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Bianca Barreto Avaliação de um paciente em estado confusional Paciente com internação recente por estado confusional agudo e com alto grau de dependência no cuidado domiciliar Caso: N.C.M. Feminino. Branca. 72 anos. Do lar. Anamnese Histórico do problema atual A Equipe Multidisciplinar de Atenção Domiciliar (EMAD) foi acionada pela Equipe de Saúde da Família que ligou comunicando que uma paciente da sua área de abrangência acabou de retornar para sua residência após uma rápida estada no hospital. Ao chegar à casa desta paciente, a EMAD nota que a paciente se encontra sentada no sofá, ativa e alerta, sem queixas aparentemente. Familiar relata que teve de acionar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) no último final de semana por ter notado que, logo ao acordar, a paciente parecia “aérea”, falando frases sem sentido. Ao revisar o sumário de alta do hospital, lê-se: paciente com história de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), Diabetes Mellitus tipo 2 (DM 2), história de Acidente Vascular Cerebral isquêmico (AVCi) (com sequela de hemiplegia esquerda e disartria leve), trazida pelo SAMU por quadro de desorientação desde o despertar pela manhã. Diagnóstico da internação: estado confusional agudo (delirium). Delirium “É um estado confusional agudo que resulta de uma disfunção cerebral orgânica difusa e caracteriza-se pela presença de flutuações do nível de consciência, com alterações do ciclo sono–vigília e distúrbios de atenção, percepção, pensamento, memória e comportamento. Pacientes com delirium apresentam maior risco de institucionalização e redução de funcionalidade após a alta hospitalar (PRADO et al., 2011 apud BRASIL, 2013, p.156). https://dms.ufpel.edu.br/ma-idoso https://dms.ufpel.edu.br/ma-idoso Bianca Barreto Na AD, vários casos de pacientes em delirium são oriundos de internação hospitalar recente. Por outro lado, um novo quadro de delirium é motivo de investigação, que pode até levar a uma internação hospitalar. O delirium frequentemente prediz ou acompanha alguma doença em idosos. São fatores de risco para apresentar delirium: - Maior de 65 anos. - Sexo masculino. - Delirium prévio. - Prejuízo cognitivo prévio. - Distúrbios do sistema nervoso central. - Polifarmácia, medicamentos psicotrópicos. - Dependência de álcool e drogas. - Déficit visual e/ou auditivo. - Insuficiência/falência de órgãos. - Múltiplas doenças crônicas. - Desnutrição. - Dependência funcional. - Imobilidade. - Neoplasias avançadas. - Síndrome da imunodeficiência adquirida. (BRASIL, 2013, p. 156-157). Revisão de sistemas Exames complementares realizados na admissão: - Laboratorial: Hemoglobina: 9,5 g/dL Creatinina: 1,0 mg/mL Hematócrito: 30,6% DCE MDRD: 55 mL/min/1,73m² VCM: 70 fl Uréia: 36 mg/dL HCM: 22 pg TSH: 3,7 ng/dL CHCM: 24 g/dL Perfil lipídico normal Glicemia:144mg/dL Gasometriaarterialnormal Bianca Barreto Sódio:138mEq/L Exame Comum de Urina:leucocitúria(12mil), bacteriúria(intensa),demais sem alterações Urocultura:E.coli(106UFC/mL) Potássio:4,5mEq/L - Tomografia Computadorizada de Crânio: sinais de lesões antigas referentes a AVC isquêmico à direita (sem alterações em relação a TC prévia trazida por familiares) Histórico Antecedentes familiares Pai falecido por Infarto Agudo do Miocárdio aos 67 anos e mãe era hipertensa (falecida em virtude de câncer de colo uterino aos 71 anos); dois irmãos hipertensos História social Viúva há 8 anos, tem 3 filhos (dois homens e uma mulher), sendo que mora em um apartamento de classe média com a filha (cuidadora). Antecedentes pessoais Hipertensão Arterial Sistêmica, Diabetes Melito tipo 2, Doença Renal Crônica e Acidente Vascular Cerebral Isquêmico aos 61 anos Medicações em uso AAS 100 mg/dia; Enalapril 20 mg/dia Metformina 850 mg 8/8h Bianca Barreto Exame Físico Geral: PA: 110/74 mmHg Tax: 36,2°C FC: 64 bpm FR: 22 rpm Comunicativa (apesar de discreta disartria como sequela do AVCi), orientada no tempo e no espaço, acianótica, anictérica, hidratada, sem desconforto respiratório Cabeça e pescoço: discreto desvio da comissura labial para a direita Tórax: Ausculta pulmonar: murmúrios vesiculares presentes, sem ruídos adventícios. Ausculta cardíaca: ritmo regular, 2 tempos, bulhas hipofonéticas, sem sopros Abdome: plano, ruídos hidroaéreos diminuídos, timpanismo à percussão, sem massas ou dor à palpação Membros: hemiplegia à esquerda, pulsos cheios e simétricos Projeto Terapêutico Singular (PTS) Através da discussão do caso entre as equipes de Saúde da Família e Atenção Domiciliar é elaborado um plano de cuidados que inclui o acompanhamento diário. Nesse plano, ficou decidido que o fisioterapeuta faria fisioterapia diária, que seriam cinco vezes na primeira semana e reavaliaria. A enfermeira e um dos auxiliares de enfermagem da EMAD assumiriam o controle