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Semana 1 - Literaturas de língua portuguesa em perspectiva comparada

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Material de Apoio
Univesp
Literatura
Licenciatura em Letras
Brendha Ariadne Cruz
1Literaturas de língua portuguesa em 
perspectiva comparada 
Olá, estudantes! 
Desejamos boas-vindas à disciplina Estudos de Literatura em Língua Portuguesa. 
Nesta primeira semana, vamos conhecer a proposta do curso, que visa ao estudo 
comparativo de obras e escritores de diferentes literaturas produzidas na nossa língua. 
Por meio dessa abordagem, propomos valorizar a diversidade de expressão em língua 
portuguesa, além de enfocar aspectos de cultura e de história africana e indígena, em 
conformidade com as leis 10.639/03 e 11.645/08. 
Vamos lá? Abraço a todos e todas! 
Habilidades e competências: 
• Conhecer os nove países que compõem a CPLP (Comunidade dos Países de 
Língua Portuguesa). 
• Compreender os princípios da literatura comparada. 
• Estabelecer relações entre as literaturas de língua portuguesa. 
• Conhecer obras das escritoras Conceição Evaristo e Paulina Chiziane. 
• Entender a importância das leis 10.639/03 e 11.645/08 para o ensino de 
literatura. 
 
VÍDEO AULA 1 – O QUE É LITERATURA COMPARADA 
 
O QUE É LITERATURA COMPARADA? 
Essa literatura realiza comparações. 
O realismo, por exemplo, foi muito praticado na França e se manifestou em muitas linguagens. 
No Brasil, temos como grande representante o MACHADO DE ASSIS (1839-1908). 
 
SOBRE O MACHADO DE ASSIS 
Tinha uma proposta de uma literatura brasileira cosmopolita que ultrapassava o idealismo 
romântico. 
Possuiu duas fases: romântica e realista. 
O Machado de Assis lia obras do Eça de Queiroz. Inclusive, chegou a escrever uma crítica ao livro 
do Primo Basílio, que consta abaixo: 
 “O Sr. Eça de Queirós não quer ser realista mitigado, mas intenso e completo; e daí vem que o 
tom carregado das tintas, que nos assusta, para ele é simplesmente o tom próprio. [...] Digo isto 
no interesse do talento do Sr. Eça de Queirós, não no da doutrina que lhe é adversa; porque a 
esta o que mais importa é que o Sr. Eça de Queirós escreva outros livros como o Primo Basílio. 
Se tal suceder; o Realismo na nossa língua será estrangulado no berço; e a arte pura, 
apropriando-se do que ele contiver aproveitável (Porque o há; quando se não despenha no 
excessivo, no tedioso, no obsceno, e até no ridículo), a arte pura, digo eu, voltará a beber aquelas 
águas sadias do Monge de Cister, do Arco de Sant'Ana e do Guarani” (MACHADO, 1878). 
 
LITERATURA COMPARADA 
"Usada no singular, mas geralmente compreendida no plural, ela designa uma forma de 
investigação literária que confronta duas ou mais literaturas”. (CARVALHAL, 2006, p. 5). 
A expressão começa a ser utilizada no Curso de literatura comparada (1816), Noël e Laplace; 
Para a autora, a metodologia de literatura comparada se consolida apenas no Panorama da 
literatura francesa (1828-29), Abel-François. Neste momento, os estudos comparados estavam 
voltados para: 
1. pesquisa de influência de diferentes escritores de diferentes nações; 
2. a ideia de evolução, continuidade e derivação entre literaturas de diferentes nações; 
No sec. 19 e 20 surgem estudos comparados na união soviética e EUA. 
 
ABORDAGENS CLÁSSICAS DA LITERATURA COMPARADA 
1. A investigação de fontes, filiações e influências entre obras e escritores. 
2. Uma história dos grandes movimentos literários no mundo ocidental. 
3. Análise de obras de diferentes movimentos literários, percebendo aspectos de 
continuidade e descontinuidade com a tradição. 
4. Abordagens voltadas sobretudo para a investigação dos textos literários, 
principalmente, em relação a sua estrutura. 
 
ABORDAGENS RECENTES 
1. O estudo da interação dos textos literários com obras de outras áreas do conhecimento 
ou com outras linguagens e modalidades artísticas. 
2. A discussão sobre o tema da dependência cultural. 
3. A substituição da noção de influência pela de intertextualidade, sendo que todos os 
textos fazem referência a outros textos. 
4. O questionamento da ideia de influência e de cópia, que resulta em um novo tipo de 
originalidade. 
 
