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PERSONAGENS: BENTINHO CAPITÚ D. GLÓRIA JOSÉ DIAS ESCOBAR EZEQUIEL ESCRAVO ATO ÚNICO (BENTINHO IA A ENTRAR NA SALA DE VISITAS, QUANDO ESCUTA PROFERIR O SEU NOME E ESCONDE-SE ATRÁS DA PORTA.) JOSÉ DIAS — D. Glória, a senhora persiste na idéia de meter o nosso Bentinho no seminário? É mais que tempo, e já agora pode haver uma dificuldade. DONA GLÓRIA — Que dificuldade? JOSÉ DIAS — Uma grande dificuldade. (D. GLÓRIA QUIS SABER O QUE ERA. JOSÉ DIAS, DEPOIS DE ALGUNS INSTANTES DE CONCENTRAÇÃO, FOI VER SE HAVIA ALGUÉM NO CORREDOR; NÃO VIU NINGUÉM, VOLTOU E, ABAFANDO A VOZ, DISSE.) JOSÉ DIAS — A dificuldade está na casa ao pé, a gente do pádua. DONA GLÓRIA — A gente do Pádua? (GRITA, ESPANTADA COM A BOCA ENTREABERTA) JOSÉ DIAS — Há algum tempo estou para lhe dizer isto, mas não me atrevia. Não me parece bonito que o nosso Bentinho ande metido nos cantos com a filha do Tartaruga, e esta é a dificuldade, porque se eles pegam de namoro, a senhora terá muito que lutar para separá-los. DONA GLÓRIA — Não acho. Metidos nos cantos? JOSÉ DIAS — É um modo de falar. Em segredinhos, sempre juntos. Bentinho quase não sai de lá. A pequena é uma desmiolada; o pai faz que não vê; tomara ele que as coisas corressem de maneira que…(D. GLÓRIA GRITA “BASTA!”) Compreendo o seu gesto; a senhora não crê em tais cálculos, parece-lhe que todos têm a alma cândida… DONA GLÓRIA — Mas, Sr. José Dias, tenho visto os pequenos brincando, e nunca vi nada que faça desconfiar. Basta a idade; Bentinho mal tem quinze anos. Capitu fez quatorze à semana passada; são dois criançolas. Não se esqueça que foram criados juntos, desde aquela grande enchente, há dez anos, em que a família Pádua perdeu tanta coisa; daí vieram as nossas relações. Como posso acreditar nisso? JOSÉ DIAS — Pode ser, minha senhora. Oxalá tenham razão; mas creia que não falei senão depois de muito examinar... DONA GLÓRIA — Em todo caso, vai sendo tempo, vou tratar de metê-lo no seminário quanto antes. É promessa, há de cumprir-se. (QUANDO BENTINHO VÊ DESAPARECER O AGREGADO NO CORREDOR, DEIXA O ESCONDERIJO, E CORRE À VARANDA DO FUNDO.) BREU BENTINHO — Mas eu não quero, não quero entrar em seminários; não entro, é escusado teimarem comigo; não entro. CAPITU — Beata! Carola! Papa-missas! BENTINHO — Prometo ir nessa mesma noite declarar em casa que, por nada neste mundo, entro no seminário. CAPITU — Você? Você entra. BENTINHO — Não entro. CAPITU — Você verá se entra ou não. CAPITU — Se eu fosse rica, você fugia, metia-se no paquete e ia para a Europa. BENTINHO — Posso confessar? CAPITU — Pois, sim, mas seria aparecer francamente, e o melhor é outra coisa... José Dias! BENTINHO — Que tem José Dias? CAPITU — Pode ser um bom empenho. BENTINHO — Mas se foi ele mesmo que falou... CAPITU — Não importa, dirá agora outra coisa. Ele gosta muito de você. Não lhe fale acanhado. Tudo é que você não tenha medo, mostre que há de vir a ser dono da casa, mostre que quer e que pode. Dê-lhe bem a entender que não é favor. Faça-lhe também elogios; ele gosta muito de ser elogiado. D. Glória presta lhe atenção; mas o principal não é isso; é que ele, tendo de servir a você, falará com muito mais calor que outra pessoa. BENTINHO — Não acho, não, Capitu. CAPITU — Então vá para o seminário. BENTINHO — Isso não. CAPITU — Mas que se perde em experimentar? Experimentemos; faça o que lhe digo. Dona Glória pode ser que mude de resolução; se não mudar, faz-se outra coisa, mete-se então o Padre Cabral. Você não se lembra como é que foi ao teatro pela primeira vez, há dois