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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS ALESSANDRO VIEIRA DOS SANTOS CONRADO MULLER MILEK A PRESENÇA MILITAR NAS FAVELAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E O ESTADO DE EXCEÇÃO. Trabalho de pesquisa requisitado como avaliação parcial da disciplina de Teoria Geral do Estado ministrada pelo Professor Doutor Murilo Duarte da Costa. PONTA GROSSA 2014 A OCUPAÇÃO MILITAR NAS FAVELAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E O ESTADO DE EXCEÇÃO. ALESSANDRO VIEIRA DOS SANTOS1 CONRADO MÜLLER MILEK2 RESUMO O Estado visa inserir políticas públicas na a sociedade tentando reestabelecer certa ordem por hora perdida e garantir às pessoas que vivem nas favelas, também conhecidas como comunidades, o acesso à garantia dos direitos fundamentais previstos no art. 5º da Constituição Federal de 1988. Em relação à segurança pública, o Estado tende a lançar políticas de segurança em sua grande parte de forma repressiva com a presença cada vez maior de um aparato militar nessas comunidades. Juntamente com essas políticas apresentadas, vem à tona um conceito utilizado por filósofos chamado de “estado de exceção”. Utilizando-se do método dedutivo, foi feito o uso de conceituações sobre o Estado de Exceção, juntamente com levantamento bibliográfico na área de segurança pública, sobre a presença militar nas comunidades do Rio de Janeiro, verificando se esse conceito de exceção é de pertinente aplicação nestes casos. Este através trabalho que visava discutir, levantar e extrair informações de dados coletados em vários veículos de informações sobre as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) tentando verificar a existência do Estado de Exceção constatou-se que existe uma constante política de exceção e supressão de direito nessas comunidades, mas essa não é proveniente da ação policial que tem tentado reestabelecer o estado de direito e abrir portas para novas políticas públicas e sociais, mas sim dos anos em que as comunidades estiveram sob o comando do tráfico de drogas. Palavras-chave: Estado de exceção. Cidadania. Militares. UPPs. Violação de direitos. 1 Acadêmico do primeiro ano do curso de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG – E-mail: vieirasantos26@outlook.com 2 Acadêmico do primeiro ano do curso de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG – E-mail: conradomilek@hotmail.com SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 4 2 DESENVOLVIMENTO ............................................................................................. 5 2.1 O ESTADO DE EXCEÇÃO SEGUNDO GIORGIO AGAMBEN................ 5 2.2 O ESTADO DE EXCEÇÃO SEGUNDO O CARL SCHIMTT .................... 6 2.3 A FORMAÇÃO DAS FAVELAS NO RIO DE JANEIRO ........................... 6 2.4 INSTALAÇÃO DAS UNIDADES DE POLÍCIA PACIFICADORA ............ 8 2.5 RESULTADOS APRESENTADOS PELAS UPPs ................................... 9 2.6 MILITARIZAÇÕES DA VIDA COTIDIANA E O APARENTE SUCESSO DESSA MEDIDA........................................................................................... 11 4 CONCLUSÕES ...................................................................................................... 12 5 BIBLIOGRAFIAS ................................................................................................... 14 6 ANEXOS ................................................................................................................ 14 1 INTRODUÇÃO O Estado de Exceção é um mecanismo político utilizado por muitos governantes para controlar e manter a ordem pública no Estado quando o mesmo está passando por alguma instabilidade ou agitação que poderá ocasionar perda de comando ou soberania do seu território. Para Agamben (2004) o “estado de exceção apresenta-se como forma legal daquilo que não pode ter forma legal” e mais, apresenta-se como um “patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo”. Segundo Hardt e Negri (2005), “o estado de exceção é um conceito de natureza alemã que se refere à suspensão temporária da constituição e do império da lei, semelhante ao conceito de estado de sítio e à noção de poderes de emergência nas tradições francesa e inglesa”. Agamben (2004) ainda