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AN02FREV001/REV 4.0 1 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA Portal Educação CURSO DE DIREITO PENAL Aluno: EaD - Educação a Distância Portal Educação AN02FREV001/REV 4.0 2 CURSO DE DIREITO PENAL MÓDULO I Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização ou distribuição do mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas. AN02FREV001/REV 4.0 3 SUMÁRIO MÓDULO I 1 INTRODUÇÃO 1.1 DO CONCEITO DE DIREITO PENAL 1.2 CARACTERISTICAS DO DIREITO PENAL 1.3 OBJETO DO DIREITO PENAL 1.4 FONTES DO DIREITO PENAL 1.4.1 Material ou Substancial 1.4.2 Fonte Formal ou de Conhecimento 1.5 CLASSIFICAÇÃO DA LEI 1.5.1 Leis Penais Incriminadoras 1.5.2 Leis Penais não Incriminadoras 1.5.3 Leis não Incriminadoras Permissivas ou Normas Penais Permissivas 1.5.4 Leis Penais não Incriminadoras Finais, Complementares ou Explicativas 1.5.5 Normas Penais em Branco/Normas Cegas ou Abertas 1.6 INTERPRETAÇÃO DO DIREITO PENAL 1.6.1 Espécies de Interpretação da Lei Penal 1.7 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA X PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO 1.8 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL 1.8.1 Princípios do Direito Penal 1.9 O PRINCÍPIO DO NO BIS IDEM E O LIMITE DO PODER PUNITIVO DO ESTADO MÓDULO II 2 APLICABILIDADE DO DIREITO PENAL 2.1 ANALOGIA 2.1.1 Conceito 2.1.2 Espécies de Analogia 2.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE AN02FREV001/REV 4.0 4 2.3 ÂMBITO TEMPORAL DA LEI PENAL 2.3.1 Irretroatividade da lei Penal 2.4 CONFLITOS DE LEIS PENAIS NO TEMPO 2.4.1 Hipóteses de Conflitos de Leis Penais no Tempo 2.5 LEI EXCEPCIONAL OU TEMPORÁRIA 2.6 TEMPO DO CRIME 2.7 CONFLITO APARENTE DE NORMAS 2.7.1 Conceito 2.7.2 Elementos 2.8 LEI PENAL NO ESPAÇO MÓDULO III 3 TEORIA GERAL DO CRIME 3.1 CONCEITO DE CRIME 3.1.1 Conceito no Aspecto Material, Formal e Analítico 3.2 FATO TÍPICO 3.2.1 Elementos do Fato Típico 3.3 TEORIA DO TIPO 3.3.1 Elementos do Tipo 3.3.2 Objetos do Crime 3.3.3 Sujeitos do Crime 3.4 SUPERVENIÊNCIA CAUSAL 3.4.1 Espécies de Causas 3.4.2 Espécies de Causa Absolutamente Independente 3.4.3 Espécies de Causa Relativamente Independente 3.5 CRIME DOLOSO 3.5.1 Espécies de Dolo 3.6 CRIME CULPOSO 3.6.1 Modalidades de Culpa 3.6.2 Espécies de Culpa 3.7 CRIME PRETERDOLOSO 3.8 CONTAGEM DE PRAZO NO DIREITO PENAL AN02FREV001/REV 4.0 5 3.9 PENA CUMPRIDA NO ESTRANGEIRO 3.10 EFICÁCIA DA SENTENÇ ESTRANGEIRA MÓDULO IV 4 INTRODUÇÃO 4. 1 ITER CRIMINIS 4.1.1 Cogitação 4.1.2 Preparação 4.1.3 Execução 4.1.4 Consumação 4.2 CRIME CONSUMADO 4.3 TENTATIVA 4.3.1 Crimes que não Admitem a Tentativa 4.3.2 Espécies de Tentativa 4.3.3 Pena de Tentativa 4.4 DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ 4.4.1 Desistência Voluntária 4.4.2 Arrependimento Eficaz 4.4.3 Consequência Penal para a Desistência Voluntária e o Arrependimento Eficaz 4.5 ARREPENDIMENTO POSTERIOR 4.5.1 Requisitos do Arrependimento Posterior 4.6 CRIME IMPOSSIVEL 4.6.1 Hipóteses em que ocorre o Crime Impossível 4.7 CRIME IMPOSSÍVEL X DELITO PUTATIVO 4.8 ESPÉCIES DE DELITO PUTATIVO 4.9 DO ERRO NO DIREITO PENAL 4.9.1 Erro de Tipo 4.9.2 Erro de Tipo X Erro de Direito 4.9.3 Formas de Erro de Tipo MÓDULO V AN02FREV001/REV 4.0 6 5 INTRODUÇÃO 5.1 CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES 5.2 CONCURSO DE CRIMES OU DE DELITOS 5.3 CONCURSO MATERIAL OU REAL 5.4 CONCURSO FORMAL OU IDEAL 5.5 CRIME CONTINUADO 5.6 CONCURSO DE PESSOAS OU CONCURSO DE AGENTES 5.6.1 Tipos de Crimes Quanto ao número de Pessoas que Deles Participam 5.6.2 Autoria, Coautoria e Participação 5.6.3 Requisitos do Concurso de Pessoas 5.6.4 Punibilidade no Concurso de Pessoas MÓDULO VI 6 INTRODUÇÃO 6.1 EXCLUDENTES DE ILICITUDE OU DE ANTIJURICIDADE 6.1.1 Causas Supralegais que Excluem o Ilícito Penal 6.2 EXCLUSÃO DE ILICITUDE, ERRO DE PROIBIÇÃO E ERRO DE TIPO PERMISSIVO 6.2.1 Erro de Proibição ou Erro sobre a Ilicitude do Fato 6.2.2 Erro de Tipo Permissivo ou Descriminante Putativa 6.2.3 Descriminantes Putativas por Erro de Proibição 6.3 CIRCUNSTÂNCIAS INCOMUNICÁVEIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AN02FREV001/REV 4.0 7 MÓDULO I 1 INTRODUÇÃO Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGO 5º, 1988). 1.1 DO CONCEITO DE DIREITO PENAL Primeiramente faz-se necessário ter uma noção do conceito de Direito. Segundo Miguel Reale, “Direito é o conjunto de regras que visam garantir a convivência dos homens em uma sociedade”. Com base na sua definição, o convívio em sociedade só será possível com normas reguladoras, disciplinadoras. Assim, o Direito regula o convívio social, estabelecendo as mínimas condições de existência do próprio homem. A denominação de Direito Penal não é antiga. Talvez o primeiro a usá-la tenha sido o Conselheiro de Estado Regnerus Engelhard, em 1756. O Código Penal da República de 1890 de forma inovadora trouxe a denominação do Direito Penal e assim sucederam outras legislações, como o nosso atual Código (1940). Traremos abaixo alguns conceitos doutrinários: 1º) Mirabete: O direito positivo trás em si um conjunto de regras que disciplina o convívio em sociedade, prevendo as consequências e sanções aos que violarem. Para ele o Direito Penal consiste no conjunto de normas jurídicas nas quais o Estado aplica sanções penais aos indivíduos que praticarem condutas proibidas. 2º) Fernando Capez: O Direito Penal possui a função de selecionar o comportamento humano mais grave e perigoso que pode colocar os valores AN02FREV001/REV 4.0 8 fundamentais em risco para a sociedade, passando tais condutas a serem infrações penais, aplicando-lhe uma sanção penal. 3º) Luis Regis Prado: O Direito Penal, no seu conceito formal, seria a parte do ordenamento jurídico que enumera as ações ou omissões delitivas, aplicando- lhes certas penas ou medidas de segurança. Em seu conceito material refere-se às condutas consideradas reprováveis ou danosas à sociedade que atingem bens jurídicos indispensáveis à sua própria existência. 4º) Damásio: A noção de Direito tem como base o fato social, que se mostra contrário à norma de Direito e forja o ilícito jurídico, cuja forma mais séria é o ilícito penal, que atenta contra os bens mais importantes da vida social, sendo que este direito nasce das necessidades basilares da humanidade. É direito que estabelece as normas que formam o alicerce das condições da existência da humanidade. Ainda existem os conceitos de DIREITO PENAL POSITIVO, DIREITO PENAL OBJETIVO E SUBJETIVO: a) Direto Penal Positivo: conjunto de leis criadas ou reconhecidas pela comunidade politicamente organizada, cuja vontade do Estado impõe a todos os cidadãos o cumprimento, através da coerção, que é a pena. b) Direito Penal Objetivo: conjuntos de leis que definem os crimes, aplicam penas e disciplinam as demais leis de natureza penal. c) Direito Penal Subjetivo: é o direito do estado de punir o infrator da lei penal, cujo titular é o Estado. Dessa forma, o Estado é o único titular do “direito de punir” (jus puniendi). Em razão do Estado Democrático de Direito o DireitoPenal possui sua base legal na Constituição Federal de 1988. Através do conjunto de normas e disposições jurídicas é que o Estado aplica as medidas de segurança e as sanções Penais. AN02FREV001/REV 4.0 9 1.2 CARACTERISTICAS DO DIREITO PENAL a) Positivo: O conjunto de leis criadas ou reconhecidas pelo Estado em que a sua vontade soberana é imposta aos cidadãos através das sanções penais. Esta característica não impede a existência de outros princípios (ex: princípio da dignidade da pessoa humana - CF/88). b) Natureza pública: Interessa toda a sociedade. c) Normativo: Estudo da lei, da norma, do direito positivo. Observância obrigatória. d) Caráter finalista: Visa à proteção de bens e interesses jurídicos que merecem proteção mais coerente através de aplicação de sanções mais eficientes. e) Ordem de paz pública e de tutela das relações sociais: Proteger a convivência humana através da coação do Estado, aplicando penas e medidas de segurança às condutas lesivas aos bens jurídicos fundamentais; assinalando a lei penal uma função de proteção. f) Natureza autônoma: independente em seus efeitos (pena), porém é relativamente dependente em seu preceito incriminador. g) Sancionador: Em princípio, não se pode falar em autonomia do ilícito penal, e, portanto, do caráter constitutivo do Direito Penal. A contrariedade do fato ao direito não é meramente de ordem penal; sua ilicitude resulta da infração a todo o ordenamento jurídico. Apesar disso, a tutela penal alcança também bens jurídicos que não são objeto das leis extrapenais, como a integridade física e a vida, por exemplo, no crime de omissão de socorro, em que a infração a uma simples regra de solidariedade humana é elevada à categoria de ilícito penal. Também as tentativas e os crimes de perigo em que não haja qualquer dano restariam sem sanção jurídica se não fosse a existência do Direito Penal positivo. AN02FREV001/REV 4.0 10 h) Caráter dogmático: Como ciência jurídica o direito Penal tem caráter dogmático, já que se fundamenta no direito positivo, exigindo o cumprimento de todas suas normas pela sua obrigatoriedade. i) Finalidade preventiva: Antes de punir o infrator do ordenamento jurídico, procura motivá-lo para que dela não se afaste, estabelecendo normas proibitivas e cominando as respectivas sanções penais, visando assim evitar a prática do crime. Falhando a função motivadora da norma penal, transforma-se a sanção abstratamente cominada, através do devido processo legal, em prevenção especial, constituindo a manifestação mais autêntica de seu caráter coercitivo. j) Caráter dogmático: O Direito Penal, como ciência jurídica, tem natureza dogmática, uma vez que as suas manifestações têm por base o Direito Positivo; expõe o seu sistema através de normas jurídicas, exigindo o seu cumprimento. A adesão aos mandamentos que o compõem se estende a todos, obrigatoriamente. k) Exclusividade: Somente a lei penal pode definir crimes e cominar sanções, aplicando-se apenas a fatos futuros (Princípio da Irretroatividade). l) Impessoalidade: O seu mandamento proibitivo é endereçado a pessoas indeterminadas. 