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Introdução à Agronomia Abboud 593p LIVRO

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INTRODUÇÃO À AGRONOMIA 
ANTONIO CARLOS DE SOUZA ABBOUD 
Organizador 
G 
Pror1ssao: agrônomo 1 5 
Atividade 11 - Execução de obra e serviço técnico; 
Auvidt1de 12 - Fiscalização de obra e sen•iço técnico; 
A ci.vidade 13 - Produção técnica e especializada; 
Atividade 14 - Condução de u.iba lho Lécnico; 
Atividade 15 - Condução de equipe de instalação, mon tagem , operaç:fo, rep,uo ou 
manu tenção; 
Atividade 16 - Execução de instalação, montagem e reparo; 
Atividade 17 - O pe ração e manute nção de e quipamen to e instalação; 
Atividade 18 - Execução de desen ho técn ico. 
Art. 5-1! - Compete ao engenhe iro agrô no mo: o desempe nho das a tividad es 0 1 a 18 
do Artigo 12 desta Resolução, referen tes à e ngenharia nu"al; con scruções parn fins 
rurais e suas instalações complemen tares; ÍlTigação e drenagem para fins agríco-
las; fitotecnia e zootecn ia; me lhoramento animal e vegetal; recursos na llli-ais reno-
váveis; eco logia, agrom e Leorologia; defesa saniLá ria ; química agrícola; alim entos; 
tecnologia de tr:msformação (açúcar, amidos, ó leos, laticínios, vinhos e destilados); 
beneficiamen to e consen 1ação dos p rodutos anim ais e vegetais; zim o tecnia; agro-
pecuária; eela fologia; fertilizan tes e corre Livos; processo ele culwra e ele utiliza-
ção de so lo; micmbiologia agrícola; biomea;a; parques e j ardins; m ecan ização na 
agricultura; implementos agrí co las; nutrição animal; agrostologia; bro matologia e 
rações; econ omia n.1ral e crédiLO rut"al; seus serv iços afins e correlaLOs. 
Lis tamos, abai..xo, as áreas de an,ação e exercício p rofissio nal cio engenhefro 
agrônomo. 
• Agricu ltura familiar 
• A1·bo rização 
• Armazenamento de grãos 
• Armazenamento ( qualquer o peração 
técnica) 
• Armazéns galpões e similares (uso 
n.1ral) 
• Captura de pescado (atividade co-
mercia l) 
• Certificação fi.tossanitária de origem 
• Classificação e certificação de 
produLos agropea.iários e florestais 
• Colheita e transporte florestal 
• Comba te à e m são 
• Con senração de solos 
• Cultivo de plantas med icinais, condi-
mentares e aromáticas 
• Com ércio de frutícolas 
• Com ércio ele oler ícolas 
• Cultu ras permane ntes 
• Culturas temporárias 
• Desmata1nen to e destoca 
• Drenagem pa1"a fins agroílorestais 
• Esterqueiras 
• Estrndas 11.1rais 
• Pla no de cor te (exploração flo1·cs-
ta l) 
• Florestamen to e reflorestam ento 
6 1 Introdução à Agronomia 
• Comércio de flo res e p la nta s orna-
men cais 
• Fumigação 
• Gaio las e cercados 
• Estufa 
• Geon efe renciamenco 
• Indústria pesqueira 
• Indústrias agrnflorestais 
• Instalações para criação de animais 
• Inventário floresta l 
• Irrigação em culturas 
• Locação d e sistemas de irrigação/ 
dre nagem 
• Moradias rurais 
• Pe rícias 
• Plano de prevenção de incêndios 
florestais 
• Produção de sementes e mudas 
• Tangues de produção de -tlevinos 
• Receiruá rio agronômico 
• Resen ra legal e áreas de p re servação 
permanen te 
• Serviço de expu rgo 
• Silos trin cheiras 
• Sislema de informações geográficas 
• Sistemas de re passe de cooperativas 
agríco las 
• Sistema de vá rzeas 
• Tanques de piscicult·ura 
• Zootecnia - animais de peque no 
porte 
• Zoo tecnia - animais de m édio porte 
• Zootecnia - animais de grande porte 
• Manutenção de áreas verd es e pai-
sagismo 
• Estudos de Impacto Ambien tal e 
Relató1fo de Impacto Ambiental (EIA/ 
RI fA) 
• Agria.tlru ra o rgânie,t 
1.3 NOSSO COMPROMISSO COM O MEIO AMBIENTE 
Desd e a Revolução Industrial, fazem parte do mundo "moderno" inúmeras 
tecnologias que contribuem continua men te para o avanço da humanidade. a 
medicina, na mbótica, na construção civil, na infonnátiat e nas técniO\s aplicadas 
à agricultura há provas irrefütáveis dessa modem.idade. Entretanto, o avanço das 
indústrias acarretou o aumento na degradação do meio ambiente e expôs de forma 
bmsca os e fe iLos nefasLos da p oluição. Essas tecnologias favoreceram a ocupação do 
ser humano em á reas antes inabitadas e foram decennjnantes para o exponencial 
crescimento da população mundial ao longo das décadas. Com isso, os recursos 
disponíveis na Terra para "abastecer" seus habitantes vêm-se toruando cada vez 
mais escassos, levantando questões p reocupan tes relativas à preservação ambienral 
e à qualidade de vida no planeta. A crescen te desm.1ição dos recursos naturais e 
a poluição ambie ntal são resultados claros desse a umento populacional, uma vez 
que as ,1 rividades industriais são por demais poluido1<1s, e os resíduos gerndos têm 
sempre u·ês destinos: o ar a nnosférico, as águas e os solos. 
As preocupações com a preservação d os ambie n tes no plane ta começaram 
no início da década de 1970 e, em junho de 1992, ganh ar-am força co m. a II 
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Prof1ssao: agrônomo 1 7 
Conferência da O 1ganização das ações Unidas (O U) sobre Meio Ambiente e 
Desenvolvimento H u ma no, sediada no Rio de J aneiro, a ~o cerne foi a discussão 
sobre o desenvolvimen to su stentável e a crescen te degradação ambie ntal. A reu nião 
ficou conhecida mund ialmente como Rio 92 e contou com a participação de 117 
países. A Confc1·ência consolido u o conceito de dcsenvolvimenlo susten tá vel 
e contribuiu para a conscientização mais ampla da responsabilidade dos países 
desenvolvidos pelos danos ao meio ambiente. Q uinze anos depois, em fevereiro 
de 2007, na cidade de Paris, França, a ONU divu lgou o rela Ló rio do Pai.ne.1 
In tergovernamental de Mudanças Climá ácas (IPCC), e laborado p or mais de 2 500 
cientistas de 130 países [ l ). O relacótio e ra categórico: a s perturbações no clima e 
o aquecimento global são de responsabilidade inequívoca do homem . 
Mas o que teria a agricul nira moderna, praticada nos trópicos, com isso? 
Ainda que a queima de combusóveis fósseis seja a p rincipal responsável p ela 
alta concentração de gases do e fe ito estufa, de acordo com o IPCC, a ag1; cultura 
1·esponde po r 13,5 % das emissões anuais de gás ca rbônico. Parece pouco? 
De acordo com um grupo inte rnacional d e cientistas, em 2005, o setor emi tiu 
de 5,1 a 6,6 bilhões de to neladas de CO
2
• Esse número leva em conta somen te 
as e missões dire tas do seLOr, formadas principa lmente pelo me ta no (CH 4) -
provenie nte, na ma ior par te, das fezes do gado e dos a lagados de arroz - e pelo 
óxido niooso (N
2
O), e mitido, sobre rudo, pelo u so de fertilizan tes e pela queima 
de biomassa. E nu-e os gases do efeito estufa, o m e tano e o óxido nitroso são, 
respectiva mente, 25 e 250 vezes mais potentes que o CO'.? na re tenção de calo i: 
Segundo o IPCC, as emissões de óxido nitroso pela agriculru ra equivalem a 2,8 
bilhões de toneladas de gás carbônico , e as de me Lano, a 3,3 bilhões de tonelada s, 
sendo o setor respo nsável po r 49 % de CH
4 
e 66 % de '.?O. 
O relatór io , poré m, não incluía nas contas da ag,; cu lrura as emissões de gás 
carbônico promovidas pe la conversão de flo restas em ter ras agrícolas e pelo uso da 
te rra. A queima ou o apod recim en to das florestas libera no a r o carbono q ue escava 
a m1,1ze nado nos troncos, nas folhas, na s raízes e no solo. Com o somató rio desses 
valores as emissões do se tor ficam entre 8,5 bilhões e 16,5 bilhões de toneladas 
de gás ca1-bô nico, o q ue represenLa valores da ord em de 17 a 32 % de todas as 
emissões de gases de efeito esrufa p rovocadas pe lo ser humano. As estimativas 
foram regiso-adas na publicação Mudanças do Clima. Nludanças no Campo, lançada 
e m j aneiro de 2008 pela O G Greenpeace. E é justa meme a derrubada de 
florestas que coloca o Brasil numa sin1ação de xeque perante as questões relativas 
ao aquecimento global, po is o país ocupa a incômoda posição de quarto maior 
emisso1· de gás carbônico do mundo. Dados do próp1io governo fed eral dão 
conta de que o Brasil e mitia em 1994 cerca de 1,48 bilhão de toneladas de CO ::r 
Aproximada mente 75 % eram resultantes d e desm atamen tos em todo o país e ela 
mudança no uso da te n-a - o que inclui a agricu ltura. 
o 
8 1 Introdução à Agronomia
A pesar desses números, a agriculLura em nosso país pod e vir a se tornar a 
cibua ele salvação parn essa questão, po is o uso adequa d o do solo e as prá ticas 
d e manej o que visam a dinamizar a p rodutividade e diminuir a perda d e matéria 
01·gânica d o solo, podem reverter essa situação. A adoção d e siste mas integrados 
d e plan tio e técnicas como o planúo dire LO vem conu·ibuindo para mudar esse 
cenário. 
O uso de energias re nováveis-oIPCC sugere o uso d o e tanol como m edida para 
reduzir as emissões d e CO ~ - coloca o Brasil numa posição d e impo rtâ ncia ímpu 
para o fl.1niro d o planem e aumenta sobremaneira a 1·esponsabil idacle d o m anej o 
do nosso agronegócio, principa lmente em questões ine rentes à produtividade no 
campo. 
A liderança brasile ira nas pesquisas e na produção d o e tanol - e agora do 
b iodiesel-é reconhecida no mundo tod o. Ademais, as dúvidas sobre a qualidade e o 
d esempen ho d essa e ne rgia renovável não mais exisLe m d esd e o segundo semeslre d e 
2006, qua ndo duas institu ições mulci la terais reconhecidas, a Agência Inre maci.on:-\I 
d e Ene rg ia (AIE) e o Banco Mundial , publicaram os resultad os de esrudos 
multidisciplinares paralelos e indepe ndentes sob re a p rodução de biocombusóveis 
no mundo. Amb:-\ s chegaram às mesmas conclusões: os ag rocombusúveis, sobretudo 
o e tanol d a cana-de-açúcar, contribuem, comprovadamente, para reduzir as 
emissões d e gases d e efeito estufa, em paràcular o gás carbônico, principal causador 
d o aquecimento na a tmosfera c.en-es1.re. 
