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Autoras: Profa. Célia Rosenthal Zisman Profa. Elizabeth Nantes Cavalcante Colaboradoras: Profa. Priscila Zinczynszyn Profa. Angélica L. Carlini Contratos Civis e Empresariais Professoras conteudistas: Célia Rosenthal Zisman / Elizabeth Nantes Cavalcante Célia Rosenthal Zisman Advogada. Graduada em Direito (1995), mestre (2000) e doutora em Direito do Estado (2003) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora do curso de Direito da Universidade Paulista (UNIP) desde 1999, exercendo também a função de coordenação desde 2007, escreve material didático para os cursos de graduação, gestão, mediação e pós-graduação. É coordenadora do curso de Direito dos campi Pinheiros e Cidade Universitária da UNIP e autora de diversos livros e artigos jurídicos. Professora do programa de mestrado do Centro Universitário Fieo (Unifieo). Elizabeth Nantes Cavalcante Pós-doutora em Ética Robótica pela Universidade de São Paulo (USP). Doutora em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direitos Fundamentais pelo Centro Universitário Fieo (Unifieo). Especialista em Direito das Relações de Consumo pela PUC-SP. Professora do curso de pós-graduação em Direito Empresarial da Escola Paulista de Direito (EPD) e do programa de mestrado do Unifieo. Advogada e consultora jurídica. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Z81c Zisman, Célia Rosenthal. Contratos Civis e Empresariais / Célia Rosenthal Zisman, Elizabeth Nantes Cavalcante. – São Paulo: Editora Sol, 2022. 228 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Contrato. 2. Legislação. 3. Auditoria. I. Zisman, Célia Rosenthal. II. Cavalcante, Elizabeth Nantes. III. CDU 347.4 U514.92 – 22 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Sandra Miessa Reitora em Exercício Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades do Interior Unip Interativa Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Willians Calazans Jaci Albuquerque de Paula Larissa Wostog Sumário Contratos Civis e Empresariais APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................................... 11 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 12 Unidade I 1 CONTRATOS CIVIS: TEORIA GERAL ........................................................................................................... 15 1.1 Importância do contrato ................................................................................................................... 15 1.2 Conceito de contrato .......................................................................................................................... 17 1.3 Elementos constitutivos e pressupostos de validade do contrato ................................... 17 1.4 Partes no contrato ............................................................................................................................... 18 1.5 Princípios do direito contratual ...................................................................................................... 19 1.5.1 Função social do contrato ................................................................................................................... 19 1.5.2 Obrigatoriedade dos contratos ......................................................................................................... 20 1.5.3 Autonomia da vontade......................................................................................................................... 22 1.5.4 Relatividade das convenções ............................................................................................................. 23 1.5.5 Boa-fé .......................................................................................................................................................... 23 1.6 Evolução do direito contratual ....................................................................................................... 25 1.7 Classificações contratuais ................................................................................................................. 26 1.7.1 Contratos comutativos e aleatórios ................................................................................................ 27 1.7.2 Contratos unilaterais e bilaterais (sinalagmáticos) ................................................................... 28 1.7.3 Propósito da distinção de contratos unilaterais e bilaterais ................................................. 29 1.7.4 Contratos paritários e contratos de adesão ................................................................................. 32 1.7.5 Contratos onerosos e gratuitos ......................................................................................................... 34 1.7.6 Contratos consensuais e reais ........................................................................................................... 35 1.7.7 Contratos solenes e não solenes ...................................................................................................... 35 1.7.8 Contratos nominados e inominados ............................................................................................... 36 1.7.9 Contratos principais e acessórios ..................................................................................................... 36 1.7.10 Contrato de execução instantânea e de execução diferida no futuro (contratos sucessivos) ...................................................................................................................................... 37 1.7.11 Contratos preliminares e definitivos ............................................................................................. 37 1.8 Interpretação dos contratos civis .................................................................................................. 38 1.8.1 Manifestação de vontade .................................................................................................................... 40 1.8.2 Silêncio nas relações contratuais ..................................................................................................... 41 1.8.3 Formação dos contratos e as negociações preliminares ........................................................ 41 1.8.4 Proposta ...................................................................................................................................................... 42 1.8.5 Aceitação .................................................................................................................................................... 43 1.9 Lugar em que se reputa celebrado o contrato ......................................................................... 46 1.10 Contratos dependentes de instrumento público.................................................................. 46 1.11 Distrato e quitação ............................................................................................................................ 47 1.12 Estipulações em favor de terceiro ............................................................................................... 47 1.12.1 Características das estipulações em favor de terceiro .......................................................... 48 1.12.2 Disciplina da matéria pelo CC ......................................................................................................... 49 1.13 Promessa de fato de terceiro ........................................................................................................ 50 2 VÍCIOS, EVICÇÃO E ANÁLISE DE CONTRATOS ALEATÓRIOS, PRELIMINARES E REGISTRO ............................................................................................................................................................ 50 2.1 Vícios redibitórios ................................................................................................................................. 50 2.1.1 Distinção entre vício redibitório e inadimplemento contratual .......................................... 51 2.1.2 Distinção entre vício redibitório e erro essencial ....................................................................... 52 2.1.3 Fundamento jurídico do vício redibitório ..................................................................................... 53 2.1.4 Requisitos caracterizadores do vício redibitório ........................................................................ 54 2.1.5 Ações para defesa contra os vícios redibitórios ......................................................................... 54 2.2 Evicção ...................................................................................................................................................... 55 2.2.1 Condições para configurar responsabilidade pela evicção .................................................... 56 2.2.2 Reforço, redução e exclusão da responsabilidade pela evicção .......................................... 57 2.2.3 Montante da prestação devida ao evicto ..................................................................................... 58 2.2.4 Evicção parcial ......................................................................................................................................... 58 2.3 Contrato com pessoa a declarar .................................................................................................... 59 2.4 Contratos aleatórios ............................................................................................................................ 60 2.4.1 Vendas aleatórias .................................................................................................................................... 