecimento e da cultura. 
Tal perspectiva permitiu aos educadores de Reggio Emi- 
lia abrirem-se para preciosos insights sobre o psicólogo rus- 
so Lev Vygotsky. Desde então, essas percepções vêm sendo 
importantes para a prática, como, por exemplo, a relevância 
por ele atribuída à relação entre pensamento e linguagem, 
e o fato de a ação ser mediada por ferramentas culturais e 
por símbolos. As estratégias muito conscientes de Reggio 
de utilizar outras criançasno grupo como ferramentas 
pedagógicas no processo de coconstrução têm muito em 
comum com a ídeia de Vygotsky sobre a zona de desenvol- 
vimento próximo. 
Outra inspiração importante foi John Dewey, que via o 
aprendizado como um processo ativo e não uma transmis- 
são pré-moldada de conhecimento. Como ele argumen- 
tou, o conhecimento é construído nas crianças por meio 
das atividades, com experimentações pragmáticas e livres, 
/ € com participação nas atividades. Ele também superou os 
* dualismos entre conteúdo e método, processo e produto, 
| mente e corpo, ciência e arte, teoria e prática: “A huma- 
| q nídade gosta de pensar em opostos extremos. Ela é dada a 
| formular suas crenças em termos de Ou Isso, Ou Aquilo, 
| deixando de reconhecer as possibilidades intermediárias” 
Dewey, 1938: 17). 
De forma característica, os educadores de Reggio se ins- 
piraram em teorias e teóricos, mas não foram restringidos 
Digitalizado com CamScanner
por isso; mais do que reproduzir teses alheias, utilizaram- 
-nas para construir as próprias perspectivas. Malaguzzi, 
 
por exemplo, afirmou que no começo eles se apoiaram no 
trabalho de Maria Montessori, de modo a poder avançar: 
 
“Montessori: ela é a nossa mãe, mas, como todos os filhos, 
tivemos de nos tornar independentes da mãe.” O mesmo 
“ir além” foi verdadeiro, como acabamos de mencionar, na 
relação deles com Piaget. Se Vygotsky e outros pensadores 
semióticos enfatizaram a linguagem verbal e a oral, Reggio 
ampliou a ideia da linguagem para aquilo que chamou de 
“as cem linguagens das crianças”, às quais Carla se refere 
em seu livro como “a fantástica teoria” (p.340). O reconhe- 
cimento da multiplicidade da linguagem significou que eles 
o 
introduziram em suas escolas, como mediadores semióti- 
 
A 
tais e computadores. 
Outro exemplo que demonstra como Reggio estava à 
frente do seu tempo são suas ideias sobre o conhecimento. 
se Para compreender o pensamento e a prática de Reggio Emi- 
Jia, como, por exemplo, a noção de planejamento, temos de 
 
 
 
 
nos abrir para repensar a ideia mestra do conhecimento. Não 
somente devemos manter um permanente questionamento 
acerca da disciplinaridade, deixando sempre aberta a questão 
do que é uma disciplina e do que é a matéria da escola, como 
também devemos nos perguntar por que temos conceitualiza- 
do e organizado um conhecimento de determinada maneira. 
Em Reggio, eles questionaram e repensaram. Num dos 
seus discursos, Loris Malaguzzi falou da ideia do conheci- 
mento em Reggio como uma espécie de Feraranhado à) 
(Espaguete e”) Carla tem uma visão semelhante quando diz 
 
 
Diátocos com Reggio Ema | 29 
Digitalizado com CamScanner
que “o aprendizado não ocorre forma linear, determi. 
nada e determinista, em estágios progressivos e previsíveis: 
KO) pelo contrário. é construído por meio de avanços simultã- 
“neos, paralisações e recuos que tomam diversas direções” 
“(p.237. Dotados dessa concepção de conhecimento, pode- 
mos entender por que o projeto de trabalho em Regeio 
Emilia cresce em direções distintas sem nenhum princií- 
pio ordenador geral, desafiando a ideia corrente de que a 
aquisição do conhecimento se dá numa progressão linear, 
simbolizada pela árvore — muito diferente da metáfora do 
emaranhado de espaguete! O projeto educativo de Regeio 
pode ser visto como uma série de pequenas narrativas, que 
| são dificeis de combinar de modo aditivo e cumulativo. 
as e Isso, acreditamos, é semelhante a uma imagem do co- 
E nhecimento como umírizomaNEssa imagem foi desenvolvi. 
Es da pelos filósofos franceses Gilles Deleuze e Felix Guattari 
(2011; ver também Deleuze e Parnet, 1998) como Eme 
transgredir noções, como universalidade, padrões de per- 
| guntas e respostas, julgamentos simples, reconhecimento e 
-s ideias corretas. Num rizoma, não existe hierarquia de raiz, 
Ra tronco e galhos. Não é como uma escada, em que é preciso 
pisar no primeiro degrau para subir nos outros — semelhan- 
te à metáfora da árvore do conhecimento, que permanece 
tão proeminente na educação. 
 
 
 
 
 
 
Para Deleuze e Guattari, e cremos que para Reggio tam- 
( bém, pensamento e conceitos podem ser vistos como con- 
sequência da provocação de um encontro com a diferença. 
Eles enxergam o rizoma como algo que brota em todas as 
direções, sem começo nem fim, mas sempre no meio e se 
abrindo para outros destinos e lugares. É uma multiplicidade 
30 :( sARLA R: Wa D 
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pe 
pe 
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Digitalizado com CamScanner
que funciona por meio de conexão e heterogeneidade, uma 
multiplicidade que não é dada, mas construída. O pensa- | 
mento, assim, é uma questão de experimentação e proble- / 
matização — uma linha de voo e uma exploração do porvir, o 
que ecoa na observação de Carla de que “o processo de vir] 
a ser”, que é a base da verdadeira educação” (p.150). 
Podemos apresentar um exemplo pessoal de como o 
trabalho pedagógico dos educadores de Reggio e seu amor 
pela experimentação colocaram essa pequena cidade e suas 
escolas municipais na vanguarda de um novo pensamento 
e prática. No final dos anos 1990, junto com nosso colega 
canadense Alan Pence, escrevemos um livro sobre a pri- 
meira infância, no qual trabalhamos com uma perspectiva 
filosófica que poderíamos denominar pós-moderna. No en-” 
tanto, quanto mais trabalhávamos nessa perspectiva, mais 
compreendíamos que diversas facetas do pensamento e da 
prática pedagógicos de Reggio também poderiam ser deno- 
minadas de/pós-modernas) e o foram por um bom tempo, 
como, por exemplo: 
 