Em re lação ao risco d e desmatamenco, o governo brasile iro argumen ta que 
existem 90 milhões d e hectares de cerras aráveis que ainda não foram aproveitadas 
para a ag ricultura no pa ís. VisLos de maneira isenLa, os fatos favorecem a posição 
brasileira. A cana-cle-açúca1~ po1· exemplo, ocupa menos d e l % d o território 
brasile iro, o equivale nte a u m te rço d as lavouras de soj a. Em 197 5, quando foi 
lançado o p rograma orig inal de estímulo à produção d e á lcool, produziam -se no 
B1asil 50 milhões d e toneladas de cana-de-açúca r em 1 milhão d e hectares. H oj e, 
são 600 mill1ões d e tonelad as em 7 milhões d e hectares, o que resulta e m uma 
p rodutividade média d e 85,7 t.ba·1• Em pouco mais d e três d écadas, po rtanto, a 
safra aum enLou d oze vezes, e a área ocupada apenas seLc vezes. Esse aumen LO d a 
produtividad e se d eve a investimen tos em tecnologia. 
Imagina-se que o JTu:'lior d esafio para que a ag ricultura brasileira se estabeleça 
d e vez como exemplo d e sustentabilidade e p m d u tividade e m n ível globa l esteja na 
recuperação das pastagens degradadas, bem como no esforço para não aumentar 
a inda mais essas áreas. Dad os d e especialistas- d o Ins tiruto Brasileiro de Geografia 
Estatística (IBGE), d o CenO:'O d e Escudos Avançad os em Economia Aplicad a da 
U n iversidade ele São Paulo (CEPEA/USP), da Food and Agricu ln1re O rganizacion 
(FAO), da Céleres Ambiental e do The World Factboolt, publicação da Agência Central 
d e Inteligência cios Estados U n iclos (CIA) - indicam que, entre os anos d e 1996 
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Profissao, agrônomo 1 9 
e 2006, o Brasil aumentou e m 4, 1 % a média anua l de sua produção agrícola, 
enquanto, em todo o mundo, esse crescimen to foi de 0,8 %. São 64 milhões d e 
hecca1·es p lantados, ena-e cultivos anuais e perenes. Além disso , o país conta com 
cerca de 70 a 100 milllões d e hectares que podem ser aproveitados para o cultivo 
agríco la. Ficam d e fora dessa conta a Amazônia, as áreas de preservação do Cen-ado 
e da Mata Adânáca. O gargalo dessa questão está na pecuá ria extensiva brasileira, 
pois, enquanto há países com até seis cabeças d e gado por hectare, aqui a m édia é 
pouco supe rio r a uma cabeça de gado por hecuuse, o que hoje soma tia 206 milhões 
de animais. 
É preciso, por tanto, concentrar esforços para um avanço sustentável e 
a mbienta lme nte responsável da agricul tura nesta área do pla ne ta, nesta região 
tropical onde há a lgo da grandeza de 100 milhões de hecc:ires de área ainda 
cultiváveis. 
Nas regiões tropicais, sabidame nte, as mé dias das temperaturas são mais 
elevadas. Por isso, a decomposição ae1·óbica da matéiia orgânic::., que 1·esulta na 
liberação de gás carbônico, e m condições non11a.is, pode ocorrer de 5 a 1 O vezes mais 
rapidamente que em regiões de clima temperado e, e m condições extremas, pode 
se d ar até 50 vezes rna is rapidamente. O manejo susten tável de toda essa enorme 
engrenagem - que é também a segunda área geográfica no mundo com maior 
quantidade de recursos hídricos superficiais disponíveis na Terra, só pe rdendo 
para a Ásia - pode d itar os rumos para um novo conceito d e sustentabilidade 
agrícola mundia l. 
Esse conceito deve-se estabelecer em bases sólidas e bem fundamentadas para 
que a preservação dos recursos na n1rais possa coexistir verdadeiramente com a 
p rodução de alimentos e que esta possa caminhar lado a lado com a fabricação d e 
bicombustíveis. Esta, por su a vez, d eve-se consolidar definitivamen te como rota 
a lternativa e n ecessária para a geração de e nergia e, fund amentalmente, como 
ma ne i1-a. eficaz de miág;w os e feitos da poluição gernda em tod::. a cadeia pmdu tiva 
da exploração de combusóveis fósseis. 
Nas questões que envolvem os biocombustíveis, pode-se ainda explorar outras 
cul turas o leaginosas, como a do pinhão-manso, que não são, como a soja, usadas 
para alimentação huma na ou animal. As pesquisas com novas espécies podem 
conoibuir não só para diminuir a compe tição na cadeia alimenca1; como também 
para devolver à terra, de fonna eficiente, os nu trientes ex.portados pelas plantas 
destinadas à produção de ene rg ia e també m de alimentos. Os resíduos - cortas 
e farelos - gerados por essas o leaginosas são ricos em carbono e nia·ogênio e, 
quando aplicados ao solo como fe nilizantes o rgânicos, podem diminuir os gastos 
com adubos sinté ticos, a lém de melhorar a condição fisica do solo, uma vez que 
aumentam a re tenção de água d isponível e fuvorecem a manutenção dos processos 
biológicos tão vitais para o crescimento vegetal. 
1 O I lntroduçilo à Agronomia 
1.4 VALORES ÉTICOS E AMBIENTAIS 
Em m e.io aos inúmeros quescio na me n Los e desa fios con tem porâneos, a 
questão ambiental vem assu mindo, pe lo menos d esd e a d écad a de 1960 e, com 
mais força, na década d e 197 0, impo r tância crescen te. O lançamen to d o Relatório 
Meadows (The Lirnits lo Growlh) pe lo C lube d e Roma em 1972 [2] e a reali zação d a 
Conferência da O NU so bre Desenvolvimen to H uman o e Ambien te, no mesmo 
a no, e m Estocolmo (Suécia), abrirnm cam inho para am plos d ebates d a socied ade 
sobre o s rum os do mode lo d e d esen volvime nto adotado, con su mista e d esu-u.tivo 
d o ponto d e vista a mbie nta l. 
Ern 1987, o u u-o marco importante foi o lançam ento do d ocu mento Nosso Futuro 
Comum, pela Wo rld Comissio n o n En viro nmen t a nd Develo pment (WCED) [3], 
comissão d irig ida pela en tão p t-i.meira-minisrra da oruega, Gro Bnmdcland. O 
rela tó r io, também conhecid o como Relatório B rundJ.land, po pularizou as exp1·essões 
d esenvolvimen to sus ten tável e susten tabilidad e. Essas exp ressões, embo ra venha m 
tendo u so abusivo e send o aJvo d e múltiplas d isputas, fin naram um m arco 
im po r tan te para a questão d o me io ambien te. a sequência d os g rand es even tos 
ambien tais, tiveram lugar no Rio d e J aneiro, em 1992, ajá mencionada Rio 92 e o 
Fóru m G loba l, organizad o pa ra lela men te pela sociedad e civil. 
No que tange a plantas e ouaus organismos gene ticam ente m odificados, 
d iversos foram os tratad os assinados pelas nações nesses eventos mu ltilaterai s. 
U m d e les é a Con venção sobre Diversidad e Biológica (CDB), assinada po r 156 
pa íses d ura n te a Rio 92, e ra tificada pe lo Cong resso acio nal brasileiro em 1994. 
Além de precon izar a conservação d a biodiversidad e e a utilização susten tável de 
seus componen tes, a CDB ressalta a
necessid ad e da repar tição justa e equ itativa 
d os be ne ficies d e rivados dos usos diversos d os 1-eetffsos gené ticos. o entanto, 
no pacen ceam ento d e plan tas a repartição dos beneficies não costuma ser 
equi tativa: mul tinacio nais d e bio tecno logia "esquecem " tod o o trabalho an1e 1101~ 
j á desenvolvi.d o, e a bocanham todos os d ireitos de comerciaJização e investigação 
d esses cultiva1·es p<1tc 11Lcados. Ficam d e for,1 da d is1ribuição d e beneficies o s 
verdad eiros dono s de saberes o-adicionais milenares: os g rupos indígenas, os 
agr icuho res fa milia res e a lé os prog ram as goven1amentaj s d e melho rame nto q ue 
contribuíram para chegar a esses cultivares. 
A ag mecologia é o p aradig ma emergen te, em cons1.n.1ção, que busca da i· 
novas respostas a essa n ova é tica arnbien taJ e sociaJ, na área d a agricu ltu ra e do 
d esenvolvimen to rural. Vem conquistan do cada vez m a.is espaço : o últim o Congresso 
Brasileiro d e Agroecolog ia, realizado em Cu1-i tíba (PR), em 2009, Leve cerca de 4 
000 par ticipantes, ao p asso que o último congresso de Agronomia con tou com 
cerca d e 660 parLicipa ntes. Isso d e mo nso,1 o interesse da socied ad e por novo s 
ca minhos, e cabe a nós dar essa reposta. 
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Profissão: agrônomo 1 11 
Podemos acreditar que estamos triJhando o caminho certo para a construção 
de uma agricu lrura que nos levará a uma sociedade realmen te justa sociaJ e eco-
nomicam en te; equitativa, quan to à biodiversidade; com respe ito pelas diferenças 
culrurais e muito diá logo; com inclusão de todos os brasileiros; com participação e 
de mocracia. Con tribuem para atinginnos essas metas as experiências de agricu l-
tores, de O NGs, da Articulação acional de Agroecologia (ANA) e da Associação 
Brasile ira de Agroecologia (ABA), do movimento social, com o o Movimen to dos 
Sem -Terra (MST ) e da Via Campesina, de centenas de associações e sindicatos, de 
escudantes e milica rues na á rea da agmecologia. 
A humanidade cem de descobrir novos caminhos e está sendo pressionad a 
a ctiar novos modelos de desenvolvime nto capazes de superar a fa lsa oposiç~'io 
desenvolvimen to versus ambie nte. É n ecessária a emergência de um saber que 
possa ressignifica r as concepções do progresso, pois o crescimen to sem lim.ices, sem 
racionalidade social, sem políticas e prá ticas educativas, sem o questionamento dos 
paradigm as do mi na n ces cio conhecimen coe da na cu reza, não leva rão a hu mani.dade 
a um verdadeiro desenvolvime nto, que alguns chamam de "susten tável". Apesar 
das dificu ldades, há fa tos promissores, com as tecno logias limpas de transporte 
- veículos híbridos, elétricos, movidos a hidrogênio ou biomassa-, as tecnologias 
ecológicas de produção agrícola, as tecnologias limpas de p rodução de energia, 
como os biodigesco res, as unidades geoté rmicas e cólicas. Assim, há espera nça 
de que as gerações aruais possam legar às gerações fü curas um mundo m elho1; 
menos po luído, me nos beligernn te, mais segu ro, ma is educado, ambientalme nle 
equilibrado, culturalmente e em termos de gênero mais diverso, d o que o que 
he nfamos das gerações anterio res. 