61 2.5 Contrato preliminar e sua execução específica ....................................................................... 62 2.5.1 Regras sobre contrato preliminar e registro ................................................................................ 63 2.5.2 Registro do compromisso de compra e venda de bem imóvel ............................................ 63 2.6 Extinção dos contratos....................................................................................................................... 64 Unidade II 3 VENDA, PERMUTA E DOAÇÃO .................................................................................................................... 72 3.1 Compra e venda .................................................................................................................................... 72 3.2 Elementos da compra e venda ........................................................................................................ 73 3.2.1 Consensus (consentimento) ............................................................................................................... 73 3.2.2 Pretium (preço) ........................................................................................................................................ 73 3.2.3 Res (coisa) .................................................................................................................................................. 74 3.3 Obrigações das partes na compra e venda ................................................................................ 74 3.4 Despesas do contrato ......................................................................................................................... 75 3.5 Tradição .................................................................................................................................................... 75 3.6 Cumprimento do contrato ............................................................................................................... 75 3.7 Legitimação ............................................................................................................................................ 76 3.8 Venda a descendente .......................................................................................................................... 77 3.8.1 Anuência e ação anulatória ................................................................................................................ 78 3.9 Falta de legitimação de representantes legais e pessoas com interesses conflitantes ............................................................................................................................... 78 3.9.1 Legitimação do condômino de coisa indivisível......................................................................... 79 3.10 Regras especiais sobre algumas modalidades de venda .................................................... 79 3.10.1 Venda por amostra ............................................................................................................................... 79 3.10.2 Venda ad corpus e ad mensuram .................................................................................................. 80 3.10.3 Vendas de coisas conjuntas .............................................................................................................. 81 3.11 Cláusulas especiais da compra e venda .................................................................................... 82 3.11.1 Retrovenda .............................................................................................................................................. 82 3.11.2 Venda a contento ou sujeita a prova ............................................................................................ 83 3.11.3 Preempção ou preferência ................................................................................................................ 84 3.11.4 Venda com reserva de domínio ....................................................................................................... 85 3.11.5 Venda sobre documentos .................................................................................................................. 86 3.12 Troca ........................................................................................................................................................ 86 3.12.1 Permuta de valores desiguais .......................................................................................................... 87 3.13 Doação ................................................................................................................................................... 88 3.13.1 Características da doação ................................................................................................................. 88 3.13.2 Aceitação ................................................................................................................................................. 88 3.13.3Espécies de aceitação ......................................................................................................................... 89 3.14 Forma da doação ............................................................................................................................... 89 3.15 Espécies de doação ........................................................................................................................... 90 3.16 Outros tipos de doação previstos em lei .................................................................................. 91 3.17 Restrições à liberdade de doar ..................................................................................................... 91 3.18 Promessa de doação ......................................................................................................................... 93 3.19 Extinção da doação ........................................................................................................................... 93 3.19.1 Por motivos comuns a todos os contratos ................................................................................ 94 3.19.2 Por ser resolúvel o negócio .............................................................................................................. 94 3.19.3 Por descumprimento do encargo .................................................................................................. 94 3.19.4 Por ingratidão do donatário ............................................................................................................ 94 4 LOCAÇÃO, FIANÇA, ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA, TRANSAÇÃO E ARBITRAGEM ........................... 97 4.1 Locação ..................................................................................................................................................... 97 4.2 Conceito e natureza jurídica da locação .................................................................................... 97 4.3 Obrigações do locador........................................................................................................................ 99 4.4 Obrigações do locatário ...................................................................................................................100 4.5 Termo final da locação .....................................................................................................................100 4.6 Direito de retenção do locatário ..................................................................................................101 4.7 Locação de imóveis ............................................................................................................................102 4.7.1 Evolução histórica da legislação sobre inquilinato .................................................................102 4.7.2 Lei n. 8.245/1991 ...................................................................................................................................105 4.7.3 Reforma da LI: Lei n. 12.112/2009 .................................................................................................107 4.8 Fiança ......................................................................................................................................................111 4.8.1 Fiança e aval ............................................................................................................................................111 4.8.2 Espécies de fiança .................................................................................................................................112 4.8.3 Natureza jurídica da fiança convencional .................................................................................. 113 4.8.4 Recusa do fiador ...................................................................................................................................114 4.8.5 Benefício de ordem .............................................................................................................................. 114 4.8.6 Solidariedade dos cofiadores ........................................................................................................... 115 4.8.7 Direitos e obrigações do fiador ....................................................................................................... 115 4.8.8 Fiança locatícia. Inovações na fiança ...........................................................................................117 4.8.9 Fiador e a purgação da mora pela Lei n. 12.112/2009 ........................................................... 