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História Unisinos 10(1):26-34, Janeiro/Abril 2006 © 2006 by Unisinos Algumas considerações sobre história, saúde e homeopatia Some considerations on History, health and homeopathy Beatriz Weber1 beatrizt@smail.ufsm.br Resumo. A organização médica, implantada nas décadas de 1930 e 1940 no Brasil, consolidou uma visão de história das práticas médicas que excluiu quaisquer concorrentes como inexistentes ou pouco expressivos. Essa perspectiva obscureceu o conhecimento sobre outras práticas, como a homeopatia. Ela só recebeu maior atenção a partir dos anos 1980, mas ainda continua pouco estudada. Apresento algumas refl exões sobre as circunstâncias com que me deparei na trajetória de pesquisa sobre homeopatia no levantamento e trato das fontes. Utilizei, como estratégia, defi nições sobre tifo, febre tifóide e homeopatia do manual de medicina popular de Pedro Chernoviz, de 1890, para exemplifi car os procedimentos teórico-metodológicos que considero muito importantes para pensar história da homeopatia, mas também qualquer pesquisa histórica. Palavras-chave: história, saúde, homeopatia, anacronismo. Abstract. Th e medicinal organization, implanted in the 1930´s and 1940´s in Brazil. solidifi ed a view of the medical practice history which excluded any competitor as non- existent or of little expression. Th is perspective darkened the knowledge on other practices, such as homeopathy. It only received more attention from the 1980´s on, but it is still not much studied. I present some thoughts about the circumstances, which I faced while raising and dealing with the sources of the research about homeopathy. As a strategy, I have used defi nitions of typhus, typhoid fever and homeopathy from the 1890’s Pedro Chernoviz popular medicine manual in order to exemplify the theoretical-methodological procedures which I consider very important to the thinking of homeopathy history, but also to any historical research. Key words: history, health, homeopathy, anachronism. 1 Formada em História pela UFSM, Mestrado em História na UFRGS e Doutora em His- tória pela UNICAMP. Pós-dou- torado na Casa de Oswaldo Cruz/FIOCRUZ. Professora do Departamento de História da UFSM. Introdução O campo novo de interesses que tem suscitado a área que relaciona saúde e história é muito amplo. No Brasil, a diversidade de trabalhos que têm surgido é muito grande. Eles abordam temas como a saúde pública, a organização sanitária, a trajetória das doenças, os dis- cursos sobre temas mais variados, como a sexualidade, os comportamentos, os hábitos, a trajetória das mais diversas instituições, só para citar alguns dos mais recorrentes. Especialmente num campo de pesquisa novo como esse, a refl exão teórica ainda esboça seus primeiros passos, que só irão se consolidando na medida em que as pesquisas forem tendo andamento. O objetivo deste artigo é pensar 05_HIST03_Weber.indd 2605_HIST03_Weber.indd 26 4/5/2006 14:08:104/5/2006 14:08:10 Algumas considerações sobre história, saúde e homeopatia História Unisinos 27 2 Optou-se por atualizar a ortografi a das fontes utilizadas, para facilitar a leitura. algumas questões teórico-metodológicas que me parecem importantes nesse novo campo, utilizando a refl exão sobre a história da homeopatia como foco principal de análise, e também exemplifi cando com a informação sobre tifo e febre tifóide de um manual de medicina popular do século XIX. Primeiro, procuro apresentar o campo de pesquisa sobre homeopatia, discutindo sobre as fontes, suas difi cul- dades e a produção bibliográfi ca. Num segundo momento, refl ito sobre uma das questões que considero muito im- portante para o exercício em qualquer área da história. Procuro pensar os problemas gerados pelo anacronismo como resultado da produção histórica, num campo mais específi co de pesquisa que é o de história e saúde. Como uma das minhas certezas sobre a história da homeopatia era a inexistência de fontes, creio que as defi nições apre- sentadas por Pedro Chernoviz, um autor bastante popular no século XIX e boa parte do XX, permitem evidenciar a situação gerada posteriormente. O Estado da Arte sobre história da homeopatia Utilizando um dos mais famosos manuais de medicina que circulou durante o Império no Brasil, de Pedro Chernoviz, fonte preciosa para se tratar de inúmeras questões, gostaria de discutir a defi nição que ele apresenta sobre homeopatia, frente à organização médica da qual participa. É no contexto de ataque e hostilidade contra a homeopatia que ele produz as referências sobre a mesma para seus dicionários. Ele deixa claro que sequer a referência deveria estar ali contida, mas que seu dever era esclarecer ao público. Ele afi rma: Devo prevenir que este artigo, fi lho das circunstâncias, não há de corresponder um dia à utilidade quotidiana pela qual procuro dar a este dicionário um caráter de duração. A homeopatia não acharia aqui lugar, se não existisse no público um desejo momentâneo de satisfazer a curiosidade, e se não me julgasse obrigado a acautelar, ou a desabusar as pessoas nimiamente (sic) crédulas. Depois d ’esta advertência, lancemos uma vista de olhos sobre a doutrina médica chamada ‘homeopatia’” (Chernoviz, 1890, p. 152)2. Há a preocupação iluminista de esclarecer e infor- mar sobre o “verdadeiro” signifi cado da homeopatia, frente ao interesse crescente que essa prática vinha alcançando, que ele não tinha como ignorar. Mas sua preocupação é