1.5 A REVOLUÇÃO VERDE 
Chama-se Revolu ção Verde a um ex tenso programa imp lem entado e m m eados 
do século XX, iniciado no México, sob os auspícios da Fundação Rockefelle1~ cujo 
obje tivo era p romover efe tivo aumento na p rodução agrícola para erradicar a 
fome do p lane ta. De fulo, o programa idealizado e capi taneado pelo agrônomo, 
gen e ticista e melhorista vegetal no1-te-ame d cano, Dr. onnan Bod a ug, tirou da 
inanição e salvou a vida de m ilhares de pessoas no m undo inteiro, valendo ao 
cientista o Prêmio obe l da Paz, em 1970. 
Em setembro de 2009, foi noticiado pela impren sa internacionaJ e nacional o 
falecimento do D1: Bod a ug. Equivocadamen te, boa parte da impre nsa - inclu sive 
a Folha de São Paulo - , ao apresentar os feitos do cie ntista, afirmou que sua ma ior 
con tribuição foi o lançame n to de "variedades de plan tas com elev;tda resistência 
às pragas e doenças" [4]. 
12 1 lntroduçao à Agronomia 
Essa no tícia causou espanlo para todos os que conhecem a história da 
Revolução Verde. Ora, o grande fe ito cio D1~ Bod a ug e seus colaboradores foi 
o lançamen to das variedades de aJca p rodu tividade, ou VAP, e não com elevada 
resistência às pragas e doenças. Assim, essas va riedades, que tinham efetivam e nte 
p1·od ucividade tT1uiLO alta, apr·esen Lavam també m com o característica m,1 rcanLe 
j ustamente sua fragilidade e m relação aos ataques de pragas e doenças. Essa 
fragilidad e redundou e m dep endência de e levadas doses de fertilizantes 
indusu·ia lizados de a h.a solubilidade. A p rodução au me n Lava muiüssimo, é 
verdade, mas era necessária a aplicação de e levadas doses d e agmcóxicos, bem 
como a prática da ir rigação. 
É preciso deixar dai-o que as varieda des u-adicionais, crioulas, cultivadas 
pe los agriculto re s do mundo em desenvolvimento, eram muiLO ma is adaptadas 
às cond ições locais de cu ltivo, alé m de p raticamente não demandarem insumos 
externos. Além do mais, é eviden t.e que, durante muitos anos, foram as varied ades 
oc1d iciona.is que ga1,1nLiram ~, sob revivência e a segura nça alimen ta r dos povos de 
pa íses pouco desenvolvidos. 
As críticas aos métodos utilizados no program a do 0 1~ Borlau g foram muitas e 
intensas, sobreL, 1do no que tange ao me io am biente e às queslões socioeconômicas. 
De Ítlto, o programa tom ou os agricultores do mundo subd esenvolvido mui to mais 
dependentes não só de energia fóssil (peo·óleo), como também de tecnologias 
produzidas e domina das por e mpresas dos países ricos. Va le lembrai· que, en tJ-e 
os grandes financiadores da Revolução Verde, estavam e mpresas multinacionais 
e a Fundação Rockefeller, noradam ente ligada aos setores peouleiros dos Estados 
Unidos. 
Com a crise do petróleo dos a nos 1970 e o uso indiscr iminado de produ ros 
inseticidas agrotóxicos, os 1·esulcados foram lamen táveis: êxodo rural , inchaço das 
cidades, violência urbana, marginalização, con taminação ambien tal e hu mana ... E 
a fom e, que se1·ia o nobl'e mo tivo de lançamenLo das VAP e que rendeu o Nobel da 
Paz ao Dr. Borlaug? Bem, a fome só aumentou , chegando hoje a cerca de 1 bilhão 
de cidadãos do planeta, segun do dados da FAO, aliás, gran de incentivadora da 
Revolução Ve1·de. 
Essa visão crítica não implica uma posição cono-ária à ciên cia e à 
tecnologia. Posicionar-se cono--a a Revolução Verde não significa ado tar uma 
posição obscurnntista, até po rque, estabelecido um balanço socioambien tal, 
podemos ver que hou ve mui to mais p l'ejuízos que beneficios, e que a red ução 
do custo cios a limen tos deconente da produção e m lat"ga escala foi amplamente 
ultrapassada p ela conranúnação ambiental, pelas d oenças causadas a agricultores 
e consumido res, pelo aumento vertiginoso das doen ças vegetais provenien tes da 
frngilidade das plantas me lhoradas genericamente e pela e norme e incalculável 
perda de biodiversidade. 
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Profissão: agrônomo 1 13 
Pa1·a um aprofundamento dessa análise, pode-se con siderar a leitura. de O 
rnercado da fome: as verdadeiras razões da fome no mundo, de Susan George [5]. O 
capítu lo que trata especificamente da Revolução Verde é uma c1itica con nmde nte, 
que aborda questões ambie n tais, sociais, econômicas e culturais. 
Um dos aspcccos mais preocupa ntes da Revolução Verde é o faLO de ela ter 
p rovocado a perda de milhares de variedades de espécies vegetais que 50 anos 
a o.ís eram ailtivadas e m antidas em ai ltivos in vivo pelos agricul tores. Muitas 
dessas variedades escã.o hoj e annazenad as e m projeLos d e altíssimo custo, com o o 
Svalbarcl In ternaciona l Seed Vault (SISV) - o Silo Global de Semen tes de Svalbarcl, 
também conhecido como Arca do Fim do Mu ndo - ou em bancos de gennoplasma 
do Unitecl States De panment of Agria.ilture (USDA), da FAO, elo Consu lta.tive 
Gmup on Internacional Agricultura! Resea rch (CGIAR)
ou da próp1i,1 Empres,i 
Brasile ira de Pesquisa Agropecuáda (Embrapa). A perda de biodiver sidade 
é um proble ma cão grave, que até cie n tistas de ouLras áre as do conhecimento, 
com.o o asO'ofisico e cosmólogo bricinico Martin Rees, colocam a desa-uição d a 
biodiver sidade, jun tamen te com o aquecime n to g lobal, como dos majores perigos 
a sere m enfren tados pela humanidade neste século. 
A Revolução Verde é, possivelmente, o exemplo mais claro do parndigma 
produ civist:a. Para os cien tistas agrícolas, esse paradigma se sustent:a em crença 
implícita e acrítica, aceitação dos dogmas da ciência positivista e o ingênuo 
utilitarismo econônúco. A ciência posit.ivista considera-se ncuLra, desprovida de 
valores, o que implica não ser pertinente a aval iação é tica dos processos de pesquisa 
de que faz u so, nem dos seus p rodutos. O utilitarismo econômico ingênu o reforça 
a abordagem da ciência positivista por defender que as tecn ologias difundidas 
e adotadas pe los agria 1ltores são sempre, em tennos éticos, inerenre menLe 
aceitáveis. Assim o cientista, dono do sabe i~ pode d efinir sozinho o que é bom 
para a sociedade. Eviden temente, essa posição não é sus tentável diante da é tica 
socioambien cal. 
O uso intensivo e abusivo d os agrotóxicos - fungicidas, inseticidas, herbicidas, 
acaricidas, bactericidas, etc. - nos ch egou com o pacote da Revolução Verde. 
Rachel Car son , esc1ito ra e bióloga dos EsLados U nidos, publicou, em 1962, o livro 
Silenl Spring, e m que focalizava, de maneira inédira, os p mblemas ambientais 
decon-entes do u so de agrotóxicos [6]. Pagou caro por sua briUlante e incisiva 
crítica ao uso desmesu rado e abusivo de pesticidas sintéticos: foi perseguida p ela 
g rande imp1-en S<1 no rte-ame ricana e pela poderosíssima indústria de agrotóxicos. 
Do trabalho iniciado por Rachel Carson até a proibição total nos Estados 
Unidos do uso de inseticidas clo radas, como o DDT, passaram-se cerca de dez anos. 
Foi o te mpo que levaram para se conscientizare m ela ação carcinogênic,i desses 
produtos, do seu impacto e persistência no ambiente e da am eaça que trazem para 
todas as formas de vida. Esses cloradas foram també m indutores do surgimento de 
o 
14 1 Introdução à Agronomia 
insetos-pragas com grande resistê ncia e/ou Lolerância a esses produ LOS, o que leva 
à necessidade d e doses maiores ou de n ovos agroquúnicos. A medida de proibição 
cios clorados foi gradativamente se espalhando pelo mundo, sendo que o Brasil a 
ado rou apenas na segunda metade da d écada de 1980. A lei que regulam en ta e 
tipifica os agrotóxicos é a Lei n2 i .802 de 1989. 
A sociedade como um todo não está dit-e camen ce exposta aos d::mos dos 
agroLóxicos, como estão os agriculL01-es e mesmo trabalhadores da indústria, e m 
quem os efeitos se concentram, com fon e caráter le tal Mas a s tragédias acon tecem 
e arrastam indiscriminadamente todos os cidadãos. Em 1984, na cidade ele 
B bopal na Í ndia, houve um episódio terrível, de impacto mu ndial: o vazamento 
de produ tos em uma indúso·ia de inseticidas agrotóxicos pertencente à Union 
Carbide , que levou à morte cerca de 3 800 pessoas e causou danos sevems e m pelo 
menos 11 000. A Union Carb ide era uma e mpresa nort.c-ame ,; cana, que, na Índia, 
tinha metade do capital partilhada pelo governo indiano. Essa p lanta industrial 
pmduzia na época o iuselicida Temik (aldicarb, me tilcarbamalo de oxima) e o 
Sevin (carbaril, 1-naftil-me tilcarbam ato), inseticidas sistêmicos altamen te tóxicos. 
O produto que vazou e se acumulou sobre a cidade de Bhopal foi o isociana to ele 
me tila (metil-isociana to, MIC), u tilizado na produção desses dois agrotóxicos. 
A tragédia de Bhopal expôs os graves problemas e perigos ela indústd a química 
e também fortaleceu o m ovimen to por modelos de ag1i.culcu ra menos agressivos 
ao ambiente ; afinal , o homem pode ser a vílima final do uso indiscdminado desses 
pmdu tos. Os consumidores estão expostos, mas os agricu ltores e os operá.J.i.os 
dessas indústrias estão muitas vezes majs expostos a esses venenos, caso a s nonnas 
de segura nça e o u so de proteção não sejam rigorosamente seguidas. A Union 
Carbide, que era, na época, uma das maiores empresas do setot; viu seu poder 
reduzido, e seus se tores de agrotóxicos fo ram adquiridos pela empresa alemã Bayer 
(hoj e, Baye1· C1opScience). A próp1·ia e mp1-esa veio mais tarde a sei· adquiiida pela 
Dow Chemical, també m norte-americana. 
1.6 REVOLUÇÃO VERDE, O RETORNO? OU: A PROMESSA DAS 
PLANTAS GENETICAMENTE MODIFICADAS 
Estará po r o-ás do mode lo das plantas cransgênicas a mesma faJsa prom essa da 
Revolução Verde? Afü·ma-se que, nessas p la ntas, nessa tecnologia, e stá a salvação 
da humanidade, que sem elas o fucuro da produção de alimentos sera impossível. 