meses? D. Glória não queria, e bastava isso para que José Dias não teimasse; mas ele queria ir, e fez um discurso, lembra-se? BENTINHO — Lembra-me; disse que o teatro era uma escola de costumes. CAPITU — Justo; tanto falou que sua mãe acabou consentindo, e pagou a entrada aos dois... Ande, peça, mande. Olhe; diga-lhe que está pronto a ir estudar leis em São Paulo. (BENTINHO VIBRA DE ALEGRIA) BREU (ENTRA DE CABEÇA BAIXA, LUZES APAGADAS FOCO NELE) BENTINHO — É, parece que não deu certo. (DÁ DE OMBROS E SAI TRISTE.) BREU SEMINÁRIO (BENTINHO ESTÁ AJOELHADO REZANDO, VESTIDO COM UMA BECA SE BENZE E LEVANTA-SE) ESCOBAR – (ENTRA DURANTE A FALA TAMBÉM VESTIDO COM A BECA) BENTINHO – Que saudade eu sinto da minha doce Capitu... Será que ela está sofrendo assim como eu? Ou será que está pouco se importando com a minha ausência rindo pelas minhas costas? Será que algum peralta da rua está galanteando-a? se algum daqueles engraçadinhos se meter a besta... eu mato, eu mato os dois! ESCOBAR – Ei Bentinho! Que cara essa? Meu amigo, o que está lhe afligindo? BENTINHO – Tenho motivos... ESCOBAR – O que é? BENTINHO – Escobar, você é meu amigo, eu sou seu amigo também; aqui ao seminário você é a pessoa que mais me tem entrado no coração, e lá fora, a não ser a gente da família, não tenho propriamente um amigo. ESCOBAR – Se eu disser a mesma coisa, retorquiu ele sorrindo, perde a graça; parece que estou repetindo. Mas a verdade é que não tenho aqui relações com ninguém, você é o primeiro e creio que já notaram; mas eu não me importo com isso. BENTINHO — Escobar, você é capaz de guardar um segredo? ESCOBAR — Você que pergunta é porque duvida, e nesse caso… BENTINHO — Desculpe, é um modo de falar. Eu sei que é moço sério, e faço de conta que me confesso a um padre. ESCOBAR — Se precisa de absolvição, está absolvido. BENTINHO – Escobar, eu não posso ser padre. Estou aqui, os meus acreditam, e esperam; mas eu não posso ser padre. ESCOBAR – Nem eu, Santiago. BENTINHO – Nem você? ESCOBAR – Segredo por segredo; também eu tenho o propósito de não acabar o curso; meu desejo é o comércio, mas não diga nada, absolutamente nada; fica só entre nós. E não é que eu não seja religioso; sou religioso, mas o comércio é a minha paixão. BENTINHO – Só isso? ESCOBAR – Que mais há de ser? BREU DOIS ANOS SE PASSAM BENTINHO – Ah Escobar, meu coração não pertence a Deus, ele já foi conquistado pela criatura mais bela de todo esse mundo. A Capitu ameaça-me deixar caso eu não voltar da Europa em seis meses. ESCOBAR – É meu amigo seu caso é realmente sério, mais como você pretende convencer sua mãe a deixá-lo sair daqui? BENTINHO – Na última vez que José Dias me escreveu, sua ideia era irmos até a Roma pedirmos absolvição do papa. ESCOBAR — Não, Bentinho, não é preciso isso. Há melhor, — não digo melhor, porque o Santo Padre vale sempre mais que tudo, — mas há coisa que produz o mesmo efeito. BENTINHO – Que é? ESCOBAR — Sua mãe fez promessa a Deus de lhe dar um sacerdote, não é? Pois bem, dê- lhe um sacerdote, que não seja você. Ela pode muito bem tomar a si algum mocinho órfão, fazê-lo ordenar à sua custa, está dado um padre ao altar, sem que você... BENTINHO — Sim, parece que é isso; realmente, a promessa cumpre-se, não se perdendo o padre. ESCOBAR – Saímos juntos! Você para os braços de sua Capitu, e eu para o mundo do comércio. (SAEM) BREU CINCO ANOS SE PASSAM DONA GLÓRIA – É José Dias, Você tem razão, o Bentinho nunca seria um bom padre. Hoje é um bom pai de família, e faz tudo pela mulher e seu filho. JOSÉ DIAS – É Dona Glória, sete anos atrás é já previa o amor de Bentinho