1.3 OBJETO DO DIREITO PENAL Hordienamente compreende-se que o Direito Penal tem por finalidade proteger os bens jurídicos fundamentais. No crime de homicídio, por exemplo, protege a vida como bem jurídico. Em relação ao objeto, o Direito Penal dirige-se exclusivamente aos seus subordinados enumerados pela lei, ordenando ou proibindo que se faça algo, ao ser humano, pois o homem é o único ser capaz de cumprir atos com consciência do resultado. É importante notar que o Direito Penal apoia-se na vontade da conduta humana, ou seja, na capacidade do homem para um fim específico. O professor AN02FREV001/REV 4.0 11 Fernando Capez, ao abordar o objeto do Direito Penal, traz o ensinamento de Welzel: O objeto de las penales es la ‘conducta humana, esto es la actividad o passividad corporal Del hombre sometida a la capacidad de direccioón final de la voluntad. Esta conducta puede ser uma acción, esto es, el ejercicio efectivo de actividad final, o la omisión de una acción, esto es, el no ejercicio de una actividad final posible. Para las normas del Derecho Penal la acción está con mucho en primer plano, mientras que la omisión queda notoriamente en un segundo plano. (WELZEL) 1.4 FONTES DO DIREITO PENAL Gramaticalmente, como bem ensina Capez (2006), a definição de fonte para o Direito seria compreendida como local de onde ela provém. Já para Luis Regis Prado (2009), o termo seria um termo equivocado, pois não se refere apenas à origem primária do Direito e, sim, também à validade da ordem jurídica. As principais fontes do Direito Penal são o Código Penal, o Código de Processo Penal e a legislação penal complementar de cada país. 1.4.1 Material ou Substancial Nada mais do que o órgão competente para a elaboração, conforme prescreve o art. 22, inciso I da Constituição Federal Brasileira de 1998; a União é fonte de toda produção do Direito Penal, ou seja, o Estado é a fonte material do Direito Penal, uma vez que os legisladores (Deputados Federais e Senadores) são os responsáveis pela criação das normais penais. A Constituição Federal determina as matérias sobre as quais cada um dos seus entes federativos (estados, Distrito Federal e municípios) pode legislar (criar leis). Em se tratando de Direito Penal, é matéria de competência privativa da União, que legisla por meio de Lei Ordinária. Sobre questões específicas de Direito Penal a delegação para legislar pode ser deferida aos Estados e ao Distrito Federal. Isto, AN02FREV001/REV 4.0 12 conforme art. 22, inciso I, parágrafo único da Constituição Federal, ocorre mediante Lei Complementar. 1.4.2 Fonte Formal ou de Conhecimento Modo pelo qual o Direito Penal se manifesta, exterioriza. Em sentido genérico seria a lei. Ela pode ser imediata (a lei) ou mediata (costumes, equidade, princípios gerais do direito e analogia). a) Fonte Imediata: É a lei. É importante estabelecer algumas diferenças entre Norma e Lei. Norma: ordem de uma conduta normal, extraída do senso-comum de justiça de cada coletividade, ou seja, regra de proibição não escrita que se retira do senso de justiça de cada indivíduo. Ex: Não matar, Não roubar. Lei: regra escrita criada pelo legislador com o fim específico de moldar o comportamento considerado perigoso para a coletividade. Somente através dela o Estado pode definir crimes e cominar sanções (princípio da legalidade). A lei é descritiva e a norma é proibitiva. Partes da Lei: Preceito: Conduta (proibição, obrigação). Sanção: (punição, pena). b) Fontes mediatas: São as que explicam, interpretam ou aplicam as fontes imediatas. São os costumes e os princípios gerais do direito. É importante esclarecer a diferença entre fontes formais imediatas e fontes formais mediatas. A primeira revela o direito que vigora, como a Constituição Federal de 19988, enquanto que a segunda interpreta e aplica a primeira. b.1. Costumes: Conjunto de regras não escrita que antecede a lei, cuja conduta é praticada de modo geral, igual, constante e uniforme e em razão da sua AN02FREV001/REV 4.0 13 reiteração torna-se juridicamente obrigatória, imperativa. Não pode definir crimes, cominar penas e revogar norma penal. Luiz Regis Prado (2008), ao lecionar sobre costumes, entende que se trata de uma regra de conduta criada espontaneamente pela consciência comum do povo que a observa por modo constante e uniforme e sob a convicção de corresponder a uma necessidade jurídica. Para ele o costume é formado de dois elementos; o primeiro seria o objetivo (uso constante e prolongado) e o segundo seria o subjetivo (convencimento de sua obrigatoriedade).No mesmo sentido Fernando Capez (2006), em seus ensinamentos, enumera os elementos do costume da seguinte forma: 1. Objetivo: Constância e uniformidade dos atos; 2. Subjetivo: convicção da obrigatoriedade jurídica. A doutrina divide os costumes em três espécies, quais sejam: o secundum legem, o contra legem e o praeter legem. 1. Secundum legem: Aquele dotado de maior prestígio e universalmente aceito, aquele que está previsto na lei, possuindo eficácia obrigatória. 2. Contra legem: Costume que se forma em sentido contrário à lei, buscando de forma implícita revogá-la, mas não revoga, em face do que dispõe o artigo 2º, § 1º da Lei de Introdução do Código Civil (Decreto-lei nº 4657/42), uma lei só pode ser revogada por outra lei (há uma corrente na jurisprudência que entende que a contravenção do Jogo do Bicho teria sido revogada em razão do costume Contra legem, a proibição caiu em desuso, o normal passou a ser jogar no bicho). 3. Praeter legem: Modalidade de costume que substitui a lei, nos casos em que a silenciou, ou seja, supre as lacunas deixadas pela lei. Portanto, estas são as três espécies de costumes, sendo que no presente estudo o que possui maior relevância é o Praeter legem, já que este, de forma específica, visa o preenchimento de lacunas na lei. AN02FREV001/REV 4.0 14 Observação: O costume não cria crimes (delitos), nem aplica sanção (pena), somente a lei cria e aplica sanção (Princípio da reserva lega). b.2 Princípios Gerais do Direito: Princípios são ideias ou proposições básicas e fundamentais que condicionam estruturações subsequentes. Os princípios gerais de direito são proclamados como fonte subsidiária do direito pela legislação civil de quase todos os países latinos inspirados no Código de Napoleão. Exemplos de Princípios Gerais do Direito no nosso ordenamento jurídico: Exemplo 1: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”. (Artigo 4º - Lei de Introdução do Código Civil); Exemplo 2: A propriedade deve cumprir sua função social. Deve se orientar pela moralidade administrativa (Constituição Federal de 1988). Miguel Reale classifica os Princípios Gerais do Direito como princípios monovalentes, pois são enunciações de valor genérico que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, em sua aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas. São estes princípios a base da ordem jurídica, não estando definidos em nenhuma norma. São exemplos: Falar e não provar é o mesmo que não falar; Ninguém pode causar dano e quem causar terá que indenizar; Ninguém pode se beneficiar da própria torpeza; Não há crime sem lei anterior que o descreva. Fernando Capez (2006) faz a seguinte observação: “A analogia não é fonte formal mediata do Direito Penal mas, sim, método em que se aplica a fonte de forma imediata, ou seja, a aplicação da lei no caso semelhante”. Exemplo: Artigo 4º da Lei de Introdução do Código Civil, que em primeiro lugar será aplicada outra lei (analogia/caso análogo, semelhante) quando ocorrer a lacuna da ordem jurídica da lei, caso não seja possível esta aplicação recorre-se nesta ordem aos costumes e aos princípios gerais do direito. AN02FREV001/REV 4.0 15 A equidade (o juiz procura a solução mais justa ao caso concreto), a doutrina (instrumento mediato, resultado do estudo jurídico-científico) e a jurisprudência (ao interpretar as leis em um sentido/decisões judiciais comuns, torna uniforme o seu entendimento) são procedimentos interpretativos do direito. 1.5 CLASSIFICAÇÃO DA LEI 1.5.1 Leis Penais Incriminadoras São as que descrevem condutas puníveis e impõem as respectivas sanções. Possui preceito e sanção. Não é proibitiva e sim descritiva. Exemplo: o artigo 155 do Código Penal (crime de furto) não diz “não furte” e, sim, “subtrair coisa alheia móvel”. A proibição está na reunião da conduta praticada (subtrair coisa móvel) com a pena (reclusão de 4 anos a 10 anos e multa). 