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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP PATRÍCIA ASSUF NECHAR CULTURAS E COMUNICAÇÕES DO UNIVERSO PLUS SIZE: UMA CARTOGRAFIA DAS IMAGENS DE CORPO NOS DISCURSOS NAS REDES SOCIAIS MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA SÃO PAULO 2015 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP PATRÍCIA ASSUF NECHAR CULTURAS E COMUNICAÇÕES DO UNIVERSO PLUS SIZE: UMA CARTOGRAFIA DAS IMAGENS DE CORPO NOS DISCURSOS NAS REDES SOCIAIS Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica, sob a orientação da Profa. Dra. Lucia Isaltina Clemente Leão. SÃO PAULO 2015 Banca Examinadora ______________________________________ ______________________________________ ______________________________________ Esta dedicatória era para você mesmo mamãe, mas era para ser com você em vida na Terra. Hoje, dedico não só esta pesquisa, mas a minha vida às lindas lembranças que tenho suas, minha mãe, minha melhor amiga, irmã e confidente. Nadia Sônia Assuf Nechar, a pessoa que mais celebrava a vida! Até o final você acreditou em mim, me incentivou em tudo na vida com muita alegria, carinho e amor que não existe igual no mundo. Você me ensinou a viver e me passou tanto conhecimento que não cabe em nenhum livro já escrito. Prometo viver os momentos da minha vida como você me ensinou: com muita alegria, total entrega e coragem. Vou te orgulhar como sempre fiz. Meu amor por você transcende o céu, o mar, a terra. Sei que além do arco-íris um dia vou te encontrar... Te amo muito! AGRADECIMENTOS À memória da minha mãe e a Deus por me dar forças. Agradeço a meu pai Raul e a meus irmãos Raul Jr e Ricardo por me apoiarem no momento mais difícil da minha vida. À minha orientadora Lucia Leão pelos ensinamentos, acolhimento e incentivo em todos os momentos deste trabalho. Ao professor José Amálio por seu um grande amigo e acreditar em minha competência. A Cida Bueno, a “guardiã” da COS que me ensinou e direcionou com muito carinho todos o processo do mestrado. A Helena Custódio por me iniciar e me apresentar ao mundo plus size. A Elisangela Munhoz Peña por dividir todos momentos felizes e difíceis desta dissertação. A Bernardo Queiroz e Ana Luiza Aguiar pelo acolhimento quando eu mais precisei. À amiga e professora Paula Carolei por me ensinar a nobre missão de lecionar. Ao prof. Rogério Costa pelo acolhimento nos meus primeiros passos da minha vida acadêmica. Aos ensinamentos dos professores José Aidar Prado e Cecília Salles. A Luís Fernando Pereira pela compreensão e paciência. Aos meus amigos e companheiros do grupo de pesquisa CCM que sempre me apoiaram: Guilherme E. Rocha, Adriana Pereira, Alessandra Marassi, Thiago Silva, Pablo Villavicencio, Fernanda Cereta, , Mirian Meliani, Gabriel Dualiby, Bruno Tavares, Janaina Oliveira, Christian Petrini, Juliana Caetano, Micheline Penafort, Roseli Demercian, Silvio Anaz, Daniel Amadei, Emerson. Otavio Donasci e você. Aos meus amigos da PUC que ajudaram nesta caminhada: Alexandre Sbabo, Tatiana Lunardeli e Kina, Gilmar Pereira, Cyntia Calhado e Daniel Libanori, Thiara Ribeiro, Pablo Garran, Regina Helena Giannotti e Roberto Schmidt. Aos meus amigos que nunca deixaram de me apoiar: Regina Golden Barbosa, Dulce Spinelli, Giuliana Vitti, Luiz Fernando Misukami, Keka Demétrio Ana Cris Maia, Fernanda Perini, Lucy Aihara, Rosana Britto, Romilda Germano, Lorenza Calefi, Josiani Ometto, Marlene Matos, Mirian Rother, Valéria Moro, Dr. Rodolfo Oliveira, Dr. Cley Rocha de Farias, Camila da Silva Gonçalo, Cilene de Lima Oliveira, Raquel Roma, Dani Maggah. Às meninas do “Sou Gordinha Sim”. Aos meus colegas da UNIMEP e FDDJ. E à CAPES. O mito da beleza na realidade sempre determina o comportamento, não a aparência. Naomi Wolf, O mito da Beleza é perfeitamente possível ser gordo e saudável. Assim como é possível ser baixo e saudável. Criou-se uma espécie de superstição em torno da gordura. Se você é gordo nunca se casará, nunca terá um emprego, nunca terá uma vida sexual satisfatória. Frequentemente os gordos adoecem não por causa da gordura, mas sim pelo stress, pela opressão a que são submetidos. Ninguém assume que está incomodado com a gordura, dizem que estão preocupados com nossa saúde. Marylin Wann NECHAR, Patricia Assuf. Culturas e comunicações do Universo Plus Size: uma cartografia das imagens de corpo nos discursos nas redes sociais. 2015. Dissertação de Mestrado em Comunicação e Semiótica. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bolsa: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Orientador: Profa. Dra. Lucia Isaltina Clemente Leão. RESUMO Esta dissertação de mestrado tem como objeto de estudo os discursos das redes sociais em relação ao corpo gordo, em especial, aqueles que circulam no ciberespaço, nos blogs do universo Plus Size. Inserida no campo da comunicação, na linha de pesquisa processos de criação nas mídias e na cultura, nossa pesquisa tem como foco o mapeamento e análise crítica dos processos de criação e construção de uma imagem do corpo que problematiza e subverte as representações e os discursos hegemônicos. Atualmente, o corpo é objeto de discussão frequente no universo das mídias. Observa-se a predominância de dois tipos de discursos: nas mídias de massa, os discursos assumem um caráter imperativo e pregam a valoração de um corpo ideal. Nas mídias digitais, no entanto, é possível observar a emergência de um contra-discurso que defende a valoração de outros tipos de corpos que fogem às normatizações que regem o corpo ideal. Nesse contexto, esta dissertação de mestrado tem como objetivo cartografar as imagens e discursos que emergem no ciberespaço, em suas multiplicidades. Entende-se o conceito de ciberespaço tal como foi definido por Leão: um labirinto gigantesco e quase-infinito de interações da era contemporânea, uma rede composta por hardwares, softwares, pessoas e grupos. Entre os temas que circulam nas discussões elencamos: cotidiano, aceitação do corpo, moda, saúde, autoestima, preconceito e respeito. A pesquisa tem como referencial teórico: teorias de análise e crítica de processos (Salles e Leão); corpo, imagem e poder (Foucault); redes sociais (Costa); dispositivos comunicacionais (Prado); imagens do corpo (Sant’Anna, Ortega e Vigarello). A metodologia é composta por revisão bibliográfica; coleta, seleção e análise de documentos das redes sociais elencadas; pesquisa imagens (iconologia) vinculada a projetos artísticos que se relacionam com o conceito de corpos obesos; e cartografia de imagens e imaginários como método de produção de conhecimento (Leão). Fundamentada na ideia de imagem, espaços de conversações e poder (Foucault), a pesquisa demonstra a importância da construção de um imaginário. Através da análise dos documentos que circulam nessas redes (imagens fotográficas, registros de discussões em rede, entre outros) foi possível mapear as complexidades das questões de natureza relacional que constituem os autores e os grupos do universo plus size. Entre os resultados alcançados, a cartografia de imagens e discursos desenvolvida em nossa pesquisa demonstra que a criação de um imaginário alternativo, subversivo e politicamente engajado é fundamental na valoração aos direitos de expressão e comunicação vinculados ao corpo situado fora dos padrões estabelecidos. Palavras-chave: processos de criação na comunicação e na cultura; cartografias do imaginário;imagens do corpo plus size; ciberespaço; redes sociais e discursos de poder. ABSTRACT The purpose of this Master’s thesis is to study the social media’s discourses regarding the fat body, especially those circulating in blogs associated with the plus size universe. Inserted in the field of communication and following the “processes of creation in media and culture” line of research, this study focuses on mapping out and conducting a critical analysis of the processes of creating and building a body image that questions and subverts the hegemonic representations and discourses. Nowadays, the body is a frequent object of discussion in the media. Two types of discourses prevail: in the mass media, the discourse takes on an imperative note, preaching the importance of having a perfect body. In the digital media, however, it is possible to notice the emergence of a counter discourse that defends other types of bodies, which escape the rules that govern the “ideal body”. This Master’s thesis aims to map out the multiplicity of images and discourses emerging in the cyberspace. The concept of cyberspace adopted was the one defined by Leão: a gigantic, almost endless maze of interactions typical of contemporary times, a network composed of hardware, software, people and groups. The research focuses on the following topics of discussion: daily life, body acceptance, fashion, health, self-esteem, prejudice, and respect. The theoretical frameworks adopted were: process analysis and criticism theories (Salles and Leão); body, image and power (Foucault); social networks (Costa); communication devices (Prado); body images (Sant’Anna, Ortega and Vigarello). The methodology consisted of literature review; identification, selection and analysis of documents published in the social networks included in the study; image research (iconology) associated with art projects related to the concept of obese bodies; and mapping of images and imaginary as a method of knowledge production (Leão). Grounded in the idea of image, talk spaces and power (Foucault), the research shows the importance of building