sugere que “o estado de exceção tornou-se permanente e generalizado; a exceção transformou-se em regra, permeando tanto relações internacionais quanto o espaço interno”. Esse mecanismo disposto em várias constituições ocidentais permite que o Estado, em situações de emergências e exceções, possa restringir certos direitos fundamentais da população para que a “paz” não seja tão sacrificada. A exceção em Carl Schmitt desempenha elemento central. Para Schmitt (2006), “somente diante da excepcionalidade (Ausnahmezustand)3 pode-se vislumbrar quem é o soberano, pois é justamente o soberano quem decide sobre o estado ou situação de exceção”. Esta forma de governar através da exceção deveria ser por via de regra temporária, porém esta cada vez mais presente no cotidiano das pessoas. Além disso, não há um conceito definido sobre o que vem a ser uma questão de emergência. Emergência pode ser uma guerra contra invasão por parte de outro país, uma situação de calamidade pública, uma movimentação social, uma greve, ou ainda uma manifestação contrária aos objetivos da classe dominante. O Estado, historicamente falando, sempre aplicou políticas públicas que beneficiassem as classes dominantes economicamente em seus territórios. A formação moderna das favelas na cidade do Rio de Janeiro é um exemplo dessa situação, quando entre os anos de 1903 e 1906 o, então prefeito, Pereira Passos promoveu uma grande reforma a cidade que impôs regras urbanísticas que acabaram por desalojar classes mais pobres da área central os levando a se mudar para as periferias. Dessa forma, vemos que restou a uma grande parcela da população, ocuparem lugares cada vez mais longe dos centros e longe das políticas públicas básicas. Esse processo gradativo afastamento do estado e a exclusão da população das favelas que é inerente desse processo, deixando de assegurar direitos básicos ao cidadão como saúde, educação, lazer e principalmente segurança, fez com que se criasse um "estado" dentro do próprio Estado, porém esse começou a ditar suas próprias leis e julgamentos, tornando-se locais com alto índice de violência e de difícil controle por parte do poder público. À medida que as estatísticas quanto aos índices de violência, abandono escolar e atuação do tráfico de drogas começaram a subir e assim 3 O termo usado por Schmitt em alemão Ausnahmezustand em português se traduz como "Estado de emergência". trazer problemas de ordem política para a cidade de Rio do Janeiro entre outras no mesmo estado, tornou-se necessário uma presença mais efetiva por parte do Estado nesses locais de conflito. Políticas de segurança pública começaram a serem implantadas, porém de formas pontuais. Foi então que no ano de 2008 o Estado do Rio do Janeiro começou a implantar em algumas regiões da cidade, mais especificamente nas favelas como maiores índices de violência, unidades de intervenções mais próximas das comunidades. O projeto que foi batizado de Unidade de Polícia Pacificadora(UPPs) visa aproximar as políticas públicas do Estado a essa população excluída, primeiramente pela retomada do território por tropas militares4, retirar o poder das facções criminosas que tomam conta destes locais, e na sequência estabelecer as Unidades Policiais com equipe policial treinada dentro da filosofia da polícia comunitária que trata principalmente da proximidade entre o Estado e o cidadão, tentando dessa forma deixar essas localidades mais seguras para que as outras políticas sociais, como acesso a saúde e educação possam também adentrar nessas comunidades. Porém as UPPs, que tinham os objetivos citados anteriormente, começaram a ser alvo de denúncias por parte da população das áreas onde foram implantadas, notícias nos jornais escritos e televisionados também despertaram o interesse da sociedade para a questão da violação de direitos dos moradores dessas comunidades por parte da polícia que ali havia sido implantada para estabelecer uma nova ordem dentro do convívio social. Logo começaram a surgir questões a respeito da legitimidade da atuação policial nessas comunidades, do uso da força desproporcional, invasões e das mortes decorrentes das ações policiais. A pesquisa então se desenvolveu através dessas questões, estudando a presença militar nessas favelas e militarização do cotidiano e analisando a possível caracterização de um Estado de Exceção dentro desses locais. 