1.5.2 Leis Penais Não Incriminadoras Não descrevem crimes, nem aplicam penas. Exemplo: Artigo 22 do Código Penal (coação irresistível e obediência hierárquica), não descreve crime e nem aplica sanção penal. 1.5.3 Leis Não Incriminadoras Permissivas ou Normas Penais Permissivas Tornam legais (lícitas) determinadas condutas que seriam punidas em leis. Exemplo: art. 23 do Código Penal, que trata das excludentes de ilicitude, como a legítima defesa. AN02FREV001/REV 4.0 16 1.5.4. Leis Penais não Incriminadoras Finais, Complementares ou Explicativas São as que esclarecem o conteúdo de outras normas, delimitando o campo de sua aplicação. Exemplo: o artigo 1º do Código Penal trata da anterioridade da lei. 1.5.5 Normas Penais em Branco/Normas Cegas ou Abertas São Leis Penais incriminadoras que apresentam PRECEITO INCOMPLETO. São normas em que a pena encontra-se determinada, o que esta incompleto é o seu conteúdo, ou seja, a conduta precisa de complementação legal ou regulamentar. Exemplo: artigo 237 do Código Penal (conhecimento prévio de impedimento para casar trata do impedimento para contrair casamento) que é completado pelo artigo 1521, I a VII do Código Civil (enumera as pessoas que não podem casar). Uma boa definição de Normas Penais em branco é trazida por Rogério Greco, que conceitua como: Aquelas em que há uma necessidade de complementação para que se possa compreender o âmbito de aplicação de seu preceito primário. Isto significa que, embora haja uma descrição da conduta proibida, essa descrição requer, obrigatoriamente, um complemento extraído de outro diploma, leis, decretos e regulamentos para que possam, efetivamente, ser entendidos os limites da proibição ou imposição feitos pela lei penal, uma vez que, sem esse complemento, torna-se impossível a sua aplicação. (GRECO) O Direito Penal define de modo independente os pressupostos de suas normas, evitando buscar em outras normas ou regulamentos a sua complementação. AN02FREV001/REV 4.0 17 1.6 INTERPRETAÇÃO DO DIREITO PENAL O que seria interpretar a lei penal? Seria somente ler a norma? Seria retirar da lei penal seu exato alcance e seu significado real? Sim, isso é interpretar a lei penal? O Art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) traz a resposta a esta indagação, “a interpretação da Lei sempre deve buscar a finalidade da Norma”. Portanto, interpretar uma norma significa captar seu significado, compreender, esclarecer o seu sentido e sua finalidade. É importante salientar que a atividade de interpretação da lei não pode sair do ordenamento jurídico, dissociando-se das fontes do direito, tampouco do contexto histórico-cultural. Para alcançar o seu fim a interpretação da lei utiliza-se de muitos métodos ou processos, tais como: 1. Filológico, literal ou gramatical: Consiste na reconstrução do pensamento do legislador legislativo através das palavras da lei. É a primeira atividade que deve praticar quem quer interpretar a lei, recorrendo ao que as palavras dizem. 2. Lógico-sistemático e Teológico: Primeira etapa do processo interpretativo, pois as palavras podem não espelhar a vontade da lei. Consiste em indagar a vontade ou a intenção objetiva da lei; ocorrendo contradição entre as conclusões da interpretação literal e lógica esta deve prevalecer, em razão do bem comum e a finalidade social que a lei se destina. 3. Interpretação Analógica: Esta interpretação é permitida toda vez que uma cláusula genérica se segue a uma forma casuística, devendo entender-se que aquela só compreende os casos análogos aos mencionados por esta. Incumbe ao jurista perseguir sempre o escopo (objetivo) da lei, ou seja, o resultado prático que alei se propõe a realizar (a melhor interpretação é aquela feita no sentido de atender a determinadas finalidades/necessidades). O intérprete não pode se limitar apenas às operações de lógica, mas sim aplicar apreciações de interesse localizadas no interior da norma. Portanto, devem levar em consideração os momentos lógicos e AN02FREV001/REV 4.0 18 teológicos da norma jurídica. 1.6.1 Espécies de Interpretação da Lei Penal a) Quanto ao sujeito que elabora: 1. Autêntica ou legal: Aquela feita pelo próprio órgão encarregado da criação do texto, ou seja, parte do próprio sujeito que criou o preceito interpretado. É a única que tem força de lei. As outras (Judicial e Doutrinária) servem de apoio ao operador do Direito. O Art. 150, § 4º do Código Penal (Violação de Domicílio) define o que é “casa” (termo utilizado no crime de invasão de domicílio). A interpretação autêntica subdivide-se em: Contextual (feita dentro do próprio texto interpretado, exemplo do artigo 327 do Código Penal, que define o que vem a ser Funcionário Público para os efeitos penais) e Posterior (a lei interpretadora entra em vigor depois da interpretada). Neste momento do estudo é importante estabelecer a diferença entre efeitos ex nunc e ex tunc, vejamos: Ex nunc: expressão de origem latina que significa “desde agora”. Assim, no meio jurídico, quando dizemos que algo tem efeito ex nunc significa que seus efeitos não retroagem, valem somente a partir da data da decisão tomada. Por exemplo, a revogação de atos administrativos tem efeito ex nunc. Ex tunc: expressão de origem latina que significa “desde então”, “desde a época”. Assim, no meio jurídico, quando dizemos que algo tem efeito ex tunc, significa que seus efeitos são retroativos à época da origem dos fatos a ele relacionados. Por exemplo, a norma interpretada tem efeito ex tunc. 2. Doutrinária ou Científica: Realizada pelos estudiosos do direito. A Exposição de Motivos constante no Código Penal é exemplo de interpretação Doutrinária, uma vez que não é lei. AN02FREV001/REV 4.0 19 3. Judicial: Realizada pelos órgãos jurisdicionais (Juízes e Tribunais) quando aplica a lei ao caso concreto, não tem força obrigatória, somente valor para as partes (eficácia inter partes). b) Quanto aos meios empregados: 1. Gramatical, literal ou sintática: Leva em conta as regras de interpretação do texto para descobrir o sentido da norma, ou seja, o sentido das palavras. 2. Lógica ou Teológica: Preocupa-se com a vontade da lei, buscando atender os fins da lei. c) Quanto ao resultado: 1. Declarativa: Há correspondência entre a palavra da lei e a sua vontade. 2. Restritiva: Quando a lei disser mais do que queria usa-se a interpretação restritiva para restringir o alcance da lei até o sentido real. Ela diminui o alcance do texto, em face de sua linguagem impropriamente excessiva. Exemplo: o Artigo 28, inciso I do Código Penal, que trata da emoção e da paixão. 3. Extensiva: A lei ficou aquém da sua vontade, ou seja, a lei disse menos do que queria. Neste caso usa-se a interpretação extensiva para ampliar o seu significado. Exemplo: artigo 235 do Código Penal, que trata da do crime de Bigamia. Por fim, a interpretação é um só: o que realmente difere são apenas os métodos, pois somente no caso in concreto que o magistrado poderá preferir este ou aquele método. 1.7 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA X PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. AN02FREV001/REV 4.0 20 Os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo não são sinônimos. O que se pode concluir é que existe uma relação entre eles, pois o princípio in dubio pro reo decorre de dois princípios: presunção de inocência e do princípio do favor rei, que proclama que “no conflito entre o jus puniendi do Estado, por um lado, e o jus libertatis do acusado, por outro lado, a balança deve inclinar-se a favor deste último se quiser assistir ao triunfo da liberdade”. (TOURINHO FILHO, 2003). Segundo Fernando Capez (2006), o princípio da presunção de inocência para muitos só se aplica no campo da apreciação das provas, nunca para interpretar a norma, outros ao contrário entendem que o princípio pro reo aplica-se na interpretação da lei, ao usar a interpretação mais favorável ao réu. O princípio da presunção de inocência encontra-se inserido na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LVII que prescreve: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Para alguns doutrinadores e juristas o princípio in dúbio pro reo não vem sendo aceito implicitamente em razão da distribuição do ônus da prova. Tourinho Filho (2001), ao falar do assunto, diz que a regra do ônus da prova cabe ao autor da tese (acusação). Cabe ao Promotor de Justiça na denúncia o ônus de provar que determinado agente é o autor do crime, por exemplo, de lesão corporal. À defesa cabe provar a inocência do agente, invertendo assim o ônus probandi. 1.8 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL Assim como as demais ciências jurídicas o Direito Penal fundamenta-se em certos princípios jurídicos, seja em normas constitucionais ou não. Os princípios penais formam o centro fundamental do Direito Penal, servindo de base para a construção da definição do delito, estabelecendo limites ao poder de punição por parte do Estado, sustentando-se para a interpretação e aplicação da lei penal. Assim, definir quais são os princípios fundamentais de Direito Penal significa determinar de que forma ele poderá interferir no conteúdo das regras jurídicas da norma penal. AN02FREV001/REV 4.0 21 Faz-se necessário diferenciar Princípios de Direito Penal Constitucional dos Princípios Propriamente Penais. Os primeiros estão previstos na Carta Magna (Princípio da Legalidade, Princípio da Culpabilidade, etc), enquanto o segundo integra o ordenamento do Direito Penal (Princípio da Reserva Legal). 