Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Biofísica Aplicada à Biomedicina Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Dr.ª Carolina Garrido Zinn Revisão Textual: Prof. Me. Luciano Vieira Francisco Biofísica das Células aos Sistemas • Bioeletricidade; • Biofísica das Trocas de Calor Corporal; • Ondas: Princípios da Audição e Visão; • Biofísica do Sistema Cardiovascular: Noções de Eletrocardiograma, Hemodinâmica e Pressão Arterial. • Estudar os aspectos físicos e químicos relacionados a diferentes fenômenos biológicos; • Conhecer os conceitos de biofísica, o seu lado prático e a sua utilidade no dia a dia do profi ssional da Saúde. OBJETIVOS DE APRENDIZADO Biofísica das Células aos Sistemas Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam- bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Biofísica das Células aos Sistemas Bioeletricidade Membrana Celular A célula é a unidade estrutural e funcional fundamental dos seres vivos, sejam eles mais simples como os organismos procariontes, desprovidos de núcleo, como as bactérias, ou mais complexos como os organismos eucariontes, que têm seu ma- terial genético separado por uma membrana nuclear, como as plantas, animais e os seres humanos. Apesar desta diferença entre as células procariontes e eucarion- tes, ambas têm em comum uma característica: a presença de membrana celular. A membrana celular é composta por uma bicamada lipídica e proteínas ali ancora- das (Figura 1). Esta é a estrutura que delimita a célula e garante a compartimentali- zação dos fluidos intracelular e extracelular (DE ROBERTIS; HIB, 2000). O componente lipídico da membrana plasmática é constituído por fosfolipídios – ligados a um radical fosfato –, glicolipídios – ligados a um resíduo de carboidra- to – e colesterol – presente somente em células eucariontes –. Observe estas três estruturas na Figura 1. Uma vez que os lipídeos são moléculas anfipáticas, ou seja, têm uma parte que possui afinidade com a água – hidrofílica – e outra que não tem afinidade nenhuma com a água – hidrofóbica –, organizam-se de forma que a cabeça polar, solúvel em água, se dissolve na fase aquosa, enquanto que as caudas de ácidos graxos, hidrofóbicas, ficam voltadas umas para as outras. Essa orientação gera a bicamada lipídica, que separa os Líquidos Intracelular (LIC) e Extracelular (LEC). Desta forma, os lipídeos da membrana celular são responsáveis pela baixa permeabilidade a substâncias solúveis em água como íons, glicose e aminoácidos, e pela alta permeabilidade da membrana a substâncias lipossolúveis, como o oxi- gênio, dióxido de carbono, ácidos graxos e hormônios esteroides (COSTANZO; MOREIRA; ESBÉRARD, 2007; RODRIGUES DE OLIVEIRA, 2002). A bicamada lipídica apresenta proteínas espalhadas em sua superfície. Estas proteínas podem estar ancoradas ou inseridas fortemente na membrana através de interações hidrofóbicas, atravessando-a desde o citoplasma da célula até o líquido extracelular, caracterizando as proteínas integrais. Tais proteínas atuam como transportadores, canais para íons – iônicos – e para água – aquaporinas –, enzimas, receptores para hormônios ou antígenos de superfície. Já as proteínas periféricas não estão inseridas na membrana celular, são apenas frouxamente fixadas à mem- brana, do lado intra ou extracelular, através de interações eletrostáticas. Este tipo de proteína atua, geralmente, em conjunto com outras proteínas como parte do esque- leto celular (COSTANZO; MOREIRA; ESBÉRARD, 2007; SGUAZZARDI, 2017). 8 9 (Proteína de transporte) Proteína globular Colesterol Glicolípido Proteína extrínseca Proteína transmembranar (Proteína globular) Proteína extrínseca Proteína em hélice alfa (Proteína transmembranar)Filamentos decitoesqueleto Caudas hidrofóbicas Fosfolípido Bicamada fosfolipídica Cabeças hidrofílicasGlícidoFluido extracelular Citoplasma Glicoproteína Canal proteico Figura 1 – Composição da membrana celular Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons Transporte Transmembrana Para nos mantermos vivos é necessário que as células troquem substâncias, como nutrientes, metabólitos, íons, hormônios, água etc. Como é realizado o trans- porte através da membrana, uma vez que sabemos que ela é seletivamente perme- ável, ou seja, algumas moléculas podem atravessá-la e outras não, de acordo com as suas propriedades químicas? A composição de lipídeos e proteínas de uma membrana determinam quais moléculas podem ser transportadas para dentro ou para fora da célula, o que varia de acordo com o tipo celular. O tamanho da substância e a sua solubilidade em lipídeos também influenciam seu transporte pela membrana. Moléculas muito pe- quenas e aquelas solúveis em lipídeos podem se movimentar diretamente através da bicamada de fosfolipídeos. Contudo, substâncias maiores ou menos solúveis não são capazes de atravessar a membrana celular, e para isso necessitam de uma mo- lécula facilitadora deste transporte, como uma proteína. O oxigênio, o dióxido de carbono e os lipídeos ultrapassam facilmente a membrana celular, enquanto íons, moléculas polares ou grandes, como as proteínas, têm dificuldade para atravessar a membrana, logo utilizam transportadores específicos (SILVERTHORN, 2017). O transporte de matéria através da membrana pode ser classificado em trans- porte ativo e transporte passivo, de acordo com o movimento a favor ou não do gradiente de concentração, respectivamente (Figura 2). 9 UNIDADE Biofísica das Células aos Sistemas Fora da célula Dentro da célula Dentro da célula Fora da célula Transporte Ativo ENERGIA Transporte Passivo Figura 2 – Transporte passivo e ativo Fonte: Adaptado de Getty Images No transporte passivo ocorre o transporte de moléculas do meio extracelu- lar para o meio intracelular, sem necessidade de gasto de energia, pois este acontece do meio mais concentrado para o meio menos concentrado, ou seja, a favor do gradiente de concentração. No transporte passivo, as molé- culas são transportadas do meio menos concentrado para o mais concentra- do, contra o gradiente de concentração, logo é necessário um transportador e gasto de energia para que ocorra o fluxo das moléculas. Gradiente de concentração: indica a alteração no valor da concentração de determinada subs- tância em duas unidades de espaço. Por exemplo,um gradiente de concentração, ou gradiente eletroquímico, ocorre quando a concentração de partículas é maior no espaço extracelular do que no interior da célula, ou vice-versa. No processo de osmose, os íons se difundirão na direção do menor gradiente de concentração, logo, os íons se movimentarão das áreas de maior con- centração para áreas de menor concentração, até que ambas tenham a mesma concentração. Ex pl or Assista ao vídeo intitulado ‘Gradientes de concentração, membranas e transporte, Biologia’, da Khan Academy, disponível em: https://youtu.be/Dyc9JVtvFJs Ex pl or Transporte Passivo Transporte passivo é aquele em as moléculas se movimentam a favor do seu gradiente de concentração, ou seja, do meio mais concentrado para o menos concentrado, sem necessidade de gasto de energia. O transporte passivo ocorre por difusão simples ou facilitada. Difusão Simples A difusão é o movimento aleatório de moléculas de um local para o outro, deslo- cando-se a favor do seu gradiente de concentração, até atingir concentrações iguais em ambos os locais. A Figura 3 ilustra esse tipo de transporte. Alguns materiais 10 11 podem deslocar-se abaixo do seu gradiente de concentração por difusão simples através da dupla camada lipídica. Moléculas pequenas, sem carga elétrica, como O2, CO2, NH3, NO, H2O, esteroides e agentes lipofílicos, podem entrar ou sair das células por difusão simples. O fluxo desses compostos através da membrana celular depende do tamanho molecular, do gradiente de concentração e da solubili- dade lipídica da substância a ser transportada, bem como da composição e espes- sura da bicamada lipídica (LANDOWNE; COSTA RODRIGUES; VOEUX, 2000; SGUAZZARDI, 2017; SILVERTHORN, 2017). Figura 3 – Difusão simples Fonte: Wikimedia Commons O meio extracelular (a) está separado do meio intracelular (b) pela bicamada lipídica (2) que é permeável