ridicularizar os procedimentos para a preparação dos medicamentos, como as doses infi nitesimais e a dinami- zação. “Hahnemann não explica porque motivo uma tão pequena dose de substância possui tão grandes proprie- dades: acreditai n’isto (na homeopatia), mas não indagai” (Chernoviz, 1890, p. 153). Ele considera tal sistema como “ridículo”. As curas que ocorreriam estariam explicadas pela dieta, que representaria grande parte do tratamento, e porque a natureza faria o resto, segundo ele, sem medicamento algum. A homeopatia seria reprovada pelas academias de Paris, do Rio de Janeiro e “outras Sociedades sabias”. A justifi cativa que ele encontrava para esse sistema é que alguns homens superiores das sociedades primitivas propunham-se de recorrer à impostura para inculcarem crenças e práticas que julgavam salutares, perguntando-se se Hahnemann não teria a ambição secreta de restaurar a “medicina expectante”, que só atuava sobre a moral e regu- lava as circunstâncias higiênicas (Chernoviz, 1890, p. 154). Sua análise ironizava o signifi cado da homeopatia, por não possuir nenhuma fundamentação, nem na sua prática, nem nos seus fundamentos. Parecia-lhe inconcebível tal sistema numa sociedade moderna. Sua função seria de esclarecer e orientar sobre os absurdos nela contidos. Apesar de uma certa elegância nas suas críticas, Chernoviz integrava-se perfeitamente nas críticas que as instituições das quais ele participava fi zeram ao sistema introduzido no Brasil. A proposta do seu dicionário, de informar e orientar frente aos princípios da ciência, foi levada a cabo, inclusive sobre algo que lhe parecia fadado ao descrédito em pouco tempo. Os esforços institucionais das organizações médi- cas do século XIX, de proporem-se como o único conheci- mento válido na área da cura, só se consolidaram no século XX, mas deram o formato das defi nições posteriores, relacionando homeopatia e charlatanismo. E gerando o “descrédito” que essa prática passou a receber. A introdução da homeopatia no Brasil sofreu com- bate ferrenho da medicina formal, vinculada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (de 1832), à Academia Imperial de Medicina (desde 1835) e à Junta Central de Higiene Pública (criada em 1850, mas que só passou a funcionar a partir de 1851, quando foi regulamentada). Os homeopatas foram considerados os novos e piores charlatães a serem combatidos, porque eram médicos e se apresentavam como enunciadores de um saber científi co e de uma prática clínicamais efi caz, referindo-se à medicina ortodoxa como “velha medicina”. Enquanto a medicina formal garantira a reprodução do seu saber através do curso médico que, no seu currículo de cinco a seis anos, formava doutores em medicina e cirurgia, a homeopatia pretendia formar seus médicos com seu próprio currículo, num período de tempo inferior ao da Faculdade da Me- dicina, com um tipo de conteúdo que não se enquadrava no modelo ofi cial. Também admitia formar uma clientela 05_HIST03_Weber.indd 2705_HIST03_Weber.indd 27 4/5/2006 14:08:114/5/2006 14:08:11 Beatriz Weber Vol. 10 Nº 1 - janeiro/abril de 2006 28 leiga para o exercício da prática homeopática, visando divulgar seus preceitos. Por meio dos docentes da Facul- dade de Medicina do Rio de Janeiro e dos membros da Academia Imperial de Medicina, foram hostilizados em vários órgãos, chegando até a serem fundados periódicos com essa função. Parte da estratégia de desmoralização incluía a denúncia do seu saber, além da acusação de delitos médicos, morais (concubinatos), penais (assassi- nato, envenenamento), sexuais (sedução) e até políticos (comunismo) (Luz, 1996; Pimenta, 2003). Nas diversas conjunturas descritas para a trajetória da homeopatia, essa hostilidade continuou. No período que Madel Luz chama de “expansão-resistência”, de 1860 a 1882, de interiorização geográfi ca e aceitação popular da homeopatia pelo Brasil, mantinha-se a polêmica. De 1882 a 1900, período que ela chama de resistência, a homeopatia sofre uma derrota institucional, retirada das instituições médicas, ou seja, o cerco que as instituições médicas reali- zaram contra a homeopatia gerou tais reveses que a prática não pode mais manter-se nem nas suas instituições. O próprio Instituto Hahnemanniano fenece, só vindo a ser reaberto em 1900. Depois disso, há um período de grande expansão popular da homeopatia no Brasil, especialmente nos centros urbanos (Luz, 1996). No Rio Grande do Sul, a organização corporativa médica foi bastante efi ciente na consolidação de uma visão ofi cial da história da medicina, com uma intensa propaganda educativa, prevenindo a população contra o “charlatanismo”, nos anos 1930 e 1940, após a organização do Sindicato Médico Rio-Grandense, em 1931. Consi- dero um marco nesse processo a publicação do Panteão Médico Rio-Grandense, em 1943, que procurou afi rmar o que teria sido a história da medicina no Estado e listava pequenas biografi as dos médicos legalmente habilitados a atuar. Essa proposta também teria consolidado uma perspectiva médica ofi cial no Brasil, desde a organização do Sindicato Médico Brasileiro, em 1927 (Weber, 2003). Ela foi tão efi ciente que fez parecer que a homeopatia não teria tido um papel tão importante e que o material do período “áureo” de sua organização teria sido destruído. Essas questões mostram como essa perspectiva pode ter orientado a produção de uma “tradição”. Instituições médicas formais consideravam charlatanismo uma de- terminada prática