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Livro-Cap-Profissionalizacão-da-Função-Pública-a-Experiência-Brasileira-A-Ética-na-Administração-Pública-2005-Bacellar-Filho

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21
PROFISSIONALIZA˙ˆO DA FUN˙ˆO PÚBLICA:
A EXPERI˚NCIA BRASILEIRA. A ÉTICA NA
ADMINISTRA˙ˆO PÚBLICA
Romeu Felipe BACELLAR FILHO*
SUMARIO: I. Profissionalizaçªo da funçªo pœblica. II. Profissiona-
lizaçªo da funçªo pœblica e princípio da acessibilidade aos cargos
 empregos pœblicos. III. A Øtica na administraçªo pœblica.
Antes de tratar especificamente do importante título, Ø imprescindível
fazer uma breve referŒncia ao inexcedível professor Jorge FernÆndez Ruiz,
homenageado com a presente publicaçªo. Professor notÆve, cuja reco-
nhecida inteligŒncia, aliada a um carÆter irreprovÆvel e uma personalida-
de afÆvel e iluminada, agrada ao primeiro contato. É uma grande honra,
como brasileiro e admirador da pÆtria mexicana, prestar-lhe este mereci-
do tributo.
I. PROFISSIONALIZA˙ˆO DA FUN˙ˆO PÚBLICA
No direito brasileiro, o tema “profissionalizaçªo da funçªo pœblica”
encontra-se intimamente relacionado aos postulados constitucionais. Im-
possível tratar do assunto sem utilizar a administraçªo pœblica —apare-
lhamento do Estado que se encontra voltado, por excelŒncia, à satisfaçªo
cotidiana das necessidades coletivas— como indispensÆvel referencial.
O artigo 1o., da Constituiçªo estabelece que “A Repœblica Federativa
do Brasil, formada pela uniªo indissolœvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado DemocrÆtico de Direito e tem como
fundamentos a soberania; a cidadania, a dignidade da pessoa humana; os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; o pluralismo político”. Se
* Advogado. Doutor em Direito do Estado. Professor da UFPR e da PUC/PR.
User
Máquina de escrever
BACELLAR FILHO, Romeu felipe. Profissionalizacão da função pública: a experiêncianullnullbrasileira. A ética na administração pública. In: CIENFUEGOS SALVADO, David;nullnullLÓPEZ OLVERA, Miguel Alejandro (Coord.). Estudios en homenaje a Don JorgenullnullFernandez Ruiz. Responsabilidad, contratos y servicios públicos. 1. ed. México,nullnullD.F.: Universidad Nacional Autónoma de México/Instituto de Investigaciones Jurídicasnullnullde la UNAM, 2005, p. 21-25.nullnullDisponível em: <http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/libro.htm?l=1626>.nullnullAcesso em: 10 maio. 2013.
22 ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO
a cidadania e a dignidade da pessoa humana constituem fundamentos do
Estado, o interesse perseguido com o exercício da funçªo administrativa
deve encontrar seu principio e fim no interesse dos próprios cidadªos, tan-
to numa perspectiva individual, quanto coletiva.
Na ItÆlia, Andrea Pubusa ressalta que, diante do princípio democrÆtico
e da soberania popular, inexistem interesses do Estado ou dos seus apara-
tos que nªo sejam instrumentais em relaçªo à comunidade. “O funcionÆrio
nªo serve o governo e comanda os cidadªos, mas serve exclusivamente os
cidadªos”. A administraçªo nªo cuida de interesses do Estado, mas de in-
teresses dos cidadªos.1
O contexto espanhol nªo Ø diverso. Luciano Parejo Alfonso lembra que
a condiçªo democrÆtica do Estado enquanto Estado de direito constitui a
própria base da administraçªo pœblica. Bem por isso Ø exigida da organi-
zaçªo e funcionamento do Estado em seu conjunto, a legitimaçªo de todas
as suas estruturas, e, portanto, de todo exercício de poder mediante sua
reconduçªo direta ou indireta ao povo.2 Sobre estas bases, a administraçªo
pœblica aparece como “poder estatal, igual ao Estado e ao mesmo tempo,
organizaçªo (sujeito), funçªo (atuaçªo ou atividade) e ordenamento (dota-
do de uma economia e lógica próprias no seio do ordenamento geral do
Estado).3
A administraçªo pœblica legitima-se quando age em conformidade com
o interesse pœblico. Neste contexto, a profissionalizaçªo da funçªo pœbli-
ca constitui instrumento de legitimaçªo da administraçªo pœblica brasilei-
ra perante o povo: (i) primeiro, para garantir a observância do princípio da
igualdade na escolha de seus agentes, a partir de critØrios que possibilitem
a aferiçªo daqueles mais preparados para o exercício da profissªo, e nªo
num status atribuído em razªo de um direito de nascença ou pela proxi-
midade pessoal com os governantes; (ii) segundo, para dar cumprimento
ao princípio da eficiŒncia, de uma Administraçªo capacitada a responder
aos anseios coletivos mediante a prestaçªo de serviços adequados.
1 Pubusa, Andrea, Dirittì dei cittadini e pubblica amministrazione, Torino, G.
Giappichelli Editore, 1996. p. 49.