As p lanLas geneticamenle modificadas seriam, en tão, a única forma de acabar com 
a fome no mundo. 
O que se vê, na prática, é a dominação de poucas e gigantescas empresas, 
que cobram mui to caro pelas sementes e p elos royalties e, como se não bastasse, 
-
Profissão: agrônomo 1 15 
contribue m d ecisivamente para a ho mogeneização genética das áreas agrícolas e 
pai-a a diminuição, a inda mais ampla e ainda mais forte, da biodiversidade. O 
discurso ele que trariam a libertação dos agrotóxicos não se susten ta, pois o Brasil, 
que durante muitos anos se manteve em terceiro lugar no consumo de agrotóxico s, 
passou no a no de 2009 para o p rimci.-o lugar, com a s sementes Ge11e tic uncnLe 
M od ificadas (GM ) dominand o a agriculrura expor tadora, especialmente a s~ja. 
Como sustentar o discurso da redução de agrotóxicos com os transgênicos, se a 
á1-ea cu ltivada com eles atinge proporções e no nnes no caso da soja? 
Segundo dados da p rópria indúso;a de agrotóxicos Qom.al Valor, d e 
06/05/2010), em 2007 foram vendidos 720 milhões de lio·os d e agrotóxicos, com 
um fatu ramento ao redor d e 5 bilhões d e dólares. Em 2008, foram 986,5 milhões 
de lious e, agora, na safra d e 2009/201 O foram vendidos 1 006 000 milhões de 
litros, que equivalem a mais de u m milhão de tonelad as, com facuramento d e 6,62 
bilhões de d óla1·es. Esse valor e m dólares, para 2009 e 201 O, represen taria cerca 
d e 12 bilhões de reais. Em 2009, somente na categoria de herbicid.:ts, usad a para 
controlar a infestação de e rvas espontâneas, o volume de produtos com ercializados 
atingiu a cifra de 632,2 mil toneladas, com aumento de 9,9 % em relação ao ano 
a n Le1·io1: 
Como se pode a firmai; por tanto, q ue a teo10logia das plantas GM reduz o uso 
de agrotóxicos? eguind o ainda com dados, d estaca-se o setor dos fungicidas. O 
aumento d a incidência ela fe nugem da soj a no Sul e Ceno·o-Oest.e elevou a demanda 
para 127,8 mil to neladas, um crescimen to ele 14 ,8 %. Em receita , o crescimen to 
foi de 13,8 % e o faturamenco de US$ 1,8 bilhão. A soja também foi a responsável 
pelo aumento no consumo total de agrotóxicos. Os 23,2 milhões d e hectares 
semeados corn o grão recebe1--am 530,l mil 10neladas de agrotóxicos, elevando 
em l 8 % o volu me consu mido. Diante do aumen to d a d emanda , principalmente 
d e fungicid a, a s vencias para os produtores d e soja ren deram ao setor US$ 3,12 
bilhões, um incremen to d e 2,6 %. Podemos obsen,a.- que, ao conu,i1·io do que 
diz a pmpaganda, o consu mo de agrotóx icos na soja geneticamente modificad a é 
enonue e é a ·escente. 
O Brasil desen volveu a ce01ologia de uso d a soj a duranle muiLos anos, com. 
os esforços conjuntos das universidades bt--asile iras, d a Embrapa, ele diversas 
instiruiçôes estaduais de pesquisa agrícola, de diversos técnicos da Emater, enfim 
d e cien tis tas, técnicos e agticultores brasileiJ-os, o que possibilitou o cultivo 
da espécie do Rio Grande d o Sul até o Piauí. Os a-abalh os da Oi-a. Johanna 
Dõbereiner e d e cente nas d e seus seguido res, bem como de pesquisad ores na 
Embrapa-Agrobiologia, d a UFRRJ, da Un iversidade Fed eral d o Rio Grande elo Sul 
(UFRGS), da U niversida d e Federa l de Viçosa
(UFV), ela U niversidacle Federal de 
Lavras (UFLA), da Escola u perior de Agricul cura Luiz de Q ueiroz (Esalq), I n sti tu to 
Agronômico d e Campinas (IAC) e el e diversas ou tras instiruições, possibilitaram a 
o 
16 1 lntroduçao à Agronomia 
adaptação da soja a.os d iferenLes ecossiste mas e biomas, assim com o alta eficiência 
na fixa ção biológica de nin-ogênio, com ga nhos espetacula res em produ1jvidade 
e elevadíssima eficiência bio lógica, sup eriores aos obàdos nos Estados Unidos. 
M esmo assim, ne nhuma empresa brasileira e ne nhum pesquisado r brasileiro 
teve o d ireito de pa te ntear nada. em mesmo os que conquisr.ara m o Cerrado e 
desenvolveram as tecno logias d e ma nejo do solo e de irrigaç:fo específicas pílra 
esse biorna, e tecnologias bio lógicas, co mo a utilizada para a fixação bio lógica d e 
ni1.rogênio e do controle biológ ico de pr-agas. 
Cabe perguntar: será que o Brasil que já estava muito be m colocado no 
me rcado exportador de soja no final da década d e 1990, 1--eí\lmente precisaví\ da 
tecnologia da soja geneticame nte modificadar Será que essa tecnologia não a.Lende 
muito mais aos inte n~sses da indúsa;a - no ca.so da soja RR, de uma empresa, 
a Monsanto - do que ao in teresse público e nacional? Talvez a resposm. esteja, 
de certa fonna, no que diz o cientista social nor te-americano Noam Chomsky, 
quando afirma que as fonnas de dominação aruais, após o fim do comunism o, são 
o contmle da informação, a propaganda e o chamado madleting. N essa linha de 
raciocÚlio, um relatório do USDA afinna va , em 2002, que "o rápido sucesso das 
plantas geue ticamcnLC modificadas deve muito ma is a uma hip érbo le de mar/(eling 
do que aos resultados cien tíficos ag ronômicos e eco nô micos, os quais parecem ser, 
ora positivos, o ra negativos" [7]. 
Johanna Dobereiner ( 1924-2000} 
De origem tcheca, naturalizada brasileira, Johanna Dõbereiner se destacou 
internacionalmente por seus trabalhos publicados na área de Fixação Biológica do 
Nitrogênio (FBN). Estudou Agronomia na Universidade de Munique e emigrou para o 
Brasi l em 1951, quando começou a trabalhar no Laboratório de Microbiologia de Solos 
do antigo DNPEA, do Ministério da Agricultura, então localizado em Seropédica. Já em 
1956, tornou-se cidadã brasileira. Completou sua pós-graduação na Universidade de 
Wisconsin, em 1963. 
De 1963 a 1969, quando poucos cientistas acreditavam que a FBN poderia competir 
com fertilizantes minerais, J. Dõbereiner liderou um grupo de estudantes da UFRRJ em 
um programa de pesquisas sobre limitações da FBN em leguminosas tropicais. 
A crise do petróleo dos anos 1970 renovou o interesse da comunidade científica 
na pesquisa sobre FBN em leguminosas. Ora. Johanna descobriu, então, associações 
entre gramíneas e microrganismos diazotróficos, ou seja, fixadores de nitrogênio. A 
descoberta da associação da bactéria Azotobacter paspali com a gramínea Paspalum 
notatum - que forma até hoje os extensos gramados da UFRRJ - foi o primeiro passo 
para se chegar a várias espécies de bactérias diazotróficas associadas a gramíneas, 
cereais e tuberosas. 
Profissao, agrônomo 1 1 7 
Os resultados mais significativos foram observados com variedades de cana-de-
açúcar capazes de apresentar altas produções - acima de 160 m~a - com até 200 kg 
de N derivados de sua associação sim biótica com bactérias diazotróficas. 
Johanna Dõbereiner é a cientista brasileira mais ci tada pela comunidade científica 
mundial. Inúmeros de seus discípulos alcançaram posições de destaque na comunidade 
científica. 
A ampla lista de prêmios, homenagens e distinções, em nível nacional e internacional, 
atesta o reconhecimento mundial de seu trabalho. Em 1997, Johanna Dõbereiner foi 
indicada para o Prêmio Nobel de Química. 
Te>tto adaptado de: www.embrapa.br. 
Notas do capítulo 
[1] IPCC. l mergovernmenrnl Panei on Clima1e Change. Climale change 2007. World 
Meteoro logical Organization. United auons Environn1ental Programmc, Fourtb assessment 
repare. 2007. Disponível em: http://www.ipcc.ch. Acesso em: dez. de 2009. 
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Books. 205 pp. 1972. 
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Developmenl. Oxford Uruversity Press. Melbourne. 444 p. 1990. 
(4) FOLHA ONLIN E. Nobel da Pa~. cirnlisla agricola Norma11 Borlaug ll!0rre aos 95 anos . Noticiado 
em: 13 set. 2009. Disponível em: http://w,,w1.folha.uol.corn.br/folha/mundo/ult94u623242. 
shtml. 
(5) GEORGE, S. O merr:ado da fome: as vcrdade1ras razões da fome no mundo. Trad. E. C. Araújo. 
Rio de janeiro: Paz e Terra, 307 p. 1978. 
[6] CAR ON. R. Primavera silenciosa. Trad. Raul de Polillo. ão Paulo: Melhoramentos, 305 p. 
1964. 
(7) U DA USDA Re-port faposes CM Crop Eco1101111cs M)'llt'. / 11: Seeds of Doubt: North American 
farmer's experienccs of GM crops. Bristol: Soil Association. 2002. 
1.7 REFERÊNCIAS CONSULTADAS 
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ASSJ\D. E. D.; PINTO. H .. ; ZULLO JR.,J.; MARI , F. R. Mudanças d imáticas e agriculLUra: 
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Disponível em: hup://www.mme.go.br. Acesso em: 08 ago. 2008. 
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RJBElRO, \t\'. (Org.). Patnmônio ambiental brasileiro. ão Paulo: Edusp/lmesp, p. 305-333. 
2003. 
Agricultura: origens e 
panorama atual* 
*Contribuíram para este capítulo: Manlio Silvestre Fernandes, 
Edna Riemke de Souza e Anton io Carlos de Souza Abboud. 
Agricultura: ongens e panorama atual 1 21 
2.1 ORIGENS DA AGRICULTURA 
A agricultura teve início en tre 10 000 e 11 000 anos ao.is. Muitos arqueólogos 
acredjtam mesmo que se pode rmu·ca1·este in ício em 10 500. O que já foi confirmado 
é que culturas anuais, ou seja, as que comple c:am seu ciclo den o"O de u m ano -
prnvavelmen te ho r taliças e cereais -, foram as primeiras a serem domesticadas. 
As plan tas perenes, das qua is se colhem frulos, foram por muito mais tempo 
exploradas na fo rma exo-arivista,
atividade que perdura até hoje em m uitos locais, 
incluindo a Amazônia brasile ira, de onde se extraem frutos silvestres, como açaí, 
cupuaçu, guarnná, e onde se exploram ár.1ores como as seringueiras e palmeiras 
como o babaçu e a p iaçava. o Estado do Maranhão, por exemplo, o exa·ativismo 
do babaçu é uma atividade extremamente impor tante para a economia local. 
