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Ficha Técnica
T ítu lo : NÓS MATÁMOS O CÀO -TINH OSO!
C olecção : Prosa
A u to r: Luís Bernardo Homvana
Editora: ALCANCE T-DITORES
C o o rd en ação : Cáda Fernandes
P ro je c to G ráfico e P ag in ação :Yolauda Mondlane
C apa: Rajau de Carvalho
Revisão: Almiro Lobo
F ra g m en to s dc D esenhos n o in te r io r : Benina Lopes 
Im pressão e acab a m e n to s : Diário do M inho 
A u d ito ria e c o n tro lo de qualidade: A U D IT SA
Edição Comemorativa de acordo com a l .a edição.
Endereços
M OÇAM BIQUE:
Av. Zedcquias Manganhela, n." 309, 1.° andar, Maputo - Moçambique 
Tel: +258 826714444, Kxo: +258 21 312325/6, Fax: +258 21 312704
PO RTU GA L:
R ua de S.João, n.° 124, 5." Esq., 4050-552, Porto - Portugal 
Tel: +351 913 596 404
comercial@alcanceeditores.co.mz
www.alcaiiceeditores.co.mz
Alcance Editores
Reservados todos os direitos de autor. É proibida a reprodução desta obra por 
qualquer meio, seja ele fotocópia, oâsct, fotografia, texto, ilustração ou arranjo 
gráfico. A violação destas regras será passível dc procedimento judicial, de 
acordo com o estipulado no código dos direitos do autor.
Maputo. Junho dc 2014 
RI.INLO N." 8099/RL1NLD/2014
Distribuição em Moçambique: AICANCli EDITORES 
Distribuição em Portugal: DUPLO ALCANCE, LI )A 
Tiragem: 1.000 exemplares
No Alcance de uma Educação dc Futuro.
mailto:comercial@alcanceeditores.co.mz
http://www.alcaiiceeditores.co.mz
PREFACIO 
Palavras (des)necessárias
1
No início do ano de 1964 foi publicada em Moçambique uma colectânea 
de contos intitulada Nós matámos o cão-tinhoso, com 135 páginas, ilustrada 
com desenhos da pintora Bertina Lopes e formato «Livro de Bolso». 
Tratava-se de uma edição de autor composta e impressa na Sociedade de 
Imprensa, Lda., proprietária do jornal A Tribuna e incluía os contos: “Nós 
matámos o cão-tinhoso”; “Inventário de Imóveis e Jacentes”; “Dina”, 
“A Velhota”. “Papá, Cobra e Eu”, “As mãos dos Pretos” e “Nhinguitimo”. 
A anteceder as narrativas, duas epígrafes (desaparecidas das edições pos­
teriores): à Dori que é sensível à angústia dos cães; ao José Craveirinha, 
expressão verdadeira da poesia de Moçambique. O autor, Luís Augusto 
Bernardo Manuel Honwana, era então um jovem com 22 anos, que se 
iniciara no jornalismo, assinando algumas Notas de Reportagem do Notí­
cias e colaborando regularmente na página juvenil “Despertar” deste jornal, 
desde 1962. Colaborava também no vespertino A T rib u n a podendo ainda
1 O jomal A Tribuna fora fundado por João Reis cm Outubro dc 1962 como diário, podendo o seu 
aparecimento ser interpretado como uma tentativa de criação dc um espaço jornalístico profissional 
e moderno, independente dos interesses governamentais. Contou com a participação de Gouvea 
Lemos, Ilídio Rocha, José Craveirinha, Ricardo Rangel, Domingos de Azevedo, Garizo do Carmo 
e de jovens jornalistas que se viriam a distinguir nomeadamente Fernando Magalhães, António 
Barradas, Amândio Cordeiro e Luis Bernardo Honwana. Contou ainda com colaboração de Adrião 
Rodrigues, Eugênio Lisboa, Rui Knopfli, assim como do arquitecto Pancho Miranda Guedes. Dos 
protagonistas iniciais, Gouvea Lemos (chefc de redacção), Ilídio Rocha c uma parte da equipa de 
reportagem (Fernando Magalhães, Amândio Cordeiro, António Barradas e Luis Bemardo
Honwana) viriam a sair. Parece-me ter havido um conjunto de circunstâncias, que levaram a que 
João Reis cuíssc numa espécie dc cilada com objectivos políticos, acabando por entregar o jomal 
ao Banco Nacional Ultramarino em 1963 e perder o controlo sobre o mesmo, o que terá levado a 
que muitos dos redactores e colaboradores do jornal se vissem compelidos a afastar-sc. As cartas 
enviadas por João Reis ao advogado Eurico Ferreira, interceptadas e copiadas pela PIDE, deposi­
tadas nos Arquivos da Torre do Tombo em Lisboa, ajudam a melhor perceber a trama que envolveu 
todos os participantes neste projccto que, desiludidos, o abandonaram, ou não tiveram outra saída 
senão demitir-se, como aconteceu com Gouvea Lemos e José Craveirinha. De notar que, em finais 
dc 1964, Luís Bernardo Ilonwana c João Reis foram presos pela PIDE, (cm simultâneo com José 
Craveirinha, Malangatana Valente Ngwenya, Rui Nogar e outros militantes da Frelimo) como 
resultado do clima político repressivo provocado pela reacção da PIDE à tentativa de implantação 
de uma rede clandestina do movimento no sul dc Moçambique. Agradeço a Luis Bernardo 
Honwana a rectificação de alguns dados relativos aos colaboradores do jornal nessa fase.
3
assinalar-se colaboração sua nos jornais Voz de Moçambique, Diário de 
Moçambique (Beira) e A Voz Africana (Beira). Alguns dos contos incluídos 
no livro haviam sido já publicados nestes orgãos de imprensa, nomeada­
mente “A velhota”, “Inventário de Imóveis e Jacentes”, “Papá, cobra e eu” 
e “As mãos e as palmas”, provável primeira versão de “As mãos dos 
pretos”, devendo-se a Eugênio Lisboa, Rui Knopfli e Josó Craveirinha, a 
iniciativa dessas publicações, como o próprio autor explica na discreta nota 
introdutória do livro: “Depois do “Despertar”, Eugênio Lisboa, Rui Knopfli 
e José Craveirinha entusiasmaram-me, publicando algumas das minhas 
histórias em jornais”.
O livro viria a provocar uma polémica imediata devido a um artigo 
publicado por Rodrigues Júnior - jornalista e autor de numerosos romances, 
antigo colaborador de Seara Nova que, tendo vindo para Moçambique nos 
anos 30, adoptara, a partir dos anos 50, uma postura de defesa do lusotro- 
picalismo e do denominado humanismo português de Salazar - o qual, no 
jornal Diário de 4/4/64, punha em causa a “boa-fé do jovem escritor” ao 
mesmo tempo que questionava a validade do apoio dado pelo arquitecto 
Pancho Miranda Guedes, à publicação do livro2.
De facto Miranda Guedes e sua mulher Dorothy (Dori), de nacionalidade 
sul-africana, tiveram um papel fundamental quer nesta edição quer na 
publicação em 1969 da versão em língua inglesa, da autoria de Dorothy 
Guedes3 com o título We Killed Mangy Dog & Other Mozambique Stories 
na colecção “African Writers Series”, coordenada por Chinua Achebc, o 
que favoreceu a projecção internacional do livro.
As declarações de Pancho Miranda Guedes e de Dori em entrevista a 
João Manuel Neves, publicada em 20134, deixam suspeitar que o casal fora 
atraído tanto pela qualidade da escrita como (ou talvez mais) pela vertente
- Esta polémica c analisada por Abudo Machude cm A recepção critica de Nós matámos o cão 
tinhoso. Maputo: Alcance, 2014.
5 A génese da relação de amizade com o arquitecto Miranda Guedes é descrita por Luis Bernardo 
Honwana em entrevista a Michel Laban. Ver l.aban, M., Moçambique encontro com escritores. 
Porto: Fundação Eng. António de Almeida, 1998, p.666. Pancho Miranda Guedes e Dori Guedes 
evocam esse período, fornecendo alguns detalhes sobre a sua relação com Honwana e a publicação 
do livro em João Manuel Neves. Encontro com Dori e Pancho Guedes. PortotAfrontamento, 2013.
4 João Manuel Neves. Ibidem.
4
autobiográfica que pressentiam existir nas narrativas e os colocava frente 
a uma realidade incómoda para a sua sensibilidade. Rui Knopfli em entre­
vista a Michel Laban definia Pancho Guedes como o espírito criador e Dori 
como “o tipo daquela feminista de tradição inglesa left wing, que deve 
tê-lo empurrado dominadoramente para o contacto e o confronto [...]”s
De algum modo, a atitude do casal Guedes pode-se enquadrar nas acções 
das missões protestantes que, actuando à margem do quadro institucional 
do poder colonial, punham em prática uma filosofia, cuja origem radica na 
filantropia abolicionista dos EUA, com a promoção da publicação de nar­
rativas autobiográficas de ex-escravos ou escravos fugitivos. Essa filosofia 
circulou na África Austral nas áreas de influência dessas missões, nomea­
damente na África do Sul, Moçambique e antigas Rodésias (hoje Zâmbia 
e Zimbábwè) e o seu conteúdo pode-se sintetizar em algumas ideias-chave, 
nomeadamente a capacidade intelectual do africano face ao europeu, de 
que a escritaseria uma prova, e as arbitrariedades dos sistemas coloniais. 
Com as proporções devidas ao distanciamento temporal e condições histó­
ricas, a proximidade do arquitecto à missão suíça, a sensibilidade de Dori, 
reconhecida por Honwana como se percebe pela epígrafe, e o convívio com 
escritores sul-africanos como Richard Rive ou Nadine Gordimer coloca­
vam-nos numa esfera de apadrinhamento análoga ao fenómeno norte-ame- 
ricano das autobiografias 'sugeridas' e apadrinhadas por sectores liberais6.
Por outro lado, para Josc Craveirinha, Rui Knopli ou Eugênio Lisboa, 
movidos por concepções marcadamente estéticas, bastante aproximadas 
dos critérios oriundos das correntes da arte pela arte em Eugênio Lisboa7 
(no caso de Craveirinha acresciam certamente a afectividade e partilha das 
ideias nacionalistas que os levaram à cadeia), a escrita de Luis Bernardo
5 i.aban. Michel. Moçambique — encontro com escritores. Porto: Fundação Eng. António de 
Almeida, 1998,p.517.
6 Analiso esta questão com base cm Chitlango filho de chefe (autobiografia sugerida de F.duardo 
Mondlane) c Tales and songx o f the dark contlnenl (biografia de Kamba Simango por Natalie 
Curtis)em “Idcntidadc(s) literária(s) e cânone : biografias e autobiografias”. In Literatura moçam­
bicana as dobras da escrita, Maputo: Ndjira, 2011, p.35-45.
7 Recentemente E.Lisboa confirma o seu posicionamento referindo-se a Rui Knopfli, Adrião 
Rodrigues e a si próprio: “amávamos os três uma arte livre de imposições ideológicas uma arte 
que preservasse , acima dc tudo, os valores da arte. ”Ver: Eugênio Lisboa. Acta est Fabula - 
Memórias- III-Lourenço Marques Revisited- ( 1955-197(5/Guimarães: Opera Omnia, p .318.
