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Memorial_academico_genero_docencia_e_ger (1)

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Prévia do material em texto

Tatyana Mabel Nobre Barbosa
Maria da Conceição Passeggi
(Org.) 
Memorial Acadêmico
gênero, docência e geração
Tatyana M
abel N
obre Barbosa
M
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onceição Passeggi
(O
rg.) 
M
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cadêmico
gênero, docência e geração
Série Escritas de si
Livros da série
Memorial acadêmico: 
gênero, docência e geração
Tatyana Mabel Nobre Barbosa
Maria da Conceição Passeggi
(Org.)
Memorial acadêmico: 
gênero, injunção institucional, 
sedução autobiográfica
Tatyana Mabel Nobre Barbosa
Maria da Conceição Passeggi
(Org.)
Autoras do livro
Cynthia Pereira de Sousa
Heloisa Helena Oliveira 
Buarque de Hollanda
Jane Soares de Almeida
Maria Arisnete Câmara de Moraes
Maria da Conceição Passeggi
Marta Maria de Araújo
Tatyana Mabel Nobre Barbosa 
O memorial acadêmico, como escrita de si, exige um exercício 
contínuo de reflexão para construir sentidos, dar unidade 
e coerência ao que foi formador na elaboração da história 
da sua vida. E é nesse sentido que a leitura dessas fontes 
autobiográficas contribui para a investigação dos construtos 
sócio-culturais de gênero, que se constituem na confluência das 
relações com as instituições, entidades sociais, acontecimentos 
e personagens. 
Memorial Acadêmico
gênero, docência e geração
Coleção 
“ Pesquisa (Auto)Biográfi ca ∞ Educação ”
Série Escritas de Si
EDUFRN
Coordenação da Coleção
Maria da Conceição Passeggi | Universidade Federal do Rio Grande do Norte | Brasil
 Elizeu Clementino de Souza | Universidade do Estado da Bahia | Brasil 
Christine Delory-Momberger | Universidade de Paris 13/Nord
Coordenação da Série
Tatyana Mabel Nobre Barbosa | Universidade Federal do Rio Grande do Norte | Brasil
Parcerias 
Collection “(Auto)biographie ∞ Education”
 Paris:Téraèdre
 Colección “Narrativas, autobiografías y Educación” 
Buenos Aires: FFyL| UBA- CLACSO 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Reitora
Ângela Maria Paiva Cruz
Vice-Reitora
Maria de Fátima Freire Ximenes
Diretor da EDUFRN
Herculano Ricardo Campos
Editor
Helton Rubiano de Macedo
Supervisão Editorial
Alva Medeiros da Costa
Conselho Editorial
Cipriano Maia de Vasconcelos (Presidente)
Ana Luiza Medeiros
Humberto Hermenegildo de Araújo
Herculano Ricardo Campos
Mônica Maria Fernandes Oliveira
Tânia Cristina Meira Garcia
Técia Maria de Oliveira Maranhão
Virgínia Maria Dantas de Araújo
Willian Eufrásio Nunes Pereira
Tatyana Mabel Nobre Barbosa
Maria da Conceição Passeggi
(Org.)
Memorial Acadêmico
gênero, docência e geração
Grafi a atualizada segundo o Acordo Ortográfi co da Língua Portuguesa de 1990,
que entrou em vigor no Brasil em 2009.
Capa: Wilson Fernandes de Araújo Filho
Editoração eletrônica: Paola Cristina Fernandes de Araújo
Normatização e revisão: Jason Rafael Pereira de Lima
Revisão científi ca: Tatyana Mabel Nobre Barbosa
Impressão e acabamento: EDUFRN
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN | Biblioteca Central Zila Mamede 
Divisão de Serviços Técnicos
Memorial acadêmico : gênero, docência e geração / organizadores Tatyana Mabel No-
bre Barbosa, Maria da Conceição Passeggi. – Natal, RN: EDUFRN, 2011.
 214 p. – (Coleção pesquisa (auto)biográfi ca ∞ educação) Série Escritas de Si.
 
Bibliografi a
ISBN 978-85-7273-773-9
1. Educação. 2. Memorial acadêmico. 3. Gênero. 4. Docência. 5. Geração. 6. Memória. 
I. Barbosa, Tatyana Mabel Nobre. II. Passeggi, Maria da Conceição. 
 
RN/UF/BCZM 2011/19 CDU 370
 CDU 37
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada 
sem a autorização expressa das autoras
Impresso no Brasil, 2011 
Av. Senador Salgado Filho, 3000, Lagoa Nova
Natal/RN-Brasil 59.078-970
Tel.: (84) 3215-3236
Fax: (84) 3215-3206
edufrn@editora.ufrn.br
| APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO
De que modo os percursos de vida contemporâneos, caracterizados pela pluralidade das experiências educativas, sociais e profissionais, singularizam-se 
nas histórias individuais? A pesquisa (auto)biográfica analisa 
as modalidades segundo as quais os indivíduos e, por extensão, 
os grupos sociais trabalham e incorporam biograficamente os 
acontecimentos e as experiências de aprendizagem ao longo da 
vida. 
As fontes (auto)biográficas, constituídas por histórias de 
vida, relatos orais, fotos, diários, autobiografias, biografias, 
cartas, memoriais, entrevistas, escritas escolares e videográ-
ficas, configuram-se como objeto de investigação transversal 
nas Ciências Sociais e Humanas. Em Educação, a pesquisa 
(auto)biográfica amplia e produz conhecimentos sobre a pes-
soa em formação, as suas relações com territórios e tempos de 
aprendizagem e seus modos de ser, de fazer e de biografar resis-
tências e pertencimentos.
O símbolo do infinito presente no título da coleção 
“Pesquisa (auto)biográfica ∞ Educação”, sugestivamente, tem a 
intenção de marcar a abertura entre esses dois espaços e inves-
tir na liberdade de percorrer diferentes domínios da atividade 
humana mediante essa dupla entrada, a do (auto)biográfico e 
a do educativo. 
Concebida numa perspectiva intercultural, a coleção aco-
lherá textos sob a forma de relatos, ensaios, trabalhos de pes-
quisa que confirmem as diversidades — geográfica e teórica 
— de situações, de abordagens e de pontos de vista.
Coleção 
“ Pesquisa (Auto)Biográfi ca ∞ Educação ”
Série Escritas de Si
EDUFRN
Coordenação da Coleção 
Maria da Conceição Passeggi | Universidade Federal do Rio Grande do Norte | Brasil
 Elizeu Clementino de Souza | Universidade do Estado da Bahia | Brasil 
Christine Delory-Momberger | Universidade de Paris 13/Nord
Coordenação da Série
Tatyana Mabel Nobre Barbosa | Universidade Federal do Rio Grande do Norte | Brasil
Conselho Científi co
Ana Chrystina Venancio Mignot | Universidade do Estado do Rio de Janeiro | Brasil
Ari Antikainen | Universidade de Joensuu | Finlândia
Christoph Wulf | Universidade Livre de Berlin | Alemanha
Danielle Desmarais | Universidade do Québec em Montreal | Canadá
Daniel Suárez | Universidade de Buenos Aires | Argentina
Duccio Demetrio | Universidade degli Studi de Milan Biccoca | Itália
Elsa Lechner | Centro de Estudos em Antropologia Social do ISCTE | Portugal
Gaston Pineau | Universidade François Rabelais | França
Giorgos Tfi olis | Universidade de Creta, Rethymo | Grécia
Guy de Villers | Universidade Católica de Louvain la Neuve | Bélgica 
Henning Salling Olesen | Universidade de Roskkilde | Dinamarca 
Isabel López Górriz | Universidade de Sevilla | Espanha
Laura Formenti | Universidade degli Studi di Milano Bicocca | Itália
Linden West | Universidade de Canterbury | Inglaterra
Maria Helena M. B. Abrahão | Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul | Brasil
Marta Maria de Araújo | Universidade Federal do Rio Grande do Norte | Brasil
Peter Alheit | Universidade Georg August, Göttingen | Alemanha
Pierre Dominicé | Universidade de Genebra | Suíça
Victoria Marsick | Teachers College, Columbia University, New York | EUA
Valerij V. Savchuk | Universidade de Saint-Petersburg | Rússia
Apoio 
ANNHIVIF | Associação Norte-Nordeste das Histórias de Vida em Formação
BIOgraph | Associação Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfi ca
ASIHVIF - RBE | Association International des Histoires de Vie en Formation et de la Recherche 
Biographique en Education
| APRESENTAÇÃO DA SÉRIE
A Série Escritas de si publica textos (auto)biográ-ficos de caráter ou interesse acadêmico, com o objetivo de dar maior visibilidade à singulari-
dade de trajetórias intelectuais e valorizar a sua relevância 
histórico-cultural. Busca-se, nesse sentido, promover e pre-
servar as memórias das instituições, dos grupos e dos sujei-
tos e responder a uma demanda crescente das Ciências 
Humanas e Sociais acerca das potencialidades dessas fontes 
como método de investigação e prática social de formação.
| SUMÁRIO
| Memorial acadêmico: suasrepresentações de gênero e| Memorial acadêmico: suas representações de gênero e
processos de transmissão intergeracional da docênciaprocessos de transmissão intergeracional da docência............... 11
Tatyana Mabel Nobre Barbosa
Maria da Conceição Passeggi
1| Memorial acadêmico: estudos para uma bailadora andaluza
Tatyana Mabel Nobre Barbosa
Maria da Conceição Passeggi ............................................. 21
2| Tempora mutantur et nos cum illis
Jane Soares de Almeida ...................................................... 39
3| Pelo fi o do passado, do presente e do futuro
Marta Maria de Araújo ........................................................ 81
4| Caminhos e descaminhos de uma professora universitária
Heloisa Helena Oliveira Buarque de Hollanda ................... 97
5| Entre o inventário de lembranças e aproximações
 de similitudes
Maria Arisnete Câmara de Morais ...................................... 143
6| Rememorações
Cynthia Pereira de Sousa .................................................... 155
7| “Rememorações”: aprendizagem por ascendência,
 docência e gênero 
Tatyana Mabel Nobre Barbosa ............................................ 191
| Organizadoras e autoras| Organizadoras e autoras............................................................ 207
|MEMORIAL ACADÊMICO: SUAS REPRESENTAÇÕES 
DE GÊNERO E PROCESSOS DE TRANSMISSÃO INTER-
GERACIONAL DA DOCÊNCIA1 
O memorial acadêmico, como escrita de si, exige um exercício contínuo de reflexão para construir sentidos, dar unidade e coerência ao que foi formador na elabo-
ração da história de sua vida. Seus autores não somente regis-
tram seus itinerários, mas analisam suas escolhas, investigam 
os elos entre seus tempos de formação e atuação profissional e 
re.significam suas trajetórias, a partir das diferentes dimensões. 