da glicemia capilar e da pressão arterial, que seriam realizados cinco vezes /semana na primeira semana. Além disso, que a enfermeira da ESF acompanharia os profissionais da EMAD, ao menos, uma vez/semana. Também, ficou combinado que a evolução do quadro e o registro das ações realizadas seriam feitos no prontuário da ESF da paciente já existente, ficando uma via com a paciente, em seu domicílio. (BRASIL, 2013). Questão 1 – Considerando-se o diagnóstico neurológico aventado pela equipe intra-hospitalar (delirium) e tendo como base a anamnese realizada durante a visita domiciliar, qual condição poderia precipitar o quadro neste caso: • Insuficiência Renal Aguda (IRA) • Hipoglicemia • Anemia • Insuficiência respiratória • Trauma crânio-encefálico (TCE) Bianca Barreto Existem inúmeras causas que podem precipitar ou agravar um quadro de Delirium, sendo que alterações metabólicas, estados infecciosos e neurológicos figuram entre as principais. Assim, todas as causas listadas são potenciais desencadeantes. No entanto, frente ao caso apresentado, a única causa que se aplicaria à paciente seria a anemia – as outras poderiam ser descartas, já que não há relato de queda (para ocasionar um TCE), não há hipoglicemia nos exames admissionais, a paciente já possui história de insuficiência renal crônica e não estava anúrica (o que diminui a possibilidade de a elevação na creatinina ser um achado novo) e também por não haver referência a desconforto respiratório ou dessaturação de oxigênio sanguíneo, o que é corroborado pela gasometria arterial normal. As principais causas associadas ao Delirium são: Medicamentos: anticolinérgicos, quimioterápicos, benzodiazepínicos, opióides, sedativos/hipnóticos, corticoides, betabloqueadores, digitálicos, anti-histamínicos, antibióticos. Distúrbios metabólicos: hidroeletrolíticos, hipo/hiperglicemia, tireoide, paratireoide, adrenal, pituitária, hipovitaminoses (B1, B6, ácido fólico, B12), hipóxia, febre. Doenças sistêmicas: insuficiência renal, insuficiência hepática, hipoxemia (DPOC), insuficiência cardíaca, doenças neurológicas, alcoolismo e abstinência a drogas. Doenças estruturais do sistema nervoso central: metástases, lesões cerebrais, trauma crânio-encefálico (quedas), cerebrite actínica. Infecções do sistema nervoso central: sepse, meningites, encefalite, pneumonia, pielonefrite, celulite. Outras situações: retenção urinária, fecaloma, dor, restrição física, uso de sondas e cateteres, eventos iatrogênicos, isolamento social, ambiente novo, estresse (emocional ou físico, por exemplo, cirurgia). (BRASIL, 2013, p. 157). Questão 2 – Ainda sobre o Delirium, uma parte importante do manejo e da prevenção da recorrência do quadro está enquadrada nas chamadas medidas não farmacológicas, as quais podemos citar: • Relógio à disposição do paciente • Baixa luminosidade • Visita de familiares • Silêncio absoluto • Evitarhidratação no quadro confusional Bianca Barreto Embora não haja evidências de que o ambiente per se seja um causador de delirium, sabe-se que certas condições ambientais, como o barulho excessivo, têm potencial de exacerbar as crises. Algumas medidas preventivas devem ser aplicáveis tanto no cuidado domiciliar prolongado quanto em internação hospitalar por qualquer motivo: iluminação e sonoridade do ambiente adequadas, evitar hiperestimulação (especialmente à noite) e permitir percepção do ciclo noite-dia pelo paciente, em especial a presença de luz natural (quando possível) e à qualidade das noites de sono. Isso é particularmente importante em domicílios onde coabitam muitas pessoas ou em Unidades de Tratamento Intensivo (locais com presença de barulhos diversos advindos de alarmes, bipes, respiradores, monitores, etc). Por outro lado, também não é indicado que se preconize o silêncio total, pois também há indícios que a hipoestimulação possa precipitar ou exacerbar quadros de delirium. Então, deve-se: - preconizar o equilíbrio, com poucos estímulos visuais e sonoros, mas que estes possam ser indicadores suaves da situação do paciente no tempo e no espaço; - dispor indicadores de temporalidade no ambiente (como calendário e relógio visíveis ao paciente); - informar periodicamente à pessoa onde ela está, quem são as pessoas à volta dela e qual o seu papel (no caso do cuidador), o que evita reatividade do paciente; - facilitar a visita regular de familiares e amigos; - evitar contenções ao leito; - otimizar controle álgico; - estimular ingestão hídrica, evitando-se quadros de desidratação ou constipação intestinal. (BRASIL, 2006, 2013). Questão 3 – Como averiguado no caso, outra importante causa para o Estado Confusional Agudo apresentado pela paciente é um quadro infeccioso com provável componente sistêmico (bacteremia), que pela história e pelos exames apresentados, sugere tratar-se de: • Infecção de pele • Pneumonia Adquirida