LEIS 10.639/03 E 11.645/08 
• Lei 11.645/08: obrigatoriedade de ensino da história e cultura afroindígena. 
• Lei 10.6.39/03: obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana; 
Este ensino deve ocorrer em todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação 
artística e de literatura e história brasileiras. 
 
VÍDEO AULA 2 – CONCEIÇÃO EVARISTO E PAULINA CHIZIANE 
Trata-se de duas escritoras negras. 
Conceição – literatura afro-brasileira. 
Paulina – moçambicana, contos, poemas e romances. 
Ao compará-las, podemos dizer que a literatura narra a respeito de mulheres negras. 
 
 5 
1
Literatura comparada: os 
primórdios
Na babel do comparativismo
À primeira vista, a expressão "literatura comparada" não causa 
problemas de interpretação. Usada no singular mas geralmente 
compreendida no plural, ela designa uma forma de investigação literária 
que confronta duas ou mais literaturas.
No entanto, quando começamos a tomar contato com trabalhos 
classificados como "estudos literários comparados", percebemos que essa 
denominação acaba por rotular investigações bem variadas, que adotam 
diferentes metodologias e que, pela diversificação dos objetos de análise, 
concedem à literatura comparada um vasto campo de atuação.
Paralelamente a um denso bloco de trabalhos que examinam a 
migração de temas, motivos e mitos nas diversas literaturas, ou buscam 
referências de fontes e sinais de influências, encontramos outros que 
comparam obras pertencentes a um mesmo sistema literário ou investigam 
processos de estruturação das obras. A diversidade desses estudos acentua a 
complexidade da questão.
6 
Além disso, a dificuldade de chegarmos a um consenso sobre a 
natureza da literatura comparada, seus objetivos e métodos, cresce com a 
leitura de manuais sobre o assunto, pois neles encontramos grande 
divergência de noções e de orientações metodológicas. Muitos fogem a 
essas questões. Outros dão conta das tendências tradicionalmente 
exploradas sem problematizá-las. Alguns tendem a uma conceituação 
generalizadora. E há ainda os que preferem restringir a determinados 
aspectos o alcance dos estudos literários comparados.
Como se vê, não é fácil caminhar nessa "babel".
E o sentido da expressão "literatura comparada" complica-se ainda 
mais ao constatarmos que não existe apenas uma orientação a ser seguida, 
que, por vezes, é adotado um certo ecletismo metodológico. Em estudos 
mais recentes, vemos que o método (ou métodos) não antecede à análise, 
como algo previamente fabricado, mas dela decorre. Aos poucos torna-se 
mais claro que literatura comparada não pode ser entendida apenas como 
sinônimo de "comparação".
Antes de tudo, porque esse não é um recurso exclusivo do 
comparativista. Por outro lado, a comparação não é um método específico, 
mas um procedimento mental que favorece a generalização ou a 
diferenciação. É um ato lógico-formal do pensar diferencial 
(processualmente indutivo) paralelo a uma atitude totalizadora (dedutiva).
Comparar é um procedimento que faz parte da estrutura de 
pensamento do homem e da organização da cultura. Por isso, valer-se da 
comparação é hábito generalizado em diferentes áreas do saber humano e 
mesmo na linguagem corrente, onde o exemplo dos provérbios ilustra a 
frequência de emprego do recurso.
A crítica literária, por exemplo, quando analisa uma obra, muitas 
vezes é levada a estabelecer confrontos com7 
outras obras de outros autores, para elucidar e para fundamentar juízos de 
valor. Compara, então, não apenas com o objetivo de concluir sobre a 
natureza dos elementos confrontados mas, principalmente, para saber se 
são iguais ou diferentes. É bem verdade que, na crítica literária, usa-se a 
comparação de forma ocasional, pois nela comparar não é substantivo.
No entanto, quando a comparação é empregada como recurso 
preferencial no estudo crítico, convertendo-se na operação fundamental da 
análise, ela passa a tomar ares de método — e começamos a pensar que tal 
investigação é um "estudo comparado".
Pode-se dizer, então, que a literatura comparada compara não pelo 
procedimento em si, mas porque, como recurso analítico e interpretativo, a 
comparação possibilita a esse tipo de estudo literário uma exploração 
adequada de seus campos de trabalho e o alcance dos objetivos a que se 
propõe.
Em síntese, a comparação, mesmo nos estudos comparados, é um 
meio, não um fim.