5
Honwana surgia como algo valioso e necessário, atendendo ao panorama 
literário na época que, desde a publicação póstuma de Godido de João Dias 
em 1952, assistia a um estagnação da ficção narrativa, diferentemente da 
poesia que, desde os anos 50, se autonomizara, desenvolvera e constituirá 
num corpus próprio extremamente rico e diverso.
Sintomaticamente, a narrativa que dá título ao livro foi incluída numa 
pequena antologia apresentada por uma delegação da Frelimo à 3a Confe­
rência de escritores afro-asiáticos em Beirute em 1967 em cuja apresentação 
se pode ler:
“O único prosador que apresentamos é o mais novo dos escritores 
moçambicanos apresentados. Vivendo e escrevendo em Moçambique, a sua 
coragem levou-o à prisão onde ainda se encontra. No seu conto “Nós ma­
támos o cão tinhoso”, além de toda a simbólica que o cão pode sugerir, vale 
sobretudo como um testemunho do extraordinário poder de observação. Os 
personagens modelados são gente de carne e osso que todos os que viveram 
a realidade moçambicana facilmente reconhecem. O mundo da infância 
reflecte com uma lúcida nitidez o mundo colonialista em que está mergulhado. 
Tudo isto sem aquela directiva própria dos panfletos, mas num intricado de 
nuances que o revelou como uma verdadeira capacidade de escritor8.
Anteriormente, as opções de escrita de Honwana já se haviam manifes­
tado em crónicas publicadas nos orgãos em que colaborava. Era visível, 
em alguns desses textos, um potencial criativo orientado para a necessidade 
de manter entre a escrita e a leitura uma tensão, própria do material ficcio­
nal, em que as significações emergiam de forma insinuada, em planos 
paralelos, deixando à leitura o cuidado de as concretizar, como acontece 
com o notável “Equilíbrio cromático” publicado no jomal Voz de Moçam­
bique? arguta interpelação da prática racista da ideologia colonial, que 
transitando, de forma alegórica para o conto “As mãos dos pretos”, permeia 
todas as narrativas.
s Frelimo. Breve antologia de literatura moçambicana, apresentada à 3a conferência de escritores 
afro-asiáticos, realizada em Beirute, Líbano, de 25 a 30 de Março de 1967 [ciclostilado], Uma 
cópia deste documento toi-mc facultada pelo primeiro reitor da Universidade F.duardo Mondlane 
e militante da Frelimo, Fernando Ganhão, já falecido.
9 Voz de. Moçambique n.°78 de 25/05/63.
6
2
Educado entre a protecção da Missão Suíça e algumas vantagens oriun­
das do estatuto social da família, Luís Bernardo Honwana fazia então parte 
de uma pequena burguesia africana letrada, sobrevivente da dinâmica 
colonial da República, mas já asfixiada pelo salazarismo.10 A vivência até 
aos dezassete anos no pesado ambiente de uma administração colonial, 
onde se desenhavam todos os efeitos do sistema (compartimentação e dis­
criminação raciais, violência das leis, comportamentos individuais) ter-lhe- 
-á servido de base para a construção de algumas personagens e situações 
narrativas. Mas a técnica discursiva foi certamente produto de um talento 
individual e absorção de influências variadas que lhe permitiram inaugurar 
uma forma de escrita peculiar que, devido ao contexto político que a 
rodeou, só veio a ser recuperada na década de 80, com jovens autores 
surgidos depois da Independência como Izaac Zita (Os Molwenes, 1986, 
obra póstuma) ou Suleiman Cassamo, claramente filiados em Honwana.
Em entrevista a Michel Laban, Luis Bernardo Honwana explica como a 
vivência na cidade, a vida associativa, nomeadamente no Centro Associativo 
dos Negros de Moçambique, o convívio com jornalistas e escritores mais 
velhos, provenientes de diversos meios sociais, o seu interesse pelo cinema 
amador, contribuíram para que a sua visão do mundo se alargasse e que o 
conhecimento dos fenómenos estéticos e literários se diversificasse e o levasse 
a opções que a sua juventude não levava a supor, mas que se reflectem de 
forma criativa c consistente em todas as narrativas incluídas no livro.
A opção por uma narração distanciada em que a focalização se processa 
externamente, como uma câmara em movimento, e que atinge o seu limite 
máximo cm “Inventário de Imóveis e jacentes” e, a um outro nível, em 
“Dina” foi um dos recursos que colocaram imediatamente as narrativas 
num patamar que as distinguiam e ainda hoje conseguem surpreender. Essa 
opção, sabemo-lo por declarações do próprio autor, colocava-o em sintonia 
com tendências vanguardistas nomeadamente a estética do nouveau roman
10 As leis discriminatórias só viriam a scr totalmente abolidas com o Decreto - Lei 3893 de 6 dc 
Setembro de 1961 de Adriano Moreira, o qual punha fim ao F.slatuto do Indígena dc 1953.
7
de Alain Robbe-Grillet que o atraiam e que habilmente conseguiu combinar 
com uma temática que normalmente não lhes estava associada, em que 
relações de poder, tensões sociais e raciais estão implicadas.
As concepções de Robbe-Grillet, praticadas em La Jalousie (1957) c 
teorizadas posteriormente em Pour un nouveau roman (1963) levavam à 
exclusão das motivações psicológicas das personagens e à substituição da 
narração das acções, por um discurso marcado pela descrição obsessiva dos 
objectos, despojados de contaminações afectivas, de onde lhe advém tam­
bém a designação de école du regará (escola do olhar). Diversos estudos 
de que foram objecto os seus romances vieram questionar a 'acusação' de 
alienação da realidade social que lhes era feita, destacando-se o ensaio dc 
Lucien Goldmann Nouveau roman et realité, incluído em Pour une socio- 
logie du roman (1964) que analisa as relações entre os romances de Robbe- 
Grillet e a teoria marxista da reifícação e o livro de Jacques Lecnhardt 
Lecture politique du roman "La Jalousie" d ' Alain Robbe Grillei (1973).
O autor de Nós matámos o cão tinhoso serviu-se, pois, das possibilidades 
teóricas dessa hiperbolização do objecto, explorando-as intensamente em 
“Inventário de Imóveis e Jacentes”, remetendo as significações para o que 
Maria Alzira Seixo, na recensão que fez do livro em 1973, considera ser a 
revelação, o saldo significativo em todos os contos, uma “conclusão 
surpreendida (a boca que se tapa enquanto os olhos se alargam)”.
É o efeito produzido por essa combinação de estratégias que impõe 
novos protocolos de leitura e obriga ao preenchimento dos espaços em 
branco deixados por uma escritaseca e quase desprovida de intromissões 
por parte dos narradores (ao contrário de Goáido de João Dias em que as 
intromissões do narrador abundam), mas que, como Honwana sugere, cons­
tituiu um dos ingredientes do seu sucesso:
O apelo à revolta, o apelo à violência, suponho que também se pode fazer dessa 
maneira: não precisa de ser explícito. Eu suponho ate que esse apelo c mais 
profundo, é mais duradouro quando seja nào expresso. Se estas histórias termi­
nassem com as punhadas no peito e as palavras de ordem, se calhar não havíamos 
de estar aqui, trinta anos depois a falar delas11.
n Laban, M, Moçambique encontro com escritores. Porto: Fundação Eng. António dc Almeida, 
1998, p. 657-658.
8
Outro elemento diferenciador das narrativas foi a opção por narradores 
autodiegéticos ou homodiégéticos, isto é, narradores que, tendo participado 
nos acontecimentos narrados ou sendo deles apenas testemunha, os contam 
na primeira pessoa, exceptuando-se “Dina” em que o processo continuado 
e exacerbado de focalização externa, comparável a uma sucessão de planos 
cinematográficos alternados, impõe outro tipo de narrador. Não se trata, 
porém, do narrador heterodiegético mais comum que, não participando na 
história narrada, assegura uma focalização omnisciente, mas dc um narra­
dor de "grau zero" que se dissolve na sua própria focalização, no olhar 
absoluto e frio de uma câmara.
A escolha estratégica de narradores cujas idades percorrem o ciclo da 
vida humana, infância (“Nós matámos o cão-tinhoso”, “Inventário de imó­
veis e jacentes”, “As mãos dos pretos” e “Papá, cobra e eu”) juventude 
(“Nhinguitimo”), idade adulta (“A velhota”) assim como as características 
de anti-herói que revelam, não só narradores mas também personagens 
(Vírgula Oito em “Nhinguitimo” e Madala cm “Dina”), acrescentam às nar­
rativas uma coerência estrutural que nos permite percebe-las como parte 
de uma grande narrativa que, retomando ainda Maria Alzira Seixo se revela 
“larga e impossível, apenas concretizável em fragmentos ou intuições de 
instante, adivinhando-se cruel o seu desdobramento coerente, impressio­
nante o salto das suas significações subjectivas.”
Há, portanto, na composição destas narrativas uma mestria na manipu­
lação e combinação de recursos técnico-narrativos reconhecíveis como ino­
vadores relativamente não só a Godido, mas igualmente às correntes 
realistas "tout, court", que tomam inevitáveis as aproximações a outros 
textos regidos por convenções similares, o que terá levado Eugênio Lisboa 
a assinalar algumas das influências que o livro acusaria, nomeadamente de 
escritores norte-americanos como Erskine Caldwell, que Honwana não 
parece subscrever, remetendo antes para Robbe-Grillet e para o escritor 
norte-americano J.D. Salinger, autor de The Catcher in the rye (1951):
Quer directamente, quer por tradução, em Moçambique tinha-se acesso à literatura norte- 
-americana mesmo aquela que era, na altura, meio experimental. fJ.D.Salinger], mesmo 
Reverdy, o da literatura do olhar. Esse impacto chegou-nos, Robbe-Grillct. Obviamente 
que 6 prcciso falar num aspccto magaiça, provinciano, o de as pessoas sc porem nos bicos
9
dos pés para discutirem as coisas que se discutem nessas metrópoles distantes. Tambcm 
há essa componente, não digo que não. Mas seja como 1'or, desde que não seja uma postura 
subserviente e imitativa, mas sim uma discussão-apropriação, a pés juntos, acho que está 
culturalmente certa.12
Há certo de tipo de proximidade entre autores ou de relações arquitex- 
tuais ou transtextuais entre textos para as quais se encontram motivações 
óbvias. A forma como o problema afro-americano foi percebido e interio­
rizado pelos escritores moçambicanos das décadas de 40 e 50, conduziu a 
anologias inevitáveis e ao questionamento das relações sociais dominadas 
pelo critério racial predominante na sociedade colonial. O sujeito coloni­
zado ao definir-se, quebrando o silêncio, passou também a enfrentar a 
necessidade de interpelar o outro que o silenciava. No caso de Godido, em 
que João Dias erigiu como modelo o romance Native Son (1940) do escritor 
afro-americano Richard Wright, motivações e analogias são evidentes. 
Contudo, ainda que as duas narrativas tenham como cenário a violência da 
sociedade americana e da sociedade colonial, as personagens são movidas 
por impulsos diferentes na forma como lhe respondem. Enquanto o prota­
gonista de Native son não consegue racionalizar as acções violentas que 
pratica, a motivação e o processo de autoconhecimento são claros em 
Godido: trata-se da resposta violenta à violência da sociedade colonial.
A grande novidade, interesse e valor de Nós matámos o cão-tinhoso foi, 
por um lado, a mudança de orientação estética na representação dessa 
mesma realidade, relativamente quer a Godido quer a Portagem (1966)L\ 
ultrapassando as convenções narrativas que orientam esses dois textos e, 
por outro, os mecanismos de apropriação e transformação de uma herança 
literária compósita que se pressente.