Os re latos mais antigos sobre a orige m das plantas cultivadas que impulsionaram 
:as prirneil"as civilizações refere m-se ao chamado Crescente Fértil. Trnca-se de u ma 
área de ap mximadamente 500 000 quilômeous qu adrados que engloba as regiões 
que hoj e formam o I raque, Síria, J o rdânia, Cisjordânia, Egito, Líbia e parte da 
Tu1·quia (figura 2. 1). É uma região de invernos amenos, com suficienle umidade, e 
de verões quentes e secos. Este rip o de clima faci lita a vida e a disp er~o de plantas 
a nuais. O clima e :as caracte rísticas topográficas penn itiram que, nessa região, se 
desenvolvessem as cha madas cultura s fu ndadoras: cevada, trigo, lentifüa , grão-de-
bico e ervilhaca, a lé m do linho, plan ta produtora d e fib ras. 
Figura 2.1 O Crescente Fértil. 
22 1 Introdução à Agronomia 
2.1.1 Domesticação das plantas 
O arroz teria começado a ser cultivad o na China, por volta de 9 500 anos 
ao.is. Do ouuu lado do mundo, nos Andes, o início da cultura da batata data de 
5 500 anos. Nesta mesma época, surge na Re gião Amazônica a cultura da man-
dioca. O milho r.eria sido domesticado há 9 000 an os, no México, e a abóbora, há 
l O 000 anos, també m nas Am é1i cas. 
A domesticação de difere n tes plantas foi um evento comum e import.anle que 
ocorreu nessa fase da 0<1jetória humana, em dife1·entes partes d o globo terrestre, 
habitadas po r povos de d ife ren tes e mias, e que serviu de base para o d esenvolvi-
mento de suas sociedades. 
Por domesticação, entende-se a série de modificações físicas e fisiológicas que as 
plantas apresentam como resposta à intervenção humana e que são fixadas geneti-
camente. Semear, capinar e colher são intervenções humanas criadoras do ambiente 
artificial que leva à domesticação. 
Algumas características morfológicas das plantas foram se modificando à me-
dida que elas passava m a ser se meadas e co lhidas, saindo de sua fonna silvesll"e, 
e m que eram simplesmente cole tadas na na tureza pe lo agricul tor p iimiúvo. Pros-
pecções de gennoplasma vêm encon trando em locais onde viveram nossos pri-
meiros anceso, tis, as formas primitivas de quase LOclas as plantas cu ltivadas. Essas 
descobe l'tas nos p ermitem cer ide ia das mudanças acarretadas pelas intervenções 
dos agricultores primitivos. 
Algumas carncteriscicas d istingue m as pla ntas domesticadas das variedades 
selvagen s. U ma delas é que as p lantas domesticadas mantêm suas panículas, ou 
cachos, presas aos caules. Isso ocotTe com os cereais, durante a maturação, e com 
as leguminosas, cujos g rãos perman ecem fixados ao caule mesmo depois da ma tu -
ração. Com isso, tomava-se possível a cole ta do o;go e da cevada , por exemplo, no 
meio de pla ntas selvagens. 
Quando os home ns piimi tivos ainda e ram apenas co le tores, beneficiavam-se 
dos grãos que cresciam em estado selvagem na borda das flo resta s ou nas savanas. 
De início, o a r roz, o a;go e a cevada não podiam ser usados, pois os grãos não se 
manLinham nas espigas o tempo suficie n l.C para que fossem cofü idos. Assim que iam 
am adurecendo, as espigas dessas plantas primitivas degranavam , ou seja, deixavam 
cair seus grãos e m áreas onde eles se misturavam a ouu-as p lantas, às vezes vene-
nosas, a gravetos caídos, g ranulações do solo, tornando inviável a coleta. Esta foi 
uma descober·ta importanóssima da humanidade: o cultivo de plantas OJjas espigas 
estavam disponíveis para coleca mesmo depois de algum tempo após a maum 1ção. 
o 
G 
Agricultura: ongens e panorama atual 1 23 
Hoje p od emos a firmar que foi através de algumas poucas mutações genéti-
cas que surgirnm as espigas que mfo degranavam. Grupos maü seden tários certa-
me nte observaram que, ano após ano, algumas plantas das quai s se alimen tavam 
se reproduziam num mesm o lugar, o que resultava em fonte certa de alim ento a 
cada estação de crcscim enLo. A partir do momen LO em que os caçadores/coletores 
começaram a passar mais tempo nas proximidades d e aunpos onde c1·esciam as 
plantas produtoras de grãos, devem cer aprendido a distinguir as plantas úteis das 
de ma is, não ap roveitáveis, mesmo na fase vegetativa , qua ndo as pa nículas com os 
g rãos ainda não eram visíveis. 
U ma vez sabedores de quais eram as p lantas que deveriam produzir grãos, era 
natural que buscassem p rotegê- las contra a compe tição ele outras mais agressivas e 
sem utilidade para a alimentação do grupo. É bem possível que a primeira técnica 
agrícola tenha sido o uso de u m bastão ou tacape para afastar ou desa-uir as plantas 
vizinhas elas produtorn.s ele g rãos. Com isso, abri mm espaço para as espécies ú teis, 
que tiveram , assim, maior acesso à luz e, portan Lo, aumen tarnm sua capacidade 
fotossintética. Além d isso, com a competição reduzida, essas p la.n tas passaram a se 
beneficiar mais da umidade e dos nutrientes do solo. 
Ainda hoj e é possível e nconu--a,; em áreas que há 10 000 a nos ou mais compu-
nham o Crescente Fértil, alguns dos antepassados do trigo crescendo como phln ta 
selvagem. Algumas variedades de o-igo selvagem, com o o Tl'Íticum boeticum. ainda 
podem ser enconUãdas nessas á1-eas. Mantê m a capacidade ele cru za r com o u·igo 
an1alme nce cultivado, e os h íbridos eno·e eles são férteis. O mesmo acontece com 
a cevada (H ordeum .spontaneum X H. vulga11!). os primeiros campos de cultivo, as 
plantas domesticadas e as selvagens cresciam lado a lado, e os cruzamen tos eram 
inevitáveis. 
O o--igo e a cevada selvagens se diferenciam das suas espécies cultivadas sobre-
rudo p ela r-aque, eixo da inflo.rescêocia que dá sustentação às flores e aos frutos. 
Nos tipos selvagens, as raques são fmas e quebradiças, e as sementes se dispe rsa m 
na m aruridade; nas plan tas a 1ltivadas, são robustas, e as sementes perman ecem na 
planta. 
Hoje, os palcoanu·opólogos usam os tipos de grãos de amido que fonna m 
os amiloplascos para distinguir as p lantas domesticadas d as selvagens. A p imenta 
selvagem, por exemplo, tem grãos de amido de 5 a 6 µ de comprimen to, ao passo 
que os grãos das pimentas domesticadas têm 20 µ. Os grãos ficaram maiores, e as 
pla n tas, mais produtivas. As espigas no milho p1im itivo tinham cerca de 1 011, as 
a n1ais chegam a 30 e a té a 40 cm. 
O milho, dom esticado, como vimos, há 9 000 anos, no vale do rio Balsas, 
no sul do México, desenvolveu-se graças a seleções feitas intencionalme n te pelos 
povos primitivos. É por m eio dessas seleções que aparecem mais claram ente, h á 
4 000 anos, do is genes responsáveis pelas características nutricionais do milho; o 
24 1 Introdução à Agronomia 
gen e pbf (prolamin box binding facto1"), responsável pelo acúmulo de pro teínas de 
reserva; e o gen.e su 1 (sugar)• 1), que de termjna a esuuo.11-a da i:im ilopecrina, e dá as 
características organolépticas da ópica torcifüa m exicana. Esses genes tiveram seus 
alelos homogeneizados p ela seleção feita pelos a1~1e d'ndios. Nina Federoff, cientis-
ta cstadunidense, considera a domesticação do milho pelos a mc1·icanos primiLivos 
a "primeira Revolução Verde" na his tó tia da humanidade. 
A p rodução de alimentos surge quase simul taneam ente em várias regiões do 
plane ta : batata e mandioca nos Andes e na Am azônia ; café na Etiópia; cana-de-
::1çúcar e banana na ova Guiné. 
Cerca de 6 000 anos atrás, na região do Peru hoj e conhecida como N orce 
Chico, aparecernm os pdme irns cenu·os urbanos, muito an tes da con strução das 
g ra ndes pit-â mides do Egito. a s localidades de Hua ricanga e Cerro Bla nco, foram 
loca lizados indícios da cu Inira e uso do a lgodão. O algodão que cre scia n as Améri-
cas em estado selvagem (Gossypium barbadeuse) teria sido
domesticado e usado para 
fazer redes de pesca, po is o p eixe estava na base da die ta dos povos que habitava m 
essa região. No orte do Brasil ainda se cultiva esse tipo de aJgodão. 
Assim como as plan tas úteis, também as ervas daninhas e outras p lantas com-
pe tidoras fizeram sua Uclnsição do meio do ma LO para as :hcas de cultura. Foram, 
desd e sempre, seguindo a ag,;culrura, tom a ndo-se um p.-oblema pe nnanen te, que 
nos acompan ha até h oje. A lura cono-a plantas invasoras, ou a e liminação d a ve-
getação o rig inal parn viabilizar os cam pos de cultura são responsáveis, em grande 
pa n e, pelo desenvolvimento de máquinas pesadas para a agriculcura, pelo avan-
ço da agroquúnica e, recen temente, pe la produção de grande número de plantas 
transformadas e m um único gene. 
2.1.2 Domesticação de animais 
A domesticação de animais, pr-incipalme nte do gado, começou em época ain-
da ance r:io1· à do início da ag1·iculLu1c1 - cerca de 12 000 anos au-ás - , embora le nha 
relação impor ta n te com o desenvolvimento da ag,iculn,ra, pois permite a introdu-
ção da 0<1ção animal. Os prime iros artefatos para preparar a terra para a agricul-
tura, que podem ser considerados os arndos ptimitivos, eran1 movidos por tração 
human a. É fácil entender que, por mais fortes que te nham sido os agricultores 
primitivos, o prepa ro do solo com tração humana tenha sido limitado a solos mais 
leves, ou seja, a solos a renosos. Os so los pesados, argilosos, e solos de ru1fa., muilo 
comuns na Europa cen tral, não podiam ser cultivados sem □·ação animal. Isso ex-
plica por que a agticulmra nunca se desenvolveu na região das grandes planícies 
da América do Norte, onde há extensas á reas de rurfa: nas Américas não existiam 
a nima is de tração como o cavalo e o bo i, só introduzidos no nosso con tinen te com 
a chegada dos eu ropeus. 
Agricultura: ongens e panorama atual 1 25 
Deve-se observar, ena-etanto, que a o--ansição da caça e da cole ta para a ag.-i-
cul11.1ra não foi um sucesso imediato. A a-ansição ela caça para a agricul11.1ra foi 
marcada po r um p eríodo inicial de deficiências nut:dcionais, principalmen te de 
pro te ínas. Fo i a posterior diversificação e seleção de variedades cultivadas que pe r-
mitiu supe nir esta fase. 