Mas, embora ela não seja exclusiva da literatura comparada, não 
podendo, então, por si só defini-la, será seu emprego sistemático que irá 
caracterizar sua atuação.
No entanto, ainda que já se esteja tentando abrir clareiras no 
emaranhado das definições, não convém adiantá-las. Espera-se que elas 
surjam naturalmente das considerações posteriores.
Vamos, agora, retroagir na trajetória dos estudos comparados para 
que se possa compreender como a expressão "literatura comparada" 
começou a ser empregada, que significados foi adquirindo, até se difundir 
amplamente com as acepções que hoje lhe damos.
8 
Breve história
O surgimento da literatura comparada está vinculado à corrente de 
pensamento cosmopolita que caracterizou o século XIX, época em que 
comparar estruturas ou fenômenos análogos, com a finalidade de extrair 
leis gerais, foi dominante nas ciências naturais.
Entretanto, o adjetivo "comparado", derivado do latim comparativus, 
já era empregado na Idade Média.
Em 1598, Francis Meres utiliza-o no título de seu Discurso 
comparado de nossos poetas ingleses com os poetas gregos, latinos e 
italianos, e vamos também encontrá-lo em designações de obras dos 
séculos XVII e XVIII. Em 1602, William Fulbecke publica Um discurso 
comparado das leis e, logo depois, surge a Anatomia comparada dos 
animais selvagens, da autoria de John Gregory.
Mas é, sem dúvida, no século XIX que a difusão do termo realmente 
se dará, sob a inspiração das Lições de anatomia comparada, de Cuvier 
(1800), da História comparada dos sistemas de filosofia, de Degérand 
(1804), e da Fisiologia comparada (1833), de Blainville.
Frequente, portanto, nos títulos de obras científicas e caracterizando-
lhes a orientação, a comparação se transfere para os estudos literários por 
uma espécie de contágio. Na obra Da Alemanha (1800), de Mme. de Stäel, 
a inclinação ao estabelecimento de analogias não só norteará o espírito da 
investigação como estará presente no subtítulo: "Da literatura considerada 
em suas relações com as instituições sociais".
Em território francês
Embora empregada amplamente na Europa para estudos de ciências 
e linguística, é na França que mais ra-
 9 
pidamente a expressão "literatura comparada" irá se firmar. Ali o emprego 
do termo "literatura" para designar um conjunto de obras era aceito sem 
discussão desde o seu aparecimento, com essa acepção, no Dictionnaire 
philosophique de Voltaire, enquanto na Inglaterra e na Alemanha a palavra 
"literatura" custou mais a ganhar esse conceito.
Já cm 1816, os autores Noél e Laplace publicam uma série de 
antologias de diversas literaturas, sob o rótulo geral de Curso de literatura 
comparada. Apesar do título, trata-se apenas de uma coletânea de trechos 
escolhidos, sem nenhuma preocupação em confrontá-los.
Parece ter sido Abel-François Villemain quem se encarregou de 
divulgar a expressão, usando-a nos cursos sobre literatura do século XVIII 
que ministrou na Sorbonne em 1828-1829. Em sua obra Panorama da 
literatura francesa do século XVIII, emprega várias vezes não só a 
combinação "literatura comparada" como ainda "panoramas comparados", 
"estudos comparados" e "história comparada". Também J.-J. Ampère, em 
seu Discurso sobre a história da poesia (1830), refere-se à "história 
comparativa das artes e da literatura" e reemprega o termo no título da obra 
de 1841, História da literatura francesa na Idade Média comparada às 
literaturas estrangeiras. É graças a Ampère que a expressão ingressa na 
órbita da crítica literária, via Sainte-Beuve, que faz o elogio fúnebre desse 
autor na Revue des Deux Mondes, considerando-o o fundador da "história 
literária comparada".
No entanto, para que se complete a descrição do contexto francês, no 
qual se consolida em definitivo a inclinação comparativista aplicada à 
literatura, há que acrescentar a esses dois nomes o de Philarete Chasles, 
que, em 1835, se encarrega de formular alguns princípios básicos
10 
do que considerava ser uma "história literária comparada". Diz ele:
Nada vive isolado, todo mundo empresta a todo mundo: este 
grande esforço de simpatias é universal e constante 1.
Parte daí para propor uma visão conjunta da história da literatura, da 
filosofia e da política nos cursos ministrados por ele no Collège de France 
(1841).
Estão aí já esboçadas as noções tanto de vinculação entre literatura 
comparada e historiografia literária quanto de empréstimo, que, como 