e isso foi tão enfatizado que passamos a acreditar, inquestionavelmente, que essa prática seria necessariamente uma prática vinculada a pessoas mal intencionadas. E que a prática teria sido “extinta” com a atuação dos médicos. A partir da perspectiva do quadro descrito acima, a primeira questão que se colocou imperiosa para o meu trabalho foi o que parecia quase certo: a inexistência ou, pelo menos, a difi culdade de fontes sobre a homeopatia. Claro que eu achava que poderia ler nas entrelinhas de diversas fontes, que tratavam tangencialmente o tema. Mas também acreditava que o material sobre a homeopatia no Rio Grande do Sul teria se perdido ao longo do século XX, fruto do descaso que a homeopatia foi sofrendo. Como a documentação manuseada até então priorizava um discurso ofi cial produzido por médicos acadêmicos, eu estava também convencida que, além da difi culdade das fontes, a homeopatia havia perdido espaço de atuação, tornando-se quase inexistente ao longo do século XX. Ou seja, na disputa com a medicina formal, a homeopatia havia “perdido” a batalha. Contudo, ao longo do desenvolvimento da minha pesquisa, fui me deparando com uma quantidade de fontes surpreendente sobre homeopatia. Inclusive, que a indicam com uma atuação sistemática, através de suas instituições, junto aos órgãos governamentais, o que me parecia praticamente impossível frente à legislação na- cional, consolidada com a regulamentação profi ssional, em 1932. Parte dessa trajetória de pesquisa deve-se ao trabalho desenvolvido por Ângela Porto, de 1986 a 1988, após a organização de uma exposição sobre a homeopatia realizada pela Fundação Casa de Rui Barbosa. Ela e sua equipe realizaram um exaustivo levantamento bibliográ- fi co sobre o tema, nos acervos da cidade do Rio de Janeiro, revelando uma grande riqueza de material, que resultou num catálogo de fontes (Pôrto, 1989)3. Parte dos problemas encontrados no trabalho re- alizado pela autora foi que os documentos relacionados no material do levantamento eram apenas uma mostra do que existe nos arquivos hospitalares e outros, porque, apesar dos documentos relacionados à homeopatia existirem, eles não estão relacionados nos fi chários e não foram nunca trabalhados. Ou seja, os acervos são muito ricos, mas ainda não receberam “visibilidade” para um assunto ainda considerado pouco atraente. Outra difi culdade é que muitos arquivos de farmácias, associações e grupos de estudos homeopáticos guardam farta documentação, mas, infelizmente, não permitem livre acesso ao público. Um dos resultados do material acessado pela autora foi um panorama do tratamento homeopático em escravos na cidade do Rio de Janeiro, durante o século XIX (Pôrto, 1988). O artigo mostra claramente a importância que teve a homeopatia na cidade, relacionando a sua familiaridade com a medicina popular, tanto européia como africana. É um dos poucos artigos que aborda cuidados médicos para com a população escrava, aspecto, sem dúvida, muito relevante para a compreensão das relações escravistas 3 Agradeço à autora o acesso ao material e as indicações preciosas com que me brindou. 05_HIST03_Weber.indd 2805_HIST03_Weber.indd 28 4/5/2006 14:08:114/5/2006 14:08:11 Algumas considerações sobre história, saúde e homeopatia História Unisinos 29 no Brasil, mas que ainda não recebeu tratamento. São questões promissoras a serem exploradas por novos es- tudos. Dentre outros, um dos acervos que se destaca pela sua riqueza é o arquivo Souza Martins, do Instituto Hahnemanniano do Brasil. Ele possui documentação sobre a atuação de diversos homeopatas no Brasil ao longo do século XX, com fotos, correspondência e publicações. O material possui uma organização realizada por João Vicente de Souza Martins, farmacêutico pela Faculdade de Medicina e Farmácia do Rio de Janeiro, em 1901. Filho de prático de farmácia licenciado, foi nomeado tenente bacteriologista no Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, reformando-se em 1940, no posto de capitão. Desde 1902, ingressou no Instituto Hahnemanniano, onde atuou como professor, diretor do Laboratório de Pesqui- sas Clínicas e diretor do Hospital. Em 1919, formou-se como médico na Faculdade de Medicina e Cirurgia do Instituto Hahnemanniano. Escreveu e sustentou diversas polêmicas em defesa dos farmacêuticos e de princípios homeopáticos. Denunciou irregularidades na Escola de Medicina e Cirurgia em 1942, retirando-se da escola e pedindo abertura de inquérito. Teve uma expressiva atu- ação no Instituto Hahnemanniano, onde se localiza seu acervo hoje. Faleceu em 30 de maio de 1953. Os dados da sua biografi a encontram-se numa das pastas do referido acervo, provavelmente organizada por ele mesmo. Ele preocupou-se em organizar informações sobre a história da homeopatia no Brasil, com cronologias e biografi as de homeopatas. Martins reuniu informações variadas, a partir das relações pessoais que possuía e solicitandodados às pessoas com quem ia tomando contato. Sua atividade resultou num arquivo pessoal bastante diversifi cado, muito marcado por sua própria atuação, com um levantamento impressionante de informações. Esse tipo de acervo oferece um ótimo campo de refl exão sobre a necessidade de uma crítica documental que o situe no contexto em que foi produzido. Souza Mar- tins foi um incansável defensor de uma determinada visão sobre a homeopatia e o material que ele organizou refl ete as crenças em que se baseava. Ter esses aspectos em mente permite