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AULA 2 NEUROEDUCAÇÃO E APRENDIZADO DA MATEMÁTICA Profª Patrícia Fernanda da Silva 2 TEMA 1 – O MAPEAMENTO DE IMAGENS PELO CÉREBRO O cérebro e o corpo necessitam um do outro: estão interligados. O cérebro é responsável por receber sinais do corpo e realizar o mapeamento das imagens. O corpo interage com o mundo externo e as mudanças ocasionadas no corpo são mapeadas pelo cérebro, e a mente toma conhecimento do mundo também por meio do cérebro. Já o cérebro só consegue obter essas informações por meio do corpo. Cabe ressaltar que o cérebro obtém as informações por meio do corpo e posteriormente informa a si mesmo, criando imagens e fazendo com que a mente fique ativa. O cérebro tem a função geral de gerir a vida, porém essa não é a sua característica essencial, pois é possível que uma pessoa consiga sobreviver mesmo sem ter o sistema nervoso. De acordo com Damásio (2011, p. 87-88), a característica essencial do cérebro é criar imagens. O mapeamento é essencial para uma gestão complexa. Mapear e gerir a vida andam de mãos dadas. Quando o cérebro produz mapas, informa a si mesmo. As informações contidas nos mapas podem ser usadas de modo não consciente para guiar com eficácia o comportamento motor, uma consequência muito conveniente, uma vez que a sobrevivência depende de executar a ação certa. Mas, quando o cérebro cria mapas, também está criando imagens, o principal meio circulante da mente. E por fim a consciência no permite experienciar os mapas como imagens, manipular essas imagens e aplicar sobre ela o raciocínio Figura 1 – Mundo e universo dentro da mente humana Fonte: Benjavisa Ruangvree/ Shutterstock 3 O mapeamento não acontece somente por imagens, mas também por diversos tipos de padrões sensoriais. Essas imagens são pertencentes e ficam disponíveis apenas para o possuidor da mente em que ocorrem. Nenhuma outra pessoa tem acesso a elas, pois elas são privadas, próprias de quem as está gerindo. TEMA 2 – MAPAS E MENTES A mente é uma consequência do mapeamento ininterrupto e eficaz realizado pelo cérebro (Damásio, 2011). Os mapeamentos realizados são o que percebemos como visões, sons, sensações táteis, cheiros, gostos, prazeres. As imagens da mente, por sua vez, são mapas criados pelo cérebro das coisas que estão dentro ou fora do corpo, sejam elas concretas ou abstratas. Para esse processo de mapeamento, a percepção é fundamental e pode- se dizer que ela é o resultado da habilidade desenvolvida pelo cérebro em realizar mapeamentos. O processo mental é um fluxo contínuo de imagens, algumas que estão ocorrendo fora do cérebro, e outras que são constituídas com base em memórias pela ação de recordar. As imagens são um processo que estão sempre se modificando, e a mente é constituída a partir de uma combinação de imagens simples, que se deformam facilmente. Estas imagens se relacionam na mente entre si de modo lógico, às vezes se sobrepõem, outras se encontram, mas sempre são sequências concorrentes. As imagens são organizadas e destacadas no fluxo mental de acordo com valor que possuem para o indivíduo. a mente não se ocupa apenas de imagens que entram naturalmente em sequência. Ela também se ocupa de escolhas, editadas como em um filme, que nosso disseminado sistema de valor biológico favoreceu. A procissão mental não respeita a ordem de entrada. Segue seleções baseadas no valor, inseridas em uma estrutura lógica ao longo do tempo (Damásio, 2011, p. 97). A mente continua a formar imagens mesmo quando não está consciente, pois temos mente consciente e mente inconsciente. Pode-se dizer que grande parte das atividades humanas são gerenciadas de forma inconsciente. 