ao soluto (1), composto por pequenas moléculas não carregadas eletricamente. A solução do meio extracelular (a) contém, inicialmente, maior concentração de soluto 1, contudo, com o passar do tempo (t), ocorre difusão do soluto 1 pela bicamada lipídica, a favor do seu gradiente de concentração, até que ambas as soluções (a) e (b) tenham a mesma quantidade de soluto. Difusão Facilitada É similar à difusão simples, uma vez que ocorre a favor do gradiente de con- centração e, consequentemente, não necessita de gasto de energia metabólica, contudo, necessita de uma proteína integral carreadora (Figura 4), pois transporta moléculas lipofóbicas ou eletricamente carregadas, que não conseguem atraves- sar a bicamada lipídica por difusão simples. A difusão facilitada ocorre através de proteínas carreadoras que se ligam a uma molécula de um lado da membrana e a transporta para o outro lado mediante uma mudança conformacional. Existem duas classes de proteínas carreadoras de membrana: transportadores e canais (Figura 5). Essas proteínas diferem na forma como selecionam os solutos a serem transportados, transportando uns, mas não outros. Os transportadores transferem apenas as moléculas ou íons que se encaixam nos sítios de ligação es- pecíficos na proteína. Funcionam como se fossem uma fechadura: se a molécula se encaixa perfeitamente na fechadura, como uma chave, ela é transportada. Logo, moléculas que não se encaixam em determinada proteína não são transportadas, o que confere seletividade às proteínas transportadoras. 11 UNIDADE Biofísica das Células aos Sistemas Os canais, por sua vez são como poros que se estendem de um lado ao ou- tro da membrana, e selecionam os solutos com base no tamanho da molécula e na sua carga elétrica. Quando um canal está aberto, qualquer íon ou molécula que seja suficientemente pequeno e carregue a carga apropriada pode atravessar. Os canais possuem portões que bloqueiam a passagem de substâncias, quando necessário. Os canais abertos (Figura 5) passam a maior parte do tempo com o seu portão aberto, permitindo que as moléculas se movimentem de um lado a outro da membrana, sem regulação. As aquaporinas (Figura 5), que transportam água, são exemplos deste tipo de canal. Existem ainda canais com portão controlado quimicamente (Figura 5), nos quais o portão é controlado por moléculas mensa- geiras intracelulares ou por ligantes extracelulares que se ligam ao canal proteico. Os canais com portão dependente de voltagem (Figura 5) abrem e fecham quan- do o estado elétrico da célula muda. Por fim, os canais com portão controlado mecanicamente respondem a forças físicas, como um aumento de temperatu- ra ou pressão que aplica tensão na membrana e faz o portão do canal se abrir (LANDOWNE; COSTA RODRIGUES; VOEUX, 2000; SGUAZZARDI, 2017; SILVERTHORN, 2017). Espaço Intracelular Espaço Extracelular Proteína Transportadora Canal Proteico Membrana celular Figura 4 – Difusão facilitada Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons O transporte de soluto ocorre do meio mais concentrado para o menos con- centrado, sem gasto de energia metabólica, mas com o auxílio de proteínas carreadoras, que podem ser canais ou transportadoras. 12 13 Importante! Que na Diabetes Mellitus (DM), o principal distúrbio endócrino do mundo, é resultado da falha no transporte de glicose? Para que a glicose consiga entrar na célula, depende da ligação da insulina, um hormônio produzido pelo pâncreas, em um receptor específico na superfície celular. Uma vez ligada a este receptor, a insulina promove a produção de uma proteína transportadora de glicose, a Glut, que atravessa então a membrana, liga-se à glicose e a transporta para dentro a célula a fim de ser metabolizada. Na diabetes mellitus de tipo 1, ocorre a secreção insuficiente de insulina e, consequentemente, bloqueio no sistema de absorção de glicose. Na diabetes mellitus de tipo 2, a produção de insulina é normal, porém ocorre um defeito no receptor da insulina, causando uma resistência à insulina. Apesar dos níveis normais ou aumentados de insulina, a sua ação está comprometida, assim como o transporte de glicose da corrente sanguínea para o meio intracelular (RODRIGUES DE OLIVEIRA, 2002; SILVERTHORN, 2017). Você Sabia? Canal iônico controlado por ligante Canal iônico controlado por voltagem Canal iônico sempre aberto Aquaporina Antiportas Symporter Neurotransmissor Na+ Na+ K + Figura 5 – Tipos de proteínas transportadoras de membrana Fonte: Adaptado de Getty Images 13 UNIDADE Biofísica das Células aos Sistemas Transporte Ativo Transporte ativo é aquele em que as moléculas se movimentam contra o seu gradiente de concentração, ou seja, do meio menos concentrado para o mais con- centrado. Para tanto, é necessário gasto de energia. Muitos processos fisiológicos dependem do transporte ativo de substâncias, como a geração do impulso elétrico nos neurônios, a regulação da contração muscular e a regulação do equilíbrio hídrico pelos rins (COSTANZO; MOREIRA; ESBÉRARD, 2007; SGUAZZARDI, 2017). Transporte Ativo Primário Ocorre contra um gradiente eletroquímico, e requer aporte direto de energia metabólica sob a forma de trifosfato de adenosina (ATP) sendo, portanto, ativo e é mediado por uma proteína carreadora. A bomba de Na+/K+/ATPase é um exemplo de transporte ativo primário, no qual os 3 íons de Na+ são transportados do LIC para o LEC e 2 íons de K+ do LEC para o LIC, todos contra o seu gradiente de concentração, mediante a quebra de uma molécula de ATP (Figura 6). A bomba Na+/K+/ATPase garante os níveis intracelulares fisiológicos baixos de Na+ e altos de K+ (COSTANZO; MOREIRA; ESBÉRARD, 2007; RODRIGUES DE OLIVEIRA, 2002; SGUAZZARDI, 2017). Figura 6 – Transporte ativo primário e a bomba Na+/K+ Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons Transporte Ativo Secundário Ocorre o transporte de dois ou mais solutos simultaneamente. Quando as moléculas cotransportadas se movimentam na mesma direção pela membrana, denomina-se cotransporte ou simporte. O deslocamento de 2 ou mais solutos em direções opostas é denominado contratransporteou antiporte (Figura 5). 14 15 Utiliza a diferença de concentração de uma substância movimentada por transporte ativo primário como, por exemplo, a bomba Na+/K+, que facilita o cotransporte de Cl– para o líquido extracelular, juntamente com o Na+, nas alças de Henle, nos rins, a fim de manter o equilíbrio entre íons e solutos no plasma sanguíneo. Osmose A osmose é o fluxo de água através de uma membrana semipermeável, a partir de uma solução com baixa concentração de solutos impermeáveis para uma solu- ção com alta concentração destes solutos. A diferença de concentração entre os dois lados da membrana estabelece uma diferença de pressão osmótica, que faz com que a água flua para o meio mais concentrado. Desta forma, o volume da solução mais concentrada aumenta, enquanto que o volume da solução menos con- centrada diminui, a fim de igualar as concentrações de solutos em ambos os lados da membrana, como pode ser visto na Figura 7. O transporte de água através das membranas tem um papel importante na fisiologia, uma vez que altera o volume das células. A pressão osmótica é a medida indireta da concentração de um soluto em uma solução e é a força impulsora para o fluxo osmótico de água. Logo, se a pressão osmótica de uma solução aumenta, o fluxo de água aumentará a favor do seu gradiente de concentração (COSTANZO; MOREIRA; ESBÉRARD, 2007; RODRIGUES DE OLIVEIRA, 2002; SILVERTHORN, 2017; SGUAZZARDI, 2017). Osmose Membrana semipermeável Molécula de sal Molécula de água Figura 7 – Osmose Fonte: Adaptado de Getty Images Processo em que a água se movimenta através da membrana de forma a igualar a concentração de duas soluções separadas por uma membrana semipermeável. 