an imaginary. Through the analysis of documents published in these networks (photographs, records of discussions, among others), it was possible to map out the complexities of the issues involving the authors and groups in the plus size universe. Among the findings, the mapping of images and discourses conducted in this research shows that the creation of an alternative, subversive and politically engaged imaginary is essential to promote the freedom of expression and communication regarding the body that does not conform to established standards. Keywords: processes of creation in communication and culture; mapping of imagery; plus size body image; cyberspace; social networks; power discourses. Abreviaturas ABESO – Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade da Síndrome Metabólica. ABIHPEC – Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos ABNT – Associação Brasileira de normas técnicas ABRAVEST – Associação Brasileira do Vestuário BM – Blog Mulherão CCPS – Cheias de Charme Plus Size DEXA – Composição Corporal Medida pela Densitometria EPS – Espaço Plus Size FSP – Faculdade de Saúde Pública FWPS – Fashion Weekend Plus Size IEMI – Inteligência de Mercado IMC – Índice de massa corpórea INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia JR – Blog Ju Romano MGG – Maggnificas Nedic – National Eating Disorder Information Centre OMS – Organização Mundial da Saúde SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SGS – Sou Gordinha Sim TCAP –Transtorno da compulsão alimentar periódica TP – Tamanho P Unicef – O Fundo das Nações Unidas para a Infância USP - Universidade de São Paulo SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 13 CAPITULO 1 ............................................................................................................................. 22 1.1 O que é Plus Size .............................................................................................................. 22 1.1.2 Propagação do termo Plus Size ................................................................................... 26 1.2 Padrões de beleza no mundo ........................................................................................... 35 1.3 As construções dos padrões de beleza no Brasil ............................................................ 37 1.4 1970: O corpo e mente saudáveis .................................................................................... 47 1.5 1980: Início da malhação ................................................................................................. 49 1.6 O corpo como inimigo ...................................................................................................... 57 CAPÍTULO 2 ............................................................................................................................. 62 2.1 Temas encontrados blogs do Universo Plus Size ........................................................... 62 2.2 Temas do mundo plus size ............................................................................................... 76 2.2.1 Artes nas esculturas, nas telas e nas ruas .................................................................... 76 2.2.2 Vênus de Willendorf ................................................................................................... 77 2.2.3 Peter-Paul Rubens ....................................................................................................... 78 2.2.4 Fernando Botero .......................................................................................................... 79 2.2.5 Alguns artistas nacionais ............................................................................................. 80 2.2.6 As gordas de Eliana Kertész ....................................................................................... 81 2.2.7 O mundo das fofas de Beto França ............................................................................. 82 2.2.8 O Imaginário Mundo Plus Size de Edull .................................................................... 83 2.2.9 Ativista e artista “Negahamburguer” .......................................................................... 85 2.2.10 Fernanda Magalhães ................................................................................................. 86 2.3 Mídia ................................................................................................................................. 88 2.3.1 Televisão – Atores e Apresentadores .......................................................................... 88 2.4 Mercado De Moda Plus Size ............................................................................................ 93 2.4.1 A Ascenção das roupas de tamanhos grande no Brasil ............................................... 93 2.4.2 Moda Plus Size nos Blogs – Look do Dia .................................................................. 95 2.4.3 FWPS – Fashion Weekend Plus Size .......................................................................... 98 2.4.4 Grupo Mulheres Reais ................................................................................................ 98 2.5 Beleza .............................................................................................................................. 100 2.5.1 Concursos de beleza .................................................................................................. 100 2.6 Sexo..................................................................................................................................102 2.6.1 Gordinhos na Cama ................................................................................................... 102 2.6.2 Eles preferem as gordinhas? ..................................................................................... 107 2.7 Gordofobia ...................................................................................................................... 110 2.7.1 Bem-estar social ........................................................................................................ 113 2.7.2 Gordofobia nas redes sociais .................................................................................... 115 2.7.3 Feminismos e gordofobia .......................................................................................... 119 CAPÍTULO 3 ........................................................................................................................... 123 3.1 Os discursos e narrativas das blogueiras plus size ...................................................... 123 3.2 Blogueiras Nas Redes Social – Capital Social ............................................................. 126 3.2.1 Laços Entre Seguidoras E Blogueiras ....................................................................... 128 3.2.2 Cultura Interativa Entre Blogueiras E Seguidoras .................................................... 130 3.3 Exemplos de narrativas das blogueiras plus size ......................................................... 132 3.4 A presença do Outro ...................................................................................................... 135 3.4.1 Exemplo .................................................................................................................... 137 3.4.2 Exemplo de Felicidade .............................................................................................. 147 DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 157 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 163 ANEXO ..................................................................................................................................... 172 13 INTRODUÇÃO O corpo atualmente é um dos objetos de desejo mais ostentados em nossa cultura. Vivemos em uma sociedade em que o “culto ao corpo ideal”, os discursos do culto às imagens corporais invadem diferentes mídias. Assim, nossa cultura e esses discursos excessivos são capazes de desencadear doenças psicológicas em busca de um corpo idealizado. A busca pelo padrão de beleza é um assunto hegemônico em todas as mídias e hoje em dia é comum vislumbrar corpos com medidas mínimas, magros, em todos os lugares que nos cercam. Já é comum em nosso cotidiano nos depararmos incessantemente com discursos (textos, imagens e vídeos) que falam de dietas miraculosas, práticas de exercícios físicos, plásticas, tratamentos estéticos, fármacos e cremes milagrosos em busca do corpo descrito socialmente e pela mídia como perfeito. E este tem o perfil magro. Esse padrão de beleza, além de ser sinônimo de felicidade em nossa sociedade, se transformou em uma indústria que faturou em 2014 R$ 101,7 bilhões1, e o setor só tende a crescer. Podemos ver nesse fenômeno uma característica da época da corpolatria.2 Por outro lado vivemos o que os médicos dizem ser a epidemia da obesidade, nunca tivemos o corpo tão gordo como atualmente. Conforme a Associação Brasileira para o estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO) cita, a “Organização Mundial de Saúde aponta a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública no mundo”. E faz uma projeção de que, em 2025, cerca de 2,3 bilhões de adultos estejam com sobrepeso; e mais de 700 milhões obesos devido a inúmeros fatores, desde uma alimentação cotidiana calórica, fatores genéticos, fatores psicológicos, dentre outros. Mas então que corpo é esse que temos/vivenciamos atualmente? Se por todos os lados somos cercados por questões sociais, culturais, midiáticas, psicológicas e de saúde para nos encaixarmos dentro de um padrão de corpo, mas na realidade não possuímos esse corpo exigido socialmente, não sabemos definir qual é o nosso corpo. Vivemos uma época em que o corpo é incerto (ORTEGA, 2008) inserido em uma cultura repleta de paradoxos onde o corpo por um lado é supervalorizado socialmente dentro de suas 1 Fonte: Negócio e Estética <http://www.negocioestetica.com.br/setor-de-higiene-perfumaria-e- cosmeticos-fatura-r-1017-bi-em-2014/>. Acesso em: set. 2015. 