4 TEMA 3 – MENTE CONSCIENTE E INCONSCIENTE É fundamental saber que temos mente consciente e inconsciente, ou seja, muitas imagens são constituídas pela percepção ou aparecem, mesmo quando não estamos conscientes delas. Muitas imagens nunca recebem a atenção da consciência e não são ouvidas ou vistas diretamente na mente consciente. E no entanto, em muitos casos tais imagens são capazes de influenciar nosso pensamento e nossas ações. Um rico processo mental relacionado ao raciocínio e ao pensamento criativo pode ocorrer quando estamos conscientes de outra coisa (Damásio, 2011, p. 98). No que se refere a comportamentos emocionais, em 1900 Freud já havia mostrado pela primeira vez que estados emocionais também são experimentados de forma inconsciente, principalmente os que envolvem o medo (Kandel et al. 2003). E a maioria deles acontecem de forma inconsciente. O referido autor salienta ainda que os estados mentais inconscientes estão sujeitos a respostas motoras esqueléticas, viscerais e endócrinas. Determinadas regiões do cérebro não participam do processo de geração da mente: umas realizam atividades básicas, porém indispensáveis, e outras regiões auxiliam gerando a mente a partir de tarefas como a criação, recuperação e administração de imagens. A exemplo tem-se a medula espinhal, que, quando é perdida totalmente, provoca graves deficiências motoras e também dificuldades para expressar sentimentos e emoções. Outro exemplo pode ser elucidado com base na observação de pacientes com hipocampos e córtices temporais destruídos. Para estes pacientes, aprender novos fatos é quase impossível, pois também perdem grande capacidade de relembrar o passado. Mesmo assim, a mente desses pacientes permanece sem comprometimento, com percepção tátil, visual e auditiva normal, podendo relembrar conhecimentos, pois os aspectos fundamentais da consciência não foram afetados e permanecem intactos (Damásio, 2011). Ao contrário, quando existe algum tipo de dano no córtex cerebral, o cenário é muito diferente, pois várias das suas regiões participam da produção de imagens na mente, e isso impossibilita que o córtex realize o mapeamento do setor. 5 A construção da mente consciente ocorre por meio de um complexo processo que se dá pela adição e eliminação de mecanismos cerebrais, como se fossem um quebra-cabeça. Kandel, Jessel e Schwartz (2003) abordam o exemplo da percepção visual. Por exemplo, ao olhar para fora, uma pessoa enxerga diversos prédios, casas e ruas, porém não faz ideia de todos os processos mentais que precisam acontecer para obter essas percepções. De acordo com Kandel, Jessel e Schwartz (2003, p. 1198), “A maioria dos neurocientistas acredita hoje que apenas perceptos, mas não o processamento cognitivo, sejam fenômenos conscientes”. A evidência de processos cognitivos inconscientes pôde ser comprovada com base em estudos sobre inteligência artificial e de cognição em pacientes com danos cerebrais. Observou-se que a percepção se modifica em pacientes com danos cerebrais sem estimulação sensorial. Nesse caso, a atividade neural estava associada a mudanças na percepção, pois não havia nenhuma modificação na estimulação sensorial. Dessa forma, ficou evidente que mudanças no sistema sensorial podem ser armazenadas pelo encéfalo mesmo sem serem simuladas pela consciência. Com base nesses estudos, chegou-se à conclusão que a experiência consciente resulta de determinadas atividades de certas regiões corticais, porém estas atividades ainda não são suficientes, muitas vezes podem ser estimuladas (Kandel; Jessel; Schwartz, 2003). TEMA 4 – A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO Durante muito tempo, o conhecimento foi estudado por alguns grandes etologistas, biólogos e psicólogos. A psicologia apresentou bases sólidas acerca do processo de construção do conhecimento, porém, com o surgimento da neurociência, foi possível pesquisar e aprofundar os estudos com o uso de imagens, percebendo ocorrências em áreas específicas do cérebro humano. As pessoas se desenvolvem de modo diferente, cada ser é único, porém,em geral, pode-se afirmar que algumas coisas acontecem de forma semelhante no ser humano, podendo assim destacar particularidades que podem ser observadas visando facilitar a ativação da memória e a produção de conhecimento. 