15 UNIDADE Biofísica das Células aos Sistemas Potenciais de Ação e de Repouso A bioeletricidade é o estudo dos fenômenos elétricos que ocorrem nas células. As células funcionam como pilhas elétricas. Podemos comparar as células às pilhas elétricas, pois existe uma Diferença de Potencial Elétrico (DPE) entre os meios in- tracelulares e extracelulares. Esta diferença de potencial pode ser modulada pelo estabelecimento de correntes elétricas através da membrana celular. A DPE é neces- sária para diversas funções celulares, tais como o processamento de informações pelos neurônios, que recebem um estímulo do ambiente, por exemplo, ao visualizar uma cobra, processam essas informações e mandam uma resposta para que os músculos das pernas se contraiam a fim de executar o movimento de corrida e para que o músculo cardíaco se contraia mais rapidamente, aumentando o suprimento sanguíneo da musculatura esquelética (MOURÃO JÚNIOR; ABRAMOV, 2017). Mas como ocorre a corrente elétrica ao longo das células? A membrana separa duas soluções com composições iônicas bem diferentes. A solução do meio extrace- lular possui uma concentração relativamente alta de Na+ e Cl– e uma concentração modesta de K+, enquanto a solução do meio intracelular possui alta concentração de K e baixa de Na+ e Cl–, conforme pode ser visto na Tabela 1. O meio intracelular possui também alta concentração de outros ânions (A−), em função dos grupos fosfatos de proteínas e de ácidos nucleicos, além de aminoácidos negativamente carregados nas proteínas. Desta forma, existe um gradiente de concentração in- terno para Na+ e Cl–, bem como um gradiente de concentração externo para o K+. Tabela 1 – Concentração de íons no meio intracelular e extracelular Íon Concentração extracelular Concentração intracelular Eíon Cátions Na+ 145 mM 12 mM +65 mV K+ 4,5 mM 155 mM -95 mV Ca2+ 2,5 mM 100nM +132 mV Ânions Cl- 132 mM 4 mM -90 mV HCO3- 22 mM 8 mM -26 mV A- ~0 mM 155 mM ------- Quando em repouso, o interior da célula é mais negativo do que o seu exterior, pois a concentração de íons do citoplasma é diferente do meio extracelular, caracte- rizando o potencial de repouso (Figura 8). É o controle da permeabilidade iônica que regula o potencial de membrana, logo, pequenos movimentos dos íons – es- pecialmente do K+ – entre os líquidos intra e extracelular que mudam o potencial de membrana, levando ao potencial de ação (MOURÃO JÚNIOR; ABRAMOV, 2017; LANDOWNE; COSTA RODRIGUES; VOEUX, 2000). O potencial de ação ocorre de forma contínua, porém didaticamente é dividido em quatro fases (Figura 8): 16 17 • Repouso: o potencial de membrana se encontra inalterado, com valor de –90mV; • Despolarização: após um estímulo local a membrana torna-se permeável a cargas positivas presentes no LEC. Logo, o Na+ entra na célula através de transporte passivo facilitado, invertendo a carga no LIC, despolarizando a cé- lula e tornando seu potencial interno em +45 mV; • Repolarização: os canais de Na+ começam a fechar e os canais de K+ se abrem, expulsando uma grande quantidade de K+ para o LEC, o que faz com que o potencial de membrana retorne ao seu valor de repouso –90 mV; • Ação da bomba Na+/K+: a bomba de Na+ e K+ age para restaurar as concen- trações iniciais destes íons nos meios intra e extracelular. Potencial de ação na membrana celular: http://bit.ly/2GtFQL0 Ex pl or Para melhor compreender o potencial de ação, assista aos seguintes vídeos: • Potencial de ação – animação –, disponível em: https://youtu.be/GAU4r0XleRU • Sistema nervoso: potencial de ação, impulso nervoso, despolarização, repolarização, refratário, disponível em: https://youtu.be/s8_nSoO4CJA Ex pl or A propagação do potencial de ação ocorre em função da diferença de potencial entre as áreas vizinhas, que causa a despolarização de outras partes da membrana, provocando o fluxo da corrente. Os potenciais de ação garantem a propagação do impulso nervoso ao longo dos neurônios e a contração do músculo esquelético, cardíaco e liso (RODRIGUES DE OLIVEIRA, 2002). Importante! Que a anestesia local resulta em bloqueio da transmissão do impulso nervoso, responsável pela sensibilidade em alguma parte do corpo? Os anestésicos locais são drogas que agem bloqueando os canais de Na+, inibindo o aumen- to da permeabilidade a esses íons, além de reduzir a permeabilidade da membrana em repouso aos íons K+. Você Sabia? Biofísica das Trocas de Calor Corporal A principal fonte de energia da maioria dos organismos vivos é a partir de ali- mentos ingeridos. Ao nos alimentarmos, os alimentos são digeridos e modificados quimicamente. As moléculas dos alimentos são incorporadas ao organismo e so- frem reações de oxidação dentro das células, de forma a gerar ATP, que, quando necessário, será utilizado como energia. Cada tipo de alimento irá liberar certa 17 UNIDADE Biofísica das Células aos Sistemas quantidade de energia, de acordo com a sua composição – carboidratos, lipídeos ou proteínas (RODAS DURAN, 2003). Durante qualquer atividade que desempenhamos, existe troca de energia. Mes- mo quando estamos em repouso, existe consumo de energia, uma vez que o corpo mantém as funções necessárias para nos manter vivos. O metabolismo basal é a quantidade de calorias ou energia mínima necessária para manter as funções vitais, durante o repouso, como o funcionamento dos órgãos e a manutenção da tempe- ratura corporal ideal (RODAS DURAN, 2003). O ser humano, assim como todos os mamíferos, é endotérmico, ou seja, capaz de produzir seu próprio calor interno. Além disso, humanos também são con- siderados homeotérmicos, capazes de regular sua temperatura corporal, dentro de limites estreitos, entre 36,7° C e 37° C, apesar das variações do ambiente. Quando a temperatura do ambiente diminui, o corpo se adapta, reduzindo a perda de calor e aumentando sua produção. Por outro lado, quando o ambiente se torna quente, o corpo aumenta a perda de calor, dissipando-o e reduz sua produção (MOURÃO JÚNIOR; ABRAMOV, 2017; RAFF et al., 2012). Calor: energia existente em um corpo em virtude do grau de agitação em suas moléculas. Temperatura: grandeza que mede a quantidade de calor. Termodinâmica: estudo das interações entre a matéria e o calor. Ex pl or A informação sobre a temperaturaexterna é fornecida por termorreceptores na pele, já a temperatura interna é monitorada por neurônios termorreceptivos centrais no hipotálamo, estrutura considerada o termostato do corpo, que detec- tam a temperatura sanguínea. Se o sistema detecta uma mudança de tempera- tura, desencadeia mecanismos para restabelecer a temperatura corporal normal (SILVERTHORN, 2017). Quando ocorre queda da temperatura, o organismo produzirá calor, processo denominado termogênese. O calafrio, por exemplo, é uma resposta ao resfria- mento, caracterizado por tremores por meio de contrações musculares sincrônicas involuntárias dos músculos esqueléticos, que aumentam a produção de calor, ca- racterizando a termogênese mecânica. A termogênese química, apesar de ter uma ação mais lenta quando comparada com a termogênese mecânica, é o meio mais importante para a manutenção da temperatura corporal. O calor é produzido pelas reações exotérmicas que ocorrem no metabolismo das gorduras, dos açúcares e das proteínas. O aumento da atividade da tireoide e da atividade neurológica sim- pática tende a aumentar o metabolismo e, consequentemente, a produção de calor (SGUAZZARDI, 2017; SILVERTHORN, 2017). Quando o ambiente aquece ou você se exercita, a temperatura corporal se eleva. Logo, são ativados mecanismos de regulação da temperatura a fim de dissipar o calor em excesso, caracterizando a termólise. O aumento da temperatura provoca, além da diminuição do metabolismo, vasodilatação, aumentando o fluxo sanguíneo. 