Optar pela abordagem socioconstrucionista; desafiar e des- 
construir os discursos dominantes; compreender o poder 1. 
desses discursos na moldagem e na condução de nossos pen- 
- Samentos e ações (...); rejeitar o estabelecimento de regras, 
metas, métodos e padrões, e, ao fazer isso, correr o risco da 
incerteza e da complexidade; ter a coragem de pensar por si 
mesmo na construção de novos discursos e, ao fazer isso, atre- 
ver-se a optar por compreender a criança como uma criança 
rica, com infinitas capacidades, uma criança nascida com cem | 
linguagens; construir um novo projeto pedagógico, pondo 3 
 
DiáLoGos com Reggio Emitta ay 
Digitalizado com CamScanner
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É. em primeiro plano as relações e os encontros, o diálogo e a 
negociação, a reflexão e o pensamento crítico; ultrapassar os 
limites das disciplinas e perspectivas, substituir posições de 
ou isso ou aquilo por abertura com e/também; e entender 
a natureza dinâmica e contextualizada da prática pedagóei- 
ca, que problematiza a ideia de um “programa” transferível 
(Dahlberg et al., 1999: 122). 
ESPERANÇA DE RENOVAÇÃO DA POLÍTICA RADICAL 
Para nós, Reggio Emilia não apenas revela as potencialida- 
des das crianças, mas também sugere algumas direções para 
a renovação da prática democrática e da política radical num 
mundo pós-comunista. A origem dos serviços para a primei 
ra infância em Reggio repousa numa longa tradição de vida 
coletiva em comunidades coesas, que produz normas de rec 
procidade e confiança, e redes de engajamento civil, que Put- 
nam (1993) chamou de “capital social”. Nesse solo fértil, solo fértil, cres 
ceu e ceu e floresceu ur uma vigorosa política de esquerda. Como é esquerda. Como diz 
Carlana na entrevista ue fin e nossas X que finaliza este livro, “As raizes de nos” 
ideias se encontram nos ideiais socialistas que tomaram con 
ta de nossa região da Itá a no final do século XIX e início 
do XX” (p.318). Com base em origens políticas semelhante 
também surgiram outras experiências locais inovadoras, Pº 
norte e no centro da Itália, no campo da educação da pr | 
meira infância, sendo Reggio, como Carla prontamente e 
conhece, “um dos muitos lugares que expressam a vitalidade | 
a riqueza e a qualidade da pesquisa pedagógica italiana fin 
os corajosos investimentos das municipalidades nos serY apara a primeira infância” (p.187), Mesmo assim, como Car? 
 
 
a 
Digitalizado com CamScanner 
 
 
sugere, apesar da intensa troca e do compartilhamento, dife- 
renças importantes surgiram entre as inúmeras experiências 
locais, produzindo identidades distintas. 
 
As políticas de esquerda, porém, não foram os únicos 
ingredientes, Reggio também simboliza a história de uma 
mulher, o produto da participação ativa de uma mulher na 
luta pela melhoria não somente de seus direitos, mas dos 
direitos das crianças; e a história da determinação em im- 
pedir o ressurgimento do fascismo e do desejo de quebrar 
(9) 
LT 
R 
“o monopólio da Igreja Católica na educação das crianças 
pequenas, Em seguida, Reggio exibiu rápida disposição 
para estabelecer uma nova forma de colaboração com a 
Igreja e para criticar a educação secular. Malaguzzi (1999) 
foi contundente a respeito das escolas públicas, “apegadas 
a sua indiferença burra e intolerável em relação às crian- 
ças, a sua atenção obsequiosa e oportunista em relação às 
autoridades, e a sua esperteza interesseira, a empurrar co: 
nhecimentos pré-moldados”. Em vez disso, ele e seus cole- 
gas desejavam reconhecer o direito de cada criança de ser 
protagonista e elevar a curiosidade espontânea das crian- 
ças ao nível mais alto; além de criar u amigável 
onde crianças, famílias e educadores se sentissem à vonta- 
de — “dar um significado humano, digno e civil à existên- 
cia” (ibid). 
E a - 
A contribuição de Reggio para a renovação da política 
radical se dá de duas maneiras. Primeiro, moldam-se no- 
vas relações de interdependência entre individualidade e 
coletividade, diferença e solidariedade. Todos nós somos 
diferentes, todos indivíduos: porém, cada individualidade, 
igualmente importante, e mesmo vital, “para o futuro da 
 
 
 
 
Diátogos com Regcio Emíuia | 33 
Digitalizado com CamScanner
própria humanidade: o relacionamento do indivíduo Ep 
outras pessoas, entre o Eu e o Outro” (p.250). Em Reggio, 
o indivíduo jamais pode assumir a aparência liberal de su- 
Jeito autônomo e só adquire subjetividade completa — pela 
construção como sujeito único e não passível de duplicação 
— na sua relação com os outros: “E posso descobrir essa 
individualidade porque você existe. Obrigada! E porque so- 
mos interdependentes” (p.333). Pela importância que atri- 
bui às relações, Reggio nos leva a escolher “entre sociedades 
orientadas para a competição entre os indivíduos e socieda- 
des baseadas na construção do indivíduo com os outros, do 
indivíduo que busca os outros. (...) [Uma] escolha política e 
econômica que pode influenciar todo o sistema educacional 
e também o sistema social” (p.251). 
Segundo, eles desafiaram a racionalidade calculista do 
neoliberalismo e a necessidade de renovação dos serviços 
públicos baseada em práticas administrativas, na operação 
de mercados e na racionalidade dos investimentos. Eles 
perceberam que tal “pensamento econômico” entrava em 
conflito com valores que lhes são preciosos, em especial o 
diálogo e as relações de cooperação — e não de competição 
—, não apenas entre indivíduos, mas entre escolas muni. 
cipais que funcionam como uma rede. Eles acreditam na 
importância da escolha nos serviços públicos, mas escolha 
como decisão política e ética, feita na relação com os ou- 
tros, e não apenas como decisão tomada por consumidores 
individuais. 
 