entender as relações que ele estabeleceu e como ele se posicionava frente a elas, portanto, são informações que precisam ser lidas com um olhar acurado. Essas considerações servem da mesma forma para o texto que é a grande fonte sobre história da homeopa- tia no Brasil, organizado por José Emygdio Rodrigues Galhardo e divulgado no 1º Congresso Brasileiro de Homeopatia, aliás, que foi promovido e coordenado por ele próprio, sob patrocínio do Instituto Hahnemanniano do Brasil, em 1926 (Galhardo, 1928). É a obra mais utilizada e recorrentemente citada como “a” história da homeopatia no Brasil, afi rmando-se que não precisa ser revista. Sem dúvida, é um levantamento impressionante e que sistematizou informações do país inteiro. Apesar de recorrentemente utilizada, não foi tematizada como a obra de um autor que procurou construir os signifi cados da homeopatia no Brasil, trabalho a ser realizado. De qualquer forma, o material produzido por Emygdio Galhardo e Souza Martins constituíram uma determinada visão sobre a homeopatia no Brasil, que foi a visão difundida pelos demais homeopatas e por alguns pesquisadores. Através do Instituto Hahnemanniano do Brasil, consagrou-se como a perspectiva fundadora, digamos assim, da história dessa prática. A preocupação de dar visibilidade a práticas de cura que foram quase completamente negligenciadas, só foi possível após os anos 1980. Foi neste período que mulheres, homossexuais, jovens, e diversos outros grupos tidos como “subalternos” e minoritários, passaram a fazer parte da “história”. É a situação de práticas de cura que foram consolidadas como “charlatanismo” e tratadas como tal, ou seja, com amplo desprezo, pelos manuais de história da medicina. A partir da refl exão sobre a prática médica e suas “alternativas” é que foi se cunhando um amplo campo de pesquisa de diversos profi ssionais. Mas trato aqui, mais especifi camente, de pesquisas que priorizam a história dessas práticas. Daí o desenvolvimento de trabalhos que procuram entender essas atividades e suas inserções ao longo da vida dos homens. Seu ressurgimento como pro- posta de cura está relacionado ao contexto de movimentos contestatórios da década de 1960, acoplando-se a uma proposta naturalista. Mas somente a partir da segunda metade da década de 1970, constituiu-se como objeto de conhecimento e refl exão no Brasil. Como proposta de análise acadêmica nas ciências sociais, somente nos anos 1980 é que trabalhos passaram a serem publicados sobre homeopatia. A principal autora que tratou do tema foi a socióloga Madel T. Luz, em projeto desenvolvido desde 1983. Ela procurou analisar as estratégias dos homeopatas para reconhecimento e legitimação do seu saber e sua prática médica, e as con- tra-estratégias de reação ou contenção desse processo por parte da medicina ortodoxa e suas instituições. Luz procurou construir uma “história social da homeopatia” desde a sua introdução por Benoit Mure, na década de 1840, até as pesquisas dos homeopatas acadêmicos na década de 1980 (Luz, 1990, 1993, 1996). Sem dúvida, é o mais completo trabalho na área de história da homeopatia produzido na universidade brasileira até então. Uma das únicas teses de pós-graduação encon- tradas nesse período foi o trabalho do médico Ricardo Lafetá Novaes, no Departamento de Medicina Preventiva da USP, propondo-se uma abordagem “histórica-episte- 05_HIST03_Weber.indd 2905_HIST03_Weber.indd 29 4/5/2006 14:08:114/5/2006 14:08:11 Beatriz Weber Vol. 10 Nº 1 - janeiro/abril de 2006 30 mológica” da produção homeopática na área da medicina. Ele faz um panorama da história da medicina, da trajetória de Hahnemann e da inserção da homeopatia no Brasil. Sua análise conclui que a proposta da homeopatia seria incompatível com a concepção da produção capitalista, de que a saúde é a possibilidade de máxima produtividade, sendo que homeopatia teria sofrido uma “interdição for- mal ofi cial” por se opor ao capitalismo (Novaes, 1986, p. XVI). Um outro trabalho de pós-graduação, publicado em 1994, é o de Fernando Antonio Faria, sobre as polêmicas em torno da homeopatia a partir do Dr. Joaquim Duarte Murtinho e suas inserções na política brasileira. Murtinho era um médico homeopata com atuação política expressiva, e que debateu a homeopatia e suas “querelas” através de artigos no Jornal do Comércio, no Rio de Janeiro, nos anos 1880 (Faria, 1994). Trabalhos mais recentes, de historiadoras, têm sido defendidos no fi nal dos anos 1990 e ao longo da década de 2000. Em geral, eles tematizam a homeopatia a partir de outras preocupações principais, como a situação de doenças específi cas e a organização de práticas de cura na primeira metade do século XIX. São refl exões muito instigantes, que trazem contribuições valiosas sobre a prática homeopática no período (Pimenta, 2004; Beltrão, 2004). Dois deles fazem uma refl exão específi ca sobre a homeopatia: Gláucia Silveira, sobre o mesmo período que as pesquisas anteriores, e Renata Palandri Sigolo, sobre a homeopatia no início do século XX (Silveira, 1997; Sigolo, 1999). São as primeiras pesquisas especifi camente da área de história. Os demais trabalhos publicados são diversifi - cados, com abordagens que discutem aspectos históricos, mas somente como ilustração de argumentos específi cos (Landmann, 1989; Campbell, 1991; H.S. Luz, 1993). De forma geral, a produção sobre saúde tem sido bastante diversifi cada e muito rica. Só do Rio Grande do Sul, creio que a produção realizada já