6 A produção de conhecimento se dá com a participação do sistema nervoso. Este, por sua vez, recebe uma infinidade de informações e posteriormente elimina aquelas que no momento não são importantes. As partes frontais do cérebro, responsáveis pelo controle cognitivo, direcionam o foco para o assunto de interesse e a memória de trabalho e atenção se mobilizam para o processamento da informação. Porém para que esta informação permaneça, variáveis como emoção e relevância da informação precisam ser observadas. A aprendizagem é um processo que envolve todo o sistema nervoso e não se restringe apenas ao cérebro. Somente as transformações das conexões sinápticas ocorrem especificamente no cérebro. Todas as vezes em que informações são absorvidas, ocorrem as sinapses. O cérebro é o responsável por quebrar conexões, aumentar e fortalecer sinapses. À medida que um conteúdo ou assunto é assimilado, novas ligações são estabelecidas. As sinapses acontecem pela união de um terminal axonal com outro neurônio ou tipo celular, podendo ser simples ou químicas, como é o caso da maioria (Almeida, 2012). Figura 2 – Ilustração 3D de sinapses químicas e elétricas em neurônios ou outra célula. Fonte: Rost9/Shutterstock. Inúmeras estruturas cerebrais e cognitivas estão envolvidas no processo de aprendizagem (atenção, memória de trabalho, emoção e inteligência), bem como questões biológicas (sono, temperatura corporal). 7 Para crianças em idade pré-escolar, as sinapses estão ocorrendo a todo vapor, por isso é importante uma escola que possibilite diferentes estímulos, bem como que a criança tenha uma boa alimentação e convívio social (Almeida, 2012). Os itens a seguir, destacam alguns fatores que são relacionados ao processo de aprender. 4.1 O desenvolvimento da memória A memória e o aprendizado estão presentes no contexto, são ações que fazem parte do dia a dia. Diferem-se pelo fato de que o aprendizado é uma mudança de comportamento resultante da aquisição de conhecimento sobre o mundo e a memória. É o processo pelo qual o conhecimento é codificado, retido e posteriormente lembrado (Kandel; Jessel, Schwartz, 2003). Segundo os mesmos autores, “O aprendizado e a memória são essenciais para o pleno funcionamento e a sobrevivência independente de pessoas e animais” (Kandel; Jessel, Schwartz, 2003, p. 1253). A memória é uma função que possui áreas delimitadas do cérebro, independente da linguagem, percepção e do movimento. O armazenamento da memória envolve áreas distintas do cérebro e com um grau de importância diferente. Algumas regiões do cérebro são mais importantes para uma função do que outras. Figura 3 – Memória e as áreas distintas do cérebro Fonte: Batshevs/Shutterstock. 8 Kandel, Jessel e Schwartz (2003, p. 1253) trabalham com três focos de ideia para a compreensão da aprendizagem e memória. Primeiro, a de que há diversas formas de aprendizado e memória, cada qual com suas próprias e distintas propriedades cognitivas, mediadas por sistemas encefálicos específicos. Segundo de que a memória pode ser dividida em processos separados: codificação, armazenamento, consolidação e evocação. Por fim, a de que imperfeições e erros na evocação dão dicas acerca da natureza e da função do aprendizado e da memória. Já Almeida (2012) ressalta que a criança até os nove meses já tem o número de neurônios praticamente definidos, porém são poucas as pessoas que possuem memórias até os 4 anos de idade. Isso se dá pela falta de formação dos dois hemisférios. Para o autor, a memória funciona em módulos cooperativos que se auxiliam quando é necessário buscar informações. Para tanto, é importante que existam diferentes caminhos que possam levar até elas. As memórias podem ser de dois tipos: de curto e longo prazo. A memória de curto prazo pode se transformar em memória de longo prazo, e a memória de longo prazo pode ser classificada como implícita ou explícita. A