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 O ESTADO DE EXCEÇÃO SEGUNDO GIORGIO AGAMBEN Dentre as linhas de pensamento envolvendo o Estado de Exceção, destaca-se o parecer de Agamben, segundo ele as políticas estabelecidas pelos soberanos em momentos "extraordinários e emergenciais" não passam de medidas de exceções permanentes que acabam com as liberdades fundamentais dos cidadãos. Como já citado anteriormente Agamben (2004) entende o Estado de exceção como a apresentação em forma legal, daquilo que não pode ter uma forma legal, Agamben trata nessa frase da supressão de direitos dos cidadãos, podemos assim entender que essa não pode ser legitimada sob nenhum argumento, nem em prol do bem do Estado. 4 Quanto à tomada de território nas favelas do estado do Rio de Janeiro, existem registros da participação do Exército Brasileiro, da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) muitas vezes representada pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) que é uma subdivisão da mesma. A visão de Agamben a respeito do Estado de Exceção é claramente influenciada, por pensadores como Walter Benjamim, Guy Debord e Michel Foucault. O contato com esses filósofos e o profundo estudo desenvolvido a respeito da exceção fizeram com que despertasse uma resistência ao dito Biopoder, definido como o controle que as autoridades exercem sobre a vida dos cidadãos. Em entrevista a Carta Capital em 31 de Março de 2014, perguntado o porquê de não mais lecionar em Nova Iorque Agamben responde: “Preocupação com a escalada das práticas de controle; com o fato de medidas excepcionais estarem se tornando normais” (Agamben, 2004. p. 76) e continua “provavelmente está se aproximando o momento em que todos os cidadãos serão ‘normalmente’ controlados pelo estado do modo que antes se usava somente para criminosos, nas prisões”. Essa política de cercear direitos de locomoção e outros direitos fundamentais, tendo por motivo de defesa da sua soberania, especialmente após os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos, está sendo utilizada de uma forma indiscriminada e efetivamente permanente por diversos governos na atualidade. Portanto é inequívoco se entender que esses fenômenos da contemporaneidade vão de encontro ao pensamento de Agamben (2004) "(...) estado de emergência permanente (ainda que não declarado) tornou-se uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, inclusive dos chamados democráticos". Seguindo os traços ideológicos de Agamben, podemos afirmar que estamos na verdade vivendo a era das exceções em favor dos interesses do Estado que nem sempre coincidem com as necessidades e a defesa dos direitos fundamentais da população e sim com permanência da vontade da classe dominadora. Inobstante a isso Agamben afirma que não podemos chamar esses casos específicos de exceção, pois não se trata de uma questão emergencial e sim como uma política governamental de cerceamento de direitos em um estado democrático de direito e conclui dizendo que o estado de exceção está apresentado com um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo. Agamben, quando trata das origens do estado de exceção, remonta a Constituinte francesa (1789-1791) que incluiu no decreto de 08 de julho de 1891 o estado de sítio. Segundo ele, esse estado era dividido em duas formas: uma militar, cujo objetivo era proteger o Estado de possíveis invasões e guerras externas; e outro de ordem interna, cujo objetivo era conter motins, levantes, guerra civil, etc. Esse também poderia ser utilizado em questões de crises econômicas. Mas, devido a sua origem esse estado deveria ser empregado somente em situações emergenciais e por tempo determinado. Porém, se pode notar ao decorrer da história que isso se tornou uma técnica de governo para qualquer instabilidade na ordem pregada por determinado Estado. Assim, segundo Agamben (2004), essa exceção aparece inserida e integrada no corpo vigente de muitas constituições, tornando-se parte integrante do direito e ainda conclui dizendo que “A declaração de um estado de exceção é progressivamente substituída por uma generalização sem precedentes do paradigma da segurança como técnica normal de governo”. Em concordância com Agamben, não é difícil de observar dentro do nosso cotidiano essa política de exceção sendo empregada com frequência e de forma generalizada a figura do decreto-lei, as medidas provisórias que se tornaram práticas corriqueiras e não mais eventuais ilustram bem, em casos específicos as exceções que tratava Agamben. 