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Sonho De Uma Noite De Verão - William Shakespeare

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Vida	e	obra
WILLIAM	SHAKESPEARE	nasceu	em	Stratford-upon-Avon,	Inglaterra,	em	23
de	abril	de	1564,	filho	de	John	Shakespeare	e	Mary	Arden.	John	Shakespeare	era
um	rico	comerciante,	além	de	ter	ocupado	vários	cargos	da	administração	da
cidade.	Mary	Arden	era	oriunda	de	uma	família	cultivada.	Pouco	se	sabe	da
infância	e	da	juventude	de	Shakespeare,	mas	imagina-se	que	tenha	frequentado	a
escola	primária	King	Edward	VI,	onde	teria	aprendido	latim	e	literatura.	Em
dezembro	de	1582,	Shakespeare	casou-se	com	Ann	Hathaway,	filha	de	um
fazendeiro	das	redondezas.	Tiveram	três	filhos.
A	partir	de	1592,	os	dados	biográficos	são	mais	abundantes.	Em	março,
estreou	no	Rose	Theatre	de	Londres	uma	peça	chamada	Harry	the	Sixth,	de
muito	sucesso,	que	foi	provavelmente	a	primeira	parte	de	Henry	VI.	Em	1593,
Shakespeare	publicou	seu	poema	Venus	and	Adonis	e,	no	ano	seguinte,	o	poema
The	Rape	of	Lucrece.	Acredita-se	que,	nessa	época,	Shakespeare	já	era	um
dramaturgo	(e	um	ator,	já	que	os	dramaturgos	na	sua	maior	parte	também
participavam	da	encenação	de	suas	peças)	de	sucesso.	Em	1594,	após	um
período	de	poucas	montagens	em	Londres,	devido	à	peste,	Shakespeare	juntou-
se	à	trupe	de	Lord	Chamberlain.	Os	dois	mais	célebres	dramaturgos	do	período,
Christopher	Marlowe	(1564-1593)	e	Thomas	Kyd	(1558-1594),	respectivamente
autores	de	Tamburlaine,	the	Jew	of	Malta	(Tamburlaine,	o	judeu	de	Malta)	e
Spanish	Tragedy	(Tragédia	espanhola),	morreram	por	esta	época,	e	Shakespeare
encontrava-se	pela	primeira	vez	sem	rival.
Os	teatros	de	madeira	elisabetanos	eram	construções	simples,	a	céu	aberto,
com	um	palco	que	se	projetava	à	frente,	em	volta	do	qual	se	punha	a	plateia,	de
pé.	Ao	fundo,	havia	duas	portas,	pelas	quais	atores	entravam	e	saíam.	Acima,
uma	sacada,	que	era	usada	quando	tornava-se	necessário	mostrar	uma	cena	que
se	passasse	em	uma	ambientação	secundária.	Não	havia	cenário,	o	que	abria	toda
uma	gama	de	versáteis	possibilidades,	já	que,	sem	cortina,	a	peça	começava
quando	entrava	o	primeiro	ator	e	terminava	à	saída	do	último,	e	simples	objetos
e	peças	de	vestuário	desempenhavam	importantes	funções	para	localizar	a
história.	As	ações	se	passavam	muito	rápido.	Devido	à	proximidade	com	o
público,	trejeitos	e	expressões	dos	atores	(todos	homens)	podiam	ser	facilmente
apreciados.	As	companhias	teatrais	eram	formadas	por	dez	a	quinze	membros	e
funcionavam	como	cooperativas:	todos	recebiam	participações	nos	lucros.
Escrevia-se,	portanto,	tendo	em	mente	cada	integrante	da	companhia.
Em	1594,	Shakespeare	já	havia	escrito	as	três	partes	de	Henry	VI,	Richard
III,	Titus	Andronicus,	The	Two	Gentleman	of	Verona	(Dois	cavalheiros	de
Verona),	Love’s	Labour’s	Lost	(Trabalhos	de	amor	perdidos),	The	Comedy	of
Errors	(A	comédia	dos	erros)	e	The	Taming	of	the	Shrew	(A	megera	domada).
Em	1596,	morreu	o	único	filho	homem	de	Shakespeare,	Hamnet.	Logo	em
seguida,	ele	escreveu	a	primeira	das	suas	peças	mais	famosas,	Romeo	and	Juliet,
à	qual	seguiram-se	A	Midsummer’s	Night	Dream	(Sonho	de	uma	noite	de	verão),
Richard	II	e	The	Merchant	of	Venice	(O	mercador	de	Veneza).	Henry	IV,	na	qual
aparece	Falstaff,	seu	mais	famoso	personagem	cômico,	foi	escrita	entre	1597-
1598.	No	Natal	de	1598,	a	companhia	construiu	uma	nova	casa	de	espetáculos
na	margem	sul	do	Tâmisa.	Os	custos	foram	divididos	pelos	diretores	da
companhia,	entre	os	quais	Shakespeare,	que	provavelmente	já	tinha	alguma
fortuna.	Nascia	o	Globe	Theatre.	Também	é	de	1598	o	reconhecimento	de
Shakespeare	como	o	mais	importante	dramaturgo	de	língua	inglesa:	suas	peças,
além	de	atraírem	milhares	de	espectadores	para	os	teatros	de	madeira,	eram
impressas	e	vendidas	sob	a	forma	de	livro	–	às	vezes	até	mesmo	pirateados.
Seguiram-se	Henry	V	(Henrique	V),	As	You	Like	It	(Como	gostais),	Julius
Caesar	(Júlio	César)	–	a	primeira	das	suas	tragédias	da	maturidade	–,	Troilus
and	Cressida,	The	Merry	Wives	of	Windsor	(As	alegres	matronas	de	Windsor),
Hamlet	e	Twelfth	Night	(Noite	de	Reis).	Shakespeare	escreveu	a	maior	parte	dos
papéis	principais	de	suas	tragédias	para	Richard	Burbage,	sócio	e	ator,	que
primeiro	se	destacou	com	Richard	III.
Em	março	de	1603,	morreu	a	rainha	Elisabeth.	A	companhia	havia
encenado	diversas	peças	para	ela,	mas	seu	sucessor,	o	rei	James,	contratou-a	em
caráter	permanente,	e	ela	tornou-se	conhecida	como	King’s	Men	–	Homens	do
Rei.	Eles	encenaram	diversas	vezes	na	corte	e	prosperaram	financeiramente.
Seguiram-se	All’s	Well	that	Ends	Well	(Bem	está	o	que	bem	acaba)	e	Measure	for
Measure	(Medida	por	medida)	–	suas	comédias	mais	sombrias	–,	Othello,
Macbeth,	King	Lear,	Anthony	and	Cleopatra	e	Coriolanus.	A	partir	de	1601,
Shakespeare	escreveu	menos.	Em	1608,	a	King’s	Men	comprou	uma	segunda
casa	de	espetáculos,	um	teatro	privado	em	Blackfriars.	Nesses	teatros	privados,
as	peças	eram	encenadas	em	ambientes	fechados,	o	ingresso	custava	mais	do	que
nas	casas	públicas	de	espetáculos,	e	o	público,	consequentemente,	era	mais
seleto.	Parece	ter	sido	nessa	época	que	Shakespeare	aposentou-se	dos	palcos:	seu
nome	não	aparece	nas	listas	de	atores	a	partir	de	1607.	Voltou	a	viver	em
Stratford,	onde	era	considerado	um	dos	mais	ilustres	cidadãos.	Escreveu	então
quatro	tragicomédias,	subgênero	que	começava	a	ganhar	espaço:	Péricles,
Cymbeline,	The	Winter’s	Tale	(Conto	de	inverno)	e	The	Tempest	(A	tempestade),
sendo	que	esta	última	foi	encenada	na	corte	em	1611.	Shakespeare	morreu	em
Stratford	em	23	de	abril	de	1616.	Foi	enterrado	na	parte	da	igreja	reservada	ao
clero.	Escreveu	ao	todo	38	peças,	154	sonetos	e	uma	variedade	de	outros
poemas.	Suas	peças	destacam-se	pela	grandeza	poética	da	linguagem,	pela
profundidade	filosófica	e	pela	complexa	caracterização	dos	personagens.	É
considerado	unanimemente	um	dos	mais	importantes	autores	de	todos	os
tempos.
PERSONAGENS	DA	PEÇA
TESEU,	duque	de	Atenas
HIPÓLITA,	rainha	das	amazonas,	noiva	de	Teseu	LISANDRO,	jovens	cortesãos,	
apaixonados	por	Hérmia	DEMÉTRIO,	jovens	cortesãos,	apaixonados	por	Hérmia
HÉRMIA,	apaixonada	por	Lisandro	HELENA,	apaixonada	por	Demétrio	EGEU,	o	
pai	de	Hérmia
FILÓSTRATO,	mestre	de	festividades	de	Teseu	OBERON,	rei	das	fadas	e	dos	
duendes	TITÂNIA,	rainha	das	fadas	e	dos	duendes	Uma	Fada	a	serviço	de	Titânia
BUTE,	ou	Robin	Bom	Companheiro,	um	duende	endiabrado,	bufão	e	ajudante	de	
ordens	de	Oberon	FLOR	DE	ERVILHA,	duendes	a	serviço	de	Titânia	TEIA	DE	
ARANHA,	duendes	a	serviço	de	Titânia	MARIPOSINHA,	duendes	a	serviço	de	
Titânia	SEMENTE	DE	MOSTARDA,	duendes	a	serviço	de	Titânia	PEDRO	CUNHA,	um	
carpinteiro;	Prólogo	(no	Interlúdio)	NANDO	FUNDILHO,	um	tecelão;	Píramo	(no	
Interlúdio)	CHICO	FLAUTA,	um	conserta-foles;	Tisbe	(no	Interlúdio)	TONHO	
CHALEIRA,	um	funileiro;	Muro	(no	Interlúdio)	JUSTINHO,	um	marceneiro;	Leão	
(no	Interlúdio)	BETO	FAMÉLICO,	um	alfaiate;	Luar	(no	Interlúdio)	Outras	fadas	e	
outros	duendes	a	serviço	de	Oberon	e	Titânia
Lordes	e	Serviçais	de	Teseu	e	Hipólita
Cenário	–	Atenas	e	um	bosque	nas	cercanias	de	Atenas.
SONHO	DE	UMA
NOITE	DE	VERÃO
PRIMEIRO	ATO
CENA	I
Atenas.	Um	aposento	no	Palácio	de	Teseu.
Entram	Teseu,	Hipólita,	Filóstrato	e	Serviçais.
TESEU	–	Agora,	graciosa	Hipólita,	o	momento	de	nossas	núpcias	vem	de	nós
aproximando-se,	a	passos	acelerados.	Quatro	gloriosos	dias,	e	teremos	uma
mudança	de	lua.	Mas,	ah,	parece-me	que	esta	lua,	agora	antiga,	demora-se	tanto
a	minguar!	Ela	vai	protelando	os	meus	desejos,	como	madrasta	ou	nobre	viúva
que	faz	mirrar	e	murchar	e	secar	os	rendimentos	de	um	mancebo	herdeiro.
HIPÓLITA	–	Quatro	dias	vão	rapidamente	submergir	em	quatro	noites,	e	quatro
noites	farão	as	horas	esvanecer	rapidamente	em	sonhos,	e	então	a	lua,	como	um
arco	prateado	recém-arqueado	no	céu,	contemplará	a	noite	da	celebração	de
nossas	bodas.
TESEU	–	Vá,	Filóstrato,	incite	a	juventude	ateniense	a	participar	dos	festejos.
Acorde	o	atrevido	e	ágil	espírito	do	júbilo,	expulse	a	melancolia	daqui	para	os
funerais.	Essa	pálida	companhia	não	combina	com	nossa	pompa.
[Sai	Filóstrato.]
Hipólita,	eu	te	cortejei	com	minha	espada,	e	conquistei	teu	amor	causando-te
ferimentos,	mas	te	desposareiem	um	outro	tom,	com	pompa,	com	triunfo	e	com
folia.
Entram	Egeu,	Hérmia,	Lisandro	e	Demétrio.
EGEU	–	Feliz	seja	Teseu,	nosso	renomado	duque!
TESEU	–	Obrigado,	meu	bom	Egeu.	Que	novidades	trazes	contigo?
EGEU	–	Cheio	de	vergonha	venho	eu,	com	queixas	contra	minha	prole,	minha
filha	Hérmia.	–	Apresente-se,	Demétrio.	–	Meu	nobre	senhor,	esse	homem	tem	o
meu	consentimento	para	com	ela	casar-se.	–	Apresente-se,	Lisandro.	–	E,
gracioso	duque,	esse	enfeitiçou	o	coração	de	minha	criança.	–	Tu,	tu,	Lisandro,
tu	a	presenteaste	com	rimas,	e	trocaste	lembrancinhas	de	amor	com	minha	filha.
Tu	à	luz	do	luar	cantaste,	ao	pé	de	sua	janela,	com	voz	dissimulada,	versos	de
dissimulado	amor,	e	roubaste	para	ti	os	afetos	de	sua	fantasia	com	braceletes
tecidos	de	teus	cabelos,	anéis,	bugigangas,	palavras	imaginosas,	truques,	doces
baratos,	ramalhetes	de	florzinhas,	gulodices,	todos	mensageiros	de	muita	força	e
prevalência	sobre	uma	juventude	ainda	não	calejada.	Com	astúcia	surrupiaste	o
coração	de	minha	filha.	Transformaste	sua	obediência,	a	mim	devida,	em	áspera
teimosia.	–	E,	gracioso	duque,	se	o	caso	for	de	ela	não	consentir	em	casar-se	com
Demétrio	aqui,	diante	de	Sua	Graça,	eu	vos	peço:	concedei-me	o	antigo
privilégio	de	Atenas.	–	Como	ela	é	minha,	dela	posso	dispor.	E	dela	disporei,
dando-a	a	esse	cavalheiro	ou	à	sua	morte,	de	acordo	com	nossas	leis,
especificamente	designadas	para	tais	casos	e	das	quais	não	se	pode	recorrer.
TESEU	–	O	que	diz	a	senhorita,	Hérmia?	Esteja	avisada,	linda	donzela:	para	você,
seu	pai	deve	ser	como	um	deus,	o	deus	que	compôs	suas	formosuras.	Sim,	e	o
deus	de	quem	você	é	nada	mais	que	uma	forma	em	cera	composta,	por	ele
gravada,	e	em	seu	poder	de	pai	está	deixar	a	figura	como	está	ou	desfigurá-la.
Demétrio	é	um	valoroso	cavalheiro.
HÉRMIA	–	Lisandro	também	o	é.
TESEU	–	Valoroso	cavalheiro,	na	pessoa	dele,	ele	é.	Mas,	numa	questão	desta
natureza,	faltando	a	aprovação	do	senhor	seu	pai,	o	outro	deve	ser	considerado
de	maior	mérito.
HÉRMIA	–	Gostaria	eu	que	meu	pai	enxergasse	com	os	meus	olhos.
TESEU	–	Pelo	contrário,	são	os	seus	olhos	que	devem	com	o	discernimento	de
seu	pai	enxergar.