E é nesse sentido que a leitura dessas fontes autobiográficas 
contribui para a investigação dos construtos sócio-culturais de 
gênero, que, como sabemos, também se constituem na conflu-
ência das relações com as instituições, entidades sociais, aconte-
cimentos e personagens. 
Analisar essa fonte autobiográfica é, portanto, tarefa imen-
samente significativa para a compreensão dos processos edu-
cativos, sociais, políticos e históricos protagonizados no seio 
das universidades. E, ainda mais: permite o acesso a essas 
dimensões pela voz dos que a fazem, mediante discursos cons-
truídos na e para a academia, mas, nem por isso, divorciados 
de suas singularidades e subjetividades. E é nessa direção que 
esta publicação contribui.
Este livro reúne três memoriais acadêmicos, escritos entre 
os anos de 1993 e 2000, como requisitos institucionais para 
ascensão na carreira docente em diferentes universidades 
públicas brasileiras. Além disso, traz quatro artigos cientí-
ficos, produzidos por professoras do Centro de Educação da 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, especialistas 
em pesquisa autobiográfica; relações de gênero; Literatura 
e Educação; cultura, escola e escolarização. Em seus artigos, 
1 Este livro foi realizado no âmbito do seguinte projeto: “Autobio-
grafias de mulheres-professoras” CNPq / Secretaria Especial de 
Políticas para as Mulheres da Presidência da República- SPM/PR / 
Ministério de Desenvolvimento Agrário – MDA / Ed. 57/2008, no. 
402966/2008-2, C2.
12 | Memorial acadêmico: suas representações de gênero e processos...
analisam os memoriais acadêmicos como discursos antropo-
lógicos que revelam a exemplaridade de memórias docentes, 
relações de gênero e processos de transmissão intergeracional 
de experiências formadoras. De um lado, este livro permite a 
leitura dos memoriais e o acompanhamento da trajetória des-
sas professoras que se tornaram notáveis por seus trabalhos na 
área de gênero; e, de outro, permite relacionar suas próprias 
interpretações com aquelas apresentadas por outras autoras, 
especialistas em temáticas-chave para a análise das relações de 
gênero e da escrita autobiográfica. 
As autoras dos memoriais – Jane Soares de Almeida da 
Universidade do Estado de São Paulo, Heloisa Buarque de 
Hollanda da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Cynthia 
Pereira de Sousa da Universidade de São Paulo – são professo-
ras de universidades públicas, pesquisadoras sêniors, bolsistas 
de produtividade do CNPq, que, ao longo de décadas, adota-
ram como temas de pesquisa as relações de gênero, mulheres 
e feminismos, publicaram livros, participaram de grupos de 
pesquisa, realizaram estudos em universidades estrangeiras e 
protagonizaram ações administrativas e acadêmicas que aju-
daram a realizar novas ideias e espaços em suas universidades2.
O que há, ainda, em comum na trajetória dessas pesqui-
sadoras é que seus memoriais ilustram uma situação relativa-
mente paradoxal: foram escritos como requisito para ascensão 
na carreira docente no momento em que a aposentadoria se 
insinuava em seus horizontes profissionais. Essa peculiaridade 
2 Agradecemos às professoras que, gentilmente, nos permitiram pu-
blicar seus memoriais acadêmicos: Jane Soares de Almeida (UNESP, 
Campus de Araraquara), Heloísa Buarque de Hollanda (UFRJ) e Cyn-
thia Pereira de Sousa (USP). O desprendimento em publicar sua his-
tória de vida profissional é ainda mais notável pelo fato de terem-na 
disponibilizado aos seus pares para análise e escrita dos artigos. As 
aprendizagens estabelecidas com essas autoras, há dez anos, atra-
vés da leitura de seus trabalhos, quando iniciávamos nossa pesquisa 
acerca das relações de gênero, também contribuíram para tornar 
possível esta publicação. Destacamos também a colaboração das 
professoras do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio 
Grande do Norte, cuja participação neste livro dá continuidade à 
tradição desta instituição na pesquisa acerca da História da Edu-
cação, das relações de gênero, das práticas socioeducativas e das 
tradições discursivas
Tatyana Mabel Nobre Barbosa e Maria da Conceição Passeggi | 13
nos permite não só conhecer e analisar o itinerário de vida e 
intelectual que contribuiu para que essas professoras se tornas-
sem referência na área de gênero, como nos possibilita pergun-
tar: “quais histórias já podem contar?”, “quais representações 
de gênero lhes serviram como referência?”, “de que modo essas 
representações foram ocultadas em suas próprias produções 
acadêmicas?” e “quais experiências de vida foram importan-
tes para sua atuação profissional?”. A possibilidade de escrever 
sua autobiografia docente num contexto em que seu memorial 
atesta um trabalho sólido em benefício da própria universidade 
que, agora, a avalia, talvez seja uma das situações mais favo-
ráveis para se relativizar, na escrita de si, as injunções institu-
cionais, criar algo novo e reinventar a própria trajetória a ser 
transmitida a outras gerações de professoras. Por outro lado, o 
memorial acadêmico é também uma escrita da história parti-
lhada entre a narradora e sua universidade e, portanto, inven-
taria uma espécie de legado simbólico e comum à instituição 
e ao sujeito. E essa situação é, certamente, geradora de tensões 
para a escrita: “de que modo essa história questiona a história 
oficial da instituição, presente em seus documentos internos 
de regulamentação de seu funcionamento?”. Como vemos, o 
memorial acadêmico é rico de elementos a serem analisados e, 
nesse sentido, este livro permite itinerários de leitura plurais, 
seja em função da publicação de três diferentes trajetórias inte-
lectuais de pesquisadoras da área de gênero, seja pelos diferen-
tes olhares que cada artigo apresenta sobre essa escrita de si.
No artigo Memorial acadêmico: estudos para uma bailadora 
andaluza Tatyana Mabel Nobre Barbosa e Conceição Passeggi 
adotam dois conceitos-chaves para analisar os construtos de 
gênero: a autopoiésis e antropofagia feminina. Para as autoras, 
as narradoras-personagens dos memoriais transitam entre a 
criação de si e a submissão às relações de gênero naturaliza-
das socialmente e, dessemodo, observam esse movimento em 
momentos e situações específicas: entrada na profissão, a cria-
ção dos filhos, as relações conjugais, a escrita do memorial.
Em Tempora mutantur et nos cum illis, memorial acadêmico 
de Jane Soares de Almeida, apresentado como requisito para 
o concurso público de Livre-docência, na UNESP, Campus 
14 | Memorial acadêmico: suas representações de gênero e processos...
de Araraquara, o leitor conhecerá a trajetória de uma profes-
sora de origem modesta, com longa experiência em escolas da 
zona rural, onde ensinou aos filhos da pobreza. Seu memorial 
dissipa muitas injunções acadêmicas canônicas3 e coloca em 
cena as experiências formadoras, a subjetividade, a convivên-
cia estreita entre o quadro, o giz e os diplomas, o casamento, 
o divórcio, os filhos, os netos. Se a escrita de si no contexto 
institucional não deixa de ser uma autobiografia, nem deixa 
de ser um texto acadêmico, Jane Soares de Almeida coloca a 
subjetividade e as experiências mais comuns à vida de uma 
mulher-professora no centro da sua narrativa e, nessa direção, 
se distancia do curriculum vitae como mimese de sua escrita. 
Poderemos pensar em uma escritura feminina?4.
Em Pelo fio do passado, do presente e do futuro Marta Maria 
de Araújo usa as lentes de Pascal para ver no memorial de Jane 
Soares os processos de transmissão intergerações – a figura da 
mãe, dos alunos... –, a relação movediça com o tempo que auto-
biografar impõe e a dimensão social nas histórias individuais. 
Sobre esse último aspecto, focaliza as narrativas experienciais 
do memorial e traz ao leitor seus vínculos com o contexto 
histórico-social e político do Brasil. E, nesse cruzamento, per-
mite uma análise fina das travessias da narradora-personagem, 
que transcende, segundo Marta Maria de Araújo, os lugares-
-comuns, vivencia dinâmicas culturais criativas, alterna seus 
mediadores nos processos de transmissão intergeracional e, em 
última instância, renova a si mesmo.
3 Esse é um conceito que Passeggi (2008) trabalha para analisar o 
memorial como produção flutuante entre a adesão ao cânone cien-
tífico e às normatizações para os concursos, também acadêmicas, 
que exigem do professor-candidato reinventar-se e tecer os fios que 
entrelaçam os fatos. Nesse sentido, seu texto “Memoriais: injunção 
institucional e sedução autobiográfica” detalha essa discussão. 
Conferir: PASSEGGI, Maria da Conceição; SOUZA, Elizeu Clemen-
tino de (Org.); (Auto)biografia: formação, territórios e saberes. Pre-
fácio Gaston Pineau. Natal, RN: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2008. 
(Coleção Pesquisa (Auto)Biográfica  Educação).