O predominância de um narrador-protagonista, distanciado da história 
que narra, em “Nós matámos o cão-tinhoso”, “Inventário de Imóveis e 
Jacentes”, “A Velhota” e “Papá, cobra e eu” e “As mãos dos pretos” cons­
tituem um ingrediente que coloca as narrativas numa modernidade próxima 
de algumas tendências do romance norte-americano, que se desenhavam
12 Laban. up.aí,.p .659-660.
° Não deixa de ser significativo o facto de Orlando Mendes ter indicado no final do romance que o 
mesmo havia sido escrito nos anos 1950.
10
desde os anos 30, o que tem levado a comparações com Faulkner, Caldwell 
etc. No entanto, se seguirmos a pista lançada pelo autor de Nós matámos o 
cão-tinhoso e pusermos em confronto a personagem Ginho da narrativa 
epónima (replicada nas outras narrativas de 1 .a pessoa), com a postura dis­
tanciada do jovem Holden Caufield, protagonista de The catcher in the rye 
que viria a consagrar (e também a amaldiçoar) o escritor norte-americano 
J.D. Salinger, perceberemos a adequação das estratégias técnico-narrativas 
de Salinger aos propósitos de Honwana.
Tal como o entediado e distanciado jovem de classe média Holden 
Caufield se impôs como representação de uma juventude rebelde e voz 
crítica da superficialidade da moral americana, também as personagens- 
-chave de Honwana protagonizariam por processo idêntico, um poderoso 
contra-discurso, na forma como interpelavam os sustentáculos ideológicos 
do sistema colonial.
Honwana parece estar longe do tipo de autor descrito por Harold Bloom, 
em A Angústia da Influência, reflexão centrada na génese dos textos, com 
descrição dos sucessivos passos percorridos por um autor desde que, 
marcado por determinada influência, se vai sucessivamente apropriando 
dela até que a mesma se instale no seu próprio texto, última fase do pro­
cesso que Bloom designa com o termo grego apophrades - o retomo dos 
mortos. É nesta relação ambígua entre um escritor e os seus antecessores 
que Bloom faz centrar a angústia da influência, levando-nos porventura até 
alguns escritores africanos como Chinua Achebe para nos interrogarmos 
sobre a forma como as perturbadas personagens de Dostoievsky e de 
Shakespeare se introduzem nas suas intenções programáticas de construção 
de um romance africano. Ou então a situar a posição radical expressa a 
partir dos finais dos anos 80 por Ngugi wa Thiong'o de deixar de escrever 
em língua inglesa para, desta forma, não contribuir (segundo ele) para o 
enriquecimento da literatura inglesa, como o grau máximo dessa angústia.
Honwana, diferentemente, à distância de algumas décadas, reclama a 
sua pertença a uma herança literária bastante lata, forjada na cultura dos 
anos 60, nomeadamente pelo cinema, que considera ter atingido "índices 
de universalização muito maiores do que aconteceu subsequentemente" 
(Laban:659).
11
Dando a esta questão uma formulação teórica, sabemos que desde o for­
malismo russo com Tynianov, e posteriormente com as teorias de Mikhail 
Bakhtin,a articulação da obra literária com textos literários pré-existentes 
quebrou a noção de hierarquia pressuposta pelo estudo das fontes e influên­
cias, em que a relação entre as literaturas se processa segundo uma lógica 
de subordinação entre quem influencia e quem é influenciado. Em substi­
tuição dessa noção, desenha-se o conceito de interterxtualidade, mais tarde 
elaborado por Júlia Kristeva como ”absorção de um texto por outro texto”. 
Nesta abordagem, hoje amplamente praticada, o texto literário adquire 
complexidade pela sua inserção num múltiplo conjunto de práticas sociais 
relevantes (históricas, políticas etc), formando uma malha de significações.
Assim, a apropriação será não apenas uma estratégia discursiva cons­
ciente do escritor, mas também, como refere Benjamim Abdala Júnior:
uma apreensão intcrtextual e intcr-scmiótica múltipla da série literária em relação dialética 
com outras series culturais. [...'] A apropriação não sc restringe apenas a uma operação de 
colagem ou de bricolagem, como aparcce nas artes modernas e contemporâneas, uma 
forma dc “dessacralização” do objeto artístico. [...] Na apropriação inerente à produção 
cultural, a fusão intertextual é múltipla e cada segmento ou instância discursiva dialoga 
cm vários níveis com o conjunto da vida cultural.M
14 Benjamin Abdala Júnior. De voos e ilhas. Literatura e comunitarismos. Cotria-SP: Ateliê Editorial. 
2003, p.113.
3
Em 1971, Luis Bernardo Honwana publicou na revista Vértice “Rosita 
ate morrer”15, texto escrito na cadeia (Laban:673), posterior, portanto, à 
publicação de Nós matámos o cão-tinhoso. Sob forma epistolar, este texto 
tem como característica a exploração do registo linguístico popular da 
língua portuguesa que, depois da independência, se revelou terreno fértil 
para muitos escritores, não sem alguma polémica. Honwana, admitindo 
embora o interesse de experiências de exploração da área vocabular entre 
as línguas, e o facto de ter gostado de o ter feito, cm “Rosita até morrer”, 
afirma não ser esse o seu caminho e explica:
Eu sou uma pessoa bilingue, tenho esta questão complicada comigo: eu falo ronga 
e falo português. Tenho a pretensão de poder explorar os limites da expressividade 
e da elaboração mental quer de uma língua, quer doutra. Então verifico que, por 
maior que seja o mérito do criador que explora esta área intermédia, o discurso 
que é produzido pelas personagens 6 um discurso empobrccedor da capacidade 
mental. Por maior que seja a ginástica que a gente faz, ao ler determinados textos, 
determinadas falas, temos da personagem a ideia de uma menor capacidade 
intelectual. Ou porque é uma linguagem meio ridícula, a que se chama preloguês 
|\..] ou porque, indo buscar um termo a outra língua para se enriquecer o discurso 
que se faz numa determinada língua, empobrecem-se duas línguas: o resultado é 
sempre redutor. [...] Dizer isto, obviamente pode parecer uma crítica a estes textos. 
Há criatividade, há enriquecimento em todo o caso da própria literatura, mas não é 
o meu caminho. [...] Concordo cm que há um problema aqui. Mas pelo menos 
podemos admitir que posssa haver mais do que uma solução. (Laban:.673-674).
Na realidade, Honwana havia posto em prática essa necessidade de ve­
rosimilhança, dc forma a adequar as falas das personagens à sua tipificação 
enquanto representação de uma realidade objectiva, em alguns dos contos, 
nomeadamente em “Nhinguitimo” e “Dina”, deixando explícito o que é 
fala em português traduzida de outra língua, pelo narrador em “Nhingui­
timo” - Vírgula Oito refere, na conversa com os amigos: “Vocês sabem...
13 Vórtice, vol. XXXI, n.° 331-332,(1971), p.634-635.
13
Eu não sei falar como o intérprete ou o enfermeiro, eu não sei falar bem a 
língua deles e a fala expressa realisticamente em português pela 
personagem, quando Vírgula Oito fala com o administrador, ou quando, 
em “Dina”, Maria responde ao capataz - “Eu não está engatar Djimo - res­
pondeu Maria, tentando falar português.”
Aqui colocar-se-ia uma questão de âmbito teórico que é o de nos inter­
rogarmos, quando se trata de ficção, e tendo em conta o desenvolvimento 
das técnicas narrativas ao longo do século XX, até que ponto a autonomia 
do narrador pode ser cerceada por constrangimentos impostos pelo critério 
de verosimilhança. Ignoro se estas questões terão sido objecto de interro­
gação por parte do autor ou se terão porventura pesado numa possível 
mudança de rumo de que “Rosita até morrer” seria um ensaio programado, 
ou mesmo se terão contribuído para que Luis Bernardo Honwana se tivesse 
imobilizado enquanto ficionista, perante a perplexidade dos seus entusias­
mados leitores.
Quando Rui Knopfli e Eugênio Lisboa, que dominavam o ambiente 
literário na época, assinalaram, nas páginas do jornal Voz de Moçambique, a 
estreia de Nós matámos o cão-tinhoso como “um dos acontecimentos mais 
significativos na incipiente vida literária moçambicana”, referenciando o seu 
autor como um dos mais positivos valores no [então] considerado triste 
panorama dos ficcionistas de Moçambique, transportavam a expectativa de 
um percurso literário promissor, chamando a atenção para o aparecimento de
uma voz já dotada de som próprio, um gosto até, um gozo dc escrever já dé si 
pronunciados, um exemplo de trabalho e de apuro que já não engana o que fazia 
esperar uma daquelas obras que ajudarão a edificar, aos poucos, o edifício da 
almejada Literatura Moçambicana [...].
Mais tarde, em 1971, Eugênio Lisboa viria mesmo a invocar um argu­
mento de autoridade ao referir a forma como José Regio saudara o “rea­
lismo fresco e espontâneo” de Nós matámos o cão-tinhoso. Lisboa 
mantinha então o mesmo entusiasmo em relação ao que considerava, na 
sua forma característica de se exprimir, a vocação de “novelista ou contista, 
diabolicamente amadurecido antes da idade, fino chinês, dotado de um sen­
tido de humor metálico e manhoso e de doas genuínos de repórter írio e
14
articulado, que esconde atrás de uma fachada de monstrosinho uma inte­
gridade genuina.”
Desde então a previsão feita nas páginas de Voz de Moçambique em 
1964 foi-se confirmando com as sucessivas edições, dentro e fora de 
Moçambique, traduções, adaptações teatrais, à medida que se sucederam 
estudos universitários, se assistiu à sua consagração em programas de 
ensino e se legitimou a sua enorme fortuna16.
Ao cabo de cinquenta anos, Nós matámos o cão-linhoso continua a ser 
apresentado pela crítica como paradigma de uma forma inovadora da nar­
rativa de ficção escrita em Moçambique, deixando-se transformar por cada 
nova perspectiva de análise, tomando-se referência para outros escritores.17
Ao mesmo tempo, desde que as redes sociais permitiram o alargamento 
do campo de leitura, alguns dos contos, estando disponíveis, encontram 
uma assinalável recepção por parte de um público leitor cada vez mais 
vasto.
Em cada visita a esta obra solitária, pequena “jóia” do património 
cultural e literário nacional, e às diferentes leituras que dela são feitas, 
podemos perceber como, através das suas possibilidades ilimitadas, a lite­
ratura tem o poder de convocar uma infinidade de diálogos que desassos­
segam os nossos anódinos quotidianos.
Maputo, Janeiro de 2014 
Fátima Mendonça
16 Nós Matámos o Cão-Tinhoso. Lourenço Marques, Publicações Sociedade da Imprensa de 
Moçambique, 1964, [Ilustração de Bertina Lopes]; Lourenço Marques: Académica, 1975; Maputo: 
INLD, 1978 e 1984; São Paulo: Ática, 1980, Porto: Afrontamento, 1972 a 2000;
Lisboa: Biblioteca Editores Independentes (Livro de Bolso) -■ Cotovia, 2008; We killed mangy- 
dog. London: Hclnemann, 1969; Wir Haben den baudigen hund getõtet enzàhhmgen Leipzig: 
Verlag Philipp Rcclam, 1980.