2.1 A FORMAÇÃO DAS FAVELAS NO RIO DE JANEIRO Com a vinda da família real portuguesa e um enorme contingente de portugueses para o Brasil, houve a necessidade de estabelecer os lugares onde essas pessoas iriam morar. Desta forma, em 1808 30% da população carioca foi expulsa de suas casas para dar moradia aos acompanhantes da família real portuguesa. Ao serem expulsas de suas residências, e necessidade de morarem próximo aos locais de trabalho, essa população optou por moradias coletivas, conhecidas como cortiços, os quais não paravam de aumentar na cidade do Rio de Janeiro. Com fim da escravidão na metade do século XIX, muitos escravos libertos foram buscar moradias em quilombos que estavam estabelecidos nas periferias do Rio. Contudo, não houve uma política de inserção no mercado de trabalho, ou até mesmo, condições mínimas de sobrevivência, surgindo um grande aumento de pessoas ociosas nos grandes centros do Rio. No governo do Prefeito Pereira Passos, entre 1902 e 1906, houve um princípio de remoção desses cortiços, porém não houve indenização e essas pessoas passaram a ocupar os morros mais próximos. Segundo Ferreira (2009) foi então que na primeira metade do século XX a cidade, principalmente na região sul, se expandiu de forma vertical e as favelas aumentavam horizontalmente na periferia. Nos anos de 1960 e 70 houve uma produção de conjuntos habitacionais associadas à política de remoções das favelas. Boa parte dos lugares de onde as favelas foram removidas foi ocupada por grandes empreendimentos imobiliários que se destinavam à construção de conjuntos de edifícios de apartamento de alto luxo. Dentre os vários fatores da expulsão de milhões de pessoas para as regiões de periferia e consequentemente a formação das favelas,foi sem dúvida nenhuma a especulação imobiliária. Além disso, nota-se que em muitos dos lugares onde as favelas se fixaram há deslizamentos de terra, inundações e principalmente a presença de patologias que são controladas por medidas simples de saneamento básico, e ainda continuam matando pessoas nessas localidades. Relacionado a isso, temos altos índices de desemprego, informalidade, política habitacional para a população de baixa renda e sistema de transportes precários. Pesquisa divulgada pelo Instituto Pereira Passos (IPP)5, na primeira quinzena de janeiro de 2009, afirma que o Rio de Janeiro já contabiliza 968 favelas, ou seja, 218 a mais do que em 2004. A pesquisa mostra ainda que a população dessas comunidades passou a ocupar mais três milhões de metros quadrados do que ocupava em 1999. Ainda segundo o IPP, as favelas passaram a ocupar 3,7 por cento do território do município. O crescimento acelerado é proporcional a ilegalidade, pobreza, adensamento e insalubridade 5 Disponível em: <http://www.rio.rj.gov.br/web/ipp >.Acessado em : 20 set. 2014. que são observados em grande parte dessas comunidades. Essas características são ainda observadas na pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística que traz a seguinte definição: “aglomeração subnormal é um conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais, ocupando ou tendo ocupado até o período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou não), disposta de forma desordenada e densa, carentes, em sua maioria, de serviços públicos essenciais”. A ausência dos principais órgãos do Estado fica evidente nessas regiões. A preocupação primordial é com obras de embelezamento urbano e medidas remediadoras, as quais não resolvem os problemas, e deixam de realizar políticas de inclusão social para essa população que se vê cada vez mais distante e marginalizada na sociedade. É o que observa Jean Lojkine “as formas de urbanização são, antes de tudo, formas de divisão social e territorial do trabalho”. 