e Capitu. DONA GLÓRIA – Eles nasceram um para o outro. JOSÉ DIAS – A profissão não podia ser melhor, bacharel em direito! BREU BENTINHO — Você não me ouve, Capitu. CAPITU — Eu? Ouço perfeitamente. BENTINHO — O que é que eu dizia? CAPITU — Você...você falava de Sírius. BENTINHO — Qual Sírius, Capitu. Há vinte minutos que eu falei de Sírius. CAPITU — Falava de... falava de Marte, emendou ela apressada. - SUSPIRA - estava contando, somando uns dinheiros para descobrir certa parcela de libras que não encontro. BENTINHO — Mas que libras são essas? CAPITU - São as sobras do dinheiro que você me dava mensalmente para as despesas. BENTINHO — Tudo isto? CAPITU — Não é muito, dez libras só; é o que a avarenta de sua mulher pôde arranjar, em alguns meses, concluiu fazendo tinir o ouro na mão. BENTINHO — Quem foi o corretor? CAPITU — O seu amigo Escobar. BENTINHO — Como é que ele não me disse nada? CAPITU — Foi hojemesmo. BENTINHO — Ele esteve cá? CAPITU — Pouco antes de você chegar; eu não disse para que você não desconfiasse. BREU NO DIA SEGUINTE AO ARMAZÉM BENTINHO - Sério que era isso?- ri ESCOBAR - sorri e diz - Estava para ir ao seu escritório contar-me tudo. A cunhadinha me falou naquilo por ocasião da nossa última visita a Andaraí. Quando contei isto a Sanchinha ficou espantada: "Como é que Capitu pode economizar, agora que tudo está tão caro?” Disse a ela: "Não sei, filha; sei que arranjou dez libras.” BENTINHO — Vê se ela aprende também. ESCOBAR – Não creio; Sanchinha não é gastadeira, mas também não é poupadora, o que lhe dou chega, mas só chega. BENTINHO – Capitu é um anjo! BREU (ESCOBAR E BENTINHO CONVERSAM NA SACADA DA CASA NO FLAMENGO) ESCOBAR – (INDO ATÉ A JANELA) O mar está de desafiar a gente. BENTINHO – Você entra no mar amanhã? ESCOBAR – Tenho entrado em mares muito maiores, você não imagina o que é um bom mar em hora bravia. É preciso nadar bem, como eu, e ter estes pulmões, agora tenho que ir. Adeus! (SAEM DE CENA) BREU (BENTINHO SENTADO NA SALA LENDO O JORNAL) ESCRAVO (GRITA DE DENTRO DA SALA) - Para ir lá... sinhô nadando, sinhô morrendo. (VESTIU-SE, DEIXA UM RECADO A CAPITU E CORRE AO FLAMENGO.) BREU (ENTERRO DE ESCOBAR SANCHA QUIS DESPEDIR-SE DO MARIDO, E O DESESPERO DAQUELE LANCE CONSTERNOU A TODOS. MUITOS HOMENS CHORAVAM TAMBÉM, AS MULHERES TODAS. SÓ CAPITU, AMPARANDO A VIÚVA, PARECIA VENCER-SE A SI MESMA. CONSOLAVA A OUTRA, QUERIA ARRANCÁ-LA DALI. A CONFUSÃO ERA GERAL. NO MEIO DELA, CAPITU OLHOU ALGUNS INSTANTES PARA O CADÁVER TÃO FIXA, TÃO APAIXONADAMENTE FIXA, QUE NÃO ADMIRA LHE SALTASSEM ALGUMAS LÁGRIMAS POUCAS E CALADAS… AS DE BENTINHO CESSARAM LOGO. FICOU A VER AS DELA; CAPITU ENXUGOU-AS DEPRESSA, OLHANDO A FURTO PARA A GENTE QUE ESTAVA NA SALA. REDOBROU DE CARÍCIAS PARA A AMIGA, E QUIS LEVÁ-LA; MAS O CADÁVER PARECE QUE A RETINHA TAMBÉM. MOMENTO HOUVE EM QUE OS OLHOS DE CAPITU FITARAM O DEFUNTO, QUAIS OS DA VIÚVA, SEM O PRANTO NEM PALAVRAS DESTA, MAS GRANDES E ABERTOS, COMO A VAGA DO MAR LÁ FORA, COMO SE QUISESSE TRAGAR TAMBÉM O NADADOR DA MANHÃ.) (BENTINHO METE A MÃO NO BOLSO, RETIRA UM PAPEL E COMEÇA A BALBUCIAR. POUCO DEPOIS DE SAIR DO CEMITÉRIO, RASGA O DISCURSO E JOGA OS PEDAÇOS PRA FORA) BREU DIAS DEPOIS BENTINHO – (BENTINHO ESTÁ SENTADO NA SALA ESCREVENDO SUA CARTA DE DESPEDIDA, RASGA UMA, DUAS E ENFIM CONCLUI OLHANDO PARA A FOTO DE ESCOBAR) Meu amigo, meu amigo Escobar... porque naquele dia durante o velório, Capitu parecia querer vencer a si mesma! E quando ela olhou daquela forma para o cadáver tão fixa tão apaixonadamente fixa, com algumas lágrimas poucas e caladas, os seus olhos de