1.8.1 Princípios do Direito Penal 1. Princípio da Legalidade ou da Reserva Legal: O Princípio da Legalidade possui enorme importância para o Direito Penal, servindo de certa forma como restrição ao poder do Estado, garantindo os direitos do indivíduo. Assim, a legalidade não se subsume apenas à observância da lei, mas sim a todo o sistema jurídico. Tem origem na obra Dei delitti e delle pene de Beccaria e cujo termo foi traduzido pela fórmula Nullum crimen, nulla poena sine praevia lege por Paul Johann Anselm von Feuerbach. O Princípio da Legalidade é um dos instrumentos normativos de controle do poder punitivo do Estado quando do estabelecimento de normas incriminadoras, bem como na fixação e execução das penas. Previsto no artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal e no artigo 1º do Código Penal Brasileiro, assim prescreve: “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Este princípio também está previsto no art. 37º, caput, do nosso diploma maior, que estabelece a vinculação de todo o ato administrativo do agente público à legalidade. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 já tratava do Princípio da Legalidade: “A lei não deve estabelecer senão penas estritas e evidentemente necessárias e ninguém pode ser castigado senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada”. Para Mirabete (1999), trata-se da mais importante conquista de índole política, sendo a norma básica do Direito Penal. Este princípio assegura que não pode ser considerado crime (infração penal) nem sanção penal (pena ou medida de segurança) o fato que não estiver contido na norma. AN02FREV001/REV 4.0 22 Assinala ainda o jurista que o princípio da legalidade previsto no artigo 1º do Código Penal Brasileiro compreende os princípios da reservalegal e da anterioridade. Damásio de Jesus (2000) entende que no aspecto político o Princípio da Legalidade serve como garantidor constitucional dos direitos do homem, somente a lei pode fixar limites que destacam a atividade criminosa da legítima defesa. Não haveria segurança ou liberdade se a lei punisse condutas consideradas lícitas e se os magistrados punissem fatos ainda não considerados crimes pelo legislador. Francisco de Assis Toledo, ao falar do Princípio da Legalidade, entende que sem ele nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes desse mesmo fato tenham sido instituídos por lei os tipos delitivos e a pena respectiva constitui uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades individuais. Alguns juristas entendem que o Princípio da Legalidade se desdobra em quatro postulados: nullum crimen, nulla poena sine lege praevia; nullum crimen, nulla poena sine lege scripta; nullum crimen, nulla poena sine lege stricta; nullum crimen, nulla poena sine lege certa. Luis Regis Prado (2008) preleciona que o Princípio da Reserva Legal possui três Garantias: 1. Garantia Criminal e Penal: Não há crime nem pena sem lei em sentido estrito, elaborada na forma constitucionalmente prevista. 2. Garantia Jurisdicional: Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente, art. 5º, inciso LIII CF/88). 3. Garantia Penitenciária: A pena será cumprida em estabelecimento distinto, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado, art. 5º, inciso XLVIII, CF/ 88), a terceira Garantia é a da Irretroatividade (a lei penal não retroagirá, salvo quando para beneficiar o réu, art. 5º, inciso XL, CF/88) a da Lei e sua Exceção (em razões de política criminal). AN02FREV001/REV 4.0 23 Princípios Inerentes ao Princípio da Legalidade: a) Princípio da Reserva Legal: O princípio da Reserva legal possui a função de delimitar o conteúdo das leis penais, pois somente a lei pode definir crimes e aplicar sanções. Esta função de legislar as matérias, conforme diretriz constitucional, cabe ao legislador. A nossa Carta Magna reserva o seu artigo 5º, inciso XXXIX, ao Princípio da Reserva Legal e o Código Penal Brasileiro dispõe no artigo 1º. Este princípio consiste no fato de que só há crime e pena se há lei anterior que o determine: nullum crimen, nulla poena sine praevia lege. Para Mirabete (1999), o Princípio da Reserva Legal possui três características: A. Reserva Absoluta da Lei: Nenhuma fonte inferior pode criar normas penais, uma vez que a Constituição Federal de 1988 reserva tal função de forma absoluta à lei. Assim, somente a lei aprovada pelo Poder Legislativo pode criar crimes e impor sanções penais. É importante deixar claro que Medida Provisória, apesar de possuir força de lei, não constitui lei, uma vez que não emana do Poder Legislativo e, sim, do Poder Executivo. A própria lei maior reconhece que as medidas provisórias não são leis e proíbe materialmente que elas tratem sobre matérias de Direito Penal ou Processual, ou seja, é expressamente vedada ao Poder Executivo a inclusão de matérias criminais penais em seus atos normativos. Esta proibição constitucional encontra base legal no Princípio da Reserva Legal, que tem como escopo a proteção do cidadão contra a arbitrariedade do poder estatal. Tal entendimento se estende às leis delegadas. AN02FREV001/REV 4.0 24 B. Taxatividade e vedação ao emprego da analogia: Em razão do Princípio da Reserva Legal é que surgiu a afirmação de que o Direito Penal positivo é um sistema fechado. A Lei Penal (norma incriminadora) estabelece com a esfera do ilícito uma incriminação taxativa, precisa. Impedindo sua atuação além dos limites estabelecidos, mesmo através da analogia. A norma penal tem que ser exata, precisa, como uma adição matemática de números inteiros, pois um fato só poderá ser delito (criminoso) se estiver perfeitamente moldado na lei que o criou (descreve). A lei penal não permite que uma conduta delitiva que fora cominado uma pena seja estendida à outra por ser assemelhada. Isto ocorre em razão da lei penal (Princípio da Legalidade), que ao frisar que não há crime sem lei que o defina exigiu da lei a descrição da conduta criminosa com todos os elementos. A taxatividade na descrição da conduta típica para uma exata identificação do fato, como corolário da legalidade, proíbe, portanto, a incriminação vaga e indeterminada do fato, e se não fosse assim a elasticidade na tipificação do fato permitiria o livre arbítrio do juiz. Mirabete trás a lição de Silva Franco: Cada figura típica constitui, em verdade, uma ilha no mar geral do ilícito e todo o sistema punitivo se traduz num arquipélago de ilicitude. Daí a impossibilidade do Direito Penal atingir a ilicitude na sua totalidade e de preencher, através dos processos integrativos da analogia, eventuais lacunas. (FRANCO, 1999) Em relação ao emprego da analogia é necessário, antes de tudo, entendermos nem que seja superficialmente o seu conceito, uma vez que reservamos um estudo mais minucioso no Módulo II. Vejamos sua definição: Analogia é o meio pelo qual o intérprete, percebendo uma lacuna (espaço, vazio) no corpo da lei, integra a norma penal, avaliando em cada caso concreto uma situação assemelhada em outro ordenamento jurídico. Por esta razão, segundo os ensinamentos de Cernicchiaro, o Princípio da Reserva Legal proíbe por inteiro o uso da analogia em matéria de Direito Penal incriminador, encontrando-se esta limitação no tipo penal (legal) correspondente. Em razão, é vedada a aplicação da Analogia in malam partem (prejudica o indivíduo), uma vez que amplia o número das infrações penais, ao contrário sensu, permite o uso da Analogia in bonam partem (favorece o indivíduo). AN02FREV001/REV 4.0 25 C. Taxatividade e Descrição Genérica: O Princípio da Reserva Legal determina que a descrição da conduta delitiva (criminosa) é específica, não se admitindo tipos genéricos. O que adiantaria exigir da lei a prévia definição do crime se fosse permitido o uso de termos demasiadamente amplos, como por exemplo “qualquer conduta contrária aos interesses nacionais”. Não se aplicam a crimes culposos, em que a conduta que leva ao resultado pode ser infinitamente variável, uma vez que o legislador não poderá descrever todas as condutas humanas que coadunam com o tipo culposo, o que limita o legislador a dizer: “se o crime é culposo, pena de tanto a tanto. A esses tipos penais a Doutrina definiu como exemplo claro o crime de Homicídio Culposo (artigo 121, § 3º, do Código Penal Brasileiro)”. D. Conteúdo Material do Princípio da Reserva Legal: Mirabete (1999), trazendo a lição de Silva Franco, assevera que no Estado Democrático de Direito o simples respeito formal ao princípio da legalidade não é suficiente. Necessário é, também, um conceito material ontológico de crime, segundo o qual somente podem ser consideradas pelo legislador como delituosas as condutas que efetivamente coloquem em risco a existência da coletividade. Seria absurdo, por exemplo, que fosse considerado crime o ato de sorrir. Assim, a instituição de figura delitiva que venha a afrontar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana colide com um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. 