Noas avons tué le chiert teigneux. Paris: Chcndcigne, 2006; Nosoti-os matámos aiperro-tinoso. 
Madrid: Baobab editorial, 2009.
17 Nós Matámos o Cão-Tinhoso figura na lista dos 100 melhores livros africanos do século XX 
seleccionados por um júri internacional, presidido pelo escritor sul-africanoNjabulo Ndcbcle, em 
2001, por iniciativa da Feira Internacional do Livro do Zimbábwc. No decorrer da última reunião 
do júri em Accra, onde estive presente, Njabulo Ndebele referiu a influência das narrativas de 
Honwana no seu primeiro livro de contos (Fools and other stories, 1983) .Ver tb. Ondjaki “Nós 
chorámos pelo cão-tinhoso”. In Os da minha m a. Lisboa: Caminho 2007.
15
Bibliografia sobre Nós Matámos o Cão-Tinhosol
Afolabi, Niyi Golden Cage; Regeneration in lusophone african litera- 
ture and culture. Trenton, NJ: Africa World Press, 2001.
Afonso, Maria Fernanda - O Conto moçambicano. Lisboa: Caminho, 
2004.
Anónimo [Rui Knopfli?] - “Esfolando o «Cão-Tinhoso»”. A Voz de 
Moçambique, Ano V, n.° 124, 11-4-1964, p. 6.
Anónimo[Eugénio Lisboa?] - “Perspectiva moçambicana do ano de 
1964 Vida Literária”. Voz de Moçambique, Ano V, n.° 161, 3-1-1965, p. 7.
Anónimo [Eugênio Lisboa?]- “Perspectiva Sumária da Literatura em 
Moçambique”. Voz de Moçambique Ano XII, n° 346, 15/08/1971, p. 7-8
Carvalho, Alberto “Ginho, ou a catarse do medo em Nós matámos o câo- 
-tinhoso”. In Largo mundo alumiado. Braga: Universidade do Minho, 
2004, p.49-60.
César, Amândio - Parágrafos de Literatura Ultramarina. Lisboa: 
Sociedade de expansão cultural, 1967, p. 203 - 208.
César, Amândio - Novos Parágrafos de Literatura Ultramarina. Lisboa: 
Sociedade de expansão cultural, 1971, p. 29.
Conrado, Júlio - “Os retratos de Honwana”. Vida Mundial, 5-5-72, p.55.
Coutinho, José - “Luís Bernardo Honwana Wir Haben den baudigen 
hundgetõtet enzãhlungen ”Africa, literatura, arte e cultura n° 9, (Lisboa), 
Julho/Setembro, 1980, p. 511-513. [Recensão crítica à tradução alemã de 
Nós matámos o cão-tinhoso].
Farra, Maria Lúcia (dal) - “A identidade de um certo olhar Infantil”. In 
Les litteratures africaines de langue portugaise. Actes do Colloque Inter­
national. Paris: Fondation Calouste Gulbenkian, 1985, p.363-366.
Ferreira, Carla - “Nós Matámos o Cão-Tinhoso: abordagens para uma 
aprendizagem”. In Ensino das Literaturas de Língua Portuguesa: percursos 
de leitura da narrativa, Lisboa: CLEPUL, 2012, p. 113-128.
16
Ferreira, João - “O traço moçambicano na narrativa de Luís Bernardo 
Honwana”. Ibidem, p.367-376.
Ferreira, Manuel - Literaturas africanas de expressão portuguesa Vol.2. 
Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1977, p. 102-103.
Hamilton, Russel G. - Literatura africana, Literatura necessária II - 
Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Principe. Lisboa: 
Edições 70, 1984.
Laban, Michel - Moçambique - encontro com escritores. Porto: Funda­
ção Eng. António de Almeida, 1998.
Leite, Ana Mafalda - “Alegorias do universo colonial em Nós matámos 
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Neves, Margarida. O conto na lusofonia^Antologia crítica. Lisboa: Edições 
Caixotim, 2010, p.218-222.
Lepecki, Maria Lúcia - “Luís Bernardo Honwana: o menino mais o seu 
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Calouste Gulbenkian, 1987, p. 45-56.
Mata, Inocência - “O espaço social e o intertexto do imaginário em Nós 
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McNab, Gregory - “Por que mataram o cão-tinhoso”. África, literatura, 
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Moser, Gerald; Ferreira, Manuel. - Bibliografia das literaturas africanas 
de expressão portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 
1983, p.194.
Oliveira, Alexandre José, - “Rodrigues Júnior, a cólera paternal e o Cão- 
-Tinhoso”. Voz de Moçambique, Ano V, n.° 128, 09/05/64, p.6- 8.
17
Marques, Álvaro Belo - “Luís Bernardo Honwana, um «caso» na Lite­
ratura”. Jomal do Professor, Ano I, n°2, Abril/Maio, (1.981), p.20-22.
Ngwenya, Malangatana Valente - “O Mosaico” de Rodrigues Júnior e 
o Pôr-do-sol do Nós matámos o cão-tinhoso ”. A Tribuna, Ano II, n.°548, 
06-05-64 p.9.
Rosário, Lourenço Joaquim da Costa As mãos dos pretos de Luis Ber­
nardo Honwana: análise. Coimbra: 1986 [Trabalho complementar à 
dissertação sobre narrativa de tradição oral transcrita em português, apre­
sentada na Universidade de Coimbra.].
Seixo, Maria Alzira - “Nós matámos o cão-tinhoso de Luís Bernardo 
Honwana”. In Discurso do Texto, Lisboa: Livraria Bertrand, 1977, p. 257- 
262 e Colóquio Letras, n.° 16 (Lisboa): Gulbenkian, Novembro de 1973, 
p.81-82.
18
Dedicatória
à Dori
que é sensível à angústia dos cães;
ao José Craveirinha 
expressão verdadeira da poesia de Moçambique
21
Luís liernardo Honwana
Nós Matámos O Cão-Tinhoso!
O Cão-Tinhoso tinha uns olhos azuis...
O Cão-Tinhoso tinha uns olhos azuis que não tinham brilho nenhum, 
mas que eram enormes e estavam sempre cheios de lágrimas, que lhe 
escorriam pelo focinho. Metiam medo aqueles olhos, assim tão grandes, a 
olhar como uma pessoa a pedir qualquer coisa sem querer dizer.
Eu via todos os dias o Cão-Tinhoso a andar pela sombra do muro em 
volta do pátio da Escola, ir para o canto das camas de poeira das galinhas 
do Senhor Professor. As galinhas nem fugiam, porque ele não se metia com 
elas, sempre a andar devagar, à procura de uma cama de poeira que não 
estivesse ocupada.
O Cão-Tinhoso passava o tempo todo a dormir, mas às vezes andava, e 
então eu gostava de o ver, com os ossos todos mostrados no corpo magro, 
de pele velha, cheia de pelos brancos, cicatrizes e muitas feridas. Eu nunca 
via o Cão-Tinhoso a correr e nem sei mesmo se ele era capaz disso, porque 
andava todo a tremer, mesmo sem haver frio, fazendo balanço com a 
cabeça, como os bois e dando uns passos tão malucos que parecia uma 
carroça velha.
Houve um dia que ele ficou o tempo todo no portão da Escola a ver os 
outros cães a brincar no capim do outro lado da estrada, a correr, a correr, 
e a cheirar debaixo do rabo uns nos outros. Nesse dia o Cão-Tinhoso tremia 
mais do que nunca, mas foi a única vez que o vi com a cabeça levantada, o 
rabo direito e longe das pernas e as orelhas espetadas de curiosidade.
Os outros cães às vezes deixavam de brincar e ficavam a olhar para o 
Cão-Tinhoso. Depois zangavam-se e punham-se a ladrar, mas como ele não 
dissesse nada e só ficasse para ali a olhar, viravam-lhe as costas e voltavam 
a cheirar debaixo do rabo uns nos outros e a correr
Duma dessas vezes, o Cão-Tinhoso começou a chiar com a boca fechada
23
NÓS MATÁMOS O CÃO-TINHOSO!
e avançou para os outros quase que a correr, mas com a cabeça muito direita 
e as orelhas mais espetadas do que nunca. Quando os outros se viraram 
para ver o que ele queria, teve medo e parou no meio da estrada, mas com 
a cabcça ainda levantada, as orelhas ainda espetadas e o rabo ainda teso. 
Só as pemas é que lhe tremiam, mas quase que nem se notava.
Ou outros cães ficaram um bocado a pensar no que haviam de fazer por 
ele estar a olhar para eles daquela maneira. E que o Cão-Tinhoso queria ir 
meter-se com eles.
Depois, o cão do senhor Sousa, o Bobí, disse qualquer coisa aos outros 
e avançou devagar até onde estava o Câo-Tinhoso. O Cão-Tinhoso fingiu 
não o ver e nem se mexeu quando o Bobí lhe foi cheirar o rabo: olhava 
sempre em frente. O Bobí, depois de ficar uma data de tempo a andar em 
volta do Cão-Tinhoso, foi a correr dizer qualquer coisa aos outros - o Leão, 
o Lobo, o Mike, o Simbi, a Mimosa e o Lulu - e puseram-se todos a ladrar 
muito zangados para o Cão-Tinhoso. O Cão-Tinhoso não respondia, sempre 
muito direito, mas eles zangaram-se e avançaram para ele a ladrar cada vez 
mais de alto. Foi então que ele recuou com medo, e, voltando-lhes as costas, 
veio para a Escola, com a cabeça baixa, a fazer balanço para poder levantar 
as pemas e o rabo todo enfiado.
Quando passou por mim ouvi-o a chiar com a boca fechada e vi-lhe os 
olhos azuis,cheios de lágrimas e tão grandes a olhar como uma pessoa a 
pedir qualquer coisa sem querer dizer. Mas ele nem olhou para mim e foi 
pela sombra do pátio da Escola, sempre com a cabeça a fazer balanço como 
os bois e a andar como uma carroça velha, para o canto das camas de poeira 
das galinhas do Senhor Professor.
Os outros cães ainda ficaram um bocado a ladrar para o portão da Escola, 
todos zangados, mas voltaram para o capim do outro lado da estrada para 
continuar a correr, a rebolar, a fingir que se mordiam uns aos outros, a 
correr, a correr c a cheirar debaixo do rabo uns aos outros.
De vez em quando o Bobí olhava para o portão da Escola e, lembrando- 
-se do Cão-Tinhoso, punha-se a ladrar outra vez. Ou outros, ao ouvi-lo, 
deixavam de brincar e punham-se também a ladrar, muito zangados, para 
o portão da Escola. Às vezes calavam-se. Mas quando se calavam ouviam 
o Bobí e voltavam a ladrar, todos tão zangados como ele.
O Cão-Tinhoso tinha a pele velha, cheia de pelos brancos, cicatrizes e 
muitas feridas. Ninguém gostava dele porque era um cão feio. Tinha sempre 
muitas moscas a comer-lhe as crostas das feridas e quando andava, as
24
Luís Bernardo HotMuna
moscas iam com ele, a voar em volta e a pousar nas crostas das feridas. 
Ninguém gostava de lhe passar as mãos pelas costas como aos outros cães. 
Bem, a Isaura era a única que fazia isso, mas a Isaura era maluca, todos 
sabiam disso.