117 4.8.10 Qualificação de novo fiador na renovatória e prova da idoneidade financeira do fiador, ainda que seja o antigo ............................................................................................................118 4.8.11 Extinção da fiança ..............................................................................................................................118 4.9 Alienação fiduciária em garantia .................................................................................................119 4.10 Transação .............................................................................................................................................121 4.11 Compromisso arbitral .....................................................................................................................121 Unidade III 5 CONTRATOS EMPRESARIAIS: NOÇÕES GERAIS .................................................................................129 5.1 Empresa, empresário e contratos empresariais ......................................................................129 5.1.1 Breve histórico da evolução dos contratos empresariais .................................................... 130 5.1.2 Contribuição da teoria da empresa para os contratos empresariais .............................. 134 5.1.3 Contratos empresariais e tutela constitucional ...................................................................... 139 5.1.4 Função social dos contratos empresariais ................................................................................. 144 5.1.5 Equilíbrio das partes nos contratos empresariais ................................................................... 147 5.1.6 Função econômica dos contratos empresariais ...................................................................... 149 5.2 Contratos empresariais: definição ...............................................................................................150 5.2.1 Classificação dos contratos empresariais................................................................................... 150 6 CONTRATOS EMPRESARIAIS: LIVRE-INICIATIVA, INTERPRETAÇÃO E FORMAÇÃO ..............155 6.1 Contratos empresariais e livre-iniciativa ..................................................................................155 6.1.1 Contratos empresariais e responsabilidade dos empresários ............................................ 157 6.1.2 Impactos concorrenciais nos contratos empresariais ........................................................... 158 6.1.3 Contratos empresariais e concorrência desleal ....................................................................... 160 6.2 Análise econômica dos contratos empresariais .....................................................................167 6.3 Racionalidade econômica dos contratos empresariais .......................................................170 6.4 Interpretação dos contratos empresariais ...............................................................................171 6.5 Formação dos contratos empresariais .......................................................................................172 6.5.1 Cláusulas contratuais ......................................................................................................................... 173 6.5.2 Diretrizes elementares dos contratos empresariais ...............................................................173 Unidade IV 7 GESTÃO DE CONTRATOS EMPRESARIAIS .............................................................................................181 7.1 Gestão de riscos contratuais .........................................................................................................181 7.1.1 Alocação de riscos nos contratos empresariais ........................................................................181 7.1.2 Avaliação de riscos nos contratos empresariais ...................................................................... 185 7.2 Fases contratuais na análise de riscos .......................................................................................190 7.2.1 Fase pré-contratual ............................................................................................................................. 190 7.2.2 Fechamento e assinatura do contrato ........................................................................................ 192 7.2.3 Fase de execução ................................................................................................................................. 192 7.2.4 Monitoramento dos contratos empresariais ............................................................................ 193 7.3 Gerenciamento e auditoria nos contratos empresariais ....................................................195 7.3.1 Auditoria interna .................................................................................................................................. 196 7.3.2 Auditoria externa ................................................................................................................................. 197 7.3.3 Auditoria contratual ........................................................................................................................... 197 8 PARCERIA, COLABORAÇÃO, FORNECIMENTO, TERCEIRIZAÇÃO E LICENCIAMENTO DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL ....................................................................................................................198 8.1 Contratos de parceria .......................................................................................................................198 8.1.1 Natureza jurídica .................................................................................................................................. 198 8.1.2 Características ....................................................................................................................................... 198 8.1.3 Formalização .......................................................................................................................................... 199 8.2 Contratos de colaboração ...............................................................................................................200 8.2.1 Principais características................................................................................................................... 200 8.2.2 Tomada de decisão ...............................................................................................................................201 8.2.3 Inadimplemento ....................................................................................................................................201 8.3 Terceirização .........................................................................................................................................202 8.3.1 Regime de contratação temporária ............................................................................................. 204 8.3.2 Relações jurídicas na terceirização ............................................................................................... 205 8.4 Contrato de fornecimento ..............................................................................................................207 8.4.1 Natureza jurídica .................................................................................................................................. 208 8.4.2 Principais características................................................................................................................... 208 8.4.3 Prazo ......................................................................................................................................................... 209 8.5 Licenciamento de propriedade industrial .................................................................................210 8.5.1 Cessão ........................................................................................................................................................210 8.5.2 Natureza jurídica do licenciamento de propriedade industrial ......................................... 211 8.5.3 Licença e averbação .............................................................................................................................212 11 APRESENTAÇÃO Esta disciplina tem por objetivo lançar o desafio de proporcionar ao estudante o conhecimento qualitativo sobre matéria contratual. Este livro-texto tem como abordagem inicial a teoria geral dos contratos civis, sua formação e extinção, além dos contratos civis em espécie. Sendo o contrato um instrumento jurídico de circulação de riqueza, que atribui importância aos negócios jurídicos, parte do estudo desta disciplina se relaciona com a compreensão dos requisitos de validade dos contratos civis, dos seus elementos constitutivos e dos contratos em espécie. Com relação aos contratos empresariais, esta disciplina aborda, além da teoria geral, da interpretação e da gestão de contratos, os contratos associativos e os negócios jurídicos empresariais. Os contratos empresariais demandam, além da análise jurídica e econômica, questões de gerenciamento, identificação dos riscos, custos envolvidos, prazos e acompanhamento do cronograma de execução. Cabe ao profissional registrar e compreender a relevância dos contratos como expedientes geradores de obrigações na vida em sociedade, notadamente com relação à vida profissional; daí a relevância do estudo sobre a função e a interpretação dos contratos civis e empresariais, tendo em vista que se espera do profissional que identifique as características e peculiaridades desses dois tipos de contrato e saiba interpretar e gerenciar prazos, notadamente com relação aos cronogramas de execução dos contratos empresariais. Para isso, o conteúdo desenvolvido privilegia a análise dos elementos contratuais no segmento prático civil e empresarial, tais como: objeto, formalização, condições de pagamento, prazos, multas contratuais, condições de rescisão, inadimplemento, tomadas de decisão etc., elementos imprescindíveis para o profissional atuar na esfera de contratos. A disciplina, além de promover o estudo e a compreensão dos contratos desde sua formação, passando pela interpretação e gestão, visa promover a compreensão e o desenvolvimento da visão crítica sobre as consequências jurídicas advindas das obrigações contratuais, tanto na seara jurídica contratual civil quanto no segmento dos contratos empresariais. Com relação aos contratos empresariais, o enfoque é a interpretação e a gestão dos contratos do tipo associativo e dos modelos de negócio, com ênfase nos contratos de parceria, colaboração, terceirização, fornecimento e licenciamento de propriedade industrial. 