34 
Digitalizado com CamScanner
to cujo tema central não é a humanidade, mas suas relações 
com o mundo, seu estar no mundo, seu sentimento de inter- 
dependência com aquilo que está fora dela mesma. Assim, à 
pedagogia implica escolhas, e escolher (...) representa ter a co 
ragem das próprias dúvidas, incertezas, quer dizer participar 
de alguma coisa pela qual se assume responsabilidade (p.304). 
, À primeira elis fundamental dessas escolhas está ligada à [HH / 
End gs , . x e > nn 
resposta da questa qual é a nossa imagem da criança: 
sobre a qual falaremos mais adiante. 
Os serviços para a primeira infância em Reggio Emi- 
lia insistem na importância de enxergar os serviços públi- 
cos como responsabilidade coletiva, e nos oferecem uma 
compreensão da escola como, antes e acima de tudo, u 
espaço público e um local para a práticalética Eae 
a . me me E 
— um lugar de encontro, interação e conexao entre ci- 
TO e 
dadãos de uma comunidade, um lugar em que as rela- 
ções combinam um imenso respeito pela alteridade, pela 
 
diferença, com profundo senso de responsabilidade em 
relação ao outro, um lugar de intensa interdependência. 
Em seu trabalho, os educadores de Reggio lutaram para 
expandir o potencial emancipador da democracia, dando 
a cada criança a possibilidade de agir como cidadão ativo 
e a oportunidade de ter uma vida boa numa comunidade 
democrática. 
Desse modo, a política radical se integra por completo 
com a política democrática. A( participação) das crianças Pele. 
dos pais, dos ed da comunidade mais amp 
 
 
 
oral hara a experiência educativa: essa 
participação não representa uma forma mais efetiva de 
e aanei a 
 
Diátogos com Reggio EmiLia [35 
vga emages ss ms 
| ' RR AM 
Digitalizado com CamScanner
controle, por intermédio da “educação dos pais”, para que 
cles adotem ia determina l erspectiva Ghia, mas é “a 
participação ativa, direta e explíci o) 
projeto educativo” (p.60) e a construção de significado — 
uma ideia extraída da repetição contínua que Carla faz da 
palavra “protagonista”, para descrever todos os participan- 
tes do projeto de Reggio. Por meio da participação, as esco- 
Jas municipais têm propiciado novos locais para a política 
 
 
 
democrática, ao mesmo tempo que expandem o escopo da 
política para novas áreas. 
be ) A abordagem socioconstrucionista significa que Reggio 
totiih hi Emilia tem se engajado náquilo que poderia ser chamado 
“ Am uma política de epistem les contestaram a ideia 
os moderna do conhecimento como representação objeti- 
E d va do mundo real, em benefício do conhecimento como 
Rd “uma interpretação da realidade que está em constante 
evolução” (p.227) e que é socialmente construída por cada 
um de nós na relação com os outros. Para Carla e seus co- 
| legas, 
ta, 
o aprendizado não acontece por transmissão ou reprodução. é É um processo de construção, no qual cada indivíduo constrói 
Wim as | Para si mesmo as razões, os “porquês”, os significados das coi- 
k as | sas, dos outros, da natureza, dos acontecimentos, da realidade 
9 j e da vida. O processo de aprendizado é certamente individual, 
pp * mas, como as razões, as explicações, as interpretações e os 
a(o , | significados dos outros nos são indispensáveis para construir- 
k | mos nosso conhecimento, é também um processo de relações 
| | — um processo de construção social, Portanto, consideramos 
[9 conhecimento um processo de construção realizado pelo 
36: Camisa Rynaibi 
Digitalizado com CamScanner
 
indivíduo na relação com os outros, um verdadeiro ato de co 
construção (p.226). 
p Isso também significou que eles problematizaram a ideia 
de objetivos predeterminados, abrindo-se para a explora- | 
ção de formas alternativas e marginalizadas de pensar e 4 
atribuir significação ao mundo, nas quais a/subjetividade| a 
jofespanto(e afabertura às dúvidas Sãolvalores im-) 
(portantes.)Em nossa opinião, aqui têm especial relevância 
as ideias cibernéticas de Bateson acerca dos sistemas autor- 
regulados num processo de contínua mudança recíproca 
(Bateson, 1972); a visão de Dewey de que o aprendizado é 
um processo ativo e não uma transmissão de conhecimen- 
to pré-moldado; e os pensamentos dos biólogos chilenos 
Maturana e Varela (2001) sobre o “linguagear”. 
Assim como os fenomenologistas e outros, Maturana 
e Varela questionam a objetividade. Eles sugerem que nos 
relacionamos com o mundo como se pudéssemos ser obje- 
tivos, mas, ao mesmo tempo, percebemos queljamais serfmos objetivos) O que o observador faz com a linguagem, 
como ser humano que explica a sua experiência, não pode 
se referir a nada considerado independente daquilo que o 
observador faz. Você é sempre parte do contexto, um par- 
ticipante do sistema que está observando e interpretando; 6) 
o mundo no qual vivemos é sempre nossa construção — 
inevitavelmente, Nós somos constituídos pela linguagem, e 
isso quer dizer que(não podemos viver fora da linguagem:) ] atitido VISEI JOIA Ga ADguaseii 
 
 
 
 
 
 
“Nossa vida acontece, nossa experiência acontece, os mun- 
 
dos em que vivemos acontecem à medida que os levamos 
adiante em nossas explanações” (Maturana, 1991: 49), Uma 
j 
DiáLocos com Reggio EMiLIA | 37 
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Digitalizado com CamScanner
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El 
 
mudança é proposta: da linguagem como algo abstrato, um 
nome, para a linguagem como um ato, um verbo. A cons- 
trução da linguagem leva adiante um mundo criado com 
os outros no ato de coexistência, que faz surgir aquilo que 
é humano; e todos os atos humanos possuem um caráter 
ético, porque são atos de constituição do mundo humano; 
“noção de ética tem a ver com a nossa preocupação a res- 
peito das consequências de nossas ações na vida de outros 
seres humanos que aceitamos em coexistência conosco” 
(ibid.: 43). 
O constante questionamento de Reggio provocou uma 
0) olítica de educação e aprendizado. A adoção de uma “pe- 
 