2. Princípio da Anterioridade da Lei: Garantia constitucional do indivíduo diante do poder punitivo do Estado, estabelecendo que os crimes e as penas, respectivamente, serão considerados somente nos termos da lei vigente ao tempo da prática do crime. Ou seja, para que uma ação ou omissão seja tida como crime é preciso que a norma seja anterior ao fato. A lei é editada para o futuro e não para o passado, aí está presente a Irretroatividade da Lei (Módulo II). Faz-se necessário quea lei já esteja em vigor (valendo) no momento (data) em que o fato delitivo é praticado. Segundo Cernicchiaro: “Dado o princípio da reserva, a relação jurídica é definida pela lei vigente à data do fato”. AN02FREV001/REV 4.0 26 Na legislação brasileira este princípio está regulado pelo artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal de 1988 e no Código Penal em seu artigo 1º: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, ou nullum crimen, nulla poena sine lege praevia. 3. Princípio da Insignificância ou da Bagatela: Princípio formulado por Claus Roxin, relacionado com o axioma (sentença ou proposição que não é provada ou demonstrada é considerada como óbvia ou como um consenso inicial necessário para a construção ou aceitação de uma teoria) mínima non cura praeter, as infrações ínfimas não devem ser levadas ao conhecimento do Judiciário, eis que de somenos relevância se mostra a danosidade ao bem jurídico protegido. Luis Regis Prado (2008) é categórico ao afirmar que lesões a bens jurídicos de menor valor não justificariam a aplicação de sanção penal. Este princípio é tratado nos dias de hoje pela Teoria da Imputação Objetiva como critério para a determinação do injusto penal, ou seja, é, utilizado como um meio para a exclusão da Imputação Objetiva de Resultados. Para Damásio de Jesus (2000), a Teoria da Imputação Objetiva seria atribuir uma conduta ou um resultado normativo ao indivíduo cujo comportamento apresenta um risco legalmente proibido. Seria uma conduta proibida antecipando um evento jurídico, por exemplo, o pai que mata o assassino da filha quando este seria morto pelo Estado (um exemplo típico de países em que a pena de morte é adotada). Enfim, consiste em analisar a gravidade de uma conduta e a necessária intervenção do Estado. Alguns doutrinadores estabelecem uma equiparação entre o instituto da adequação social de Welzel com o critério da insignificância (orientada no bem jurídico protegido, ex: furto de bagatela) criado por Roxin. O que seria realmente insignificante? A adequação social não fora superada pelo critério da insignificância, como no caso de furto de bagatela, pois não pode ser considerado como socialmente adequado ou útil, sendo assim inaplicável será o seu uso. A solução está no uso do Princípio da Insignificância, em razão do mínimo valor da coisa furtada. É de observar que a aplicação desse princípio não deve ser utilizado com falta de critérios, nem de interpretações subjetivas. AN02FREV001/REV 4.0 27 1.9 O PRINCÍPIO DO NO BIS IDEM E O LIMITE DO PODER PUNITIVO DO ESTADO Ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo crime; Impedir mais de uma punição individual (pena ou agravante) pelo mesmo fato delitivo; Tríplice identidade entre sujeito (aquele que pratica o crime), fato e fundamento (lei); Serve de base à aplicação das leis penal, em especial ao concurso de pessoas; Fundamentação: artigo oitavo, inciso IV da Convenção Americana sobre Direitos Humanos: “O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”. FIM DO MÓDULO I AN02FREV001/REV 4.0 28 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA Portal Educação CURSO DE DIREITO PENAL Aluno: EaD - Educação a Distância Portal Educação AN02FREV001/REV 4.0 29 CURSO DE DIREITO PENAL MÓDULO II Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização ou distribuição do mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas. AN02FREV001/REV 4.0 30 MÓDULO II 2 APLICABILIDADE DO DIREITO PENAL 2.1 ANALOGIA 2.1.1 Conceito A analogia é uma forma de autointegração do direito (ou norma), funcionando como mecanismo de preenchimento das lacunas da lei. Consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição relativa a um caso semelhante. Um fato A é regulado pela lei X, um fato B não possui lei Y regulamentando. O magistrado, percebendo que a lei X que regula o fato A possui pontos semelhantes com o fato B, equaciona o problema utilizando a analogia. Trata-se de relação de equivalência entre duas outras relações (de semelhança entre duas coisas). No Direito consiste em aplicar uma norma a um caso não previsto diretamente em lei para regular um fato distinto. O artigo 5º da Lei de Introdução do Código Civil (LICC) assevera: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Neste sentido Mirabete, leciona: Consiste em aplicar-se a uma hipótese não regulada por lei disposição relativa a um caso semelhante. Na analogia o fato não é regido por qualquer norma e, por essa razão, aplica-se uma de caso análogo. Exemplo: o art. 128, II dispõe que o aborto praticado por médico não é punido “se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Trata-se de causa de exclusão da ilicitude prevista exclusivamente para a hipótese de gravidez decorrente de estupro”. (MIRABETE, 2006) A fundamentação encontra sustentação no brocardo ubi eadem ratio, ibi eadem jus (a mesma razão autoriza o mesmo direito, onde houver o mesmo fundamento haverá o mesmo direito). A analogia não é fonte mediata da lei, pois cabe ao magistrado fazer uso dela para solucionar um fato sem norma, através da AN02FREV001/REV 4.0 31 semelhança de outro fato com tipificação legal (autointegração), ou seja, a analogia possui como Natureza Jurídica à autointegração da lei, mas não é fonte do Direito. Diante do exposto podemos dizer que o uso da analogia requer os seguintes preceitos: a) fato delitivo não possua norma legislada; b) fato delitivo não legislado possua norma que regule fato semelhante; c) esse ponto de contato comum haja sido o elemento determinante ou decisivo na implantação da regra concernente à situação considerada pelo julgador. É importante estabelecer a distinção entre analogia e interpretação extensiva. A analogia não há norma reguladora para o fato enquanto na interpretação extensiva há norma regulando o fato, entretanto, a norma não expressa a sua validade (eficácia), cabendo ao magistrado (intérprete) ampliar o seu significado. Tourinho Filho assim exemplifica: O artigo. 34 do Código Processo Penal prescreve que o menor de 21(vinte e um) anos e o maior de 18 (dezoito) anos pode exercer o direito de queixa. Será que ele poderá exercer, também, o direito de representação? Sim. Na análise lógica da amplitude “quem pode o mais pode o menos”. Na verdade, a representação é um minus em relação à queixa. Se ele pode exercer o direito de queixa, isto é, se ele pode praticar o ato instaurador da instância penal, então também é possível dar o seu assentimento (permissão/representação) para processar o sujeito ativo do crime. Já o professor Hermes de Lima, ao explicar a distinção entre Analogia e Interpretação Extensiva, enumera que a primeira aplica-se ao caso não contemplado em lei, enquanto que a segunda pressupõe que o caso esteja compreendido no regulamento jurídico. (TOURINHO FILHO, 1994) 2.1.2 Espécies de Analogia 1ª) Legal ou Legis: Fato regulado por lei de caso (hipótese) semelhante, ou seja, a Analogia Legis consiste na aplicação de uma regra jurídica existente a caso AN02FREV001/REV 4.0 32 semelhante, não previsto pelo legislador.Ao falar de Analogia Legis Maria Helena Diniz, salienta: A analogia legis apoia-se em um dispositivo legal existente, que é aplicável à hipótese similar, constituindo-se, portanto, em um argumento lógico, em uma autêntica reconstrução normativa, produto, por um lado, de uma segurança e estabilidade jurídica e, de outro lado, da flexibilidade do direito. Procura encontrar um fundamento valorativo na norma que permita que nela se englobe a situação não regulada, que, por sua vez, apresenta certa semelhança com o fato contido nessa norma. (DINIZ) 2ª) Jurídica ou júris: A hipótese é regulada por princípio extraído do ordenamento jurídico em seu conjunto. Em síntese, esta espécie de analogia ocorre no momento em que o operador do Direito está diante de um fato concreto não regulamentado por lei e que não é possível a aplicação da espécie Analogia Legis. Vale dizer, consoante define Carlos Maximiliano (1981), só ocorre a analogia legis quando não existe nenhum dispositivo aplicável à espécie, sequer de modo indireto, e, em razão disso, encontra-se o magistrado em face de um instituto inteiramente novo. Para o jurista Miguel Reale (1988), não existe a espécie Analogia Júris, uma vez que ela é apenas a aplicação dos princípios gerais do Direito, e isto significa interpretação e não integração do Direito. 3ª) In bonam partem: A analogia é empregada em benefício do agente. 4ª) In malam partem: Aquela que, de alguma maneira, prejudica o agente. Observação: não se admite o uso de analogia para normas incriminadoras, uma vez que não se pode violar o princípio da reserva legal (não pode a analogia criar crime não previsto expressamente ou pena que o legislador não haja determinado. Contra isso vige o princípio da reserva legal. Ex: um sujeito subtrai coisa alheia móvel para uso próprio. Por força da aplicação analógica seria um crime previsto no artigo 155 (furto) do Código Penal. Assim, um fato não considerado delituoso passaria a sê-lo, afrontando o princípio da reserva legal expressamente previsto na Constituição Federal). AN02FREV001/REV 4.0 33 2.