merece um levan- tamento sistemático, com uma avaliação mais cuidadosa dos caminhos que foram sendo trilhados, mas essa é uma experiência a ser executada. Alguns autores têm procurado descrever os campos em que estão trabalhando e, para isso, realizaram descrições analíticas de como suas principais questões foram sendo tratadas internacionalmente e no Brasil. É o caso do capítulo que procura delinear um campo, intitulado pelas autoras de “história das doenças”, trabalho realizado por Anny Jackeline Torres Silveira e Dilene Raimundo do Nascimento. Ele apresenta um panorama de como “doença” foi sendo abordada e seus potenciais explicativos (Silveira e Nascimento, 2004). Nikelen Acosta Witter organizou uma avaliação da produção que trabalhou com práticas de cura (Witter, 2005). Essas são só algumas das avaliações mais recentes, que oferecem um primeiro caminho aos interessados. Esse breve panorama demonstra como a homeopa- tia foi ainda pouco estudada e seus aspectos históricos ainda precisam ser detectadas, apesar da excelente produção realizada até agora. Algumas questões teórico- metodológicas sobre saúde O quadro geral apresentado informa sobre uma área específi ca no campo dos estudos sobre saúde no Brasil. Procurei apontar como a estratégia corporativa da medicina ofi cial acabou resultando em descaso com a história de outras práticas de cura, que também tiveram atuação muito expressiva no Brasil. Inclusive gerando uma quase “invisibilidade” sobre as fontes possíveis de serem usadas para a história da homeopatia. Mas não são só essas questões que geram difi culdades na abordagem sobre a história e saúde. Outros aspectos precisam ser refl etidos, para que se consiga solidifi car um campo de pesquisas original e de grande interesse para a história do Brasil. Vou abordar uma dessas questões, que também perpassa o campo da história da homeopatia.Considero que o anacronismo é um dos problemas mais graves a ser enfrentado na produção de uma refl exão que tematize um outro período histórico. E é, infeliz- mente, muito comum. Os perigos dessa prática são apon- tados por diversos historiadores, em diversos momentos. Vou procurar estabelecer um rápido panorama de como o problema pode ser percebido na área que relaciona história e saúde. Para isso, vou utilizar algumas avaliações teóricas realizadas por pesquisadores com renomada experiência na área de história da ciência no Brasil. Em uma das refl exões sobre a área, já mais an- tiga, Maria Alice R. de Carvalho e Nísia Verônica T. Lima oferecem um balanço muito interessante sobre a nova área de conhecimento que estamos tratando. E, como as próprias autoras afi rmam, “a institucionalização de qualquer campo de estudos não se faz sem o balanço crítico permanente das tendências presentes ali, quer do ponto de vista do seu embasamento teórico e do alcance das investigações propostas, quer do ponto de vista fi nal, isto é, daquilo que resulta do esforço coordenado de tantas pessoas, às vezes por tantos anos” (Carvalho e Lima, 1992, p. 118). A análise das autoras não é específi ca sobre “anacronismo”, mas permite recuperar essa questão com muita propriedade. Não estou aqui utilizando a análise realizada pelas autoras, que possui uma lógica própria e muito bem desenvolvida, estou me apropriando de elementos do raciocínio, que é muito mais complexo, para o meu objetivo. Consagrou-se, a partir de uma certa tradição histo- riográfi ca, a afi rmação de que as doenças são um aspecto 05_HIST03_Weber.indd 3005_HIST03_Weber.indd 30 4/5/2006 14:08:124/5/2006 14:08:12 Algumas considerações sobre história, saúde e homeopatia História Unisinos 31 do desequilíbrio sócio-cultural da sociedade. Essa doença resultaria de uma sociedade que se urbanizava acelerada- mente ao longo do século XIX e da concentração da população em espaços pouco adequados à reprodução da vida. Esse argumento está baseado na recuperação de crônicas literárias, médicas ou policiais produzidas, principalmente, na Inglaterra do primeiro tempo da Revolução Industrial, que atestava uma história de pânico frente às circunstâncias vivenciadas. Desse mate- rial, a relação cidade e doença passou a ser vista como auto-evidente, a qual poucos ousariam desconhecer e a ninguém era dado desconfi ar de sua capacidade expli- cativa. É um dos casos em que a observação valorativa dos autores contemporâneos fundou uma refl exão sobre a natureza do fenômeno observado, conformando as premissas que serviram para o argumento acadêmico posterior, que a desorganização social gera as doenças. A forma como os autores do oitocentos pensaram a situação sobre a doença no período em que viveram foi ofi cializada num argumento acadêmico reproduzido até hoje, ao qual nos habituamos a lidar. A associação desse argumento com “cidade” tornou evidente um discurso produzido pelas institui- ções médicas do século XIX. Esse discurso afi rmou a celebração da saúde e da ordem como aspectos “essen- cialmente” antagônicos à pobreza e à marginalidade, e não apenas “historicamente” antagônicos. Ele imprimiu o padrão que foi reproduzido na associação entre So- ciologia e Medicina Social como áreas técnicas, que visavam dar conta do funcionamento das massivas cidades européias. E essas áreas “imprimiram um pa- drão de conhecimento de natureza intervencionista, de fundamentação “ilustrada”, e basicamente controlador da multiplicidade de experiências sociais desenvolvi- das no espaço urbano” (Carvalho e Lima, 1992, p. 