 
L 
É 
4 
(adi 
ks 
Tue 
3 
dagogia da escuta”, mencionada com bastante frequên- 
cia por Carla e discutida mais adiante, contesta uma ideia 
cada vez mais abrangente da educação como transmissão 
e reprodução; enquanto o processo de documentação pe- 
dagógica, que também aparece bastante no trabalho de 
Carla e que será debatido a seguir, propicia meios para a 
participação democrática na discussão e na avaliação da 
prática pedagógica. 
Por meio da política de educação e aprendizado de Reg- 
gio, o significado da escola passa a demandar uma atenção 
dE Sri j 
a Jo democrática. Como argumenta Carla, a escola é um lugar wa 
de transmissão e de criação de cultura e valores. É o lugar que 
reconhece as crianças como cidadãs. É um lugar de possi- 
bilidades, onde o conhecimento e a identidade são cocons- 
truídos e os processos de aprendizado são investigados, 
sempre em relação com os outros — um fórum, um local 
de encontro, um espaço de construção, uma oficina e um 
laboratório permanente são apenas algumas das metáforas 
38 | CagLA RINALDI 
 
Digitalizado com CamScanner
 
infância ve usa 
usadas por Carla. E é também o lugar que é, ao mesmo 
tempo, uma comunidade em si mesma e parte integrante 
de uma comunidade maior: segundo Bruner, uma escola de 
Reggio “é um tipo especial de lugar, no qual jovens seres | 
humanos são convidados a expandir mentes, sensibilidades | 
e sensos de pertencimento a uma comunidade mais ampla 
(...) é uma comunidade de aprendizado, onde mente e sen- 
| 
sibilidade são compartilhadas. É um lugar de aprendizado 
| 
comum sobre o mundo real e sobre os mundos possíveis 
da 
A 
 
imaginação” (1998). 
Por fim, porém não menos importante, uma 
política da 9 
m sendo estimulada pela simples, porém vigoro
- 
sa, questão à à nos referimos e que alguns con
side- 
ram a/marca registrada He Reggio; Jqual a sua ima
gem da « 
criança? Para eles, a infância é uma construção
 carregada de 
valor, à qual prestaram atenção de forma séria, de modo 
a 
abrir novas possibilidades. Qu, como disse Carla, “afnfância) 
não existe, nós à criamos na sociedade, como tema públi- 
co. Trata-se de uma construção social, política e histórica”. 
Isso nos faz pensar no trabalho de Michel Foucault sobre 
como conhecimento e poder se entrelaçam nos discursos 
dominantes, um legitimando o outro — e sobre como, em 
Reggio, essa relação é reconhecida, confrontada e descons- 
truída (ver Dahlberg et al., 1999, para uma discussão mais 
avançada). 
Em Reggio, a resposta para essa questão é a da “criança (x > j A 
tica”, uma imagem baseada na compreensão de que todas | is 
o crianças são inteligentes, o que quer dizer que todas as Uvinfa 
crianças atribuem significado ao mundo, num processo | 1 
constante de construção de conhecimento, identidade e va- 
 
 
 
DiáLoGos com Reggio EmtLia | 39 
 Digitalizado com CamScanner
Jores. Seguindo essa construção social, luta-se para mostras 
as potencialidades de cada criança e para dar a cada uma 
delas o direito democrático de ser escutada e de ser reco. 
| nhecida como cidadã na comunidade. Essa foi uma men. 
| sagem muito forte, uma provocação, posto que as crianças 
o | pequenas e suas vidas não costumam figurar sempre no 
| discurso público; e quando o fazem, são prontamente des. 
valorizadas e marginalizadas como as “pobres”, “frágeis” 
 
| 
| ou “inocentes” crianças, das quais se fala em termos de 
| uma situação de deficit, imaturidade, fragilidade ou impo- 
| tência. 
A sistir na ideia de que todas as crianças são competentes e 
, “-. nas para perseverar num acordo melhor para as crianças, 
mas também para olhá-las de uma perspectiva diferente, 
reelaborar a problématique e redefinir as questões críticas. 
As políticas de infância de Reggio desafiaram nossos discur- 
sos dominantes e nossas concepções consagradas acerca da 
criança, por exemplo, as categorias da psicologia desenvol- 
[ vimentista que dominaram nossa ideia daquilo que a crian- 
ça é, pode e deve ser, substituindo a política por supostas 
verdades científicas. 
A experiência de Reggio surgiu daquilo que poderia ser 
chamado de política tradicional, isto é, as escolas munid- 
pais e seu trabalho pedagógico foram criados e mantidos 
por uma autoridade local, eleita pelos cidadãos adultos de 
Reggio; é um exemplo de como essa política ainda pode 
ter um papel relevante a desempenhar em uma experimen- 
tação inovadora. Os anos finais do século XX, no entanto, 
40 | Capia RINALD! 
EE SS Se entr e oem mc 
Digitalizado com CamScanner
 
testemunharam a expansão de outros típos de formas políti- 
cas, que Melucci (1989) designou de novos movimentos so- 
ciais na arena pública, Exemplos bem conhecidos incluem o 
movimento pela paz, o movimento das mulheres, o movi- 
mento ambientalista e o movimento contrário ao neolibe- 
ralismo global. 
Essas manifestações se abrem para a ampliação da demo- 
cracia nos tempos pós-modernos — apelando para o engaja- 
mento, a ação coletiva e a proliferação de espaços públicos ou 
fóruns; em síntese, uma nova cultura política. Tais movimen- 
tos, que quase sempre ultrapassam as fronteiras dos Estados 
nacionais, têm contribuído para fazer avançar novos temas 
políticos na agenda de discussões e têm desafiado formas es- 
tabelecidas de ação política e organização. Eles questionam 
o significado de conceitos, como política e democracia, nos 
tempos atuais. Por essa perspectiva, Reggio pode ser conside- 
rada como um movimento social pela infância, e suas escolas, 
novos espaços públicos para a prática democrática. 
ESCOLAS COMO ESPAÇOS DE PRÁTICA ÉTICA 
Como já sugerimos, Reggio reafirma a Éscolay antes € aci- 
ma de tudo, 
consideramos a política, mas onde entra a ética aqui? Em 
parte, na alta prioridade concedida aos valores. Em Reggio, Y Lyus 
tais como amizade, solidariedade, respeito pelas diferenças, 
“Todavia, para entender o lugar da ética em Reggio, tam: Ah tp 
bém devemos perguntar:|qual ética? Para nós, a pedagogia d 
DiáLoGos com Regio EMiLia | 41 
 
 
 