2 Parejo Alfonso, Luciano, “La administración. Función pœblica”, en Enterría, Eduar-
do García y Clavero ArØvalo, Manuel (dirs.), El derecho pœblico de finales de siglo: una
perspectiva iberomericana, Madrid, Civitas, 1997, p. 289.
3 Parejo Alfonso, Luciano, op. cit., nota 2, p. 291.
PROFISSIONALIZA˙ˆO DA FUN˙ˆO PÚBLICA 23
1. A Constituiçªo de 1988, a administraçªo pœblica e princípio
da impessoalidade
A Constituiçªo de 1988 inaugurou um capítulo dedicado à administra-
çªo pœblica.
A disciplina constitucional administrativa conta, hoje, com variados ins-
trumentos jurídicos para alteraçªo do quadro tradicional de uma administra-
çªo pœblica marcada pela pouca atençªo dispensada aos direitos e garantias
integrantes do patrimônio do cidadªo-administrado. Tradicionalmente afei-
çoado à visªo da legalidade a qualquer custo, com desconsideraçªo a ou-
tros valores (como, por exemplo, o contido no principio da confiança), o
administrador pœblico, no Brasil, atuou, por muito tempo, acobertado pelo
manto da incontestabilidade do interesse pœblico.
Reconheça-se que nªo se trata de inovaçªo, mas de atendimento aos
reclames da doutrina que construiu, desde cedo, vias alternativas para elidir
a aplicaçªo mecânica da legalidade. Implementou-se, assim, o princípio da
finalidade pœblica segundo o qual, na estipulaçªo pela lei, de competŒnci-
as ao administrador pœblico, tem-se em foco um determinado bem jurídico
que deva ser suprido. Na apreciaçªo da legalidade de um ato administrati-
vo, Ø imperioso o exame da observância do escopo legal originÆrio. Caio
TÆcito e Rui Cirne Lima, notÆveis administrativistas brasileiros, desenvol-
veram importante contribuiçªo ao estudo da finalidade pœblica como
parâmetro para avaliaçªo da legalidade.
A finalidade pœblica estÆ compreendida no principio da impessoalidade
administrativa. Sua observância pela administraçªo previne o ato pratica-
do de qualquer sentido de individualismo, posicionando-o em conformidade
com o bem comum. Se o bem comum nªo se confunde com a soma dos
interesses individuais, deles tambØm nªo prescinde. O Estado constitui um
meio para que os indivíduos e as corporaçıes nele atuantes possam atingir
seus respectivos fins particulares. O sentido do bem comum Ø informado
pelas necessidades de cada um e da comunidade.
A expressªo poder, estigmatizada durante o período ditatorial brasilei-
ro, encontra-se melhor entendida como prerrogativa ou como funçªo. Caso
o administrador pœblico utilize seu poder alØm dos limites que a lei lhe
confere ou atue distanciado da finalidade pœblica, constata-se o abuso na
modalidade excesso de poder ou desvio da finalidade.
O mandamento —coerente com o princípio da impessoalidade— Ø cla-
ro e direto: o exercício de mandato, cargo, emprego ou funçªo pœblica
24 ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO
configura atividade de natureza impessoal, nªo sendo lícito transformÆ-lo
em veículo para o alcance de propaganda ou promoçªo pessoal. O admi-
nistrador que transgrida este preceito convulsiona, desarmoniza e desacre-
dita a açªo administrativa.
A Administraçªo Pœblica, como visto, tem por funçªo precípua gerir a
res publica, a coisa pœblica. JÆ se disse, com inteira razªo, que a adminis-
traçªo da coisa pœblica, atØ pela especialidade de sua atuaçªo, Ø radical-
mente diversa da administraçªo da coisa privada. A razªo Ø óbvia: o admi-
nistrador privado, com a voluntariedade e liberdade próprias de quem Ø
dono, proprietÆrio, age em consonância com o interesse particular.Dispıe
dos bens e interesses, colimando um objetivo próprio, pessoal. Ao reverso,
porque o administrador pœblico encarrega-se de bens pertencentes à cole-
tividade como um todo, os interesses em jogo sªo marcados pela
indisponibilidade. Afinal, a ninguØm Ø lícito ser desprendido com o que
nªo lhe pertence.
O princípio da impessoalidade implica, para a Administraçªo Pœblica, o
dever de agir segundo regras objetivas e controlÆveis racionalmente. Desta
forma, acentua-se a funcionalidade do agir administrativo e concretiza-se
o principio da igualdade.
2. Profissionalizaçªo do servidor pœblico, reforma administrativa
e princípio da eficiŒncia
O princípio da eficiŒncia foi inserido na Constituiçªo brasileira pela
Emenda n. 19 de 1998 entre outros jÆ existentes e elencados no caput, do
artigo 37, da CF. O princípio nªo Ø inØdito no direito comparado: a Cons-
tituiçªo espanhola de 1976 jÆ o prevŒ, assim tambØm as Leis de Procedi-
mento Administrativo dos países vizinhos do Brasil, como Ø o caso, por
exemplo, da Argentina, Uruguai e Peru (nestes países alude-se ao princí-
pio da eficÆcia). TambØm nªo Ø inØdito na doutrina brasileira: Hely Lopes
Meirelles, entre outros, jÆ tratava do “dever de eficiŒncia”, consagrado no
Decreto-Lei 200/67 e correspondente ao “dever de boa administraçªo” da
doutrina italiana.