HÉRMIA	–	Suplico	à	Sua	Graça	que	me	perdoe.	Desconheço	que	forças	me	fazem
audaciosa,	e	tampouco	sei	por	que	isso	diz	respeito	à	minha	modéstia,	estar	aqui,
em	vossa	presença,	a	advogar	minhas	ideias.	Mas	estou	rogando	a	Sua	Graça	que
me	deixe	conhecer	o	pior	que	pode	abater-se	sobre	mim	neste	caso,	se	eu	me
recusar	a	desposar	Demétrio.
TESEU	–	Ou	morre	a	senhorita	a	sua	morte,	ou	abjura	para	sempre	a	sociedade
dos	homens.	Portanto,	formosa	Hérmia,	questione	os	seus	desejos,	tenha	em
mente	a	sua	pouca	idade,	examine	com	cuidado	seu	temperamento	e	sua	estirpe,
o	sangue	que	lateja	em	suas	veias.	Pese	bem:	se	a	senhorita	não	cede	à	escolha
de	seu	pai,	conseguirá	suportar	o	hábito	de	freira?	Para	sempre	engaiolada	em
claustro	sombroso,	vivendo	a	vida	de	estéril	irmã	sua	vida	inteira,	cantando
sufocantes	hinos	a	uma	lua	fria,	infrutífera.	Três	vezes	abençoadas	aquelas	que
assim	controlam	o	seu	sangue	para	empreenderem	tal	peregrinação	de
virgindades.	Porém,	mais	mundanamente	feliz	é	a	rosa	destilada	que	aquela	que,
murchando	em	seus	castos	espinhos,	cresce,	vive	e	morre	em	abençoada
solteirice.
HÉRMIA	–	Assim	crescerei,	assim	viverei,	e	assim	morrerei,	milorde.	Isso	me	é
preferível	a	abrir	mão	da	prerrogativa	de	minha	virgindade	em	prol	da	autoridade
desse	cavalheiro,	a	cuja	aliança	indesejada	minh’alma	não	consente	em	dar
soberania.
TESEU	–	Tire	um	tempinho	para	refletir	e,	quando	entrar	a	lua	nova	(no	dia	em
que	selamos	nosso	amor,	meu	amor	e	eu,	num	laço	eterno	de	companheirismo),
nesse	dia	a	senhorita	prepare-se	ou	para	morrer	por	desobediência	às	ordens	de
seu	pai	ou	então	para	desposar	Demétrio,	como	quer	seu	pai.	Ou	no	altar	de
Diana	vai	a	senhorita	prometer	para	sempre	austeridade	e	vida	celibatária.
DEMÉTRIO	–	Abranda-te,	doce	Hérmia.	–	E,	Lisandro,	cede	o	teu	título	inútil	ao
meu	acertado	direito.
LISANDRO	–	Você	tem	o	amor	do	pai	dela,	Demétrio.	Deixe-me	ter	o	amor	de
Hérmia.	Você	case-se	com	ele.
EGEU	–	O	irônico	Lisandro!	Verdade,	ele	tem	o	meu	amor.	E	tudo	que	é	meu,
meu	amor	a	ele	entregará.	E	ela	é	minha.	E	todos	os	direitos	que	tenho	sobre	ela
doo	como	herança	a	Demétrio.
LISANDRO	–	Eu	sou,	milorde,	tão	bem-nascido	quanto	Demétrio,	tenho	tantos
bens	materiais	quanto	ele,	e	meu	amor	é	maior	que	o	dele.	Minhas	riquezas	são,
em	todos	os	aspectos,	tão	bem	aquinhoadas	quanto	as	dele,	se	é	que	não	levam
vantagem.	Mas,	o	que	vale	mais	que	todas	essas	bazófias	juntas	possam	valer,
sou	amado	pela	linda	Hérmia.	Por	que	então	não	deveria	eu	exercer	meu	direito?
Demétrio,	e,	pela	cabeça	de	Demétrio,	posso	sustentar	o	que	digo,	fez	amor	com
a	filha	de	Nedar,	Helena,	e	conquistou-lhe	o	coração.	E	ela,	doce	dama,	baba-se
por	ele,	pôs-se	devotadamente	doida	de	amor	por	ele,	idolatra-o,	esse	homem
maculado	e	inconstante.
TESEU	–	Devo	confessar	que	ouvi	falar	de	tal	coisa,	e	pensei	em	conversar	com
Demétrio	sobre	isso.	Contudo,	estando	por	demais	ocupado	com	meus	assuntos
pessoais,	disso	me	esqueci	completamente.	–	Mas,	Demétrio,	venha.	E	venha
você	também,	Egeu.	Devem	os	dois	acompanhar-me.	Tenho	algumas	instruções
a	dar-lhes,	em	particular.	–	Quanto	à	senhorita,	formosa	Hérmia,	veja	que	se
fortifique	a	sua	pessoa	a	fim	de	encaixar	seus	caprichos	à	vontade	de	seu	pai.	Do
contrário,	as	leis	de	Atenas	(e	não	há	recurso	que	possa	mitigá-las)	exigem	que
você	se	entregue	ou	à	sua	morte,	ou	a	um	voto	de	castidade.	–	Vem,	minha
Hipólita.	Como	estás	te	sentindo,	minha	querida?	–	Demétrio	e	Egeu,	vão
andando.	Preciso	aproveitá-los	em	algum	dos	serviços	em	preparação	para
nossas	núpcias,	e	trocar	ideias	com	os	dois	sobre	algo	que	lhes	diz	respeito	de
perto.
EGEU	–	Por	dever	e	por	ser	essa	a	nossa	vontade,	nós	o	seguimos,	milorde.
[Saem	Teseu,	Hipólita,	Egeu,	Demétrio	e	Séquito.]
LISANDRO	–	Pois	então,	meu	amor!	Por	que	tens	as	faces	tão	pálidas?	Como	pode
acontecer	de	as	rosas	desmaiarem	tão	rápido?
HÉRMIA	–	Possivelmente	por	falta	de	chuva,	coisa	que	eu	poderia	muito	bem
garantir-lhes	com	a	tempestade	de	meus	olhos.
LISANDRO	–	Ai	de	mim!	Em	todas	as	histórias	e	romances	que	eu	pudesse	ter
lido,	que	eu	pudesse	ter	ouvido	me	contarem,	a	trajetória	de	um	amor	verdadeiro
nunca	transcorreu	em	caminhos	suaves.	Mas	isso	porque	havia	diferença	de
estirpes	entre	um	e	outro...
HÉRMIA	–	Que	cruz	tão	pesada!	Muito	superior	para	ser	escravizado	a	um
inferior!
LISANDRO	–	Ou	então	era	um	amor	erroneamente	transplantado	em	função	dos
anos	de	vida	de	cada	um...
HÉRMIA	–	Quanta	maldade	do	destino!	Muito	velho	para	comprometer-se	com
pessoa	mais	nova!
LISANDRO	–	Ou	então	baseou-se	na	escolha	de	amigos...
HÉRMIA	–	Que	coisa	mais	diabólica!	Escolher	um	amor	pelo	olhar	de	terceiros!
LISANDRO	–	Ou,	se	havia	uma	compaixão	no	escolher!	Guerra,	morte	ou	doença
sitiando	aquele	amor,	tornando-o	momentâneo	como	o	som,	veloz	como	uma
sombra,	curto	como	todos	os	sonhos,	breve	como	um	relâmpago	na	mais
fuliginosa	das	noites,	o	relâmpago	que,	num	ímpeto	apaixonado,	mostra	céu	e
terra	e,	antes	que	um	homem	tenha	a	capacidade	de	dizer	“Olha!”,	devoram-no
os	beiços	da	escuridão.	Com	essa	rapidez,	o	que	era	brilhante	alcança	a	ruína.
HÉRMIA	–	Mas,	então,	se	amantes	fiéis	sempre	foram	traídos,	isso	é	uma	lei	do
destino.	Assim	sendo,	ensinemos	nós	paciência	a	esta	nossa	provação,	porque	é
de	costume	carregar	essa	cruz,	tão	devida	ao	amor	como	os	pensamentos	e
sonhos	e	suspiros,	desejos	e	lágrimas,	todos	acompanhantes,	coitados,	de	nossa
imaginação.
LISANDRO	–	Argumento	bem	persuasivo;	portanto,	escuta-me,	Hérmia:	tenho
uma	tia,	viúva	dotada,	de	muitos	proventos,	e	sem	filhos.	Tem	ela	uma	casa
distante	sete	léguas	de	Atenas.	E	refere-se	ela	a	mim	como	seu	filho	único.	Em
sua	casa,	gentil	Hérmia,	posso	casar-me	contigo.	E	até	a	esse	lugar	não	podem
perseguir-nos	as	severas	leis	atenienses.	Se	tu	me	amas,	então	foge	da	casa	de
teu	pai	amanhã	à	noite.	E,	no	bosque	a	uma	légua	da	cidade,	onde	encontrei-te
uma	vez	comHelena,	a	observar	um	amanhecer	de	maio,	lá	estarei,	esperando
por	ti.
HÉRMIA	–	Meu	bom	Lisandro!	Juro-te,	pelo	arco	mais	forte	de	Cupido,	por	sua
melhor	seta	de	ponta	dourada,	pela	simplicidade	das	pombas	de	Vênus,	por	tudo
que	faz	as	almas	entrelaçarem-se,	por	tudo	que	faz	os	amores	prosperarem,	e
pelo	fogo	em	que	ardeu	a	rainha	de	Cartago	quando	o	falso	troiano	foi	avistado
partindo	sob	velas	enfunadas...	por	todos	os	juramentos	que	os	homens	já
quebraram	em	todos	os	tempos,	porque	muitos	mais	eles	são	do	que	contaram	as
mulheres	ao	longo	dos	tempos...,	nesse	exato	lugar	que	me	indicaste,	amanhã
estarei	seguramente	para	contigo	encontrar-me.
LISANDRO	–	Cumpre	tua	promessa,	amor.	Olha,	aí	vem	Helena.
Entra	Helena.
HÉRMIA	–	Que	Deus	te	acompanhe,	Helena,	tão	linda!	Para	onde	estás	indo?
HELENA	–	A	mim	estás	chamando	de	linda?	Pois	essa	palavra	podes	desdizer.
Demétrio	ama	a	beleza	em	ti.	Ah,	como	é	feliz	a	tua	beleza!	Teus	olhos	são
estrelas-guia,	e	o	doce	ar	em	tua	boca,	mais	melodioso	que	a	cotovia	aos	ouvidos
de	um	pastor	quando	o	trigo	aparece	verdejante,	quando	surgem	nos	espinheiros
os	primeiros	botões	de	flor.	As	enfermidades	são	contagiantes;	mas,	ah,
contagiosa	fosse	a	formosura,	gostaria	eu	de	contagiar-me	de	tuas	palavras,	linda
Hérmia,	antes	de	partir.	Meus	ouvidos	deveriam	infectar-se	de	tua	voz,	e	meus
olhos,	dos	teus	olhos.	Minha	boca	deveria	contagiar-se	da	doce	melodia	de	tua
boca.	Fosse	meu	o	mundo,	excluído	dele	Demétrio,	do	resto	eu	abriria	mão,	para
que	a	ti	fosse	transferido.	Ah,	ensina-me,	Hérmia,	a	parecer-me	contigo,	ensina-
me	com	que	artes	tu	balanças	os	movimentos	do	coração	de	Demétrio.
HÉRMIA	–	Meu	olhar	te	estranha,	e,	no	entanto,	sim,	ele	me	ama.
HELENA	–	Quisera	eu	que	o	estranhamento	de	teu	olhar	a	meu	sorriso	ensinasse
tais	práticas.
HÉRMIA	–	Eu	lhe	rogo	pragas,	e,	ainda	assim,	ele	me	jura	amor.
HELENA	–	Tomara	minhas	preces	pudessem	incitar	uma	afeição	assim.
HÉRMIA	–	Quanto	mais	o	detesto,	mais	ele	vem	atrás	de	mim.
HELENA	–	Quanto	mais	o	quero,	mais	ele	me	detesta.
HÉRMIA	–	O	desatino	dele,	Helena,	não	é	culpa	minha.
HELENA	–	É	culpa	tão	somente	de	tua	beleza...	Como	eu	queria	que	essa	culpa
fosse	minha!
HÉRMIA	–	Consola-te:	ele	não	mais	verá	meu	rosto.	Lisandro	e	eu	fugiremos
daqui.	Antes	do	momento	em	que	avistei	Lisandro,	Atenas	parecia-me	ser	o
paraíso.	Mas,	então,	por	mais	encantos	que	tenha	o	meu	amor,	ele	conseguiu
transformar	o	paraíso	num	inferno.
LISANDRO	–	Hélen,	a	você	nossos	planos	revelaremos:	amanhã	à	noite,	quando
Febe	contemplar	o	próprio	rosto,	prateado,	no	espelho	das	águas,	decorando	com
pérolas	liquefeitas	a	grama,	de	tantas	folhas	cortantes	composta,	naquela	hora
que	sempre	oculta	os	amantes	em	fuga	pelos	portões	de	Atenas,	é	quando
pensamos	partir.
HÉRMIA	–	E	na	floresta,	onde	seguidas	vezes	tu	e	eu,	sobre	canteiros	de	pálidas
prímulas,	costumávamos	nos	deitar,	aliviando	nossos	corações	de	seus	doces
segredos;	lá,	meu	Lisandro	e	eu	temos	encontro	marcado	e,	de	lá,	desviaremos
nosso	olhar	para	longe	de	Atenas,	para	buscar	novos	amigos	e	a	companhia	dos
que	agora	nos	são	estranhos.	Adeus,	minha	doce	companheira	de	folguedos,	reza
por	nós,	e	que	te	traga	boa	sorte	o	teu	Demétrio.	–	Mantém	tua	palavra,
Lisandro.	Devemos	deixar	passar	fome	nossos	olhos.	Que	careçam	eles	daquilo
que	alimenta	os	amantes,	até	amanhã	na	escuridão	da	meia-noite.
[Sai	Hérmia.]
LISANDRO	–	Manterei	minha	palavra,	Hérmia.	–	Helena,	adeus.	Que	Demétrio
adore	você,	tanto	quanto	você	o	adora.
[Sai	Lisandro.]
HELENA	–	Como	são	felizes	uns,	muito	mais	que	outros	podem	ser!	Por	toda	a
Atenas	me	acham	tão	linda	quanto	ela.	Mas,	e	daí?	Demétrio	não	pensa	assim.
Ele	não	quer	saber	daquilo	que	todos,	menos	ele,	sabem.	E,	assim	como	ele	está
equivocado,	ao	adorar	os	olhos	de	Hérmia,	estou	eu	igualmente	equivocada,
admirando	nele	as	qualidades.	Coisas	baixas	e	vis,	sem	o	menor	valor,	pode
invertê-las	o	amor	em	caráter	e	dignidade.	O	Amor	não	enxerga	com	os	olhos,	e
sim	com	a	mente,	e	por	isso	pinta-se	cego	o	Cupido	alado.	Tampouco	a	mente	do
Amor	tem	faro	para	qualquer	discernimento.	Com	asinhas	e	sem	olhos,
representa	a	pressa	da	imprudência.	Dizem,	portanto,	que	o	Amor	é	uma	criança;
porque,	ao	escolher,	ele	é	tantas	vezes	enganado.	Como	meninos	travessos	numa
brincadeira	quebram	as	próprias	promessas,	assim	o	menino	Amor	comete
perjúrio	em	todo	canto.	Pois,	antes	de	Demétrio	olhar	nos	olhos	de	Hérmia,	ele
fazia	chover	sobre	mim	juras	de	amor,	promessas	de	que	era	meu	e	de	mais
ninguém.	Quando	essa	chuva	sentiu	o	calor	por	Hérmia	desprendido,	evaporou-
se,	e	minhas	lindas	gotas	de	amor	viraram	fumaça.	Vou	contar	a	ele	da	fuga	de
sua	linda	Hérmia.	Então	irá	ele	à	floresta,	amanhã	à	noite,	procurá-la;	e,	por	essa
informação,	se	eu	receber	um	muito	obrigado,	isso	terá	me	custado	caro.	Mas
com	isto	espero	ser	recompensada	por	meu	esforço:	teremos	nos	visto,	Demétrio
e	eu,	indo	e	vindo	da	floresta.