Digitalizado com CamScanner 
P
a
i
,
 
> 
BAGS
fla escuta de Reggio oferece uma indicação importante da 
resposta a essa pergunta. No nosso primeiro livro da série 
(Dahlberg e Moss, 2005), argumentamos que o escutar ativo 
das teorias das crianças e de suas claborações de significados 
se inscreve em uma abordagem ética particular:o conceito 
de Emmanuel Levinas da(ética como um encontro) Levinas 
argumenta que existe uma forte tradição filosófica no Oci- 
dente que concede primazia ao saber. Por meio desse desejo 
) de saber, agarramos o outro e o mimetizamos. Um exem- 
plo disso são os conceitos e classificações, tais como os está- 
gios de desenvolvimento, que nos dão, como educadores e 
pesquisadores, possibilidades de desfrutar e “compreender 
a criança. Aprisionadas pelo desejo de saber, a alteridade de- 
saparece e a singularidade e a novidade são excluídas, sendo 
| substituídas pelo “totalitarismo do mesmo”. A ética do en- 
 
 
contro se opõe a esse aprisionamento por meio do respeito 
pela absoluta alteridade do Outro. 
A escuta também conecta Reggio à poderosa visão éti- 
ca que Bill Readings esquematizou no seu livro final — The 
University of Ruins —, sobre como as universidades e outras 
instituições para educação e aprendizado têm a possibilidade 
de se transformar em “lugares de obrigação” e “espaços de 
práticas éticas”, em vez dos “locais para transmissão do co 
nhecimento científico”. Pois, como ele argumenta, 
ção 2 condição da prática pedagógica é “uma infinita aten 
0 ao outro” (...) e a educação é a elaboração da alteridade 
Z x 
. . a 20 
pensamento. (...) [E] Ouvir o Pensamento (...) Fazer justiç 
fica tentar 
Ê Pensamento, escutar nossos interlocutores, signi ; e fazé 
ouvir aquilo que não pode ser dito, mas que tenta S 
Digitalizado com CamScanner
 
ouvir. (...) É pensar um ao lado do outro e juntos, para ex- 
plorar uma rede aberta de obrigação que guarda a questão 
do significado aberta como um locus de debate (Readings, 
1996: 161, 162, 165; grifo no original). 
Uma “pedagogia da escuta” — escuta do pensamento — 
exemplifica para nós uma ética de um encontro edificado 
sobre a receptividade e a hospitalidade ao Outro — uma 
abertura para a diferença do Outro, para a vinda do Outro. 
Ela envolve uma relação ética de abertura ao Outro, tentan- 
do escutar o Outro em sua própria posição e experiência, 
sem tratar o Outro como igual. As implicações para a edu- 
cação são revolucionárias. 
O trabalho com a ética de um encontro na pedagogia 
da escuta requer que o educador pense no Outro como 
alguém que ele não pode aprisionar, e que desafia todo 
o cenário da pedagogia. Pois a pedagogia do escutar re- 
presenta ouvir o pensamento — ideias e teorias, questões 
e respostas de crianças e adultos; significa tratar o pen- 
samento de forma séria e respeitosa; significa esforçar-se 
para extrair sentido daquilo que é dito, sem noções pre- 
concebidas sobre o que é certo e apropriado. A pedagogia 
da escuta trata o saber como algo construído, em pers- 
pectiva e provisório, e não a transmissão de um corpo de 
conhecimentos que transforma o Outro num igual. Para 
cada questão, é preciso abrir-se para a Alteridade — rece- 
ber abertamente o estranho, o que significa uma afirma- 
ção, um sim, sim, sim ao Outro, o estranho. Ou mesmo 
mais que isso, uma afirmação da Alteridade da existência 
(Derrida, 2004). 
DiáLocos com Regio EMILtA | 43 
 
Digitalizado com CamScanner
. | 
Na pedagogia da escuta, as escolas municipais de Reg- 
gio têm buscado as aspirações de seus fundadores, cuja ex- 
periência no fascismo “ensinou-lhes que as pessoas que se 
conformaram e obedeceram eram perigosas, e que para a 
construção de uma nova sociedade era imperativo salva- 
guardar e transmitir essa lição, assim como preservar a vi- 
são de que as crianças podem pensar e agir por si próprias” 
(Dahlberg et al., 1999: 12). Desse modo, ética e política ca- 
minham juntas numa abordagem da educação que rejeita os 
vínculos regulatórios das classificações desenvolvimentistas 
e a educação como transmissão e resultados normativos, e 
que enfatiza a importância da alteridade e da diferença, da 
conexão e das relações. 
O PODER DA DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA 
À prática da documentação pedagógica percorre todo o 
trabalho de Reggio Emilia, como será visto nos capítulos 
seguintes. Dito de maneira mais simplificada, a documen- 
tação pedagógica é um processo que torna o trabalho pe- 
dagógico (ou outro) visível e passível de interpretação, diá- 
logo. confronto (argumentação) e compreensão. Incorporz 
o valor da subjetividade, do fato de que não existe ponto 
de vista objetivo capaz de fazer com que uma observação 
seja neutra, mas, ao mesmo tempo, insiste na necessidad: 
de uma rigorosa subjetividade, tornando as perspectivas é 
interpretações explícitas e contestáveis, por meio da docu- 
mentação da relação com Os outros, sejam crianças, pais 
educadores ou outros cidadãos: a documentação estimu': 
o conflito de ideias e a argumentação, não uma cômoc: 
Digitalizado com CamScanner
busca de consenso; é uma forma de capturar as subjetivi- 
dades que interagem dentro de um grupo. A valorização da 
subjetividade também significa que o sujeito deve assumir 
responsabilidades pelo próprio ponto de vista; não há como 
se esconder atrás de uma presumida objetividade científica 
ou de critérios propostos por especialistas. 
De acordo com Carla, a documentação pedagógica é 
um instrumento para vários fins. Visualiza os processos de 
aprendizado das crianças, a busca pelo sentido das coisas € 
as formas de construir o conhecimento. Permite a conexão 
entre teoria e prática, no trabalho do dia a dia. É um meio 
para o desenvolvimento profissional do educador, ao qual 
Reggio atribui grande importância, em especial pelo fato de 
o professor ser entendido e tratado tanto como pesquisador 
quanto como aprendiz. Promove a ideia de que a escola é 
um lugar de prática política democrática, que permite aos 
cidadãos, jovens e velhos, se envolver e debater assuntos 
relevantes: infância, cuidado, educação, conhecimento, e 
assim por diante. É uma maneira de abrir um espaço pú- 
blico ou fórum numa sociedade civil, no qual os discursos 
dominantes e a forma pela qual construímos nós mesmos 
como sujeitos — como nos conduzimos — por meio desses 
discursos podem ser percebidos e problematizados. 
É ainda um método de aferir e avaliar, “um “anticorpo” 
extremamente poderoso contra a proliferação de ferramen- 
tas de aferição e avaliação cada vez mais anônimas, descon- 
textualizadas e só aparentemente objetivas e democráticas” 
(p.119). A estipulação de escalas e ferramentas normativas 
semelhantes que servem para avaliar, com base num con- 
junto de critérios tidos como estáveis, uniformes e ob- 
DráLoGos com ReGGio EmiLia | 45 
 