O Quim disse-me um dia que o Cão-Tinhoso era muito velho, mas que 
quando ainda era novo devia ter sido um cão com o pelo a brilhar como o 
do Mike. O Quim disse-me também que as feridas do Cão-Tinhoso eram 
por causa da guerra e da bomba atómica, mas isso é capaz de ser pêta. O 
Quim diz muitas coisas que a gente nem pensa que podem não ser verda­
deiras, porque quando ele as conta a gente fica tudo de boca aberta. A malta 
gosta de ouvir o Quim a contar as coisas de outras terras e os filmes que 
vai ver lá em Lourenço Marques, no Scala, e as coisas do El índio Apache 
a jogar luta-livre c a fazer tourada, e aquilo que o El índio Apachc fez ao 
Zé Luís no Continental. O Quim diz que El índio Apache só não vai ao 
focinho do Zé Luís porque não quer.
O Quim disse-me isso de o Cão-Tinhoso ser muito velho quando um dia 
o vimos a bocejar sem dentes na boca. Foi nesse dia que me contou a his­
tória da bomba atómica com os japoneses pequeninos a morrer todos que 
era uma beleza e o Cão-Tinhoso a fugir depois de ela rebentar e a correr 
uma distância monstra para não morrer. O Quim não me contou a história 
toda logo de uma vez e disse que só a acabava se eu me portasse bem lá 
dentro, na prova. Eu passei-lhe quase toda a prova mas a Senhora Profes­
sora topou e deu-lhe 8 reguadas no rabo. Quando saímos eu não lhe pedi 
para acabar a história da bomba atómica porque ele era capaz de se lembrar 
do que a Senhora Professora lhe tinha feito lá dentro c zangar-se comigo. 
Ele só a acabou à tarde no Sá, antes de começarmos a jogar o setc-e-meio 
a cigarros.
Todos ficaram de boca aberta a ouvir. Até o Sá deixou de atender os 
clientes para ouvir o Quim a contar.
Ele contou tudo desde o princípio sem ninguém pedir, mas era diferente 
daquilo que tinha começado a contar na Escola, porque já não metia o Cão- 
-Tinhoso. Eu não disse nada porque ele era capaz de se zangar comigo.
O Cão-Tinhoso tinha a pele velha, cheia de pelos brancos, cicatrizes e 
muitas feridas, e em muitos sítios não tinha pelos nenhuns, nem brancos 
nem pretos e a pele era preta e cheia de rugas como a pele de um gala-gala. 
Ninguém gostava de lhe passar a mão pelas costas como aos outros cães.
A Isaura era a única que gostava do Cão-Tinhoso e passava o tempo todo
25
NÓS MATÁMOS O CÃO-TINHOSO!
com ele, a dar-lhe o lanche dela para ele comer e a fazer-lhe festinhas, mas 
a Isaura era maluca, todos sabiam disso.
A Senhora Professora já nos tinha dito que ela não regulava bem c que 
o pai a havia de tirar da Escola pelo Natal.
A Isaura não brincava com as outras meninas e era a mais velha da 
segunda classe. A Senhora Professora zangava-se por ela não saber nada e 
dar erros na cópia, e dizia-lhe que sé não lhe dava reguadas porque sabia 
que ela não tinha tudo lá dentro da cabeça. A Isaura parecia não entender, 
e ficava com aquela cara de parva a olhar para todos os lados à procura de 
não sei quê, como dizia a Senhora Professora.
Quando ia para o estrado ler a lição não se ouvia nada e a gente dizia — 
«Não se ouve nada, não se ouve nada» e a Senhora Professora dizia que 
os meninos da quarta classe não tinham nada que ouvir. Então os meninos 
da segunda classe começavam a dizer: «Não se ouve nada, não se ouve 
nada». A Senhora Professora zangava-se e fazia uma bronca dos diabos. 
Por isso, no intervalo, as outras meninas faziam uma roda com a Isaura no 
meio e punham-se a dançar e a cantar: «Isaura-Cão-Tinhoso, Cão-Tinhoso, 
Cão-Tinhoso, Tinhoso, Isaura-Cão-Tinhoso, Cão-Tinhoso, Tinhoso». A 
Isaura parecia que não ouvia e ficava com aquela cara de parva, a olhar 
para os lados à procura de não sei quê, como dizia a Senhora Professora.
Houve um dia em que falei com a Isaura. Foi assim:
Estava sentado nas escadas da Escola, mesmo em frente ao portão, a 
comer o lanche. Era o intervalo do lanche. A Senhora Professora estava a 
ler um livro e passeava pela varanda, indo até uma ponta, virando-se e vindo 
para a outra. Como ela passava por mim (ouvia os sapatos, cóc, cóc, cóc, 
no chão) eu estava a pensar para saber se me havia de levantar ou não 
quando ela passava, porque era chato levantar-me todas as vezes que ela 
passava por mim. De resto, era mesmo capaz de estar a pensar que eu não 
dava por ela, por estar de costas para o sítio por onde passeava, e não me 
perguntar depois, na aula, se os meus pais não me davam educação.
Eu estava a pensar nisso e a comer o lanche, quando vi que a Isaura 
olhava para todos os lados a procura do Cão-Tinhoso. Depois foi lá para 
fora e espreitou a estrada toda. Como não visse o Cão-Tinhoso, ficou no 
portão a olhar para todos os lados até que me viu. Ficou uma quantidade 
de tempo a olhar para mim e, depois, veio até às escadas, a andar devaga­
rinho e de lado, subiu-as, e quando chegou perto de mim voltou-se para 
uma coluna e pôs-se lá a riscar qualquer coisa, muito distraída. Perguntou-me
26
Luis Bernardo Honwana
como se estivesse a falar com outra pessoa que eu não via:
- Viste o meu cão? Heim? Viste?
Como eu não desse nenhuma resposta, porque era a primeira vez que 
ela falava comigo, insistiu:
- Não passou lá para fora?...
Nisto, o Cão-Tinhoso apareceu no portão, a andar devagar, com uns pas­
sos tão malucos que parecia uma carroça velha, e com a cabeça a fazer o 
balanço como os bois. Parou um bocado, e depois, em vez de ir para as 
camas de poeira das galinhas do Senhor Professor, veio para as escadas. 
Eu disse:
- Está ali.
A Isaura voltou-se logo:
- Aonde? Ah! Meu cãozinho... Tinhas ido passear?
A Senhora Professora parou mesmo atrás de mim (ouvi o cóc, cóc, cóc 
dela a vir e um cóc mais forte mesmo atrás de mim. De resto, senti o cheiro 
dela em cima de mim).
A Isaura tinha corrido logo, escadas abaixo, a agarrar-se ao Cão-Tinhoso, 
quando a Senhora Professora disse:
- Ó menina, que pouca vergonha é essa? Vai já lavar as mãos!
Eu estava ainda a pensar para saber se me havia de levantar ou não, 
porque ouvia-a mesmo por sobre as minhas costas, embora não a estivesse 
a ver.
A Isaura afastou-se do Cão-Tinhoso e virou-se para a Senhora Profes­
sora. O Cão-Tinhoso ficou também a olhar para ela. Foi aí que a Senhora 
Professora disse para o Cao-Tinhoso:
- Suca!
O Cão-Tinhoso ainda ficou um bocado a olhar para a Senhora Profes­
sora, com os olhos grandes a olhar como uma pessoa a pedir qualquer coisa 
sem querer dizer. Eu vi-lhe as lágrimas a brilhar em riscos no focinho. A 
Senhora Professora deu um grito para o Cão-Tinhoso ouvir bem:
- Suca daqui!
O Cão-Tinhoso voltou-lhes as costas e desapareceu pelo portão fora, 
sem dizer nada, com o seu andar de carroçavelha e com a cabeça a fazer 
balanço como os bois.
A Senhora Professora continuou a andar (cóc, cóc, cóc de uma ponta da 
varanda para a outra) e Isaura ficou um bocado a olhar com aquela cara de 
parva para o sítio atrás de mim onde a cara da Senhora Professora devia ter
27
NÓS MATÁMOS O CÂO-TlNHOSO!
estado, e depois veio devagarinho e a andar de lado e encostou-se outra vez 
à coluna, muito distraída a riscar na cal. Daí a bocado disse-me:
-Viste?...
E eu disse:
-V i.
E cia:
- Correu com ele...
E eu:
- Sim.
Ficámos um bocado sem falar e depois ela veio numa corridinha pôr- 
-se-me em frente para me olhar com força. Os cantos dos olhos dela come­
çaram a encher-sc de lágrimas e quando os olhos estavam cheios elas 
rebentaram e caíram-lhe pela cara abaixo, a fazer dois riscos grossos.
Perguntou-me:
- Viste?... Viste o que ela fez?...
Eu respondi:
-V i.
E ela:
-E la é m á ... Ém á...
Eu não disse nada e ela continuou:
- Todos são maus para o Cão-Tinhoso...
Os olhos dela não eram azuis, mas eram grandes e olhavam como os olhos 
do Cão-Tinhoso - como uma pessoa a pedir qualquer coisa sem querer dizer.
Depois ela foi-se embora, lá para trás, onde os outros estavam a comer 
os lanches e a brincar.
O Senhor Administrador cuspiu para nós os dois e disse aquilo do 
Cão-Tinhoso, mas era só porque ele e o parceiro tinham levado uma 
lirapa-q u atro-bolas:
O Cão-Tinhoso costumava aparecer no Clube aos sábados à tarde para 
ver a malta a treinar futebol. Eu não sei porque é que o Cão-Tinhoso gostava 
disso, mas a verdade é que ele estava lá todos os sábados à tarde.
Houve um dia que a malta quis fazer um desafio a serio e não me deixou 
jogar. O Gulamo nem me deixou jogar à baliza. Ele disse-me: «Aguenta 
um bocado na varanda do Clube. Ficas como suplente. Daqui a pouco 
entras, mas há-dc ser quando estivermos à rasca ou a perder, porque aí 
entras tu e a gente resolve o jogo». Eu vi logo que eles não me haviam dc
28
Luís Bernardo I lonwdtta
deixar jogar porque o jogo era a dinheiro e quando e assim eles não me 
deixam. Isso de eu ficar como suplente era o que eles diziam quando não 
queriam que eu jogasse, mas eu não disse nada e fui para a varanda do 
clube. O Cão-Tinhoso estava lá.
O Senhor Administrador e os outros estavam na varanda do Clube, a 
jogar à sueca como também era hábito todos os sábados à tarde. Eu estava 
a olhar para o Senhor Administrador quando ele e o parceiro levaram um 
capote e ele disse ao Doutor da Veterinária, que se estava a rir todo satis­
feito, por lhe ter dado o capote: «Não acho graça nenhuma... Isso foi 
leiteira». Depois olhou para mim e viu que eu também me estava a rir. 
Olhou para o Cão-Tinhoso e viu-o também a rir-se. Por isso zangou-se e 
perguntou aos outros: «Eh! Quem é que disse que isto não era a Arca dc 
Noé?».
Depois continuaram a jogar à sueca e o Senhor Administrador e o 
parceiro levaram uma limpa-quatro-bolas. Eu estava a olhar para ele quando 
ele disse ao Doutor da Veterinária que se estava a rir por lhe ter dado a 
limpa-quatro-bolas: «Mas qual é a piada, pôrra? Com os trunfos todos na 
mão quem é que não fazia o que vocês fizeram? Olha filho, toma! Toma! 
Chupa!... Eu chamo-lhe leiteira...» Depois olhou para mim e zangou-se. 