2 A “Corpolatria” é uma espécie de “patologia da modernidade” caracterizada pela preocupação e cuidado extremos com o próprio corpo não exatamente no sentido da saúde (ou presumida falta dela, como no caso da hipocondria) mas particularmente no sentido narcisístico de sua aparência ou embelezamento físico. - Wanderley Codo e Wilson Senne, "O que é Corpolatria" - Col. Primeiros Passos, Ed. Brasiliense, 1985. 14 práticas físicas e por outro lado desvalorizado por não atender as necessidades sociais pelo fato dele ser visto como gordo e ser completamente depreciado. A questão tratada nesse trabalho não é a doença da obesidade em si, mas sim as alternativas de sobrevivência em busca de um corpo mais visto socialmente e pesquisar o indivíduo com um corpo fora dos padrões midiáticos e como esse corpo vive sob as influências sociais que estão ao seu redor, como ele se identifica em meio a tantos bombardeios midiáticos de um padrão de corpo magro, já que ele não o tem. Conforme Dra Joana Vilhena Novaes autora de vários livros e textos sobre a autoestima e o corpo da mulher, fala em seu livro o O intolerável peso da feiura que “Nas mulheres, a beleza vem na forma de trabalho sobre o corpo – ser bela cansa e dói. Portanto, mais importante do que ganhar dinheiro é estar em forma: seca, sarada e definida.” (NOVAES, 2006, p. 71) Com os auxílios das ferramentas disponíveis no ciberespaço, como as redes sociais, iremos investigar usuários que se identificam com a denominação plus size. Esse corpo pelo que percebemos não é visto com frequência nos meios de comunicação como revistas e televisão, pelo fato de não terem um corpo padronizado por convenções midiáticas. A imagem simbólica que a sociedade tem sobre o gordo é que ele é visto como feio, preguiçoso, desleixado e sujo. Nos guiando pelos caminhos apresentados por Georges Vigarello, historiador francês, sociólogo e diretor da Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais (École des Hautes Études en Sciences Sociales, EHESS), em seu livro “As metamorfoses do gordo: história da obesidade no ocidente”, percebemos que este corpo que no passado era tido como sinônimo de prestigio, fortaleza, robustez, um sinal de vigor na idade média, ao longo do tempo começou a ser mais vigiado por conta da sua silhueta. O gordo se torna “incapaz, mole e inerte” no século XVII. Os olhares para o corpo passam a julgar sua aparência e o problema com o peso, passa ser mais crítico até que no século XVIII a imagem do corpo passa a ser tão avaliada como a imagem do rosto. Tanto corpo gordo como o magro, as “silhuetas contratantes” (2012, p. 218), passam a ser um paradoxo nas descrições dos perfis descritos na Europa. Com o avanço dos estudos na medicina na química e na fisiologia em relação a saúde no século XIX, a gordura passa a ser vista como um perigo e catalogada pelos seus diversos graus, relacionando-a as várias doenças e assim tornado o corpo gordo mais “sensível as morbidades” em 1830.(2012, p. 230). Vigarello nos mostra em seu livro que a busca pelo corpo sem gordura começa no século XIX a partir das dietas. Alimentos como açúcar, a farinha e o amido, considerados 15 fonte de energia, passaram a ser restrição obrigatória dos hábitos alimentares. A cozinha então começa a ser mais vigiada e os pratos como “assados, saladas e legumes começam a serem melhores preparados (2012, p. 232). Conforme Vigarello (2012, p. 249-253) narra, a exigência do emagrecimento só aumenta com a ascensão do costume do banho de mar, os regimes ficam mais evidentes. O corpo magro e jovem também, principalmente em relação as mulheres. Com a exposição do corpo na praia a admiração aumentou, com isso se exigia mais da silhueta. Quem não possuía um corpo perfeito para a época era tratado com “desdém” e “zombaria”, principalmente as mulheres gordas, conhecidas como “esferas, bolas, boias, baleias, e as muito magras como “tábuas” e estacas.” “As novas formas de lazer deixam entrever “monstruosidades”. Daí o aumento das pressões pelo emagrecimento.” (VIGARELLO, 2012, p. 252). Vigarello relata sobre a infelicidade que os obesos do século XIX passavam. Neste século, é a primeira vez que se tem conhecimento do sofrimento do obeso em relação a sua condição corporal, em relação as dificuldades sociais e o desprezo da pessoa amada. Essa infelicidade só aumentava com as infrutíferas tentativas de emagrecimento. Devido à falta de conhecimento sobre a obesidade naquela época, os relatos sobre as sensações emocionais eram relacionados com as questões do corpo. "As interrogações sobre as sensações e os sofrimentos “morais”, para que a obesidade viesse a ser mencionada mais como um mal de que se era acometido, um sofrimento incoercível, uma queda mal controlada" (VIGARELLO, 2012, p. 240). Percebemos então que a medicina da época não possuía a devida compreensão para chegar a ponto de ignorar tais sofrimentos relacionados ao perfil do corpo gordo. Conforme Vigarello diz em seu livro, a partir do final do século XIX o corpo gordo se torna monstruoso, a gordura era considerada uma anomalia e os gordos eram expostos em feiras e circos, conhecidos como freak show3 (show de aberrações), como uma atração de aberração, por isso a monstruosidade. Após algumas décadas, aliás, a insigne gordura já não pertence mais ao mundo do gordo, mas à categoria do monstruoso. Anatomias fortemente desproporcionais não passavam de exemplos “grotescos”, de curiosidades expostas na feira, em tendas tipo “entra e sai”. (VIGARELLO, 2012, p. 297) 3 Freak Show, ou show de aberrações são datados aproximadamente de 1840 a 1940 conforme cita BOGDAN, 1988 p. IX 16 Vigarello nesse caso se refere aos casos de obesidade mórbida que conhecemos hoje, como por exemplo pessoas que pesam quase 300 quilos, mas isso deixou marcas sociais que se tornaram referências em relação às pessoas gordas. “A existência do muito gordo já não passa de um desvio, um descaminho: sua aparência é apenas ‘monstruosidade’”. (VIGARELLO, 2012, p. 298). Com a entrada do século XX, a sociedade, junto com a comunicação acelerada, conforme Vigarello, transforma o monstro gordo em fenômeno social, aquilo que era uma “esquisitice tolerada” agora passa ser uma preocupação cotidiana. O corpo é “confrontado com o outro” (p. 298), como por exemplo o mais gordo com o mais magro, o mais alto com o mais baixo. Com o passar dos anos, aproximadamente no início dos anos de 1920, esse freak show de padrões diferentes passa a ser simplesmente um sofrimento em relação à aparência. O “muito gordo” não é mais um caso para se expor em feiras e circos, mas sim em clinicas médicas, a gordura se transformou em um caso clínico, médico, que só os “cientistas conseguem encarar”. O corpo gordo se torna uma “uma visão insuportável”. (VIGARELLO, 2012, p. 299) Com a dissipação dos males causados pela obesidade, a preocupação dos médicos com a gordura se torna ímpar e nasce portanto a cultura do corpo magro. Da preocupação em emagrecer e manter-se magro a qualquer custo emerge o estigma do gordo. Nasce então não somente a questão das dificuldades com as dietas, mas sim a questão psicológica da luta de um corpo gordo para se encaixar em um padrão magro. O gordo, longe de ser o glutão ou estupido, é antes de mais nada aquele que se “esquiva”, que se recusa a emagrecer, negligente em trabalhar o próprio corpo. Sua falha é o desleixo, sua responsabilidade é uma falta intima, menos as paixões que a indiferença, menos entusiasmo que o descontrole, a impossibilidade de se regrar ou se transformar. O fracasso adquire uma nova figura reforçada pela banalização do tratamento e pela ascensão do psicológico. Crescem os relatos dolorosos. Como crescem na cultura contemporânea as autoavaliações e os testemunhos sobre a experiência própria. O lugar assumido pelo magro reforça duplamente a estigmatização. O Obeso não é mais apenas o gordo. É também aquele que não consegue mudar: identidade desfeita numa época em que o trabalho sobre si mesmo e a adaptabilidade se tornam critérios obrigatórios. O que a obesidade revela é na verdade um fracasso em se transformar. (VIGARELLO, 2012, p. 300) Compreender a obesidade como um fracasso na capacidade de se transformar em magro é dar à obesidade um caráter discriminatório, transformar a gordura corporal em marca de incompetência, em estigma. A estigmatização do gordo é tanta nos anos de 1920 17 e 1930 que as questões patológicas em relação à obesidade se proliferam de uma maneira avassaladora, tanto que se começa a fazer uma generalização das doenças em relação à gordura corporal. A gordura se torna uma vilã implacável e traz consigo um emaranhado de doenças nocivas desde o câncer, o envenenamento, a intoxicação isso sem falar em todas as questões culturais e psicológicas que, de certo modo, se infiltraram nas relações das pessoas e acabaram sendo alvo de opiniões divergentes, de referências éticas e morais e até que conseguiram transformar a gordura de um modo extremo “em