A licitaçªo e o concurso pœblico configuram, no Brasil, os dois princi-
pais instrumentos de garantia da profissionalizaçªo da atividade adminis-
trativa. Ambos os certames destinam-se à seleçªo de agentes qualificados,
do ponto de vista tØcnico, para o desempenho de atividades inerentes à
administraçªo pœblica.
PROFISSIONALIZA˙ˆO DA FUN˙ˆO PÚBLICA 25
Consagra-se, pois, o princípio da acessibilidade aos cargos, empregos e
ao exercício de serviços pœblicos mediante concurso pœblico e licitaçªo,
como regra, prevendo-se raríssimas exceçıes: no caso de admissªo de
servidores,a livre nomeaçªo e exoneraçªo para os cargos em comissªo. Em
se tratando de licitaçªo, a dispensa e a inexigibilidade.
O princípio da eficiŒncia constitui peça fundamental da reforma admi-
nistrativa iniciada nos anos 90 na administraçªo pœblica federal. “Uma
Administraçªo Pœblica eficiente” Ø o título do sexto Caderno do MinistØ-
rio da Administraçªo Federal e Reforma do Estado,4 que tem início com a
seguinte frase emblemÆtica: “O objetivo da reforma Ø permitir que a admi-
nistraçªo pœblica se torne mais eficiente e ofereça ao cidadªo mais servi-
ços, com mais qualidade”.5
A profissionalizaçªo do servidor pœblico substancia um ponto forte da
reforma administrativa operada pela emenda constitucional nœm. 19, de 4
de junho de 1998. O preparo tØcnico para o desempenho de cargo, empre-
go ou funçªo pœblica Ø condiçªo sine qua non para avaliar a eficiŒncia do
servidor pœblico. Para alØm do concurso pœblico, a Constituiçªo consagra
vÆrios institutos dispostos àquela finalidade:
(i) As funçıes de confiança serªo exercidas exclusivamente por ser-
vidores ocupantes de cargo efetivo (legitimados pelo crivo do con-
curso pœblico) impondo-se,ainda, restriçıes no tocante aos car-
gos em comissªo (em que a investidura nªo depende de concurso
pœblico)que devem ser preenchidos por servidores de carreira
(concursados) conforme percentual mínimo previsto em lei e li-
mitam-se às atribuiçıes de chefia, direçªo e assessoramento.
(ii) A previsªo de instituiçªo pela Uniªo, estados, Distrito Federal e
Municípios do Conselho de Política de Administraçªo e Remune-
raçªo de Pessoal, a ser integrado por servidores designados pelos
respectivos Poderes (Legislativo, Executivo e JudiciÆrio).
(iii) A obrigatoriedade da Uniªo, dos Estados e do Distrito Federal
manter escolas de governo para a formaçªo e o aperfeiçoamento
dos servidores pœblicos, constituindo-se a participaçªo nos cur-
4 MinistØrio jÆ extinto.
5 Cadernos Mare da Reforma do Estado, Brasília, MinistØrio da Administraçªo Fede-
ral e Reforma do Estado, 1998, nœm. 6, p. 7.
26 ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO
sos por estas promovidos, um dos requisitos para a promoçªo na
carreira.
(iv) A previsªo de que Lei da Uniªo, dos estados, do Distrito Federal
e dos municípios disciplinarÆ a aplicaçªo de recursos orçamentÆ-
rios provenientes da economia com despesas correntes em cada
órgªo, autarquia e fundaçªo, para aplicaçªo no desenvolvimento
de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desen-
volvimento, modernizaçªo, reaparelhamento e racionalizaçªo do
serviço pœblico, inclusive sob a forma de adicional ou prŒmio de
produtividade.
(v) E, finalmente a obrigatoriedade de avaliaçªo especial de desem-
penho por Comissªo instituída para essa finalidade como condi-
çªo para a aquisiçªo da estabilidade.
De outro lado, a emenda constitucional nœm. 19/1998 prevŒ hipóteses
específicas para responsabilizaçªo do servidor por desempenho funcional
ineficiente, para alØm da apuraçªo e aplicaçªo de sançıes disciplinares
relacionadas a deveres e proibiçıes funcionais:
(i) O §1o., inc. III, do artigo 41 prevŒ a possibilidade de perda do
cargo pelo servidor estÆvel mediante procedimento de avaliaçªo
periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegu-
rada ampla defesa.
(ii) O § œnico, do artigo 247 dispıe sobre a perda do cargo do servi-
dor pœblico estÆvel que, em decorrŒncia das atribuiçıes do seu
cargo efetivo desenvolva atividades exclusivas de Estado, na hi-
pótese de insuficiŒncia de desempenho, assegurados o contradi-
tório e a ampla defesa.