120). Mas foi na constituição de uma subjetividade coletiva, expressa nos relatos “moralistas” da época que esse discurso surgiu, e construiu uma noção de cidade e um programa de valorização do trabalho que implicaram o “império” do conceito de ordem social, que ainda hoje opera como horizonte explicativo das ciências sociais e da medicina, mesmo em trabalhos que politicamente rejeitam as conseqüências práticas desse tipo de explicação. Ou seja, reproduzimos padrões de análise de autores de uma determinada época por não termos realizado uma reflexão das circunstâncias em que esses discursos foram produzidos e suas perspec- tivas. Esses discursos acabaram sendo mais eficazes do que o provavelmente esperado para a época, pois eficientemente “convenceram” a todos os que os leram de que suas indagações eram as únicas possíveis e os demais aspectos que poderiam estar envolvidos eram irrelevantes. Os historiadores contemporâneos devem arriscar mais suas próprias angústias nas suas análises, reavaliando a multiplicidade de visões de um determinado período, revendo constantemente seus sistemas interpretativos e os nexos causais que estão imprimindo para uma determinada época, procurando evitar o simples rearranjo dos discursos ao seu próprio discurso fundador. A refl exão sistemática sobre as fontes com que se está trabalhando, procurando dialogar com as circunstân- cias de sua produção, possibilita delinear um campo vasto e diversifi cado, que tem que ser levado em conta, e não desconsiderado. Sem dúvida um trabalho mais exaustivo e difícil, mas indispensável para que não se criem expli- cações anacrônicas. Claro que o discurso “constitui” realidades, mas ele não é desprovido da materialidade e origina-se de um contexto bastante complexo, que precisa assumir visibi- lidade explicativa. Um exemplo: tifo e febre tifóide Para exemplificar, vou utilizar novamente in- formações constantes no “Chernoviz”. Escolhi o “tifo” porque já observei diversas difi culdades na interpretação dessa doença em trabalhos de pós-graduação. Ainda não conheço nenhum estudo específi co sobre ela. Contudo, as diversas discussões geradas por ela, ao longo da história do Brasil, e a apropriação dos procedimentos para o seu com- bate são uma excelente sugestão de trabalho de pesquisa a ser realizado. Esta análise apenas aponta o interessante campo de análise ao qual ela pode se prestar, pois não é um estudo exaustivo sobre a questão. Era uma doença bastante comum no século XIX, considerada endêmica: Tifo. Esta palavra designa uma febre contínua, conta- giosa e epidêmica, cujo caráter mais saliente é um estado de estupor particular, assaz análogo ao que resulta da embriaguez. Esta moléstia declara-se ordinariamente entre as grandes reuniões de gente, quando os indivíduos que as compõem são expostos a paixões tristes, oprimidos pela miséria e desalinho, obrigados a alimentarem-se de comidas insalubres e a beberem água corrompida, ou quando estão acumulados n’um espaço estreito, como acontece nas prisões, hospitais, acampamentos, etc. [...] Prognóstico. O tifo é uma das moléstias mais graves, tanto pelo número de pessoas que ataca como pelo número das que mata. Há exemplos de ter o tifo dizimado exércitos, cidades sitiadas, matando a metade, e mesmo os dois terços dos doentes (Chernoviz, 1890, p. 1138-1139). 05_HIST03_Weber.indd 3105_HIST03_Weber.indd 31 4/5/2006 14:08:124/5/2006 14:08:12 Beatriz Weber Vol. 10 Nº 1 - janeiro/abril de 2006 32 Mas há outra defi nição na obra do Chernoviz: Febre tifóide. Esta moléstia recebeu muitas denomi- nações. Chamaram-lhe febre mucosa, perniciosa, maligna, nervosa, lenta nervosa, pútrida, adinâmica, dotinenterite, etc. Sintomas: A moléstia principia por um sentimento de peso na boca do estômago, pulso forte e freqüente, fastio, boca amarga, língua coberta de uma camada branca, cólicas, fraqueza, dores nos membros, urinas poucas e espessas. Alguns dias depois, o ventre fi ca quente e é doloroso, a sede é extrema, a língua seca; as gengivas e os dentes cobrem-se de uma camada denegrida; manifes- tam-se náuseas, vômitos, diarréia ou prisão do ventre, cheiro fétido do corpo, dor de cabeça, delírio, modorra, debilidade extrema, pulso mui fraco e freqüente (Cher- noviz, 1890, p. 1100). Essas defi nições permitem quese refl ita sobre uma série de elementos. Os conceitos expostos mostram que o que se considerava “tifo” e “febre tifóide” não era a mesma coisa. Indicam doenças diferentes. Ele chega a fazer uma comparação entre as duas, afi rmando que o tifo era con- tagioso e que a febre tifóide não (ou seria contagioso só em alguns casos excepcionais). O tifo resultaria “...quase exclusivamente da acumulação mui grande de indivíduos”, sendo que os “fenômenos cerebrais”, particularmente o estupor seriam mais salientes no tifo, assim como a marcha da moléstia seria mais rápida e o prognóstico mais grave (Chernoviz, 1890, p. 1140). Portanto, qualquer generali- zação sobre uma doença num determinado período precisa levar em conta as formulações do período. O signifi cado da doença no fi nal do século XIX não é o mesmo do seu significado contemporâneo. Adolfo Lutz comprovou a presença de febre tifóide no Brasil, de forma endêmica, na última década do século XIX, época em que foi conhecida sua etiologia. Até esse período, qualquer “febre maligna” podia ser considerada “febre tifóide”, havendo a forma abdominal, a torácica e a cerebral (Santos Filho, 1991, p. 207-208). Hoje, o