12 INTRODUÇÃO Desde os primórdios da humanidade, os contratos são parte da vida cotidiana. A evolução da sociedade, para uma maior segurança jurídica, fez surgir a formalização da vontade por meio do contrato. De certa forma, o contrato, ao formalizar o exercício da vontade humana, tornou-se importante instrumento jurídico de pacificação social. Nesse sentido, os contratos estabelecem regras e consequências jurídicas, evitando transtornos quanto ao conhecimento das obrigações e dos direitos envolvidos nas relações negociais. De fato, a importância do contrato é estabelecer direitos e deveres entre as partesenvolvidas, portanto se apresenta como instrumento capaz de dirimir conflitos e promover consensos. Entretanto, na prática nem sempre é assim. Se, por exemplo, resolvermos adquirir um imóvel de uma outra pessoa e acordarmos com essa pessoa sobre preço e outras avenças, e, assim, assinarmos o contrato de compra e venda, estaremos adstritos às cláusulas que foram convencionadas e dispostas no contrato. Se quisermos realizar um trabalho de pintura em nossa residência e contratarmos uma empresa para executar a obra, estaremos diante de uma prestação de serviço, portanto, diante de um negócio jurídico. Nas tratativas sobre a consecução do trabalho a ser realizado pela contratada, estarão presentes os interesses das partes, constituindo, modificando ou solvendo os vínculos jurídicos. Nesse sentido, o avanço do direito, na esfera contratual, fez surgir a adequação do conhecimento dos contratos, nas suas mais diversas modalidades, à realidade que se apresenta. Dessa forma, para melhor situar o estudante no estudo da disciplina, optou-se por dividir didaticamente este livro- texto em duas partes: uma parte relacionada aos contratos civis, na qual se discorre sobre a teoria geral dos contratos civis, e uma segunda parte, na qual estudaremos os contratos empresariais, no âmbito econômico. A unidade I tratará da importância do contrato e das noções gerais que o permeiam. Essa primeira unidade é de especial importância para compreender que o contrato é a fonte mais comum das obrigações e a mais utilizada na vida civil. Nessa unidade, o estudante poderá verificar que os contratos figuram como um dos instrumentos mais importantes para realização de negócios jurídicos, pois por meio deles as pessoas compõem seus interesses e concluem suas aspirações civis e econômicas. Esse conhecimento subsidiará a compreensão do aprendizado do conteúdo das unidades III e IV. A unidade II tratará das peculiaridades inerentes aos contratos civis, bem como das modalidades desse tipo de contrato. Para construir um conhecimento qualitativo, serão apresentados elementos e requisitos pertinentes aos vícios contratuais, à extinção e à resolução do contrato. Assim, por exemplo, se, ao comprar um imóvel, o adquirente não conseguir adimplir com as obrigações, poderá pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas? Trata-se de rescisão ou resilição contratual? Essas e outras questões serão estudadas de forma a considerar suas especificidades. 13 No estudo sobre contratos empresariais (unidade III), o estudante terá oportunidade de conhecer sobre as características dos contratos empresariais e sua maior sujeição aos usos e costumes, diferentemente do que acontece com os contratos civis. Além disso, os contratos empresariais vinculam-se de forma indissociável às normas constitucionais, uma vez que decorrem do liame econômico estatuído pela ordem econômica estabelecida pela Constituição Federal (CF). Nessa unidade, portanto, promove-se a abordagem sobre a análise econômica dos contratos a fim de alcançar a realidade normativa dos contratos empresariais, já que esse tipo de contrato materializa os direitos e interesses dos agentes de mercado. A relevância de abordar esse tema do ponto de vista econômico é devido ao lastro civil-constitucional vinculado à função social e econômica dos contratos empresariais. Veremos nessa unidade que, na interpretação dos contratos, é preciso observar a liberdade da concorrência e a proteção não só da liberdade individual, mas também da concorrência, tendo em vista que na relação contratual empresarial imprimem-se direitos e interesses econômicos dos agentes de mercado. Assim ocorre, por exemplo, com a exclusividade de contratar, na qual se restringe, por contrato, a parte de realizar negócios jurídicos empresariais com terceiros. Ora, quem exige exclusividade, no âmbito econômico, não quer dividir mercado. Por implicar restrição de liberdade do agente econômico, que não permite que ele possa contratar com terceiros, essa prática limita a liberdade do contratante e de terceiros. Dessa forma, a análise do caso concreto poderá identificar se há abusividade ou não nesse tipo de prática aceita no mercado. Esses e outros exemplos serão abordados no decorrer deste livro-texto, a fim de contextualizar e situar o estudante na realidade contratual empresarial, de forma a possibilitar um conhecimento aprofundado da matéria sobre contratos no segmento econômico. A unidade IV abordará a gestão de contratos empresariais, com vistas a identificar e analisar as atividades associadas aos riscos contratuais, gerenciamento e auditoria dos contratos empresariais. Ainda nessa unidade, o estudante terá oportunidade de conhecer sobre os contratos de parceria e de colaboração comercial, os contratos de fornecimento, a terceirização e o contrato de licenciamento de propriedade industrial, de forma a compreender a especial relevância desses contratos e suas especificidades no cenário econômico. Bom estudo! 15 CONTRATOS CIVIS E EMPRESARIAIS Unidade I 1 CONTRATOS CIVIS: TEORIA GERAL 1.1 Importância do contrato O contrato é fonte de obrigações, assim como o ato ilícito, a própria lei e a declaração unilateral de vontade. Figura 1 – Contrato como fonte de obrigações Disponível em: https://bit.ly/3jPjKWL. Acesso em: 9 dez. 2021. Machado de Assis (s.d.) já dizia que nossa vida é cheia de obrigações: “A vida é cheia de obrigações que a gente cumpre, por mais vontade que tenha de as infringir deslavadamente”. Todos os dias nos envolvemos em obrigações, tais como: • entregar um documento a alguém; • não construir um muro elevado a certa altura; • pagar determinada quantia. Esses são alguns exemplos de obrigações, assumidas de forma voluntária ou não. 16 Unidade I Considerando que as relações contratuais geram obrigações, examinar um contrato é tratar de obrigações que emanam diretamente do querer humano. Os contratos e as declarações unilaterais da vontade geram obrigações que vinculam as pessoas que se manifestam validamente, realizando o negócio jurídico. A lei confere validade e força obrigatória às manifestações de vontade que preenchem os requisitos previstos no ordenamento jurídico. Pode-se afirmar que os declarantes têm a lei como instrumento para o alcance dos objetivos que almejam. Dessa forma, verifica-se que a vontade é uma das fontes de obrigação, que se manifesta em negócios jurídicos unilaterais ou bilaterais. Os contratos, por sua vez, são negócios jurídicos bilaterais. Note que a fonte de obrigações imediata é a vontade, mas indiretamente é a lei que determina que sejam cumpridos os contratos. Observação Vontade, lei e ato ilícito são fontes diretas (imediatas) de obrigação. A fonte indireta (mediata) é sempre a lei. Os contratos são importantes para a sociedade porque constituem veículos de circulação de riqueza, de bens. Os bens são úteis e raros, essenciais ao trabalho, ao lazer, à moradia, à alimentação, ao estudo. Por não ser autossuficiente, como era o caçador-coletor nos primórdios da humanidade, a pessoa precisa manter relacionamentos interindividuais para alcançar os bens necessários para a subsistência e o desenvolvimento. Os contratos cumprem esse papel, por exemplo, a compra e venda, a troca, a locação, a prestação de serviços. O cumprimento dos contratos confere segurança à sociedade, de modo que o Estado deve cuidar para que as obrigações sejam efetivamente cumpridas. A lei proporciona segurança jurídica ao determinar que há sanções para o inadimplemento contratual. Assim, as partes se sentem motivadas e firmam contratos que atendem aos interesses sociais, cientes e certas de que o pacto será cumprido. Problematizando a questão, imagine um contrato de locação elaborado por três anos, que contenha uma cláusula de multa no valor de 3 mil reais, caso a obrigação seja descumprida pelo inquilino. Na hipótese de a obrigação ter sido descumprida, o locador tem o direito de cobrar a multa do inquilino, comredução proporcional da multa caso tenha havido o cumprimento parcial. Agora, imaginemos uma situação diferente: nesse mesmo contexto, suponha que o inquilino não efetue o pagamento do aluguel. Tal situação poderá acarretar o despejo do inquilino com a consequente rescisão contratual. 