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE O Princípio da Legalidade já foi estudado no Módulo I. 2.3 ÂMBITO TEMPORAL DA LEI PENAL A lei penal só será obrigatória após a sua publicação, isto se chama vigência da lei. Em vigor, a lei regula fatos presentes e futuros. O lapso de tempo entre a sua publicação e a sua vigência chama-se Vacatio Legis. A morte da lei (perda da vigência) ocorre com a sua revogação total (ab-rogação) ou parcial (derrogação). O problema da sucessão de leis penais está relacionado aos princípios que regulam a validade da lei penal no tempo. O Princípio da Irretroatividade da Lei existe para regular o conflito temporal de normas penais que se sucedem. 2.3.1 Irretroatividade da lei Penal É a qualidade de não retroagir, não ser válido o fato para o passado. O princípio da irretroatividade da lei penal aplica-se às novas hipóteses de crime, contravenção penal, aumento de pena ou nova agravante. Trata de segurança jurídica ao indivíduo, pois ele terá condições de valorizar de antemão se um fato por ele praticado é considerado crime ou não. Aplica-se aqui o princípio universalmente aceito do nullum crimen nulla poena sine lege, que o Código Penal colocou no seu artigo 1º, nos seguintes termos: “Art.1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. (Princípio da anterioridade). O Princípio da Irretroatividade da Lei Penal está previsto no artigo 2º do Código Penal, vejamos: Art. 2º - “Ninguém AN02FREV001/REV 4.0 34 pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”. Parágrafo único: “A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se as fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”. A nossa carta prevê em seu artigo 5º, inciso XL que a lei somente se aplica ao passado (retroage) para beneficiar o acusado, ou seja, a Irretroatividade da Lei Penal, pois a lei é criada para aplicação no futuro. É a chamada retroatividade benigna. Em resumo, temos: REGRA: A lei penal não pode retroagir; EXCEÇÃO: A lei penal poderá retroagir quando trouxer algum benefício para o réu/agente/acusado. Temos então o Princípio da irretroatividade da lei mais severa e da retroatividade da lei mais benigna. A norma de caráter processual penal (não possui caráter de sanção, ex: regras que disciplinam a prisão provisória) não se submete ao Princípio da Retroatividade. Nos termos do artigo 2º do Código de Processo Penal, a lei de caráter processual penal terá validade imediata, inclusive aos processos em curso, pouco importa se o crime fora cometido antes ou após a vigência da lei, ou se ela é ou não mais benéfica ao agente. O que interessa é que o processo penal esteja em curso. Atualmente é entendimento que a prisão provisória é norma processual penal, em razão de originar de processo, tendo vigência imediata. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que as normas que regulam o regime de cumprimento da pena (pena ou medida de segurança) são normas de caráter penal e não processual, por isso se submetem ao Princípio da Retroatividade. No caso de ocorrer norma mista penal e processual prevalece a primeira para fins de retroatividade em benefício do agente. É importante compreender em que tempo a lei começa a viger no País. Nos termos do artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, “salvo disposição em contrário, a lei começar a vigorar em todo o País 45 (vacância) dias depois de oficialmente publicada. Já o artigo 2º da mesma lei diz que a lei vive até que outra posterior a revogue. AN02FREV001/REV 4.0 35 Nos termos do artigo 8º, caput da Lei Complementar nº 95/98 (Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme, determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona), as leis de pequena repercussão não possuem período de vacância, entrando em vigência na data de sua publicação, em relação às leis que estabelecem período de vacância o artigo 8º, § 1º da mesma lei complementar diz que neste caso a lei entrará em vigor no dia seguinte. O que seria Revogação da Lei? Seria sua morte, retirada, cessação da sua vigência. A revogação da lei somente acontece por meio de outra lei. O costume e a falta de uso não revogam a lei, nem derrogam a lei. A revogação da lei pode ser: 1ª) Revogação Expressa: quando lei posterior declara expressamente que a lei anterior não vai mais produzir efeito. 2ª) Revogação Tácita: quando a lei posterior não determina expressamente a revogação da lei anterior, mas em razão de sua incompatibilidade material revoga a anterior. 3ª) Revogação Total: também conhecida como ab-rogação. Consiste em revogar toda a lei. 4ª) Revogação Parcial: também conhecida como derrogação. Consiste em revogar parte da lei. OBSERVAÇÃO: 1. Atividade da Lei: ocorre quando a lei regula todas as situações durante sua eficácia (vida). A regra para o Direito Penal é a Atividade da Lei. 2. Extra-atividade da lei: ocorre quando a lei mais benéfica tem eficácia, mesmo depois de cessada sua vigência. Configura a exceção para o Direito Penal. Ela pode ser: 2.1 Retroatividade da Lei: quando a lei regula situações passadas ocorridas antes de sua vigência. AN02FREV001/REV 4.0 36 2.2 Ultra-atividade da Lei: quando a lei regula situações mesmo após perder sua vigência. 2.4 CONFLITOS DE LEIS PENAIS NO TEMPO O Princípio tempus regit actum prescreve que em regra a lei rege os fatos praticados durante sua vigência,combinando de forma harmoniosa com os princípios da reserva legal e da Anterioridade da Lei Penal, respectivamente artigos 1º do CP e 5º, XXXIX da Constituição Federal. MIRABETE (1999) entende que, apesar do que define o princípio tempus regit actum, por disposição expressa do próprio Código Penal Brasileiro, é possível a ocorrência da retroatividade e da ultratividade da lei penal. Pelo Princípio da Anterioridade da Lei Penal a regra é a Irretroatividade da Lei Penal, entrando em vigor lei mais severa que a lei anterior, a lei posterior não vai alcançar o fato praticado anteriormente, continuando a ser aplicada a lei anterior, ocorrendo a ultratividade da lei penal mais benigna. É o que diz o artigo 5º, inciso XL da Constituição Federal: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. A retroatividade e a ultratividade são, portanto, fenômenos que excepcionam o princípio da irretroatividade. Magalhães Noronha (1991) fala com maestria do assunto ao explicar que é o próprio Direito Penal que estabelece a exceção: “a lei penal que beneficiar o acusado (lex mitior) retroage”. 2.4.1 Hipóteses de Conflitos de Leis Penais no Tempo Para uma melhor compreensão do item faz-se necessário o conhecimento de alguns termos em latim, vejamos: lex mitior: lei melhor lex gravior: lei mais grave Novatio legis: nova lei AN02FREV001/REV 4.0 37 Abolitio criminis: Abolição do crime São 4 (quatro) as hipóteses de conflito da lei penal no tempo, vejamos: 1ª) Abolitio Criminis: Surge este fenômeno toda vez que uma lei nova (posterior) deixa de incriminar um fato anteriormente considerado crime. A Abolitio Criminis está prevista no artigo 2º, caput do Código Penal, que diz: “Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”. Segundo ensinamentos de Mirabete sobre Abolitio Criminis: Com exceção ao princípio da irretroatividade da lei penal, prevê a Constituição Federal a retroatividade da lei mais benigna ao dispor que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL). Em consonância com esse princípio da retroatividade da lei mais benigna, de aplicação obrigatória por se tratar de imposição constitucional, dispõe o artigo sobre a denominada abolitio criminis, prevendo que ninguém será punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime. (MIRABETE, 1999) Consequência da Abolitio Criminis: Inquérito Policial e Processo Penal imediatamente trancados e extintos; Sentença Condenatória cessam execução, efeitos penais principais e secundários, os efeitos extrapenais (fora do Direito Penal, ex: Indenizações) não cessam; Não é possível Abolitio Criminis através de Medida Provisória e Costumes. 2ª) Novatio legis Incriminadora: Nasce este fenômeno toda vez que lei posterior (nova) tornar fato anteriormente não considerado crime pelo Direito Penal como fato incriminado, ou seja, lei posterior cria um tipo até então inexistente no ordenamento jurídico. É de observar que a lei posterior (nova) que cria novos fatos incriminadores é irretroativa. AN02FREV001/REV 4.0 38 Neste sentido Francisco de Assis Toledo (1994) é contumaz em afirmar: A lei penal mais grave não se aplica aos fatos ocorridos antes de sua vigência, seja quando se limita a agravar as consequências jurídico-penais do fato, isto é, a pena ou a medida de segurança. Há, pois, uma proibição de retroatividade das normas mais severas de direito penal material. 