2.3 INSTALAÇÃO DAS UNIDADES DE POLÍCIA PACIFICADORA Uma das ações tomadas pelo Estado, mais especificamente o Rio de Janeiro, devido ao alto grau de insegurança e criminalidade que chegou em determinadas comunidades, foi a instalação das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs). Essas unidades foram instaladas em regiões específicas, onde os índices de criminalidade estavam exageradamente altos, como uma política de policiamento de proximidade à comunidade. Segundo o site6 do governador do Rio de Janeiro, as UPPs englobam “convênios e parcerias firmados entre os segmentos do poder publico, da iniciativa privada e do terceiro setor”. Foi nesse contexto que a primeira UPP foi instalada na data de 19 de dezembro de 2008 na comunidade de Santa Marta7 que até então era comandada pelo Comando Vermelho. Logo nos primeiros meses ocorreram alguns confrontos com traficantes do local e as ações da polícia se mantiveram por anos, porém não houve grandes avanços no combate a criminalidade. Até o momento estão instaladas no Rio de Janeiro 38 UPPs8 contando com 9.543 policiais cobrindo uma área aproximada de 9.446.047 m2. A escolha, segundo a secretaria de segurança, se deu devido ao alto grau de criminalidade nessas localidades e o que se pretendia com a instalação dessas unidades, além da retomada do domínio do Estado sobre essas áreas, era a aproximação da figura do Estado a essas comunidades, tentando reestruturar a forma como o mesmo se apresenta para essa parcela da sociedade e depois de estabelecida certa ordem pública nesses locais, levar outros serviços sociais para se atingir melhorias na qualidade de vida desses cidadãos. Porém, esse programa que é visto por uma grande maioria das pessoas como política de policiamento comunitário, vem se apresentando na verdade somente com o aparato policial e ainda em muitos casos fazendo uso da supressão de direitos de cidadãos comuns, visando garantir a ordem e o domínio do Estado sobre a comunidade. 6 http://www.upprj.com/index.php/o_que_e_upp 7 http://crimesnews.info/upp-um-projeto-que-nao-deu-certo/ 8 http://www.upprj.com/ acessado no dia 28/08/2014 O fato das UPPs terem sido apresentadas como aplicação desse modelo de polícia comunitária, que desenvolveria uma aproximação da polícia ao cidadão, aquelas pessoas a quem ela deve servir e proteger (SKOLNICK; BAYLEY 2002) nos faz entender que o dentro do combate a criminalidade é essencial o trabalho conjunto da sociedade juntamente com a polícia. Porém, o que se tem verificado ao longo desses anos é um afastamento por parte dos órgãos policiais da população nessas comunidades, havendo situações de melhoras somente em locais pontuais. Os verdadeiros anseios, como constam no documento intitulado “Planejamento e estratégia de implementação das UPPs”, de 2010 são “devolver à população local a paz e a tranquilidade pública, necessárias ao exercício e desenvolvimento integral da cidadania”, estão longe de serem concretizados. O antropólogo Antonio Rafael Barbosa9 em seu artigo “Considerações introdutórias sobre territorialidade e mercado na conformação das Unidades de Polícia Pacificadora do Rio de Janeiro”, afirma e exemplifica que as UPPs não são consideradas policiamento comunitário, pois trabalham sobre três objetivos: “produção da territorialidade, como controle de circulação; colocação de uma “estética de ordem”, a partir da normalização dos comportamentos; e intervenções estatais (ações urbanísticas ou sanitárias, programas assistenciais ou religiosos, agendas governamentais, etc..)”. Assim, não há uma aproximação efetiva entre os órgãos de segurança e a população para que haja uma diminuição da criminalidade nesses locais. 2.3 RESULTADOS APRESENTADOS PELAS UPPs A primeira das UPPs, na comunidade de Santa Marta, foi um laboratório de aplicação de políticas públicas sociais, com várias parcerias federais, governamentais, municipais e entidades privadas. O Morro Santa Marta transformou-se em ponto turístico com valorização imobiliária das residências, e diminuição significativa dos índices de criminalidade. Essa diminuição da criminalidade pode ser verificada pela queda de 71,4% nos roubos a residência 46,1% nos veículos e 15% de rua, ou seja, roubo a pedestre, roubos de celular e em coletivos, na comparação de fevereiro de 2010 e o mesmo mês de 200910. Vamos encontrar