17 CONTRATOS CIVIS E EMPRESARIAIS 1.2 Conceito de contrato Ao se afirmar que o contrato é um negócio jurídico bilateral, tem-se que o contrato é espécie de fato jurídico, decorrente da atividade humana, portanto lícito, em conformidade com a lei e capaz de criar, modificar, transferir ou extinguir direitos. O contrato envolve ao menos dois centros de interesse. Marcelo de Oliveira Milagres (2020) destaca a complexidade da definição de contrato, somando à questão da manifestação de vontade as preocupações sociais. Vimos que o contrato envolve ao menos dois centros de interesse, portanto podemos dizer que o contrato depende de ao menos dois consentimentos, que normalmente são antagônicos e se harmonizam através da relação contratual. Por exemplo: na compra e venda, um dos contratantes quer alienar o bem; o outro quer o contrário, adquiri-lo. Os interesses estão caracterizados pela vontade de alienar e a vontade de adquirir, tendo em vista que materializam vontades conflitantes que se juntam aperfeiçoando o negócio jurídico. Veja que o contrato não se restringe às relações civis ou empresariais. É bem mais abrangente. Estende-se a outros ramos do direito privado, além do direito patrimonial, civil, das obrigações (direito empresarial, trabalhista), e ao direito público. 1.3 Elementos constitutivos e pressupostos de validade do contrato Os elementos constitutivos e pressupostos de validade do contrato são os mesmos do negócio jurídico, pois vimos que o contrato é negócio jurídico bilateral. Os elementos constitutivos do contrato não estão previstos em lei, são estabelecidos pela doutrina e pela jurisprudência. Esses elementos são pressupostos essenciais, pois a falta deles acarreta a consequência da declaração de ato inexistente. A lei não menciona o ato inexistente, restringindo-se à nulidade absoluta ou relativa do negócio jurídico. Mas a ausência de elemento constitutivo leva a doutrina e a jurisprudência à defesa da tese de ato inexistente, que pode assim ser declarado de ofício pelo juiz, em ação de qualquer natureza. Vejamos agora os elementos constitutivos do contrato (e dos demais negócios jurídicos): Idoneidade do objeto Declaração (exteriorização da vontade) Vontade Figura 2 – Elementos constitutivos do contrato Todo contrato deve obedecer aos pressupostos de validade que estão estabelecidos no art. 104 do Código Civil (CC): 18 Unidade I Obediência à forma (quando prescrita em lei) Objeto (lícito, possível, determinado ou determinável) Partes capazes Figura 3 – Pressupostos de validade do contrato A falta de um pressuposto de validade leva à nulidade absoluta do contrato. A única hipótese de nulidade relativa em caso de falta de requisito de validade é a situação de incapacidade relativa do agente – se um dos contratantes é relativamente incapaz, o contrato não é nulo, mas anulável. Como exemplo de objeto ilícito, a lei proíbe contratos sobre herança de pessoa viva: “Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva” (BRASIL, 2002). A lei é cogente, pois evita os pacta corvina, negócios que criam anseio pela morte de outra pessoa (votum alicujus mortis). Além disso, a sucessão de pessoa viva é perspectiva futura e distante de um bem, e o herdeiro, por necessidade, tende a depreciar o que está por vir e alienar seus direitos futuros, por preço inferior, desde que receba imediatamente o valor. A lei protege também o herdeiro, impedindo os negócios sobre a herança de pessoa viva. O herdeiro não pode renunciar à herança de pessoa viva, nem negociar com um terceiro a parte que está por vir. 1.4 Partes no contrato Em toda relação contratual existem dois polos. Veja no caso da compra e venda: num polo está o vendedor; e no outro polo, o comprador. Nota-se que pode haver mais de uma pessoa em cada polo, por exemplo, o caso de vários vendedores ou vários compradores, mas ainda assim há dois polos, duas partes, que chamamos de partes complexas: somente há dois interesses em jogo – o de comprar e o de vender. Cada grupo constitui uma só parte, um centro de interesses determinados. Todavia, há casos em que não há posições antagônicas, como no contrato de sociedade: aqui, os interesses das partes são paralelos – as partes se obrigam mutuamente a combinar seus esforços ou recursos para alcançar um fim comum. Nesse caso, há mais de duas partes, mais de dois centros de interesse, pois cada sócio é um centro de interesse. Deve haver sempre mais de uma parte. No contrato consigo mesmo, em que há um só declarante, há duas partes, uma em face da outra, e há o encontro e a coincidência das manifestações volitivas: um só indivíduo atua simultaneamente em seu próprio nome e no de outrem – é o indivíduo que, como procurador de terceiro, vende a si mesmo certa coisa (é um só indivíduo com duas qualidades jurídicas diferentes). Tal negócio (contrato consigo mesmo) é admitido no caso da venda feita a si próprio pelo mandatário em causa própria (procuração in rem suam). 19 CONTRATOS CIVIS E EMPRESARIAIS Observação No Brasil, admite-se a venda feita diretamente pelo mandante ao mandatário. É anulável essa venda caso haja violação de interesse do mandante. 1.5 Princípios do direito contratual 1.5.1 Função social do contrato O art. 421 do CC estabelece que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Como corolário disso, há a tentativa de manter o contrato, com o entendimento de que sua anulação é prejudicial não somente para as partes, mas também para terceiros, investidores e toda a sociedade. Respeitar a função social do contrato é compreender que o mecanismo contratual para a circulação de bens é essencial e não pode ser fraca a argumentação para a desconstituição do contrato, o que afeta toda a sociedade. Saiba que o contrato exerce uma função e é o centro da vida dos negócios. É o instrumento que harmoniza interesses não coincidentes. Decorre da vontade e se aperfeiçoa quando, através da transigência de cada um, os contratantes alcançam um acordo satisfatório para ambos. Assim, a instituição jurídica do contrato é reflexo da instituição jurídica da propriedade – o contrato é veículo da circulação da riqueza, e só existe, como instituição pura de direito privado, em regimes que admitem a propriedade individual (se não se admitisse a propriedade privada, esta não poderia circular e o contrato não teria função prática). Note que o extraordinário desenvolvimento do comércio só foi possível com o aperfeiçoamento do contrato, instrumento para a circulação dos bens. O direito contratual foi um dos instrumentos mais eficazes da expansão capitalista em sua primeira etapa. O direito contratual do início do século XIX forneceu os meios mais simples e seguros de dar eficácia jurídica a todas as combinações de interesse, eliminou o formalismo e aumentou a segurança das transações, abriu espaço à lei da oferta e da procura, com as restrições legais à liberdade de estipular. Entretanto, um dos problemas inerentes ao contrato é o do inadimplemento contratual. Suponha que o contrato tenha sido parcialmente cumprido, contudo houve o inadimplemento de uma parcela reputada como ínfima. Veja que, no caso em tela, o contrato foi quase cumprido em sua totalidade, restando apenas uma parcela, diante da totalidade adimplida. Nesse caso, o contrato foi cumprido quase integralmente. Assim, a melhor interpretação é conjugar os princípios gerais do contrato, como a boa-fé objetiva e a função social dos contratos, como corolários do dever geral de cooperação entre os contratantes, que impedem, segundo a doutrina e jurisprudência, a resolução e a consequente extinção do contratopor inadimplemento. 20 Unidade I Observação Sobre a chamada teoria do adimplemento substancial, veja o Enunciado n. 361 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF): “O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475”. 1.5.2 Obrigatoriedade dos contratos Uma vez ultimado, o contrato liga as partes contratantes, estabelecendo entre elas um vínculo obrigacional. Figura 4 – Contratantes e vínculo obrigacional por meio do acordo Disponível em: https://bit.ly/3blFdSD. Acesso em: 9 dez. 2021. Convenções legalmente firmadas fazem lei entre as partes. Só pode o contrato ser desfeito por concordância de todos os interessados. E o descumprimento da avença sujeita o inadimplente à reparação das perdas e danos (CC, art. 389). No estudo da teoria dos contratos, é importante compreender que a obrigatoriedade existe pelo dever de veracidade – o homem deve manter-se fiel às suas promessas, em virtude da lei natural de dizer a verdade. Pode o homem calar-se ou falar, mas, se fala – e, falando, promete –, a lei o constringe a cumprir tal promessa. 