4 BARBOSA, T. M. N.; PASSEGGI, M. C. Escritura feminina e mulher 
escrita: interfaces da formação autobiográfica docente. Revista 
Educação em Questão, Natal: v. 25, n. 11, p. 80-101, jan./abr., 2006.
Tatyana Mabel Nobre Barbosa e Maria da Conceição Passeggi | 15
O memorial acadêmico Caminhos e descaminhos de uma 
professora universitária foi apresentado ao Departamento 
de Teoria da Comunicação da Escola de Comunicação da 
Universidade Federal do Rio de Janeiro para concurso ao cargo 
de professor titular em Teoria Crítica da Cultura. Escrito por 
Heloisa Helena Oliveira Buarque de Hollanda, esse memorial 
indica-nos os diferentes espaços que as relações de gênero e de 
si mesmo como mulher ocupam em sua vida: torna-se profes-
sora em meio a uma naturalização da relação mulher/ docên-
cia; observa/acompanha a amiga Clara Alvim ir às ruas grávida 
de ideais; publica 26 poetas hoje, Tendências e impasses; diz 
não ao casamento e sim ao amor; observa a crítica sexista do 
seu trabalho e nem se apercebe; torna-se engenheira de pon-
tes entre a universidade e o cinema, os grupos de teatro e os 
demais espaços de efervescência literária; ganha estatura aca-
dêmica: é lida. Nesse exercício entre a imprudência da escrita 
autobiográfica que se encerra sob o paradoxo do sentimento 
de mudança e repetição de si mesmo sua vida partilha de uma 
identidade feminina típica da geração de 60, em que as mobi-
lizações políticas colocaram as mulheres nas cenas públicas. 
Desse modo, tomando o feminismo como uma lente nova para 
ler os discursos circulantes é que compreende que não se sai 
ilesa na carreira intelectual das contingências de ser mulher.
Maria Arisnete Câmara de Morais estabelece uma leitura 
em rede entre o memorial de Heloisa Buarque e sua própria 
narrativa de vida intelectual. Nesse cruzamento, aparecem 
as vozes das escritoras oitocentistas brasileiras, de Virgínia 
Woolf e de tantas outras que compõem as memórias de lei-
tura e pesquisa da autora de Entre o inventário de lembranças 
e aproximações de similitudes. Essas vozes, distantes em tem-
pos históricos e espaços geográficos se articulam nesse artigo 
pelas mãos-tecelãs de Maria Arisnete Câmara de Morais. Seu 
texto aponta as singularidades e recorrências que entrelaçam 
todas essas trajetórias de mulheres notáveis, anônimas ou de 
reconhecida importância acadêmica, intelectual e literária. 
Seu olhar para todas essas narrativas busca a utopia da pala-
vra e, por isso, seu texto traz muito além do dito... leva-nos a 
ler olhando para dentro. E é também esse movimento que se 
16 | Memorial acadêmico: suas representações de gênero e processos...
aponta como necessário para a leitura que nos permite fazer do 
memorial de Heloisa Buarque de Hollanda e, em última ins-
tância, para a leitura e escrita das narrativas femininas.
No memorial Rememorações, apresentado como exigên-
cia para obtenção do título de Livre-Docente em História da 
Educação na Universidade de São Paulo, Cynthia Pereira de 
Sousa traz inúmeras análises sobre a importância dos seus 
professores, desde a infância no contexto escolar, aos mestres 
da universidade. A relevância que essas personagens tem para 
sua formação e atuação profissional no ensino superior é mate-
rializada em seu memorial e na sua produção científica. Esse 
aspecto da transmissão intergeracional das representações 
de gênero entre mestras e futuras professoras, presentes na 
dimensão mais experiencial do memorial acadêmico, e objeto 
das pesquisas de Cynthia Pereira de Sousa é o que analisa o 
artigo Rememorações: aprendizagem por ascendência, docên-
cia e gênero de Tatyana Mabel Nobre Barbosa. Em seu artigo, 
relaciona a escrita do memorial à pintura-poesia de Edward 
Hopper, a partir de três de suas telas: A woman in the Sun 
(1961), Western motel (1957), Rooms by the sea (1951). Busca, 
com isso, lentes para melhor ler as narrativas autobiográficas 
e credencia à arte um repertório significativo para elucidar a 
subjetividade e a invenção de si no memorial acadêmico.
Como vemos pela escrita de cada um desses textos, sejam 
os memoriais, sejam os artigos, a vida acadêmica coloca-nos 
num processo permanente de biografização: analisamos o 
outro, colocamo-nos como objeto da escrita, referenciamos 
nossa produção científica,... são muitos e diversos os exercícios 
da escrita de si na produção acadêmica e, se é assim, por que 
desconfiaríamos do exercício reflexivo sobre a experiência? Será 
pelo fato do memorial aderir a outras formas de normatização 
e colocar o professor como efetivo autor do seu discurso? Será 
em função da academia adotar como paradigma a exclusão do 
sujeito como ser capaz da autoformação?
Para permitir aos leitores se aproximarem mais dos memo-
riais conforme eles foram depositados nas universidades na 
ocasião dos concursos a que se submeteram suas autoras, opta-
mos por poucas alterações em seu formato original e buscamos 
Tatyana Mabel Nobre Barbosa e Maria da Conceição Passeggi | 17
manter, especialmente, elementos que caracterizavam o exer-
cício de subjetivação da escrita acadêmica5. Assim, pensamos 
que a reflexão sobre as perguntas realizadas anteriormente 
necessita da manutenção dos elementos de liberdade estética 
exercidos pelas autoras dos memoriais, como: a assinatura que 
uma delas dá ao final do memorial, aproximando-o das corres-
pondências e gerando um grau deintimidade com seu leitor e 
nas diferentes formas de incorporação da bibliografia ao texto, 
que pode sinalizar o modo como se autorizam a dizer sua pró-
pria voz, com mais autonomia do que permitem outros gêneros 
acadêmicos. Consideramos esse conjunto de elementos pistas 
importantes para entender como o memorial acadêmico é uma 
fonte (auto)biográfica relevante para nos permitir conhecer 
como as mulheres escrevem sua história e, mais especialmente, 
as singularidades das histórias das professoras universitárias 
do Brasil.
Natal, março de 2011.
Tatyana Mabel Nobre Barbosa
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Maria da Conceição Passeggi
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
5 Assinalamos que não sem dificuldades buscamos manter esses 
elementos em conformidade com a versão dos memoriais deposi-
tada nas universidades. A padronização típica às publicações aca-
dêmicas entrou, muitas vezes, em tensão com nossa tentativa de 
“preservar o texto original”. Nesse sentido, abrimos mão dos ele-
mentos pré-textuais dos memoriais acadêmicos, mas buscamos re-
cuperar o seu contexto de produção na nota de rodapé inicial de 
cada texto. Por outro lado, mantivemos a forma de referenciação 
das fontes e permitimos ao leitor observar o modo como as autoras 
dos memoriais incorporam e assumem o discurso científico em seu 
texto. Além disso, todas as autoras indicaram título para seus me-
moriais. Apenas uma delas adicionou comentários à versão original, 
destacando-os sempre em itálico, como notas reflexivas posteriores 
à escrita da versão depositada para concurso. 
Memorial AcadêmicoMemorial Acadêmico
estudos para uma bailadora andaluza
Tatyana Mabel Nobre Barbosa
Maria da Conceição Passeggi
1| MEMORIAL ACADÊMICO: ESTUDOS PARA UMA 
BAILADORA ANDALUZA1
Tatyana Mabel Nobre Barbosa2
Maria da Conceição Passeggi3
Dir-se-ia, quando aparece dançando por siguiriyas, que com a 
imagem do fogo inteira se identifica. [...] Então, o caráter do fogo 
nela também se adivinha [...] Porém a imagem do fogo 
é num ponto desmentida: que o fogo não é capaz 
como ela é, nas siguiriyas, de arrancar-se de si mesmo numa 
primeira faísca, nessa que, quando ela quer, vem e acende-a 
fibra a fibra, que somente ela é capaz de acender-se estando 
fria, de incendiar-se com nada, de incendiar-se sozinha. 
João Cabral de Melo Neto, 
Estudos para uma bailadora andaluza
Ao ler o poema de João Cabral não há como não rela-cionar com Danse serpentine II. Um vídeo cuja única personagem é uma dançarina que parece uma bor-
boleta a flutuar sobre o próprio corpo. Esse vídeo, produzido 
pelos irmãos Lumière, em 1897, é uma projeção contínua de 44 
segundos, sem som, colorida à mão e transferida a vídeo, per-
tencente ao acervo do Centro de Arte Reina Sofia em Madrid4.
No vídeo, a dançarina e seu manto se confundem, mudam 
de cor... ela é só movimento. Não vemos seu corpo, que ganha as 
formas flutuantes que giram, giram na tela. A bailadora de João 
1 Este artigo foi elaborado no âmbito do projeto “Autobiografias 
de mulheres-professoras: suas representações de gênero na for-
mação intergeracional da docência” (CNPq / Secretaria Especial de 
Políticas para as Mulheres da Presidência da República- SPM/PR / 
Ministério de Desenvolvimento Agrário – MDA / Ed. 57/2008, no. 
402966/2008-2, C2).
2 Professora adjunta do Centro de Educação da Universidade Fede-
ral do Rio Grande do Norte.
3 Professora titular do Centro de Educação da Universidade Federal 
do Rio Grande do Norte.
4 Em visita recente ao Centro George Pompidou, em Paris, vimos o 
mesmo vídeo no acervo da exposição permanente, sob o título de 
anônimo na direção.
22 | Memorial acadêmico: estudos para uma bailadora andaluza
Cabral se aproxima dessa fluidez, dessa plasticidade,... se uma é 
o manto branco que dança como serpentina em volta do próprio 
corpo, a outra é como fogo... é mais do que o fogo, pois é capaz 
de arrancar-se de si mesmo. Ambas, com seu corpo de fogo em 
serpentina dão vida ao vento, ao espaço e ao nosso olhar. 