tifo é considerado uma doença infecciosa, provocada por um bacilo (Salmonella typhi) e transmitida pelo consumo de água poluída ou pelo contato direto com objetos de uso pessoal dos infectados. Provoca febre forte, contínua, alterações gastrintestinais, com diarréia intensa e com- prometimento do fígado (Bertolli Filho, 1998, p. 13). Mata metade dos doentes não tratados. Seus sintomas enfraquecem após duas semanas, sendo a convalescença longa e penosa. Em 1909, no Instituto Pasteur de Tunis, Charles Nicolle estabeleceu a propagação do tifo por intermédio do piolho. O agente patogênico foi isolado logo após (micróbio Rickettsia pro Wazeki) por um brasileiro, Rocha Lima, que trabalhava para o serviço de saúde alemão. Houve o desenvolvimento de uma vacina em 1932, mas só o emprego do DDT, depois de 1943, que possibilitou matar efi cazmente os piolhos, é que permitiu evitar a propagação de forma efetiva dessa forma de tifo. O recurso aos antibióticos (cloranfenicol) só passou a ocorrer em 1947 (Bercé, 1985, p. 173-174). Com toda essa diversidade de elementos que se confi guraram através dos anos, as pesquisas médicas indicam duas formas de propa- gação, através de dois agentes diferentes, hoje consideradas doenças diferentes. Portanto, qualquer generalização, sem levar em conta o período a que está se referindo, pode ser muito temerária. Reforçando esse ponto, situar o contexto da produção da obra em questão também é fundamental. Ela é um dos mais famosos manuais de medicina popular que circulou pelo Brasil. O Dicionário de Medicina Popular teve seis edições em português e duas em espanhol, desde sua primeira edição no Brasil, em 1842, que esgotou seus 3.000 exemplares (Guimarães, 2003, p. 30). Pedro Luiz Napoleão Chernoviz, nome abrasileirado de Piotr Czeniewicz, nasceu na Polônia (Lukoc), a 11 de setembro de 1812. Foi obrigado a sair do país, ainda bem jovem, estudante de medicina na Universidade de Varsóvia, por ter participado de um levante contra o domínio russo, em 1831. Recebeu abrigo em território francês, onde pode continuar seus estudos e doutorar-se em medicina, pela Faculdade de Montpellier, em 1838. No início de 1840, ele aportou no Rio de Janeiro e teve seu diploma reconhecido pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e aceito na Academia Imperial de Medicina, como membro titular. Em 1855, retornou para Paris com a esposa e vários fi lhos brasileiros (Guimarães, 2003, p. 60). A primeira edição do Dicionário de Medicina Popular foi precedida, em um ano, pelo lançamento do Formulário ou Guia Médico. Ambos obtiveram igual sucesso, só que o Formulário servia aos iniciados da medicina, e o Dicionário se dirigia ao público leigo. Ambas as obras foram confundidas e chamadas de “o Chernoviz” (Guimarães, 2003, p. 67) As edições foram constantemente revistas e até novas seções foram incorporadas ao longo de cada uma. O autor se colocava com uma preocupação pedagógica, apresentando uma postura pioneira, sancionando até inovações pouco consensuais na época, como é o caso a inclusão do sis- tema decimal na terceira edição, em 1862 (p. 75), ou a apresentação do termômetro, na quinta edição, como um novo modo de explorar os estados mórbidos (Guimarães, 2003, p.75-76). Os manuais de medicina, e Chernoviz não foi o único, adaptaram à linguagem leiga os mais atualizados conhecimentos científi cos da sua época, e constituíram, assim, um dos elos entre a medicina acadêmica e a popu- 05_HIST03_Weber.indd 3205_HIST03_Weber.indd 32 4/5/2006 14:08:124/5/2006 14:08:12 Algumas considerações sobre história, saúde e homeopatia História Unisinos 33 4 Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior. Documentação Avulsa. Lata 508. Diretoria de Higiene. 4a. Diretoria. Boletim com conselhos ao povo distribuído em Gramado, Gravino, Marques de Souza e Bela Vista. 10 fev. 1918. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. 5 Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior. Documentação Avulsa. Lata 508. Diretoria de Higiene. 4a. Diretoria. 4, 10, 14, 15 e 20 fev. 1928. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. lação, em geral. Eles representaram uma das aspirações civilizadoras próprias do período, de levar “a verdade” ao povo. Mas também estiveram integrados à medicina popular que os utilizou. Seus consumidores foram leigos letrados (boticários, curiosos, fazendeiros e sinhás-mães de família) que praticavam a medicina, para atenderem aos seus agregados e escravos, libertos e livres pobres. E também o “consumiram” os indivíduos que formavam a base da prática das artes de cura no país (curandeiros, boticários, sangradores, cirurgiões-barbeiros, algebristas), num panorama de cuidadores bastante diversifi cado. Nesse quadro, as medicinas não podem ser rigorosamente classifi cadas em medicina ofi cial e popular. Os usuários de manuais, como o de Chernoviz, estavam utilizando as modernas noções de medicina do período, tornadas inteligíveis aos leigos (Guimarães, 2004, p. 2-4). Os aspectos citados são apenas alguns que indicam a complexidade da situação da publicação da 6ª edição do Dicionário de Medicina Popular, em 1890, edição utilizada para a transcrição do conceito de tifo. Outro aspecto refere-se à proposta técnica de medicina a qual Chernoviz se fi liava. Até a vitória de uma concepção ontológica da doença, isto é, aquela que associa o ser doença à ação de uma entidade específi ca, a medicina acadêmica tendia a conceber a doença como