Ele sabia que eu sabia que ele estava a perder. Olhou para mim e para o 
Cão-Tinhoso sem saber com qual de nós os dois havia correr primeiro. 
Enquanto pensava para resolver isso cuspiu para nós os dois, isto é, para 
um sítio entre nós os dois. Está^-se mesmo a ver que o cuspo tanto era para 
mim como para o Cão-Tinhoso.
O Doutor da Veterinária ainda se estava a rir por lhe ter dado a limpa- 
-quatro-bolas e ele acabou com aquilo dc uma vez:
- Ouve lá, o que é que este cão está a fazer ainda vivo? Está tão podre 
que é um nojo, caramba! Bolas para isto! Ai que eu tenho de me meter em 
todos os lados para pôr muita coisa em ordem.
O Senhor Chefe dos Correios, que era o parceiro do Senhor Adminis­
trador, já estava a dar as cartas nessa altura, e por isso ficaram todos a ver 
quantos trunfos é que lhes haviam de sair. Eu fiquei um momento a olhar 
para aquilo tudo até compreender o que o Senhor Administrador queria 
dizer: - O CÃO-TINHOSO VAI MORRER! Olhei para ele: estava a dormir 
com a cabeça entre as patas, muito descansado da vida.
Fui a correr para o campo de futebol para avisar a malta: «O Cão-Tinhoso vai
29
NÓS MATÁMOS O CÃO-TINHOSO!
morrer». - O Gulamo disse-me: «Fora daqui!» - Agarrei-me a ele e voltei 
a dizer-lhe que o Cão-Tinhoso ia morrer: «Larga-me». Ele só dizia isso. 
«Larga-me» - Mas estava quieto.
Ficámos os dois a ver uma avançada do grupo do Quim. O Faruk, que 
era o ponta direita deles, foi com a bola até ao canto, depois de ter batido 
o Narotamo em corida, e de lá centrou. O Quim passou por nós a correr 
para a baliza, mas o Gulamo só dizia: «Larga-me». O Quim meteu o golo 
com uma cabeçada. O Gulamo foi logo a correr: «Este golo não valeu 
porque este tipo estava a agarrar-me». O Quim e os outros não quiseram 
saber: «Isso é que vale, estás a ouvir?»
Depois o Gulamo veio ter comigo:
- Ó filho da mãe, suca daqui para fora e não voltes a chatear, estás a 
ouvir? Suca daqui antes que eu te rebente o focinho!
Bem, como o Gulamo dizia aquilo muito zangado eu fui-me embora 
para fora do campo, mas fiquei chateado porque os outros não queriam 
saber do Cão-Tinhoso.
Quando ia já a sair do campo, o Teimo correu para mim e pôs-se a bater- 
-me na cabeça e a gritar:
- Só, só, só mais um! Só, só, só mais um!...
Agarrei-lhe os braços e disse-lhe o que ia acontecer ao Cão-Tinhoso, 
mas ele continuava:
- Só, só, só mais um, só, só, só mais um...
Tive vontade de bater no Teimo, mas o Gulamo estava ali perto a olhar 
para mim com os braços cruzados no peito e tive mesmo de me ir embora.
Quando passei pela varanda do Clube, o Senhor Administrador e os 
outros estavam muito entretidos a jogar à sueca, e o Cão-Tinhoso estava 
muito quieto, a dormir com a cabeça entre as patas sem ter percebido o que 
lhe havia de acontecer.
Na segunda-feira de manhã fui ver o Cão-Tinhoso logo que cheguei à 
Escola. A Isaura estava ao pé dele e dava-lhe o lanche dela, partindo o pão 
aos bocadinhos e espalhando-os perto da boca do Cão-Tinhoso, que ia 
comendo devagar, porque levava muito tempo a mastigar. Quando tocou 
para entrar, a Isaura despediu-se dele e veio a correr para a chamada.
Lá dentro, enquanto fazia as contas e o desenho, e mesmo durante o 
ditado, fui pensando no Cão-Tinhoso a ser morto pelo Doutor da Veteriná­
ria, depois de ter escapado da bomba atómica e tudo, depois de ter corrido
30
Luís Bernardo / hnwana
uma distância monstra para não morrer por causa da bomba atómica. O 
Doutor da Veterinária se calhar não tinha vontade nenhuma de matar o 
Cão-Tinhoso, mas como é que ele havia de fazer, coitado, se foi o Senhor 
Administrador que mandou?
Perguntei ao Quim como é que o Doutor da Veterinária havia de matar 
o Cão-Tinhoso, e ele disse-me: «Um cão mata-se com antibióticos». Eu 
perguntei-lhe o que era isso de antibióticos e ele zangou-se e disse: «O seu 
burro!». E depois de se calar um bocado e continuar a fazer o desenho, 
voltou a falar, mas já sem estar zangado: «Meu Deus, quem é que te manda 
ser tão besta? E quem é que me manda ter tanta paciência para te aturar. É 
que ainda por cima não sei em que língua é que te hei-de falar porque não 
percebes nada de português, chiça?! Um cão mata-se com uma bala de 
Ponto 22. Sim, para ti tem de ser assim. É com uma bala de Ponto 22 e 
pronto, arre!» Calou-se mas continuou: «Ou com antibióticos...». E pouco 
depois disse: «A não ser que o Doutor da Veterinária seja tão burro como 
tu que só o possa matar com uma bala de Ponto 22».
- Ó meninos, isto não é um bazar, heim... -
- Era a Senhora Professora. - O que é que o Quim te estava a dizer? 
Sim, tu, Ginho. Responde!
Eu ia a responder mas o Quim deu-me um beliscão.
- Não queres dizer? Será preciso usar a régua no teu rabinho?
- Não era nada, Senhora Professora,era por causa do Cão-Tinhoso. O 
Doutor da Veterinária vai matá-lo.
- Vocês não têm tempo para tratar desses sigilosos negócios de estado 
durante a hora do intervalo?
- Temos, sim, Senhora Professora.
- Então toca a fazer o desenho e bico calado.
Ficamos de bico calado a fazer o desenho.
Quando chegou a hora do intervalo a Isaura veio ter comigo, muito 
aflita:
- O que é que tu e o Quim estavam ali a dizer?
Eu já tinha falado com ela uma vez, mas era como se fosse a primeira 
vez, porque fiquei sem saber o que lhe havia de responder.
- O que é que tu e o Quim estavam para ali a falar do Cão-Tinhoso?
- Nada ...
- Vão matá-lo? O Doutor da Veterinária vai matá-lo?
31
NÓS MATÁMOS O CÀO-TINI lOSO!
- Não, isso é mentira do Quim...
- Então, porque é que estavam a falar nisso?
- Para passar o tempo. É que o desenho era chato...
- Vocês não sabem que não devem dizer mentiras? (Ela estava a armar 
em Senhora Professora ou qualquer outra pessoa já crescida).
- O Quim é que disse mentiras, foi o Quim...
A Isaura respirou fundo (ainda a armar em pessoa crescida) e foi a correr 
para o canto das camas de poeira das galinhas do Senhor Professor. Antes 
de chegar lá parou e voltou-se para mim com as mãos a tapar a boca, mas 
como visse que eu ainda estava a olhar para ela voltou-me as costas e 
continuou, mas mais devagar.
O Cão-Tinhoso viu-a chegar e pôs-se logo a abanar o rabo e a balancear 
a cabeça como os bois, embora não estivesse a andar. A Isaura ajoelhou-se 
diante dele, agarrou-lhe a cabeça e pôs-se a dizer-lhe uma data de coisas 
que não ouvi.
Depois sentou-sc sobre os calcanhares, cruzou os dedos no regaço e 
pôs-se a olhar para as mãos. Eu estava mesmo atrás dela quando ela disse:
- Não ligues a isso tudo porque é pêta do Quim, o Doutor da Veterinária 
não te quer matar nem nada, isso é pêta. Nós ainda vamos falar das nossas 
coisas e eu hei-de dar-te de comer todos os dias. Também posso vir à tarde 
depois da hora do lanche c trazer-te de comer, a minha mãe não diz nada. 
Cão-Tinhoso! Não sejas malcriado! O que é que estás a querer ver debaixo 
das minhas saias? - E puxava a saia para tapar os joelhos. - Oh! Desculpa- 
-me, Cão-Tinhoso! Estás a ver a barra da minha saia nova! Desculpa-me, 
eu devia saber que não és como esses meninos malcriados que andam por 
aí. Não tinhas visto ainda a minha saia nova? Tem muita roda, queres ver?
- Levantou-se e esticou a saia pelos lados para mostrar a roda que tinha. 
Estava a dar uma voltinha quando me viu mesmo atrás dela. Ficou de boca 
aberta a olhar-me e depois virou-se para mim com a boca muito fechada e 
de mãos nas ancas: - O que é que você quer daqui?
Fingi que estava a apanhar qualquer coisa com que tivesse estado a brin­
car e tivesse ido parar ali sem ser de propósito, e depois fui-me embora a 
fingir que metia a coisa ao bolso.
Um dia, o Senhor Duarte da Veterinária veio ter connosco quando 
estávamos no Sá a contar filmes e anedotas e disse-nos:
- O rapazes, tenho uma coisa para vocês.
32
I m í s Bernardo Honwatta
Claro que fomos todos atrás dele até ao muro da Veterinária.
- Oiçam, ó rapazes, tenho uma coisa para voccs - repetiu - depois de se 
sentar ao alto do muro, com a malta toda em volta.
- É mesmo uma coisa para a malta. - Calou-se por um bocado e olhou 
para as nossas caras.
«E uma coisa dc malta, mesmo de malta (agora só olhava para as 
unhas com os olhos quase fechados por causa do fumo do cigarro). 
E coisa que eu com a vossa idade não deixaria de fazer, se me 
pedissem para fazer. Bem, voccs sabem, que o Doutor mandou-me 
dar cabo de um cão, aquele, vocês conhecem-no, aquele que anda 
aí todo podre que é um nojo, vocês não o conhecem?... Ora bem, o 
Doutor mandou-mc dar cabo dele. Bem, eu já o devia ter liquidado 
há mais tempo, mas o Doutor só me disse esta manhã. Bem, acon­
tece que eu tenho visitas em casa e é bera estar agora a pegar em 
armas e zuca-zuca atrás de um cão, vocês compreendem, não é 
rapazes?... Mas eu nem me afligi porque pensei para cá comigo - 
que diabo, os rapazes estão sem fazer pêva e é para as ocasiões que 
a gente conta com os amigos - e pensei logo em vocês, porque já 
se vê, vocês até devem gostar de mandar uns tiritos, hem? Bem, 
calem-se não digam mais, eu já sabia que vocês são malta fixe. 
Olhem rapazes, vocês pegam aí numa corda qualquer, procuram lá 
o cão e levam-no para o mato sem grandes alaridos e aí ferram-lhe 
uns tiritos nos comos, que tal?... Está bem, está bem, calma, 
deixem-me acabar de falar»...
(O Quim bateu-me na boca - «Deixa ouvir o Senhor Duarte, 
caramba!»).
«Olhem, vocês, cu sei que vocês andam por aí aos tiritos às rolas e 
aos coelhos, olhem que eu sei... Mas deixem lá que eu não levo a 
mal, malta é malta, isto é assim mesmo, eu só não quero é que façam 
as coisas à minha frente porque tenho rcsponsabilidades, vocês 
sabem. Ora, vocês já têm armas e por isso não tenho de vos 
emprestar as Ponto 22 daqui da Repartição, aliás uma chega, mas 
se vocês quiserem fazer tiro ao alvo, eu não tenho nada com isso... 