Tiro apr Es Fa Revel 
Cr e ludinda VR od mta pe, tu " aa 
Digitalizado com CamScanner
jetivos, é uma “linguagem de avaliação” (a linguagem da 
“qualidade e excelência”). A documentação pedagógica re- 
presenta outra linguagem (aquilo que chamamos, em outro 
texto, de linguagem da “atribuição de significado” [Dahl 
berg et al., 19997): nela, presume-se que devemos assumir 
responsabilidade pelos julgamentos que fazemos, com base 
no confronto com a prática atual, esforçando-nos para in- 
terpretar e atribuir sentido ao que vemos, e relacionando 
tudo isso aos valores que consideramos importantes — e 
sempre na relação com os outros, no diálogo com nossos 
companheiros cidadãos, como parte daquele coletivo que 
assumiu responsabilidade por essa prática, como parte de 
um verdadeiro ato de democracia. 
ALTERIDADE, DISSENSO E PROVOCAÇÃO 
Podemos resumir nossa discussão precedente dizendo 
que a importância de Reggio, para nós, reside em sua di- 
ferença, sua alteridade, sua distinção. Isso não quer dizer 
que seja desconectada ou autônoma, pois, como vimos, O 
pensamento e a prática de Reggio desenvolveram-se sem- 
pre em relação com o mundo mais amplo, coconstruindo 
seu conhecimento, sua identidade e seus valores com mui 
tas disciplinas, lugares e pessoas. Todavia, o resultado des 
sa coconstrução tem algo de particular, uma singularidade 
ativa, Poderíamos ir além e dizer queReggio é uma ilha de 
dissenso, uma provocação ao discurso cada vez mais dom 
nante e opressivo acerca da primeira infância, em particu- 
lar, e da educação em geral, discurso amplamente expresso 
em língua inglesa e altamente instrumental, que enxerga as 
46 | Carta RINALDI! 
Digitalizado com CamScanner 
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escolas como locais onde se exerce con 
ças, por meio da aplicação de tecn 
duzir resultados predeterminados 
trole sobre as crian- 
ologias destinadas a pro- 
€ normativos. Ao fazer 
escrito por Nikolas Rose como a “introdução de uma atitude crítica em relação às 
dO de que existe e deve existir uma distin- 
do e 
. 
. 
a aquele que Pratica e aquele que teoriza. Além 
Mais, pel ; 
cadores 
ainda outra distinção, 
DiáLogos com ReGcio Ema | 47 
Digitalizado com CamScanner
 
 
 
 
entre o profissional na sala e o pesquisador na univers. 
dade. Segundo seus argumentos, a pesquisa pode c dev 
acontecer tanto na sala, realizada pelos educadores, quan: 
to na universidade, pelos “acadêmicos”: “Nesse sentido, a 
palavra pesquisa sai — ou melhor, exige que saia — dos 
laboratórios científicos, deixando de ser privilégio de pou. 
cos (nas universidades e em outros locais designados) para 
se tornar a postura, a atitude com a qual os educadores se 
acercam do senso e abordam o sentido e o significado da 
vida” (p.265). 
Nesse ponto, Reggio rejeita o pensamento dualista — 
mas também em todas as demais questões. Por exemplo, 
as velhas discussões sobre a importância ou não de se dar 
mais atenção ao processo ou ao resultado tornam-se sem 
sentido no discurso de Reggio. É possível dividir a vida des- 
sa maneira? Não estaríamos sempre no meio, sempre em 
transformação? Como podemos diferenciar sem fazer um: 
fragmentação artificial da vida? 
Antes de terminar esta seção, queremos fazer mais duas 
provocações que têm especial significação para nós e que 
aparecem de modo particular em nosso diálogo com Carla 
no final deste livro. Primeiro, dúvida, incerteza e sentimen 
tos de crise são vistos como recursos e qualidades para s: 
valorizar e se oferecer, condições para abrir-se e escutar « 
requisitos para a criação de novos pensamentos e perspecu 
vas. O outro lado dessa moeda é ser “contra toda pedagog 
cujo objetivo é, de certa forma, predizer o resultado, que : 
um tipo de prognóstico que predetermina o resultado e s: 
torna uma espécie de prisão para a criança, para o educ: 
dor e para o ser humano” (p.322). Nada poderia estar ma» 
sms é Tera + ru IoBEILA FRUIMNALIA 
Digitalizado com CamScanner
distante de grande parte da atual pesquisa e política sobre 
a primeira infância, que luta em alcançar a segurança por 
meio da busca e da aplicação de te cnologias, que por sua vez asseguram resultados predefinidos e excluem a possibi- lidade de se surpreender e se perturbar. 
Segundo, há o reconhe 
ção de Reggio requer um 
certa quantidade de temp 
pelo tempo”, mas també 
cimento de que a ideia de educa- 
certo tempo, e não apenas uma 
o, de modo a não ser “governado 
m uma concepção de tempo que não é “o tempo de produção”. Pesquisadores PoOsitivistas talvez tentem definir quanto tempo as criancas devem pas- Sar EM instituições para imeira ij 
de se ge- 
Digitalizado com CamScanner
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[7 
B
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acompanhada pelos conferencistas da cidade: nesse mo: 
mento, já ultrapassou cem exibições em mais de vinte paí. 
ses. Existem “redes de Reggio” em treze países, incluindo 
Austrália, Estados Unidos, Coreia, Reino Unido, Alemanha, 
Holanda e os cinco países nórdicos. Por que tanto interesse? 
Como podemos entender esse exemplo de “glocalização” 
-— uma experiência local com apelo global? O que dizer do 
futuro? 
Esse apelo, ao menos em parte, vem da alteridade de 
Reggio e da provocação que ela faz. Acreditamos que o in- 
teresse mundial por Reggio reflete uma reação ao discurso 
cada vez mais dominante sobre a educação na primeira in- 
fância, ao qual já nos referimos. Esse discurso está repleto 
de valores neoliberais altamente instrumentais e calculistas, 
e também hipóteses e práticas administrativas. É um discur- 
so que trata Os serviços para a primeira infância como es- 
paços para aplicação de “tecnologias humanas” destinadas 
a produzir resultados predefinidos e normativos, a fim de 
melhor controlar as crianças para que sirvam como agentes 
redentores, que nos salvarão das incertezas e desigualdades 
do mundo — uma solução técnica que nos impedirá de con- 
frontar os problemas políticos e éticos que estão arruinando 
nosso mundo €e os povos. 
Regeio fala para aqueles que anseiam por alguma coisa 
diferente disso, por outro pertencimento. Ela dá conforto 
e esperança ao ser diferente, mostrando a possibilidade de 
valores distintos, relações distintas e modos distintos de vi 
ver. Por exemplo, aqueles que visitam Reggio Emilia geral 
mente voltam para casa com um forte sentimento de que 
as crianças, os pais e os políticos são realmente participan 
Digitalizado com CamScanner
tes da escola, de que Reggio tem conseguido envolvê-los e 
criado interesse e engajamento participativo. A documen- 
tação pedagógica tem sido uma ferramenta e um media- 
dor fantásticos na criação desse interesse. Em Reggio, eles 
conseguiram tornar as escolas infantis importantes em um 
contexto democrático, algo que se contrapõe à apatia e ao 
desinteresse, que costumam ser as consequências da sensa- 
ção de não ser ouvido nem levado a sério — “Não importa 
o que eu faço. As questões importantes são sempre decidi- 
das pelos outros.” 
Reggio proporciona um senso de pertencimento a pes- 
soas que anseiam por outros valores, outras relações e ou- 
tros modos de vida. Além disso, ainda que em pequena 
escala, desgasta a confiança do discurso dominante, seu 
pensamento crítico faz titubear, nesse discurso, a narrativa 
arrogante sobre necessidade e verdade absoluta. Ao fazer 
isso, nos dá algo muito precioso e bastante escasso hoje em 
dia: esperança. 
Para muitos, o futuro parece inimaginável, catastró- 
fico ou apenas deprimente. Não existem pensamentos e 
energias utópicos para nos guiar, para nos dar algo pelo 
qual batalhar, e para nos propiciar realizações ocasionais. 
Sem uma ideia do futuro que não seja nem uma continua- 
ção do presente nem uma catástrofe, a política se reduz a 
meros argumentos sobre a melhor forma de administrar 
o status quo. O pensamento utópico, ao contrário, provoca 
e estimula a crítica radical daquilo que existe e pode dar 
uma direção às mudanças futuras, por meio da explora- 
ção da imaginação de novas possibilidades humanas que 
nos ajudem a reinventar o futuro. Isso desconstrói o pre- 
Diárocos com REGGIO EmILIA | sr 
 