2.1.3 O agricultor primitivo 
A vida dos p ovos coletores e caçadores era muito dificiL A procura ela caça os 
obrigava a deslocamen tos constantes, embora existam indícios de que muitos po-
vos caçadores/coletores j á estavam se tornando sedentá1;os antes mesm o do apare-
cimento da agricul11.1ra. O caçador vivia com a preocupação constante e dominante 
de encontrar comida. Quando a caça se movia para ouuc1s áreas, era necessário 
se mover junco, ou fazer grandes deslocamen tos aO"ás da caça. A coleta de fru-
tos selvagen s, favas e grãos ficava geralmente a cargo das mulheres e crianças. A 
fome rondava sempre esses grnpos, a produção de a limentos era pequena, não 
havia excede ntes que pudessem alimentar me mbms do grupo que eventualme nte 
pudessem se dedicar a oun-as atividades que não a caça e a coleta. Neste cipo de 
sociedade só havia lugar para caçado1·es e coletores. ada de especialistas e m pre-
paro de ferrame ntas, de a rciscas ou de pensadores. Quem não caçav.t ou colemva 
e ra um peso morto para o grupo e, muito p,,ovavelmente, como peso morto seria 
descartado. T homas H obbes, filósofo inglês do século XVII, se refere ao caçador/ 
cole to ,· como "pol'co, bruro e breve". Algumas exceções devem ter oco1-rido nesse 
quadro nada animador. 
É p rovável que caçadores e pescadores em ,frea de grande prndutividade -
como certas regiões da Costa do Peru ( o rte Chico) e o leste da América do Norte 
- te nham tido uma cerca folga nessa luca diuturna con tra a fom e. H oj e sabe-se que 
g1c1ndes centros urbanos cam.bém existiram nas margen s de grandes ri.os da Região 
Amazônicri, como o Ta paj ós, onde a pesca de peixes e tan:amgas gara ntia aos p o-
vos que os habitavam um abundante supóme nto de proteú1a animal, suplem en ta-
da pe la sofi sticada agriculrura da chamada "te rra preca de índio". 
Embora o tempo para o lazer e o desenvolvime n to de outtc1s formas de cul11.1ra 
deva ter sido cercamente limitado, alguma forma de a r te existiu naqueles tempos 
pré-históricos. Como expressão de rin.iais mítico- religiosos, o homem primitivo 
deixou marcas de sua capacidade aráscica em lugares como as Sete Cidades, no 
Piauí, as cavernas de Ah.amira, na Espanha e de Lascaux, na França. 
A preocupação com a aquisição de alimentos continuou presente nas mani-
festações culturais e religiosas dos p ovos, mesmo depois do início da agricultura 
e da produção regular de a limentos. ão testemunhos dessa preocupação com a 
G 
26 1 Introdução à Agronomia 
fome, os alimentos colocados nas tumbas dos faraós do Egiw. A Ilíada descreve 
como o ch eiro ela gordura queimando chegava até os deuses na antiga G1·écia. Os 
evangelhos, já na Era C1-istã, contam o milagre da multiplicação ele pã.es e peixes, 
ela transformação de águ a em vinho. 
2.1.4 Adubos e adubação 
O sedentarism o facilitou o acúmulo de reservas de alimentos, melho1·ou os 
mecanism os de proteção do grupo e permitiu a exploração contínua ele uma mes-
ma área. Ao mesmo tempo, a aglomeração de pessoas em uma área limi cada te m 
um subproduto indesejável : o lixo. 
Qu ando não existia m esgotos, nem lixeiras, nem muito menos lixeiros, os 
resíduos, as sobras, as pa rles descartáveis de p lantas e animais eram simplesmenle 
j ogados nos fundos (ou na fren te) elas morad ias, formando montes de lixo, que 
hoje sen 1em de materia l de pesquisa para an tropólogos e arqueólogos sobre a vida 
nesses discantes p eríodos da histó1ia human a. 
Grãos que ainda n ão unha m sido descascados certamente também fo.-am pa-
rar nessas lixeiras pré-históricas, e genninararo! Possivelmente causou admiração 
e serv iu de e nsinamenLo a observação de que as plantas que cresciam nos m ontu-
m s de matéria orgânica eram muito mais vigorosas e produziam mais e melhores 
g rãos do que as e ncona<1das em seu estado nativo, no n1eio do maco. O cérebro 
humano, j á naquela época plenamente desenvolvido, percebeu a conexão entre a 
maLé ria orgânica e a produção vegetal. Esse foi o primeiro passo para o d esenvolvi-
mento elas práticas de adubação. Um passo de gigante, é verdade, pois teria levado 
alguns milhar-es de anos. 
Conta Homero na Odisseia que U lisses - o do estratagema do cavalo de Troia 
- levou J O a nos e muitas aventuras para retomar à sua Ícaca na cal, onde um grupo 
de pretendentes à mão da rainha d ilapidavam os tesou ros reais. Ao regressa•~ Ulis-
ses se d isfai·çou, vestido em fa rra pos, e examinou Í taca do lado d e fora dos muros 
da cidade. Quando se aproximou dos portões, enffetanco, um cão o reconheceu, e 
lhe fez festa. Era o cão de estimação de lisses, que, velho e doente, escava deitado 
sobte um monte de este rco que fora posto pai-a cu rtir fora dos mu ros. O cão apro-
veitava o calor gerado pe la fenn en tação. Por esta informação de Homero, ficamos 
sabendo que fertilizan tes orgânicos já eram preparados e usados em plena Idade 
elo Bronze. 
Em relação ao início da coJonização da América do orce, conta-se que un.1 
índ io chamado Squanto te1ia ensinado aos co lonos da Nova Inglaterra a fertilizar 
a s p lantações de milho colocando um peixe em cada cova. Os primeiros cronistas 
acreditavam que esse índio tei-ia ensinado aos europeus uma técnica nativa de 
Agricultura: ongens e panorama atual 1 27 
cultu ra do milho. Arqueólogos e his toriadores depois desmistificaram essa lenda. 
A prática de colocar restos 01·gânicos, incluindo peixes e conchas, teria sido u sada 
na Eu ropa desde o tem po dos m manos, e os índ ios da costa leste a mericana não 
u savam fertilizan tes para recom por a pe rda de nu trien tes do solo: quando uma 
á rea de cultura perdia sua capacidade de supor te, eles simplesm en te mudavam 
para. uma nova área, p raticando a "agricultura itinerante". Squan to ter ia
aprend i-
do essa técnica com os p róprios europ eus, e a retransmitido para os que ainda não 
a conheciam. 
Qualquer que tenha sido a fonte o riginal dessa prática, o certo é que os pri-
me iros ag1·iculto res da Costa. da ova Ing late n a de falo usaram peixes com o fe r-
tilizante em seus campos, e existem estimativas de que poderiam usar de 400 a 
2 000 kg de pe ixe por hecca1·e (kg/h a). l sLo só era possível pela superabundância 
de pe ixes da família dos arenques, que subiam todos os anos os rios da costa leste 
a mericana pa ra desovar: Tone lad as era m capwradas e usadas como fertiliza nLes. 
Existem também indicações de que os a ntigos habitantes do litoral do Pem usavam 
não o pe ixe todo, mas as cabeças dos peixes como fenilizanLes. 
2.1.5 Mudanças climáticas e agricultura primitiva 
Ou tro fato r importan te para o desenvolvimento da agricultura foi uma m o-
dificação que ocorreu nos n íve is de C02 da atmosfera. O G02 é parte essencial da 
fixação de carbono pela fotossíntese. Es tudos feitos nas camadas profundas de gelo 
mostrnm que, no Pleistoceno - há ap roximad amenLe 1,8 milhão de anos, quando 
começou a Era do Gelo e a evo lução dos humanos-, os níveis de C02 d o ar es-
Lavam em Lorno de 180 pan es po1· milhão (p pm). o in ício do H oloceno, en u-e 
a proximadam ente 9 e 13 mil anos atrás, qu ando acabou a Era do Gelo, os 1úveis 
de C02 do ar sobem para 280 ppm. O aumen to dos n íveis de C02 do a r faciliLam 
a fo tossÚltese das plan tas, como n; go, arroz e cevada, hoje conhecidas corno per-
tencen tes ao g rupo CS. Essas p la n tas, sob condições de baixos n íve is de C02 no 
a1~ têm sua taxa de fotossíntese reduzida pela compe tição do oxigênio livre do ar 
(0
2
). O aumen to da capacidade de fixa r carbono e o consequente maior desenvol-
vimento das plan tas a nuais produ toras de g rãos devem Ler contr:íbuído pa ..a sensí-
veis modificações ambien tais, acelerarando os processos de mudança gené tica que 
levara m à domesticação das plantas. 
2.1.6 Chinampas 
As china mpas consli.ruem-se num modelo antigo de agricu ltura, que aumen -
tava a fertilidade na tural dos solos. A agricultura de chinampa era pra ticad a pelos 
28 1 Introdução à Agronomia 
nativos dos a ltos vales centrais do México. O s europeus espa nhóis a viram p ela 
primeira vez nas prox imidades d a capitaJ dos Astecas, Tenoch tit1án , hoje a atual 
Cidade do léxico. 
As chinampas era m pequenas áreas, d e apmxima damen te 30 m de compri-
men to po r 2,5 m de la1g u ra, feitas com a fixação d e estacas nos qua u·o can tos e a 
constn1ção de uma cerca de varas pa ra de limitar o perímeo·o. No interior do qua-
drado, ern.m d eposita.das varas trançadas e 1-estos de p lantas flutuan tes. O in ted or 
da chinampa e ra, en tão, preench ido com a lama do fundo do lago. 
Vale lembrar q ue a antiga Cidade do léxico ficava n o meio de lagoas rasas, 
e a cidade era cor tada por cana is. Com o en chimento de lam a e terra, a chinampa 
ficava um pouco acima do n ível das águas das lagoas, e as árvores e ouu·os vege-
tais ali plan tados fincavam as raízes no fundo. Esse sistema criava um modo de 
agr icu ltura em cerra fértil e com irrigação perma nen te. A visão desses can teim s 
a rtificiais era t:"io impressio nante, que os espanhóis acreditavam que as ch.inampas 
eram campos flu tuantes - e, e m alguns casos, eram mesm o. 
As chinampas p ennitiam duas culn.1ras de milho por ano, e n o caso de p lantas 
de ciclo mais curto, ainda ma is do que isso. Estima-se que um hecta.re de china m-
pas era suficiente para alimencarvinte pessoas. Calcula-se que, e m tom o da an tiga 
Te nocl1Litlán, Le1·iam existido 9 000 hectares de ch ina mpas. 