Assim são as autoras dos memoriais. Bailadoras que, num 
movimento autopoiético, riscam e desenham a própria vida 
num gesto que visa a perpetuar a sua história de travessias rea-
lizadas na efemeridade do tempo. E é justamente tomado nesse 
sentido que realizaremos, neste artigo, a leitura de três memo-
riais acadêmicos, escritos para fins de ascensão ao magistério 
superior, e buscaremos compreendê-los como lugar em que as 
representações de gênero são importantes para a reinvenção 
das suas definições profissionais. 
 
Professoras-bailadoras: movimentos para 
criação das representações de gênero
Quais passos as professoras-bailadoras dão nas danças da 
vida e da escrita de si? Como as representações de gênero cir-
culam e envolvem-nas como serpentinas a flutuar sobre seus 
corpos? Como os construtos simbólicos generificados em dife-
rentes momentos da vida profissional são relatados no memo-
rial acadêmico na ocasião do balanço da quase totalidade do 
tempo de carreira? 
Partindo dessas perguntas, buscaremos fazer a leitura da 
dinâmica de constituição dos construtos de gênero, a partir 
do memorial acadêmico de três professoras: Jane Soares de 
Almeida, cujo memorial foi apresentado como requisito para 
o concurso público de professor adjunto, na Universidade 
Estadual Paulista-Unesp, Campus de Araraquara, para 
obtenção do título de professora livre-docente, em 2000; 
Heloisa Buarque de Hollanda, cujo memorial foi apresen-
tado ao Departamento de Teoria da Comunicação da Escola 
de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro 
para o concurso de provimento do cargo de professor titular 
no setor Teoria Crítica da Cultura, em 1993; e Cynthia Pereira 
de Sousa, cujo memorial foi apresentado como exigência para 
Tatyana Mabel Nobre Barbosa e Maria da Conceição Passeggi | 23
obtenção do título de Livre-Docência em História da Educação 
junto ao Departamento de Filosofia da Educação e Ciências da 
Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São 
Paulo, em 2000 .
Nosso objetivo é compreender a dinâmica dos processos 
significantes das relações de gênero, a partir de um olhar pri-
vilegiado: das narradoras-personagens desses memoriais num 
momento em que já são apontadas como referência em algu-
mas das áreas – como de gênero, memórias, história da profis-
são docente – de interesse para nossa leitura.
Para nós, esta escrita é particularmente significativa. 
Estamos também nela envolvidas sob algumas das matizes 
autobiográficas, uma vez que nosso interesse de pesquisa pelas 
áreas de gênero, memórias e escritas de si, que hoje balizam 
este texto, ocorreu, especialmente, a partir da leitura das pro-
duções científicas das autoras dos memoriais que ora lemos e 
publicamos na edição deste livro. Foi a partir de suas publi-
cações que compreendemos a rede de representações generi-
ficadas que mobilizavam ou paralisavam muitas das nossas 
escolhas como mulheres e como professoras. 
Escrever sobre seus memoriais acadêmicos é um momento 
de síntese das aprendizagens que realizamos em partilha com 
essas professoras. Portanto, o leitor está diante, também neste 
artigo, de uma das inúmeras dimensões autobiográficas que o 
exercício acadêmico demanda.
Autopoiésis e antropofagia feminina
No contexto atual, talvez, pesquisar sobre as relações de 
gênero, mulheres e feminismos suscite algumas perguntas que 
questionem a necessidade de permanência dessas investiga-
ções. No entanto, a pergunta “O que é uma mulher?”, embora 
lançada por Simone de Beauvoir há cerca de sessenta anos, 
numa das suas obras clássicas – “O Segundo Sexo” –, ainda 
busca respostas e, portanto, o que são, o que podem, o que 
fazem e o que pensam e querem as mulheres ainda não é algo 
sabido. Nesse sentido, é importante compreender, como esses 
memoriais acadêmicos, escritos por professoras sêniors na área 
24 | Memorial acadêmico: estudos para uma bailadora andaluza
de gênero, e, além disso, contemporâneas das lutas feministas,elucidam esses embates nas suas experiências profissionais, na 
escolha da docência e na alternância entre as demandas inte-
lectuais e a vida afetiva:
Minha entrada na Escola Normal foi parte de uma decisão 
tomada segundo critérios de facilidade de acesso e como 
consequência natural da vida que levávamos numa cidade 
do interior, com poucas opções profissionais. Nesse tempo, 
trabalho e profissão eram coisas longínquas, entrevistos leve-
mente entre os imensos afazeres de crescer e de conhecer a 
vida. (ALMEIDA, 2000, p. 6)
Para as jovens, a voz corrente era de que o ideal era fazer o 
Curso Normal, pelas possibilidades concretas de se profis-
sionalizar mais rapidamente. As outras opções implicavam, 
necessariamente, a continuidade dos estudos em uma facul-
dade. Nem meu pai, nem minha mãe me aconselharam outras 
opções. Para meu irmão mais velho, o caminho foi o curso 
Científico e a faculdade de Engenharia. Meu outro irmão, seis 
anos mais novo, ainda tinha muitos degraus a galgar. E assim 
entrei para a Escola Normal, como se fosse um destino natural 
para mim, como mulher. (SOUSA, 2000, p. 07)
Meu pai, um médico e pesquisador influente, diretor do 
Instituto de Puericultura da UFRJ e membro da Academia 
Nacional de Medicina, expressava uma razoável expecta-
tiva em relação ao sucesso profissional – e conjugal – de 
suas filhas. [...] De certa forma, o destino de professora pare-
cia já estar definido em algum nexo discursivo familiar, o 
qual não me sentia com poder e/ou desejo de interpelar. O 
magistério parecia uma carreira nobre, cujos voos, por mais 
ambiciosos que fossem, não se incompatibilizariam com as cir-
cunstâncias de um provável futuro de esposa e mãe de família. 
(HOLLANDA, 1993, p. 07)
A partir das citações de seus memoriais acadêmicos, escri-
tos para diferentes instituições de ensino superior, vemos, com 
pequenas variações, um mesmo padrão de entrada na profis-
são. Dominicé (2010) fala em movimentos de adesão e distan-
ciamento que, ao longo da formação do adulto, mobilizam suas 
escolhas diante dos valores familiares e dos demais espaços 
de sociabilização. Todas retomam o contexto cultural-fami-
liar para descrever como realizaram a escolha pela docência. 
Tatyana Mabel Nobre Barbosa e Maria da Conceição Passeggi | 25
Teriam esses sentidos profissionais que ligavam a docência à 
vida de mulheres (alternativa que não geraria desconforto ao 
destino de mães e esposas) como um elemento importante para 
as trajetórias intelectuais que trilharam na área de gênero? 
Naquele momento, cada uma se via diante de um destino 
implacável e, como todas as mulheres, precisariam, a partir 
dali, aprender a amar o que não escolheram.
Ao ver esses relatos de professoras do ensino superior bra-
sileiro, em ascensão na carreira, reconhecidas por seus méritos 
acadêmicos e intelectuais, declararem as contingências insu-
peráveis que as levaram à docência, recordamos nossa pró-
pria história de criação e convivência em grupos familiares 
sertanejos. Lembramo-nos de alguns dos relatos de nossa avó 
sobre suas expectativas quando se descobria prenhe. Revelara-
nos, por mais de uma vez, que desejava que fossem natimor-
tos seus filhos no caso de serem mulheres5: “Eu pedia a Deus 
para levar se fosse menina”, dizia-nos. Parecia-nos, num pri-
meiro momento, assombrosa a ideia de tal desejo, mais ainda 
pelo modo tranqüilo com que nos relatava: para quem o ideal 
dessa estranha luta estabelecia algum tipo de coerência com os 
dogmas religiosos também tão fortes no interior do Nordeste 
brasileiro. Mais tarde, quando começamos a nos interessar 
pelas relações de gênero como objeto de pesquisa, compreen-
demos esse sentimento e o denominamos antropofagia femi-
nina. Nascida numa cultura nordestina, sertaneja, machista 
e impiedosa às mulheres, perpetuar a espécie fêmea era pro-
longar seu próprio sofrimento e condenar às gerações futu-
ras um destino cruel. De certo modo, a nosso ver, seu desejo 
guardava uma visão cristã de salvação. Para ela, não seria, 
portanto, pecado e teria uma espécie de consentimento para 
tal pensamento (“Eu pedia a Deus para levar...”). No momento 
desta escrita, ao lembrar dessas histórias de todas nós, é que 
5 Este fato retoma as memórias familiares de uma das autoras deste 
texto. A personagem a que faz referência, a avó, é Maria de Lour-
des de Medeiros Nobre, nascida em 1926 numa pequena cidade 
do interior do Nordeste Brasileiro. Maria de Lourdes cursou até o 3º 
ano primário, teve 03 meninos-homem e 05 filhas e nunca escondeu 
sua predileção pelos meninos. É para ela que dedicamos cada uma 
destas páginas.
26 | Memorial acadêmico: estudos para uma bailadora andaluza
melhor compreendemos os círculos instransponíveis que leva-
ram cada uma das professoras a escolher a profissão docente. 
A nossa avó só restara desejar o luto à vida e se suas filhas tei-
mavam em escapar ao destino por ela traçado e conseguiam 
sobreviver só lhe restaria aprender a amar aquilo que, de certo 
modo, também não escolhera. Sua luta era recolher-se e findar 
a espécie, delegando-nos ao silêncio da inexistência simbólica. 
Para Cynthia, Jane e Heloisa (cuja geração corresponde a de 
descendentes culturais de nossa avó) lutar contra esses cons-
trutos simbólicos era, primeiramente, aceitar o destino para, 
depois, numa trapaça inicialmente pouco planejada tentar dri-
blar e construir novos sentidos para a existência das mulheres. 
E, nessa direção, seus livros, suas ações na vida acadêmica e 
seus memoriais são vozes desse plano.