um mal universal”. O gordo passa a ser uma ameaça estética e vital à sociedade. Esse corpo gordo se torna o doente do século XX, a busca em combater a gordura torna-se o principal objetivo de vários setores da saúde (médicos, nutricionistas, treinadores físicos, etc.) além de pesquisadores, membros diversos da sociedade e principalmente das pessoas. Os tratamentos químicos e pesquisa em relação à gordura tornam-se um grande desafio, pois acredita-se que a gordura é imutável apesar dos avanços das inúmeras pesquisas para combatê-la. No entanto, apesar dos esforços com dietas e remédios, muitas pessoas se tornam resistentes aos regimes e às manipulações do tratamento, assim o corpo obeso, apesar de muita luta contra a gordura, não consegue emagrecer. Assim, esse corpo gordo se transforma em símbolo de fracasso apesar das inúmeras tentativas de emagrecê-lo. A gordura torna-se uma doença envolta em muita tensão e isso acarreta sofrimento em vários âmbitos do ser. Entre eles, podemos falar das dificuldades de aceitação social, a dificuldade de aceitar o corpo gordo e a dificuldade em eliminar a gordura corporal. A cura, ou seja, o emagrecimento e se manter magro, torna-se um martírio pessoal. A dor vivida é a exposição do corpo. Como ela, o ser parte em busca de discursos milagrosos, e dedica-se, muitas vezes com afinco, a seguir todas as instruções que recebe para cumprir sua meta. Mas, o ser tem que conviver com várias dores: infelicidade da rejeição social, a sensação de fraqueza e impotência tanto nos aspectos físicos como no seucotidiano, a infelicidade nos relacionamentos românticos ou com as pessoas da família e seu círculo de amizade, os vergonhosos momentos que envolvem simples ações como sentar-se em uma cadeira, ou mesmo vestir uma roupa, a sensação de fracasso o tempo todo, a rejeição e por fim a solidão. A experiência de viver em um corpo gordo torna-se viver em um corpo humilhado, fadado ao seu próprio fracasso. Como viver em um corpo não aceito socialmente, fora dos padrões sociais, um corpo negado socialmente? A obesidade é um fenômeno altamente complexo: não é somente uma questão médica, é também um distúrbio social. 18 O corpo gordo é colocado à margem da sociedade. E como conviver com esse corpo fora dos padrões sociais? Os discursos midiáticos afirmam: não existe a possibilidade de ser feliz com tal corpo. Ouvindo e seguindo essas afirmações, o ser sofre. Objeto e Objetivos O objeto desta pesquisa são os discursos a respeito do corpo feminino nas redes sociais em relação à questão do corpo acima do peso que permeiam o universo plus size. Os objetivos da pesquisa são: (1) interpretar e analisar algumas narrativas dos discursos do corpo; (2) pesquisar o imaginário da mulher que convive com bombardeios midiáticos de estereótipos femininos, as conquistas e dificuldades vividas, interpretando, comparando e relacionando alguns símbolos que exemplificam os elementos das narrativas do comportamento feminino. Problema As redes sociais apresentam uma infinidade de narrativas e relação ao corpo. Elas discursam sobre um mundo de corpos perfeitos e inalcançáveis, apresentando propagandas de fórmulas mágicas para emagrecer, tirar as rugas, sumir com varizes; prometendo um corpo lindo como o das artistas ou a top models do momento e tudo isso, claro, com rapidez e sem sacrifícios. Por outro lado, nesse mesmo ambiente midiático, encontramos comunidades virtuais com um discurso oposto, que discorre sobre a aceitação do corpo como ele é, idolatrando e acolhendo uma figura oposta citada acima. Mostrando corpos volumosos e curvilíneos de mulheres aparentemente felizes, igualmente das top models estampadas em algum veículo de comunicação, mesmo estando fora de um padrão midiático. Assim algumas questões aparecem: Até que ponto os discursos das redes podem libertar o imaginário feminino em buscar um corpo padronizado pela sociedade, como por exemplo, os corpos esbeltos das artistas que estampam as capas da revista, protagonizam as novelas, desfilam as marcas famosas, são construções do imaginário feminino ser magra, linda, bem-sucedida, sempre bem arrumada de uma perfeição física imaginária impecável. Desse modo questiona-se: Quais são os discursos em relação ao imaginário do corpo gordo que caracterizam os blogs plus size, em um mundo em que se discutem estigmas do corpo feminino perfeito; e se as fanpages e blogs do mundo plus size incentivam a autoestima? 19 Hipótese Os meios de comunicação têm forte presença na construção do imaginário coletivo, o comportamento da mulher que está fora de um padrão de corpo publicitário é diferenciado, devido ao fato que socialmente seu corpo não é bem aceito, ela aprendeu a valorizar o corpo que tem, se aceitar e viver bem ele. Sua autoestima aumentou e esta mulher vem lutando para a mudança do padrão social de beleza seja mais curvilíneo. As mudanças nas formas de pensar da sociedade em relação à diversidade dos corpos ainda são pouco expressivas. O que se observa são discursos de controle e pressão da mídia pela perfeição física ainda é maior do que a aceitação de um corpo mais cheio. Os discursos midiáticos têm um longo caminho a percorrer em relação a aceitação de um corpo fora dos padrões idealizados. A mulher, buscou, conquistou sua autonomia, liberdade de expressão, a inserção em espaços políticos, mas ainda existem lacunas e em relação ao corpo. O corpo como identidade também traz formas diferenciadas. É preciso discutir certos estereótipos, vivenciar a experiência única que só pode advir do próprio corpo. Método Para investigar os discursos a respeito do corpo feminino no contexto das redes sociais, iremos utilizar como metodologia as análises relacionadas aos documentos que circulam nas redes, como imagens fotográficas, registros de discussões entre outros eventos específicos. A partir de acontecimentos que afetam o universo plus size, iremos investigar as questões que envolvem os discursos das blogueiras, o discurso do outro e as questões da busca da felicidade através do corpo. O corpo em discussão é aquele que está fora dos padrões sociais estéticos. Justificativa A pesquisa contribuirá para fomentar as discussões sobre o corpo feminino nas fanpages, nos blogs e nos sites. A partir daí, talvez ampliar os conceitos de identidade feminina e suas dinâmicas de autoestima e aceitação, fortalecendo a diversidade nos discursos de emancipação do corpo nas redes sociais. 20 Procuramos neste trabalho investigar nos discursos os dispositivos de poder, saber e subjetividade nas redes sociais que abordam aceitação do corpo das pessoas que não se encaixam com modelos pré-definidos. Assim, iremos investigar as transformações que visam desconstruir o imaginário do corpo feminino na atualidade via rede social. Essa pesquisa atualiza procedimentos da cartografia e, analisando os discursos das redes, fará três tipos de mapeamentos lógicos: (1) discursos do corpo saudável, corpo magro, e corpo atlético; (2) discursos do corpo plus size e (3) discursos de valoração e construção da subjetividade feminina. A pesquisa tem caráter multidisciplinar de analise empírica dos blogs e fanpages do universo plus size e irá relacionar conceitos ligados ao o corpo, as redes sociais e os discursos midiáticos sobre o comportamento contemporâneo. Fará parte do estudo a pesquisa exploratória, o levantamento bibliográfico, as entrevistas com profissionais que produzem site do comportamento feminino e com as pessoas que passaram por experiências identitárias com relação ao corpo. Nossa hipótese é que podemos buscar essas respostas investigando um novo acontecimento social que, desde 2009, está invadindo o ciberespaço: o conceito de plus size. No primeiro capítulo deste trabalho iremos investigar o que é o plus size – um movimento a favor da aceitação do corpo como ele é. Pelo fato de ser um conceito novo e pouquíssimo explorado academicamente, o investigaremos pelo viés dos registros jornalísticos para mapear como esse novo padrão de beleza está se fixando no território nacional. Continuaremos a nossa investigação fazendo um apanhado histórico do padrão de beleza para conseguimos desvendar como são as construções desses padrões no mundo até chegarmos ao Brasil. Como foi construído o nosso padrão de beleza desde 1920 até os dias atuais, até a inserção do padrão plus size. Com o surgimento do padrão plus size, iremos explorar no segundo capítulo esse universo que acontece dentro e fora do ciberespaço, tentando desvendar cada aspecto que o engloba como, por exemplo, as artes, a entrada e influência do gordo na mídia, a beleza, a moda, o sexo, discutiremos o mercado plus size. Um ponto importante a ser explorado é em relação à saúde desse corpo, o bem-estar social, até passarmos pelas dificuldades, o preconceito social e a luta para superar esse preconceito. Ao chegarmos nessa luta, percebemos então que nas redes sociais existem pessoas que incentivam as pessoas gordas a se identificarem com o corpo e a se gostarem, com o 21 corpo que possuem. Aqui nomeadas como blogueiras plus size, que escrevem em seus blogs e redes sociais sobre a autoestima do corpo fora dos padrões de beleza, e sua luta diária contando suas dificuldades, suas superações e assim tentando incentivar seus leitores a se amarem do modo que são.O terceiro capítulo apresenta os discursos e narrativas das blogueiras, falaremos sobre o potencial que as blogueiras possuem em agregar pessoas, das interações entre blogueiras e leitoras nas redes sociais e sobre os discursos do outro e suas possíveis influências e sobre a felicidade em relação ao corpo. 