capacidade de armazenamento de informação é chamada de memória de trabalho, e depende da memória de curto prazo (representações atuais, retenção de imagens mentais), por exemplo, repetir um número de telefone. As informações da memória de trabalho são transferidas para a memória de longo prazo passando pelo hipocampo, assim como informações novas e também as já armazenadas. A memória de longo prazo implícita aparece de forma automática, com pouca atividade consciente e são aquelas resultantes de hábitos, habilidades motoras e condicionamentos. A memória de longo prazo explícita é uma memória consciente, resultante de conhecimentos de pessoas, coisas ou lugares. É uma memória bastante flexível, que permite criar associações de diferentes informações e também depende muito da forma como aconteceu o aprendizado. Esta, por sua vez, se subdivide em episódica (o que foi vivido “ontem”) e semântica (aprendizagem de novas palavras e conceitos). Kandel, Jessel e Schwartz (2003) ainda listam quatro processos para a memória explícita: a codificação: observação e conexão de novas informações 9 preexistentes na memória. É importante que a codificação seja realizada de forma completa, percebendo as informações e associando com conhecimentos já adquiridos. Para que essas informações sejam lembradas, também é importante a motivação. O armazenamento é composto por mecanismos neurais que possibilitam reter a memória a longo prazo. Sua capacidade é ilimitada, não existem limites de conhecimento para as informações que podem ser armazenadas. A consolidação possibilita a estabilidade da informação armazenada e, por fim, a evocação é um processo em que a informação armazenada é relembrada. Traz diferentes tipos de informações que foram armazenadas em locais distintos do cérebro. Ainda existem memórias do tipo condicionadas, que geralmente não são informadas, mas podem possibilitar a aprendizagem de hábitos, habilidades cognitivas, motoras e de percepção. Acontecem pelo estímulo e resposta, sendo resultado de um aprendizado repetitivo. No entanto, a memória não é perfeita: mesmo permitindo o acesso às informações do passado, relacionando fatos, informações, conceitos e também aprendendo, a memória às vezes falha, esquecendo rapidamente alguns fatos, destorcendo fatos do passado ou mesmo lembrando situações que você gostaria que fossem esquecidas. Para Kandel, Jessel e Schwartz (2003), a memória possui algumas imperfeições, que foram descobertas por Daniel Schacter e que seriam as seguintes: • Distração: a falta de atenção ao durante a codificação é uma provável causa da falta de memória ou esquecimentos. • Bloqueio: falta de acesso temporário de uma informação ou palavra que está na memória. Às vezes a palavra está “na ponta da língua”, mas não é possível lembrar. • Erro de atribuição ou amnésia de fonte é um falso reconhecimento, ou seja, associação incorreta de uma memória com um lugar ou pessoa. • Sugestibilidade: refere-se à capacidade de incorporar informações externas à memória; é utilizada em situações de hipnose, quando solicitado para imaginar um fato da infância. 10 • Viés ou filtro: refere-se a distorções e influências inconscientes relacionadas à crença e a conhecimentos gerais. São lembranças fortes, porém imprecisas do passado. • Persistência: refere-se às memórias que são lembradas mesmo quando se deseja querer esquecê-las. Todos esses pecados da memória, conforme o autor, são adaptativos, ou seja, caso houvesse um registro de tudo o que fosse visto ou experienciado, a pessoa teria muitas informações inúteis ao seu dispor e não conseguiria generalizar informaçõesou pensar de forma abstrata. 