18 19 Com o aumento da circulação de sangue aquecido na pele, aumenta a perda de calor por irradiação e convecção, termos que veremos a seguir (COSTANZO; MOREIRA; ESBÉRARD, 2007; SGUAZZARDI, 2017; SILVERTHORN, 2017). O corpo pode trocar calor com o ambiente por meio de quatro mecanismos: • Irradiação: é a emissão de calor a partir da pele – ou em direção à pele – na forma de ondas eletromagnéticas. A direção do calor vai do corpo mais quente para o mais frio. Por exemplo, quando sentamos ao sol ou em frente ao fogo, absorvemos o calor radiante e nos aquecemos, bem como quando estamos quentes e entramos em um ambiente frio, irradiamos calor para o ambiente; • Convecção: é a transferência de calor através de um gás ou líquido em movi- mento. Por exemplo, a sensação térmica é quando venta. Da mesma forma uti- lizamos ventilador ou ar condicionado, a fim de circular o ar e dissipar o calor; • Condução: é a forma de transferir calor quando há contato direto entre um corpo quente e um corpo frio. Ocorre também na direção do corpo mais quente para o mais frio, até que ambos atinjam a mesma temperatura. Ao pegarmos uma pedra de gelo, transferimos nosso calor para ela, levando ao seu derretimento; • Evaporação: é a passagem de uma substância do estado líquido para o gaso- so. No corpo humano, ocorre evaporação ao nível da pele – através do suor liberado das glândulas sudoríparas – e dos pulmões, uma vez que é necessário que o corpo ceda energia térmica para que a água possa evaporar. A temperatura corporal é mantida pelo balanço entre os processos de produção e eliminação do calor. Esse controle é realizado pelo hipotálamo. Lesões nesta estrutura cerebral podem levar a alterações como hipertermia e hipotermia. Ou- tras condições patológicas, ou não, podem também alterar o equilíbrio da tempe- ratura corporal. A exaustão por calor e o choque por calor são as formas mais comuns de hipertermia, causando desidratação, náuseas, cefaleia e cãibras musculares. A fe- bre, que geralmente ocorre em processos infecciosos, é causada por pirogênios. Um aumento da temperatura acima de 41°C pode levar à morte, uma vez que di- versas funções enzimáticas e proteínas começam a desnaturar. Já a hipotermia ocorre quando a temperatura ambiente é tão baixa que os me- canismos de geração de calor não conseguem manter a temperatura ideal. Nesta situação, as reações enzimáticas ficam mais lentas e a pessoa perde a consciência. Por outro lado, se o metabolismo diminui com a queda da temperatura, o consumo de oxigênio também diminui. Por esta razão vítimas de afogamentos com hipoter- mia podem, algumas vezes, ser recuperadas sem lesões cerebrais. A partir dessa observação, foi desenvolvida a técnica de hipotermia induzida em algumas cirur- gias, como as de coração. O paciente é mantido em uma temperatura entre 21°C e 24°C, de modo que o consumo de oxigênio caia. Ao final da cirurgia, o paciente é lentamente reaquecido (COSTANZO; MOREIRA; ESBÉRARD, 2007; RAFF et al., 2012; SILVERTHORN, 2017). 19 UNIDADE Biofísica das Células aos Sistemas Se a febre esquenta o corpo, por que sentimos frio? Veja a resposta para essa pergunta no vídeo disponível em: https://youtu.be/kfWLJcNKQtg Ex pl or Avalie as situações propostas no texto anterior e identifique onde se aplicam as seguintes leis da termodinâmica: • Primeira lei da termodinâmica: a quantidade de energia que entra em um sistema é a mesma que sai deste sistema; • Segunda lei da termodinâmica: o calor só flui espontaneamente de um corpo quente para um corpo frio; • Lei da conservação de energia: a energia total não se perde nem se cria, apenas se transforma. Ex pl or Ondas: Princípios da Audição e Visão Onda é um modo de transferência de energia sem transferência de matéria. Existem dois tipos de ondas. As ondas mecânicas são aquelas que necessitam de um meio material para se propagar. São ondas mecânicas: as ondas na água, como no mar ou na piscina; as ondas sísmicas que geram terremotos; as ondas em cordas, geradas em muitos instrumentos musicais, como o violão e a guitarra; e as ondas sonoras, que se propagam no ar, essenciais para a comunicação entre os seres humanos e também entre muitos seres vivos. As ondas eletromagnéticas não necessitam de um meio material para se propagar. Através delas é possível es- cutar músicas no rádio e esquentar alimentos no micro-ondas (MOURÃO JÚNIOR; ABRAMOV, 2017; RODAS DURAN, 2003). As ondas apresentam as seguintes características (Figura 8): • Frequência (f): número de perturbações – cristas – por unidade de tempo, expresso em hertz (Hz); • Amplitude (g): intensidade de cada perturbação – altura da onda. Quanto mais energia tem a onda, maior sua amplitude; • Comprimento de onda (l): distância entre duas perturbações – medida pela distância entre duas cristas; • Velocidade de propagação: distância percorrida pela perturbação – no senti- do da propagação – por unidade de tempo. 20 21 Figura 8 – Características das ondas Fonte: Wikimedia Commons Ondas Mecânicas: Características Fisiológicas do Som e Biofísica da Audição A partir da frequência podemos classificar as ondas sonoras como graves – baixa fre- quência – e agudos – alta frequência –, caracterizando a altura. No dia a dia, acabamos utilizando este termo equivocadamente, uma vez que ele não tem relação com o volume do som. Pode-se dizer que os homens, de maneira geral, apresentam a voz mais grave e as mulheres mais aguda, mas isso não significa que os homens tenham um volume mais baixo de voz e as mulheres mais alto (Figura 9). Da mesma forma, as notas musicais pos- suem frequências diferentes, sendo que a nota dó tem frequência sempre menor que uma nota ré, na mesma escala (MOURÃO JÚNIOR; ABRAMOV, 2017). Figura 9 – Ondas de alta frequência, que produzirão sons agudos, como a voz feminina, e ondas de baixa frequência, que produzirão sons graves, como a voz masculina Fonte: Wikimedia Commons 21 UNIDADE Biofísica das Células aos Sistemas A intensidade do som, que é proporcional à amplitude da onda sonora, é o que caracteriza o que conhecemos por volume, medido em decibéis (dB). A onda so- nora ao se propagar transmite energia ao meio em que está se propagando. Logo, quanto maior a amplitude da onda e maior a quantidade de energia que ela trans- mite, maior será a sua intensidade. Quando uma pessoa grita, ela não está falando mais alto, está falando com maior intensidade. Imagine que você está caminhando na frentede uma igreja e começa a tocar o sino. Conforme você segue se afastando da igreja, o som do sino fica cada vez me- nos intenso, certo? Da mesma forma ocorre ao vermos um avião decolar, quando ainda está em solo, o barulho das turbinas é intenso. Conforme vai se afastando no céu, o barulho vai diminuindo até ser imperceptível. Isso ocorre pois ao se propagar, a onda vai perdendo energia para o meio, consequentemente a amplitu- de da onda vai diminuindo também. Logo, a intensidade do som percebida está re- lacionada com a distância entre a fonte sonora e o indivíduo (MOURÃO JÚNIOR; ABRAMOV, 2017). Figura 10 – Propagação de ondas sonoras, que diminuem a sua amplitude com o distanciamento da fonte sonora Fonte: Wikimedia Commons Tabela 2 – Exemplos de sons e sua intensidade, a partir do limiar de audição Tipo de som Intensidade (dB) Limiar da audição 0 Movimento de folhas 20 Ambiente de biblioteca 20 Conversação normal 60 Tráfego intenso 70 Rádio em alto volume 80 Britadeira 100 Limiar de desconforto 120 Limiar da dor 140 Lesão do tímpano 160 22 23 A terceira característica do som é o seu timbre, que é a qualidade que permite distinguir dois sons com mesma frequência e intensidade produzidos por fontes diferentes. A partir do timbre é possível distinguir uma mesma nota musical de uma mesma intensidade, por exemplo a nota dó, emitida por um violino e por um violoncelo (MOURÃO JÚNIOR; ABRAMOV, 2017). Biofísica da Audição A captação e processamento das ondas sonoras depende do aparelho auditivo e córtex auditivo cerebral. O aparelho auditivo é formado pelo ouvido externo, médio e interno, cada estrutu- ra com funções diferentes. O ouvido externo, formado pela orelha e meato acústico externo e preenchido por ar, é responsável por direcionar as ondas sonoras até a membrana timpânica. O ouvido médio também preenchido por ar, é formado pela membrana timpânica e pelos ossículos denominados martelo, bigorna e estribo. As ondas sonoras induzem a vibração da membrana timpânica que, por sua vez, pro- voca a vibração dos ossículos, amplificando o som. O ouvido interno é preenchido por líquido e é composto pelos canais semicirculares, a cóclea – que contém as célu- las receptoras auditivas – e o vestíbulo – auxilia na manutenção da postura corporal e equilíbrio –, além do nervo vestibulococlear, que envia as informações auditivas e de equilíbrio para o sistema nervoso central. A cóclea é composta ainda pela membra- na basilar e o órgão de Corti, o qual possui células ciliadas. Essas