3ª) Novatio legis in pejus: Trata-se de fenômeno jurídico em que a lei posterior (novatio legis/lei nova) agrava a situação do agente no caso concreto (in pejus). Portanto esta hipótese de conflito surge no ordenamento jurídico toda vez que lei nova, que não cria novos tipos criminosos, vem piorar a situação do agente (réu, acusado). Esta lei posterior não atinge fatos praticados antes do início de sua vigência (Princípio da Irretroatividade da lei mais severa). Ante o princípio da retroatividade da lei penal benigna, a novatio legis in pejus não tem aplicação na esfera penal brasileira. Excelente exemplificação da ocorrência da Novatio legis in pejus nos é dada pelo ensinamento do Professor Mirabete: Nessa situação (novatio legis in pejus) estão as leis posteriores, em que se comina pena mais grave em qualidade (reclusão em vez de detenção, por exemplo) ou quantidade (de 2 a 8 anos, em vez de 1 a 4, por exemplo); se acrescentam circunstâncias qualificadoras ou agravantes não previstas anteriormente; se eliminam atenuantes ou causas de extinção da punibilidade; se exigem mais requisitos para a concessão de benefícios (MIRABETE, 1999) 4ª) Novatio legis in mellius: É a lei posterior (lei nova/novatio legis) que de qualquer maneira favorece o agente no caso concreto (in mellius). A lex mitior (lei melhor) é a mais benéfica, seja anterior (lei velha) ou posterior (lei nova) ao fato. É de se notar que tanto na hipótese de abolitio criminis como na novatio legis in mellius, a lei penal retroage aplicando imediatamente aos processos em curso e aqueles com sentença transitada em julgado. Assim, lei nova é mais favorável ao agente, retroage em razão do princípio da retroatividade da lei mais benigna. Observações: Em se tratando de aplicação de lei poderiam surgir os seguintes questionamentos: AN02FREV001/REV 4.0 39 1. Quem seria competente para aplicar a novatio legis in mellius? Resposta: Processo em curso na 1ª Instância: Compete ao juiz de 1º Grau a aplicação da lei mais benéfica. Processo 2º Grau (grau de recurso): cabe ao tribunal responsável pelo julgamento do recurso. 2. A quem compete a aplicação da novatio legis in mellius após a sentença transitada em julgado? Resposta: Compete ao juiz da execução da pena e não ao tribunal. Tudo conforme o artigo 66, inciso I da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/98), que diz: “compete ao juiz da execução: I - aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado” e artigo 13 do Decreto-Lei nº 3.931/41 (Lei de Introdução ao Código de Processo Penal) que diz: “A aplicação da lei nova a fato julgado por sentença condenatória irrecorrível, nos casos previstos no artigo 2º e seu parágrafo, do Código Penal, far-se-á mediante despacho do juiz, de ofício, ou a requerimento do condenado ou do Ministério Público”. Também no mesmo sentido é a Súmula 611 do STF, de 17/10/1984, que diz “Sentença Condenatória Transitada em Julgado - Competência na Aplicação de Lei Mais Benigna. Transitada em julgado a sentença condenatória compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna”. 3. No campo do Direito Penal é possível a combinação de leis? Resposta: A doutrina se divide em relação à possibilidade da combinação de leis, vejamos: Para aqueles que não admitem: Fernando Capez (2006) não é possível, uma vez que, ao retirar parte de uma lei para usá-la em beneficio do agente, o seu aplicador estaria estabelecendo uma terceira regra. Outros estudiosos do Direito, como Nelson Hungria (1979), também caminham neste sentido, entendendo não ser possível a combinação de lei anterior e posterior para efeito de extrair de cada uma delas as partes mais benignas ao agente, porque, nesse caso, o juiz estaria AN02FREV001/REV 4.0 40 legislando. Para aqueles que admitem: Damásio de Jesus e Basileu Garcia aceitam a combinação de leis. Justificam a possibilidade da combinação em razão de que o magistrado não estaria legislando, mas apenas integrando normas, pois se o magistrado pode aplicar o todo porque não aplicar uma parte. Posição do STF: No HC 95.435, a Segunda Turma do STF entendeu pela possibilidade de combinação de leis no tempo para favorecer o réu: EMENTA: AÇÃOPENAL. Condenação. Pena. Privativa de liberdade. Prisão. Causa de diminuição prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Cálculo sobre a pena cominada no art. 12, caput, da Lei nº 6.368/76, e já definida em concreto. Admissibilidade. Criação jurisdicional de terceira norma. Não ocorrência. Nova valoração da conduta do chamado “pequeno traficante”. Retroatividade da lei mais benéfica. HC concedido. Voto vencido da Min. Ellen Gracie, Relatora original. Inteligência do art. 5º, XL, da CF. A causa de diminuição de pena prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, mais benigna, pode ser aplicada sobre a pena fixada com base no disposto no art. 12, caput, da Lei nº 6.368/76”. (STF, HC 95.435, rel. Min. Cezar Peluso, j. 21.10.08). No entanto, neste RHC (94.802), a Primeira Turma do STF entendeu não ser possível a combinação de leis penais no tempo, nem mesmo para beneficiar o réu, sob o fundamento de que isto implicaria na criação de uma terceira lei pelo judiciário. O STF deve levar o tema para o Pleno, porque divergências entre suas duas turmas geram insegurança total. 4. Lei Benéfica (lex mitior) em vacância pode retroagir? Resposta: É entendimento quase unânime de que não é possível, pois se a lei ainda não está vigente (começou a produzir efeitos), não pode ser aplicada (eficácia) e nem retroagir. É salutar citar o exemplo de Fernando Capez: [...] até porque é possível a sua revogação antes mesmo de entrar em vigor, como aconteceu com o art. 263 da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), revogado pela Lei de Crimes Hediondos em pleno período de vacatio legis. Por essa razão, não haverá aplicação retroativa até a entrada em vigor da lei. (CAPEZ, 2006) AN02FREV001/REV 4.0 41 5. Qual o tempo do crime para a fixação da lei penal aplicável? Resposta: Depende do crime, vejamos: Nos Crimes Permanentes: caso a execução tenha início sob a vigência de uma lei, e continuando sob a vigência de outra lei, neste caso aplica-se a segunda (mais nova), ainda que menos benéfica, uma vez que a conduta delitiva se prolonga no tempo, então a todo instante renovam-se a ação e a incidência da nova lei. Nos Crimes Continuados: uma lei nova deve ser aplicada, ainda que mais grave, na sequência delitiva (série de crimes). 2.5 LEI EXCEPCIONAL OU TEMPORÁRIA Previstas no artigo 3º do Código Penal. Possuem como características a ultratividade e a autorrevogação, pois o seu próprio texto determina o prazo final de sua vigência. Comportam duas espécies, a saber: I. Leis temporárias: tem vigência previamente fixada pelo próprio texto da lei. II. Leis excepcionais: são as destinadas a viger em situações de emergência. Existe a hipótese da retroatividade da lei posterior para atingir fatos regulados pela lei excepcional e temporária, qual seja, quando esta lei posterior for mais benéfica e fizer expressa menção ao tempo (período) anormal de vigência. É importante citar neste momento de estudo noções sobre crimes permanente, habitual e continuado. Segundo o ensinamento de Mirabete: Considerando-se que nos crimes permanentes e nos crimes habituais a conduta e o resultado se prolongam no tempo, sobrevindo no decorrer da execução do delito uma lei nova mais benéfica, será o agente beneficiado. Entretanto, a superveniência de lei mais severa obriga a aplicação desta com relação aos fatos e circunstâncias ocorridas já em sua vigência. Essa regra não se aplica aos crimes instantâneos de efeitos permanentes, pois o tempo do crime é o da ação, pouco importando que seus efeitos permaneçam. Vigoram aqui as regras de aplicação da lei penal no tempo, ou seja, de ultratividade e retroatividade da lei mais benéfica. Quanto ao AN02FREV001/REV 4.0 42 crime continuado, também será aplicada a lei mais severa sobrevinda à anterior quando, na forma do art. 71, dois ou mais crimes foram praticados na vigência desta. (MIRABETE, 1999) 2.6 TEMPO DO CRIME Necessário se torna saber qual é o tempo do crime, ou seja, a ocasião, o momento, a data em que se considera praticado o delito para a aplicação da lei penal. O artigo 4º do Código Penal trás a solução: “Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”. Três são as teorias a respeito da determinação do tempo do crime, vejamos: 1ª) Teoria da Atividade: considera-se como tempo do crime o momento da conduta comissiva ou omissiva; 2ª) Teoria do Resultado: o crime é praticado no momento da produção do resultado (consumação); 3ª) Teoria da Ubiquidade ou Mista: é a somatória das duas teorias acima, ou seja, considera como tempo do crime tanto o momento da conduta como o do resultado. O Código Penal Brasileiro, nos termos do seu artigo 4º, adotou a Teoria da Atividade que traz como principal consequência a imputabilidade do agente ser aferida no instante em que o crime é praticado, não importando a data em que venha o resultado ocorrer. O Professor Fernando Capez assim explica a aplicação da Teoria da Atividade: Um menor com 17 anos e 11 meses esfaqueia uma senhora, que vem a falecer em consequência desses golpes três meses depois. Não responde pelo crime, pois era inimputável à época da infração. No caso de crime permanente, como a conduta se prolonga no tempo, o agente responderia pelo delito. Assim, se o menor, com a mesma idade da hipótese anterior, sequestrasse a senhora, ao invés de matá-la, e fosse preso em flagrante AN02FREV001/REV 4.0 43 três meses depois, responderia pelo crime, pois o estaria cometendo na maioridade. (CAPEZ, 2006) 2.7 CONFLITO APARENTE DE NORMAS 2.7.1 Conceito São situações antagônicas, ou melhor, conflito entre duas ou mais normas que parecem aplicáveis ao mesmo fato. Assim surge o conflito pelo fato de mais de norma desejar regular o fato. O estudioso do direito perguntaria: por que aparente? A resposta seria bem simples: em razão de apenas uma delas ser de fato aplicada. 