(iii) A participaçªo do usuÆrio na administraçªo pœblica direta e indire-
ta deverÆ ser disciplinada por lei específica. O §3o., do artigo 37
determina que esta lei deverÆ regular especialmente as reclamaçıes
relativas à prestaçªo de serviços pœblicos em geral, asseguradas a
manutençªo de serviços de atendimento ao usuÆrio e a avaliaçªo
periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; o acesso
dos usuÆrios a registros administrativos e a informaçıes sobre
atos de governo, observado o disposto no artigo 5o., X e XXXIII;
a disciplina da representaçªo contra o exercício negligente ou
abusivo de cargo, emprego ou funçªo na administraçªo pœblica.
PROFISSIONALIZA˙ˆO DA FUN˙ˆO PÚBLICA 27
II. PROFISSIONALIZA˙ˆO DA FUN˙ˆO PÚBLICA E PRINC˝PIO
DA ACESSIBILIDADE AOS CARGOS EMPREGOS PÚBLICOS
HÆ notória relaçªo entre a profissionalizaçªo da funçªo pœblica e o prin-
cípio do concurso pœblico. Para JosØ Afonso da Silva, “o princípio da aces-
sibilidade aos cargos e empregos pœblicos visa essencialmente reali-
zar o princípio do mØrito que se apura mediante investidura por concurso
pœblico de provas ou de provas e títulos (artigo 37, II)”.6
Como bem referiu o Celso de Mello, ministro do Supremo Tribunal
Federal, “o concurso, pœblico representa garantia concretizadora do prin-
cípio da igualdade. O respeito efetivo à exigŒncia de prØvia aprovaçªo em
concurso pœblico qualifica-se, constitucionalmente, como paradigma de
legitimaçªo Øtico jurídica, da investidura de qualquer cidadªo em cargos,
funçıes ou empregos pœblicos, ressalvadas as hipóteses de nomeaçªo para
cargos em comissªo (CF, artigo 37, II). A razªo subjacente ao postulado
do concurso pœblico traduz-se na necessidade essencial de o Estado confe-
rir efetividade ao princípio constitucional de que todos sªo iguais perante a
lei, sem distinçªo de qualquer natureza, vedando-se, desse modo, a prÆtica
inaceitÆvel de o Poder Pœblico conceder privilØgios a alguns ou de dispen-
sar tratamento discriminatório e arbitrÆrio a outros”.7 Afinal, como ressal-
ta Sepœlveda Pertence,8 “acima do problema individual do direito subjeti-
vo de acesso à funçªo pœblica, situa-se o da incompatibilidade com o regime
democrÆtico de qualquer sistema que viabilize a cooptaçªo arbitrÆria, como
base de composiçªo de um dos poderes do Estado”.9
A funçªo Ø o meio pelo qual se concretizam as atribuiçıes do cargo ou
do emprego pœblico.10 Embora a funçªo englobe a competŒncia,com ela
nªo se confunde. Enquanto a competŒncia designa um círculo de atribui-
çıes inerentes ao cargo ou emprego, na funçªo estªo tambØm compreendi-
6 Silva, JosØ Afonso, da, Curso de direito constitucional, 10a. ed., Sªo Paulo, Malheiros,
1995, p. 624.
7 Supremo Tribunal Federal. Açªo Direta de Inconstitucionalidade, nœm. 2364-AL,
Julgamento: Tribunal Pleno.
8 TambØm Ministro do Supremo Tribunal Federal no Brasil.
9 Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinÆrio n. 194657lRS. Relator: Ministro
Sepœlveda Pertence. Tribunal Pleno.
10 Os empregos pœblicos sªo adequados à organizaçªo dos servidores das entidades da
Administraçªo indireta (sociedades de economia mista e empresas pœblicas) contratados
no regime da legislaçªo trabalhista (artigo 173, § 1o., CF).
28 ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO
das as proibiçıes. AlØm das obrigaçıes de fazer (competŒncia), as obriga-
çıes de nªo fazer (proibiçıes).
Antes da Constituiçªo de 1988, o concurso pœblico era exigido somente
para a primeira investidura em cargo pœblico, o que permitia a transposi-
çªo ou ascensªo funcional, ato pelo qual o servidor passava de um cargo a
outro de conteœdo ocupacional diverso, mediante concurso interno. Trata-
va-se de um sistema de mØrito no serviço pœblico, que premiava os servi-
dores que buscavam o aprimoramento na profissªo. Todavia, o Supremo
Tribunal Federal, ao interpretar o inc. II, do artigo 37, da Constituiçªo,
entendeu banida do ordenamento jurídico a ascensªo funcional como for-
ma de provimento de cargo pœblico efetivo.11 Por construçªo jurisprudencial,
acabou-se por eliminar um dos mais importantes institutos de profissio-
nalizaçªo do servidor pœblico.
O Supremo Tribunal Federal deixou aberta, no entanto, a possibilidade
do Legislador criar um sistema de promoçªo na mesma carreira (sem mu-
dar o cargo e a referŒncia, o servidor passa para outro grau, razªo pela qual
a promoçªo dÆ-se no plano horizontal), tendo em vista que o §2o., do arti-
go 39, da CF alude expressamente à participaçªo nos cursos de formaçªo e
aperfeiçoamento como um dos requisitos para a promoçªo na mesma car-
reira.12 Contudo, os legisladores nªo tem se preocupado em implementar
um sistema de promoçªo nas carreiras pœblicas.