CENA	II
Atenas.	A	casa	de	Pedro	Cunha.
Entram	Cunha,	o	carpinteiro;	e	Justinho,	o	marceneiro;	e	Fundilho,	o	tecelão;	e
Flauta,	o	conserta-foles;	e	Chaleira,	o	funileiro;	e	Famélico,	o	alfaiate.
CUNHA	–	Nossa	companhia	está	toda	aqui?
FUNDILHO	–	Penso	que	você	deveria	chamar	todos	um	por	um	conjuntamente,	de
acordo	com	o	documento.
CUNHA	–	Aqui	temos	a	lista	dos	nomes	de	cada	homem	considerado	apto,	e
escolhidos	em	toda	a	Atenas,	para	representar	os	papéis	do	nosso	interlúdio
perante	o	Duque	e	a	Duquesa	no	dia	de	suas	núpcias	à	noite.
FUNDILHO	–	Primeiro,	meu	bom	Pedro	Cunha,	diga	de	que	se	trata	a	peça;
depois,	faça	a	leitura	dos	nomes	dos	atores;	e,	assim,	vá	chegando	a	alguma
conclusão.
CUNHA	–	Certamente.	Nossa	peça	chama-se	“A	mais	lamentável	das	comédias	ou
a	morte	cruelíssima	de	Píramo	e	Tisbe”.
FUNDILHO	–	Uma	excelente	obra,	posso	assegurar,	e	divertida.	Agora,	meu	bom
Pedro	Cunha,	chame	os	seus	atores	pelos	nomes	de	acordo	com	a	lista.	Mestres,
acomodem-se.
CUNHA	–	Apresentem-se	à	medida	que	eu	for	chamando.	Nando	Fundilho,	o
tecelão?
FUNDILHO	–	A	postos.	Diga	qual	o	meu	papel,	e	prossiga.
CUNHA	–	Você,	Nando	Fundilho,	está	escrito	aqui	no	roteiro	que	será	Píramo.
FUNDILHO	–	Quem	é	Píramo?	Um	amante,	ou	um	tirano?
CUNHA	–	Um	amante,	que	se	mata	de	modo	muito	galante,	por	amor.
FUNDILHO	–	Isso	vai	requerer	algumas	lágrimas	para	que	seja	bem	interpretado
no	palco.	Se	eu	fizer	isso,	a	plateia	que	se	cuide	para	não	debulhar-se	chorando
por	demais.	Fabricarei	tempestades,	saberei	lamentar-me	até	o	ponto	certo.
Avante!	...e,	no	entanto,	meu	temperamento	pede	por	um	tirano.	Eu	me	sairia
esplendidamente	representando	Hércules,	ou	um	papel	que	exigisse	destratar
todo	mundo,	esfolar	uma	criatura	viva	e	disso	me	gabar,	promover	um	quebra-
quebra	geral.
As	pedras	pesadas,
Tremores	irados,
Das	portas	das	jaulas
Abriram	cadeados.
Brilhou	de	mui	longe
O	carro	de	Apolo;
E	pôs	e	dispôs
Das	Parcas	bobocas.
Isso	sim,	é	grandioso.	Agora,	chame	os	nomes	dos	outros	atores.	Esse	é	o	estilo
de	Hércules,	o	estilo	de	um	tirano;	um	amante	é	coisa	mais	simpática,	mais	digna
de	pena.
CUNHA	–	Chico	Flauta,	o	conserta-foles?
FLAUTA	–	Presente,	Pedro	Cunha.
CUNHA	–	Flauta,	você	fica	com	o	papel	de	Tisbe.
FLAUTA	–	Quem	é	Tisbe?	Um	cavaleiro	andante?
CUNHA	–	É	a	dama	por	quem	Píramo	deve	se	apaixonar.
FLAUTA	–	Não,	pelo	Deus	que	me	guia,	não	me	peça	a	mim	para	representar	uma
mulher.	Está	me	nascendo	a	barba	na	cara.
CUNHA	–	Não	faz	diferença;	você	vai	representar	Tisbe	com	uma	máscara,
feminina	proteção	contra	o	sol.	E	vai	poder	falar	numa	voz	mais	ou	menos
aguda,	como	quiser.
FUNDILHO	–	Se	posso	esconder	meu	rosto,	deixe	comigo	o	papel	de	Tisbe
também.	Vou	falar	numa	vozinha	monstruosamente	aguda:	–	“Tisbezinha,
Tisbezinha!”	–	“Ah,	Píramo,	meu	amado	querido!	Sou	tua	Tisbe	querida,	tua
doce	dama!”
CUNHA	–	Não,	não,	você	tem	de	representar	Píramo;	e,	Flauta,	você	fica	com	o
papel	de	Tisbe.
FUNDILHO	–	Bem,	prossiga.
CUNHA	–	Beto	Famélico,	o	alfaiate?
FAMÉLICO	–	Presente,	Pedro	Cunha.
CUNHA	–	Beto	Famélico,	você	fica	com	o	papel	da	mãe	de	Tisbe.	TonhoChaleira,	o	funileiro?
CHALEIRA	–	Presente,	Pedro	Cunha.
CUNHA	–	Você	fica	com	o	pai	de	Píramo.	Eu	representarei	o	pai	de	Tisbe.
Justinho,	o	marceneiro,	você	fica	com	o	papel	do	leão.	E	espero	ter	aqui	o	elenco
de	uma	peça.
JUSTINHO	–	Você	já	tem	as	falas	do	leão	escritas?	Se	for	assim,	eu	lhe	peço
encarecidamente	que	as	entregue	a	mim,	porque	eu	sou	lento	para	decorar.
CUNHA	–	Você	pode	dizer	suas	falas	espontaneamente,	pois	não	é	nada	mais	que
rugir.
FUNDILHO	–	Deixe-me	fazer	o	papel	do	leão	também.	Rugirei	de	tal	modo	que
farei	bem	ao	coração	de	qualquer	homem	que	me	ouça.	Rugirei	de	tal	modo	que
farei	com	que	o	Duque	diga:	“Façam-no	rugir	de	novo;	façam-no	rugir	de	novo!”
CUNHA	–	Mas	se	você	rugir	de	modo	pavoroso,	assustará	a	Duquesa	e	as	damas
de	tal	modo	que	elas	vão	gritar.	E	isso	seria	o	suficiente	para	que	nos
enforcassem	a	todos.
TODOS	–	Isso	nos	enforcaria	a	nós	todos,	todos	filhos	de	nossas	mães.
FUNDILHO	–	Eu	lhes	garanto,	amigos,	que,	se	vocês	assustarem	as	damas	a	ponto
de	fazê-las	gritar,	elas	estariam	em	seu	bom	juízo	pedindo	a	forca	para	nós.	Mas
eu	vou	agravar	minha	voz,	tanto	que	rugirei	para	vocês	tão	de	mansinho	como	a
mais	inocente	das	pombinhas,	um	cordeiro	da	paz.	Rugirei	para	vocês	como	se	o
leão	fosse	um	rouxinol.
CUNHA	–	Você	não	pode	representar	outro	papel	que	não	o	de	Píramo,	pois
Píramo	é	um	homem	de	feições	bonitas,	um	homem	homem,	viril,	uma	bela
figura	num	dia	de	verão,	um	cavalheiro	adorável.	Portanto,	você	por	certo
precisa	representar	Píramo.
FUNDILHO	–	Bem,	aceito	a	incumbência.	Com	que	tipo	de	barba	eu	o
representarei	melhor?
CUNHA	–	Ora,	a	barba	que	você	quiser.
FUNDILHO	–	Interpretarei	Píramo	com	a	sua	barba	num	tom	amarelo-palha...	ou
amarelo-queimado...	ou	de	um	ruivo	bem	avermelhado...	ou	da	cor	de	uma
moeda	de	ouro	dos	franceses:	o	amarelo	perfeito!
CUNHA	–	Nem	todas	as	caras	e	coroas	dos	franceses	têm	cabelo,	carecas	que
ficam	por	causa	da	sífilis,	essa	doença	francesa.	Assim	é	que	o	senhor	vai
apresentar-se	sem	pelos	na	cara.	Mas,	mestres,	aqui	vocês	têm:	os	seus	papéis.	E
eu	devo	pedir,	solicitar,	implorar	que	os	senhores	os	estudem	até	amanhã	à	noite.
Venham	encontrar-me	no	bosque	junto	ao	palácio,	uma	milha	distante	da	cidade,
à	luz	do	luar.	Ali	ensaiaremos,	pois,	se	nos	encontrarmos	na	cidade,	é	certo	que
vão	nos	seguir	e	nos	cercar,	e	nosso	projeto	não	mais	será	segredo.	Neste	meio-
tempo,	redigirei	uma	lista,	com	os	adereços	de	que	nossa	peça	necessita.	Rogo-
lhes:	não	me	desapontem.
FUNDILHO	–	Nos	encontraremos,	e	no	bosque	se	dará	o	nosso	ensaio	dessa	arte
corajosa,	arte	obscênica.	Concentrem-se,	almejem	a	perfeição	na	dicção	de	suas
falas.	Adieu!
CUNHA	–	Nos	encontramos	então	junto	ao	carvalho	do	Duque.
FUNDILHO	–	É	isto:	nos	encontramos,	faça	chuva	ou	faça	sol.
[Saem.]
SEGUNDO	ATO
CENA	I
Um	bosque	perto	de	Atenas.
Entram	uma	Fada	por	um	lado,	e	Bute	por	outro.
BUTE	–	Ora,	ora,	espírito!	Passeando!	Aonde	está	indo?
FADA	–
Por	cima	dos	vales,	por	cima	dos	montes,
Através	de	espinhos,	através	de	flores,
Por	cima	de	muros,	por	cima	de	paliçadas,
Através	do	fogo,	através	da	água,
Eu	passeio	por	todo	lugar,
Mais	veloz	que	a	esfera	lunar;
Sirvo	à	Rainha	das	Fadas:	sou	eu	a	orvalhar,
Nela,	o	olhar	que	faz	a	grama	verdejar.
As	prímulas,	belas	e	altas,	real	guarda,
Têm	manchas	nas	jaquetas	douradas:
São	rubis,	um	imperial	favor;
Nessas	pintas	reside	seu	sabor.
Procuro	pingentes,	gotas	orvalhadas
Em	orelhas	de	prímulas,	pérolas	penduradas.
Adeus,	ó	tu,	o	mais	palhaço	dentre	os	espíritos.	Estou	me	retirando.	Nossa
Rainha,	com	todos	os	seus	elfos,	logo	estará	aqui	chegando.
BUTE	–	O	Rei	tem	uma	festança	hoje	à	noite,	e	bem	aqui.	Cuide	para	que	a
Rainha	não	seja	vista	por	ele,	pois	Oberon	anda	violento,	furioso,	porque	ela
mantém	de	acompanhante	um	rapaz	adorável,	roubado	de	um	rei	da	Índia.	E	ela
nunca	antes	tivera	um	bebê	feinho	dos	nossos	trocado	por	tão	querida	criança
humana.	Oberon,	ciumento,	queria	o	rapaz	para	cavaleiro	de	seu	séquito,	para
percorrer	os	mais	recônditos	confins	das	florestas.	Porém,	ela	forçosamente
segura	o	rapaz	amado,	enfeita-o	com	coroas	de	flores,	e	faz	dele	a	sua	maior
alegria.	Desde	então	eles	jamais	se	encontram	–	em	nenhum	arvoredo,	em
nenhum	gramado,	nem	perto	de	uma	fonte	límpida,	nem	sob	o	brilho	cintilante
de	um	céu	estrelado	–	sem	que	troquem	farpas	entre	si;	tanto	que	todos	os	seus
elfos,	de	assustados,	vão,	rastejando,	encolher-se	dentro	de	cascas	de	bolotas
frutos	do	carvalho,	e	ali	se	escondem.
FADA	–	Ou	muito	me	engano	com	sua	forma	e	aparência,	ou	você	é	aquele
espírito	patife	–	maligno	e	arteiro	–	chamado	Robin	Bom	Companheiro.	Não	é
você	aquele	que	assusta	as	donzelas	dos	vilarejos,	estraga	o	leite	roubando-lhe	a
nata	e,	às	vezes,	trabalha	naquela	nata	que	se	bate	e	bate,	botando	fora	o	trabalho
da	dona	de	casa	que	chega	a	perder	o	fôlego	na	tentativa	vã	de	fazer	manteiga?
Não	é	você	aquele	que,	às	vezes,	não	deixa	a	cerveja	fermentar,	e	desorienta	os
viajantes	noturnos	e	ri	de	sua	desgraça?	Para	aqueles	que	chamam	você	de	Silfo,
ou	Meu	Doce	Bute,	você	os	atende	em	seus	desejos,	e	eles	têm	boa	sorte.	Não	é
você,	esse?
BUTE	–	Falaste	muito	acertadamente.	Sou	eu,	aquele	que,	feliz,	perambula	à
noite.	Sou	eu,	o	bufão	de	Oberon,	sou	eu	quem	o	faz	sorrir	quando	seduzo	um
cavalo	gordo	e	criado	a	feijão,	relinchando	como	se	fosse	uma	potranca.	Tem
vezes	em	que	me	ponho	à	espreita,	no	caneco	de	uma	velha	faladeira,	bem	como
se	fosse	maçã	azeda	e	assada,	e,	quando	do	caneco	ela	vai	beber,	bato-lhe	nos
beiços	e	derrubo-lhe	a	cerveja	nas	nojentas	pelancas	do	pescoço.	Tem	vezes	em
que	a	mais	velha	das	tias,	ao	contar	a	mais	triste	das	histórias,	confunde-me	–
menos	de	metro	de	altura	–	com	um	banquinho	onde	sentar-se;	então	eu	saio	de
debaixo	de	sua	bunda,	ela	se	vai	ao	chão	gritando	“Ai,	meu	traseiro”,	e	tem	um
acesso	de	tosse;	então	todos	ao	seu	redor	levam	as	mãos	à	cintura	e	ficam	se
rindo	e	vão	se	divertindo	e	se	divertindo,	cada	vez	mais,	e	ridicularizam	quem
caiu,	e	chegam	a	jurar	que	ali	nunca	tinham	visto	coisa	tão	engraçada.	Mas,	abre
caminho,	Fada!	Aí	vem	Oberon.
FADA	–	E	aí	vem	também	minha	senhora.	Quisera	eu	que	ele	desaparecesse!
Entra	Oberon,	o	Rei	das	Fadas	e	dos	Duendes,	de	um	lado,	com	seu	Séquito;	e
Titânia,	a	Rainha,	de	outro	lado,	com	o	seu	Séquito.