Por isso, a pergunta de Beauvoir, ao contrário de ter enve-
lhecido, é hoje, mais atual do que nunca: depois de tantas 
mudanças e conquistas, o que de tão novo seria adicionado 
para respondê-la? Mesmo depois de seis décadas da obra de 
Beauvoir teríamos o que acrescentar às suas profícuas reflexões? 
Em que medida a docência se mostrou como um “destino” efe-
tivamente acolhedor à vida de mães e esposas, conforme fazia 
parte dos discursos sociais?
Em meados dos anos 1980, minha vida sofreu uma reviravolta 
em todos os sentidos e vi-me mudando de casa, de cidade e 
de trabalho. [...] tinha feito inscrição para o concurso de pre-
enchimento de função docente no Departamento de Didática 
da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara e 
fui aprovada. Após um ano de espera, saiu minha contratação 
[...]. Ir para Araraquara iria introduzir mudanças significativas 
na minha vida e na dos meus filhos [...].
Cerrei os dentes com força, dei adeus aos dezesseis anos 
vividos em Botucatu e coloquei no caminhão de mudanças 
os móveis e as roupas; no velho Chevette 78, dois meninos 
excitados e um adolescente revoltado, mais dois gatos, uma 
cachorrinha preta e um aquário de peixes que morreram no 
caminho sob o terrível calor de janeiro de 1987. Foi um tempo 
de muita ansiedade, de preocupações com os filhos, de 
empenho em conseguir finalmente a segurança profissional 
e a possibilidade de concretizar alguns sonhos.... (ALMEIDA, 
2000, p. 17)
 
Tatyana Mabel Nobre Barbosa e Maria da Conceição Passeggi | 27
Essa é uma das inúmeras passagens dos memoriais em que a 
dimensão da vida – a de mãe ou esposa – aparece como se inter-
rompesse o fluxo profissional, ou como obstáculo ao pleno exer-
cício da docência, que exige, muitas vezes, um movimento quase 
heróico das narradoras para permitir que sejam conciliáveis. 
Em que medida, o caminho natural como mulher que as levou 
à docência era conciliável com a vida de mãe e esposas? Teriam, 
portanto, abraçado por engano um destino profissional?
Nas últimas décadas, a “mulher” foi/é, certamente, um dos 
objetos de investigação mais plásticos das Ciências Humanas 
em torno do qual passaram a orbitar os mais diversos senti-
dos. Pensando mais particularmente nas pesquisas situadas 
no âmbito educacional, é possível afirmar que esses estudos 
impulsionaram novos campos de reflexão para além da dico-
tomia biológico-social, já longamente posta em xeque em “O 
Segundo Sexo”: o papel da mulher na Educaçãoe sua inserção 
no mercado de trabalho; os estudos históricos sobre docên-
cia e gênero; as interfaces entre as representações de gênero, 
o feminismo e diversidade sexual na escola; mulher, escritas 
de si, literatura, artes e mídia sob uma perspectiva educacio-
nal; Educação e saúde da mulher são alguns dos eixos sob os 
quais já não se pode prescindir para entender “a mulher” e, 
mais amplamente, a teia de valores familiares, sociais e cultu-
rais partilhados.
Nessa direção, compreender quais são os signos novos e 
velhos que as autoras dos memoriais agregam ou afastam, ao 
longo de suas trajetórias como professoras debutantes, experien-
tes e sêniors para “responder” o que é uma mulher? faz-se ainda 
novo. Como esses construtos mudam e se ressignificam ao longo 
da vida profissional, e como se fazem relevantes para a docência? 
Talvez a citação a seguir nos ajude um pouco nessa discussão:
Sinto um certo desconforto. O gênero [o memorial], tal como 
descrito pela teoria literária, certamente me traz alguns pro-
blemas. No caso de uma narrativa cujo sujeito é feminino, 
como o “privado” se situa em termos de “público”? Seriam, 
na realidade, o privado e o público oposições irreversíveis? 
Alguns insights (ou meros sentimentos?) me vêm à cabeça. 
Realizo que a escrita autobiográfica levanta questões perigo-
sas sobre o “privado” em termos de self e sobre o próprio 
28 | Memorial acadêmico: estudos para uma bailadora andaluza
posicionamento do self nesta escrita. Sinto que a autobiografia 
revela fraturas, intervalos, não só de espaço e tempo ou entre 
o individual e o social, mas, sobretudo, uma clara divergência 
entre a forma e o conteúdo de seu discurso. Como traduzir 
para o feminino as propriedades da noção de autobiografia 
que a teoria literária me oferece? (HOLLANDA, 1993, p. 06)
Nesse sentido, a perspectiva autobiográfica é uma opção 
fundamental à pesquisa sobre as relações de gênero, uma vez 
que esses sujeitos – as mulheres –, secularmente alienados e 
impedidos de serem protagonistas da sua própria história, tem, 
sob essa abordagem, a possibilidade de ganhar voz e emergir 
para outro status, seja na sua vida profissional – em que têm 
a possibilidade de dizer sobre si – seja no âmbito formativo – 
em que dispõem da alternativa de redizer a si mesmo, de rein-
ventar-se. No entanto, ao considerar junto com Bruner (1997) 
que as autobiografias das mulheres foram marginalizadas pela 
adoção de um cânone absolutamente masculino de escrita, 
percebemos que o memorial acadêmico não é um lugar apenas 
de realizações, mas de lutas e tensões, conforme bem ilustra a 
citação anterior do memorial de Hollanda.
Os memoriais acadêmicos são formas de simbolização das 
conexões entre os elementos culturais, a experiência relacional, 
individual formada ao longo do processo de socialização do 
sujeito (BRONCKART, 1999) acerca da sua trajetória institu-
cional. Essas escritas, como bem situa Passeggi (2008), estão 
inscritas dentre as práticas que procuram, essencialmente, 
proferir uma figura pública do eu, nas quais forma e conteúdo 
entrelaçam-se nessa busca de conhecimento e exposição de si.
Gaston Pineau (2003) situa a prática das histórias de vida 
como “sincronizadora”, que permite a historicidade pessoal da 
formação. Ou seja, a seleção e ordenação de acontecimentos 
específicos, a atribuição de valores aos espaços que responde-
ram pela constituição da professora que cada uma se tornou, a 
identificação das pessoas que foram charneiras na formação. 
Essa característica das autobiografias permite que suas nar-
radoras disponham de exercício interpretativo, uma vez que, 
segundo o autor, a escrita de si é dotada de reflexão educativa, 
pela inclusão da vida do sujeito na sua formação institucional.
Tatyana Mabel Nobre Barbosa e Maria da Conceição Passeggi | 29
Como se vê, o enfoque nos gêneros autobiográficos utili-
zados em contextos institucionais de avaliação acadêmica 
ganha também um sentido político. Como prática investiga-
tiva não vertical, a pesquisa autobiográfica situa essas escritas 
como possibilidade de ter acesso e de partilhar da construção 
de sentidos do conhecimento de si (PINEAU, 2003) e aos jogos 
de interpretação que as professoras articulam para identificar, 
analisar e sistematizar as representações de gênero que incidem 
sobre suas práticas profissionais. Nesse sentido, a opção pela 
autobiografia nos permite o acesso à rede de representações de 
gênero narradas, reinventadas, transformadas e cristalizadas 
pelas professoras em suas narrativas de vida profissional.
Ao analisar a trajetória feminina na profissão docente, 
Guacira Lopes Louro (2000a, 2000b, 2000c) assinala três ele-
mentos essenciais na constituição das representações profis-
sionais: a religiosidade, a associação com os saberes maternais 
e as relações amorosas. A vida docente vai se alternando nas 
narrativas que seguem com as esferas mais íntimas das ins-
tâncias familiares e afetivas, que, às vezes, aparecem como 
se interrompessem o fluxo da escrita, conforme, a citação de 
Hollanda a seguir e também um recurso bem típico ao memo-
rial de Cynthia, como discutimos em nosso artigo neste livro. 
Em outras passagens, são elos que permitem à narradora tecer 
as histórias e encontrar seus elementos coesivos, como faz Jane 
Soares de Almeida:
No galpão improvisado da Avenida Chile, onde funcionava a 
Faculdade de Letras, as aulas se transformavam em arena para 
a discussão da reforma universitária, o texto literário em alfa-
beto explosivo definindo questões até então impensáveis no 
âmbito das salas de aula. Nas horas vagas, participava, empe-
nhadíssima, de meu primeiro GT: A Comissão Paritária para a 
Implantação da Reforma Universitária. 
Em casa, um casamento seguro, três filhos e o compromisso 
do comício e da festa. Mudar o mundo. Mudar de vida. 
Final de 1967: uma famosa festa, promovida pelo grupo do 
Cinema Novo, foi o palco de 18 divórcios. Entre eles, o meu. 
(HOLLANDA, 1993, p. 13)
30 | Memorial acadêmico: estudos para uma bailadora andaluza
[...] a pessoa cuja influência foi decisiva para meu desejo de 
estudar foi minha mãe. Tendo vivido sua infância na zona rural 
e sendo possuidora de escassa escolaridade, sempre foi uma 
exímia contadora de histórias.[...]
Em pouco tempo, tornei-me exímia na arte de usar a lousa e o 
giz, desenhava em cores substituindo a falta de outros meios 
e, como minha mãe, fui também uma contadora de histórias 
para os pequenos ouvintes atentos. (ALMEIDA, 2000, p. 5-6,)
Nas passagens supracitadas, o texto transita entre a profis-
sional, a mãe e a mulher, fazendo-nos questionar como essas 
escritas de si compilam seus saberes e práticas profissionais, 
quais arquétipos elaboram sobre a profissão e a quais saberes 
se ligam. A adoção dessa perspectiva exige uma mudança de 
olhar acerca da voz da mulher-professora, pois essa se torna 
importante foco de análise, em que subjazem as representações 
e questionamentos sobre a prática docente. 