22 CAPITULO 1 O primeiro capítulo dessa dissertação de mestrado tem como objetivo apresentar os conceitos fundamentais da pesquisa, fazendo um resgate histórico para compreendermos o conceito plus size no Brasil e no mundo. Iremos discorrer sobre o movimento plus size, sua reivindicação pelo direito à diversidade e inclusão de um estilo diferente de corpo que não é visto nas mídias hegemônicas. A partir da leitura que fizemos da pesquisa de Sant’Anna, iremos discorrer sobre as transformações da beleza na história do Brasil a partir de 1920, buscando paralelos com a questão das transformações do corpo e a progressão dos discursos em relação à busca de um ideal de corpo que está em constante transformação. Nossa pesquisa está sustentada pela ideia de que o corpo é linguagem, um lugar de disputa, um locus político, onde os desejos são disciplinados e os corpos docilizados. Para tanto, utilizaremos os conceitos de Foucault. 1.1 O que é Plus Size Quando nos propomos a estudar os blogs que discorrem sobre o corpo gordo e o comportamento plus size, é importante levar em consideração os aspectos culturais que regem o padrão de beleza, assim como as transformações que esse padrão passou na história da humanidade. Sendo assim, o primeiro passo para entendermos o que é o plus size e como iremos defini-lo no contexto deste trabalho consiste em realizar reflexões sobre o padrão de beleza da cultura atual e como ele se desenvolveu em nosso país. O termo plus size está ligado diretamente à indústria da indumentária. O primeiro relato que se tem notícia sobre a utilização do termo plus size vem dos anos de 1970 no setor de vestimenta norte-americano. Entretanto, considerando que pessoas acima do peso padrão sempre existiram, esse mercado vinha sendo pouco explorado. As roupas acima da modelagem regular que equivalentes a numeração até 44/46 que eram feitas sob medida. A empresa de indumentária Lane Bryant, fundada em 1904, por Lena Bryant, costureira e viúva é um caso histórico nesse setor. A empresária começou sua loja muito timidamente e com pouco investimento. Uma de suas clientes que estava grávida, incentivou Lena a produzir roupas mais confortáveis para gestantes e ao mesmo tempo 23 elegantes (roupa para passeio) e assim criou vestidos com cós e saias plissadas. O vestido ficou muito conhecido e logo tornou-se o carro chefe da empresa. Antes da Primeira Grande Guerra, em 1909, o segundo marido de Lena, Albert Malsin assumiu a empresa modernizando sua produção e organizando as questões contábeis. A empresa ia bem e tinha um produto inovador no mercado que eram os vestidos para mulheres grávidas, mas na publicidade em jornais naquela época não era tradicional fazer anuncio falando sobre gravidez. Mesmo assim, seu atual marido convenceu o jornal New York Herald a fazer a propaganda dos vestidos. O sucesso foi tão grande que, no dia seguinte da publicidade, todos os vestidos do estoque foram vendidos. Na década de 1920, Lena percebeu a lacuna existente no mercado para as mulheres que vestiam tamanhos grandes, pois não havia empresa alguma que fizesse isso, e esse público precisava adquirir suas roupas através do trabalho de costureiras particulares. Bryant então desenhou três tamanhos grandes diferentes para mulheres “stout-figured”, ou seja, uma configuração mais robusta, para mulheres mais “corpulentas” chamadas também de chubbies. Essas roupas “plus size” rapidamente ultrapassaram as vendas dos vestidos maternos e em 1923 o faturamento da loja chegou a U$ 5 milhões, já que anteriormente, em 1911 aproximadamente, o seu rendimento era de U$ 50.000 por ano, ou seja, em 12 anos o faturamento da empresa aumentou não só a sua visão de mercado de Lena Bryant, mas também pelo pulso firme de seu marido Albert Malsin como já citado anteriormente. Com a expansão dos negócios e com 100 unidades da loja espalhadas pelos Estados Unidos em 1969 o faturamento da empresa foi de U$200 milhões4. Lane Bryant, não foi só pioneira em vendas de roupas de tamanhos grandes ou para gestantes. Devido às tradições da época era muito difícil fazer anúncios em jornal, assim, buscando alternativas para a divulgação de seus produtos, Lane desenvolveu um catálogo de vendas roupas pelo correio. Atualmente a Lane Bryant é uma grande cadeia de varejo presente em várias cidades dos Estados Unidos e com o advento da internet, a empresa consegue abranger inúmeros países. O Brasil está incluído na sua rede de varejo on line. 4 Fonte: <http://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/biography/Bryant.html>. Acesso em: ago. 2015. 24 Figura 1: Um dos primeiros anúncios de moda plus size de Lane Bryant datados da década de 1920. Fonte: <https://chanceseales.files.wordpress.com/2010/04/lane-bryant-vintage.gif>. Acesso em: 26 ago. 2015. Figura 2: Print da página Lane Bryant. Fonte: <http://www.lanebryant.com/apparel/21288/index.cat>. Acesso em: 26 ago. 2015. 25 A história de uma outra empresa, a marca britânica Evans Clothing surgiu nos anos de 1930, fundada por Jack Green. Foi a segunda marca a produzir roupas de tamanho maior. Por 40 anos a empresa foi administrada pela família e em 1971 foi vendida para o Burton Group (atualmente como Arcadia Group). Com a venda para o grupo, Evans expandiu-se com 77 filiais e em 1988 se tornou a marca mais famosa e líder de mercado em roupas outsize da Europa. Interessante observar que os britânicos não usam o termo plus size e sim outsize. A respeito disso, poderíamos pensar o quanto na cultura inglesa o fato de ter medidas maiores das padronizadas leva o indivíduo a ser classificado como excluído à medida que o termo indica um posicionamento “out”, isto é, fora do tamanho industrial. No caso do termo norte-americano, o termo indica algo adicional à medida que plus significa adição, além, a mais. Voltando à discussão a respeito da marca inglesa, somente em 2011 a marca se lançou no mercado Americano e atualmente vende para mais de 100 países via internet. Em 1997 a Evans foi a pioneira em desenvolver uma linha de roupas fashion para seus clientes mais jovens e se tornou a primeira marca da Arcadia Group a vender roupas on line Figura 3: A logomarca da Evans descreve Goodbye size Zero, hello size Hero, fazendo uma brincadeira com as palavras Zero e Hero. trocando o Z, pelo H. Pela nossa tradução seria adeus tamanho zero, olá tamanho herói. Fonte: <https://www.arcadiagroup.co.uk/about-us/our-brands/evans>. Acesso em: 26 ago. 2015. 26 Figura 4: Site da loja Evans UK. Fonte: <http://www.evans.co.uk/webapp/wcs/stores/servlet/TopCategoriesDisplay?storeId=12553&catalogId=33054>. Acesso em: 26 ago. 2015. 1.1.2 Propagação do termo Plus Size Em meados de 1970 que o termo plus size efetivamente começou a ser difundido pelo mundo devido a modelo Mary Duffy que foi apontada pelos jornais americanos da década de 1970 1980 como uma das mais expoentes modelos plus size no mundo. Duffy gostou tanto da profissão de modelo que em 1979 comprou a agencia de modelos de Beth Kramer que só trabalhava agenciando modelos pequenos (Little Women) e incluiu em seu quadro de modelos as plus size, renomeando a agência para a Big Beauties / Little Women A agência fez tanto sucessoque acabou sendo comprada pela Ford Models em 1988 sendo a diretora executiva dos tamanhos especiais da agencia até 2010. Mary Duffy atualmente tem uma empresa chamada Fashion 4 The Rest Of Us direcionada ao mercado plus size, ela ministra palestras sobre como é o funcionamento do mercado plus size, orientando empresários e comerciantes a direcionarem seus investimentos para o público 27 plus size, ministra palestras motivacionais para mulheres acima do peso, escreveu vários livros entre eles o Hoax Fashion Formula sobre os diversos tipos de formatos de corpos femininos e como esta mulheres de tamanhos diversos podem se vestir bem reformulando seu guarda-roupa sabendo combinar texturas de tecidos, cores, linhas e formas à seu favor. Figura 5: Mary Duffy fotografando para a grife Jordan Marsh. Fonte: <http://fashion4therestofus.com/photoarchive1.html>. Acesso em: 26 ago. 2015. 28 Figura 6: Mary Duffy desfilando. Fonte: <http://fashion4therestofus.com/photoarchive1.html>. Acesso em: 26 ago. 2015. Figura 7: Página inicial do site de Mary Duffy, mostrando-a com 60 anos de idade. Fonte: <http://fashion4therestofus.com/index.html>. Acesso em: 26 ago. 2015. 