OBERON	–	Que	encontro	infeliz,	este	nosso	à	luz	do	luar,	minha	orgulhosa
Titânia.
TITÂNIA	–	O	quê?	Oberon,	o	ciumento?	Fadas,	duendes,	embora	daqui.	Desisti
de	com	ele	partilhar	cama	e	companhia.
OBERON	–	Calma	aí,	criatura	teimosa,	volúvel:	não	sou	eu	o	marido	e	senhor	de
tua	pessoa?
TITÂNIA	–	Então	devo	ser	eu	a	esposa	e	senhora;	mas	eu	estou	sabendo	de
quando	tu	fugiste	da	terra	das	fadas	e	duendes	e,	assumindo	a	forma	de	Corino,
ficavas	o	dia	inteiro	recostado,	tocando	avenas	e	versejando	um	amor	a	uma
amorosa	Fílida.	Por	que	estás	aqui,	chegado	que	és	da	porção	mais	longínqua	da
Índia?	A	não	ser	que	seja	porque	–	mas	claro!	–	a	forte	e	saudável	amazona,	tua
amante	de	botas	de	cano	alto,	tua	amada	guerreira	deve	casar-se	com	Teseu,	e	tu
retornas	para	abençoar-lhes	a	cama	com	alegrias	e	prosperidade!
OBERON	–	Faze-me	o	favor,	Titânia!	Como	podes	olhar	assim	enviesado	a	minha
conquista	de	Hipólita,	sabendo	que	sei	de	teu	amor	por	Teseu?	Não	foste	tu
quem	o	conduziu	numa	noite	mal-iluminada	para	longe	de	Perigônia,	a	quem	ele
desonrou?	E	não	o	obrigaste	a	quebrar	as	juras	de	fidelidade	que	tinha	ele	com	a
linda	Egle,	por	causa	de	Ariadne	e	Antíopa?
TITÂNIA	–	Isso	são	invenções	do	ciúme.	E	nunca,	desde	que	estávamos	no	auge
do	verão,	conseguimos	nos	encontrar,	fadas	e	duendes,	para	as	danças	de	roda	ao
sabor	do	vento	sussurrante,	sem	que	viesses,	com	teus	gritos,	perturbar	nossa
diversão	–	fosse	em	colina	ou	vale,	floresta	ou	pradaria;	fosse	perto	de	uma	fonte
forrada	de	seixos	ou	perto	de	um	córrego	ladeado	por	juncos;	fosse	até	mesmo
em	praia	que	margeia	o	oceano!	Por	isso	os	ventos,	ao	silvarem	para	nós	em	vão,
parecem	agora	se	vingar:	sugaram	dos	mares	névoas	contagiosas	que,	ao	caírem
sobre	a	terra,transformaram	até	o	mais	insignificante	dos	rios	em	orgulhoso
curso	de	água,	a	tal	ponto	que	os	rios	subjugaram	seus	continentes.	Assim	foi
que	o	boi	esforçou-se	longas	horas	na	canga,	e	em	vão;	o	lavrador	perdeu	todo	o
seu	suor,	e	o	milho,	ainda	verde	no	pé,	apodreceu	antes	mesmo	de	criar-se	a
barba	da	juventude.	O	curral	permanece	vazio	no	campo	alagado,	e	os	urubus
engordam	com	os	rebanhos	dizimados.	A	grama	cortada	para	ser	quadra	do	jogo
de	nove	pedras	está	coberta	de	lama,	e	os	engenhosos	labirintos	na	luxuriante
vegetação,	por	falta	de	uso,	já	não	se	podem	distinguir.	Os	mortais	humanos
ficaram	sem	seus	festejos	de	inverno,	e	agora	nenhuma	noite	recebe	as	bênçãos
de	um	hino	ou	de	um	cântico.	Por	isso,	pálida	de	raiva,	a	lua,	governante	das
marés,	molha	o	ar	que	se	respira	e	faz	aflorar	em	grande	número	as	corizas	e	as
doenças	reumáticas.	E	ao	longo	desse	tempo	destemperado	vemos	as	estações
alterando-se:	grisalhas	e	gélidas	geadas	caem	no	colo	ainda	quente	da	rosa	mais
vermelha;	nos	cabelos	ralos	e	poucos	e	nevados	daquele	velho	senhor,	o	Inverno,
assenta-se	uma	coroa	perfumada	das	doces	florzinhas	de	verão,	como	se	fosse
zombaria;	a	primavera,	o	verão,	o	outono	fecundo,	o	furioso	inverno,	mudam
seus	trajos	costumeiros;	e	o	mundo,	desnorteado	com	o	que	produz	cada	estação,
sequer	sabe	qual	é	qual.	E	uma	igual	proliferação	de	males	nasce	de	nossas
brigas,	de	nossas	desavenças.	Somos	pais	e	origem	desses	males.
OBERON	–	Então	você	pode	corrigir	isso;	só	depende	de	você.	Por	que	Titânia
desobedeceria	ao	seu	Oberon?	Peço	tão	somente	que	um	certo	menino	trocado
seja	meu	pajem.
TITÂNIA	–	Apazigue	o	seu	coração.	A	terra	das	fadas	e	duendes	não	me	comprará
essa	criança.	Sua	mãe	era	uma	devota	da	ordem	que	me	venera;	e	no	ar
impregnado	de	temperos	da	Índia,	à	noite,	muitas	vezes	esteve	ela	a	conversar
comigo;	e	comigo	sentou-se	nas	amareladas	areias	de	Netuno,	observando	os
navios	mercantes	nas	marés	que	os	traziam	à	praia.	Ríamos	ao	ver	as	velas
concebendo,	suas	enormes	barrigas	a	crescer	com	aqueles	enamorados	ventos,
coisa	que	ela	iria	imitar,	com	o	lindo	gingado	de	um	corpo	que	mais	parecia
deslizar.	Ela	copiou	a	cena,	seu	ventre	então	enriquecido	com	o	meu	jovem
acompanhante,	e	ela	velejava	na	terra,	e	buscava	presentinhos	para	mim,	e
voltava,	como	de	uma	viagem,	trazendo	uma	fortuna	em	mercadorias.	Ela,
porém,	sendo	mortal,	morreu	no	parto,	e	é	por	causa	dela	que	estou	criando	o
menino;	e	é	por	causa	dela	que	dele	não	me	separo.
OBERON	–	Quanto	tempo	você	pretende	permanecer	aqui,	neste	bosque?
TITÂNIA	–	Talvez	até	depois	do	casamento	de	Teseu.	Se	você	quiser	dançar
pacientemente	em	nossa	roda	e	acompanhar	nossas	folias	ao	luar,	venha
conosco.	Se	não,	afaste-se	de	mim,	e	eu	cuidarei	de	evitar	os	seus	lugares
preferidos.
OBERON	–	Dá-me	o	menino,	e	eu	te	acompanharei.
TITÂNIA	–	Nem	mesmo	por	teu	reino	de	fadas	e	duendes.	–	Minhas	fadas,	vamos
embora!	–	Vamos	terminar	brigando	feio	se	eu	ficar	aqui	mais	tempo.
[Saem	Titânia	e	seu	Séquito.]
OBERON	–	Muito	bem,	segue	teu	caminho.	Mas	não	sairás	deste	bosque	até	que
eu	te	atormente	por	esse	insulto.	Meu	gentil	Bute,	vem	cá.	Será	que	te	lembras
daquela	vez	em	que	me	sentei	num	promontório	e	fiquei	escutando	uma	sereia,
que	passeava	no	dorso	de	um	golfinho,	emitindo	um	sopro	melodioso,
harmônico,	doce	de	se	escutar,	e	tão	doce	que	o	mar	bravio	civilizou-se	ante	sua
canção,	e	certas	estrelas	fugiam	enlouquecidas	de	suas	órbitas	para	escutar	a
música	da	donzela	do	mar?
BUTE	–	Eu	me	lembro.
OBERON	–	Naquele	mesmo	momento	enxerguei	(mas	tu	não	podias	enxergar),
voando	entre	a	frígida	lua	e	a	terra,	Cupido,	de	arma	em	punho:	fez	mira,	ele,	na
direção	de	uma	linda	vestal,	coroada	pelo	Ocidente,	e	libertou	desde	seu	arco	a
flecha	do	amor,	com	muita	habilidade	e	energia...	como	se	devesse	trespassar
uma	centena	de	milhares	de	corações.	Contudo,	eu	pude	ver	a	flamejante	flecha
extinguir-se	nos	castos	raios	de	uma	lua	aguada;	e	a	imperial	devota	passou
adiante,	em	virginal	meditação,	livre	de	fantasias	amorosas.	Eu,	porém,	observei
onde	caiu	o	dardo	de	Cupido:	bem	em	cima	de	uma	florzinha	do	Ocidente,	antes
branca	como	o	leite,	agora	púrpura	com	a	ferida	do	amor.	E	as	donzelas	chamam
de	amor-perfeito	àquele	amor	ocioso.	Busca-me	essa	flor,	a	erva	que	uma	vez	te
mostrei.	Basta	deitar	o	sumo	dessa	florzinha	nas	pálpebras	adormecidas	de	um
homem	ou	de	uma	mulher,	e	ele	ou	ela	sentirá	uma	paixão	enlouquecida	pela
primeira	criatura	viva	que	lhe	aparecer	na	frente.	Busca-me	essa	erva,	e	trata	de
voltar	antes	que	o	leviatã	possa	nadar	uma	légua.
BUTE	–	Em	quarenta	minutos	ponho	uma	cinta	em	volta	da	terra.
OBERON	–	Uma	vez	de	posse	desse	sumo,	vigiarei	Titânia	quando	ela	tiver
adormecido,	e	pingarei	a	solução	em	seus	olhos.	A	primeira	coisa	que	ela
enxergar	depois	de	ter	se	acordado	(seja	leão,	urso,	ou	lobo,	ou	touro,	um
macaco	intrometido	ou	qualquer	símio	arteiro),	ela	perseguirá	com	a	alma
apaixonada.	E,	antes	de	eu	retirar	esse	feitiço	de	sua	visão	(pois	eu	posso	retirá-
lo	com	uma	outra	erva),	farei	com	que	ela	me	entregue	o	seu	pajem.	Mas...	quem
vem	lá?	Eu	estou	invisível.	E	ficarei	escutando	o	que	conversam.
Entra	Demétrio,	com	Helena	seguindo-o.
DEMÉTRIO	–	Eu	não	te	amo;	portanto,	peço-te:	não	me	persigas.	Onde	andará
Lisandro?	E	a	formosa	Hérmia?	Quanto	a	ele,	eu	o	matarei.	E,	quanto	a	ela,	ela
está	me	matando.	Tu	me	disseste	que	eles	fugiram	para	este	bosque,	e	cá	estou,
em	meio	às	pedras	deste	bosque,	eu,	doido	de	pedra,	porque	não	consigo
encontrar	minha	Hérmia.	Vai-te	embora,	some	daqui,	e	não	me	persigas	mais.
HELENA	–	Você	me	atrai,	como	se	fosse	um	ímã,	um	pedaço	frio	de	ferro,	duro
como	o	seu	coração.	E,	contudo,	você	é	ímã	que	não	atrai	ferro,	pois	meu
coração	é	confiável	como	o	aço.	Dispa-se	você	de	sua	força	magnetizante,	e	eu
já	não	terei	forças	para	segui-lo.
DEMÉTRIO	–	Por	um	acaso	eu	tento	seduzi-la?	Digo-lhe	palavras	amorosas?	Ou
não	será	que,	ao	contrário,	com	toda	a	franqueza,	eu	lhe	digo	que	não	a	amo,
nem	poderia	amá-la?
HELENA	–	E	é	exatamente	por	isso	que	mais	o	amo.	Sou	o	seu	cachorrinho;	e,
Demétrio,	quanto	mais	você	judiar	de	mim,	mais	abano	o	rabinho	para	você.
Você	pode	me	usar	como	se	eu	fosse	o	seu	cachorro:	pode	me	chutar,	pode	me
bater,	esquecer	de	mim,	pode	até	me	perder.	Mas	eu	lhe	peço	licença,	indigna
que	sou,	de	segui-lo.	Que	lugar	mais	pior	posso	pedir?	E,	mesmo	assim,	a	meu
ver,	um	lugar	respeitável:	ser	usada	tal	qual	você	usa	o	seu	cachorro.
DEMÉTRIO	–	Não	ofereças	tamanha	tentação	ao	ódio	em	meu	espírito.	Olhar	tua
pessoa	causa-me	náusea.
HELENA	–	E	náusea	sinto	eu	quando	não	te	enxergo.
DEMÉTRIO	–	Você	compromete	por	demais	o	seu	recato	ao	deixar	a	cidade	e
entregar-se	nas	mãos	de	alguém	que	não	a	ama,	ao	confiar	na	oportunidade	da
noite	e	nos	maus	conselhos	de	um	lugar	deserto,	com	o	rico	valor	de	sua
virgindade.
HELENA	–	Sua	virtude	é	minha	proteção,	pois,	quando	vejo	o	seu	rosto,	não	é
noite	e,	assim	sendo,	penso	que	não	saí	à	noite.	Tampouco	este	bosque	carece	de
mundos	de	companhia,	pois	você,	aos	meus	olhos,	é	o	mundo	todo.	Então,	como
pode-se	dizer	que	estou	sozinha	se	o	mundo	todo	está	aqui,	olhando	para	mim?
DEMÉTRIO	–	Fugirei	de	ti,	e	vou	me	esconder	no	meio	do	verde,	e	vou	deixá-la	à
mercê	de	feras	selvagens.
HELENA	–	Nem	a	mais	selvagem	das	feras	tem	um	coração	como	o	seu.	Fuja
quando	bem	entender.	A	história	não	mais	será	a	mesma.	Apolo	foge,	e	Dafne
mantém-se	no	seu	encalço.	A	pomba	persegue	o	grifo,	a	suave	corça	faz-se	veloz
para	alcançar	o	tigre	–	velocidade	vã,	quando	é	o	covarde	quem	persegue	e	o
valoroso	quem	foge!
DEMÉTRIO	–	Não	ficarei	para	ouvir	teus	argumentos.	Deixa-me	ir,	e,	se	me
seguires,	podes	acreditar	que	vou	fazer	mal	a	ti,	aqui	neste	bosque.
HELENA	–	Sim,	no	templo,	na	cidade,	no	campo,	faça	mal	a	esta	donzela.	Que
vergonha,	Demétrio!	Seus	maus-tratos	fazem-me	ser	escandalosa,	eu,	tão
feminina!	Nós,	mulheres,	não	podemos	lutar	por	um	amor,	como	os	homens
podem;	nós	devemos	ser	cortejadas,	e	não	fomos	feitas	para	cortejar.
[Sai	Demétrio.]
Eu	teseguirei,	e	transformarei	inferno	em	paraíso,	morrendo	junto	às	mãos	que
tanto	amo.
[Sai.]
OBERON	–	Passar	bem,	minha	ninfa.	Antes	que	ele	possa	sair	deste	arvoredo,	tu
estarás	fugindo	dele,	e	ele	buscará	o	teu	amor.
Entra	Bute.
Trazes	aí	contigo	a	flor	encomendada?	Bem-vindo	sejas,	viajante.
BUTE	–	Sim,	trago-a	comigo.