Mas, pst, sem fazer um cagaçal que se oiça aqui na vila, heim?... 
Pronto, rapazes, ide, ide divertir-vos um pedaço, mas cuidado lá 
com as armas, hem? Nada de desatar a ferrar tiros nos comos uns 
dos outros...».
33
NÓS MATÁMOS O CÀO-TINHOSO!
A malta pôs-se logo a correr, e o Senhor Duarte tcvc de se pôr de pé ao 
alto do muro da Veterinária para nos chamar de novo. Depois esperou que 
chegássemos bem ao pé dele para nos olhar bem nas caras antes de falar 
com os olhos outra vez quase fechados por causa do fumo do cigarro:
«Oiçam, rapazes, eu estou a falar entre homens, porra! Isto escusa de 
ser propalado por aí aos quatro ventos, estão a ouvir? Eu só quis dar um 
prazer à malta porque sei que vocês gostam de dar uns tiritos de vez em 
quando e eu não levo a mal.
.. .Sim, sei que vocês gostam de dar por aí uns tiritos às rolas e aos coe­
lhos, mesmo sem terem licença de uso e porte de arma, para não falar da 
licença de caça, e vocês sabem que se são apanhados por mim ou por um 
fiscal de caça, chupam uns mesecos de prisão que se lixam. Mas deixa lá 
que cu não levo a mal nem digo a ninguém que vocês usam as armas dos 
vossos pais ilegalmente. Eu só quero que não me façam essas coisas mesmo 
debaixo do nariz, porque tenho responsabilidades, vocês sabem. Mas eu 
não levo isso a mal, porque conheço bem a malta, mas isto não é para ser 
espalhado por aí, vocês não acham?
De resto, isto nem tinha de ser dito, porque estou a falar entre homens...»
- Fique descansado, Senhor Duarte... - Foi o Quim.
- Pronto, rapazes, ide divertir-vos, mas pouco alarido ...
O Sá, da varanda da loja, fazia-nos sinal para lhe irmos contar o que o 
Senhor Duarte nos tinha dito, mas nós nem olhámos para lá. Fomos logo 
para a escola, e no canto das camas de poeira das galinhas do Senhor Pro­
fessor lá estava o Cão-Tinhoso a dormir. Quando nos viu, levantou-se e 
veio por ali fora a cobrejar, todo cansado, com as patas a tremer. Olhou 
para todos nós com os olhos azuis, sem saber que nós queríamos matá-lo e 
veio encostar-se às minhas pernas. Depois de estar um bocado assim 
encostado, deixou escorregar o trazeiro e sentou-se. Eu senti-o a tremer 
como não sei o quê, enquanto os outros combinavam, e via os meus sapatos 
a brilhar onde ele os lambia.
- Ouve lá, tu deixas esse cão todo podre que é um nojo encostar-se a ti?
- O Faruk estava sempre a meter-se comigo, mas o Quim queria
combinar a coisa e não queria ouvir o que ele dizia:
- Deixa lá, é preto e basta, deixa lá... Bem, malta, o cão não sai daqui 
e a gente vai cada um para a sua casa buscar as armas e depois levamo-lo 
para a mata atrás do matadouro e damos cabo dele, ó quêi?
- Como é que o levamos? Eu é que não o levo às costas...
34
Imíc Bernardo Honwana
- Ó minha besta! - O Quim não gostava daquelas piadinhas. - E isso 
seria demais? - Como é que vocês, os quadrúpedes, costumam levar as 
coisas? - Depois virou-sc para mim: - Toucinho, tu trazes aquela cordaque 
tens na tua casa debaixo do canhueiro.
- E quem c que leva o Cão? - Eu não queria levar o Cão-Tinhoso.
- A gente depois atira uma moeda ao ar e vê quem é que o leva.
- Não me digam que este gajo também atira...
- Ó malta, vamos fazer o que o Senhor Duarte mandou ou não?
Fomos todos a correr para ir buscar as armas.
Quando cheguei a casa, a minha mãe estava sentada numa esteira mesmo 
à porta. Escondi-me atrás de uma árvore para pensar como é que havia de 
levar a minha Ponto 22 de um tiro sem ela se zangar, mas ela viu-me logo 
e chamou-me: «Ginho! O que é que estás aí a fazer todo escondido»? - 
Corri para ela e entrei em casa saltando-lhe por cima das pemas. «Eh! Que 
brincadeira é essa» - Mas eu já não a ouvia. Fui buscar a arma e voltei muito 
devagar, sem fazer barulho nenhum, até ao corredor. Depois corri com força 
e saltei por cima dela. - «O que é isso? Para onde c que levas a espingarda? 
Anda cá! Olha que eu queixo-me ao teu pai!»
Só parei um bocado para levar o rolo dc corda debaixo do canhueiro. 
Depois não ouvi mais os berros dela. Enquanto corria para a escola fui pen­
sando que afinal até era bom matar o Cão-Tinhoso porque andava todo 
cheio de feridas que era um nojo. E até era bem feito para a Isaura que an­
dava cheia de manias por causa dele. Quando cheguei à escola, apalpei o 
bolso da camisa para sentir as balas a esfregarem-se umas nas outras. Bem, 
esqueci-me de dizer que, quando fui buscar a espingarda, também levei al­
gumas balas. Se não as levasse, como é que havia de matar o Cão-Tinhoso?
Nós éramos 12 quando fomos para estrada do Matadouro com o 
Cão-Tinhoso.
O Quim, o Gulamo, o Zé, o Xangai, o Carlinhos, o Issufo e o Chico, 
iam pelo meio da estrada com as espingardas apontadas para a frente. Atrás 
deles ia o Faruk, que não tinha espingarda, a arrastar o Cão-Tinhoso pela 
corda. O Cão-Tinhoso não queria andar e chiava que se danava, com a boca 
fechada. Nós, eu e o Teimo dc um lado, o Chichorro e o Narotamo do outro 
lado, íamos também armados, meio metidos no capim, como o Quim tinha 
mandado, a bater o mato. Eu não entrava muito pelo capim, porque, quando 
me aparecia uma micaia pela frente, eu contomava-a pelo lado da estrada
35
NÓS MATÁMOS O CÀO-T1NHOSO!
do matadouro, por onde o resto da malta ia, e volta e meia o Quim tinha 
de me perguntar se eu ia a bater o mato ou quê, porque eu só queria era 
olhar para o Cão-Tinhoso, a chiar, que se danava e mais aquele barulho de 
ossos lá dentro dele que às vezes ouvia quando o Faruk o puxava com força, 
e mesmo lá na escola, no canto das camas dc poeira das galinhas do Senhor 
Professor, quando ele andava.
Quando chegámos ao matadouro os mulequcs do Costa vieram ver a 
malta a passar:
- Onde vai jimininu? Leva xipingar, vai no caça? Mas quele cão num 
prrêsta!
- Fora daqui, negralhada! - Era o Quim.
Os muleques julgaram que o Quim falava na brincadeira e não se 
mexeram, mas o Quim apontou-lhes a arma e repetiu:
- Fora daqui, negralhada, fora daqui cabroada escura!
Desapareceram todos num instante, a correr, que batiam com os calca­
nhares no cú, como dizia o Quim.
Avançámos para o mato, mas eu tinha a certeza de que eles nos estavam 
a seguir.
- O pá, vocês ajudem-me, - era o Faruk - venha outro tipo puxar o 
sacana do cão...
- O pá, mas a gente mandou uma moeda ao ar e ficaste tu ...
- Então mandem outra vez...
- Bolas, assim não! Nós tínhamos combinado... Bem, ôquei...
O Quim olhou para mim:
- Toucinho, anda tu!
- Ó pá, mas eu vou a bater o mato como tu disseste...
- O Faruk fica a bater o mato!
- Ó pá, não há direito...
- Não há uma ova! Vai tu e não refiles! Dá a tua arma ao Faruk!
Os outros pararam um pouco atrás. Eu sabia disso, mas não fui capaz 
de parar. O Cão-Tinhoso agora ia à frente de mim e eu é que andava deva­
gar. Eu via-o de cabeça esticada para a frente e de rabo espetado. Andava 
todo inclinado para a frente, com as pernas a fazer músculos com o esforço 
dc fugir da corda que lhe apertava o pescoço.
Tínhamos entrado muito pelo mato adentro mas estávamos num sítio 
onde não havia árvores c só havia capim. As árvores estavam à nossa frente 
e o Cão-Tinhoso queria ir para lá. Às vezes ele nem se via no capim alto,
36
Luís Bernardo H onuuru
mas de vez em quando andava tão depressa, que a corda se esticava e eu 
tinha de andar um pouco mais depressa para não sentir na mão, na cabeça, 
aqui dentro, no corpo todo, a força dos ossos dele a chiar, a chiar, c a chiar.
- Ei, para onde é que levas isso?
Parei e o peso veio todo na corda para dentro de mim. Virei-me devagar 
e vi o Quim a meter um cartucho na Calibre 12 de Dois Canos.
- Ó Chico, o que é que dizes, SG ou 3A? - Agora falava com o Chico, 
com o cartucho meio metido num dos canos e com o dedo a empurrá-lo 
devagarinho lá para dentro da câmara.
O Cão-Tinhoso atirava-se todo para a frente e chiava com a boca 
fechada, com os ossos lá dentro da pele, e eu sentia aquilo tudo a entrar- 
-mc pelo corpo adentro através da corda esticada.
- Ó Quim, pá, põe-lhe o número 4, não sejas bera que com isso escan­
galhas o cão todo, pá!...
- Ouve lá, para onde é que levas isso? - Eu estava parado, a sentir tudo 
aquilo do Cão-Tinhoso que vinha pela corda esticada. O Cão-Tinhoso 
virou-se para mim e atirou-se para trás de recuo a chiar por todos os lados. 
Eu sabia que ele me estava a olhar com os olhos azuis, mas não pude deixar 
de olhar para a malta, que a estava a fazer meia roda, andando devagar e 
sem fazer barulho, sempre a armar e a desarmar as espingardas. O Quim, 
em cima de uma pedra, olhava para mim com o cartucho meio metido num 
dos canos de Calibre 12. O Faruk agarrava com força a minha Ponto 22 de 
Um Tiro, e já lhe tinha metido uma bala expansiva na câmara. Ele era o 
único que não estava sempre a mexer na culatra para armar e desarmar a 
espingarda.
- Ó Quim, não atires com SG nem com 3A que isso c chato...
-N ão atires, Quim, isso é bera...
- Assim, o gajo quina logo...
- Ó Quim, mete-lhe o número 4 ou outro número qualquer, o Senhor 
Duarte disse que nós também podíamos atirar...
- Pôça, Quim, isso não!
O Cão-Tinhoso já não fazia força e de repente senti a corda lassa. Daí a 
pouco o Cão-Tinhoso encostava-se às minhas pemas, todo a tremer c a chiar 
baixinho.
O Quim acabou de meter o cartucho num dos canos da espingarda e 
endireitou-a devagar até fechar a câmara. A arma ficou voltada para mim. 