4.2 Atenção A atenção possibilita ao cérebro filtrar a grande quantidade de informações a que está exposto e dirigir o foco para o estímulo que é mais importante. É graças à atenção que é possível manter o foco, desviar de barulhos externos, concentrar-se em uma leitura ou mesmo em uma conversa com alguém na rua. A atenção é um processo complexo resultante da integração de estruturas corticais e subcorticais, bem como do sistema de redes neurais. Inicia-se a partir da percepção de estímulos que se originam de órgãos sensoriais. Saber selecionar e inibir estímulos importantes é uma atividade essencial para o processo de aprendizagem e cognição. 4.3 Emoção A emoção é fundamental para que haja motivação e também vontade de aprender algo. Muitas vezes seu conceito é utilizado de forma equivocada, pois pode ser utilizada para descrever situações de medo, aceleração de batimentos, tensão de músculos, ou seja, respostas fisiológicas. Ou também para descrever experiências conscientes, relacionadas aos sentimentos. A emoção consiste em um conjunto de respostas fisiológicas que ocorrem de forma mais ou menos inconscientes a partir do momento em que o cérebro detecta situações desafiadoras (Kandel; Jessel; Schwartz, 2003). Respostas fisiológicas automáticas são produzidas pelo corpo e pelo encéfalo. O corpo responde com funções autônomas, envolvendo respostas 11 endócrinas e musculoesqueléticas. Já o cérebro responde com mudanças em nível de alerta e também de forma cognitiva. De acordo com Kandel, Jessel e Schwartz (2003, p. 938), “Em certo sentido, os sentimentos são significados que o encéfalo cria para representar os fenômenos fisiológicos gerados pelo estado emocional”. TEMA 5 – BIOLOGIA DA GÊNESE DE CONHECIMENTO NO CÉREBRO-MENTE DOS HUMANOS O estudo da gênese do conhecimento na psicologia teve informações muito importantes acerca de estudos de Jean Piaget sobre as diferenças qualitativas entre o pensamento infantil e adulto. Jean Piaget nasceu na Suíça, era biólogo e viveu de 1896 a 1980. Suas pesquisas eram direcionadas ao estudo da natureza humana. Ficou conhecido no mundo todo por seus estudos voltados para a epistemologia genética e suas ideias fluentes sobre o desenvolvimento infantil. Utilizou a epistemologia genética para seus estudos sobre o desenvolvimento de conhecimentos e seres humanos. Sua pesquisa deu origem a uma teoria de conhecimento, que explica o modo como este se desenvolve no ser humano. Piaget considerava-se construtivista, pois defendia a ideia de que o conhecimento não é pronto e que cada um está sempre criando seu próprio conhecimento. Percebeu a necessidade de realizar estudos sobre o desenvolvimento mental, a inteligência e a gênese de noções, definindo mais tarde o termo epistemologia genética como o estudo de transformações acerca do conhecimento, constatando que, com base em transformações, os sistemas de significações sofrem perturbações e regulações. Para que esses processos ocorram, é necessário que o sujeito seja perturbado por novas situações. Durante suas observações, Piaget contou com o auxílio da sua esposa psicóloga, visando mostrar o desenvolvimento infantil e o processo de evolução da inteligência. Para tanto, realizou observações minuciosas desde o nascimento de seus filhos Jacqueline, Lucienne e Laurent. Com base no método clínico, Piaget investigou as ideias infantis de modo que as crianças pudessem falar livremente, sem sofrer influências do pesquisador, 12 e este, por sua vez, acompanhava a linha de raciocínio das crianças sem perder nenhum detalhe. Por meio do método clínico, Piaget conseguiu distinguir o pensamento infantil do adulto e se deteve a listar características presentes no pensamento da criança e também aquelas que ainda não haviam sido elaboradas. Embora outras teorias tenham surgido, a teoria piagetiana tenta se deter em fatos observados, evitando generalizações e deslizes para teorias de conhecimento ou história da filosofia. Piaget (1986), ao falar das funções comuns a vida e ao conhecimento faz a seguinte ressalva: “As funções biológicas conduzem a manter ou conservar à vida e as funções cognoscitivas conduzem ao conhecimento e à compreensão” (Piaget, 1986, p. 69). O conhecimento biológico possui duas dimensões: uma diacrônica (evolução/desenvolvimento individual) e a outra é uma dimensão sincrônica, que faz correspondência aos problemas fisiológicos. A dimensão diacrônica busca conceituar a palavra desenvolvimento com base em uma transformação estrutural que é ocasionada pelo tempo. Caracteriza o desenvolvimento no sentido da formação gradual do organismo adulto, sendo único e dono de uma inteligência individual. A dimensão sincrônica se relaciona com o equilíbrio do desenvolvimento genealógico e orgânico. Aborda o surgimento de “raças”, as diferenças surgidas de mutações e a evolução acontecendo de forma contínua. Conforme Piaget (1986), a espécie humana se difere da espécie animal devido à razão, pois a inteligência não é uma característica própria apenas da espécie humana. O autor faz paralelos de conceitos biológicos com peculiares à análise das funções cognoscitivas para poder situar o leitor sobre o problema principal a ser desenvolvido, o conhecimento. 5.1 As relações entre organismo, meio, sujeito e objeto Juntamente à dualidade da dimensão sincrônica e diacrônica, Piaget (1986) impõe a relação existente entre o organismo e o meio, que são indissociáveis. Ressalta ainda que possuem três tipos de conhecimentos possíveis: 1. os conhecimentos ligados a mecanismos hereditários (instinto, percepção etc.), existentes ou não, no homem, mas correspondendo 13 portanto biologicamente ao domínio dos caracteres transmitidos pelo genoma; 2. os conhecimentos tirados da experiência, e correspondendo assim biologicamente aos acomodatos fenotípicos; e 3. os conhecimentos lógicos-matemáticos, resultantes de coordenações operatórias (funções, etc.), correspondendo biologicamente aos sistemas de regulações em qualquer escala, na hipóteses de operações lógicas elementares (reuniões, dissociações, ordem, etc.), com seu caráter “necessário” de coerência ou não contradição, constituírem o órgão regulador fundamental da inteligência. (Piaget, 1986, p. 120) Assim, para estabelecer comparações entre as noções biológicas e as relações entre o organismo e o meio com as noções epistemológicas, sobre as relações existentes entre o sujeito e o objeto, necessitam ser avaliadas as formas de conhecimento referentes aos mecanismos hereditários e aos conhecimentos lógico-matemáticos, que são resultantes das coordenações operatórias. Em suma, todo conhecimento, inato ou adquirido, supõe, como condição necessária, um certo funcionamento permanente, fonte dos esquemas assimiladores e de suas coordenações, então as formas hereditárias do comportamento cognoscitivo, predominantes no animal (reflexos, instintos, etc.), enquanto o campo de adaptação ou de equilíbrio é restrito, se dissociarão em duas direções complementares quando este campo se alarga graças ao exercício da representação ou do pensamento: de um lado, uma direção de exteriorização ou de acomodação fenotípica no meio, isto é, de aprendizagens, experiência e conhecimentos físicos da primeira categoria; de outro lado, uma direção de interiorização ou de estruturação formal por tomada de consciência, ou mais precisamente, por abstração reflexiva a partir das condições internas de todo funcionamento (por conseguinte a partir dessas formas gerais de organização que, situadas além da assimilação cognoscitiva, juntam-se aos mecanismos comuns e por conseguinte aos processos centrais de toda organização viva). (Piaget, 1986, p. 307) O conhecimento é estruturado e reestruturado pelo sujeito. Para que ele aconteça, é necessário haverum processo de assimilação ou interpretação com base na interação entre o sujeito e o objeto. Figura 4 – Processo de interação que ocorre entre o sujeito e o objeto Entende-se como processo de assimilação todo ato de inteligência em que uma interpretação de algo externo a um conhecimento já existe. Assim, situações novas são incorporadas às antigas (já existentes), exercendo um papel imprescindível em todo o conhecimento. Diante das situações vivenciadas, o organismo