Desta forma, continua sendo polŒmica a possibilidade constitucional do
acesso, forma de provimento pela qual o servidor passa para cargo de mai-
or grau de responsabilidade e maior complexidade de atribuiçıes, dentro
da carreira a que pertence (plano vertical). Sobre este instituto, lœcida a
ponderaçªo de Marco AurØlio de Mello, ministro da Suprema Corte, ainda
que anteriormente à emenda constitucional n. 19/98: “Dizer-se, a esta altu-
11 Nesse sentido: Supremo Tribunal Federal. ADin 2433IRN. Relator: Ministro Mau-
rício CorrŒa. DJU 24.8.01. Tribunal Pleno. Unânime.
12 “MANDADO DE SEGURAN˙A. DIREITO ADMINISTRATIVO. PROGRESSˆO FUNCIONAL DE CARREI-
RA DE N˝VEL MÉDIO PARA OUTRA DE NÌVEL SUPERIOR. PROVIMENTO DERIVADO BANIDO DO
ORDENAMENTO JUR˝DICO. NECESSIDADE DE CONCURSO PÚBLICO. JurisprudŒncia pacificada no
STF acerca da impossibilidade de provimento de cargo pœblico efetivo mediante ascen-
sªo ou progressªo. Formas de provimento, derivado banidas pela Carta de 1988 do
ordenamento jurídico. A investidura de servidor efetivo em outro cargo depende de con-
curso pœblico (CF, artigo 37, II) ressalvadas as hipóteses de promoçªo na mesma carreira
de cargos em comissªo”. Supremo Tribunal Federal. Mandado de segurança n. 23670/
DF. Relator: Ministro Maurício CorrŒa. Tribunal Pleno.
PROFISSIONALIZA˙ˆO DA FUN˙ˆO PÚBLICA 29
ra, que a passagem de um para outro cargo da mesma carreira somente Ø
possível pela via do concurso pœblico Ø afastar as perspectivas do servidor
quando do ingresso no serviço pœblico, esvaziando-se o significado do
artigo 39 da Constituiçªo Federal no que, ao prever a adoçªo do regime
jurídico œnico, alude ao implemento do plano de carreira.13 Proibir o aces-
so funcional importa desestímulo dos servidores pœblicos, com graves pre-
juízos para a Administraçªo Pœblica. A impossibilidade de alcançar cargos
mais elevados, na carreira, nªo condiz com a necessidade de estimular o
aprimoramento profissional necessÆrio à prestaçªo de serviços adequados
pela Administraçªo Pœblica.
A implementaçªo de um sistema de mØrito no funcionalismo pœblico Ø
emergencial. A profissionalizaçªo da funçªo pœblica exige nªo somente o
fortalecimento do concurso pœblico (e a necessidade de se privilegiar in-
terpretaçıes restritivas quanto aos cargos em comissªo que constituem
exceçªo à regra do concurso), como tambØm um adequado plano legislativo
de carreira, em todos os níveis da Federaçªo (Uniªo, Estados, Distrito Fe-
deral e Municípios).
III. A ÉTICA NA ADMINISTRA˙ˆO PÚBLICA
Tema correlato aos anteriormente tratados, a Øtica na Administraçªo
Pœblica, passa a merecer dos tratadistas a maior atençªo.
No Brasil existem dezenas de textos que sªo conducentes a prescrever
comportamentos Øticos, em praticamente todas as Æreas de atuaçªo. Os Con-
selhos Regionais das Profissıes em seus respectivos regulamentos descre-
vem, com alguma minudŒncia, as regras que orientam os comportamentos
Øticos notadamente nos capítulos concernentes a deveres e proibiçıes.
Relativamente à Administraçªo Pœblica sªo mœltiplos os textos legais
atinentes (Estatutos de Servidores Civis e Militares, Estatutos dos Profes-
sores, secundados por Códigos de Ética, etc.).
Assentindo com a posiçªo de Jesœs GonzÆlez PØrez,14 para quem deve
haver uma mesma Øtica para o homem pœblico e a mulher pœblica, a mes-
ma Øtica para todos os homens e mulheres, nªo se pode concordar com
aqueles que defendem que a Øtica pœblica, levando em conta a reta razªo e
13 Supremo Tribunal Federal, “Açªo direta, de inconstitucionalidade”, nœm. 231, Re-
vista de Direito Administrativo, nœm. 191.
14 GonzÆlez PØrez, Jesœs, La Øtica en la administración pœblica, Madrid, 2000, p. 40.
30 ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO
os interesses pœblicos, se circunscreve, tªo somente, à conduta dos agentes
pœblicos. Como bem aponta o professor Jaime Rodriguez Araæa Muæoz,
da Universidade de La Coruæa, Espanha, a Øtica pœblica Ø dever imposto
nªo só à administraçªo pœblica e seus agentes, mas tambØm a quem quer
que se relacione com o poder pœblico.15
O comportamento Øtico Ø, portanto, um dever de toda a pessoa huma-
na,16 marcando, em definitivo, as pautas de conduta: Dignidade do Admi-
nistrador e Dignidade do cidadªo ou do administrado, como preferem al-
guns. LamentÆvel e incompreensivelmente, o andar dos tempos vem
transformando o comportamento Øtico numa excepcionalidade.