Eu não pude olhar mais para lá, mas era por causa dos olhos do Quim, que
37
NÓS MATÁMOS O CÂO-TINHOSO:
mc olhavam quase fechados, a brilhar sem ele estar a chorar. O Cão-Tinhoso 
olhava-me quando me voltei para ele. Os seus olhos azuis não tinham brilho 
nenhum mas eram enormes e estavam cheios de lágrimas que lhe escorriam 
pelo focinho. Metiam medo aqueles olhos, assim tão grandes, a olhar para 
mim como uma pessoa a pedir qualquer coisa sem querer dizer. Quando eu 
olhava para eles sentia um peso muito maior do que quando tinha a corda 
a tremer de tão esticada, com o chiar dos ossos a querer fugir da minha mão 
e com os latidos que saíam a chiar, afogados na boca fechada.
Eu tinha uma danada vontade de chorar mas não podia fazer isso com 
aqueles todos a olhar para mim.
- Quim, a gente pode não matar o cão, eu fico com ele, trato-o das feridas 
e escondo-o para não andar mais pela vila com estas feridas que é um 
nojo...
O Quim olhou para mim como se nunca me tivesse visto em nenhum 
lado, mas respondeu aos outros:
-Vocês que se lixem, eu atiro com o cartucho que quero e pronto!
-A tiras um raio é que atiras! Não julgues que temos medo de ti!
O Quim olhou para o Gulamo c perguntou devagar e em voz baixa:
- Ó meu filho da mãe, queres que eu te rebente o focinho?
- Rebentas uma ova, tu aqui não armes em mandão que eu não tenho 
medo de ti. - O Gulamo tinha se virado para o Quim, com arma e tudo.
- Ouve lá, queres ter alguma coisa comigo, monlié de um raio?
O Quim não teve medo da arma do Gulamo.
- Isso era o teu avô, meu labreguinho ordinário! Nunca te contaram issolá na tua aldeia? Seu maguerre!...
- Monhé! Filho de um corno!
- O Quim, não atires com SG nem com 3a que isso é ser chato...
- Não atires, Quim, isso é bera...
-Assim , o gajo quina logo...
- Ó Quim, mete-lhe o número 4 ou outro número qualquer, o Senhor 
Duarte disse que nós também podíamos atirar...
- Pôça, Quim, isso não!
O Quim tinha descido da pedra e avançava para o Gulamo.
O Cão-Tinhoso chiava baixinho e roçava-se pelas minhas pemas a 
tremer. O Faruk agarrava a minha espingarda com força e apontava-a para 
mim com as pemas afastadas, mas olhava para o Cão-Tinhoso, com os 
olhos grandes de medo. Todos os outros tinham os olhos cheios dc medo
38
Luís Bernardo H ouuwm
quando olhavam para os olhos azuis do Cão-Tinhoso.
- Eh, malta, vamos acabar com isto que é tarde e está quase escuro. 
Vocês não desatem aqui aos tiros para os comos um do outro...
O Quim parou e virou-se para o Xangai:
- Cornos tem o teu pai, estás a ouvir? Eu não deixo que um monhé abuse 
sem levar na cara! De mim ninguém se fica a rir... E se ladras mais também 
comes no focinho... Tu ou qualquer outro! Vocês todos estão a ouvir? Se 
me chateiam comem... Eu rebento-vos... Eu escangalho-vos... Eu... Seus 
cachorros! Seus capados! A mim ninguém levanta a voz! Nem o sacana do 
meu pai, estão a ouvir? Eu mato-vos, eu limpo-vos o sarampo... Cães! Cães 
danados! Filhos da puta! Fi-lhos-da-puta, filhos-da-pu-ta! Fi-lhos-da-puta... 
Vocês querem alguma coisa comigo? Querem?...
O Quim gritava como um doido, mas o Gulamo não tinha medo dele 
porque começou a arregaçar as mangas da camisa.
Já estava quase escuro e o Cão-Tinhoso tremia contra as minhas pernas 
como não sei quê.
- Eh pá, vamos deixar isto para o outro dia, - o Faruk olhava para o bri­
lho do cano da Ponto 22 de Um Tiro - vamos deixar isto para amanhã ou 
outro dia...
Ele talvez ficasse por aqui, mas como o Quim deixasse de berrar para 
ouvir o que ele dizia, continuou:
- E que já está quase escuro e podíamos ferir alguém sem querer, no 
escuro, com tantas espingardas...
O Quim gritou logo:
- O meus filhos da mãe, vocês estão com medo?
Só eu é que respondi:
- Eu estou com medo - custou-me dizer aquilo porque mais ninguém 
estava com medo, mas foi melhor assim - eu estou com medo, Quim...
Apesar dc já estar quase cscuro eu via os meus sapatos a brilhar nos 
sítios onde o Cão-Tinhoso os lambia. Mesmo com o capim e tudo. O Quim 
e a outra malta riam-se com força e o Gulamo rebolava no capim de tanto 
se rir por eu ter medo.
- Esta é forte, malta - dizia o Quim, com a boca toda aberta c os olhos 
a chorar dc tanto se rir por eu ter medo.
- Esta é que foi - dizia o Gulamo que nem se via por estar a rebolar no 
capim. Os outros riam-se muito, também.
Parece que eu tive muita vergonha por ter dito aquilo. Voltei a sentir um
39
NÓS MATÁMOS O CÃO-TINHOSO!
peso monstro dentro de mim e no pescoço. Eu não me mexia para os outros 
não se rirem mais de mim, mas as pemas tremiam-me por causa do 
Cão-Tinhoso, a tremer encostado a elas.
- Esta é forte! - 0 Quim berrava outra vez.
- Esta é forte! - O Gulamo dizia isto enquanto rebolava no capim de 
tanto se rir de mim. - Esta é forte...
Os outros, às vezes calavam-se, e só o Quim é que se ria sempre, sempre, 
sempre e cada vez com mais força. Os outros ouviam-no quando se calavam 
e voltavam a rir-se com força como ele. E riam-se, riam-se, riam-se 
enquanto o peso no meu pescoço e cá dentro aumentava cada vez mais. 
Parece que nunca mais acabavam de se rir, e eu com aquilo só tinha vontade 
de chorar ou de fugir com o Câo-Tinhoso, mas também tinha medo de 
voltar a sentir a corda a tremer de tão esticada, com o chiar dos ossos a 
querer fugir da minha mão, e com os latidos que saíam a chiar, afogados 
na boca fechada como ainda há bocado. Sim, eu nunca mais queria voltar 
a sentir isso.
Mas eles continuavam a rir-se e o Quim estava agora agarrado à barriga 
com as duas mãos, ajoelhado ao pé do Gulamo que não se cansava dc 
rebolar no capim de tanto se rir de mim. Os dois diziam esta é forte, esta é 
forte e continuavam a rir-se.
Os outros às vezes calavam-se, mas então ouviam o Quim e o Gulamo 
e voltavam a rir-se com força, como eles.
O Quim estava de novo em cima da pedra, mas ainda se ria de vez em 
quando e dizia esta é forte, esta é forte.
O Gulamo estava ajoelhado, sentado sobre os calcanhares e com a 
camisa limpava a cara das lágrimas que saltaram dos olhos de tanto se rir 
de mim por eu ter medo e também dizia esta é forte, esta é forte.
Os outros já não se riam mas de vez em quando concordavam com o 
Quim e com o Gulamo nisso de esta é forte, esta é forte.
Já estava quase escuro e o Quim, do alto da pedra disse para a malta:
- Eh, malta, agora é que vai ser: Eh! Toucinho, desata a corda!
- Eh, Toucinho, desata a corda, eh, Toucinho desata a corda, eh. Toucinho, 
desata a corda - todos disseram eh Toucinho, desata a corda. Mas eu não 
era capaz de me mexer, todo envergonhado e com o pescoço a doer como 
não sei o quê.
- Eh, malta, vocês nunca me viram a matar um preto? - O Quim apro­
ximou-se de mim: «Eh, Toucinho, desata a corda!»
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Laís Bernardo Honwctia
O Gulamo aproximou-se também. «Eh, Toucinho, desata a corda!»
Como eu não mc mexia, o Quim bateu-me na cabeça com o cano da 
Calibre 12 e o Gulamo meteu-me o cano da Pressão de ar Diana 27 na 
barriga. «Eh, Toucinho, desata a corda!».
O nó estava feito dc tal maneira que custava a desatar, c eu não tinha 
força nenhuma nos dedos. Tinha vontade de chorar ou de fugir com o cão 
e tudo.
-A nda lá, senão rebentamos contigo, preto de um raio!
- Anda lá com isso, caramba, - agora era o Faruk - anda lá com isso, 
preto dc um raio!...
No pescoço, as feridas do Cão-Tinhoso já não tinham crosta por causa 
da corda, mas só saíam delas uma águadilha vermelha que me molhava as 
mãos.
-A nda lá, não tentes ser besta, Toucinho!
O Cão-Tinhoso chiava baixinho, a olhar para mim com os olhos azuis 
agora brilhantes, todo encostado às minhas pernas, a tremer e com o rabo 
a dar e a dar. Tive de fechar os olhos para não ver os olhos azuis do cão, a 
olhar para mim como uma pessoa a pedir qualquer coisa sem querer falar.
Quando acabei de desapertar o nó, agarrei a corda com força para ela 
não cair e continuei a mexer no pescoço do cão, mesmo com os olhos 
fechados.
- Eu tenho medo, desculpa-me Cão-Tinhoso - eu disse aquilo tão bai­
xinho que só o Cão-Tinhoso me podia ouvir - eu tenho medo, Cão-Tinhoso. 
Doem-te as feridas? Aonde, aqui? Pronto, Cão-Tinhoso, pronto, isto há-de 
passar, eu levo-te comigo, trato-te das feridas e depois nunca mais andas aí 
pela vila, com estas feridas que é um nojo... Eu vou pedir isso ao Quim e 
à malta, e eles deixam concerteza, e eu levo-te e trato-te e depois vais outra 
vez dormir para as camas de poeira das galinhas do Senhor Professor, e a 
Isaura dá-te pão com manteiga e carne na hora do lanche e eu dou-te 
também o meu lanche para tu comeres. Eu vou pedir ao Quim e à malta e 
eles deixam. Mas, não me olhes como se eu tivesse culpa, Cão-Tinhoso! 
Desculpa, mas eu tenho medo dos teus olhos...
Abri os olhos e o Cão-Tinhoso estava com os olhos cm cima de mim, 
como se não tivesse percebido o que cu tinha pedido. Tive de desviar a cara 
depressa e por isso a corda caiu-me das mãos: POR FAVOR, CÃO-TI- 
NHOSO!
- Ei, o que é que estás para aí a dizer? O quê, já acabaste?
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NÓS MATÁMOS O CÃO-TINHOSO!
- QUIM, A GENTE PODE NÃO MATAR O CÃO, EU FICO COM 
ELE, TRATO-LHE AS FERIDAS E ESCONDO-O PARA NÃO ANDAR 
MAIS PELA VILA COM ESTAS FERIDAS QUE É UM NOJO!...
O Quim não queria saber do que eu estava a dizer c, por isso, agarrou-me 
pela gola da camisa e pcrguntou-me o que é que eu estava para ali a dizer.
O Cão-Tinhoso tremia, cada vez mais enfiado nas minhas pernas e eu 
empurrei o Quim para voltar a agarrar no pescoço do cão para os outros 
não verem. Mas só pude chcgar com as mãos ao pescoço do Cão-Tinlioso, 
porque o Quim voltou a agarrar-me pela gola da camisa e por isso

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