2.1.7 Agricultura e civilização 
O surg ime nto da ag,; cultura pe rmitiu a um tempo a pl"Od ução de exceden tes 
de alimentos e a estabilidade dos ag11.1pame ncos humanos. Com os excedentes de 
p rodução foi possível )jberar das aóvidades da caça e da cole c::i aque les que den tro 
do g:mpo apresentavam aptidões especiais. Assim, surg iram os especialistas que 
podiam ded icar o seu te mpo a ouo--as atividades como o p reparo de ferra men tas, 
a seleção de sementes, o regisou d a me mória do g rupo, a elaboração dos ricos 
religiosos e a arce. 
Os ag11.1pa mentos h umanos tom ados estáveis pe lo desenvolvimen to da agri-
culru ra pude ram, e n tão, criar normas de convivência e desenvolver o urbanismo. 
Em ou tras pa lavras, a agricul tura criou a civilização. 
A tra nsição d a agricultura familia r ou d e g ru p os coope rativos para a agi-i-
cultura industrial, praticada em grande escala, também m udou os padrões de 
produção de fertilizantes: e m vez da pre pa ração d e adubos orgânicos, passa-
mos para os fe rtilizan tes qu ímicos, que trazem para a agricul tura con temporânea 
g ran d es ganhos de p rodutividade, mas também inomináveis prejuízos, uma vez 
que provocam a degradação do me io ambien te, com po luição de solos, águas e 
do ar. Po r ouo·o lado, o gra u de desenvolvime nto e de o-an sfon nações tecno lógi-
Agricultura: origens e panorama atual 1 29 
cas na agricultura não foi uniforme, ne m seguiu os mesm os padrões em todos os 
continentes e e m todas as la titudes. Em geral, são os pa íses m ais desenvolvidos 
os que mais polue m e degredam; os que economicamente aind a são d epen dentes 
"pagam a conta". 
2.2 AGRICULTURA: UMA ATIVIDADE COMPLEXA 
A Agronomia arua em diversa s fren tes. Há, no en tanto, uma invariável em 
meio a toda essa d ive1-sidade: a agricultura, nuclea r em todas as aplicações da 
Agronomia. Não irnporm o ca m po d e atuação - no planej amen to, na p esquisa, 
na p rodução, na com ercialização ou em quaisquer outras áreas em que o agrô-
nom o está presente -, precisamos conhecer a atua l situação da agricultura em 
nosso país. 
A agriculrura é uma aàvidade complexa, pois nela interagem componentes bió-
ticos - pla n tas, insetos e 1nio ·o rganismos - com componentes abiócicos, tais como 
solo, clima e mercado. Torna-se, assim, cheia de incen ezas para o agrônom o ou o 
procluto1~ ou seja, para quem terá de tom ar decisões para obter bons resul tados. O 
risco existe por não se poder cou o-o la r todas as variáveis envolvidas no processo. 
Podemos, no entanto, m inimizar as incer tezas e ton1ar a decisão ma is segura, des-
de que conheçamos e consideremos as probabilidades de ocon-ência dos d iversos 
eventos e as combinemos para ajudax na tomada d e decisão. 
Um p rocesso de tomada de decisão pode ser aleatório , ou seja , de acordo com 
nossa vontade. O u pode ser fe ito a partir de u m processo esiru turado, no qual con-
sideramos os diferentes cenários que interferem em um dado evento para, depois, 
a nalisa r os dados e as va riáveis e, e m segu ida, realizar diagnósticos e pmceder a 
previsões. Esses u·ês componentes irão LOrnar mais segura e menos subj eLiva a to-
mada de d ecisão. 
Tomem os como exemplo o evento preço dos grãos ao mês da colheita no ano 
agrícola de 2011. no município A. Pod e-se a na lisá-lo: (a) sob a óLica das previsões 
m e teorológicas, também baseadas n o conhecimento p regresso, por m eio do histó-
rico ele cada mês; (b) sob a óàca das tendê ncias fu turas do mercado local, regional 
e nacional de d ife1·en tes grãos, que levam e m con ta o his tórico do mês em vários 
a nos p1·egressos; (c) sob a ó tica da ocorrência de pragas e doenças em meses do a no 
naquela região, que por sua vez está ligada às condições meteorológicas citadas no 
ite m. Assim po r d iante, outros aspectos estarão relacionados en o·e si, tornando a 
a nálise cíclica. 
Em seguid a, fonnula m-se os diagnósticos possíveis: (a) sobre a melhor época 
de sem eadu ra. para se obter ma iores pnx lu tividades para cada grão, naquele ano, 
naquela 1·egião; (b) sobre o g rão que naquele ano a ting iria melhor preço; (e) sobre 
as possibilidades de ocorrência de d iferentes pragas e doenças em de terminadas 
30 1 lntroduçao à Agronomia 
espécies, de forma a se saber qual será o gasto com uso de agrotóxicos para cada
caso. 
Essa etapa de a nálise embasa a pmposição de predições: (a) p lantar a es-
pécie de g rão A no mês n pode resultar em alta produtividade, mas a colheita 
coincidiria em mês de ali.a prnbabilidadc de chuva, o que poderia danificar pane 
da produção; (b) a espécie B, d e menor pmdu tividade, n ão terá sua colheita no 
período chuvoso, mas seria muito atacada por u ma praga, ficando o rendimento 
comprometido; (c) a espécie C, de boa produtividade, Loler:m1e a prngas e com 
ciclo curto, não teria sua colhe ita afetada pe las chuvas, mas no m ês p1'evisto da 
colheita teria seus preços achatados, em decorrência da sua grande oferta na 
região. Caberá ao pmdutor decidir se naquele momen to, ele d eve p rio rizar o 
.:tspecco econômico ou o agronômico. O que importa, sobren.1do, é que e le tenha 
con sciência de mdo o que está e nvolvido na d ecisão que coma,~ seus bônus e, 
sobre tudo, seus ô nus. O grau d e com p lexidade d esse exemplo é uma constan te 
na vida dos p10du LOres rurais e na m una pro fissional dos agrônomos. O p ior é 
que, muitas vezes, o problema não chega n em a se r equacionado, o que aum enta 
a s possibilidades de insucesso. 
As limitações climáticas, edáficas e bió ticas que enfrentamos nos u·ópicos são 
muito dife1·en tes das existentes nos países do hemisfério norte, fones na ,1tivida-
de agrícola. Não podemos, por isso, transfe rir para nossos problemas as solu ções 
encontradas por esses países. Até be m pouco tempo, tr,rnspúnharnos d it-e1.ame nte 
as práticas usadas em países europeus e na América. do orce, e acumulávamos de-
cepções. Hoje sabemos que os resultados não poderiam mesmo ser os esperados: 
nossos desafios são outros, condicionad os pelo ambien te nupical, pelas caracterís-
ticas de nosso so lo, pela biodiversidade que nos é própria. 
Como o Brasil é um país de d ime nsões contine ntais, temos diferenças regio-
nais marcantes na atividade agrícola. U ma análise panorâmica dessa diversidade 
é fundamental para en tende rmos o que pmduzimos, onde pmdu zimos, o quanto 
produzimos, para o nde vendemos, p or quanto vendem os. Veremos quanta r i-
queza é gerada em n osso país pe los produtores p equenos, médios ou grandes. 
Ve1·emos o qua n to a agricultura do Brasil é fone, e o quanto a agricultu rn fami-
liar cono·ibui para a limen tar o país. É um equívoco pen sar que a grande riqueza 
agrícol::1 é sempre pmvenience dos grandes agricultores ligados a empresas mul-
tinacionais. 
Agricultura: ongens e panorama atual 1 31 
2.3 TRANSGENIA VEGETAL 
Os escud os sobre a evolução da espécie humana i11dicam que seu surgimento 
deve ter acontecido h á cerca de um milllão e quinhentos mil anos, o que pode ser 
considerado muito recente em relação à fom1ação do planeta e ao surg imen to das 
primeiras fonnas de vida. e os 4,5 bilhões de anos, que é aproximadamente a 
Idade da Terra, fossem considerados equivalentes a 24 horas, som ente os ú ltimos 
segundos desse dia represenra ria m esse a conteci mento evolu tivo. 
Comparada às demais espécies que compõem a biosfera, a espécie humana é 
bastante d istinta, sobre tudo por sei· dotad a de um cérebro evoluído, que lhe pro-
picia a capacidade única de elaborar pen samentos para além do plano individual, 
de projetar novas realidades para a vida e de buscar maior en tend ime nto sobre 
sua própria existê11cia. A condição p rivilegiada de perceber, analisar, interpre tar 
o ambiente naturaJ à sua volta tem possibilitado à esp écie human a a ampliação 
crescente de conhecimentos de a m bo científico e o desenvolvimen to de recu rsos 
tecnológicos. Assim, de forma muito mais intensa e extensa do que seus demais 
parceiros da biosfe ra terrestre, o homem pode superar mui tas de suas limitações 
biológicas e, consequentemente, exp lorar uma d iversidade maior de ambientes 
narurais. 
Qu anto ao a ·escimento da população huma na, vários escudos científicos têm 
indicado que ne m sempre foi constant.e. O Proj eto Cenográfico, dirigido pelo pes-
quisado r Spencer \Vells, associou conhecim entos da genética e da anoupologia 
aos do mapeamento realizado com marcadores genéticos do D A mitocond1;a1 de 
p ovos da África do Sul, indicando que, pouco a n tes da Idade da Pedra, há cerca 
32 1 Introdução à Agronomia 
de setenta mil anos, o total de seres huma nos primitivos se reduziu a aproximada-
me nte dois mj l, e a espécie esteve bem perto da extinção. 
Apesa r de sua presença 1·ecen te na histó ria evolutiva do planeta, a espécie 
humana já a ting iu , nos dias atuais, elevados níveis populacionais. Na época da 
queda de Ro ma, havia a pl'Oximadameme 200 milhões de pessoas; em 1600, esse 
número passa a 500 milhões; em 1800, a população mundial era de cerca de um bi-
lhã.o; após o su1gimento da Revolução Industrial, em I 930, passou a cerca de do is 
bilhões; e, nos dias d e hoje, os habitan tes do planeta já atingiram os 6,8 bi ll1 ões. 
Em decorrên cia desse crescimento acele rado, foi surg indo um a de manda, cad a vez 
maior, pela produção de alimentos. 
Estima-se que os p1·ime iros passos da espécie huma na em direção ao cullivo 
de p lan tas comesóveis d evam ter ocorrido eno-e d ez e 11 mil anos atrás. Indivíduos 
de p ovos caçadores/coleL01-es teriam ob servado que, quando algumas das sementes 
u cilizadas na a limentação caíam no solo, surg iam novas plantas com a capacidade 
de ge1,1r mais sem entes igua is às primeiras. Cer ta mente, as plantas que tivessem 
característica s que melho r satisfizessem ao interesse de uma produção quantitativa 
e qualitativa mais efe tiva iam sendo escolhidas pa1"a cultivo, uma vez que a ex istên-
cia de sup1imen to local de alimen tos viria a p ossibilitar a fonnação de grupos hu-
manos maiores e mais p rotegidos d os perigos decorrentes da busca pelo alimento 
diário em outros ambientes. 