OBERON	–	Peço-te,	entrega-me	a	flor.	Conheço	uma	ribanceira	onde	floresce	o
tomilho	selvagem,	onde	crescem	a	primavera-dos-jardins	e	a	vacilante	violeta,
cobertas	pelo	dossel	luxuriante	de	uma	videira	virgem,	com	adocicadas	rosas,	e
com	madressilvas	dos	bosques.	Ali	dorme	Titânia	em	certas	horas	da	noite;	ali
embalam-na,	nessas	flores,	com	danças	e	deleites.	E	ali	a	cobra	troca	sua	pele
esmaltada,	um	traje	de	bom	tamanho	para	com	ele	cobrir-se	uma	fada.	E	com	o
sumo	disto	aqui	poluirei	seus	olhos,	fazendo	dela	criatura	cheia	de	odiosas
fantasias.	Pega	tu	um	pouco	disto,	e	procura	neste	mesmo	bosque	uma	doce
dama	ateniense,	apaixonada	por	um	jovem	desdenhoso.	Unge	os	olhos	dele.	Mas
cuide	para	fazer	isso	quando	a	próxima	coisa	que	ele	aviste	possa	ser	a	dama.
Reconhecerás	o	homem	por	suas	vestimentas	atenienses.	Cumpre	tua	missão
com	cuidado,	de	modo	que	ele	se	mostre	mais	afeiçoado	a	ela	do	que	ela	ao	seu
amado.	E	vê	que	me	encontres	aqui	antes	de	cantar	o	primeiro	galo.
BUTE	–	Fique	tranquilo,	meu	senhor,	pois	assim	procederá	este	seu	criado.
[Saem.]
CENA	II
Em	outro	ponto	do	bosque.
Entra	Titânia,	Rainha	das	Fadas	e	dos	Duendes,	com	seu	Séquito.
TITÂNIA	–	Vamos	lá,	agora	uma	dança	de	roda	e	uma	canção	de	fadas;	depois,	na
última	terceira	parte	de	um	minuto,	todos	embora	daqui.	Alguns,	para	matar
lagartas	nas	rosas	em	botão;	outros	vão	guerrear	com	os	morcegos	por	suas	asas
feitas	de	couro,	para	delas	fazer	os	meus	casaquinhos	de	elfos;	e	outros	ainda
devem	manter	afastada	a	coruja	gritalhona,	que	toda	noite	pia,	admirada	com
nossos	espíritos	tão	delicados,	tão	deliciosos.	Cantem	agora,	para	que	eu	possa
adormecer.	Depois,	ao	trabalho,	e	deixem-me	repousar.
As	Fadas	e	os	Duendes	cantam.
PRIMEIRA	FADA	–	Cobras	de	couro	manchado,	língua	bifurcada,	E	também	você,
porco-espinho,	não	façam	nada.
Salamandras,	cobras-de-vidro:	bem	comportadas!
Ninguém	chegue	perto	de	nossa	rainha	das	fadas.
CORO	–
Filomel,	rouxinol	a	cantar,
Pura	melodia	vais	entoar:
Uma	doce	canção	de	ninar.
Nina,	nina,	ninar;	nina,	nina,	ninar.
Nenhum	mal,	nem	feitiço	ou	encanto
Chegue	perto	desta	dama	por	enquanto.
A	ela	nós	estamos	ninando;
Boa	noite;	nós	a	estamos	ninando.
PRIMEIRA	FADA	–	Aranhas	tecelãs,	não	venham	cá;
Fiandeiras	de	longas	pernas,	fiquem	por	lá!
Negros	besouros,	nem	cheguem	perto;
Minhocas,	lesmas,	ficar	longe	é	o	certo.
CORO	–
Filomel,	rouxinol	a	cantar	etc.
[Titânia	adormece.]
SEGUNDA	FADA	–	Xô,	embora	daqui!	Agora	está	tudo	bem.	Um	de	vocês	fica	de
sentinela,	à	distância.
[Saem	as	Fadas	e	os	Duendes.]
[Entra	Oberon	(e	espreme	o	sumo	nas	pálpebras	de	Titânia).]
OBERON	–	O	que	tu	vires	quando	acordares,	toma	por	teu	verdadeiro	amor.	Ama-
o	e,	por	ele,	fica	lânguida.	Seja	ele	um	lince,	um	gato	ou	mesmo	um	urso.
Leopardo	ou	javali	de	pelo	eriçado	que	te	apareça	ante	os	olhos	quando	tu
acordares,	este	será	o	teu	querido.	Acorda-te	quando	aproximar-se	uma	coisa
assim	repulsiva.
[Sai.]
Entram	Lisandro	e	Hérmia.
LISANDRO	–	Lindo	amor	meu,	você	está	abatida	com	este	passeio	no	bosque,	e,
para	falar	a	verdade,	esqueci	o	caminho	de	volta.	Vamos	descansar,	Hérmia,	se
você	achar	boa	ideia,	e	esperaremos	pelo	conforto	do	clarear	do	dia.
HÉRMIA	–	Que	assim	seja,	Lisandro.	Procure	por	uma	cama,	pois	eu,	sobre	este
montinho,	repousarei	a	cabeça.
LISANDRO	–	Um	morrinho	de	grama	poderá	servir	de	travesseiro	para	nós	dois.
Um	sentimento,	uma	cama,	dois	corações	e	uma	promessa	de	casamento.
HÉRMIA	–	Não,	meu	bom	Lisandro.	Faça	isto	por	mim,	meu	querido:	deite-se	por
enquanto	mais	longe;	não	venha	deitar-se	tão	perto.
LISANDRO	–	Ah,	veja	o	real	sentido,	minha	querida,	de	minha	inocência!	O	amor
só	tem	significado	na	conversação	amorosa.	Eu	quero	dizer	que	meu	sentimento
está	costurado	ao	seu,	tanto	que	o	nosso	é	um	sentimento	só;	dois	corações
acorrentados	por	um	juramento,	de	tal	maneira	que	são	dois	corações	e	uma	só
promessa	de	casamento.	Então,	não	me	recuse	um	lugar	na	cama	ao	seu	lado.
Quero	dormir,	e	não	mentir,	Hérmia.
HÉRMIA	–	Lisandro	joga	muito	bem	com	as	palavras.	Agora,	se	Hérmia	quis
dizer	que	Lisandro	havia	mentido,	maldigo	meus	modos	e	meu	orgulho!	Mas,
meu	gentil	amigo,	por	amor	e	por	cortesia,	deite-se	mais	adiante,	com	toda	a
modéstia	humana.	Essa	separação,	se	podemos	assim	chamá-la,	convém	a	um
virtuoso	homem	solteiro	e	uma	donzela.	Portanto,	mantenha	uma	pequena
distância,	e	boa	noite,	doce	amigo.	Que	o	teu	amor	nunca	se	modifique	antes	de
terminada	tua	doce	vida!
LISANDRO	–	Amém,	amém,	a	essa	linda	oração	que	me	dizes;	e	que	se	termine
minha	vida	se	eu	terminar	com	a	fidelidade!	Esta	aqui	é	minha	cama;	que	o	sono
traga	a	ti	todo	o	seu	repouso.
HÉRMIA	–	Com	o	mesmo	desejo,	desejo	que	os	olhos	de	quem	desejou	fechem-se
com	a	chegada	do	sono.
[Eles	adormecem.]
Entra	Bute.
BUTE	–
Pela	floresta	andei	e	andei	e	andei	e
Sinto	dizer,	nenhum	ateniense	encontrei
Nos	olhos	de	quem	pudesse	pingar
Esta	flor	com	poder	de	fazer	amar.
É	noite,	e	é	silêncio	–	quem	está	cá?
Roupas	de	ateniense	está	ele	a	trajar.
Esse	é	ele,	como	meu	mestre	disse,
O	que	desprezou	a	bela	virgem;
E,	aqui,	em	sono	profundo,	a	donzela,
Num	montinho	úmido	e	sujo	de	terra.
Bonita	alma,	ela	não	se	atreve	a	deitar
Com	esse	grosseirão	que	não	sabe	amar.
Seu	bruto,	em	teus	olhos	agora	pingo
Toda	a	força	que	trago	neste	feitiço.
Quando	acordares,	perderás	o	sono:
Por	causa	do	amor,	não	pregarás	o	olho.
Acorda,	criatura,	quando	eu	me	for;
Devo	agora	voltar	ao	meu	senhor.
Entram	Demétrio	e	Helena,	correndo.
HELENA	–	Fica,	embora	tu	estejas	me	matando,	meu	doce	Demétrio!
DEMÉTRIO	–	Ordeno-te:	fora	daqui,	e	chega	de	ficar	assim	à	minha	volta.
HELENA	–	Ah,	vais	me	deixar	no	escuro?	Não	faças	isso.
DEMÉTRIO	–	Fica,	por	tua	conta	e	risco.	Eu	me	vou,	e	sozinho.
[Sai.]
HELENA	–	Ah,	que	já	me	falta	o	ar,	nesta	ridícula	caçada	amorosa!	Quanto
maiores	as	minhas	orações,	com	menos	fineza	me	tratam.	Feliz	é	Hérmia,	onde
quer	que	esteja,	pois	tem	olhos	atraentes	e	abençoados.	Como	foi	que	se	puseram
tão	brilhantes	aqueles	olhos?	Por	certo	que	não	foi	com	lágrimas	salgadas.	Fosse
isso...	meus	olhos	são	muito	mais	vezes	lavados	que	os	dela.	Não,	não;	eu	é	que
sou	feia	como	um	urso,	pois	as	feras	que	me	encontram	fogem	de	medo	de	mim.
Portanto,	não	admira	que	Demétrio	também	fuja	de	minha	presença,	como	se
fosse	eu	um	monstro.	Qual	foi	o	espelho	hipócrita,	perverso,	que	me	deixou
comparar	meus	olhos	aos	de	Hérmia?	Mas	quem	está	aqui?	Lisandro,	deitado	no
chão?	Morto,	ou	dormindo?	Não	vejo	sangue,	nem	ferimento.	Lisandro,	se	está
vivo,	meu	bom	senhor,	acorde!
LISANDRO	[acordando]	–	E	por	ti	atravessarei	labaredas	de	fogo,	doce	criatura!
Gloriosa,	transparente	Helena!	A	Natureza	mostra-se	mágica,	e	consigo	enxergar
teu	coração	através	de	teu	peito.	Onde	está	Demétrio?	Ah,	que	palavra	adequada,
esse	vil	nome,	para	morrer	sob	minha	espada!
HELENA	–	Não	diga	isso,	Lisandro,	não	diga	uma	coisa	dessas.	E	daí,	que	ele
ama	a	mesma	Hérmia	que	o	senhor	também	ama?	E	daí,	senhor?	E,	no	entanto,
Hérmia	ainda	lhe	ama;	assim,	dê-se	por	contente.
LISANDRO	–	Contente	com	Hérmia?	Não.	Eu	me	arrependo	dos	minutos
entediantes	que	passei	com	ela.	Não	Hérmia,	mas	Helena	é	minha	amada.	Quem
não	trocaria	um	corvo	por	uma	pombinha?	A	vontade	de	um	homem	muda	de
sentido	conforme	a	razão,	e	a	razão	me	diz	que	você	é	a	donzela	mais	valorosa.
Enquanto	ainda	em	crescimento,	coisa	nenhuma	está	madura	até	chegar	sua
hora.	Eu,	sendo	jovem,	até	este	momento	não	havia	amadurecido	o	meu
raciocínio.	Alcançando	agora	o	ápice	do	discernimento	humano,	a	razão	torna-se
mestre	de	cerimônias	para	meu	desejo,	conduz-me	até	seus	olhos,	onde	posso	ler
verdadeiras	histórias	de	amor,	escritas	nas	mais	preciosas	páginas	de	amor.
HELENA	–	Porque	fui	nascer?	Para	essa	cruel	zombaria?	Quando	foi	que	fiz	por
merecer	um	tal	escárnio	de	sua	boca?	Não	basta,	será	que	não	basta,	jovem
senhor,	jamais	ter	merecido	eu,	nunca	ter	merecido	eu,	e	saber	que	nunca
merecerei,	um	olhar	mais	doce	dos	olhos	de	Demétrio,	e	ainda	vem	o	senhor	me
fazer	desfeita	de	minha	deficiência?	Deveras,	você	me	faz	grande	injustiça	–
para	dizer	a	verdade,	enorme	injustiça	–,	cortejando-me	de	modo	tão
desdenhoso.	Mas,	passe	bem.	Devo	confessar-lhe,	todavia,	que	o	imaginava
senhor	de	uma	genuína	gentileza.	Mas	–	ah!	–,	uma	dama	por	um	homem
rejeitada	ser	por	outro	homem	abusada...!
[Sai.]
LISANDRO	–	Ela	não	viu	Hérmia.	Hérmia,	fica	aí,	dormindo,	e	que	nunca	mais
chegues	perto	de	Lisandro!	Pois,	assim	como	o	estômago	detesta	profundamente
haver	se	nauseado	porque	empanturrou-se	de	doces,	e	assim	como	os	homens
que	mais	detestam	as	falsas	crenças	são	os	que	tiveram	de	abandoná-las	porque
nelas	acreditavam,	do	mesmo	modo	eu,	dentre	todos	os	que	te	odeiam,	sou	quem
mais	te	odeia,	a	ti,	minha	náusea	e	minha	heresia!	Que	todas	as	minhas	forças
levem	o	meu	amor	e	o	meu	vigor	para	homenagear	Helena,	e	que	seja	eu	o	seu
cavaleiro!
HÉRMIA	[levantando-se,	sobressaltada]	–	Ajuda-me,	Lisandro,	socorro!	Faze	o
teu	melhor	para	arrancar	esta	serpente	rastejante	de	meu	peito!	Ai,	tem	pena	de
mim!	Que	sonho	eu	tive!	Lisandro,	vê	como	estou	tremendo	de	medo.	A	mim	me
parecia	que	uma	serpente	botava-se	a	devorar	meu	coração,	e	você...	ficava
sentado,	sorrindo	desse	terrível	ato	predatório.	Lisandro!	Mas,	como?	Está
longe?	Lisandro!	Meu	senhor!	Mas,	como?	Não	me	ouve?	Foi-se	embora?
Nenhum	som,	nenhuma	palavra?	Meu	Deus,	onde	está	você?	Fale,	se	está	me
ouvindo.	Fale,	em	nome	de	todos	os	amores	verdadeiros!	Quase	desfaleço	de
susto.	Nada?	Então	agora	entendo	que	você	não	está	perto	de	mim.	Um	dos	dois
encontrarei	sem	mais	demora:	ou	você,	ou	a	morte.
[Sai.]
Titânia	continua	deitada,	dormindo.
TERCEIRO	ATO	CENA	I
No	bosque;	Titânia	ainda	deitada,	dormindo.
Entram	Cunha,	Fundilho,	Justinho,	Flauta,	Chaleira	e	Famélico.
FUNDILHO	–	Estamos	todos	reunidos?
CUNHA	–	Pontualmente;	e	aqui	temos	um	local	conveniente,	maravilhoso,	para	o
nosso	ensaio.	Esta	nesga	de	grama	será	nosso	palco,	estes	espinheiros,	nossos
bastidores.	E	vamos	ensaiar	não	só	as	falas,	mas	também	os	gestos	e
movimentos,	como	faremos	diante	do	Duque.