Com efeito, as atitudes Øticas tornam-se cada dia mais raras. Aristóteles
dizia que a distinçªo entre o homem e o animal reside na racionalidade, na
vida racional. Contudo, a razªo nªo basta. É necessÆrio o desejo, a educa-
çªo, o hÆbito, a memória de exercitar uma virtude.
A virtude Ø a nossa maneira de ser e agir humanamente —considerando
que a humanidade— entendida como um valor, consiste em nossa capaci-
dade de agir bem. Nesta linha, Montaigne sustentava que “ nªo hÆ nada
mais belo e legítimo do que o homem agir bem e devidamente.” “É a pró-
pria virtude.” (Ensaios).17
Assim, a virtude, repete-se desde a GrØcia antiga, Ø uma disposiçªo de
fazer o bem. Como espØcie do gŒnero virtude, temos a Øtica.
Temos retratado a Øtica como um germe que, incorporando valores
ínsitos, plantado no homem desde a sua infância que, ao frutificar, produz
um indivíduo Øtico na idade madura. Este indivíduo, no exercício de uma
funçªo pœblica haverÆ de trasladar para o ofício ou cargo, as regras
comportamentais Øticas apreendidas.
Diferentemente das sete Constituiçıes anteriores, a atual Constituiçªo
brasileira Ø fruto da participaçªo de todos os segmentos da sociedade. Re-
conheça-se que mesmo impregnada por determinados vícios, a carta centra-
se na pessoa humana, daí ser cognominadade “Constituiçªo cidadª”. A
dignidade do ser humano foi erigida a fundamento do Estado democrÆtico
15 Apud, op. cit., nota 14, p. 40.
16 A Lei n. 9784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no
âmbito da Administraçªo Federal, no artigo 2o., § œnico, inciso IV, impıe a todos uma
“atuaçªo segundo padrıes Øticos de probidade, decoro e boa-fؔ.
17 Apud, Comte-Sponville, AndrØ, Pequeno tratado das grandes virtudes, Sªo Paulo,
Martins Fontes, 1995, p. 9.
PROFISSIONALIZA˙ˆO DA FUN˙ˆO PÚBLICA 31
de direito: o seu principal destinatÆrio Ø o homem em todas as suas dimen-
sıes, como bem acentua o mestre Canotilho. O agir estatal e o agir do
cidadªo em face do Estado e dos seus semelhantes, nªo pode perder de
vista —mormente na tratativa de um tema dessa importância— a base an-
tropológica comum que deflui da Constituiçªo: o princípio da dignidade
do ser humano, principal justificativa para a existŒncia de qualquer norma.
O Brasil Ø uma repœblica federativa composta pela uniªo federal, por 25
Estados e mais de 5,200 municípios. Existem regras comportamentais
direcionadas à administraçªo pœblica e seus agentes, emanadas dessas en-
tidades federativas, atravØs de leis federais, estaduais e municipais. O
ponto fundamental, no entanto, nªo se reduz ao ordenamento jurídico po-
sitivo em si, mas, sobretudo, à sua efetividade e a concretude das sançıes
em face de atitudes comportamentais reprovÆveis. O Estado que impıe
regras de conduta deve zelar pelo cumprimento de suas prescriçıes. Se
isto nªo ocorre, incrementa-se a idØia da impunidade, fomenta-se o com-
portamento agressivo ao princípio constitucional da moralidade e seus des-
dobramentos.
O princípio da moralidade, aplicado ao campo da Administraçªo Pœbli-
ca, ao incorporar conteœdo Øtico, incide justamente na esfera do anseio de
certeza e segurança jurídica, mediante a garantia da lealdade e boa-fØ tanto
da administraçªo pœblica que recepciona os pleitos, instrui e decide; quan-
to do destinatÆrio de seus atos.
Com efeito, o artigo 2o., inciso IV, da Lei de Processo Administrativo
(9784/99) exige da administraçªo pœblica, nos procedimentos administrati-
vos, “atuaçªo segundo padrıes Øticos de probidade, decoro e boa-fØ.” Os
incisos I, do artigo 3o. e II, do artigo 4o., da mesma Lei (9784/99) consa-
gram, respectivamente, como direito dos administrados, o de “ser tratado
com respeito pelas autoridades e servidores, que deverªo facilitar o exercí-
cio de seus direitos e o cumprimento de suas obrigaçıes” e, ao mesmo tem-
po, como dever o de “proceder com lealdade, urbanidade e boa-fؔ.
A boa-fØ e a lealdade, como instrumentos processuais garantidores da
moralidade administrativa no exercício da competŒncia disciplinar,
substanciam elementos objetivos capazes de definir mØtodos e formas prÆ-
ticas de comportamento administrativo.