ressaca transmitiam tanta dor... Impressionante com o Ezequiel parece com o finado Escobar. Será mesmo que eles seriam capazes? Não aguento mais essa dúvida, será que Capitu e Escobar eram amantes? Será que Ezequiel era filho dele? Será mesmo, será mesmo que fui tão idiota? Vou esperar o café, dissolver nele a droga e ingeri-la. Acabemos com isto (FOI BEBER E PARA DE REPENTE OLHANDO PRA PLATÉIA) Não seria melhor esperar que Capitu e Ezequiel saíssem para a missa; beberei depois; é melhor. EZEQUIEL ENTRA GRITANDO E VAI DIRETO AO PAI EZEQUIEL — Papai! papai! PAUSA — Papai! papai! BENTINHO – Impressionante como Ezequiel parece com o finado Escobar. Será mesmo que eles seriam capazes? Não aguento mais essa dúvida, será que Capitu e Escobar eram amantes? Será que Ezequiel era filho dele? Será mesmo, será mesmo que fui tão idiota? BENTINHO – Você já tomou café? EZEQUIEL – Já papai, vou à missa com a mamãe. BENTINHO – Toma outra xícara, meia xícara só. EZEQUIEL – E papai? BENTINHO – Eu mando vir mais, anda bebe. EZEQUIEL – (ENTORNA A XÍCARA TREMENDO PRECIPITANDO-SE A BEBER) BENTINHO – (DE REPENTE TOMA A XÍCARA DE EZEQUIEL) Não, não faça isso.(BEIJA A CABEÇA DO MENINO) ESCOBAR – Papai, papai,.. BENTINHO – Não, não eu não sou teu pai.(LEVANTA A CABEÇA E DÁ DE CARA COM CAPITU) CAPITU – (ENTRA PAUSADAMENTE) Você pode me explicar o que está acontecendo aqui?... Ezequiel vá para o seu quarto, agora! BENTINHO – Não há o que explicar. CAPITU — Há tudo; não entendo as tuas lágrimas nem as de Ezequiel. Que houve entre vocês? BENTINHO — Não ouviu o que lhe disse? CAPITU — O quê? BENTINHO – Que ele não é meu filho. CAPITU – (INDIGNADA) Só se pode explicar tal injúria, pela convicção sincera; entretanto, você que era tão cioso dos menores gestos, nunca revelou a menor sombra de desconfiança. O que é lhe deu tal idéia? Diga, diga tudo, depois do que eu vou o resto não pode muito. O que é que lhe deu tal convicção? Ande Bentinho fale, fale. Despeça-me daqui, mas diga tudo primeiro. BENTINHO – Há coisas que não se dizem. CAPITU – Que não se dizem metade, mais já que disse metade diga-me tudo. BENTINHO – Não insista Capitu. CAPITU – Não Bentinho, ou conta o resto para que me defenda ou peço desde já a separação. BENTINHO – A separação já é coisa decidida. Não posso conviver com uma mulher que me traiu com aquele que se dizia o meu melhor amigo. CAPITU – (RIR) O que? Bentinho eu sempre amei você. (ABRAÇANDO-LHE) BENTINHO – (ESQUIVA-SE E DÁ UMA TAPA NA CARA) Mentira! Não toque em mim. CAPITU – Pois até os defuntos! Nem os mortos escapam aos teus seus ciúmes? Sei a razão de tudo isso... é a casualidade da semelhança, Deus explicará tudo. (BENTINHO RIR-SE) Rir-se? É natural apesar do seminário não acredita em Deus; eu creio... Mas não falemos nisto. Não nos fica bem dizer mais nada (SAI). BREU ANOS DEPOIS BENTINHO – (ESTÁ SENTADO, ESCREVENDO SEU LIVRO). BENTINHO – Aqui está o que fizemos fomos para Europa não passear e nem ver nada novo nem velho, paramos na suíça uma professora do rio grande que foi conosco ficou de companhia para Capitu, ensinando a língua materna a Ezequiel que aprenderia o resto nas escolas do país. assim regulada a vida retornei ao Brasil... Capitu morreu anos mais tarde de modo natural e Ezequiel morreu de febre tifóide. Moro longe e saio pouco, convivo dia e noite com a solidão. E bom qualquer seja a solução, uma coisa fica, e a suma das sumas, ou o resto dos restos. A saber, que a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem se juntando e ME ENGANANDO. BREU. FIM.
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