Em Rememorações, Cynthia nos permite observar um cru-
zamento entre profissão e maternidade, que passa a ser funda-
mental na relação que estabelece com a docência:
A leitura que fiz desse excelente trabalho acerca da época 
de Getúlio Vargas, tratando de temas até então pouco explo-
rados, foi determinante para a definição do meu projeto de 
doutorado, cujos créditos iniciei no primeiro semestre de 
1981, finalizando-os no primeiro semestre de 1983. A essa 
altura estava grávida de minha filha Suzana, que nasceu em 
setembro. Com os créditos de disciplinas em dia e em gozo 
da licença-gestante, dediquei-me a leituras e fichamentos do 
material que tinha mais à mão, nos intervalos destes outros 
banhos, fraldas e mamadeiras. (SOUSA, 2000, p. 17)
Seu texto remete a dois universos, aparentemente distintos, 
mas que se mostram confundíveis e intercambiáveis: a docên-
cia e a maternidade. Seu memorial sinaliza a confluência de 
papéis e de sujeitos – a mãe, a professora , numa teia geracional 
que, muitas vezes,está antes de nós e ocorre, segundo Lani-
Bayle (2008), de forma insciente, constituindo um conjunto 
de modelos que só nos apercebemos na ocasião da escrita de 
si. Nesse processo, estão em jogo justamente os construtos 
Tatyana Mabel Nobre Barbosa e Maria da Conceição Passeggi | 31
sócio-culturais de gênero, que são historicamente partilhados 
e apropriados em cada memorial.
Assim, o memorial acadêmico exige viver tensões na escrita 
que traduzem as experiências sócio-culturais. A escrita e a vida 
como autopoésis e antropofagia feminina. Como se escrever 
como mulher? Conforme questiona Hollanda: O que fazer de 
um texto cujo sujeito é feminino? Quais de seus traços precisam 
ser cortados para fazer caber numa autobiografia acadêmica 
que valoriza a dimensão pública, quando esse sujeito habita o 
privado? Intensos exercícios são realizados para emergirem. São 
movimentos autopoiéticos que se contrastam com a dimensão 
antropofágica também presente nos memoriais acadêmicos. É 
por esse movimento de reinvenção de si que as autoras tentam 
protagonizar passos mais propositivos diante das contingên-
cias que os construtos simbólicos de gênero impõem às mulhe-
res, seja na escolha profissional; no espírito hercúleo para fazer 
conciliar fraldas e mamadeiras com teses e fichamentos; seja na 
naturalização imperceptível das relações de poder e de subes-
timação das mulheres. Seus memoriais acadêmicos revelam 
várias das estratégias usadas para superar a antropofagia e per-
mitirem-se a criação de si: as narrativas da dimensão privada 
que interrompem ou se entrelaçam aos relatos profissionais 
dos fatos ocorridos na dimensão pública, como tentativas de 
escrever uma narrativa em que possam se assumir no discurso 
e no conteúdo; o relato do esforço em emergir das condições 
de gênero sócio-culturais estratificadas; as atividades profis-
sionais realizadas como gestos políticos e científicos para per-
mitir uma outra leitura do lugar da mulher e reconstruir os 
significados de gênero partilhados. Esses são movimentos que 
aproximamos anteriormente dos passos da bailadora andaluza 
e da bailarina do vídeo dos irmãos Lumiére, mas a dança (a 
escrita) também é reveladora da luta com as palavras e com a 
vida para fazer e escrever outra história e aprender outros pas-
sos que nem se sabe ao certo se existiam.
32 | Memorial acadêmico: estudos para uma bailadora andaluza
Considerações
Assim, o memorial permitirá reflexões acerca das relações 
de poder e das tensões sociais impostas a essas autoras como 
mulheres. Inicialmente, a indução à adesão do que é dado na 
dimensão sócio-cultural é sempre reconhecida com facilidade 
quando essas marcas das imposições do gênero e do lugar da 
mulher na esfera social referem-se ao espaço familiar de ori-
gem. A necessidade de coesão da escrita e de compreensão 
das escolhas e tomadas de decisão profissionais exigem que 
sejam trazidos à tona elementos da esfera privada, mais espe-
cialmente, dos papéis que exercem como mães e esposas para 
justificar e explicar seu percurso profissional. 
Em alguns momentos da narrativa, admitiam que essas 
relações semânticas pareciam como nuvens que não se conse-
guiam, ao certo, compreender. O mundo dado e naturalizado, 
à medida que a narrativa do memorial emerge da infância esco-
lar e, especialmente, do entorno do grupo familiar e transita 
no espaço acadêmico, passa a ser efetivamente questionado. 
Os longos relatos sobre as leituras realizadas, trabalhos de pes-
quisa desenvolvidos, grupos de pesquisa que formaram, livros 
publicados e socialização dos seus estudos de gênero entre os 
pares vai amadurecendo os desconfortos iniciais acerca de sua 
condição naturalmente menor como mulher. 
Essas leituras tem nos permitido apontar como as rela-
ções de gênero são significadas em cada uma dessas escritas. 
O memorial acadêmico, utilizado como dispositivo de avalia-
ção em concursos públicos, na promoção da carreira docente, 
exames e seleção para diversas atividades universitárias é 
um gênero rico da história da universidade brasileira, das 
suas dinâmicas, das leituras mais privilegiadas, dos progra-
mas e atividade por ela fomentados e, de modo mais amplo, 
da sua relação com a política e com a sociedade. Através das 
narrativas dos memoriais acadêmicos, compreendemos tam-
bém como várias das esferas de sociabilidade interagem com 
a universidade e tornam-se mediadoras de saberes na traje-
tória de constituição intelectual dessas professoras. Falamos 
de grupos como a igreja, o sindicato, os grupos culturais, que 
Tatyana Mabel Nobre Barbosa e Maria da Conceição Passeggi | 33
respondem, em parte, pelos processos formativos dessas pro-
fessoras e podem interagir com a universidade através delas. 
Nesse sentido, retomamos a imagem anterior das professoras 
como bailadoras, cuja vida e a escrita transita entre o dentro e o 
fora da universidade, entre o público e o privado das trajetórias 
docentes. E é justamente como bailadoras entre os diferentes 
espaços e condições de gênero que as professoras vão se encon-
trando e, muitas vezes, entrando em embates importantes para 
re.significar esses construtos simbólicos.
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Tempora mutantur 
et nos cum illisTempora mutantur et nos cum illis
Jane Soares de Almeida
Pelo fio do passado, do 
presente e do futuro
Marta Maria de Araújo
2 | TEMPORA MUTANTUR ET NOS CUM ILLIS1
Jane Soares de Almeida
 
Neste ano de 2010 completei 44 anos de magistério. Desses, 37 anos em escola pública. Esses números che-gam a me espantar e faço-me a pergunta: para onde 
foram? Terei feito a minha parte? Em que contribuí para a edu-
cação do povo deste país? Um país que é meu e que amo, mesmo 
que às vezes me cause dor. O lugar onde nasci, criei meus filhos, 
enterrei seres amados e onde irei repousar para sempre quando 
minha vez chegar. Nesse dia, que espero ainda distante, terei, 
talvez, tempo apenas para sentir a doçura do ar e de como o sol 
nos acaricia a pele. Se for noite, terei a imagem de uma lua bri-
lhante através das folhas das palmeiras, mesmo que esteja longe. 
Se houver chuva ou vento, ainda assim sentirei o sol. Este país 
é o meu Brasil que se cruza em imensos planaltos e planícies, é 
pontilhado de verde e de luz refletida em inúmeras águas. E seu 
povo, o meu povo brasileiro, miscigenado em poderosas matri-
zes étnicas, também reflete em seu semblante as cores faiscantes 
dessa beleza. É para esse meu povo, que merece ser cuidado com 
carinho e responsabilidade, que dedico esta narrativa. A narra-
tiva de uma educadora que, a cada ano, a cada grupo de alunos, 
recria para si a esperança. 
Escrevi este texto em 2000, quando defendi minha tese de 
livre-docência na Universidade Estadual Paulista – UNESP, 
para o concurso de professora-adjunta. Agora, neste ano de 
2010, volto a ele com olhos uma década mais velhos. E não 
houve o que mudar. Ainda sou a mesma professora que há quase 
meio século subiu numa charrete puxada por um lindo cavalo 
marrom e seguiu por uma estradinha de terra ao encontro de 
seus primeiros alunos. Desnudo-me aqui com a coragem que me 
1 Os tempos mudam; e nós com eles. Memorial apresentado como 
requisito para o concurso público de professor adjunto, na Univer-
sidade Estadual Paulista - UNESP, Campus de Araraquara, para ob-
tenção do título de professora livre-docente, em junho de 2000. 
40 | Tempora mutantur et nos cum illis 
deram os anos. E com o sonho de driblar pela palavra escrita a 
voragem da vida que passa e a finitude da existência. 
Revisitando o passado
Quando nos dispomos a debruçar sobre o que temos vivido 
e realizado, hesitamos entre o prazer de falar daquilo que 
somos e o comedimento necessário para não nos alongarmos 
em demasia e não perder a racionalidade. Penso que autobio-
grafias, histórias de vida e memoriais assemelham-se, embora, 
por uma questão de coerência com os objetivos do meio acadê-
mico, intentemos extirpar destes últimos a maior parte daquilo 
a que chamamos a subjetividade da existência: as emoções, os 
sentimentos, os desejos e paixões dos quais se nutrem as bio-
grafias dos sobejamente conhecidos. Procuramos, em nome 
da seriedade profissional que a ciência nos impõe, minimizar 
atos, decisões e atitudes que tomamos no decorrer de toda uma 
vida adulta dedicada a essa mesma ciência, que, como mestra 
severa, vigia e pune nossos atos. 
À semelhança das biografias, que comumente iniciam com 
o “nasci em...”, não pretendo abrir este memorial falando de 
minha infância. Essa não interessa à academia, foi simples 
demais, normal o suficiente para ser comum. Porém, minha 
vida não se iniciou quando ingressei na universidade, nem 
minha atração pelo conhecimento se deu depois de adulta. 