2.7.2 Elementos Não seria totalmente errado referir-se a requisitos do Conflito Aparente de Normas, pois sem a presença deles não há que falar em conflito. Vejamos estes elementos: 1. Unidade do fato (uma só infração); 2. Pluralidade de normas (duas ou mais normas desejando reger); 3. Aparente aplicação de todas as normas (a incidência de todas não é verdadeira é aparente); 4. Efetiva aplicação de apenas uma delas. Para a solução do Conflito Aparente de Normas há três princípios que buscam estabelecer qual seria a melhor norma aplicável àquele caso, os quais, ao mesmo tempo em que excluem uma norma determinada indicam àquela que melhor regula o caso concreto. Vejamos estes princípios: AN02FREV001/REV 4.0 44 a) Princípio da Especialidade (Lex specialis derogat generall ou a lei especial derroga a geral): É a norma que apresenta todos os elementos da geral e mais outro denominado especializante, que traz um mínimo (minus) ou uma grande (plus) severidade. É como irmãos gêmeos, em que um se distingue do outro em razão de um sinal, uma cicatriz ou qualquer detalhe que o torne diferente, especial. Na prática do Direito Penal temos a figura do infanticídio, que em tudo se assemelha com o homicídio, mas possui alguns elementos especiais: a vítima tem que ser o próprio filho da autora do crime e deve o delito acontecer durante o parto ou logo após. O importante é destacar que a consequência do Princípio da Especialidade é que a lei especial prevalece sobre a lei geral, em que esta última não terá mais eficácia (incidência) sobre aquele fato. Rogério Greco, tratando do assunto, diz que: Em determinados tipos penais incriminadores há elementos que os tornam especiais em relação a outros, fazendo com que, havendo uma comparação entre eles, a regra contida no tipo especial se amoldeadequadamente ao caso concreto, afastando, desta forma, a aplicação da norma geral. (GRECO, 2003) É importante mencionar que o Princípio da Especialidade está expressamente previsto no art. 12 do Código Penal: “As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso”. Assim, as normas contidas na Parte Geral do Código Penal e em outros artigos da Parte Especial do mesmo diploma legal – como, por exemplo, o artigo 150, §§ 3º e 4º (violação de domicílio) – possuem caráter geral e, nos termos do artigo 12 do Código Penal, devem ser aplicadas aos fatos incriminados por lei especial (Lei de Imprensa, Lei de Falências e outras). Poderia se indagar como distinguir se é normal geral ou especial. A resposta passaria por uma análise do fato praticado, comparando as descrições contidas nos tipos penais, ou seja, basta uma leitura dos tipos penais incriminadores para saber qual é a norma especial. Sendo de observar que a norma especial pode conter a enumeração de crime mais leve ou mais grave. Outra não menos importante observação refere-se ao tipo fundamental (caput do artigo, ou seja, aquele que AN02FREV001/REV 4.0 45 descreve uma conduta típica), pois em relação a ele prevalecem os tipos qualificados ou privilegiados, portanto estes dois tipos excluem o tipo fundamental. É o que acontece com o artigo 155 do Código Penal, que trata do crime de furto, quando fosse deixada de aplicar a pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, no caso de incidir quaisquer dos tipos privilegiados contidos nos § 2º ou qualificados previstos nos §§ 1º, 4º e incisos. b) Princípio da Subsidiariedade (Lex primaria derogat subsidiariae ou A Lei Primária Derroga a Subsidiária): Existirá a relação de primariedade e subsidiariedade entre normas quando elas descreverem graus de violação de um mesmo bem jurídico, de forma que a subsidiária descreve um grau de violação de menor gravidade que a principal (lex primaria derogat subsidiariae). Como consequência desse princípio temos que a norma primária prevalece sobre a subsidiária, ou seja, primeiro aplica-se a norma primária e, em seguida, a subsidiária será utilizada no caso da primária não se moldar ao fato. Exemplo ímpar é balizado por Fernando Capez: O agente efetua disparos de arma de fogo sem, no entanto, atingir a vítima. Aparentemente três normas são aplicáveis: o art. 132 do Código Penal (Periclitação da vida ou saúde de outrem); o art. 15 da Lei n. 10.826/2003 (disparo de arma de fogo); e o art. 14, II do Estatuto Repressivo (homicídio tentado). O tipo definidor da tentativa de homicídio descreve um fato mais amplo e mais grave dentro do qual cabem os dois primeiros. Assim, se ficar comprovada a intenção de matar, aplica-se a norma primária, qual seja, a da tentativa de homicídio; não demonstrando a voluntas sceleris (animus necandi), o agente responderá pelo crime de disparo, o qual é considerado mais grave do que a periclitação. (CAPEZ, 2006) O princípio da subsidiariedade subdivide-se em duas espécies: 1. Subsidiariedade Expressa ou Explícita: A própria norma reconhece expressamente o seu caráter subsidiário. Ela admite incidir somente se não ficar caracterizado o fato de maior gravidade. Como exemplo da subsidiariedade, expressa o crime de perigo para a vida ou saúde de outrem previsto no artigo 132 do Código Penal: “Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena – detenção, de 3 meses a 1 ano, se o fato não constituir crime mais grave”. AN02FREV001/REV 4.0 46 2. Subsidiariedade Tácita ou Implícita: A norma silencia diante do caso concreto ocorrendo a subsidiariedade. Como exemplo da Subsidiariedade Tácita há o crime de roubo previsto no artigo 157 do Código Penal, em que a vítima, mediante emprego de violência, é constrangida a entregar o seu celular ao agente. Aparentemente, incidem o tipo definidor do roubo (norma primária) e o do constrangimento ilegal (norma subsidiária), sendo que o constrangimento ilegal, no caso, foi apenas uma fase do roubo, além do fato de este ser mais grave. Da simples comparação entre o crime de Constrangimento Ilegal (artigo 146/pena: detenção de 3 meses a 1 ano, ou multa) e o crime de Roubo (artigo 157/pena: reclusão, de 4 a 10 anos, e multa), ambos do Código Penal, prevalece o artigo 157 em razão da maior gravidade. c) Princípio da Consunção (Lex consumens derogat consumptae ou A Lei Mais Ampla Abrange a Mais Restrita): Trata-se do princípio em que um determinado fato maior (mais amplo) e mais grave absorve outros fatos menos amplos e graves, que atuam como etapa normal de preparação ou execução ou exaurimento. O peixão engole o peixinho. É importante distinguir a Consunção da Subsidiariedade. Na Subsidiariedade comparam-se normas para se saber qual será aplicada, enquanto que na Consunção a comparação é estabelecida apenas entre fatos (condutas) e não entre normas, ou seja, o fato mais grave absorve todos os demais, o fato principal absorve o acessório, sobrando apenas a norma que o regula. Como exemplo da Consunção compete citar os crimes de direção perigosa e homicídio culposo no trânsito. Neste exemplo o fato (delito) menor (direção perigosa) é absorvido pelo delito maior (homicídio culposo no trânsito), restando então apenas o crime de homicídio culposo e, por conseguinte, a norma que o define. d) Princípio da Alternatividade: Alguns tipos penais possuem mais de uma forma de descrever o tipo, em que para a realização do crime é independente que uma ou todas as figuras descritas apareçam. São os chamados crimes de ação múltipla, como é exemplo o crime de Suicídio, artigo 122 do Código Penal: “Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça”. O agente AN02FREV001/REV 4.0 47 responderá por um só delito. Apenas alguns doutrinadores reconhecem o crime de ação múltipla como uma modalidade de conflito de normas. 2.8 LEI PENAL NO ESPAÇO Cuida do lugar onde o crime é praticado, servindo como parâmetro para solucionar situações em que um crime inicia sua execução em um determinado território e a consumação dar-se em outro. Para esclarecer estas possíveis situações o Direito Penal utiliza-se de alguns princípios, vejamos: 1. Princípio da Territorialidade: Previsto no artigo 5º, §§ 1º e 2º do Código Penal Brasileiro: Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. § 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro, onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar. § 2º - É também aplicável à lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando- se àquelas em pouso no território nacional ou em voo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil. (CÓDIGO PENAL BRASILEIRO, art. 5°). Fazendo uma análise simples do artigo acima, o Princípio da Territorialidade afirma que a lei penal somente pode ser aplicada no espaço (território) do Estado que a criou, não atendendo à nacionalidade do sujeito ativo ou passivo do delito ou o titular do bem jurídico lesado. Para este princípio, os países devem aplicar as suas leis aos crimes cometidos dentro de seu território jurídico. Este critério não é absoluto. Para tanto, o Brasil adotou o Princípio da Territorialidade Temperada, que diz: AN02FREV001/REV 4.0 48 A lei penal brasileira aplica-se, em regra, ao crime praticado em seu território,
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