células funcionam como receptores que transformam a onda sonora em impulso nervoso, uma vez que a vibração dos cílios faz com que o potencial de membrana se altere. O impulso ner- voso é dirigido ao tálamo pelo nervo coclear e após segue para o córtex auditivo, que processará a informação, mapeando a frequência do som (COSTANZO; MOREIRA; ESBÉRARD, 2007; RODRIGUES DE OLIVEIRA, 2002; SGUAZZARDI, 2017). Caixa do Tímpano Bigorna Martelo Canais Semicirculares Nervo Vestibular Nervo Acústico Trompa de EustáquioTímpano Meato Auditivo Externo Estribo (ligado à Janela Oval) Cóclea Janela Redonda Pavilhão Figura 11 – Anatomia do aparelho auditivo Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons 23 UNIDADE Biofísica das Células aos Sistemas Para melhor compreender o funcionamento de nosso sistema auditivo, assista a este vídeo: https://youtu.be/ITXBhH-e4Mg, do Portal Otorrinolaringologia. Ex pl or Importante! Tipos de surdez: • De condução: ocorre quando há impedimento para a livre transmissão dos sons através dos ouvidos externo e médio; • Neurossensorial: deve-se ao aumento do limiar da excitabilidade para produzir os potenciais de ação; • Central: ocorre quando há lesões no córtex cerebral responsável pela audição ou nas suas vias nervosas centrais, por exemplo, um tumor cerebral. Você Sabia? Ondas Eletromagnéticas e a Biofísica da Visão As ondas eletromagnéticas são perturbações originadas da vibração de um cam- po elétrico e um campo magnético. O espectro eletromagnético compreende as faixas de frequência ou comprimento de ondas que caracterizam as diferentes on- das eletromagnéticas, como as micro-ondas, as ondas de rádio, os raios X, as ra- diações infravermelho e ultravioleta, e a luz visível. No intervalo de frequência do espectro eletromagnético que corresponde à luz visível, cada frequência equivale à sensação de uma cor, desde o violeta até o vermelho (Figura 12) (MOURÃO JÚNIOR; ABRAMOV, 2017; SGUAZZARDI, 2017). Raios gama Raios X UV Infravermelho Micro-ondas FM AM Ondas de rádio Ondas de rádio longas Radiação ionizante Radiação não ionizante Espectro visível Figura 12 – Espectro eletromagnético de acordo com a frequência e o comprimento de onda Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons A luz é uma onda e também tem as suas propriedades: 24 25 • Reflexão: ao incidir sobre uma superfície, a luz volta a se propagar para o meio de origem. O comprimento de onda incidente é idêntico ao comprimento de onda refletido; Figura 13 – Refl exão da luz, onde i é o raio incidente e r é o raio refl etido Fonte: Wikimedia Commons • Refração: é a mudança de direção de propagação de um feixe luminoso, quan- do este incide de um meio para outro. Nessa mudança de meios, a frequência da onda se mantém a mesma, entretanto, a sua velocidade e comprimento são alterados. Neste caso, ocorre desvio da luz, quanto à direção original. O índice de refração varia de acordo com o material. Figura 14 – Refração da luz Fontes: Adaptado de Getty Images e Wikimedia Commons Em A é possível ver o desvio do raio de luz incidente ao mudar de meio. Em B é possível verificar que a luz que incide na água é desviada, fazendo com que vejamos o lápis mergulhado na água também com um desvio. 25 UNIDADE Biofísica das Células aos Sistemas Você já pensou o que acontece no olho de quem tem miopia ou hipermetropia e precisa utilizar óculos? O olho humano funciona de forma similar a uma máquina fotográfica. Pensando desta forma, a íris opera como o diafragma da máquina con- trolando a quantidade de luz que entra, a lente é formada pela córnea e cristalino, que juntos fazem a função de lentes convergentes e a retina é como o filme fotográ- fico no fundo da câmera, onde estão presentes as células fotorreceptoras, capazes de detectar a luz. Assim como a imagem formada pela lente da câmera, a imagem formada na retina também é invertida, seguindo os princípios da ótica. Pupila Íris Câmara posterior Cristalino Córnea (humor aquoso) Corpo ciliar Esclera Corióide Retina Ligamento suspensor da lente Disco ópticoNervo óptico Fóvea central Canal hialóideo Vasos sanguíneos da retina Humor vítreo Úvea Mácula lútea Câmara anterior Figura 15 – Anatomia do olho humano Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons 26 27 Importante! A ótica geométrica estuda a projeção dos raios de luz. Para tanto, estuda-se a incidência da luz em lentes esféricas, frequentemente utilizadas em óculos, máquinas fotográficas, telescópios e microscópios. As lentes são feitas de material transparente, que pode ser vidro, ar e até a água. Existem dois tipos de lentes curvilíneas: convergentes – de bor- das finas – e divergentes – de bordas grossas. Quando as ondas incidem no centro da lente, elas atravessam sem sofrer refração. Porém, quando estas incidem nas superfícies paralelas ao eixo central, a lente convexa (Figura 16a) faz as ondas de luz convergirem em único ponto, conhecido como ponto focal (F), enquanto a lente côncava (Figura 16b) faz os raios de luz divergirem, ou seja, afastarem-se uns dos outros. O prolongamento dos seus raios faz com que o ponto focal se localize previamente à lente. A distância do ponto focal até o centro da lente é denominada distância focal (f). A córnea apresenta a superfície convexa, convergindo os raios de luz que incidem no olho (SGUAZZARDI, 2017). Você Sabia? Figura 16 – Incidência de raios luminosos em uma lente convergente (em cima) e divergente (embaixo) Fonte:Wikimedia Commons 27 UNIDADE Biofísica das Células aos Sistemas Para que a imagem seja bem focalizada, deve cair na retina (Figura 17). Quando aproximamos um objeto do olho, a imagem tende a cair atrás da retina. O olho tem poder de convergência, através da acomodação do cristalino, que corrige o seu abaulamento. A acomodação visual é a capacidade que o cristalino tem de modificar a distância focal, a fim de permitir a visão nítida de objetos colocados em diferentes distâncias. Este mecanismo ocorre através dos músculos – ou corpos – ciliares, que se contraem e relaxam de acordo com a necessidade (RODRIGUES DE OLIVEIRA, 2002; SGUAZZARDI, 2017). Figura 17 – A imagem deve ter seu ponto focal na retina Fonte: Wikimedia Commons Importante! O olho normal é conhecido como emetrope, pois focaliza a luz na retina. Porém, existem defeitos na visão decorrentes dos erros de refração: a hipermetropia é a dificuldade de enxergar objetos próximos, ocorre quando a imagem é focalizada atrás da retina e é corri- gida com uma lente convergente; a miopia é a dificuldade de enxergar objetos distantes, decorrente da focalização da imagem à frente da retina e é corrigida com uma lente diver- gente; o astigmatismo é a perda de focalização em algumas direções, ocorre em função da curvatura irregular do cristalino e é corrigida com uma lente cilíndrica; já a presbiopia é a dificuldade de enxergar objetos próximos, resulta da perda do poder de acomodação do cristalino, que ocorre com o envelhecimento, e a imagem passa a cair atrás da retina, corrigida com lentes convergentes (COSTANZO; MOREIRA; ESBÉRARD, 2007). Você Sabia? Leia a respeito dos defeitos na visão humana: http://bit.ly/2OfEbyK Ex pl or A retina tem a função de transformar ondas luminosas em imagens. Para rea- lizar a fototransdução – processo de conversão da energia luminosa em sinais elé- tricos que serão decodificados pelo córtex cerebral visual –, a retina possui várias camadas de células (Figura 18): 28 29 Membrana limitante interna Fibra nervosa RPE Cé lu la de ba stã o Cé lu la de co ne Cé lu la ga ng lio ná ria Cé lu la bi po la r Cé lu la am ác rin a Cé lu la ho riz on ta l Fotorreceptores Figura 18 – Células da Retina (RPE) células epiteliais pigmentadas Fonte: Adaptado de Getty Images • Células epiteliais pigmentadas: absorvem a luz dispersa e impedem a disper- são da luz; • Células fotorreceptoras – bastonetes e cones: apresentam pigmentos que absorvem as ondas luminosas. Cada molécula de fotopigmento possui uma parte que absorve luz – retinal –, igual em todos os tipos de fotorreceptores, e uma proteína, denominada opsina, que determina quais comprimentos de onda de luz serão absorvidos: » Bastonetes: células cilíndricas, localizados principalmente na periferia da retina. Contém o pigmento rodopsina. São sensíveis à luz fraca e têm como função a visão monocromática – preto e branco, e tons intermediários, como o cinza; » Cones: células cônicas, encontradas na fóvea. Contêm o pigmento iodop- sina e outros pigmentos específicos associados à visão das cores. Cada pig- mento responde a diferentes comprimentos de ondas: » Cones L: contêm opsina L, que responde aos maiores comprimentos de onda, no espectro vermelho; » Cones M: contêm opsina M, que responde aos comprimentos de onda inter- mediários, no espectro verde; » Cones S: contêm opsina S, que responde aos menores comprimentos de onda, no espectro azul. 29 UNIDADE Biofísica das Células aos Sistemas Ao incidir a luz sobre os fotorreceptores, ocorre a quebra das diferentes opsinas, que leva um bloqueio nos canais passivos de sódio, provocando a hiperpolarização dos receptores. A hiperpolarização leva à inibição da síntese do neurotransmissor glutamato, passando a informação de excitação luminosa para as células bipolares e horizontais. Epitélio pigmentar Haste Cone Figura 19 – Bastonetes e cones (azul, verde e vermelho) Fonte: Adaptado de Getty Images • Células bipolares: fazem sinapse com os fotorreceptores e transmitem a infor- mação para as células ganglionares; • Células horizontais e amácrinas: formam circuitos locais com as células bipolares; • Células ganglionares: são os neurônios de saída da retina. Os seus axônios for- mam o nervo ótico (COSTANZO; MOREIRA; ESBÉRARD, 2007; RODRIGUES DE OLIVEIRA, 2002; SGUAZZARDI, 2017). Veja um resumo do processamento das imagens no seguinte vídeo: https://youtu.be/SSeEqeeh8rg Ex pl or Você sabia que daltonismo é uma dicromatopsia, ou seja, um distúrbio na percepção de uma ou mais cores? Isso pode ocorrer devido à ausência de um ou mais pigmentos na retina, ou à diminuição da sensibilidade desses pigmentos. Faça o teste de daltonismo em: http://bit.ly/2XZPeRm Ex pl or 30 31 Biofísica do Sistema Cardiovascular: Noções de Eletrocardiograma, Hemodinâmica e Pressão Arterial O sistema cardiovascular, ou circulatório, tem como função principal levar o sangue aos tecidos, fornecendo nutrientes e removendo dejetos do metabolismo. É composto pelo coração, que age como uma bomba, os vasos sanguíneos, que fazem a rede de vasos de comunicação com vários calibres, e o sangue, que é o fluido (COSTANZO; MOREIRA; ESBÉRARD, 2007). O sistema circulatório é um circuito fechado. O coração bombeia o sangue pelas artérias em direção aos tecidos, e as veias carregam o sangue dos tecidos de volta para o coração. A partir do átrio direito, o sangue flui para dentro do ventrículo direito do coração, de onde é bombeado via artérias pulmonares para os pulmões, onde é oxigenado. O sangue retorna para o átrio esquerdo do coração através das veias pulmonares. Este caminho para os pulmões e retorno ao coração é denomi- nado circulação pulmonar. O sangue oxigenado passa, então, para o ventrículo esquerdo, de onde é bom- beado para a artéria aorta. A aorta se ramifica em artérias menores, que por sua vez se ramificam em uma rede de capilares, que difundirão o oxigênio para os tecidos. Após deixar os capilares, o sangue, pobre em oxigênio e rico em dióxido de carbono, flui para o lado venoso da circulação, movendo-se de pequenas veias para veias cada vez maiores. As veias da cabeça e dos membros superiores do corpo se juntam e formam a veia cava superior. As veias do abdômen e membros inferiores se juntam e formam a veia cava inferior. Por fim, as duas veias cavas desembocam no átrio direito. O ca- minho realizado pelo sangue do lado esquerdo do coração até os tecidos e de volta para o átrio direito é denominado circulação sistêmica (SILVERTHORN, 2017). 31 UNIDADE Biofísica das Células aos Sistemas Figura 20 – Esquema das circulações pulmonar e sistêmica Fonte: Wikimedia Commons Em azul está demonstrado o sangue venoso, pobre em oxigênio; em verme- lho está demonstrado o sangue arterial, rico em oxigênio; em roxo os vasos envolvidos na troca gasosa nos tecidos. Ciclo Cardíaco e Noções de Eletrocardiograma O ciclo cardíaco é a sequência de eventos que ocorre a cada batida do cora- ção. A sístole inicia com a contração dos átrios, bombeando o sangue para os ventrículos, seguida do fechamento das válvulas atrioventriculares. Após um momento então ocorre a contração dos ventrículos, que ejetam o sangue para as artérias pulmonares e aorta. Em seguida ocorre fechamento das válvulas arte- riais, e relaxamento do músculo cardíaco, caracterizando a diástole (Figura 21) (SILVERTHORN, 2017). 32 33 Figura 21 – Sístole e diástole Fonte: Wikimedia Commons A sístole indica a contração do músculo cardíaco e ejeção do sangue, en- quanto a diástole indica o relaxamento do músculo e preenchimento das câmaras com sangue. Este ciclo depende de potenciais de ação que farão com que as células muscu- lares cardíacas se contraiam. Tais potenciais são gerados pelo próprio coração, por células do nó sinoatrial, conhecidas também como células marcapasso. O estímulo elétrico do coração tem início no nó sino atrial com a despolarização das células car-díacas atriais, representada pela onda P no eletrocardiograma (Figura 23). A despolarização dos átrios é conduzida pelas fibras musculares até estimular o nó atrioventricular e, logo em seguida, o fascículo atrioventricular, caracterizando o intervalo PR, momento em que ocorre a contração dos átrios e ejeção do sangue nos ventrículos. O complexo QRS representa a onda progressiva da despolariza- ção dos ventrículos. O segmento ST representa o período em que os ventrículos contraem e ejetam o sangue nas artérias. A repolarização ventricular é indicada pela onda T. A repolarizaç ã o atrial não é representada por uma onda especial, mas está incorporada no complexo QRS. O intervalo QT indica todo o perío- do de despolarização e repolarização dos ventrículos (COSTANZO; MOREIRA; ESBÉRARD, 2007; SILVERTHORN, 2017). 33 UNIDADE Biofísica das Células aos Sistemas P T QTPR ST QRS Figura 22 – Ondas do eletrocardiograma Fonte: Wikimedia Commons Hemodinâmica e Pressão Arterial A hemodinâmica refere-se aos princípios que governam o fluxo de sangue pelo sistema cardiovascular. São os mesmos fundamentos da física aplicados ao mo- vimento dos fluidos em geral, como a água. Logo, a física dos fluidos por tubos rígidos fornece a base para o entendimento do fluxo de sangue pelos vasos sanguí- neos, muito embora os vasos sanguíneos sejam tubos distensíveis. O conhecimento desses princípios físicos permite o entendimento das inter-relações da velocida- de do fluxo sanguíneo, da pressão sanguínea e das dimensões dos vários com- ponentes da circulação sistêmica (BERNE et al., 2009; GUYTON; HALL; GEO CONSULTORIA EDITORIAL, 2017). A contração dos ventrículos é a força que cria o fluxo sanguíneo através do sis- tema circulatório. O ventrículo esquerdo ejeta o sangue sob pressão, logo, a aorta e as demais artérias se expandem para acomodar o líquido. O endotélio vascular elástico das artérias retrai e impulsiona o sangue para frente em direção aos vasos menores. Esta característica das artérias mantém o sangue fluindo continuamente pelos vasos sanguíneos. Entretanto, conforme o sangue se move pelo sistema para longe do vaso, a pressão hidrostática – ou hidráulica – diminui, em função do atrito do sangue com as paredes dos vasos e da distância percorrida. A pressão hidrostática é a pressão exercida por um líquido nas paredes de um recipiente. O sangue se comporta como um líquido em um tubo e exerce pressão sobre a parede do vaso sanguíneo. A pressão mais alta ocorre na aorta e artérias sistêmicas, que recebem o sangue do ventrículo esquerdo, e a pressão mais baixa ocorre nas veias cavas ao desembocarem no átrio direito (SILVERTHORN, 2017). Durante a contração – sístole –, a pressão máxima é próxima a 120 mm Hg, e du- rante o relaxamento – diástole –, próxima a 80 mm Hg (RODAS DURAN, 2003). 