ainda alguns em casos, como na Cidade de Deus, em que houve melhoras nos índices de criminalidade, diminuição na taxa de homicídios e também uma melhora no combate ao tráfico de drogas e no aliciamento de menores. Porém existem outros casos que não atingiram os objetivos almejados no combate ao crime organizado que se instalou nas comunidades do estado do Rio de Janeiro. Dentre as objeções dos moradores que vivem nas comunidades onde é visível o fracasso das UPPs, é que os tiroteios ainda persistem mesmo após a dita pacificação da área e a retomada 9 Professor Adjunto I do Departamento de Antropologia da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - Museu Nacional (2005). Pesquisador do Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas (NUFEP/UFF). 10 http://odia.ig.com.br/portal/rio/bairros-com-upp-tiveram-queda-na-criminalidade-1.123463 do território por parte do estado, além disso, Ignácio Cano11 se posiciona de forma a dizer que: “A redução de homicídios, que aconteceu entre 2009 e 2012, se interrompe em 2013. Em algumas áreas específicas, a taxa de homicídios começa a subir e, nos últimos meses, subiu em todo o estado do Rio de Janeiro”. Sãocinco os principais motivos que podem ter levado essas unidades a não atingirem as expectativas no combate à criminalidade, segundo a revista FORUM. Em primeiro lugar o fato dos esforços e aparatos policiais serem insuficientes, o chamado policiamento de proximidade não vem ocorrendo nestas comunidades. Os policiais realizam suas incursões nas comunidades diariamente, adentram nas residências, realizam abordagens, porém não há contato com o cidadão para saber dos reais problemas enfrentados nessas comunidades. Especialistas colocam que a formação dos policiais para atuarem nessas áreas deve ser melhorada, além disso, devem ser aplicadas e o que não está verdadeiramente ocorrendo na prática da polícia comunitária no Rio de Janeiro. Outro aspecto abordado é que as UPPs não possuem sustentabilidade de escala, ou seja, não existe contingente suficiente para cobrir todas as favelas do Rio nem ao menos para se conseguir atender de forma a obter presença policial satisfatória nas comunidades onde as UPPs já estão operando, segundo dados do NUPEVI (Núcleo de pesquisa das Violências), as UPPs estão presentes em menos de 3% das mais de mil favelas enquanto as milícias dominam 41,5% e o tráfico, 56%. A revista ressalta também que os grandes eventos e especulação imobiliária definem o mapa das UPPs, observando o mapa de localidade das unidades se torna fácil constatar que a grande maioria das UPPs estão localizadas na zona sul da cidade do Rio de Janeiro e próximas a área portuária, ou seja, não coincidentemente elas se localizam de forma estratégica próximas de onde ocorreu e ainda irão ocorrer grandes eventos de visibilidade internacional e ainda perto das áreas nobres da cidade do Rio de Janeiro. Segundo o que se é relatado pela revista, os investimentos sociais são também poucos significativos, não é exagero dizer que quase todos os investimentos voltados as UPPs se relacionam a aparato militar e preparo de pessoal, moradores das comunidades pacificadas reclamam constantemente que apesar da falta das políticas públicas de coleta de lixos, saneamento básico e outras questões sociais, basicamente pode se afirmar que não houve incremento social nestes locais com a chegada das UPPs. E por último destaca-se o fato de se ter um projeto que é ineficaz para combater as milícias12, o trabalho desenvolvido pelas UPPs vai além de combater os traficantes nas comunidades, talvez o papel mais importante e difícil a ser concluído é o combate às milícias. Estas são grupos que se utilizam de métodos violentos e passam a dominar comunidades inteiras nas favelas do 11 Doutor em Sociologia - Universidad Complutense de Madrid (1991). Atualmente é professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Psicologia Social e Sociologia, com ênfase em Outras Sociologias Específicas, atuando principalmente nos seguintes temas: Metodologia de pesquisa, políticas públicas, educação, direitos humanos, violência e segurança pública. 