A boa-fØ, assim, atrai o valor Øtico da confiança. Retrata a integraçªo do
ordenamento a regras Øtico-materiais, de fidelidade, crença e confiança.18
18 GonzÆlez PØrez, Jesœs, op. cit., nota 14, pp. 45 y 46.
32 ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO
Confianza, legítima confianza de que no se le va a imponer una prestación
cuando sólo superando dificultades extraordinarias podrÆ ser cumplida. Ni
en un lugar en que, razonablemente, no cabía esperar. Ni antes de que lo
exijan los intereses pœblicos ni cuando ya no era concedible el ejercicio de
la potestad administrativa. Confianza, en fin, en que el procedimiento para
dictar el acto que darÆ lugar a las relaciones entre administración y admi-
nistrado, no va adoptar una conducta confusa y equívoca que mÆs tarde
permita eludir o tergiversar sus obligaciones. Y en que los actos van a ser
respetados en tanto no exijan su anulación los intereses pœblicos.19
À esse propósito, Ø oportuno lembrar JosØ Manuel SØrvulo Correia:
Nos nossos dias, o dinamismo intrínseco do princípio fundamental do Es-
tado de Direito manifesta-se atravØs de duas facetas interrelacionadas. Uma
dessas vertentes Ø aquela que poderemos denominar ‘capacidade irradiante’
do princípio: o confronto do seu nœcleo essencial com as realidades sócio-
políticas permite deduzir princípios secundÆrios que vŒm engrossar a aurØ-
ola que rodeia a sua estrutura nuclear. É, por exemplo, o caso do princípio
da protecçªo da confiança dos cidadªos, que a Constituiçªo Portuguesa nªo
menciona expressamente mas que o Tribunal Constitucional de Lisboa in-
fere do preceito que proclama o Estado de Direito.20
Na esteira do pensamento de Jesœs GonzÆlez PØrez, Celso Antônio Ban-
deira de Mello entende que os princípios da lealdade e boa-fØ —considera-
dos princípios fundamentais do procedimento administrativo— estªo com-
preendidos no âmbito do princípio da moralidade da Administraçªo Pœblica.21
A boa-fØ e a lealdade tŒm um fØrtil campo de atuaçªo no direito admi-
nistrativo, podendo manifestarse: (a) no exercício de poderes e faculdades
com relaçªo ao tempo, exigindose a fixaçªo de prazos adequados para cum-
primento da prestaçªo, vedando a imposiçªo de obstÆculo resultante de um
comportamento desleal;22 (b) no estabelecimento de uma atuaçªo
19 GonzÆlez PØrez, Jesœs, op. cit., nota 14, p. 59.
20 Correia, JosØ Manuel SØrvulo, Contencioso administrativo e Estado de Direito,
conferŒncia, Maputo, Companhia de Moçambique, 1993. p. 13.
21 Bandeira de Mello, Celso Antônio, Curso…, cit., pp. 73, 323. Para JuÆrez Freitas, o
princípio da confiança ou da boa-fØ resulta da junçªo dos princípios da moralidade e da
segurança das relaçıes jurídicas. Freitas, O Controle dos Atos…, cit., p. 73.
22 GonzÆlez PØrez, Jesœs, op. cit., nota 14, p. 102. A fixaçªo de prazo adequado para o
cumprimento do atos administrativos processuais recebeu proteçªo nœm. §2o., do artigo
26, da Lei 9784/99 que, embora nªo tenha carÆter principiológico, pode ser aplicado
PROFISSIONALIZA˙ˆO DA FUN˙ˆO PÚBLICA 33
procedimental leal em que a Administraçªo e o cidadªo relacionemse de
forma clara, a partir de capítulos e pontos numerados que nªo revelem uma
pauta imprevisível; (c) no dimensionamento do procedimento a partir de
um formalismo moderado a fim de evitar a sucessiva e interminÆvel possi-
bilidade de oposiçıes; (d) na convalidaçªo das nulidades sanÆveis: os er-
ros de procedimento devem ser corrigidos imediatamente.23
A boa-fØ e a lealdade humanizam a relaçªo entre Administraçªo e o
destinatÆrio de seus atos sem que isto implique “quebra do princípio da
impessoalidade”.24
Por fim, conclua-se com Allegretti para quem a degeneraçªo moral da
açªo pœblica nªo se reduz a um problema de pessoas ou de comportamen-
tos Øtico-políticos, mas tambØm de adequada reforma da estrutura
institucional, nesta incluída, a administrativa.
Cônscio da contradiçªo existente entre a rigidez das regras e a ausŒncia
de cobrança de cumprimento, o constituinte brasileiro de 1988 produziu
profundas transformaçıes na estrutura e no funcionamento de alguns ór-
gªos de controle, destacando-se a elevaçªo do MinistØrio Pœblico à cate-
goria de instituiçªo constitucional autônoma, com prerrogativas, entre ou-
tras, para formular juízos (promoçªo do inquØrito civil e da Açªo Civil
Pœblica, visando a proteçªo do patrimônio pœblico, o meio ambiente e ou-
tros interesses difusos e coletivos, cfr. artigo 129), quase um poder do
Estado, enfim. Com efeito, o MinistØrio Pœblico nªo se subordina ao Poder
Executivo e nªo deve obediŒncia ao Poder JudiciÆrio. Sua atuaçªo Ø timbrada
pela autonomia, servindo à sociedade e sendo sœdito da lei e da justiça.