29 Figura 8: Livro HOAX editado em 1987. Fonte: <https://img0.etsystatic.com/038/0/7952082/il_fullxfull.603050746_rzvb.jpg>. Acesso em: 26 ago. 2015. No campo das produções de revistas, destaca-se a MODE, que embora tenha tido um tempo de vida curto, foi a primeira revista de moda plus size a ser lançada no mercado internacional. Idealizada por editores de revistas famosas como Vogue, Mademoiselle e Marie Claire, a primeira edição foi em 1997 com 250.000 cópias e logo foi um sucesso. Após seu lançamento, agências de modelos aumentaram a lista de modelos plus size e os varejistas aumentaram suas produções. Mas o tempo de vida da revista foi pequeno, em 2001 a editora Advance Publications fez uma parceria com a Lewit e Le Winter e os negócios não foram tão bem como o esperado. Tanto que os designs da Versace e Valentino pararam de produzi para a revista, ocasionando assim um grande déficit entre outros problemas incluindo o mercado publicitário. O fechamento da revista se deu no final de 2001 com 600.000 exemplares de sua última edição. No cenário atual, a revista Plus Model Magazine, fundada em 01 de julho de 2006 pela editora chefe Madeline Figueroa-Jones é primeira revista virtual do mundo da plus size e líder de mercado. Conforme descrito no site, Plus Model Magazine, não é somente uma revista voltada para o público plus size, é também blog e mídia social que fala de moda, beleza, eventos e comportamento. Designada, desenvolvida e escrita também por mulheres plus size, portanto as editoras entendem o coração das leitoras, pois elas também consomem e vivem o plus size. 30 Figura 9: Plus Model Magazine do mês de julho/agosto de 2006 que estampa na capa a top model Fluvia Lacerda. Fonte: <https://www.pinterest.com/pin/162200024050209378/>. Acesso em: 26 ago. 2015. A expressão plus size é considerada como uma categoria de modelagem de indumentária que comporta uma padronagem de tamanho grande a partir da numeração 46. O segmento plus size engloba peças que vão do tamanho 46 ao 56, podendo chegar até o 62 e também aos tamanhos maiores G, GG, EG e EGG, como são classificados em muitas empresas. Entretanto, é importante observar que a padronização é bastante irregular e falha, pois algumas peças GG não vestiriam o número 44 em algumas modelagens. Aparentemente a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) está estudando junto às associações ligadas ao vestuário para estabelecer um padrão mais assertivo. É tão falho e confuso as questões da numeração da roupa plus size que a superintendente do Comitê Brasileiro de Normatização Têxtil, Maria Adelina Pereira, não sabe ao certo a partir de qual numeração de vestuário podemos considerar que inicia-se o plus size, como ela comenta em entrevista no mês de junho de 2012 para o blog Chic de Glória Kalil: “Alguns acreditam que o padrão plus size começa a partir do 44, já outros 31 46”5 (PEREIRA, 2012). Portanto nesta dissertação de mestrado para podermos desenvolver o conteúdo iremos considerar a numeração 46. O ano de 2009 marca o início do movimento no Brasil, com a vinda da top model plus size Fluvia Lacerda, junto com sua assessora de imprensa Joyce Matsushita, que trouxe a brasileira que mora e trabalha como modelo plus size nos Estados Unidos para divulgar o nome de algumas marcas nacionais de roupas de tamanho grande no mercado. Fora do país, Fluvia é conhecida como a "Gisele Bündchen plus size". Já com uma mudança no comportamento do mercado diante da entrada da influência de roupas tamanhos grandes e a vinda de a consolidação de alguns blogs de moda de tamanhos grandes na internet, em 2009 a expressão plus size começou a ser mais difundia e começou a ser agregada na cultura da moda com maior visibilidade em nosso país. A vinda da modelo ao Brasil não significa e nem exclui que antes desta data não existissem roupas para as pessoas que vestem acima do 46. Sempre existiram catálogos e roupas voltadas para este perfil de consumidor, mas não era ainda um movimento voltado aos padrões sociais de corpo, como veremos adiante. O uso do termo plus size no Brasil já era utilizado para roupas grandes, mas teve maior consolidação a partir destes acontecimentos. Conforme já apontamos de modo rápido anteriormente, a palavra em inglês “plus" transmite a ideia de adição. O mesmo se dá com o “plus” do idioma francês. Estamos no universo semântico da somatória, da inclusão, das qualidades positivas e afirmativas: plus6 1 sinal de adição (+). 2 qualidade positiva (a plus). 3 saldo positivo. • adj 1positivo. 2 adicional, extra. • prep mais, acrescido de. two plus two equals four dois mais dois igual a quatro. Para adjetivos7 Also: positive (prenominal) indicating or involving addiction = a plus sing Another word for positive plus8 adv comparatif ou superlatif indiquant la supériorité adv employé en corrélation avec ne, indique la cessation d'une action, d'un état Mathématique - signe qui indique l'addition ou qu'un nombre est positif 5 Fonte: <http://chic.uol.com.br/moda/noticia/medidas-plus-size-abnt-e-abravest-lancam-discussao-para- estabelecer-novo-codigo-de-normas-e-tamanhos>. 6 Disponível em <http://michaelis.uol.com.br/escolar/ingles/definicao/ingles-portugues/plus_21240.html>. 7 Disponível em <http://www.collinsdictionary.com/dictionary/english/plus?showCookiePolicy=true>. 8 Disponível em <http://dicionario.reverso.net/frances-definicao/plus>. 32 Como observamos podemos utilizar o conceito de plus entendendo como uma riqueza adicional, acrescentando a diversidade. O significado do plus size não se limita somente a um número, ele também é relacionado a movimentos sociais que se formaram a partir de pessoas que possuem um perfil estereotipado e negativo de corpo, consideradas socialmente como pessoas gordas, fora do peso e de um padrão ideal de corpo. Estes movimentos sociais são grupos de pessoas que buscam na sociedade a inclusão de padrões corporais mais amplos, militam a favor de uma aceitação em relação ao tamanho do seu corpo, discutem sobre a segregação e o estigma em relação ao corpo estereotipado de tal forma e questionam sobre os padrões corporais apresentados nos meios midiáticos como revistas e televisão e internet. Essas pessoas se dedicam com fervor para que a sociedade perceba que independente de possuir um corpo gordo, ou seja,fora de um padrão tido como ideal, ela continua sendo capaz de exercer funções físicas e intelectuais como qualquer outra pessoa preparada para tal, de maneira que seu caráter não muda em relação ao seu peso e principalmente que seu corpo é tão belo como outro qualquer. Atualmente, o plus size é um movimento difundido pelo ciberespaço, dentro das redes sociais e blogs que defende o direito e o respeito a um corpo que está fora de um padrão social e midiático, um corpo mais curvilíneo, arredondado ou mesmo gordo comparado aos padrões. A definição do ciberespaço nesta dissertação está relacionada o conceito de Leão (2004) um território em constante ebulição. Camaleônico, elástico, ubíquo e irreversível, o ciberespaço não se reduz a definições rápidas. Partindo de um olhar tríplice, percebemos que o ciberespaço engloba: as redes de computadores, integradas no planeta (incluindo seus documentos, programas e dados); as pessoas, grupos e instituições que participam dessa interconectividade e, finalmente, o espaço (virtual, social, informacional, cultural e comunitário) que emerge das inter-relações homem-documentos- máquinas. (LEÂO, 2004, p. 09) Entendemos nessa citação que ocorre uma interação entre os usuários das redes a partir da máquina. Voltando a questão do corpo, a beleza está diretamente ligada a padrões sociais e o corpo plus size aparece como um paradigma deste, ou seja, tão bonito como um corpo magro, mas gordo. 33 Denise Bertuzzi de Sant’anna, em seu livro A História da Beleza no Brasil, de 2014, sistematizou em sua obra os costumes utilizados pelo povo brasileiro em busca da beleza, mapeando diferentes realidades em relação ao tempo, espaço e costumes sociais. Em seu livro, encontramos uma afirmação que afirmam os ideais definidos pelo movimento: Para um significativo público masculino, as cheinhas não são feias. Dividem- se em diversas categorias: cheinhas, gordinhas, gordas ou em estrelas GG e beldades plus size. Algumas novelas da Rede Globo contribuíram para torná- las famosas, assim como blogs e sites. Os movimentos sociais em prol da aceitação sem preconceito da diversidade corporal também favorecem o valor de uma beleza mais redonda do que longilínea. (SANTANNA, 2014, p. 182) Em suma, a historiadora, nesse pequeno trecho, nos fala dos movimentos de valorização de uma diversidade de corpos, apesar de uma visão do público masculino, esta afirmação nos ajuda a compreender que o plus size também está inserido na categoria de valor de gosto e já apresenta traços de aceitação de um corpo gordo na mídia televisiva, mas discutiremos isso no segundo capítulo desta dissertação. O plus size visto como movimento encontrado no ciberespaço tende a agregar pessoas que possuem um corpo que não comumente visto nas capas de revistas e nem nas mídias televisivas. Este corpo que é diferente e não possui um formato desejado pela sociedade. Este corpo que é colocado as margens da sociedade. Na cultura que vivemos, observa-se uma série de discursos e imagens que valorizam o corpo magro, jovem e atlético e os que não se enquadram neste perfil torna-se invisível para a sociedade. Em nosso contexto cultural, conforme Matos, Fábio Zoboli e Mezzaroba em seu texto “O corpo Obeso: Um corpo deficiente? Considerações a partir da mídia”, descrevem que o corpo gordo é visto como: "doente, impossibilitado, limitado e indesejado, ou seja, é percebido como deficiente no sentido que não ser eficiente o suficiente para ser adequado nos padrões de normalidade, bem como se refere à esfera do mundo produtivo" (MATOS; ZABOLI; MEZZAROBA, 2012, p. 92). Desta forma, o movimento plus size veio para tentar fazer um resgate do corpo indesejado, como citado acima, pelo respeito ao corpo e a inclusão deste corpo gordo na sociedade, tentando mostrar que todo imaginário social construído em volta do gordo não condiz com a pratica do cotidiano de uma pessoa gorda. O movimento plus size tende a agregar pessoas que possuem um corpo fora dos padrões midiáticos e isso faz com que de uma certa maneira o plus size seja um movimento que social que luta por pessoas que possuem corpos estereotipados, podendo 34 se comparar a algumas formas de inclusão social de corpos igualmente marginalizados como os dos deficientes físicos que lutam por uma aceitação social. Esses corpos são marginalizados, conforme