34 35 A pressão arterial depende de dois fatores: o Débito Cardíaco (DC) e a Resis- tência Periférica (RP): • Débito cardíaco: é igual à frequência cardíaca – número de contrações por minuto – vezes o débito sistólico – o volume de sangue ejetado pelo ventrículo esquerdo a cada batimento. Por exemplo, se o coração de uma pessoa bate 72 vezes por minuto, e a cada batimento ejeta na circulação sistêmica 70 mL de sangue, o DC será de 72 bpm × 70 mL, que é igual a 5.040 mL/minuto; • Resistência periférica: é a resistência exercida pelas paredes dos vasos san- guíneos contra o fluxo sanguíneo. Está relacionada à elasticidade do endotélio vascular. Por exemplo, um vaso sanguíneo que sofre dilatação – vasodilatação –, ou seja, aumenta o seu diâmetro, aumenta o fluxo sanguíneo, diminuindo a resistência periférica e, consequentemente, diminuindo também a pressão ar- terial. Se ocorre vasoconstrição, o lúmen do vaso diminui de tamanho, dimi- nuindo o fluxo sanguíneo com aumento da resistência periférica e consequente aumento da pressão arterial. Como é estimada a pressão sanguínea com o esfigmomanômetro? Entenda como é realizada esta medida na página 484 do livro Fisiologia humana – uma abordagem integrada, de Dee Unglaub Silverthorn (2017). Ademais, entenda melhor os conceitos e as leis que envolvem a pressão em Biofísica es- sencial, capítulo 3, intitulado Força e pressão (MOURÃO JÚNIOR; ABRAMOV, 2017, p. 47-51). Ex pl or Biofísica do Sistema Respiratório: Mecânica da Respiração, Tensão Superficial e Surfactante Alveolar A maioria dos processos em nosso corpo necessita de oxigênio (O2), e durante o metabolismo é produzido dióxido de carbono (CO2). O sistema respiratório é res- ponsável pelas trocas gasosas, fornecendo O2 às células e retirando o CO2 produzi- do por estas. Ademais, o sistema respiratório é também responsável por regular o equilíbrio ácido-base no sangue, possibilitar a vocalização, proporcionar uma via de perda de água e calor, entre outras funções (SGUAZZARDI, 2017). A troca externa de gases, referente à troca de O2 e CO2 entre a atmosfera e as células sanguíneas que carregam tais gases envolve quatro etapas: • A ventilação pulmonar, ou seja, o movimento de entrada e saída do ar no pulmão; • A troca de O2 e CO2 entre o espaço aéreo pulmonar e o sangue por difusão; • O transporte de O2 e CO2 pelo sangue dos pulmões para os tecidos; • A troca de O2 e CO2 entre o sangue e os tecidos por difusão. A respiração ou ventilação baseia-se no fluxo de ar que entra e sai dos pulmões, impulsionado por gradientes de pressão, uma vez que o ar se movimenta a favor 35 UNIDADE Biofísica das Células aos Sistemas de um gradiente de pressão, ou seja, tende a sair de uma área de alta pressão para outra com pressão normal (SGUAZZARDI, 2017). As quatro pressões primárias associadas à respiração são as seguintes: • Pressão atmosférica: é a pressão do ambiente externo ao corpo, de onde inspiramos o ar; • Pressão intra-alveolar: é a pressão do ar no interior dos alvéolos pulmonares; • Pressão intrapleural: é pressão do líquido pleural, que é sempre negativa du- rante a respiração normal e sempre menor que a pressão intra-alveolar; • Pressão transpulmonar: é a diferença de pressão entre a pressão intrapleural e intra-alveolar. A inspiração e expiração ocorrem por diferenças entre as pressões atmosférica e intra-alveolar. A inspiração é decorrente da contração dos músculos diafragma e intercostais externos, tornando o volume da cavidade torácica maior. Com isso a pressão intrapleural diminui, expandindo os pulmões e a parede do tórax. Quando a pressão intra-alveolar diminui abaixo da pressão atmosférica, acontece a inspiração. A expiração ocorre quando a parede do tórax e os pulmões retornam passiva- mente às suas posições iniciais. Os pulmões e as paredes da cavidade torácica são elásticos, por isso quando distendidos ou comprimidos, tendem a voltar à sua po- sição original. Quando expiramos ativamente, contraímos os músculos intercostais internos e abdominais (SGUAZZARDI, 2017). Experimente expirar ativamente e observe a contração dos músculos. Mecânica da respiração. Ao inspirarmos, ocorre a contração do diafragma e dos músculos in- tercostais, logo a caixa torácica expande, assim como o pulmão, e o ar é inalado. A expiração ocorre pelo relaxamento do diafragma e dos músculos intercostais e do retorno à posição inicial da caixa torácica e dos pulmões, exalando o ar: http://bit.ly/2OccM0L Ex pl or Os pulmões seguem a Lei de Boyle, que diz que se o volume de um recipiente contendo gás aumenta, a pressão exercida pelo gás diminui. Se o volume do re- cipiente diminui, a pressão aumenta. Imaginemos então que o nosso recipiente contempla os pulmões e a caixa torácica (SGUAZZARDI, 2017). O fluxo de ar que entra e sai dos pulmões é determinado pelo gradiente de pressão, que impulsiona o fluxo e pela Resistência (R) das vias respiratórias. O gradiente de pressão é definido pela diferença entre a pressão atmosférica (Patm) e a pressão intra-alveolar (Palv). Sendo assim temos: Fluxo atm alvP P R - = 36 37 Considerando que a pressão atmosférica é constante,o que determina o mo- vimento do ar é a variação da pressão alveolar. A pressão intra-alveolar depende da quantidade de ar dentro dos alvéolos e o volume destes (SGUAZZARDI, 2017). Os pulmões têm alta complacência, ou seja, têm alta capacidade de suportar ten- são sem se romper. Se distendem facilmente para aumentar o volume pulmonar para a inspiração. Assim é necessária uma alteração pequena da pressão transpulmonar para que ocorra a entrada de certo volume de ar, com menos trabalho e contração muscular. A complacência pulmonar depende da elasticidade dos pulmões e da ten- são superficial do líquido que reveste os alvéolos (SGUAZZARDI, 2017). A tensão superficial de um líquido é a medida de trabalho necessário para aumentar a área de superfície do líquido. Quanto maior a tensão superficial, mais trabalho é necessário para espalhar o líquido. A tensão superficial dos pulmões é causada pela interface formada entre o ar e a fina camada de líquido que reveste a superfície interna dos alvéolos. Quando o tecido pulmonar se expande, o mesmo ocorre com a camada líquida dos alvéolos. Contudo, é necessário trabalho não só para distender o tecido elástico, mas também para aumentar a superfície da camada líquida. Logo, a tensão superficial do líquido diminui a complacência pul- monar (SGUAZZARDI, 2017). O surfactante pulmonar é uma substância tensoativa que diminui a tensão superficial do líquido que reveste os alvéolos. Interfere na formação de pontes de hidrogênio entre as moléculas de água, permitindo que o líquido se “espalhe” pela superfí cie do alvéolo, aumentando a complacência pulmonar e diminuindo o traba- lho da respiração. Neonatos prematuros com menos de 30 semanas de gestação ainda não produzem surfactante, podendo sofrer de síndrome da angústia respi- ratória do recém-nascido e até morrer por incapacidade de respirar, se não forem tratados rapidamente com surfactante sintético (MOURÃO JÚNIOR; ABRAMOV, 2017; SGUAZZARDI, 2017). A resistência das vias respiratórias depende do raio dos túbulos das vias res- piratórias inferiores, de forma que quando o raio diminui a resistência aumenta. A resistência geralmente é baixa, logo, a pressão no alvéolo não precisa ser muito diferente da pressão atmosférica para que ocorra o fluxo de ar. Contudo, quando a resistência aumenta, é necessário um maior gradiente de pressão para que ocorra o fluxo de ar. A resistência pode ser afetada por problemas na mecânica respiratória, no sistema nervoso autônomo que regula a respiração, por fatores químicos ou por estados patológicos (SGUAZZARDI, 2017). A asma, por exemplo, é uma patologia associada ao aumento da resistência das vias respiratórias, causada por contrações espásticas do músculo liso dos bron- quíolos, combinada com aumento da secreção de muco e inflamação. Assim, o tratamento é realizado com broncodilatadores, que aumentarão o raio dos túbulos das vias aéreas, diminuindo a resistência, e com corticoides, que agirão sobre o processo inflamatório. 