FUNDILHO	–	Pedro	Cunha!
CUNHA	–	O	que	tens	a	dizer,	caro	amigo?
FUNDILHO	–	Tem	coisas	nesta	comédia	de	Píramo	e	Tisbe	que	não	vão	agradar.
Primeiro,	Píramo	tem	de	sacar	da	espada	para	se	matar,	coisa	que	as	damas	não
suportam.	Como	você	responde	a	isso?
CHALEIRA	–	Por	Nossa	Senhora,	é	um	tremendo	susto.
FAMÉLICO	–	Penso	que	devemos	deixar	essa	morte	de	fora	quando	tudo	for
representado.
FUNDILHO	–	De	modo	algum.	Sei	de	um	truque	para	deixar	tudo	bem.	Que	se
escreva	um	prólogo,	e	deixe-se	que	o	prólogo	dê	a	impressão	de	dizer	que	não
estaremos	ferindo	com	nossas	espadas,	e	que	Píramo	na	verdade	não	morre.	E,
para	ficarmos	ainda	mais	seguros,	que	se	lhes	diga	que	eu,	Píramo,	não	sou
Píramo,	mas	sim	Fundilho,	o	tecelão.	Isso	deixará	todos	livres	de	sustos.
CUNHA	–	Bem,	teremos	então	um	tal	prólogo;	e	ele	será	escrito	em	versos
alternados	de	oito	e	seis	sílabas,	como	uma	balada.
CHALEIRA	–	Não	ficarão	as	damas	com	medo	do	leão?
FAMÉLICO	–	Eu	tenho	medo	dele,	isso	eu	lhes	garanto.
FUNDILHO	–	Mestres,	vocês	têm	de	levar	em	conta	o	seguinte:	trazer	(Deus	que
nos	proteja!)	um	leão	para	o	meio	das	damas	é	coisa	das	mais	pavorosas,	pois
não	há	grifo	mais	assustador,	selvagem	e	fabuloso	que	o	seu	leão	vivo.	E	temos
de	examinar	a	questão.
CHALEIRA	–	Assim	sendo,	um	outro	prólogo	deve	dizer	que	ele	não	é	um	leão.
FUNDILHO	–	Não:	vocês	devem	chamá-lo	pelo	seu	nome,	e	metade	de	sua	cara
deve	ficar	à	vista	através	do	pescoço	do	leão.	E	ele	mesmo	deve	falar	pela
abertura,	dizendo	o	seguinte	–	ou	algo	parecido,	mas	com	o	mesmo	defeito:
“Senhoras”,	ou	“Formosas	senhoras,	eu	gostaria	que	as	senhoras...”,	ou	“Eu
pediria	às	senhoras...”,	ou	“Eu	suplico	às	senhoras	que	não	se	assustem,	que	não
estremeçam	de	medo.	Minha	vida	em	troca	de	suas	vidas!	Se	as	senhoras	pensam
que	aqui	estou	como	um	leão,	as	senhoras	teriam	que	sentir	pena	por	minha	vida.
Não,	eu	não	sou	tal	criatura;	sou	um	homem,	como	outros	homens	o	são”.	E	ali	e
então,	deveras,	deixem-no	chamar-se	pelo	seu	nome	e	dizer	francamente	às
senhoras	que	ele	é	Justinho,	o	marceneiro.
CUNHA	–	Bem,	assim	será.	Mas	há	duas	questões	difíceis,	ou	seja,	trazer	o	luar
para	dentro	do	aposento,	pois,	como	vocês	sabem,	Píramo	e	Tisbe	encontram-se
à	luz	do	luar.
CHALEIRA	–	Não	estará	a	lua	brilhando	na	noite	em	que	encenamos	nossa	peça?
FUNDILHO	–	Um	calendário!	Um	calendário!	Olhem	no	almanaque;	procurem	lua
cheia,	procurem	lua	cheia!
CUNHA	–	Sim,	é	lua	cheia	nessa	noite.
FUNDILHO	–	Ora,	então	vocês	podem	deixar	aberta	uma	folha	da	janela	do	grande
aposento	onde	encenamos;	e	a	luz	do	luar	pode	entrar	pela	abertura.
CUNHA	–	Sim,	ou	então	um	de	nós	deve	entrar	em	cena	com	um	espinheiro	e
uma	lanterna	e	dizer	que	chega	para	desfigurar	ou	representar	a	pessoa	da	Lua
Cheia.	Depois	tem	outra	coisa:	precisamos	ter	um	muro	no	grande	aposento,	pois
Píramo	e	Tisbe,	assim	diz	a	história,	falavam	um	com	o	outro	por	uma	rachadura
no	muro.
CHALEIRA	–	Você	jamais	poderá	trazer	um	muro	para	dentro	da	cena.	O	que	é
que	você	diz,	Fundilho?
FUNDILHO	–	Um	homem	vai	ter	de	representar	Muro.	E	que	se	deixe	ele	ter	um
pouco	de	gesso,	ou	greda,	ou	argamassa	por	cima,	para	significar	muro;	e	que	se
deixe	ele	mostrar	os	dedos	assim,	e,	através	dessa	fenda,	Píramo	e	Tisbe	vão
sussurrar	um	ao	outro.
CUNHA	–	Se	pode	ser	assim,	então	está	tudo	bem.	Venham	sentar-se,	vocês,	filhos
de	suas	mães,	e	que	cada	um	ensaie	a	sua	parte.	Píramo,	você	começa.	Quando
tiver	terminado	a	sua	fala,	entre	naquele	espinheiro;	e	assim	por	diante,	cada	um
de	acordo	com	sua	deixa.
Entra	Bute	[atrás].
BUTE	–	Que	caipiras	temos	aqui,	fanfarreando-se	nuns	trajos	grosseiros	de
cânhamo,	e	tão	perto	do	berço	da	Rainha	das	Fadas?	Mas,	o	quê?	Uma	peça
sendo	ensaiada?	Serei	ouvinte;	e,	talvez,	um	ator	também,	se	eu	achar
necessário.
CUNHA	–	Fale,	Píramo;	Tisbe,	venha	para	a	frente.
FUNDILHO	–	As	doces	flores,	Tisbe,	de	sabores	amoráticos...
CUNHA	–	“Aromáticos!”,	“aromáticos!”
FUNDILHO	–	...	de	sabores	aromáticos;	Têm	o	mesmo	perfume,	Tisbe,	de	teu	doce
hálito,	Minha	amada	Tisbe	querida.
Mas,	escuta,	uma	voz!	Fica	aqui,	E	num	instante	eu	volto	para	ti.
BUTE	–	Jamais	aqui,	jamais	antes,	encenou-se	um	Píramo	tão	estranho!
FLAUTA	–	Preciso	eu	falar	agora?
CUNHA	–	Sim,	pela	Virgem	Maria,	você	precisa.	Você	precisa	entender	que	ele
vai	verificar	um	barulho	que	ouviu	e	deve	retornar	logo.
FLAUTA	–	Alvo	como	um	branco	lírio	é	o	radiante	e	belo	Píramo,	Um	jovem
muito	adorável,	um	Juvenal	tão	vívido,	Corado	igual	rubra	rosa	de	triunfante
urze	branca,	Como	cavalo	correto	e	leal	que	não	se	cansa;	Contigo	encontrarei,
Píramo,	no	túmulo	de	meninos.
CUNHA	–	“Túmulo	de	Ninus”,	homem!	Mas,	ora,	você	não	deve	falar	isso	agora;
essa	é	a	sua	resposta	a	Píramo.	Você	está	falando	toda	a	sua	parte	de	uma	vez	só,
deixas	e	tudo!	–	Píramo,	entre!	Sua	deixa	já	passou;	é	“que	não	se	cansa”.
FLAUTA	–	Ah...	Como	cavalo	correto	e	leal	que	não	se	cansa.
Entra	Fundilho,	com	a	cabeça	de	um	burro	[e	entra	Bute	também].
FUNDILHO	–	Fosse	eu	adorável,	linda	Tisbe,	e	seria	teu	somente.
CUNHA	–	Oh,	monstruoso!	Oh,	esquisito!	Há	espíritos	perseguindo-nos!	Façam
suas	orações,	mestres!	Fujam,	mestres!	Socorro!
Saem	Cunha,	Justinho,	Flauta,	Chaleira	e	Famélico.
BUTE	–	Eu	acompanho	vocês.	Mostrarei	o	caminho,	e	vocês	andarão	em
círculos!	Por	brejos	e	arbustos,	por	moitas	e	sarças,	por	vezes	serei	um	cavalo,
por	vezes	um	cão	de	caça.	Um	porco	capado,	um	urso	sem	cabeça,	por	vezes
uma	labareda.	E	relincharei,	e	latirei,	e	grunhirei,	e	bramirei,	e	brilharei,	como
cavalo,	cão	e	porco,	como	urso	e	fátuo-fogo,	um	de	cada	vez,	cada	um	um
pouco.
[Sai.]
FUNDILHO	–	Por	que	estão	fugindo?	Isso	é	alguma	trapaçadeles,	tramada	entre
eles	para	que	eu	me	assuste.
Entra	Chaleira.
CHALEIRA	–	Ah,	Fundilho,	como	mudaste!	O	que	é	isso	que	vejo	em	ti?
FUNDILHO	–	O	que	vês	em	mim?	Vês	tua	própria	cabeça	de	asno,	não	é?
[Sai	Chaleira.]
Entra	Cunha.
CUNHA	–	Deus	te	abençoe,	Fundilho,	Deus	te	abençoe!	Estás	transformado.
FUNDILHO	–	Estou	entendendo	a	trapaça	deles:	isso	é	para	me	fazer	de	besta,	para
me	dar	um	susto,	como	se	eles	pudessem.	Mas	não	vou	me	mexer	daqui,	e	daqui
não	saio,	façam	eles	o	que	fizerem.	Vou	caminhar	de	lá	para	cá,	aqui	mesmo,	e
vou	cantar,	para	que	eles	escutem	que	não	tenho	medo.
[Canta.]
O	melro,	de	cor	tão	negra,	De	bico	amarelo-queimado,	A	carriça,	que	pia	tão
agudo,	O	tordo,	que	pia	tão	afinado...
[A	cantoria	acorda	Titânia.]
TITÂNIA	–	Que	anjo	vem	me	acordar,	tirando-me	de	minha	cama	florida?
FUNDILHO	[canta]	–	O	tentilhão,	o	pardal,	a	cotovia,	O	cuco,	de	simples	melodia,
Esses	todos	cantam	de	tudo,	E	o	homem	não	passa	de	um	chifrudo...
pois,	deveras,	que	homem	de	cabeça	no	lugar	–	e	sem	enfeites	na	cabeça	–
perderia	tempo	para	ficar	ouvindo	esses	bobos	desses	passarinhos?
TITÂNIA	–	Suplico-te,	gentil	mortal,	canta	de	novo.	Meu	ouvido	enamorou-se	de
tua	voz;	também	meu	olho	encantou-se	com	tua	forma;	e	a	força	de	tuas	belas
virtudes	por	força	me	leva,	à	primeira	vista,	dizer,	jurar,	que	te	amo.
FUNDILHO	–	Parece-me,	senhorita,	que	você	não	tem	nenhuma	razão	para	tanto.
E,	no	entanto,	para	falar	a	verdade,	amor	e	razão	não	andam	juntos	nesses
tempos	de	agora.	Dá-me	muita	pena	ver	que	alguns	honestos	vizinhos	recusam-
se	a	torná-los	amigos.	E	não	é	que	eu	posso	ser	sagaz	de	vez	em	quando?
TITÂNIA	–	És	tão	sábio	quanto	és	formoso.
FUNDILHO	–	Nem	um,	nem	outro.	Mas,	se	eu	fosse	esperto	o	suficiente	para	sair
deste	bosque,	essa	esperteza	seria	o	suficiente	para	mim.
TITÂNIA	–	Não	queiras	sair	deste	bosque.	Tu	deves	aqui	permanecer,	seja	esse	o
teu	desejo	ou	não.	Sou	um	espírito	de	incomparável	valor.	O	verão	encarrega-se
de	sempre	servir	o	meu	país.	E	eu	te	amo;	portanto,	vem	comigo.	Eu	te
presentearei	com	fadas	e	duendes,	para	que	eles	te	sirvam;	e	eles	buscarão	para	ti
joias	do	fundo	dos	mares;	e	para	ti	cantarão,	enquanto	dormes	sobre	um	leito	de
flores.	E	eu	expurgarei	de	ti	tua	mortal	materialidade,	de	modo	que	andarás
como	um	espírito,	etéreo.	Flor	de	Ervilha!	Teia	de	Aranha!	Mariposinha!	E
Semente	de	Mostarda!
Entram	quatro	Duendes:	Flor	de	Ervilha,	Teia	de	Aranha,	Mariposinha	e
Semente	de	Mostarda.
FLOR	DE	ERVILHA	–	A	postos.
TEIA	DE	ARANHA	–	Eu	também.
MARIPOSINHA	–	Eu	também.
SEMENTE	DE	MOSTARDA	–	Eu	também.
TODOS	–	Aonde	devemos	ir?
TITÂNIA	–	Sejam	gentis	e	corteses	com	esse	cavalheiro:	vão	saltitando	ao	redor
dele	em	suas	caminhadas,	e	pulem	de	alegria	diante	de	seus	olhos.	Alimentem-
no	com	damascos,	e	amoras-pretas,	com	uvas	rosadas,	e	figos	verdes,	e	amoras-
vermelhas.	Aliviem	os	zangões	de	seu	carregamento	de	mel,	e	de	suas	patas
raspem	toda	a	cera	para	que	se	ilumine	a	noite	com	velas,	e	acendam	as	velas	na
luz	faiscante	dos	vaga-lumes,	para	assim	levar	o	meu	amor	à	cama,	e	para	assim
despertá-lo.	E	arranquem	as	asas	das	borboletas	multicoloridas	para	com	elas
abanar	os	olhos	sonolentos	do	meu	amor,	deles	afastando	os	raios	de	luar.
Saúdem-no	com	gestos	de	cabeça,	elfos,	e	façam-lhe	reverências.
FLOR	DE	ERVILHA	–	Salve,	mortal!
TEIA	DE	ARANHA	–	Salve!
MARIPOSINHA	–	Salve!
SEMENTE	DE	MOSTARDA	–	Salve!
FUNDILHO	–	Peço	perdão	a	Vossas	Senhorias,	do	fundo	do	meu	coração.	Suplico:
qual	o	nome	de	Vossa	Senhoria?
TEIA	DE	ARANHA	–	Teia	de	Aranha.
FUNDILHO	–	Muito	honrado	fico	eu	em	conhecê-lo,	meu	bom	Mestre	Teia	de
Aranha.	Se	eu	cortar	meu	dedo,	tratarei	de	usá-lo	em	meu	ferimento.	Seu	nome,
respeitável	cavalheiro?
FLOR	DE	ERVILHA	–	Flor	de	Ervilha.
FUNDILHO	–	Imploro-lhe,	mande	minhas	lembranças	à	Senhora	Vagem,	sua	mãe,
e	ao	Senhor	Legume,	seu	pai.	Meu	bom	mestre	Flor	de	Ervilha,	muito	honrado
fico	eu	em	conhecê-lo	também.	Seu	nome,	peço-lhe	que	me	diga,	senhor.