Meu relato é, antes de tudo, uma elegia de amor à leitura. 
Portanto, não posso deixar de registrar que sempre fui uma 
leitora ávida, deslumbrada pelo mundo que os livros punham 
ao meu alcance e meu verdadeiro ingresso na vida deve ter sido 
por meio deles. Na pequena cidade onde cresci, a minúscula 
biblioteca do clube local, montada com esforço pela comu-
nidade por meio de muitas doações e algumas encomendas, 
era meu paraíso. Abria duas vezes por semana e, impaciente, 
eu deixava de lado amigas e brincadeiras, (mesmo durante as 
férias), para sair de lá com o máximo de livros que era permi-
tido para deleitar-me com sua leitura. 
Desde que aprendi as primeiras letras, lia tudo que me caía 
nas mãos. Comecei pelos contos de fada, os livros de Monteiro 
Jane Soares de Almeida | 41
Lobato, depois passei para ficção científica, as obras comple-
tas de Júlio Verne, as aventuras, os magníficos contos góticos 
de Edgar Allan Poe, as histórias de amor, os contos policiais 
e, finalmente, os clássicos como O morro dos ventos uivan-
tes, Hamlet, O egípcio, Horizonte perdido, Moby Dick, A peste, 
Zorba, o grego, perdidos agora entre as lacunas da memória, 
mas que naquele tempo colocaram em mim sua marca. Fui 
introduzida no mundo do letramento pela escola. O Grupo 
Escolar de Manduri, a escola pública onde tive contato pela pri-
meira vez com o mundo das letras e dos números, era pequeno 
e simples, era modesta a sala de aula, era formidável a profes-
sora, e isso foi suficiente para meu aprendizado. 
A escola foi um deslumbramento. Gostava tanto de estudar 
como de ler, e minha mãe vivia preocupada com essa menina 
que não sai do quarto... No curso ginasial, no qual ingressei 
por meio do exame de admissão, o grande entrave para ali-
jar as classes populares do prosseguimento de estudos, entrei 
em contato mais estreito com algumas disciplinas, entre elas 
uma que se tornou a minha predileta, a História. Não sei se 
foi pela professora, uma verdadeira artista em sala de aula, de 
uma atuação que me deixava boquiaberta, despertando-me o 
desejo de imitá-la. Era uma mulher, dinâmica, enérgica e exi-
gente. Tratava sua disciplina como se fosse a única do currículo 
e assistir às suas aulas era como se uma máquina do tempo nos 
transportasse para cada local onde se deu cada fato histórico.
No entanto, a pessoa cuja influênciafoi decisiva para meu 
desejo de estudar foi minha mãe. Tendo vivido sua infância na 
zona rural e sendo possuidora de escassa escolaridade, sempre 
foi uma exímia contadora de histórias. A televisão só chegou à 
minha pequena cidade quando eu já era uma jovem professora, 
assim minha infância e adolescência foram embaladas pela 
memória de minha mãe. 
Minha mãe, pobre de letras, mas uma mestra na oralidade 
e com uma imensa riqueza de imaginação, povoava meus 
sonhos infantis com as histórias de sua infância, das fazendas 
cafeeiras, dos coronéis, a família numerosa, os irmãos auto-
ritários, as festas na roça, as mortes, os casamentos, a sub-
missão das mulheres aos maridos. Nunca tendo ouvido falar 
42 | Tempora mutantur et nos cum illis 
em feminismo e direitos das mulheres, indignava-se ao lem-
brar as proibições de sair de casa sozinha, de atender a porta 
para estranhos, de conversar em público com rapazes ou de 
rebelar-se e levantar a voz. Dizia-me, resignada, que ter nas-
cido mulher representava uma desvantagem, mas que o fato 
de ser capaz de gerar filhos tudo compensava... Circunscrita 
ao limitado mundo doméstico e aos pobres horizontes cultu-
rais de uma pequena cidade interiorana, criou um universo 
mágico que embalou minha vida e povoou meu cotidiano 
acanhado com a presença dos fantasmas amigos do passado 
que, na escuridão da noite, evocados pela minha imaginação, 
aproximavam-se lentamente de minha cama, sussurravam coi-
sas no meu ouvido e me estremeciam ao toque de seus dedos. 
Ainda hoje os tenho por companhia, principalmente quando 
a saudade dos que se foram (e todos sofremos perdas ao longo 
da existência) e a busca de um sentido para as separações irre-
mediáveis colocam em meu espírito a angústia existencial do 
enfrentamento da própria finitude.
 
Tempo de conhecer: os caminhos da Escola Normal
Minha entrada na Escola Normal foi parte de uma decisão 
tomada segundo critérios de facilidade de acesso e como con-
sequência natural da vida que levávamos numa cidade do inte-
rior, com poucas opções profissionais. Nesse tempo, trabalho e 
profissão eram coisas longínquas, entrevistos levemente entre 
os imensos afazeres de crescer e de conhecer a vida. Dos anos 
cursados na Escola Normal ficaram algumas noções pedagó-
gicas abstratas e a experiência marcante dos estágios curricu-
lares feitos nas classes do curso primário. Tive uma formação 
fragmentada, baseada em noções básicas de biologia, história, 
psicologia e filosofia da educação, estrutura e funcionamento 
do ensino, didática e prática de ensino, desenho pedagógico e 
estatística; um pouco de matemática, educação física e música.
Os estágios curriculares eram atividades maçantes, repeti-
tivas e rotineiras que nos faziam olhar o relógio e desejar estar 
em outro lugar que não ali, numa sala de aula do curso primá-
rio observando uma cansada professora impor aos alunos as 
Jane Soares de Almeida | 43
mesmas tarefas, dia após dia. Onde encontrar o ensino dinâ-
mico, ativo e eficiente dos livros? Onde redescobrir o prazer de 
aprender? Como entender as etapas da aprendizagem de Piaget 
olhando aqueles rostinhos cansados, suando para copiar frases 
difíceis da lousa, enquanto a vida lá fora tinha tantos atrativos? 
Do aluno concreto, da criança real que seria encontrada em 
sala de aula, das dificuldades de se fazer um trabalho peda-
gógico que levasse em conta os determinantes sociais, políti-
cos e econômicos que permeiam o trabalho docente, nenhum 
professor jamais a isso se referiu, e foi uma jovem professora, 
despreparada pessoal e profissionalmente, que se dirigiu para a 
escola rural para ensinar crianças carentes, cheias de ansiedade 
e esperança...
Foi nessa escolinha da roça que se deu o meu despertar 
profissional, quando lá comecei a lecionar aos dezoito anos 
(como é possível dar aulas para crianças quando mal se saiu da 
adolescência?). O fato é que eu, com alguma sensatez e mui-
tos erros, dei conta de alfabetizar quase quarenta meninos e 
meninas. Não sei como consegui tal proeza, até hoje isso me 
espanta em vista da minha inexperiência e movida apenas 
pela vontade. Em pouco tempo, tornei-me exímia na arte de 
usar a lousa e o giz, desenhava em cores substituindo a falta de 
outros meios e, como minha mãe, fui também uma contadora 
de histórias para os pequenos ouvintes atentos. Fascinava-me 
ver as mãozinhas rudes e desajeitadas, mais afeitas ao cabo da 
enxada do que aos lápis e cadernos, buscando dominar a arte 
da leitura e escrita, e vê-los debruçar-se sobre as carteiras osci-
lantes, compenetrados, tentando decifrar as primeiras letras. 
Eles eram o sal da terra. Como disse Cecília Meirelles, “ fortes 
e simples como as pedras”, e me mostraram o sentido da pala-
vra solidariedade. Rijos como a natureza, os pés sujos da lama 
vermelha que se entranhava entre seus dedos, pisavam deter-
minados os degraus da entrada de minha sala de aula e seus 
olhos de muitas cores me fitavam com confiança e afeto a cada 
nova manhã. Respeitavam-me pelo conhecimento que julga-
vam que eu possuía, aquele conhecimento adquirido na escola 
e na cidade. Esperavam algo de mim, e essa esperança era tão 
transparente, tão límpida, que não pude deixar de senti-la e de 
44 | Tempora mutantur et nos cum illis 
tentar corresponder. Iniciou-se, assim, uma história de amor 
que ainda não teve um final, e talvez seja por isso que eu acre-
dito e continuo tentando...
Desde o primeiro dia de aula, que aguardei com antecipa-
ção e sobressalto, estabeleci com eles um entendimento mútuo. 
Eu tinha medo da responsabilidade, mas queria ensinar; eles 
tinham medo da nova professora, mas queriam aprender! 
Além disso, um princípio de querer bem recíproco era genu-
íno. E eles, na sua humildade emoldurada por roupas pobres, 
muitas vezes remendadas, pelos pés descalços, pelas mãos cur-
tidas no trabalho na terra e nos cabelos desbotados pelo sol e 
pela chuva, tinham nos rostinhos infantis um ar de maturi-
dade e conhecimento que me desconcertava quando os fitava e 
pensava: “o que poderei fazer por vocês?”
Esse ano foi determinante na minha vida profissional. Se 
a princípio a escolha se efetivou por circunstâncias e opções 
reduzidas, a decisão de permanecer no magistério foi algo que 
fui adquirindo com o tempo. Eu ensinava meus alunos a ler, 
escrever, fazer contas, a conhecer o seu país e a vida nas cidades. 
Em troca, eles me ensinavam como colher mangas no pé, como 
pescar no ribeirão e apanhar pombas em armadilhas. Aprendi 
a adivinhar quando ia chover e se durante a noite cairia geada, 
aprendizados que infelizmente se perderam na voragem dos 
anos e da vida... Eu lhes contava sobre o descobrimento do 
Brasil, sobre a escravidão, os índios, e eles narravam-me casos 
de assombração, dos lobisomens nos cafezais, dos afogados 
dos rios e dos defuntos vivos que apareciam na Semana Santa, 
deleitando-se, deliciados, com meu medo e credulidade... 