se adapta, buscando por formas de inseri-las em seu universo, e, a partir de então, a inteligência realiza prolongamentos, para que possam ser aproveitados no meio. S O 14 Piaget refere-se à assimilação como um processo de integração a estruturas já existentes no sujeito. É um aspecto exterior, em que o pensamento necessita se organizar, fazendo a estruturação dos fatos e objetos. Da mesma forma, o pensamento também necessita adaptar-se a si mesmo. A significação comum a todos estes usos é realmente a integração a estruturas prévias, que podem permanecer invariáveis ou são mais ou menos modificadas por esta própria integração, mas sem descontinuidade com os estados precedentes, isto é, sem serem destruídas, mas simplesmente acomodando-se à nova situação. (Piaget, 1986, p. 13) Em suma, uma pessoa entra em contato com um objeto de conhecimento e a partir daí incorpora algumas informações. Ao incorporar essas informações, acontece uma transformação, pois novas informações são assimiladas ao conhecimento já existente. Para essa transformação dá-se o nome de acomodação. O processo de acomodação é responsável por organizar as estruturas de conhecimento, pois, à medida que se modificam, necessitam acomodar-se. Esse processo acontece frequentemente à medida que novos conhecimentos são construídos. Assim, demonstra que “todo conhecimento está ligado a uma ação e que conhecer um objeto ou acontecimento é utilizá-los, assimilando-os a esquemas de ação” (Piaget, 1986, p. 15). A inteligência se desenvolve através de processos de assimilação e acomodação que acontecem à medida que surge o interesse do sujeito em algo novo. Assim, o processo de assimilação acontece por uma transformação da ação do sujeito sobre o objeto, e a acomodação ocorre com base em transformações ocorridas no sujeito sobre si mesmo. Durante o acontecimento desses processos, que são constantes, o desenvolvimento cognitivo vai sendo delineado com base em construções realizadas pelo sujeito e também oportunizadas pelo meio. Por esse motivo, Piaget é considerado construtivista, pois sua teoria pressupõe que o conhecimento não é dado, nem estático e sim que ele se estabelece à medida que o sujeito necessita. 15 REFERÊNCIAS ALMEIDA, G. P. de. Neurociência e sequência didática para educação infantil. Rio de Janeiro: Wak, 2012. BEAR; M. F. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. Trad. Jorge Alberto. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2002. DAMÁSIO, A. R. E o cérebro criou o homem. Tradução: Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. GAZZANIGA; MICHAEL S. The cognitive neurosciences: the biology of the mind. The Mit Presss, 2009. KANDEL, E. R.; JESSELL, T. M.; SCHWARTZ, J. H. Princípios da neurociência. 4. ed. Barueri, SP: Manole, 2003. MOURÃO-JÚNIOR; C. A.; OLIVEIRA, A. O.; FARIA, E. L. B. Neurociência cognitiva e desenvolvimento humano. Temas em Educação e Saúde. v. 7, 2011. PIAGET, J. A epistemologia genética. Petrópolis/RJ: Vozes, 1971. _____. Biologia e conhecimento: ensaio sobre as relações entre as regulações orgânicas e os processos cognoscitivos. Tradução de Francisco M. Guimarães. Petrópolis/RJ: Vozes, 1973. _____. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Traduções de Álvaro Cabral e Christiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1978. _____. A linguagem e o pensamento da criança. Trad. Manuel Campos. São Paulo: Martins Fontes, 1986. PONTES, A. L.; REGO, S.; JUNIOR, A. G. S. Saber e prática docente na transformação do ensino médico. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 30, n. 2, 2006. MOURÃO-JÚNIOR; C. A.; OLIVEIRA, A. O.; FARIA, E. L. B. Neurociência cognitiva e desenvolvimento humano. Temas em Educação e Saúde. v. 7, 2011. PONTES, A. L.; REGO, S.; JUNIOR, A. G. S. Saber e prática docente na transformação do ensino médico. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 30, n. 2, 2006.
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