SEMENTE	DE	MOSTARDA	–	Semente	de	Mostarda.
FUNDILHO	–	Meu	bom	mestre	Semente	de	Mostarda,	bem	lhe	conheço	por	sua
paciência.	Aquele	covarde	que	mais	parece	um	gigante,	o	bife	da	carne	do	boi,
tem	devorado	muitos	cavalheiros	de	sua	família.	Asseguro-lhe	o	seguinte:	seus
parentes	muito	fizeram	lacrimejar	meus	olhos	até	hoje.	Muito	honrado	em
conhecê-lo,	meu	bom	mestre	Semente	de	Mostarda.
TITÂNIA	–	Vamos	lá,	sirvam	o	cavalheiro.	Levem-no	até	o	meu	caramanchão.	A
lua,	parece-me,	exibe	um	olhar	lacrimejante	e,	quando	ela	chora,	choram	todas
as	florezinhas,	lamentando-se	por	alguma	castidade	violentada.	Amarrem	a
língua	do	meu	amor,	tragam-no	em	silêncio.
[Saem.]
CENA	II
Em	outra	parte	do	bosque.
Entra	Oberon,	Rei	das	Fadas	e	dos	Duendes.
OBERON	–	Será	que	Titânia	já	acordou?	Se	já	acordou,	o	que	for	que	primeiro	ela
viu	deve	ser	o	alvo	de	sua	paixão	desmesurada.
Entra	Bute.
Aí	vem	o	meu	mensageiro.	E	então,	espírito	doido?	Quais	são	as	diversões
noturnas	agora	neste	arvoredo	infestado	de	espíritos?
BUTE	–	Minha	senhora	apaixonou-se	por	um	monstro.	Próximo	ao	seu
caramanchão	secreto	e	consagrado,	enquanto	ela	adormecida	encontrava-se,	um
bando	de	palhaços,	rudes	trabalhadores	braçais,	que	labutam	pelo	pão	que
comem	em	tendas	do	mercado	em	Atenas,	reuniram-se	para	ensaiar	uma	peça
planejada	para	o	dia	das	bodas	do	grande	Teseu.	O	mais	estúpido	casca-grossa
daquele	grupo	de	tapados,	que	representava	Píramo	naquela	brincadeira,
abandonou	a	cena	e	embrenhou-se	num	espinheiro,	quando	eu	disso	tirei
proveito:	fixei-lhe	na	cabeça	uma	cara	de	burro.	Em	seguida	a	isso,	a	Tisbe	desse
Píramo	precisava	de	uma	resposta;	e	apresenta-se	o	meu	comediante.	Quando
dão	uma	espiada	nele,	foi	como	gansos	selvagens	que	o	caçador,	rastejando,
avistasse,	ou	como	as	gralhas	de	plumagem	parda	na	cabeça,	em	numerosa
revoada,	alçando	voo	e	esganiçando-se	ao	estampido	de	uma	arma	de	fogo,
separando-se	e	enlouquecidamente	espalhando-se	pelo	céu;	assim	foi	que,	ao
enxergarem-no,	escafederam-se	os	seus	camaradas.	Eu	sapateio	com	força	e,
assustados,	um	vai	tropeçando	uma,	duas,	três	vezes	na	correria,	outro	grita
“Assassino!”,	e	pede	o	socorro	de	Atenas.	Com	o	tino	assim	enfraquecido,
derrotado	por	seus	medos	assim	fortalecidos,	fizeram	com	que	os	seres
inanimados	começassem	a	lhes	fazer	mal,	pois	as	urzes	brancas	e	os	espinheiros
pegaram	suas	vestes,	e	algumas	mangas	e	alguns	chapéus	essas	coisas	agarram
de	quem	lhes	as	cede.	Eu	os	conduzi	nesse	pavor	desatento	e	para	trás	deixei	o
doce	Píramo	transformado.	Foi	então	que	aconteceu	de	Titânia	acordar	e,
despertada,	imediatamente	ficou	por	um	asno	apaixonada.
OBERON	–	Isso	resultou	melhor	do	que	se	eu	tivesse	planejado.	Mas,	e	tu,	já
molhaste	os	olhos	do	ateniense	com	o	sumo	do	amor,	conforme	te	ordenei?
BUTE	–	Peguei	ele	dormindo	–	isso	também,	está	cumprido	–,	e	a	mulher
ateniense	ao	lado	dele,	de	modo	que,	quando	ele	acordasse,	necessariamente	ela
seria	avistada.
Entram	Demétrio	e	Hérmia.
OBERON	–	Fica	aqui,	e	esconde-te.	Esse	é	o	nosso	ateniense.
BUTE	–	Essa	é	a	mulher,	mas	não	é	esse	o	homem.
[Eles	param	ali	perto,	e	observam.]
DEMÉTRIO	–	Mas,	ah...	por	que	você	rejeita	este	que	tanto	a	ama?	Melhor	seria
deitar	palavras	tão	cáusticas	sobre	um	cruel	inimigo.
HÉRMIA	–	Agora	estou	só	te	repreendendo,	mas	deveria	estar	eu	te	tratando
muito	pior,	pois	tu,	e	este	é	o	meu	temor,	me	deste	causa	para	amaldiçoar-te.	Se
mataste	Lisandro	enquanto	ele	dormia,	estás	até	o	pescoço	em	sangue.	Pois
mergulha	de	vez,	e	mata-me	também.	Nem	o	sol	foi	tão	verdadeiro	e	leal	com	o
dia	como	ele	foi	comigo.	Teria	ele	fugido	de	uma	Hérmia	adormecida?	Prefiro
acreditar	que	se	poderia	perfurar	o	globo	terrestre	de	lado	a	lado,	e	a	lua	iria
insinuar-se	pelo	centro	da	terra	para	assim	perturbar,	com	os	Antípodas,	a	maré
alta	do	meio-dia	de	seu	irmão.	Não	há	outra	explicação:	tu	mataste	Lisandro.	E
te	pareces	com	um	assassino,	assim	tão	letal,	com	a	cara	tão	fechada.
DEMÉTRIO	–	Essa	deve	ser	a	cara	de	quem	foi	assassinado,	e	devo	estar	assim,
ferido	que	está	meu	coraçãocom	essa	sua	horrenda	crueldade.	E,	no	entanto,
você,	a	assassina,	tem	a	aparência	radiante	e	luminosa	de	Vênus,	distante	em	sua
mais	cintilante	órbita.
HÉRMIA	–	O	que	tem	isso	a	ver	com	o	meu	Lisandro?	Onde	está	ele?	Ah,	meu
bom	Demétrio,	vais	devolvê-lo	para	mim?
DEMÉTRIO	–	Prefiro	entregar	a	carcaça	dele	aos	meus	cães	de	caça.
HÉRMIA	–	Seu	cachorro,	cai	fora	daqui!	Seu	patife	vira-lata,	sai	de	perto	de	mim!
Tu	me	fazes	perder	toda	a	paciência	que	uma	donzela	deve	ter.	Tu	o	mataste,
então?	Que	não	sejas	mais	contado	entre	os	homens	daqui	em	diante!	Conta-me
a	verdade,	de	uma	vez	por	todas.	Conta-me	a	verdade,	nem	que	seja	por	amor	a
mim!	Tiveste	a	coragem	de	encará-lo	nos	olhos	enquanto	ele	estava	acordado	e	o
mataste	enquanto	ele	dormia?	Que	proeza!	Quanta	bravura!	Não	teria	um	verme,
uma	víbora,	feito	o	mesmo?	Pois	uma	víbora	o	fez,	pois	com	língua	mais
bifurcada	que	a	tua,	serpente,	nunca	nenhuma	víbora	picou!
DEMÉTRIO	–	Desperdiças	tua	reação	apaixonada	numa	raiva	totalmente
equivocada.	Não	sou	culpado	de	derramamento	de	sangue.	Tampouco	está
Lisandro	morto,	que	eu	saiba.
HÉRMIA	–	Suplico-te,	então:	fala-me	que	ele	está	bem.
DEMÉTRIO	–	E,	se	eu	pudesse,	o	que	ganho	com	isso?
HÉRMIA	–	O	privilégio	de	nunca	mais	ver	a	minha	cara.	E,	de	tua	detestável
presença	me	despeço	assim:	Lisandro	morto	ou	não,	não	me	procures	mais.
[Sai.]
DEMÉTRIO	–	Não	tem	sentido	acompanhá-la,	com	o	sangue	assim	fervendo-lhe
nas	veias.	Espero,	portanto,	aqui	sozinho,	mais	um	pouquinho.	E	o	peso	de
minha	tristeza	pesa	cada	vez	mais.	E	o	meu	sono,	falido	por	causa	da	tristeza,
está	em	dívida	comigo,	o	que	traz	acréscimo	à	minha	tristeza.	Mesmo	que	seja
um	pouquinho,	algo	dessa	conta	ele	agora	vai	me	pagar,	pois	em	troca	de	algum
descanso	aqui	vou	me	deitar.
Deita-se	[e	dorme].
Oberon	e	Bute	aproximam-se.
OBERON	–	O	que	aprontaste?	Tu	te	enganaste	completamente,	pingando	o	sumo
do	amor	nos	olhos	de	quem	sente	um	amor	verdadeiro.	De	tua	negligência
forçosamente	resultará	algum	amor	verdadeiro	falseado,	e	não	um	falso	amor
retificado.
BUTE	–	Então	prevalece	o	destino:	para	cada	homem	que	mantém	sua	palavra,
um	milhão	de	outros	falham,	quebrando	um	juramento	depois	do	outro.
OBERON	–	Atravessa	o	bosque,	vai	mais	ligeiro	que	o	vento	e	procura	Helena	de
Atenas	até	encontrá-la:	é	aquela	que	está	doente	de	amor,	fisionomia	pálida,
suspirando	de	paixão,	cada	suspiro	custando-lhe	uma	gota	de	seu	precioso	e
jovem	sangue.	Vê	que	a	trazes	até	aqui	–	por	meio	de	algum	engodo.	Colocarei	o
feitiço	nos	olhos	dele,	preparando-o	para	quando	ela	aparecer.
BUTE	–	Estou	indo,	estou	indo,	veja	como	já	estou	indo!	Mais	ligeiro	que	uma
flecha	do	arco	de	um	tártaro.
[Sai.]
OBERON	[espremendo	o	sumo	nas	pálpebras	de	Demétrio]	–	Flor	da	mais
púrpura	cor,	Flechada	pelo	Deus	do	Amor,	Penetra	essa	pupila	repousada.
Quando	ele	avistar	sua	amada,	Como	Vênus	ela	deve	brilhar,	Em	toda	a	sua
glória	estelar.
Ao	despertares,	e	ela	por	perto,	Pede	que	ela	te	dê	o	remédio	certo.
Entra	Bute.
BUTE	–	Do	nosso	bando	de	fadas	e	duendes	o	senhor	é	o	Capitão,	e	tenho	a
relatar-lhe	o	seguinte:	Eis	Helena,	e	junto	dela	vem	chegando	Esse	jovem,	que
pensei	ser	aquele	outro.
Ele	chega	pelo	amor	dela	suplicando.
Podemos	ver,	e	já	daqui	a	pouco:	Ridículo	espetáculo	estarão	encenando.
Senhor,	que	esses	mortais	são	bobos!
OBERON	–	Fazem	tal	barulho!	Te	mantém	distante.
Vão	acordar	Demétrio,	e	é	num	instante.
BUTE	–	Então	teremos	dois	cortejando	uma	só.
Isso	é	diversão	garantida,	senhor;	tenha	dó:	Não	tem	coisa	que	mais	me	apraz	na
vida	Que	as	coisas	extraordinariamente	acontecidas	[Eles	se	colocam	a	uma
certa	distância.]
Entram	Lisandro	e	Helena.
LISANDRO	–	Por	que	você	pensaria	que	a	cortejo	por	zombaria?	Zombaria	e
escárnio	nunca	se	apresentam	sob	a	forma	de	lágrimas.	Sempre	que	faço	uma
jura,	eu	choro.	Promessas	assim	nascidas	são	verdadeiras	desde	o	berço.	Como
podem	coisas	assim	nascidas	em	mim	parecer	escárnio	para	você?	Minhas	juras
trazem	a	insígnia	da	lealdade,	o	que	prova	serem	elas	verdadeiras.
HELENA	–	Você	prossegue,	exibindo	mais	e	mais	sua	astúcia.	É	uma	verdade
destruindo	outra	verdade!	É	um	combate	diabólico	numa	guerra	santa!	Essas
juras	são	para	Hérmia.	Ou	você	está	desistindo	dela?	Pese	bem,	promessa	com
promessa,	e	verá	que	não	está	pesando	nada.	Coloque	suas	juras	de	amor,	para
ela	e	para	mim,	nos	pratos	de	uma	balança,	e	eles	vão	estar	equilibrados,	os	dois
igualmente	leves,	cheios	de	palavras	vazias.
LISANDRO	–	Faltou-me	discernimento,	quando	a	ela	prometi	o	meu	amor.
HELENA	–	A	meu	ver,	falta-lhe	discernimento	mas	é	agora,	disposto	que	você
está	a	desistir	de	Hérmia.
LISANDRO	–	Demétrio	é	apaixonado	por	ela,	não	é	você	que	ele	ama.
DEMÉTRIO	[acordando]	–	Ah,	Helena!	Deusa,	ninfa,	perfeita,	divina!	A	que,	meu
amor,	devo	comparar	teus	olhos?	O	cristal	é	turvo.	Ah,	quão	maduros	mostram-
se	teus	lábios,	essas	beijáveis	cerejas;	quão	tentadora	essa	fruta	que	é	tua	boca!
Aquele	branco	puro,	congelado,	neve	das	altas	montanhas	de	Taurus,	onde
sopram	os	ventos	orientais,	torna-se	escuro	como	o	corvo	quando	ergues	tua
mão.	Ah,	deixa-me	beijar	essa	brancura	imaculada	de	princesa,	esse	certificado
de	êxtase	e	felicidade!
HELENA	–	Ai,	que	ódio!	Ai,	que	inferno!	Vejo	que	estão	os	dois	determinados	a
atacar-me	para	sua	diversão.	Fossem	educados	e	soubessem	o	que	é	gentileza,	e
não	estariam	me	insultando	dessa	maneira.	Não	basta	me	detestarem,	como	eu
sei	que	me	detestam,	mas	precisam	também	unir-se	em	espírito	para	me
ridicularizar?	Fossem	vocês	homens,	como	homens	na	aparência	vocês	são,	e
não	estariam	abusando	assim	de	uma	gentil	dama.	Isto	não	se	faz:	juras,
promessas,	elogios	às	minhas	virtudes,	quando	estou	certa	de	que	me	odeiam	de
todo	coração.	Vocês	são	rivais,	os	dois	apaixonados	por	Hérmia;	e	agora	são
rivais	em	ridicularizar	Helena.	Que	bela	façanha,	que	iniciativa	tão	viril,	chamar
lágrimas	aos	olhos	de	uma	pobre	donzela	com	o	seu	escárnio!	Ninguém	de	nobre
natureza	ofenderia	de	tal	modo	a	uma	virgem,	nem	atormentaria	a	paciência	de
uma	pobre	alma;	e	tudo	para	vocês	se	divertirem!