Nesse momento me enxergavam não mais como a professora, 
mas uma jovem que ainda tinha medo do escuro e ali, na zona 
rural, as noites podiam ser muito escuras e silenciosas. Meus 
alunos explicavam-me como era a arte de fazer pamonha com 
o milho verde e quando era o tempo das jabuticabas, quais inse-
tos tinham veneno e onde cavar para encontrar minhocas para 
as pescarias, que nas pitangas costumava haver bichos brancos 
e pequenos chamados corós e que havia uma mosca que botava 
ovos em nossa pele e ali mais tarde nasciam larvas que nos 
iam comendo por dentro e possuía um nome asqueroso, berne. 
Jane Soares de Almeida | 45
Onde buscar as origens etimológicas dessa brasilidade cabo-
cla rica e fértil, com nomes metafóricos e escatológicos que 
me deixavam quase em pânico? Apontavam para o horizonte 
anunciando um dia seguinte muito frio, repartiam comigo os 
bagos suculentos da jaca madura, traziam-me grossas fatias de 
pão feito em casa e mostravam o bosque onde alguém tinha 
se enforcado e que ainda guardava os sons arrepiantes de seu 
delírio de suicida. Foium tempo de inocência e riso...
Os anos em que lecionei na zona rural ensinaram-me a 
maior parte do que hoje sei e sinto acerca do povo de nosso 
país, não importa se seus pés rudes se espalham pelos sertões 
paulistanos, nos pampas gaúchos, nas praias pantaneiras, no 
verde amazônico ou nas caatingas nordestinas. Ou se cami-
nham apressados pelos calçamentos das metrópoles desen-
volvidas ou pelas inigualáveis praias de nosso imenso litoral. 
Temos em nossa pele multicor os testemunhos da mestiçagem, 
e nosso sangue está eternamente misturado desde a coloniza-
ção. E minha alma fica pálida e dolorida quando penso que 
ainda há entre nós espaço para a discriminação. É nessa ances-
tralidade indígena, negra, branca, europeia, oriental que a raça 
brasileira deve abrir espaço para a diversidade e ver a suprema 
riqueza que possui. Nessa raça brasileira se origina minha 
crença no poder da educação e no dever de estendê-la a todos 
sem distinção. Lembro-me que nesse período ainda não tinha 
um conceito claro de cidadania, mas a exercia intuitivamente 
ao lado dos meus pequenos meninos e meninas de cabelos de 
várias cores e olhos que iam do azul ao negro. Muitos foram 
os desencantos, as decepções, as angústias, as fraquezas... Mas 
nem por um momento duvidei da importância do que fazia. 
Passei alguns meses desorientada, tendo a meu favor ape-
nas a vontade e o esforço. Que métodos utilizar, quais os 
melhores livros e cartilhas? A quem recorrer? Os colegas mais 
experientes ajudavam no que podiam, assoberbados com seus 
próprios afazeres. Diretores e inspetores escolares eram vigi-
lantes atentos às mínimas falhas burocráticas, valorizando o 
correto preenchimento de papéis, diários de classe caprichados 
e provas mensais difíceis. Penso que nunca valorizaram aquilo 
46 | Tempora mutantur et nos cum illis 
que realmente se fazia dentro de uma sala de aula, com seres 
humanos pulsantes de vida. Pelo menos nunca perguntaram 
sobre isso...
As crianças vinham de longe, filhos de lavradores, meeiros, 
vaqueiros, criadores de porcos e galinhas, pescadores de água 
doce, amansadores de cavalos. Vinham de família numerosa, 
moravam em casas de pau a pique ou de barro, onde nas frestas 
se escondiam os temíveis barbeiros e conviviam com cobras, 
morcegos, baratas e aranhas. Eram de idades variadas, magros 
e mal vestidos. Tinham cabelos rudes, infestados de piolhos, 
arranhões nos braços e nas pernas resultantes do mato que 
atravessavam todos os dias no trabalho na lavoura. Os dentes 
permanentes recém-nascidos caíam em pouco tempo pela falta 
de cuidados e de nutrientes. Não sabiam o que era um cinema, 
televisão ou uma peça teatral, não sabiam mesmo o que era 
um liquidificador ou uma torradeira de pão. Onde viviam não 
existiam eletricidade, nem água encanada, nem conforto. Nas 
mãozinhas encardidas traziam pedaços de papel, tocos de lápis 
e um embrulhinho gorduroso de pão para o lanche... quando 
traziam! Às vezes uma fruta aparecia misteriosamente na 
minha mesa de trabalho, uma oferta de amor anônima de uma 
criança envergonhada e carente de afeto, o que me comovia 
e angustiava, pois a pergunta continuava se impondo, “o que 
poderei fazer por vocês?”
De algum modo sobrevivi aos primeiros anos, e, pelas 
minhas mãos agora mais afeitas à lousa e ao giz, passaram 
os pequenos filhos da terra, conhecedores do tempo e da 
colheita, da seca e do granizo e eu também pude conhecer essa 
natureza que alimenta e faz sofrer. Não poucas vezes, sentei-
-me com a cabeça entre as mãos e com lágrimas que teima-
vam em me queimar os olhos na minha pequena escolinha da 
roça, olhando o futuro deste país, sentado em toscas cartei-
ras de segunda mão, refugo das escolas da cidade, a debater-
-me com a falta de material escolar, com minha falta de jeito 
e com a merenda que não era entregue... e eles tinham fome! 
Eles tinham fome, eu tinha que cozinhar e ensinar... [Ensinar 
todos os afluentes do rio Amazonas, da margem direita e da 
margem esquerda; o nome das cordilheiras e das serras de um 
Jane Soares de Almeida | 47
país imenso; de quantos ossos é feito o corpo humano; por que 
morreu Tiradentes; o que fez Duque de Caxias, o grande herói 
brasileiro; como D. Pedro I proclamou a Independência do 
Brasil; e que a Princesa Isabel, a Redentora, libertou os escravos 
com uma simples assinatura, e os pobres negros ficaram livres 
e felizes na Pátria amada...] .Pelos manuais oficiais eu tinha 
que ensinar isso e muito mais, e eles tinham fome de comida 
e de saber, um saber autêntico que eu não era capaz de lhes 
proporcionar porque também não o possuía... que escola o 
pode dar? Eles incorporavam um saber originado do contato 
com a natureza, da herança cultural estabelecida há décadas e 
passadas por gerações; um saber com o qual eu, uma estranha 
vinda do mundo urbano, mantinha uma relação de distancia-
mento; um saber em bruto, porém não menos autêntico. Eu 
queria encontrar a pertença que possuía de direito, mas estava 
ausente de minhas origens e era um custo intentar recuperá-
-las. Hoje penso: será que eu considerava esse saber como uma 
manifestação menor de um grupo social rudimentar que deveria 
ser introduzido numa cultura que não a sua? Ou apenas estava 
com dificuldades de interpretar seus códigos?
Tempo de construir: ser pessoa e ser profissional
Meu amor pelo estudo continuava uma força latente e 
decidi, enquanto dava aulas, também fazer faculdade. O curso 
de Pedagogia parecia a escolha acertada, afinal eu já tinha uma 
profissão, gostava dela e a faculdade seria interessante para o 
exercício do magistério.
Preparei-me sozinha para o vestibular. Estudava no tempo 
que sobrava de ir dar aula na zona rural, da viagem diária por 
caminhos de pedras e lama, que percorria pelas manhãs num 
velho jipe Aero Willys, ano 1951, verde como minha esperança. 
Isso foi em finais dos anos 1960 e, nessa época, as professoras 
primárias eram proibidas por lei de lecionar mais de um perí-
odo. Para aumentar o salário exíguo, instalei num quartinho 
no fundo do quintal de minha casa uma escolinha para pre-
parar crianças para os exames de Admissão ao Ginásio, hoje 
48 | Tempora mutantur et nos cum illis 
extintos. Cheguei a ter grupos de 20 alunos e conseguia, parti-
cularmente, dobrar meus ganhos. 
No dia do vestibular, amanheci com quase quarenta graus 
de febre devido à infecção causada por uma picada de inseto na 
perna quando estava dando aulas na zona rural. E, por incrível 
que pareça, (talvez a febre, a dor e o inchaço tenham contribu-
ído), fui aprovada em primeiro lugar, o que me inflou o coração 
de orgulho e alegria. Um orgulho que se espelhou nos olhos 
de meus pais, duplamente, pois pessoas pobres valorizam o 
estudo, que é a única maneira de sair de um cotidiano vati-
cinado e o caminho para um futuro que não a rotina de dias 
sempre iguais, sem esperança, sem horizontes e que se encer-
ram somente com a morte.
Para poder continuar trabalhando, tive que optar pelo curso 
noturno e viajar todas as noites mais de 150 km para assistir às 
aulas. Isso foi em 1968, num período de transtornos políticos 
e sociais no país. Militares davam guarda nas salas de aula, 
armados e atentos aos gestos, às falas. Se pudessem, eles nos 
vigiariam até mesmo os pensamentos. Não podíamos discutir 
temas subversivos e não tínhamos nenhum acesso a determi-
nado tipo de leituras que fossem perigosas para nossa formação. 
Os professores vinham e sumiam sem qualquer explicação, e 
era difícil entender o que estava acontecendo, principalmente 
pela ausência de informações. A primeira impressão que tive 
da faculdade foi que devia ser um lugar muito seguro (tantos 
militares armados com submetralhadoras nos guardavam con-
tra as ameaças vindas de fora!). Somente mais tarde entendi. As 
vozes podem ser caladas, mas não os sussurros nos corredo-
res e nos banheiros, as histórias contadas em meio ao medo, a 
música que alegrava e falava pelo povo. Nos festivais de música 
popular, Chico Buarque cantava com sua

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