21 CONTRATOS CIVIS E EMPRESARIAIS Lembrete As partes aceitam livremente o conteúdo do contrato e, assim, a limitação de suas respectivas vontades que dele deriva. Surge, ademais, a confiança suscitada por cada contratante no outro, em virtude da promessa feita. Note que a obrigatoriedade do contrato decorre também de preocupação de ordem geral, para atender à necessidade de segurança. O problema não é individual, particular, e sim social. Quem se compromete através da manifestação da vontade a dar, fazer ou não fazer algo cria uma expectativa no meio social que a ordem jurídica deve garantir. O propósito de se obrigar, restringindo espontaneamente a liberdade individual, provoca consequências que afetam o equilíbrio da sociedade. Então, a lei, para defender a harmonia das relações entre as pessoas, cria elementos compulsórios do adimplemento. Veja que, se não houver cumprimento, não circulam mercadoria e serviço, e sobrecarrega-se o Judiciário. As pessoas ficam com medo de prestar serviços e vender mercadorias, não contratam, temendo o inadimplemento, a economia enfraquece etc. Exemplo de aplicação Imagine a seguinte hipótese: o indivíduo tem receio de alugar seu imóvel pelo risco alto de descumprimento contratual; como consequência, sendo pequena a oferta de imóveis e grande a procura por eles, o preço dos alugueres aumenta desproporcionalmente, resultando em demasiada inflação. Veja que o caso exemplificado acarreta consequências nas mais diversas ordens: social, econômica, política, jurídica. A lei que torna obrigatório o cumprimento do contrato compele quem se vinculou livremente a manter sua promessa, procurando assegurar as relações estabelecidas. O contrato, portanto, se aperfeiçoa pela coincidência de duas ou mais manifestações unilaterais da vontade. Se tais manifestações se externarem livre e conscientemente, obedecendo à lei, a própria lei as faz obrigatórias, impondo a reparação das perdas e danos em caso de inadimplemento, como vimos. O contrato é lei privada, com sanção que emana da própria lei: a possibilidade de execução patrimonial do devedor. Outros meios ainda em discussão são previstos, por exemplo, a cassação da carteira nacional de habilitação (CNH) ou a suspensão do passaporte para compelir o devedor ao adimplemento contratual. Vejamos um caso real: em 2019, num agravo de instrumento (AI), o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) entendeu pela impossibilidade do pedido de suspensão da CNH e a apreensão de passaporte dos devedores, afirmando que a medida não se coaduna com o princípio da responsabilidade 22 Unidade I patrimonial. O egrégio Tribunal assentiu com a tendência jurisprudencial de que a execução deve reger-se pelo princípio da menor onerosidade do devedor. No caso em questão, a execução foi feita por quantia certa e o credor intentou impor restrições pessoais contra os devedores, com pedido de retenção de documentos pessoais. Essa medida foi rejeitada pelo Tribunal, que a entendeu como violação de direitos constitucionais dos devedores e do próprio contrato, que prevê medidas coercitivas de ordem patrimonial, e não de ordem pessoal. Saiba mais Acesse o site a seguir: Disponível em: https://bit.ly/3dD1HQ5. Acesso em: 9 dez. 2021. 1.5.3 Autonomia da vontade A autonomia da vontade é prerrogativa conferida aos indivíduos de criarem relações na órbita do direito, desde que respeitem a lei e que seus fins coincidam com o interesse geral, ou não o contradigam (a lei não apoia a autonomia privada para a consecução de qualquer fim). Assim, qualquer pessoa capaz pode manifestar sua vontade para, tendo objeto lícito, criar relações a que a lei empresta validade. As partes têm liberdade, por lei, para escolher qualquer tipo de contrato, nominado ou atípico, podendo ainda combinar várias espécies de contrato, para regular eventual conflito entre seus interesses. O princípio da autonomia da vontade se desdobra em dois outros: o princípio da liberdade de contratar ou não contratar; e o princípio da liberdade de contratar aquilo que entender. Pelo princípio da autonomia da vontade ninguém é obrigado a se ligar contratualmente, mas somente se assim o desejar. E mais: qualquer pessoa capaz pode recorrer a qualquer procedimento lícito para alcançar um efeito jurídico almejado. Importante ressaltar que a ordem pública limita a liberdade de contratar (SANTIAGO, 2021). Quando o interesse individual conflita com o pessoal, prevalece o social (da sociedade). Observação A ordem pública é de difícil conceituação. É o conjunto de interesses jurídicos e morais que a sociedade deve preservar. Por isso, os princípios de ordem pública não devem ser alterados por convenção entre particulares. Interesses particulares não podem contrariar leis que interessam à sociedade. 23 CONTRATOS CIVIS E EMPRESARIAIS Note que as partes, por contrato, só podem revogar normas dispositivas (facultativas, interpretativas, supletivas), mas nunca normas cogentes (de ordem pública). Por exemplo, as partes podem escolher o local de pagamento no contrato, porque a lei que define o local do pagamento aceita disposição em sentido contrário, é supletiva. Mas não podem as partes estabelecer cláusula abusiva que viole norma de ordem pública, aquela que não admite disposição em sentido contrário. Normas que tratam da família, que protegem crianças e adolescentes etc. são cogentes. A vida social se alicerça em princípios gerais que não podem ser afastados por ajuste entre os jurisdicionados, sob pena de ameaça à estrutura da sociedade. Além de se limitar pela ordem pública, o princípio da autonomia da vontade esbarra nos bons costumes, regras morais não escritas, mas aceitas pelo grupo social e que inspiram o sistema jurídico. Lembrete Ordem pública e bons costumes limitam a liberdade individual em matéria de contrato. 1.5.4 Relatividade das convenções Os efeitos dos contratos só se manifestam entre as partes, via de regra não trazem nem vantagens, nem prejuízos a terceiros. Observação Sucessores não são terceiros em relação às partes contratantes. Se a obrigação não é personalíssima, vincula as partes e seus herdeiros. Vimos que o contrato emana da vontade. O terceiro que não se manifestou não se vincula – nem por vontade, nem por força de lei. Tal princípio é fator de segurança, pois garante que ninguém se prende à convenção, a menos que haja determinação legal ou manifestação de vontade da própria pessoa. Veremos adiante que esse princípio, como os demais, atenuou-se em razão de terceiros que sofrem impactos de contratos realizados, por serem investidores, por assumirem ulteriormente alguma obrigação ou, ainda, por receberem algumas de suas vantagens (como na estipulação em favor de terceiro). 1.5.5Boa-fé A boa-fé é um conceito ético: todos devem proceder com correção, dignidade, honestidade, boa intenção, com o propósito de ninguém prejudicar. Na expressão bona fides, fides corresponde a honestidade, confiança, sinceridade, que deve ser usada pelo homem nas relações contratuais. 24 Unidade I Observação As várias legislações tratam da boa-fé objetiva: lealdade, dever de lealdade imposto genericamente aos homens; e da boa-fé subjetiva: crença, persuasão, convencimento de que se está agindo corretamente. Figura 5 – Convenções legalmente formadas fazem lei entre as partes e devem ser executadas de boa-fé Disponível em: https://bit.ly/3pE0FsV. Acesso em: 9 dez. 2021. O CC de 1916 não continha o preceito previsto que atualmente consta do art. 422 do CC de 2002, mas trazia, em vários dispositivos, a interferência da boa-fé subjetiva (posição psicológica de crença e convencimento da excelência do direito) na relação jurídica. São exemplos de regras existentes desde o CC de 1916 as que seguem. O pagamento só vale feito ao credor ou seu representante, mas vale também feito de boa-fé ao credor putativo, mesmo que se prove depois que ele não era o credor. É o caso do devedor que paga ao irmão gêmeo do credor. Não se podem casar as pessoas já casadas, e por isso é nulo o casamento do bígamo, mas se o casamento foi contraído de boa-fé, por ambos os cônjuges, produz todos os efeitos em relação a estes e aos filhos. Exemplo: ambos pensaram que havia saído a averbação do divórcio, mas ainda não havia. Note que toda a teoria da aparência é baseada no princípio da boa-fé. Valem os atos praticados pelo herdeiro aparente, caso o negócio seja oneroso e estejam os adquirentes de boa-fé. Exemplo: locatário ou comprador que paga o preço à viúva, julgando-a herdeira por não saber de filho havido fora do casamento. Os frutos colhidos pertencem ao proprietário, que pode usar, gozar e fruir do bem de que é titular, mas o possuidor de boa-fé tem direito aos frutos colhidos. A lei define a posse de boa-fé e de má-fé conforme a posição psicológica do possuidor. 25 CONTRATOS CIVIS E EMPRESARIAIS O CC expressa o princípio da boa-fé que informa todo o campo do contrato: “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé” (BRASIL, 2002). A interpretação doutrinária e jurisprudencial estende o princípio para a aplicação após a conclusão do contrato. É o caso do dever de guardar sigilo e da discrição sobre as partes e os detalhes da contratação. Veremos nas unidades que tratam dos contratos empresariais que esse dever é dimensionado nos contratos empresariais. 1.6 Evolução do direito contratual Com a evolução do direito contratual, no século XX, dois princípios se tornaram menos rígidos: o princípio da autonomia da vontade e o da obrigatoriedade dos contratos. Isso porque surgem novos anseios e preocupações, não atendidos no auge do capitalismo. O princípio da autonomia da vontade se atenua pela supremacia da ordem pública – o sistema contratual é flexível, tolera a intervenção do Estado, que diminui a autonomia da vontade, criando leis de ordem pública (cogentes), para alcançar a igualdade entre os contratantes. O fato é que as partes não estão, na maioria das vezes, em pé de igualdade, capazes de aceitar ou rejeitar os termos do contrato. A igualdade no contrato é puramente teórica. O contratante mais fraco tem necessidade de contratar (o segurado, aquele que vai pedir um empréstimo, um financiamento etc.), e o contratante mais forte leva vantagem no negócio, ditando as condições do ajuste. O contratante mais forte impõe as cláusulas e o mais fraco a elas se submete, como ocorre nos contratos de adesão. Dessa forma, o legislador se viu na necessidade de intervir no contrato, para sanar as desigualdades existentes. Assim, o legislador (Estado) interfere no sistema contratual, criando normas de ordem pública para limitar a autonomia da vontade – normas que não são suscetíveis de modificações pelos contratantes, particulares. Exemplo: Código de Defesa do Consumidor (CDC), leis sobre planos de saúde, nos contratos de mútuo, leis do inquilinato etc. As leis cogentes (leis de ordem pública) existem em menor número e não podem ser modificadas por convenção entre particulares. Se o juiz tem mais liberdade para decidir sobre a cogência ou não de uma lei, ampliam-se as restrições à autonomia da vontade. O juiz tem um instrumento jurídico para restringir a liberdade dos contratantes. A autonomia da vontade encontra maior restrição quando a lei não disciplina somente o conteúdo, mas também obriga uma das partes a contratar. Exemplo: o proprietário deve alugar o prédio desocupado (ação renovatória de locação). Veja que a evolução também limita o princípio da obrigatoriedade dos contratos. Antes, o contrato vinculava as partes e só se desfazia por distrato ou impossibilidade da prestação, por caso fortuito ou força maior. Hoje, temos a teoria da imprevisão, de que trataremos adiante, para proteger uma das partes diante de fato superveniente que possa onerar excessivamente um dos contratantes. 