12 São grupos organizados compostos em sua maioria por oficiais da polícia militar, que exercem coerção mediante violência sobre a população de uma comunidade para que esta pague por serviços legais e ilegais, como por exemplo, a oferta legal de gás e conexões ilegais de TV a cabo e segurança privada. Rio de Janeiro, conforme o que foi levantado pela CPI para investigar a Ação de Milícias no Âmbito do Estado do Rio concluído em 2008. Existem extensos registros de informações sobre casos de torturas, assassinatos praticados por grupos de policiais diretamente relacionados às milícias e um grande número desses profissionais sendo presos vem reforçar que os inimigos da população estão inevitavelmente dos dois lados. Segundo o Deputado Marcelo Freixo, que presidiu a CPI das milícias, “a milícia é o crime organizado dentro do Estado”. 2.4 MILITARIZAÇÕES DA VIDA COTIDIANA E O APARENTE SUCESSO DESSA MEDIDA "A população pode ficar tranquila, porque a ordem será mantida. Vamos cumprir nossa missão constitucional até o último homem."13 Que a presença policial é bem vinda em toda sociedade, para que possa realizar suas atividades sem serem perturbadas, é um fato, porém a militarização do cotidiano da mesma baseada nos princípios de disciplina e hierarquia, ainda que voltada para questões de combate a criminalidade é vista como efeito de sua grande violência, protegendo o Estado e não ao cidadão. Já sabido os objetivos das UPPs, o que entra em discussão são os métodos utilizados para se obter a recuperação dos territórios ocupados pelo narcotráfico e pelo crime organizado. E apesar de haverem estudiosos que colocam uma aproximação dessas políticas aplicadas no Rio de Janeiro com às utilizadas nas missões de paz desenvolvidas pelas Nações Unidas aplicadas em locais de conflitos armados visando restaurar a paz nestes locais onde além da retomada desses territórios, o que se busca realmente é promover a inclusão social da população mais pobre. O método adotado pelos policiais que servem nas Unidades de Polícia Pacificadora do Estado do Rio de Janeiro vem sendo muito contestado, a verdade é que por muitas vezes se ouviram denúncias a respeito dos métodos de abordagens policiais e da forma como a população vem sendo tratada pelos oficiais que deveriam servir e proteger. Além disso, é necessário haver mudanças sociais efetivas em comunidades que há muito tempo foram deixadas de lado pelo poder público, como melhora na educação, redução da pobreza e taxas de desemprego. O levantamento de informações14 até o presente momento reforça que a segurança pública envolve uma série de ações e políticas específicas: presença territorial, garantia de direitos, polícia preventiva, polícia nas mais diversas áreas (ambiental, trânsito), controle de tumultos, sistemas prisionais, e especialmente a efetiva aproximação da polícia junto a comunidade, com 13 Roberto Precioso, ex-secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. 14 Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Relatório de atividades: síntese das ações, produtos. e conclusões- Janeiro de 2009 a Fevereiro de 2011. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública – Ministério da Justiça, 2011. trabalhos voltados aos jovens no combate do acesso as drogas e a participação efetiva no crime. Não seria um equívoco dizer, a militarização do cotidiano e a possível supressão de direitos chama a atenção. A contradição das ações do contingente policial no que se refere à teoria da política de atuação nas comunidades tem sido um dos grandes problemas das UPPs. Casos específicos como do Pedreiro Amarildo, são categóricos em apontar o despreparo militar já citado. A militarização do cotidiano leva-nos a observar certa sensação de domínio por parte da polícia e tem sido essa a principal tática de combate ao crime nas comunidades com significativa melhora em alguns casos e ineficiência comprovada em outros, o que nos dispõe uma efetividade não totalmente comprovada dos métodos aplicados pelas UPPs. 4 CONCLUSÕES Ao longo dessa pesquisa o que se pode notar é que há fortes divergências sobre a realidade das políticas das UPPs nessas localidades. As informações colhidas de pesquisas dos órgãos públicos e de iniciativa privada apontam para melhoras nas situações de vida nessas comunidades e outras informações colhidas em documentários e relatos de moradores nos mostram