na Comunidade (PAC) • Infecção do Trato Urinário (ITU) • Gastroenterite Segundo os dados apresentados, fica claro que o foco infeccioso mais provável neste caso é o trato urinário, tanto pelo exame básico de urina evidenciando bacteriúria intensa, como pelo achado confirmatório na Urocultura. Sabe-se que a ITU é a infecção mais frequente na terceira idade, independentemente do sexo, estimando-se que acometa aproximadamente 20% das mulheres e 10% dos homens idosos, tornando-se assim, a causa mais comum de bacteremia em idosos. Bianca Barreto Questão 4 – Encerrando a análise dos exames complementares mostrados, nota-se a presença de anemia. Frente a este achado, qual a sua mais provável etiologia? • Doença renal crônica • Deficiência de vitamina B12 • Hipotireoidismo • Deficiência de folato • Deficiência de ferro Baseando-se nos dados laboratoriais apresentados, a etiologia mais provável da anemia é a deficiência de ferro, em virtude de os índices hematimétricos evidenciarem uma anemia microcítica (VCM<80 fl) e hipocrômica (HCM<27,6 pg / CHCM<32 g/dL), além de a carência de ferro ser a maior causa de anemia nas mais variadas faixas etárias. Adicionalmente, anemia causada por deficiência de folato ou vitamina B12 se caracteriza por ser macrocítica (VCM>96 fl), enquanto que o hipotireoidismo e a doença renal crônica costumam gerar uma anemia normocítica e normocrômica. Por outro lado, é importante se ater ao fato de que a paciente tem diagnóstico prévio de Doença Renal Crônica (DRC), o que poderia justificar a anemia. Entretanto, sabe-se que a anemia por DRC se dá principalmente quando a Taxa de Filtração Glomerular Estimada (TFGe) é menor que 50 ml/min/1,73m2, com a probabilidade de relação causal maior conforme menor é o valor da TFGe. Questão 5 - Após certificar-se de que todas as medidas referentes ao caso já foram tomadas, a EMAD se despede da paciente e começa a sair da casa. Neste momento, a filha (cuidadora) solicita um horário para discutir um assunto particular. Ela se mostra cansada, chorosa, queixando-se de sobrecarga e referindo que é a única familiar responsável pelo cuidado de sua mãe, apesar de haver outros familiares que moram nos arredores. Assim, ela finalmente pede um remédio que a faça descansar e melhorar seu humor. Qual destes manejos seria o mais apropriado inicialmente? • Tentar organizar uma reunião na casa da família e discutir a situação com outros familiares • Ouvir e acolher as queixas da paciente e comentar que é natural se sentir assim em momentos como esse • Iniciar um antidepressivo, associado a um benzodiazepínico para momentos de estresse ou insônia • Acolher as queixas da paciente e iniciar um antidepressivo Bianca Barreto Apesar de ser necessário que haja uma escuta atenciosa das queixas da cuidadora com a finalidade de mostrá-la que você entende sua situação e está disposto a ajudá-la, é necessário que a EMAD tome algumas medidas para melhorar a sintomatologia da paciente. Assim, é no mínimo ineficiente que o médico tente justificar a atual situação como consequência natural do papel de cuidador. Por outro lado, apesar de ser importante se ter em mente o uso de medicações que ajude a controlar alguns sintomas da paciente (como ansiedade, depressão e insônia), um adequado primeiro passo, junto à escuta qualificada, seria tentar mediar a situação entre os envolvidos e ajudar a organizar a logística do cuidado, função que a EMAD tem oportunidade ímpar de exercer. Logo, tendo-se em mente que, adicionalmente, há resistências em se fazer correlações entre a deterioração da saúde física ou mental de membros da família (que vão desembocar nos serviços de saúde) e as situações vividas de excesso de deveres e recursos limitados, a tentativa de uma pactuação com a família seria uma boa opção para, primeiro, colocar em pauta a sobrecarga da cuidadora (que muitas vezes não deixa evidente aos outros familiares/potenciais cuidadores suas angústias) e, segundo, para mostrar a importância da divisão de tarefas, o que evita o excesso de responsabilidade sobre apenas uma pessoa. Consequentemente, a própria paciente se beneficia deste sistema, uma vez que dispõe de cuidadores com tarefas compatíveis com suas próprias rotinas, tornando-os mais motivados para o processo de cuidado. Questão 6 - Seguindo o pensamento da coordenação do cuidado do paciente, é importante se ter critérios para avaliar a complexidade de cada caso na atenção domiciliar. Assim, será possível pactuar com a família, de uma forma racional, o nível de intervenção e vigilância que será provido pela ESF e EMAD. Com base nisso, qual(is) dos itens a seguir, pode(m) ajudar nesta avaliação? • Avaliação do estado nutricional • Grau de dependência do paciente • Detecção de alterações de humor • Grau de funcionalidade familiar
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