26 Unidade I Com isso, o devedor se libera da prestação antes que ela se torne impossível – basta que fatos extraordinários e imprevisíveis tornem a prestação excessivamente onerosa. Nessas hipóteses, poderá o prejudicado pedir a rescisão do negócio. Essas regras estão nos arts. 478 a 480 do CC. Vejamos a seguinte situação: num contrato de prestação sucessiva ou futura, uma das partes sofre excessivo agravamento em sua posição contratual. Nesse caso, poderá pedir a resolução do contrato? A menos que o agravamento faça parte da álea natural do contrato, é possível. A outra parte, porém, poderá evitar a resolução do contrato, oferecendo a modificação equitativa das condições contratuais. O CDC (art. 6º, V) inovou, possibilitando a revisão do contrato pelo juiz, infirmando assim o princípio da força vinculante do contrato, reforçando a teoria da superveniência. Quer dizer: a revisão independe de ser imprevisível o fato superveniente que tornou excessivamente onerosa a prestação do consumidor. Observação Essa regra se limita às relações de consumo, mas o conceito de relações de consumo é amplo. Assim, é possível constatar que o contrato evolui, atenuando princípios básicos em favor de restrições que o fazem mais justo, diante da restauração do equilíbrio entre as partes contratantes. Saiba mais Leia o artigo a seguir: SCHREIBER, A. Princípios constitucionais versus liberdade econômica: a falsa encruzilhada do direito contratual brasileiro. Migalhas, 31 ago. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3lPBQsP. Acesso em: 9 dez. 2021. 1.7 Classificações contratuais A classificação dos contratos é o agrupamento de contratos com características comuns, para que as mesmas regras sejam aplicadas, perfazendo um regime comum a contratos com caracteres análogos, por questão de justiça. Trata-se de procedimento lógico pelo qual se estabelece um critério, para a divisão. Os contratos são classificados quanto a vários aspectos, por exemplo, como ocorre com os bens ou com as pessoas jurídicas. Por isso, cada contrato assume vários rótulos. 27 CONTRATOS CIVIS E EMPRESARIAIS Exemplo: a compra e venda é contrato oneroso, sinalagmático, comutativo, nominado, solene para imóveis cujo valor supere trinta salários mínimos, como determina o art. 108 do CC, não solene para os móveis (e para os imóveis com valor menor que trinta salários mínimos) etc. Cada rótulo implica a incidência de normas que são comuns à espécie contratual. É rara a possibilidade de vinculação de espécies, na classificação contratual. Não é correto dizer que todo contrato gratuito seja solene ou que todo contrato unilateral seja gratuito. Excepcionalmente, ocorre a vinculação. Todo contrato sinalagmático é também oneroso e bilateral. Todo contrato solene é antes nominado (mas a recíproca não é verdadeira,porque nem todo contrato nominado é solene – a maioria tem forma livre). Vejamos agora como se classificam os contratos: Quadro 1 – Classificação dos contratos Quanto à natureza Unilaterais e bilaterais Onerosos e gratuitos Comutativos e aleatórios Quanto ao modo de aperfeiçoamento Consensuais e reais Solenes e não solenes Quanto ao fato de a lei prever as regras e o nome desses contratos Nominados e inominados Quanto à posição um em relação ao outro Acessórios e principais Quanto à execução De execução instantânea e de execução diferida no futuro Quanto ao objeto Definitivos e preliminares Quanto à formação Paritários ou de adesão Essas são somente algumas das classificações utilizadas na doutrina. Iremos examinar com mais cuidado, a partir de agora, parte dessas classificações. 1.7.1 Contratos comutativos e aleatórios Os contratos bilaterais e onerosos podem ser comutativos ou aleatórios. Os contratos comutativos são aqueles em que as partes podem prever, no momento em que se aperfeiçoam, as prestações envolvidas, que oneram as duas partes contratantes. Por causa da previsibilidade, da ciência das prestações, é que o contrato comutativo pressupõe certa equivalência entre as prestações, de forma subjetiva, pois varia de acordo com os interesses das partes e a oportunidade, ou os gostos e desejos, mas a desproporcionalidade grave entre as prestações pode ensejar o pleito de anulação do negócio pela parte prejudicada, pelo vício da lesão. 28 Unidade I Observação É certo que todo contrato admite alguma álea, mesmo os comutativos. A incerteza do recebimento ou a oscilação do índice de correção monetária ou da moeda estrangeira quando fixada como indexador, por exemplo, são marcas da sorte dos contratos, e toda sorte pode ser boa ou má. Em contraposição aos comutativos, há os contratos aleatórios. Em nossa sociedade, o exemplo mais comum é o contrato de seguro. São aleatórios também o jogo e a aposta disciplinados no CC, lícitos por envolverem destreza física ou intelectual; as vendas aleatórias; o contrato de constituição de renda, ora em desuso etc. Aleatório é o contrato em que pelo menos uma das partes não sabe a prestação que receberá ou desconhece a quantidade da prestação, ou, ainda, sua própria existência – não sabe se haverá ou não contraprestação em troca da que fornece. No caso do seguro, o segurado conhece o valor do prêmio, mas somente receberá contraprestação se houver o sinistro, e o valor da indenização depende do tipo de sinistro. Pode ainda haver a obrigatoriedade do pagamento de franquia, em caso de sinistro. Nesse caso, nenhuma das partes sabe ao certo o montante da sua prestação, até que se esgote o prazo do contrato ou que seja extinto por outra via, como o distrato. Tal classificação é importante, pois as regras mudam conforme a espécie. Por exemplo, a evicção, que estudaremos adiante, só ocorre nos contratos comutativos. Somente os contratos comutativos podem ser anulados, no prazo de quatro anos, por lesão (vício de vontade que macula negócio jurídico bilateral, oneroso, sinalagmático e comutativo). 1.7.2 Contratos unilaterais e bilaterais (sinalagmáticos) Há que se definir com clareza o contrato, para que não se confundam expressões como negócio jurídico unilateral, contrato unilateral, negócio jurídico bilateral e contrato bilateral. Todo contrato é negócio jurídico ao menos bilateral quanto ao número de partes (por vezes tem mais de dois centros de interesse, sendo chamado de negócio jurídico plurilateral, como é o caso do contrato de sociedade). O negócio jurídico unilateral não é contrato, é mais uma espécie de vontade como fonte de obrigação, porém não envolve dois centros de interesse. No negócio jurídico unilateral, ou declaração unilateral da vontade, temos uma ou mais pessoas, mas um centro de interesse apenas, como na promessa de recompensa, na gestão de negócios e no pagamento indevido. 29 CONTRATOS CIVIS E EMPRESARIAIS Veja que o contrato é espécie de negócio jurídico, ao menos bilateral, mas pode gerar obrigações recíprocas ou somente para uma das partes. Os contratos que geram obrigações correspectivas, recíprocas, são chamados contratos bilaterais ou sinalagmáticos. Trata-se da maioria deles: compra e venda, permuta, locação etc. Já os chamados contratos unilaterais são negócios jurídicos bilaterais (dois centros de interesse, como todo contrato), mas que geram obrigações somente para uma das partes, como o comodato, o mútuo, o depósito gratuito, a doação pura, a fiança. É comum querer associar contratos unilaterais aos gratuitos, e os contratos bilaterais aos onerosos, mas rigorosamente não há vínculo entre tais rotulações. Em geral, o contrato unilateral, por gerar obrigações a somente um dos centros de interesse, é também gratuito, mas pode ocorrer onerosidade. Assim ocorre no caso do mútuo bancário, empréstimo de coisa fungível que, por ser real, gera obrigação somente para o mutuário (obrigação de restituir), sendo, portanto, unilateral, mas acarreta sacrifício patrimonial para ambas as partes, porque o mutuante transfere coisa fungível ao mutuário, e este restitui com juros. O mútuo bancário é unilateral e oneroso. A importância prática da distinção é o que mais importa nas classificações. Após a análise sobre a distinção entre contratos unilaterais e bilaterais, agora iremos examinar o propósito da diferenciação. 