Essas foram algumas das primeit-as in cervenções resu Jean ces do a·ab::i lho 
do hom em como agente modificador da biosfern. Soma das a todas as demais 
intervenções que surg iram em decon-ê ncia do progresso cienúfico, tecnológico e 
social, vieram a con stituir o que se denomina de tecnosfe ra. 
Abordamos aqui o tema da O<lnsgenia vegetaJ, denou do con texto evolutivo 
da biosfera e da tecnosfera, apresentando alguns aspectos da evolução dos 
conhecimentos científicos e te01ológicos p er tinentes às áre as da gené tica, ecologia, 
bioquímica, bio logia molecula1~ entre outras. O objetivo principal é intensificar o 
interesse de esmdantes dos prim eiros pe ríodos da Agronomia em refle tir sobre 
a s implicações do uso, em la rga escala, dessas novas t.ecno logias, como parle do 
desafio maio1; com que se depa ra toda a humanidade: o de mefüor organizar sua 
vid a no planeta e de promover uma 1-elação sustentável entre esses dois mundos 
e m evolução. 
2.3.1 Do melhoramento genético tradicional à transgênese 
Desd e os pdmórclios daagricu lrura, diversas tecno logias, pouco a pouco, foram 
sendo desen volvidas, visando obter, a través d e cnizamentos, n ovas variedades d e 
pla ntas cultivadas que con stirue m, nos dias de hoj e, a base alimentar e nutricional 
G 
Agricultura: origens e panorama atual 1 33 
da espécie humana. Po1· m eio d e u ma seleção inicial, o homem semp1·e buscou 
elimina ,· caracte rísticas agrono micamen Le indesej áveis d as plantas silvesues. 
Pot·ém , no processo d e d omesticação das plantas, também encontrou dificu ldad es, 
como o su rgimento, nas plantas que cultivava, d e uma, também indesej ável, 
suscetibilidade a ataques d e pragas e d oenças. Os ag riculLores, d esd e en tão, 
passaram a buscar a solução para esse p roblema na diversidade genética ex istente 
na biosfe ra , selecionando, para fin s de cruzam ento , variedades que p ossuíssem as 
c,iracterística s gené ticas d esej áveis. Assim p roced ernm, até que, no final do sécu lo 
XIX, surgiram importantes con tribuições cienóficas que levaram à fundação d a 
gen é tica moderna e ao aperfe içoamen to da tecno logia d e melhoramento gené tico 
para produção d e plan tas e anima
is, principalmen te d estinados à alimen Lação da 
população humana, q ue j á chegava pe rto de d ois bilhões d e pessoas. 
Foi somen te a partir d e 1866, com os exp e1;men tos realizados na Áu so·ia pelo 
monge agostini.ano, bo tân ico e me teorologista, Gregor J oha nn Men.clel, que surg iu 
a possibilidad e d e se p rever, com meno r ma rgem d e e n o, os resu ltados d a seleção 
d e novas combinações d e caracteres bio lógicos, resultantes d os cruzamen tos 
en tre as variedades d e plantas. Os seus experimentos, realizados com ervilhas 
(Piswn sativwn), fo1-am os prime ir os a corre lacionar caracteres ffsicos (fenó tipo) 
e componentes here d itá rios (genó tipo). Esses tr-abalhos d o "Pai d a Genética", 
como Mendel passou a ser conside rado, consistiam em análises m atemáticas sobre 
os cruzam entos, que resu ltaram no conjunto d e le is da he1·edicariedade, hoj e 
cha madas leis d e Mendel. 
No entanto, somente a pós o ano d e 1900, suas aná lises estaósticas vieram 
a ser redescober tas e d espertaram maior interesse dos biólogos pela gené tica. 
Em 1909, ·w L. J ohannsen p m p ôs, pa1-a d esig nar os en tão chamados fato res 
mend elianos, o termo gene, que passou a ser amplamente usado. Ao longo d as três 
primeiras décad as do século, estabeleceram-se os conceitos d e genes como fatores 
particulad os, dos cromossomas como unidades da hereditaried ad e e da localização 
dos genes nos cro mossomas. O mé todo d e Mendel pa ra aná lise gené tica, usado 
a té os dias de hoje, foi o único até a segunda me tade d o século XX, quando 
ocorre ra m s.ignific.a tivo s avanços nos conhecimen tos sobre as bases m o leculares d a 
heredit~uiedade e su rgiram as técnicas d a engenharia gené tica. 
A partir de 1970, começa a ser d esenvolvida - e, arualmente, j á se encon tra 
incorporad a ao trabalho dos melh.o ristas d e pla n tas cultivadas em diversos países 
- a teo1o logia d e □,msgênese, com bases cienóficas basean te difere ntes daquelas 
das teo1ologias até então aplicadas no rnelhoramem o genéóco o·adicional. O 
me lhoramento vege tal po r transformação gené tica, ou transgenia, con siste num 
mé to do d e inserção, e m células vegetais, d e sequências de DNA consou ídas em 
labora tó rio, que codificam não somente para o gene d e in teresse, mas, também , 
para outras funções, tais como eficiência nos níveis d e ex.pressão do novo gene 
34 1 lntroduçao à Agronomia 
(região promotora da u.mscrição); sinaJização de ténnino da transcdção (região 
terminadora da mrnscrição) e expressão de marcadores para seleção das células que 
efetivamente foram transformadas (região codificadora de resistência a antibió ticos, 
herbicidas ou o u tros). Essa modificação d ireta do genótipo in vivo só pode ser bem-
sucedida se não comprome Ler a viabilidade e a Lotipol.ência dessas células. 
Os primeiros testes em campo das plantas transgênicas foram feitos na década 
de 1980. O tom a te Fla,v Savr foi o primeiro alimen to vegetal gene ticamente m o-
dificado po r a;msgênese a receber licença para consumo humano. Esse tomate -
p roduzido pela e mpresa Calgene, sediada no Estado da Califórnia (EUA), usando, 
para recardar o p rocesso de an1adurecimen to, o gene codificador de uma enzima, 
a a minoglicosídeo 3'-fosfou-a nsfen.se JJ - foi comercializado pela p ,;meira vez c m 
1994. o Brasil, no ano de 2004, a soja Ro1.mdup Read~)' (soj a RR), resistente ao 
he rbicida Roundup e produzida pela Monsan to, foi a p rimeira planta tnmsgênica a 
ser cultivada em larga escala. Desde então, a Comissão acional de Biossegurança 
(CTNBio) já libe rou , para plan tio, consumo e comercialização, ourra.s variedades 
de soj a, algodão e milho. 
2.3.2 Tecnologia microscópica e estudos da hereditariedade 
Todos os o rganismos celulares evoluíram a partir de seres procariontes, que 
sm·girnm, há mais ele três bilhões de a nos, com genomas menos complexos, organi-
zados num único cromossoma circular. Essa evolução se deu no sentido da formação 
dos seres cuca.-iontes, com conte údos ma iores de m,1 terial gené tico 01g.:inizado em 
vários crnmossomas lineares, sirut1dos no núcleo das células. As primeiras imagens 
das estruturas celula1·es foram o btidas aLravés d,1 microscop ia ó tica. Foi c m 1873, 
que o zoólogo A. chneide r regiso·ou , pela primeira vez, sua s observações de uma 
célula anima l em processo de d ivisão. Em 1902, dois pesquisadores, o america no 
Walter S. Su tton e o ale mão Theodo r Boveri, com base em observações citológi-
cas sobre o comportam ento paralelo enu--e caracteres here ditários e crom ossomas, 
postularam a teoria cromossômica da he reditariedade, que só foi consolidada, em 
19 16, com base nos experimentos feitos com Dmsophila pelos geneticistas T hom as. 
H. Morgan e Calvin B. Bridges. 
A microscop.ia ótica foi sendo cada vez ma is aperfeiçoada e utilizada pelos ci-
tologistas, que muito contribuíram com descrições sobre a diversidade estrutur-a l e 
funcional das o rgane las celulares, existen tes nos diferen tes tecidos e e tapas do ciclo 
<la vida celul.a ,: Duran te a fase de crescimento da célula, denominada de in terfa-
se, observaram que o ma te rial nuclear filamentoso - chamado ci-omatina por res-
ponder fortemen te a coran tes básicos - tornava-se mais faci lmente visualizado na 
etapa seguinte da divisão celula,; conde nsando-se na forma ele crom ossomas. Des-
G 
Agricultura: ongens e panorama atual 1 35 
creveram as fotma s, taman hos e núme ros d esses constituin tes nucleares da célula, 
ide ntificando a existê ncia ele um conjunto característico de cada espécie, a o qual 
de nominaram de ca rió tipo. Oesa -evera m , também , a organização sequencial dos 
eventos na divisão celular po r micose, caracte1;zada por uma única etapa divisória 
ela qual resultam duas novas células ge ne ticamente idên ticas à origina l; e na divi-
são por meiose, que ocon"e em duas e tapas e gera quaa-o novas células h aploides, 
isto é, cada uma com a penas uma coleção dos genes do 01-ganismo. Identificaram 
que é durante a primeira etapa divisória da meiose que ocorre a recombinação 
dos genes ela progênie an terio r, d enominada d e troca ou crossing-over ele gen es, 
importante even to, responsável pela geração da biodiversidade na esp écie. A m i-
croscopia ó tica é, ainda hoje, ba stante utilizada pelos cientistas. 
No começo do século XX, a miauscopia ó tica havia atingido o seu limite d e 
resolução de imagens, que e ra de 3 000 a ngsu·om (10·10 m), e o único caminho 
e ncontrado por pesqu isadores alemães para ampliá-lo foi. a utilização de radiações 
com m enor comp1·imento de onda. Em 1931, esse grupo de pesquisadores desen -
volveu o p rimeiro microscópio elen-ônico, cujo limite de resolução ul□ãpassou o 
do microscópio ó tico. Arua lm entc, após sucessivos aperfeiçoamen tos, a Microsco-
pia Elea·ônica de Tran smissão (ME1) se destaca pelo poder de resolução mil vezes 
maior do que o da microscopia ótica. 
Essa tecno logia p ossibilitou, por exemplo, aos cientis tas Aaron Ciechanover, 
Avr-am H e rshko & I rnrin Rose a visualização clara da o rganização espacial de ca-
deias polipepódicas existentes em grandes complexos proteicos. A eles foi conferi-
do o Prêmio Nobel de Q uímica, em 20Q-j., pela elucidação de cada uma das e tapas 
cio mecanismo de proteólise, atribuídas a cada uma das d iferen tes cadeias polipep -
cíd icas visua liza.das na micrograffa e le trô nica do complexo de nominado proteas-
soma. As microgralias eletrônicas vêm também amplia ndo em muito os conheci-
me ntos sobre vários ouO"OS complexos macromolerulares envolvidos diretamente 
na he reditariedade dos organismos eucarion tes, com o os referen tes à organização 
escrun1 ral da croma ána nuclear e à exp1·essão e regulação dos genes. 
2.3.3 Novos organismos e tecnologias nos estudos da natureza química 
dos genes 
As bases d a heredilariedade começanim a ser conhecidas a pa rtfr de estudos 
feitos em organismos vegeta.is e animais superiores, cujos ciclos de vida, de cer-
ta forma, tinham características

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