De outro lado, a partir da Constituiçªo de 1988, foram editadas diversas
leis de cunho nacional, merecendo especial referŒncia a Lei de Improbidade
Administrativa (Lei nœm. 8.429/92) que impıe aos infratores penas de ri-
gor adequado, tais como, alØm da constriçªo do patrimônio, perda de direi-
tos políticos e demissªo do cargo sem prejuízo das sançıes penais a que
subsidiariamente no processoadministrativo disciplinar, na hipótese de ausŒncia de regra
específica: “A intimaçªo observarÆ a antecedŒncia mínima de trŒs dias œteis quanto à data
de comparecimento”.
23 Com razªo, JuÆrez Freitas sublinha a íntima relaçªo do princípio da confiança ou
boa-fØ para solver o problema da imprescritibilidade e da eventualíssima nªo-decretaçªo
de nulidade dos atos administrativos, ambos em correlaçªo temÆtica, com o intuito de
fixar limites à cogŒncia anulatória de atos maculados por vícios originÆrios. Freitas, O
Controle dos Atos…, cit., supra, p. 75.
24 GonzÆlez PØrez, Jesœs, op. cit., nota 14, p. 150.
34 ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO
estiverem sujeitos. A jÆ aludida Lei de Processo Administrativo (9.784/
99), a Lei de Licitaçıes e Contratos Administrativos (Lei nœm. 8.666/93),
O Código de Proteçªo e Defesa do Consumidor (Lei nœm. 8.078/90) e a
Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nœm 101/2000), entre
outras, ampliando a legitimaçªo de pessoas e entidades, contØm dispositi-
vos de balizamento Øtico moral.
Tratando especificamente da conduta Øtica dos Servidores Pœblicos Ci-
vis da Uniªo, das Autarquias e das Fundaçıes Pœblicas, a Lei Federal nœm.
8.027, de 12 de abril de 1990, serve de importante paradigma para estados
e municípios, regulando a atuaçªo funcional e rememorando as obrigaçıes
do servidor para com a Administraçªo e o pœblico que Ø o œnico e funda-
mental destinatÆrio de seus elevados misteres. Como conseqüŒncia dessa
legislaçªo, a PresidŒncia da Repœblica, atravØs do Decreto nœm. 1171 de
22.06.1994, fez veicular Código de Conduta Ética. Este Código, cujas pres-
criçıes, hauridas notadamente da doutrina, impıem regras deontológicas,
de sorte a estipular que a dignidade, o decoro, o zelo, a eficÆcia e a consci-
Œncia dos princípios morais sªo os primados maiores que devem nortear a
atuaçªo do servidor pœblico, seja nas atribuiçıes do cargo ou fora dele, jÆ
que refletirÆ o exercício da vocaçªo do próprio poder estatal. Os atos e com-
portamentos dos servidores devem ser direcionados para a preservaçªo da
honra e da tradiçªo dos serviços pœblicos, nªo se permitindo nenhuma espØ-
cie de desprezo Øtico em suas respectivas atitudes.
A Øtica, incorporando outros valores Ø comportamento que pode ser ad-
quirido. Mais forte que o poder das leis Ø o exemplo dignificante. Uma
administraçªo pœblica como aparelhamento integrado por agentes Øticos,
faz expargir atuaçªo idônea que, irradiando bons exemplos, oferece resul-
tados conducentes a implementar força evocativa significativamente mai-
or do que as palavras da lei. Os bons exemplos —tal como pedra arremes-
sada em lago plÆcido— desenham círculos concŒntricos dinâmicos que
evoluem de modo benfazejo e incessante para as bordas.
Somando-se ao que foi dito, nªo se deve perder de vista que a certeza da
sançªo diante de conduta reprovÆvel Ø elemento de extremada importân-
cia. Nada impıe maior atençªo ao indivíduo do que a sombra do cadafal-
so! O exemplo do arremesso da pedra ao lago pode dar-se em sentido in-
verso. A convicçªo da impunidade, como epidemia que se alastra de forma
impiedosa, convulsiona, desarmoniza, subverte e anarquiza a administra-
çªo pœblica. A ordem jurídica só se afirma quando hÆ o pleno cumprimen-
to das normas em geral, cujo conteœdo para a administraçªo pœblica Ø
PROFISSIONALIZA˙ˆO DA FUN˙ˆO PÚBLICA 35
sagrado. A inobservância das regras, mormente a de cunho Øtico-moral,
acarreta, corrupçªo, arbitrariedade e truculŒncia procedimental.
A profissionalizaçªo do servidor pœblico, a instituiçªo e o fomento de
escolas de administraçªo pœblica, a exemplo do que ocorre na Espanha,
haverªo de propiciar uma preparaçªo intelectual e, sobretudo, deontológica
dos operÆrios pœblicos.
A desprezar-se a Øtica, estaríamos sepultando a esperança e cometen-
do uma atrocidade comparÆvel ao “apagar do arco-íris” na feliz constru-
çªo do escritor, ator e compositor brasileiro MÆrio Lago, de iluminada
existŒncia.

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