Digitalizado com CamScanner
 
 
 
sente e reconstrói o futuro. E faz uma provocação à poli. 
tica e à ética. por meio do ato de pensar diferentemente 
possibilitando, assim, a construção de novos horizontes 
de possibilidades e novas direções para as mudanças que 
virão. 
No entanto, o pensamento utópico não é suficiente parz 
propiciar uma transformação radical. São necessários espa- 
ços que permitam ao pensamento acontecer e à vontaé Ge 
agir, espaços onde exista abertura à experimentação. pes 
quisa e reflexão contínua, crítica e argumentação — e àul 
trapassagem das fronteiras. Desse modo. o pensamento € z 
ação utópicos podem estar em constante relação e sujeitos — mm. 
à revisão, à luz da experiência, do aprendizado e do diálo a 070 
Mas esses espaços não precisam existir em grande escala 
pci ser Eis 
no pensamento e na ação utópicos, por meio de um pro iii jãVU 
cesso que pode ser chamado de “um projeto cultural 
de infância”. O que aconteceu, porém, foi que esse pro 
jeto local se dispersou geograficamente e se transformosz ' 
- - 
“ muma rede giobal — ele construiu uma “nova geogrzê =- -=- | 
culmral”. segundo Carla Essa rede é uma abermraem & 
ção à possibilidade de explorar novas formas de capzo 
dade humana. 
Em nosso diálogo no final deste livro, Carla prefere fiz 
de Reggio mais como um sonho do que como uma utops mat mm mo a q 
+“ - 
“poís z tz mopiz é algo mm ito bom, m as perft 1tO, € OS son&es 
” - - 
são possíveis rmuma noíte” aaa . Isso é uma adveriênc: 
BREICxIVES € incontestável, com todos os riscos de quer 
Digitalizado com CamScanner
 
“solução final”. Para nós, é necessária uma relação perma- 
nente entre pensamento e ação utópicos. o que mantém a 
utopia “em seu eixo”, sujeita à revisão à luz da experiência, 
do aprendizado e do diálogo — a utopia como sonho pro- 
visório, talvez. 
Reggio não é um modelo, um programa, uma “boa prá- 
tica” ou um marco de referência (menos ainda se “Reggio é 
uma interpretação de Reggio”). As escolas municipais e seu 
trabalho apresentam um contexto particular, uma história 
particular e escolhas políticas e éticas particulares. A rela- 
cão de Reggio com os outros, portanto, não é comercial, de 
exportação de um produto. Ela é, como sublinhamos, uma 
relação de esperança, uma utopia ou um sonho, ou ambos. 
Ela propicia um sentimento de pertencimento e é um forte 
estímulo para aqueles que procuram valores diferentes, su- 
gerindo modos de pensar para aqueles que se encontram à 
sua volta. 
Reggio, no entanto, nas palavras de Carla, é “um lugar 
ge encontro e diálogo, e não apenas com Reggio, mas com 
muitos protagonistas relacionados. Reggio, assim, abre es- 
paço para que as pessoas dialoguem, oferece uma desculpa 
para isso” (p.347). Por intermédio desse dialogismo, per- 
míte que as pessoas entrem no processo de aprendizado, 
um processo de coconstrução do próprio conhecimento, 
dos próprios valores e da própria identidade; um processo 
que tem relação com Reggio, mas no qual é possível, para 
os prot Fagoniaças, aqueles que dialogam com Reggio, reter 
a suz “alteridade” sem que este tente aprisioná-los e trans- 
forrná-los num ígual; acima de tudo, um processo, como 
nos lembra a citação que abre este capítulo, que promete 
DIÁLoGos com Proc EMILIA 
Digitalizado com CamScanner 
5 
pa 
pires
 