o contrário. Porém, notou-se que houve sim com a presença militar certa liberdade em poder realizar certas relações sociais que antes não poderiam ser aplicadas. O fato é que o plano das UPPs é uma política de boa aplicabilidade, porém a sua eficiência esta comprometida,pois como foi levantado, o problema esta na forma como essa polícia de aproximação esta sendo realizada. Também há de se levar em conta que boa parte da população que outrora foi destratada e esquecida por uma parte do aparato policial, vê com desconfiança a polícia tentando essa aproximação e ser comunitária. Ao longo desse trabalho, pudemos constatar que dizer que há um estado de exceção nessas comunidades com a chegada da polícia, é afirmar que antes dela não havia exceção; é dizer que as pessoas que ali vivem conseguiam dispor de seus direitos da forma como quisessem. Mas a realidade, apresentada nesse levantamento, é diferente. Quem comanda a forma como às pessoas devem se comportar nessas comunidades são as facções criminosas da comunidade, que são os traficantes ou mais perigosas ainda, as milícias. Haveria exceção por parte do Estado caso houvesse uma retirada dos direitos individuais fundamentais da população e o que se quer com essas políticas é justamento o contrário; restabelecer a essas comunidades as suas dignidades como pessoa e principalmente a sua liberdade. O grande problema a ser enfrentado, levantado nesse estudo, foi a forte presença de milícias nesses locais, os quais expulsão os traficantes, porém continuam subjulgar e impor medo na população. Talvez esse inimigo seja o mais difícil de ser combatido no Rio de Janeiro. Agentes públicos que se utilizam de certa proteção do Estado tentam usar a legalidade cometendo abusos mais severos que muitas comunidades comandadas por traficantes Assim, o estado de exceção como um mecanismo de retirar os direitos fundamentais em prol de uma política totalitária não foi constatada nessa pesquisa. A questão de censurar, ou até mesmo proibir, certos movimentos dentro dessas comunidades, é necessário para tentar diminuir o encontro que era realizado pelos traficantes, ou até mesmo, os bailes financiados pelas milícias. Os toques de recolher, como são relatados, são em situações críticas e visa proteger a população de uma possível troca de tiros na favela. Os casos de abusos de policiais são levantados e punidos pelas autoridades públicas, assim não é aceito arbitrariedade no cumprimento de missões dadas aos policiais. Todo cidadão tem o direito de denunciar os abusos cometidos, pois os abusos são levantados e posteriormente são tomadas as providências legais. Os casos de abusos por parte de policiais são constantemente julgados e em alguns casos punidos com exoneração, caso cometam alguma transgressão ou crime na realização de suas atividades em prol da segurança pública. Em linhas gerais as comunidades do Estado do Rio de Janeiro presenciam sim a supressão de direitos e uma política de exceção quanto ao acesso há alguns direitos, mas este não é proveniente da ação policial. Conforme o que se pode observar essas exceções tornaram-se constantes e generalizadas nas comunidades devido ao comando exercido pelo tráfico nos últimos anos. As ações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro tentam reestabelecer o estado de direito nesses locais e ainda garantir o acesso a outros direitos que assim como os direitos fundamentais que em muitos casos, são apenas positivados, mas não são dotados de efetividade. 4 BIBLIOGRAFIAS AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004. COSTA, Alessandro. Bairros com UPP tiveram queda na criminalidade. O Dia: Como o Rio gosta de ler. E ver. Rio de Janeiro, 15 dez. 2011. Disponível em: <http://odia.ig.com.br/portal/rio/bairros-com-upp-tiveram-queda-na- criminalidade-1.123463>. Acesso em: 23 set. 2014 FERREIRA, Alvaro. Favelas no Rio de Janeiro: nascimento, expansão, remoção e, agora, exclusão através de muros. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. XIV, nº 828, 25 de junio de 2009. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-828.htm>. [ISSN 1138- 9796]. Acesso em: 20/09/2014. FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. 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