LISANDRO	–	Você	é	insensível,	Demétrio.	Não	seja	assim,	pois	é	Hérmia	que
você	ama.	Isso	você	sabe	que	eu	sei.	E	aqui,	e	agora,	com	toda	a	boa	vontade,	de
todo	o	meu	coração,	do	amor	de	Hérmia	cedo-lhe	a	minha	parte;	e	a	sua	parte	do
amor	de	Helena,	peço-lhe	que	me	ceda	a	mim.	É	Helena	que	eu	amo	e	amarei	até
a	morte.
HELENA	–	Nunca	vi	piadistas	gastarem	tanta	saliva	inutilmente.
DEMÉTRIO	–	Lisandro,	fica	com	a	tua	Hérmia.	Não	quero	nada	com	ela.	Se	antes
eu	a	amava,	esse	amor	todo	já	se	foi.	Meu	coração	tinha	viajado	até	ela	como	um
convidado,	mas	agora	ele	voltou	para	Helena,	voltou	para	casa,	voltou	para	ficar.
LISANDRO	–	Helena,	isso	não	é	assim,	não	é	verdade.
DEMÉTRIO	–	Não	desacredite	uma	lealdade	que	você	desconhece,	a	menos	que
você	queira	correr	o	risco	de	por	isso	pagar	caro.	Olhe	que	por	ali	vem	a	sua
amada;	é	ela,	a	sua	querida,	que	vem	lá.
Entra	Hérmia.
HÉRMIA	–	Esta	escuridão	noturna,	que	rouba	a	função	dos	olhos,	deixa	o	ouvido
mais	rápido	em	captar	os	sons;	naquilo	que	prejudica	o	sentido	da	visão,	traz
recompensa	em	dobro	à	audição.	Não	consigo	encontrar-te	com	meus	olhos,
Lisandro;	meu	ouvido,	e	a	ele	sou	grata,	trouxe	a	mim	o	som	de	tua	voz.	Mas	por
que	me	deixaste	tão	indelicadamente?
LISANDRO	–	Por	que	deveria	ficar,	este	a	quem	o	amor	incita	a	partir?
HÉRMIA	–	Que	amor	poderia	incitar	Lisandro	a	partir	para	longe	de	mim?
LISANDRO	–	O	amor	de	Lisandro,	que	não	o	deixa	chegar	perto:	a	formosa
Helena,	aquela	que	brilha	na	noite,	mais	que	todas	as	cintilantes	esferas	celestes,
todas	as	faiscantes	estrelas.	Por	que	me	procuras?	Não	basta	isso,	para
entenderes	que	o	que	me	fez	deixar-te	foi	a	aversão	que	sinto	por	ti?
HÉRMIA	–	Você	não	está	falando	o	que	pensa.	Não	pode	ser!
HELENA	–	Mas,	vejam,	ela	é	mais	uma	nessa	conspiração!	Agora	estou
percebendo:	os	três	uniram-se,	para	moldar	essa	mentira,	essa	brincadeira	para
me	deixar	magoada.	–	Hérmia,	sua	infame!	Donzela	mais	ingrata!	Você
mancomunou,	vocêcom	esses	dois	tramou,	para	atormentar-me	com	essa
zombaria	nojenta?	Está	tudo	esquecido?	As	confidências	que	trocamos,	as
promessas	de	sermos	irmãs	uma	para	a	outra,	as	horas	que	passamos	juntas,
quando	xingávamos	o	tempo	por	passar	tão	rápido,	obrigando-nos	a	nos	separar?
Diga:	está	tudo	esquecido?	A	amizade	de	todos	os	dias	de	colégio,	a	inocência	da
infância?	Nós	duas,	Hérmia,	como	deuses	engenhosos,	bordamos	com	nossas
agulhas	uma	única	flor,	num	pano	só,	sentadas	as	duas	na	mesma	almofada,	as
duas	garganteando	a	mesma	música,	afinadas	no	mesmo	tom,	como	se	nossas
mãos,	nossas	vozes,	nossas	mentes,	um	lado	do	meu	corpo	e	um	lado	do	seu
tivessem	se	incorporado.	Assim	foi	que	crescemos	juntas,	como	uma	cereja
dupla,	aparentemente	dividida	em	duas,	mas	na	verdade	uma	união	dividida,
duas	adoráveis	frutas	moldadas	em	um	único	talo;	éramos,	assim,	dois	corpos	em
aparência,	mas	um	só	coração.	Dois	em	um,	como	num	brasão	da	heráldica,
revelando	a	união	de	duas	famílias	numa	só,	com	pluma	ou	elmo	coroado	na
crista.	E	você	vai	destroçar	o	nosso	antigo	amor	para	unir-se	a	homens	nesse
escárnio	a	sua	pobre	amiga?	Isso	não	é	simpático,	e	isso	não	é	feminino.	As	do
nosso	sexo,	assim	como	eu,	podem	repreendê-la	por	isso,	embora	tão	somente	eu
sinta	o	insulto.
HÉRMIA	–	Surpreendem-me	suas	palavras	apaixonadas.	Não	estou	zombando	de
você;	parece-me	que	é	você	quem	zomba	de	mim.
HELENA	–	Por	um	acaso	você	não	incentivou	Lisandro,	por	zombaria,	a	me
seguir,	e	elogiar	meus	olhos	e	meu	rosto?	E	não	fez	o	seu	outro	amor,	Demétrio,
que	há	bem	pouco	tempo	tratava-me	a	pontapés,	chamar-me	de	deusa,	ninfa,
divina	e	única,	preciosa	e	celestial?	Por	que	razão	falaria	ele	assim	com	aquela
que	ele	detesta?	E	por	que	razão	Lisandro	nega	o	amor	que	sente	por	você,	para
ele	tão	valioso,	e	oferece-me	–	deveras!	–	afeição?	Por	que	razão	isso	tudo	se
não	por	seu	incentivo,	com	o	seu	consentimento?	Que	importa	que	eu	não	seja
tão	cortejada	como	você,	tão	cercada	de	amor,	tão	afortunada?	Pelo	contrário,
sou	de	todas	a	mais	miserável,	porque	não	amada,	pois	o	amor	esqueceu-se	de
mim.	Você	deveria	disso	apiedar-se,	não	menosprezar.
HÉRMIA	–	Não	entendo	o	que	você	quer	dizer	com	isso.
HELENA	–	Sim,	faça	isso!	Continue:	simule	olhares	tristes,	e	faça	caretas	para
mim	quando	viro	as	costas.	Pisquem	uns	para	os	outros,	levem	adiante	esse	lindo
joguinho.	Essa	brincadeira,	bem	encenada,	entrará	para	a	história.	Tivessem
vocês	compaixão,	dignidade,	ou	mesmo	bons	modos,	não	estariam	fazendo	de
mim	objeto	de	ridículo.	Mas,	passem	bem;	isso	em	parte	é	culpa	minha,	e	a
morte,	ou	o	meu	afastamento,	logo	remediará.
LISANDRO	–	Fique,	gentil	Helena,	escute	a	minha	justificativa.	Meu	amor,	minha
vida,	minha	razão	de	ser,	formosa	Helena!
HELENA	–	Ah,	excelente!
HÉRMIA	–	Querido,	não	zombe	assim	dela.
DEMÉTRIO	–	Se	não	basta	ela	suplicar,	eu	posso	obrigá-lo.
LISANDRO	–	Tu	não	me	podes	obrigar,	e	de	nada	adianta	ela	suplicar.	Tuas
ameaças	não	têm	mais	força	que	as	débeis	preces	dela.	Helena,	eu	te	amo,	juro
por	minha	vida,	eu	te	amo.	Juro	por	esta	vida	que	vou	perder	por	ti,	provando
que	ele	está	errado	ao	dizer	que	não	te	amo.
DEMÉTRIO	–	Eu	digo	que	te	amo,	e	mais	do	que	ele	jamais	poderia	te	amar.
LISANDRO	–	Se	assim	o	dizes,	acompanha-me,	e	prova.
DEMÉTRIO	–	Rápido,	vamos	lá!
HÉRMIA	–	Lisandro,	qual	o	propósito	disso	tudo?
LISANDRO	–	Saia	daqui,	sua	negra	etíope!
DEMÉTRIO	–	Não,	não!	Ele	faz	parecer	que	está	fora	de	si...	[Dirigindo-se	a
Lisandro:]	Você	finge	que	vai	me	acompanhar,	mas	não	vem!	Um	homem
apático,	isso	é	o	que	você	é.	Andando!	Saia	daqui!
LISANDRO	–	Não	chega	perto!	Gata	vadia,	carrapato!	Coisa	nojenta,	me	larga,	ou
vou	ser	obrigado	a	te	chacoalhar,	como	se	faz	a	uma	serpente,	para	te	desgrudar
de	mim.
HÉRMIA	–	Por	que	ficaste	assim	tão	grosseiro?	Que	mudança	é	essa,	meu
querido,	meu	amor?
LISANDRO	–	Teu	amor?	Xô,	negra	tártara!	Xô,	fora	daqui!	Longe	de	mim,
remédio	intragável!	Sua	poção	venenosa,	vai-te	embora!
HÉRMIA	–	Não	está	brincando,	você?
HELENA	–	Sim,	deveras,	e	você	também.
LISANDRO	–	Demétrio,	mantenho	minha	palavra	contigo.
DEMÉTRIO	–	Bem	gostaria	eu,	de	ter	a	sua	assinatura	num	contrato	escrito,	pois
percebe-se	que	são	fracos	os	elos	que	prendem	você.	Não	confio	em	sua	palavra.
LISANDRO	–	Ora,	mas	então	devo	eu	machucá-la,	estapeá-la,	dar-lhe	uma	morte
matada?	Muito	embora	eu	a	deteste,	não	desejo	feri-la.
HÉRMIA	–	Ora,	mas	então	você	tem	como	me	ferir	mais	do	que	dizendo	que	me
detesta?	Me	detesta?	Por	quê?	Ai	de	mim!	O	que	está	me	contando,	meu	amor?
Não	sou	eu	Hérmia?	Não	é	você	Lisandro?	Sou	tão	formosa	agora	como	era	há
pouco.	Quando	anoiteceu,	você	me	amava;	e,	no	entanto,	quando	anoiteceu,	você
me	deixou.	Mas,	ora,	então	você	me	deixou	–	ah,	que	isto	os	deuses	não
permitam!	–	de	verdade	mesmo?	É	isso?
LISANDRO	–	Sim,	juro	pela	minha	própria	vida,	sim!	E	quisera	nunca	mais	te	ver.
Portanto,	perde	as	esperanças,	esquece	as	dúvidas,	deixa	de	perguntas;	podes
estar	certa,	nada	é	mais	verdadeiro,	e	não	estou	brincando:	eu	te	detesto,	e	amo
Helena.
HÉRMIA	–	Ai	de	mim!	[Dirigindo-se	a	Helena:]	Sua	trapaceira!	Flor	podre,
comida	de	vermes!	Sua	ladra	do	amor	dos	outros!	O	que	fez	você,	esgueirou-se
na	noite	e	veio	roubar	de	meu	amado	o	próprio	coração?
HELENA	–	Ótimo,	de	verdade!	Será	que	você	não	tem	moderação,	não	tem
vergonha,	donzela	que	é,	nem	um	pouquinho	de	acanhamento?	Vai	fazer	o	quê,
arrancar	respostas	impacientes	de	meus	lábios	gentis?	Que	vergonha,	que
vergonha,	sua	falsa!	Sua...	sua...	boneca!
HÉRMIA	–	“Boneca”!	Ora,	mas	então	é	assim?	Está	muito	bem:	é	esse	o	jogo	que
vamos	jogar!	Agora	percebo	que	ela	traçou	comparação	entre	nossas	estaturas;
realçou	o	fato	de	ser	alta;	e,	com	sua	personalidade,	seus	altos	encantos,	sua
altura,	deveras,	insinuou-se	para	ele.	E	você	cresceu	tanto	na	estima	dele	por
quê?	Porque	eu	sou	tão	nanica	e	tão	baixa?	E	quão	baixa	sou	eu,	seu	pau	de	virar
tripa	maquilado?	Fala:	quão	baixa	sou	eu?	Não	sou	tão	baixa	que	não	possam	as
minhas	unhas	chegar	nos	teus	olhos.
HELENA	–	Suplico-lhes,	muito	embora	vocês	zombem	de	mim,	cavalheiros,	não
deixem	que	ela	me	machuque.	Nunca	tive	um	gênio	difícil;	não	tenho	vocação
nenhuma	para	ser	megera.	Sou	a	própria	donzela,	tal	é	minha	covardia.	Não
deixem	que	ela	bata	em	mim.	Vocês	até	podem	pensar,	porque	ela	é	um	pouco
mais	baixa	que	eu,	que	sou	páreo	para	ela.
HÉRMIA	–	“Mais	baixa”?	Escutem,	de	novo!
HELENA	–	Minha	boa	Hérmia,	não	fique	tão	amarga	comigo.	Sempre	amei	você,
Hérmia,	sempre	guardei	os	seus	segredos,	jamais	a	enganei,	a	não	ser	quando,
apaixonada	por	Demétrio,	contei	a	ele	de	sua	fuga	aqui	para	este	bosque.	Ele	a
seguiu;	por	amor,	eu	o	segui.	Mas	ele	me	xingou,	mandando-me	embora,
ameaçou	me	bater,	chutar-me	a	pontapés,	e	até	mesmo	matar-me!	E	agora,	uma
vez	que	você	me	deixe	ir	embora	em	paz,	levo	de	volta	para	Atenas	a	minha
sandice,	e	não	lhe	sigo	mais.	Deixe-me	ir;	você	está	vendo	como	sou	simples,
como	sou	boba.
HÉRMIA	–	Ora,	vá	andando,	que	já	vai	tarde!	Quem	é	que	está	lhe	segurando?
HELENA	–	Um	coração	tolo	e	insensato	que	deixo	aqui,	que	deixo	para	trás.
HÉRMIA	–	Ora,	veja!	Deixa-o	com	Lisandro?
HELENA	–	Com	Demétrio.
LISANDRO	–	Não	tenhas	medo;	ela	não	te	fará	mal,	Helena.
DEMÉTRIO	–	Não	senhor,	ela	não	fará	mal	algum,	embora	o	senhor	esteja	do	lado
dela.
HELENA	–	Ah,	quando	ela	está	furiosa,	ela	é	mordaz,	e	ela	é	má.	Era	uma	raposa
quando	frequentava	a	escola	e,	apesar	de	ser	pequena,	ela	é	feroz.
HÉRMIA	–	“Pequena”	de	novo?	Nada	além	de	“baixinha”	e	“pequena”?	–	Como	é
que	você	tolera,	ela	me	ofendendo	dessa	maneira?	Deixe-me	chegar	nela!
LISANDRO	–	Trate	de	ir	andando,	sua	anãzinha	de	meia-tigela,	criatura	mínima,
feita	de	sempre-noiva,	uma	graminha	prostrada.	Bolota,	semente	de	gente!
DEMÉTRIO	–	Você	se	intromete	demais	atendendo	aos	interesses	daquela	que
menospreza	os	seus	préstimos.	Deixe-a	em	paz;	não	fale	de	Helena;	não	tome	o
partido	dela;	pois,	se	tens	a	intenção	de	mostrar	o	menor	sinal	de	amor	por	ela,
pagarás	caro	por	isso.
LISANDRO	–	Ela	agora	não	me

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