José Luiz Aidar Prado em seu livro “Convocações biopolíticas dos dispositivos comunicacionais” que reflete sobre a política comunicacional contemporânea, pretende nos mostrar que houve uma construção glamorosa em torno da aparência a partir de 1970 no que ele nomeia de mundo pós-moderno, comenta: a sociedade constrói regimes de visibilidade e de pseudointegração em que se apresenta somente o lado glamoroso [...] que brilha nos corpos soltos, bonitos, jovens, rejuvenescidos e turbinados, preocupados em cuidar da qualidade de vida, da beleza, da saúde e do prazer efêmeros. (PRADO, 2013, p. 35) Desta forma, Prado nos mostra que a sociedade diante o capitalismo pós-moderno, somente tende a indicar em suas propagandas corpos bonitos, cheios de saúde, beleza e nos passa uma falsa sensação de bem-estar, e que as revistas são como “mapas rumo ao sucesso” (PRADO, 2013, p. 35) para alcançar esta qualidade de vida. E quem não possui este padrão ou não segue este mapa estão fadados ao fracasso. Esses corpos bonitos, devem permanecer sempre em evidencia, os outros corpos que não possuem este padrão, devem permanecer invisíveis. "Isso deve permanecer invisível, junto com a vida e o corpo dos gordos, dos mulçumanos, dos terroristas, dos transexuais, das lésbicas não consumistas, das ativistas pobres, dos deprimidos e tantos outros." (PRADO, 2013, p. 35) Conforme a citação, não somente o corpo gordo torna-se invisível, mas também todos os quais de certa maneira geram uma forma de preconceito. Até mesmo uma pessoa que não é animada, feliz, ou seja, o deprimido é excluído. Mas esses discursos hegemônicos vistos nas mídias, como televisão e revista, as vezes apresentam falhas e não conseguem capturar a todos. A internet, com sua estrutura poli-centralizada e aberta, é um espaço que permite que os discursos da diversidade prosperem, com o é o caso dos discursos que orbitam em torno do universo plus size. No ciberespaço, universo plus size, com toda sua carga de realidade e seu tom político, pode se fazer mais visível, abrindo espaço para que esse corpo seja representando e apresentado em uma gama maior de manifestações, podendo influenciar em diversas linguagens, como no campo das artes – música, cinema, artes plásticas; na mídia televisiva – inclusão de atores gordos, nas capas de revistas; em relação a comportamento – o caso dos militantes “antigordofobia”, ao movimento feminista e acima de tudo blogs voltados à 35 autoestima do homem e da mulher gorda, que até este momento eram como que invisíveis para si mesmos e para a sociedade. 1.2 Padrões de beleza no mundo A frase “A beleza está nos olhos de quem a vê”, do poeta espanhol do estilo Realismo Ramón de Campoamor, exprime o que podemos entender aqui como beleza, ou seja, que é algo de uma simplicidade dos sentidos. Sabemos que a beleza se manifesta através dos sentidos, culturais, sociais, históricas, políticas e subjetivas. A beleza, entre outras definições, é algo que agrada os sentidos e, como é um conceito de gosto e valor, quando nos deparamos com culturas diferentes o sentido do belo se molda conforme a cultura de cada país. Quase todas as culturas apresentam padrões específicos de beleza, mas o que é belo para um povo pode não ter a mesma qualificação em outro. É muito variável a questão da beleza. Em cada lugar do mundo os elementos de influenciam na beleza, como cultura, sociedade, economia entre outros trabalham este conceito de formadiferente, e também é mutável conforme tempo vai passando. Achar um denominador comum em relação a isso, definir o belo, algo ou alguém que possui uma beleza impar é algo impossível devido as diferenças pois a cultura de cada país apresenta um ideal de beleza diferente de outros países e culturas. Até mesmo dentro de um mesmo país o padrão pode se diferenciar em relação à região e aos costumes. Iremos apontar a seguir de modo a ilustrar neste trabalho como a beleza possui avaliações e classificações diferentes. Lucia Marques Stenzel em seu livro “Obesidade, o peso da exclusão” de 2003 comenta que a beleza não é universal e que ela varia em uma mesma sociedade ao logo do tempo conforme a citação abaixo: As representações de beleza e os valores a ela conferidos foram mudando ao longo do tempo. O que consideramos belo hoje, pode não ter sido no passado, assim como os padrões de beleza do passado já não servem mais para a sociedade moderna. Da mesma forma ocorre nas diferentes culturas, cada qual com suas especificidades no que se refere à beleza do corpo. (STENZEL, 2003, p. 22) A citação de Stenzel refere-se as mudanças sócias e culturais que passamos ao longo do tempo e que a beleza acompanha essas mudanças. É interessante observar que na África Ocidental, o padrão de beleza adotado pelas mulheres é a obesidade, como é o caso na Mauritânia, uma vez que o problema do local é a fome, a desnutrição e a pobreza. A comida é escassa, portanto é considerado um 36 privilégio ser gordo e, de certa forma, isto representa saúde e prosperidade. As mulheres obesas desse país transmitem um sinal de prestigio e riqueza. As meninas desde cedo são condicionadas a comer bastante. Tal costume é muito antigo, de séculos atrás: os Moors, população nômade que povoou o país, dizem que, se um homem se casa com uma mulher gorda, isso significa fartura e riqueza. O ideal de beleza remete a questões políticas e econômicas deste país, ser gorda que significa melhores condições sociais, mas existe uma corrente querendo mudar isso. O próprio governo se preocupa e muito com esse tipo de costume, pois vivem um paradoxo: de um lado o país luta contra a desnutrição, principalmente na região sudeste que, junto com a Unicef, a OMS e outras entidades, intervém em ações sustentáveis para melhorar a segurança alimentar, o comportamento alimentar e o fortalecimento contra a desnutrição. Por outro lado, já foram constatados inúmeros casos de abuso contra as crianças, por obrigarem-nas a comer muito (mais do que podem), e obesidade infantil. E, para finalizar, com a influência do Ocidente, os jovens que vivem nas grandes cidades e têm acesso a outros costumes questionam os padrões de beleza de corpos grandes. No Irã, mais especificamente em Teerã, devido ao uso do véu islâmico deixar somente à mostra os olhos e o nariz da mulher, o cuidado com essas partes do rosto tornam-se primordiais. O excesso de maquiagem nos olhos e o aumento de cirurgias plásticas do nariz acabou ganhando uma atenção especial. A genética árabe possui um padrão de nariz que costuma ser grande e muitas vezes adunco. O desejo de um nariz com proporções menores e mais delicados fez crescer o número de cirurgias de um nariz mais ocidentalizado fazendo com que a rinoplastia (cirurgia plástica do nariz) crescesse muito e se tornasse símbolo de status e beleza. Outro exemplo da variação nos padrões de beleza pode ser encontrado em países como Malásia, Coréia do Sul, Hong Kong, Índia e Tailândia. Nesses países a pele alva é sinônimo de beleza, diferente do que acontece em alguns lugares na América do Norte e do Sul, em que a pele bronzeada é sinônimo de saúde e vivacidade. O exemplo de beleza das mulheres girafas remete também às questões de adequação as normais sociais dos costumes de Myanmar, ao norte da Tailândia. As mulheres da etnia karen-padaungs usam anéis de bronze ou latão em volta do pescoço. As mulheres da tribo, em sinal de beleza, desde jovens, usam esses anéis no pescoço. Quanto mais alto o pescoço, mais bela é a mulher. Sinal de beleza, adaptação as normas e costumes sociais, os anéis no pescoço começam a ser colocados nas meninas por volta dos 5 ou 6 anos de idade. A cada ano que passa, outros anéis são adicionados. Uma mulher 37 adulta usa 37 anéis de bronze em volta do pescoço – esse é considerado o número ideal. Apesar do que se pensa, as mulheres não morrem se os anéis forem retirados (elas costumam fazer isso para se lavar), mas a musculatura do pescoço é enfraquecida. 1.3 As construções dos padrões de beleza no Brasil Conforme discutimos até agora, as culturas têm padrões específicos relativos ao que é atrativo ou desejável. A beleza pode, então, se expressar de forma semelhante em muitas delas. Em contrapartida, o que é belo para um povo pode não receber a mesma qualificação para outro povo. Entretanto, é algo que desperta a curiosidade e causa agrado, satisfação, admiração ou prazer por meio dos sentidos do observador. Em nosso país não é diferente do resto do mundo, a beleza para a mulher sempre esteve relacionada com a nossa cultura, ambos caminham juntos principalmente no que tange às representações do corpo feminino. Conforme Joana de Vilhena Novaes em seu livro O intolerável peso da Feiura, sobre as Mulheres e seus corpos, onde ela fala sobre a ditadura da estética nos corpos femininos discorre que: "A imagem da mulher na cultura confunde-se com a da beleza. Este é um dos pontos mais enfatizados no discurso sobre a mulher: ela pode ser bonita, deve ser bonita, do contrário não será totalmente mulher." (NOVAES, 2006, p. 85) Entendemos pela citação de Novaes que a imposição da beleza em relação a mulher sempre existiu e caso ela não compactue com isso, ela não é totalmente mulher. A preocupação com a beleza sempre existiu. Mas os discursos imperativos sobre padrão de beleza no Brasil ao longo do século XX foram brutais. Segundo o livro de Denise Sant’Anna (2014), as mudanças principais ocorreram a partir de 1920, com o uso de cosméticos, mudanças na alimentação, saúde, atividades esportivas, a preocupação com a aparência física torna-se de extrema importância. Essas mudanças estão ligadas também ao crescimento das mídias impressas, radiofônicas, televisivas e ao cinema que ajudaram muito nas transformações sociais durante todo esse período. Sant’Anna narra diferentes tipos de comportamento diante da beleza, como foi a evolução da beleza e quais eram os meios que mais disseminavam e idealizavam as informações sobre a beleza. Em 1920 por exemplo, o cinema era o grande influenciador de estilos, tendências e, até no comportamento com suas divas hollywoodianas. Propagandas em jornais e farmácias também eram (e continuam sendo) de grande importância para a disseminação de um padrão de saúde e beleza (SANT’ANNA, 2014). 