 
 
 
transformação e o risco (ou a possibilidade) de se perder. 
sem o controle sobre a direção em que as coisas vão. 
A questão para nós, sobre a qual Carla fala em diversas 
passagens, como, por exemplo, ao discutir sobre currículo, 
é se algumas dessas pessoas que entram em diálogo com 
Reggio podem. sem querer, tentar aprisionar essa experién. 
cia. Sem trabalhar com a ética do encontro, sem escutar 
clas podem acabar negando a alteridade de Reggio. E, em 
vez disso. podem fazer com que se torne algo que estão ha. 
brruados a conhecer, aplicando sobre essa experiência sin- 
gular os próprios conceitos e sistemas de conhecimento e 
de valores — “ah, sim, é exatamente o que fazemos, só que 
um pouquinho melhor”. “qual é a evidência de seus resulta. 
dos?”, “que tipo de currículo vocês usam?”. 
Hoje, existe uma consciência crescente a respeito da ne- 
cessidade de se manter e aumentar a biodiversidade. diante 
das tendências globais que ameaçam nosso meio ambiente 
material numa escala sem precedentes. No mesmo senti. 
do, necessitamos da diversidade sociocultural como valor é 
como escape do interesse próprio, a fim de garantir nosso 
futuro. Reggio é um exemplo importante dessa diversidade. 
e precisa de proteção frente tanto aos seus inimigos — os 
advogados da racionalidade neoliberal e da prática adm 
nístrativa — quanto aos seus amigos, que podem sufocé-lo 
de amor. Nós também temos necessidade de mais Repggros 
não no sentido de meras duplicações, mas de outras comu 
nidades que se preparem para embarcar em projetos cultu 
rais locais para a infância, a fim de combinar pensamento é 
ação utópicos, de sonhar com o futuro, de esperar por um 
mundo melhor. 
= E ea a 
(-APIA MImaL Em 
Digitalizado com CamScanner
O QUE VEM A SEGUIR? 
O restante do livro dá voz a Carla Rinaldi. Ela fez uma sele- 
ção de suas apresentações ao longo dos últimos vinte anos 
— alguns textos, mas, na maior parte dos casos, discursos. 
Há também três entrevistas, a terceira das quais ao final do 
livro foi feita por nós dois, e Carla insistiu (de acordo com 
sua perspectiva) em chamá-la de diálogo. Algumas apre- 
sentações já tinham sido publicadas em inglês, mas não a 
maioria. 
Fazer uma seleção de seu trabalho passado, diz Carla, foi 
compensador, mas também difícil, algumas vezes: “porque 
é complicado para mim reler o que escrevi sem modificá- 
Jo, tenho sempre uma sensação de insatisfação e incom- 
pletude” (comunicação pessoal). Para nós, como editores, 
porém, parece importante mostrar esses documentos sem 
alterações, como traços do passado, pois eles permitem 
compreender o pensamento de Carla durante um período 
de tempo, tanto sobre as mudanças de ênfase quanto sobre 
as continuidades de temas e valores. Ela também escreveu, 
especialmente para este livro, introduções que oferecem ao 
leitor percepções sobre o contexto particular de cada artigo, 
discurso ou entrevista. 
O leitor deve sempre se lembrar de que a voz de Carla 
é italiana. Uma parte do trabalho que segue foi apresenta- 
da originalmente por ela em inglês. Nas duas formas, Car- 
la está trabalhando e pensando por intermédio da língua 
italiana, Em alguns casos, isso representa problemas parti- 
culares para a tradução, posto que algumas palavras e ter- 
mos não se transpõem facilmente de um idioma para outro. 
DiátoGos com Reggio EMILIA | 55 
Digitalizado com CamScanner
Mas a linguagem e a cultura estão intimamente conectadas 
e diferentes culturas possuem diferentes modos de pensar 
sobre o mundo e de conceituá-lo. Talvez o leitor devesse se 
preparar para, em algumas ocasiões, lutar com o desconhe- 
cido e resistir rapidamente à tentação de equipará-lo ao que 
é familiar. 
Diálogos com Reggio Emilia é o título do livro, e diálogo é 
uma relação e um valor que percorre, como o fio de Ariad- 
ne, todos Os textos que se seguem, e também o trabalho 
pedagógico das escolas municipais de Reggio. Esperamos 
que este livro possa inspirar, no futuro, um diálogo ainda 
mais amplo e profundo com Reggio. Um diálogo que per- 
mita abrir um processo de transformação rumo a uma nova 
paisagem social, cultural e política, na qual possamos en- 
contrar novas possibilidades para a infância e a paternidade, 
para a educação e as escolas, para as famílias e as comunida- 
 
des — e, como diz Carla, isso é tanto um risco quanto uma 
/ possibilidade. 
; Gunilla Dahlberg e Peter Moss 
56 | Carma RiNALDI 
Digitalizado com CamScanner 
 
1 
FICAR DO LADO DAS CRIANÇAS 
À SABEDORIA DOS EDUCADORES (1984) 
ESTE TEXTO FOI ESCRITO PARA A conferência nacional do Grup- 
po Nazionale Nidi, ocorrida em Veneza, em 1984. Para uma 
melhor compreensão das razões desta fala e da que se se- 
gue, em especial dos temas tratados, tais como relaciona- 
mentos, comunicação e participação, é necessário levar em 
consideração alguns elementos contextuais. 
Naquele ano, completaram-se doze anos da aprovação 
da Lei nacional 1.044, que promovia o financiamento e a 
construção dos nidi por toda a Itália, para crianças entre três 
meses e três anos. De acordo com essa lei, 2.500 nidi deve- 
riam ser construídos em todo o país, nos primeiros cinco 
anos. No entanto, em 1984, apenas algumas centenas de 
centros tinham sido erguidas e quase todas se situavam nas 
áreas norte e central da Itália. 
Assim sendo, a lei não havia sido aplicada e mais e mais 
obstáculos vinham sendo criados pelo governo, especial- 
mente de cunho econômico. Somente algumas municipali- 
dades continuavam investindo dinheiro de fontes próprias 
para fazer frente à falta de investimentos do Estado, e essas 
municipalidades estavam particularmente conscientes da 
importância dos nidi, por causa de sua orientação políti- 
ca; a maioria delas ficava nas regiões de

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