37 UNIDADE Biofísica das Células aos Sistemas Equilíbrio Ácido-Básico O Equilíbrio Ácido-Básico (EAB) faz a interface entre a Bioquímica e a Biofísica, uma vez que a avaliação do estado ácido-básico do sangue fornece dados sobre a função respiratória e as condições de perfusão tecidual (FURONI et al., 2010). As alterações do EAB envolvem a acidose e alcalose, que são alterações do pH sanguíneo, decorrentes do aumento ou diminuição da concentração de íons de hidrogênio no sangue. Para que as células possam desempenhar as suas fun- ções, o organismo necessita que a concentração de H+ seja mantida em níveis (pH) que oscilem entre 7,35 e 7,45. Essas alterações podem causar várias disfunções no organismo, incluindo edema cerebral, decréscimo da contratilidade miocárdi- ca, vasoconstrição pulmonar e vasodilatação sistêmica, entre outras consequências (FURONI et al., 2010). O nosso metabolismo normal produz ácidos que serão neutralizados, eliminados ou incorporados a outras substâncias. O metabolismo celular aeróbico produz CO2, se o CO2 não for eliminado pelos pulmões reagirá com água, formando ácido car- bônico, que em excesso aumentará a quantidade de hidrogênio no organismo, bai- xando o pH. Da mesma forma, o catabolismo das proteínas resulta na produção de ácidos fixos, entre os quais o ácido sulfúrico. Em estados fisiopatológicos, podem ser gerados ácidos fixos em excesso, tal como o ácido lático, no exercício físico extenuante ou quando os tecidos estão hipóxicos e o acetoacético, no diabetes não tratado (FURONI et al., 2010). Em condições normais o organismo lança mão de mecanismos para minimi- zar as alterações de pH decorrentes da adição de ácidos ou bases. Para tanto, os sistemas tampão entram em ação e existe um constante balanço entre os com- ponentes renal e respiratório, que mantêm o pH estável dentro da normalidade (FURONI et al., 2010). O sistema tampão depende de substâncias capazes de reagirem tanto com ácido, quanto com base, e desta forma se tornam resistentes à alteração no pH e têm ação instantânea. Os principais tampões biológicos são os fosfatos, as proteínas e o bi- carbonato; contudo, a concentração dos fosfatos no plasma é muito baixa, tornan- do a sua eficiência reduzida. As proteínas têm efeito tamponante discreto. O siste- ma bicarbonato é responsável principalmente pela manutenção do pH plasmático. A dissociação do ácido carbônico é incompatível com o tamponamento fisiológico; porém, o sistema bicarbonato tem uma característica peculiar: o seu ácido está em equilíbrio com o CO2 dissolvido na água (FURONI et al., 2010; RODRIGUES DE OLIVEIRA, 2002). O componente respiratório regula a concentração sanguínea de dióxido de car- bono através da ventilação. Quando o CO2 não é eliminado adequadamente, acu- mula-se no sangue, reage com a água, aumentando o teor de ácido carbônico, que 38 39 é parcialmente neutralizado pelo sistema-tampão, deixando livres íons de hidrogê- nio, que baixam o pH. Nestes casos o CO2 é eliminado através da hiperventilação. Quando ocorre o contrário e o CO2 é eliminado em excesso, no oxigenador, por exemplo, o bicarbonato se dissocia, o íon HCO3 – reage com a água, formando ácido carbônico e íons hidroxila (OH), estes se ligam a íons hidrogênio para formar água e reduzir a quantidade de íons H+, elevando o pH. Neste caso, o CO2 é elimi- nado através da hipoventilação. Esse mecanismo inicia minutos após a alteração ácido-básica (FURONI et al., 2010; RODRIGUES DE OLIVEIRA, 2002). O componente renal ajuda a eliminar as substâncias que os pulmões não são capazes de eliminar, uma vez que só são eliminados gases. Os rins ajudam na regulação do pH através da excreção de urina ácida ou básica, que pode ocorrer através da reabsorção de bicarbonato (HCO3), o que é importante para a manutenção do sistema tampão plasmático, ou pela excreção de íons de hidrogênio, que pode estar ligado a tampões como o fosfato ou na forma de amônia. A regulação renal do pH é mais lenta, demorando de horas a dias para agir, porém, é importante para compensar alterações de longa duração ou crônicas (FURONI et al., 2010; RODRIGUES DE OLIVEIRA, 2002). Os distúrbios do EAB podem ser verificados através da análise da gasometria arterial. Consiste na leitura do pH e das pressões parciais de O2 e CO2 em uma amostra de sangue, que para este fim necessita ser arterial, pois a amostra de sangue venoso não permite avaliar a função respiratória. A leitura é obtida pela comparação desses parâmetros na amostra com os padrões internos do gasômetro (FURONI et al., 2010; RODRIGUES DE OLIVEIRA, 2002). A avaliação do pH serve para determinar se está presente uma acidose ou uma alcalose. Um pH normal não indica necessariamente a ausência de um distúrbio ácido-básico, dependendo do grau de compensação. O desequilíbrio ácido-básico é atribuído a distúrbios ou do sistema respiratório, refletido pela PaCO2, ou metabólico, refletido pelo HCO3 (FURONI et al., 2010; RODRIGUES DE OLIVEIRA,2002). A pressão parcial de CO2 do sangue arterial exprime a eficácia da ventilação al- veolar, sendo praticamente a mesma do CO2 alveolar, dada a grande difusibilidade desse gás. Os seus valores normais oscilam entre 35 a 45 mmHg. Se a PaCO2 estiver menor que 35 mmHg, o paciente está hiperventilando; se o pH estiver maior que 7,45, estará em alcalose respiratória; se a PaCO2 estiver maior que 45 mmHg, o paciente estará hipoventilando; e se o pH estiver menor que 7,35, estará em acidose respiratória (FURONI et al., 2010; RODRIGUES DE OLIVEIRA, 2002). As alterações na concentração de bicarbonato no plasma podem desencadear desequilíbrios ácido-básicos por distúrbios metabólicos. Se o HCO3 – estiver maior que 28 mEq/L com desvio do pH > 7,45, o paciente estará em alcalose metabóli- ca; se o HCO3 – estiver menor que 22 mEq/L com desvio do pH < 7,35, o paciente estará em acidose metabólica (FURONI et al., 2010). 39 UNIDADE Biofísica das Células aos Sistemas Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Biofísica essencial – Capítulos 3 e 4 MOURÃO JÚNIOR, C. A.; ABRAMOV, D. M. Biofísica essencial. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. Vídeos Visão Fenômeno da visão apresentado em animação multimídia pelos alunos do projeto Polidesign da Escola Estadual Dom Pedro II em Ouro Preto Minas Gerais. https://youtu.be/SSeEqeeh8rg Visão – Biofísica https://youtu.be/_97-inNJCjE Olho Humano – Funcionamento Físico e problemas de Visão https://youtu.be/IzHjSJsjhII Leitura Diagnóstico da Surdez http://bit.ly/2Oe1WY9 Os 8 Tipos de Surdez http://bit.ly/2Y3WjQI Óptica Geométrica e Espelhos Planos: Saiba Tudo e Não Vacile na Prova http://bit.ly/2Y1SLOR Alguns aspectos da óptica do olho humano HELENE, O; HELENE, A. F. Alguns aspectos da óptica do olho humano. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 33, n. 3, p. 3312, 2011. http://bit.ly/2Y2g4rL Medida da pressão arterial GELEILETE, T. J.; COELHO, E. B; NOBRE, F. Medida da pressão arterial. Rev Bras Hipertens, vol, v. 16, n. 2, p. 118-122, 2009. http://bit.ly/2Y7R4jf 40 41 Referências BERNE, R. M. et al. Fisiologia [de] Berne & Levy. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. COSTANZO, L. S.; MOREIRA, A. J. M. da; ESBÉRARD, C. A. Fisiologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. DE ROBERTIS, E. M.; HIB, J. Biologia celular e molecular. 16. ed. [S.l.]: Guanabara Koogan, 2000. FURONI, R. M. et al. Distúrbios do equilíbrio ácido-básico. Revista da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba, v. 12, n. 1, 30 mar. 2010. GUYTON, A. C.; HALL, J. E.; GEO CONSULTORIA EDITORIAL. Tratado de fisiologia médica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. LANDOWNE, D.; COSTA RODRIGUES, D.; VOEUX, P. L. Fisiologia celular. [S.l.]: Grupo A – AMGH, 2000. MOURÃO JÚNIOR, C. A.; ABRAMOV, D. M. Biofísica essencial. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. RAFF, H. et al. Fisiologia médica: uma abordagem integrada. [S.l.: s.n.], 2012. RODAS DURAN, J. E. Biofísica: fundamentos e aplicações. São Paulo: Prentice Hall, 2003. RODRIGUES DE OLIVEIRA, J. Biofísica para Ciências Biomédicas. Porto Alegre, RS: Edipuc, 2002. SGUAZZARDI, M. M. M. U. Biofísica. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2017. SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 7. ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 2017. 41
Compartilhar