38 Na leitura de Sant’Anna, as revistas Fon-Fon, Revista da Semana e o Almanaque Eu sei Tudo recebem destaque em suas pesquisas ilustrando os acontecimentos relacionados a beleza e seu comportamento. Com o fechamento destas revistas, outras continuaram fazendo o mesmo papel, como O Cruzeiro, Claudia, Querida, Capricho até mesmo a 4 Rodas e almanaques direcionados aos esportes. As pesquisas de Sant’anna não ficaram somente nas revistas, existe um profundo levantamento em relação as propagandas, o comercio de cosméticos, cinema, jornais, outros historiadores, artigos acadêmicos nacionais e internacionais. Por isso a grande relevância para esta dissertação de mestrado. Nas décadas de 1920/30, os famosos periódicos, possuíam uma aura de glamour, neles escreviam médicos renomados e pessoas muito influentes da época, os artigos escritos repercutiam de modo a influenciar seus leitores a tal ponto de eles seguirem à risca os seus conselhos descritos. As revistas ditavam como aspessoas deveriam se comportar, “mapas rumo ao sucesso”, (PRADO, 2013, p. 35) Conforme citado anteriormente, mesmo não sendo da mesma época, as revistas de 1920 com as atuais funcionam da mesma maneira, mostrando novos comportamentos. No percurso do livro de Sant’Anna, percebemos várias influências desse tipo e principalmente uma mudança de comportamento e de padrão de beleza durante as décadas, a tal ponto de subestimarem a inteligência em relação à beleza, como percebemos nesta passagem de uma propaganda da revista Fon-Fon ironizando a beleza em relação a inteligência: "Enquanto isso, mundanismo carioca revelava o charme das mulheres afeitas à beleza com boa dose de humor e malícia '- Preferes ser bonita ou inteligente? – Muito bonita - Ah!... – Sim, porque há mais homens tolos do que cegos'." (SANT’ANNA, 2014, p. 28) Esta citação foi veiculada na Revista Fon-Fon em 04 de janeiro de 1913, p.66, esse trecho, podemos perceber a relevância da beleza em relação a inteligência, mesmo de forma irônica, não deixa de ser uma forma velada de dizer que a beleza feminina tende a se destacar em relação a sua beleza, direcionado assim para agradar ao gosto masculino. O corpo nos anos de 1920, 30, 40 e 50 era considerado como um corpo social. “Costumavam servir como instrumento de gestão para a vida coletiva, pertencentes a uma comunidade, ficando assim dependentes da aprovação dela” (SANT’ANNA, 2014, p. 58). Percebemos então que a comunidade se importava naquela época com padrões do corpo, principalmente com a beleza. Um grande influenciador de regras de beleza, corpo e ensino religioso em relação a sua alma, foi o médico Hernani de Irajá, especialista em “psicopatologia sexual da mulher brasileira” (SANT’ANNA, 2014, p. 51) que escrevia 39 em um almanaque chamado “Eu sei tudo” que descrevia mandamentos sobre os cuidados com a beleza, os cuidados com as questões religiosas, o caráter e as emoções. Ainda segundo Sant’anna (2014) Entre vários mandamentos, nota-se bem que a mulher precisava cuidar do corpo e realçar os traços naturais de sua beleza utilizando cosméticos e outros recursos da época, mas sem deixar de valorizar sua “beleza espiritual” (SANT'ANNA, 2014, p. 51), já que as chamadas virtudes morais e espirituais refletiam um bom caráter e beleza de espírito para aquelas que eram consideradas como desprovidas de beleza física. Contudo não se comenta em momento algum sobre a questão do intelecto da mulher, deixando isso a cargo dos homens, dando a impressão de que as atividades intelectuais da mulher, consideradas reduzidas e menosprezadas, se dirigiam somente para as funções dos cuidados domésticos, com o corpo e o espírito. (SANT’ANNA, 2014, p. 51-54). O corpo social para a década de 1920 não era nem o gordo e nem o magro, e sim o que na época “eram considerados feios porque habitavam os extremos de uma linha imaginária cujo maior valor era o meio termo” (SANT’ANNA, 2014, p. 30). Em relação a beleza feminina, os exercícios físicos não eram bem vistos, pois pessoas daquela época costumavam associar as atividades em relação ao gênero, portanto o balé clássico era muito voltado a figura feminina. Outros exercícios que faziam o corpo suar eram tendencialmente voltados ao corpo masculino (SANT'ANNA, 2014, p. 39). Ainda em 1920, conforme Sant’anna, o culto ao corpo e ao emagrecimento começaram nesta época. O corpo era uma “maquina energética” (SANT’ANNA, 2014, p. 60) O sangue era como um fluído e o motor corporal representados pelo coração ou pulmões, e as pessoas eram goras pois esses “motores” não trabalhavam direto, conforme citação: Nos anos 1920, o corpo era representado pelo coração ou pelos pulmões. Os muito gordos o eram sobretudo porque seus “motores” não trabalhavam suficientemente bem, daí o excesso de gordura em seus corpos. Aliás, o culto ao emagrecimento foi inserido na propaganda e nas imagens impressas principalmente a partir da dessa década, quando o Brasil contava com cerca de 186 laboratórios farmacêuticos. Vários deles fabricavam medicamentos para emagrecer. Nos Estados Unidos, a exigência do emagrecimento recaía mais sobre as moças do que sobre os rapazes. Para o sexo masculino, o maior problema era a falta de peso, e não o seu excesso. No Brasil ocorria o mesmo; mas tanto para as mulheres como para os homens os rigores dos regimes não incluíam ainda o detalhamento das normas hoje amplamente conhecidas. (SANT’ANNA, 2014, p. 60) 40 Podemos entender nesta citação que o corpo é comparado a uma máquina e que suas peças eram valorizadas para fazer o motor funcionar. O mesmo que David Le Breton, professor de Sociologia na Universidade de Estrasburgo na França, e membro do Institut Universitaire de France e autor de vários livros e entre eles “Adeus ao Corpo” onde comenta: “não se compara a máquina ao corpo, compare-se o corpo à máquina” (LE BRETON, 2013, p. 19). A busca da beleza pelo corpo magro começa a se evidenciar estudioso sendo que tanto nos Estados Unidos como no Brasil a busca por um corpo magro se intensifica, desta vez a cobrança não era somente do lado feminino, mas sim do lado masculino também. Figura 10: Praia em 1920. Fonte: <http://superstars.kids.sapo.pt>. Acesso em: ago. 2015. Percebemos na foto que as vestes cobriam bastante o corpo. O padrão de corpo em 1920 tem um formato mais volumoso, com um pouco de gordura. Com ao aumento de frequência da ida à praia, em 1930, tais corpos ficaram mais expostos. Ao discorrer a respeito dos anos de 1930, Sant’anna afirma que o sorriso e a felicidade eram sinônimos de beleza e saúde. Assim, cuidados com o corpo começaram a surgir com mais frequência, principalmente em relação às mulheres. Como podemos exemplificar, a mulher que se cuidava em relação ao seu período menstrual mostrava um sinal de saúde, portanto, de beleza, já que na época não havia tanto conhecimento em relação a este período menstrual, percebemos que o bem-estar e a beleza já estavam relacionados. A tristeza injustificável da mulher era atribuída aos hormônios femininos, como se o útero fosse a causa de todos os problemas. (SANT’ANNA, 2014, p. 82-88) Na verdade conforme Fabíola Rohdenas, pesquisadora do Centro Latino-americano em Sexualidade e Direitos Humanos Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado 41 do Rio de Janeiro, em seu artigo “O império dos hormônios e a construção da diferença entre os sexos”, Rohdenas faz um levantamento histórico em relação aso hormônios femininos e as conditas médicas e em sua linha do tempo apresenta que a partir de 1920 os estudos em relação aos hormônios começaram a avançar, pois anteriormente as mulheres com muitas oscilações hormonais eram consideradas histéricas e na maioria das vezes internadas em hospícios. Continuando com a narrativa de Sant’anna (2014, p. 82-93), nas décadas de 1930/40 a beleza se resumia de certa forma no rosto. A necessidade de sempre estar feliz e mostrar o sorriso bonito para disfarçar as dores abdominais fez com que os cuidados com o rosto e cabelos aumentassem. As propagandas de produtos de higiene pessoal, como sabonete para o rosto, xampu, pasta de dente, aumentaram, e o mesmo aconteceu com as vendas de batom. Em sua narrativa histórica, Sant’anna afirma que em 1940 e 50 a mulher bela deveria conter-se emocionalmente, como por exemplo: “gritos, conter risos longos, choros compulsivos, bocejos (SANT’ANNA, 2014, p. 92) e com o corpo a mesma premissa era seguida, deveria ouvir os conselhos de “manter a linha” em relação ao corpo, “cremes e regimes embelezadores” pois a mulher bonita era aquela que mantinham um “lar feliz”, a cultura era delineada por conselhos para ser uma boa esposa e mãe primorosa. A virgindade e bons modos eram regra geral de beleza para as moças nas décadas de 1940 e 50 (SANT’ANNA, 2014, p. 93). Figura 11: Banhistas
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