1.7.3 Propósito da distinção de contratos unilaterais e bilaterais No contrato bilateral, a prestação de uma parte tem como causa e razão de ser (nexo lógico) a prestação da outra parte (há reciprocidade). Veja que cada parte é ao mesmo tempo credora e devedora uma da outra, e a reciprocidade é a característica dessa espécie de negócio. Assim, o contrato bilateral (sinalagmático, com prestações correspectivas) submete-se à regra: quando uma das partes não cumpre com sua prestação, mesmo que seja por caso fortuito ou força maior, não poderá exigir do outro contratante a contraprestação, portanto o contrato se extingue. Trata-se da exceção do contrato não cumprido, prevista no art. 476 do CC. No contrato unilateral, é mais simples: uma parte é credora e a outra é devedora, embora haja duas partes e duas declarações de vontade. Não pode haver a defesa que se funda no não cumprimento do contrato por parte do outro contratante para que uma das partes deixe de cumprir a obrigação. Somente uma das partes assume obrigação, como é o caso do comodatário, do depositário, do mutuário. Se o contrato é de mandato ou de depósito, mas envolve remuneração (o mandante deve pagar os serviços do mandatário; o depositante deve remunerar o depositário), temos contratos bilaterais: a outra parte (mandante e depositante) tem também obrigações. A exceção do contrato não cumprido é cláusula resolutiva tácita em contratos bilaterais: o inadimplemento por parte de um dos contratantes, só no contrato bilateral, confere ao outro a prerrogativa de promover a resolução do contrato (CC, art. 476). No contrato unilateral, um contratante 30 Unidade I não pode exigir a resolução por falta de cumprimento da prestação por parte do outro contratante, porque só um dos contratantes é devedor – tem obrigações. São, portanto, consequência da ideia de reciprocidade das prestações (inerente aos contratos sinalagmáticos ou bilaterais): • Se não houver estipulação em sentido contrário, são simultâneas as prestações: nenhum contratante antes de cumprida sua prestação pode exigir do outro o implemento (CC, art. 476). • Se um dos contratantes, antes de prestar o que deve, exige do outro o implemento, este outro pode se recusar a fornecê-lo, defendendo-se pela exceção do contrato não cumprido. Através dessa defesa, não se contesta a obrigatoriedade da prestação, ou seja, o mérito, mas sim sua exigibilidade. Lembrete Tal exceção só cabe no contrato sinalagmático, porque aqui se espera a reciprocidade das prestações. Importa ressaltar que a exceção só cabe no contrato sinalagmáticocom prestações simultâneas, porque se uma das prestações é futura (se for diferente o momento da exigibilidade), a parte que deve cumprir imediatamente não pode subordinar sua prestação à da outra. Conforme os arts. 476 e 491 do CC, não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço. Vejamos alguns fundamentos (justificativas) dessa exceção: • teoria da causa (a vontade dos contratantes é alcançar um fim jurídico determinado, ou seja, obter a prestação prometida, e seria infringir a vontade permitir a obrigação de fornecer a prestação sem receber a contraparte com que contava); • ideia do equilíbrio das prestações; • propósito de combater o enriquecimento ilícito etc. Veja que a exceptio non adimpleti contractus (exceção do contrato não cumprido) é instrumento útil para compelir o devedor a pagar seu débito, pois a recusa de uma das partes ao cumprimento da obrigação pode ser elemento de compulsão sobre a atitude da outra. A exceção do contrato não cumprido pode ser invocada em qualquer caso (independentemente da causa geradora do inadimplemento do contrato): se a outra parte não cumpre sua prestação voluntariamente, por má vontade, ou se a parte não cumpre por impossibilidade absoluta, em vista do caso fortuito ou de força maior. 31 CONTRATOS CIVIS E EMPRESARIAIS Em qualquer hipótese, se uma parte não cumpre com sua prestação, a outra parte pode alegar isso como defesa, para não ser compelida a cumprir com sua parte (mesmo que não haja culpa do outro contratante). Isso porque uma prestação é causa da outra e, seja qual for o motivo do inadimplemento, cessa a causa de cumprimento da outra. Se, depois de concluído o contrato, o patrimônio de uma das partes diminuir, tornando duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra, a quem incumbe fazer a prestação antes, recusar-se a fornecê-la, até que obtenha garantias do cumprimento do contrato ou receba, antecipadamente, a prestação de que é credora (CC, art. 477 combinado com [c/c] o art. 333). Nesse caso, as prestações de cada parte são fornecidas em momentos diversos. E quem paga primeiro assume o risco espontaneamente (de não receber a prestação, havendo já cumprido com a sua). Ocorre que o risco é consciente, por causa da solvabilidade do outro contratante, por exemplo, na venda a prazo. O devedor da prestação devida em último lugar sofre diminuição de patrimônio por fato superveniente, imprevisível para o credor, e dá ensejo ao vencimento antecipado, nos termos do art. 333 do CC. A diminuição do ativo patrimonial do devedor altera os termos do contrato, visto que pode desaparecer o prazo ou haver aumento de garantia, ou, ainda, ocorrer o desfazimento do negócio. Exemplo de aplicação O vendedor deve entregar de imediato uma mercadoria e o comprador vai pagar a prazo. Ciente de que o devedor sofreu importante diminuição patrimonial, capaz de tornar duvidoso o pagamento na data do seu vencimento, o vendedor condiciona a entrega ao pagamento imediato ou na condição de o comprador apresentar caução ou fiador. Se não for tomada nenhuma das duas providências pelo comprador, o contrato se resolve sem culpa de qualquer uma das partes, que voltam ao status quo ante. Se um dos contratantes se torna inadimplente quando o outro já cumpriu com sua prestação ou está prestes a fazê-lo, aquele que já cumpriu ou está prestes a fazê-lo poderá: • rescindir judicialmente o contrato com perdas e danos; ou • exigir do contratante inadimplente que cumpra com sua prestação (surge a alternativa nos termos do art. 475 do CC). Isso ocorre porque em todo contrato sinalagmático há cláusula resolutiva tácita (o evento futuro e incerto do não cumprimento da avença por parte de um permite que o outro rescinda o contrato). Veja que o fundamento é o mesmo: a causa de uma prestação é a contraprestação do outro. Se não for cumprida a contraprestação, o contrato se rescinde (com perdas e danos se houver culpa, e sem perdas e danos se for caso fortuito ou de força maior). 32 Unidade I Se houver cláusula contratual resolutiva expressa, a resolução do contrato não precisa ser por via judicial, opera-se de pleno direito (CC, arts. 474 e 475). Note que a atitude do contratante diante do inadimplemento do outro pode ser passiva, deixando de entregar sua prestação pela exceção do contrato não cumprido (porque o outro contratante não cumpriu com a dele), mas também pode ser ativa, exigindo a rescisão (com perdas e danos caso haja a culpa do inadimplente). De todo modo, importa ressaltar que, diante da insolvência, nos contratos a prazo, como vimos, há a possibilidade de exigir garantias. 1.7.4 Contratos paritários e contratos de adesão O contrato de adesão se contrapõe ao chamado contrato paritário. Neste, há fase em que se debatem as cláusulas, e as partes em pé de igualdade discutem os termos do negócio. É cada vez mais raro na prática o contrato paritário, pois cada vez mais as negociações ocorrem no campo empresarial, e as pessoas contratam, por exemplo, serviços de telefonia; compram, por exemplo, alimentos e remédios; e utilizam serviços, por exemplo, seguros, pela negociação em contrato de adesão. Como afirma Cleyson de Moraes Mello (2017), o contratante economicamente mais forte elabora as cláusulas no contrato de adesão. Os contratos paritários ficam restritos às negociações civis muito simples ou, no outro extremo, às fusões empresariais ou aquisições muito complexas. Isso porque nesses dois casos há certa igualdade de forças econômicas. Lembrete Quando duas pessoas físicas resolvem discutir cláusulas em contrato de locação, por seus advogados ou pessoalmente, pode-se falar em contrato paritário. Veja que não é raro que contratos de locação sejam de adesão, preparados por administradoras de imóveis ou pelos advogados que atuam em favor do locador, considerado a parte mais forte do contrato. Nas fusões de grandes empresas, grandes escritórios atuam para cada uma das partes, e cada cláusula pode ser discutida por muito tempo, até que se alcance o interesse comum. No contrato de adesão, todas as cláusulas são previamente formuladas por uma das partes, e a mais fraca, necessitando contratar, não debate condições, nem propõe modificações, aceitando tudo em bloco ou recusando por inteiro. Não há a fase inicial de debates e transigência. Exemplo: contratos de seguro, bancários e de serviço de telefonia. 33 CONTRATOS CIVIS E EMPRESARIAIS Observação Sem poder discutir preço e outras condições impostas pela outra parte, ou o aderente se submete a elas ou se priva de contratar, o que às vezes não é possível, em vista da necessidade. Muitos autores chamam o contrato de adesão de ato institucional, negando-lhe a natureza de contrato, pois é algo instituído, e não convencionado. Para haver compensação, cada vez mais o Estado interfere na relação privada, na tentativa de restabelecer o equilíbrio contratual, através da função legislativa, que estabelece normas cogentes para evitar as cláusulas abusivas, e através do Judiciário, que determina a nulidade de cláusulas que violam as normas cogentes. Assim, a lei traz características peculiares ao contrato de adesão, em matéria de interpretação contratual e na impossibilidade de renúncia prévia a direitos estabelecidos em lei. Nos contratos de adesão, há necessidade de contratar. Não há coação, pois quem adere, suportando as desvantagens de ficar sem o produto ou serviço, pode recusar o contrato sem qualquer sanção ou perigo. Portanto, não há vício da vontade. O contratante mais forte tem monopólio de fato ou de direito – há mais procura que oferta. Com ampla e livre concorrência, o consumidor poderia apresentar suas vontades e negociar previamente as cláusulas contratuais. Por vezes, não há monopólio, há livre concorrência, e todas as prestadoras do serviço ou fornecedoras do produto estabelecem as mesmas condições abusivas, sendo que, se o consumidor não adere, fica sem o que necessita.
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