manifestação de múltiplas circunstâncias, de caráter externo (agentes físicos ou químicos) ou interno (constituição física, tem- peramento, idade, sexo, atividade ocupacional) (Guima- rães, 2003, p. 69). Chernoviz, ao defi nir tifo e febre tifóide, utiliza-se de elementos dessa descrição, compondo um quadro diversifi cado das suas manifestações. A origem das mesmas é associada às condições do meio, mas também aos elementos internos variados de cada indivíduo. Insere-se na defi nição higienista da ciência acadêmica imperial, da qual foi seu mais famoso representante. Apenas para ampliar o campo de análise, vou situar alguns dados do Rio Grande do Sul a respeito dessas doenças. A “febre typhica” foi recorrente em todo o estado e afl igia constantemente a população, sem resultados efi cientes no seu controle. Em 1918, era considerada “uma doença infec- ciosa, devida a um micróbio que existe no sangue, no fígado, no vômito, nos catarros dos doentes”, em que os “portadores dos bacilos são os doentes, os convalescentes e, às vezes, os que convivem com os tífi cos e que abrigam os micróbios” e transmitem-nos pelas mãos, moscas, legumes e frutas, leite, alimentos, objetos contaminados e, principalmente, a água4. Esta defi nição está contida num panfl eto com “conselhos ao povo” distribuído em Gramado, Gravino,Marques de Souza e Bela Vista. Quando detectados casos de febre, devia-se isolar o doente, fi cando em contato com ele apenas uma ou duas pessoas, que deveriam seguir rigorosamente as “medidas profi láticas”: a esterilização dos materiais e das roupas, o recolhimento de todos os dejetos do doente em vasos desinfetantes, o consumo de água fervida, o asseio dos objetos, combate às moscas, uso da vacinação e notifi cação à Diretoria de Higiene5. Todas essas informações e indicação de procedi- mentos não signifi cavam que os doutores soubessem como ocorria a imunização dos pacientes: uma tese, defendida na Faculdade de Medicina de Porto Alegre, em 1916, sobre vacinação antitífi ca, afi rmava “não serem possíveis con- clusões sobre as observações médicas realizadas”. A vacina parecia modifi car a marcha da doença, mas não sabiam exatamente o mecanismo das medidas profi láticas (Brunet, 1916, p. 28-29). Muitos dos procedimentos adotados não estavam vinculados à certeza do seu funcionamento, mas eram as possibilidades existentes naquelas situações. No Rio Grande do Sul, as diferenças apontadas por Cher- noviz, em 1890, nem parecem estar compondo o quadro de análise. De uma variada documentação consultada ao longo da minha trajetória de pesquisa, tifo e febre tifóide são tratadas como a mesma doença. A complexidade dos dados apresentados impõe que se tome cuidado com afi rmações genéricas, que podem estar anacrônicas e des- cabidas num determinado período, se não levar em conta as defi nições no próprio período. Apenas, de um exemplo que parece tão simples, como tifo e febre tifóide, quis indicar os procedimentos que poderiam ser importantes para poder entender uma documentação. Considerações fi nais Procurar entender uma determinada situação histórica signifi ca entender como determinadas visões foram percebidas por seus contemporâneos. A afi rmação da complexidade dos dados de qualquer pesquisa impõe que se tome cuidado com afi rmações genéricas. A leitura simplifi cada de um documento, com o olhar de hoje, só agrava o anacronismo das interpretações, deixando muito a desejar sobre a compreensão de um determinado período. Aliás, muitas vezes, comprometendo consideravelmente a possibilidade de análise de um historiador da área, gerando uma visão preconceituosa e limitada de uma determinada época, instituição ou circunstância. Nesse quadro, para evitar a impressão de contradição, creio ser importante explicitar um outro pressuposto. Não 05_HIST03_Weber.indd 3305_HIST03_Weber.indd 33 4/5/2006 14:08:124/5/2006 14:08:12 Beatriz Weber Vol. 10 Nº 1 - janeiro/abril de 2006 34 pretendo afi rmar uma posição de isenção do pesquisa- dor. A neutralidade é uma falácia que eu espero que esteja completamente superada, pois as discussões epistemológicas que permeiam esse campo têm sido uma constante nos programas dos cursos de graduação. A discussão sobre ser inevitável que o pesquisador das ciências humanas esteja “imerso” na sua pesquisa, pois está tratando de si próprio como objeto, já percorreu o século XIX, com as diversas correntes historicistas. Creio que um dos estudos mais clássicos, e que esmiúça o problema de forma exaustiva, é o de Max Weber, sem considerar aqui sua proposta como uma defesa teórica dos “modelos ideais” (Weber, 1982). Aliás, como já afi rmei acima, os estudos sobre a área da homeopatia só foram possíveis a partir do momento em que os proble- mas se colocaram historicamente. O principal exercício realizado pelo historiador é colocar-se as questões contemporâneas, trabalhando metodologicamente uma leitura no tempo e no espaço. E foi sobre esse exercício que procurei tratar aqui. Referências BELTRÃO, J.F. 2004. Cólera. O Flagelo da Belém do Grão-Pará. Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi/UFPA, 354 p. BERCÉ, 1985. Os soldados de Napoleão vencidos pelo tifo In: J. LE GOFF (org.), As Doenças têm História. Lisboa, Terramar, p. 161-174. BERTOLLI FILHO, C. 1998. História da Saúde Pública no Brasil. 2ª ed., São Paulo, Ática, 108 p. BRUNET, L.D. 1916.Vaccinotherapia antipyphica. Porto Alegre, Globo, 110 p. 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