veremos, caracterizarão os estudos comparados considerados clássicos.
Não é de surpreender, então, que a primeira cátedra de literatura 
comparada surja na França, em Lyon, cm 1887, seguida pela criação de 
outra, na Sorbonne, em 1910. Nesses dois locais atuaram grandes 
comparativistas, como Joseph Texte, Fernand Baldensperger e J.-M. Carré.
O rápido desenvolvimento do comparativismo literário na França foi 
favorecido pela ruptura com as concepções estáticas e com os juízos 
formulados em nome de valores reputados intemporais e intocáveis, 
1 Transcrito de BRUNEL, P.; P ICHOIS , E; R OUSSEAU , A.-M. Qu'est-ce que la littérature comparée? 
Paris, Armand Colin, 1983. p. 19.
preconizada pelo historicismo dominante. A difusão da literatura 
comparada coincide, portanto, com o abandono do predomínio do chamado 
"gosto clássico", que cede diante da noção de relatividade, já estimulada, 
desde o século XVII, pela "Querelle des anciens et des modernes".
Nesse contexto, as noções de evolução, continuidade e derivação 
integram-se com facilidade aos ideais "cosmopolitas" vigentes, sendo 
animadas, ainda, pela visão romântica, que, na sua busca de exotismo, 
alimentou o interesse por literaturas diferentes.
 11 
Em outros países
Na Alemanha, parece ter sido Moriz Carrière quem adota, pela 
primeira vez, a expressão "vergleichende Lite raturgeschichte" (história 
comparativa da literatura), depois difundida como "vergleichende 
Literaturwissenschaft" (ciência comparativa da literatura). A intenção de 
Carrière, que se ocupou da evolução da poesia, era de integrai a literatura 
comparada à História Geral da Civilização. É ainda em Berlim que surge o 
primeiro periódico da disciplina comparativista, o Zeitschrijt der 
vergleichenden Literaturgeschichte (1887-1910),editado por Max Koch.
Na Inglaterra, cabe a Hutcheson Macaulay Posnctl a primazia do uso 
da expressão, em 1886, num livro teórico, intitulado Comparative 
Literature.
Na Itália, De Sanctis lecionará literatura comparada em Nápoles a 
partir de 1863. Já os Estados Unidos esperarão a virada do século para 
verem surgir os estudos comparados, sendo criados Departamentos de 
Literatura Comparada nas universidades de Columbia (1899) e Harvard 
(1904). Tendo adotado inicialmente as orientações francesas, o 
comparativismo norte-americano será marcado depois pelos estudos de 
Irving Babbitt.
Em Portugal há que referir, depois do "precursor" Teófilo Braga, o 
estudo "Literatura comparada e crítica de fontes" de Fidelino de 
Figueiredo, inserido cm seu livro A crítica literária como ciência (1912), 
como trabalho pioneiro no enfoque da questão metodológica.
Literatura comparada e literatura geral
Indiferente aos locais onde se expandiu, a literatura comparada 
preservou a denominação com que os franceses a divulgaram, mesmo 
sendo imprecisa e ambígua. Por isso,
12 
muitas vezes sofre a competição da expressão "literatura geral", também de 
uso corrente em francês e em inglês, com a qual é frequentemente 
associada. Estão ambas, por exemplo, nas denominações de associações de 
comparativistas (veja-se a "Société Française de Littérature Générale et 
Comparée") ou de publicações especializadas, como Cahiers de Littérature 
Générale et Comparée, caracterizando uma atuação conjunta de estudiosos 
das duas disciplinas.
A distinção entre as duas expressões tem constituído ponto de 
discussão permanente. Alguns autores consideram a literatura geral como 
um campo mais amplo, que abarcaria o dos estudos comparados. Outros, 
como René Wellek e o francês Etiemble 2, não estabelecem diferença entre 
elas.
À denominação "literatura geral" também é associada a de "literatura 
mundial", mais conhecida pelo termo Weltliteratur, cunhado por Goethe 
em 1827. Embora se tenha prestado a várias interpretações, esse termo foi 
utilizado por Goethe em oposição à expressão "literaturas nacionais", para 
ilustrar sua concepção de uma literatura de "fundo comum", composta pela 
totalidade das grandes obras, espécie de biblioteca de obras-primas. Mas, 
além desse significado, podemos entender ainda o termo, de acordo com o 
pensamento de Goethe, como a possibilidade de interação das literaturas 
entre si, corrigindo-se umas às outras.
Como já se disse, o emprego da palavra por Goethe ganhou inúmeras 
interpretações, mas importa aqui acentuar que a aproximação entre as 
2 ETIEMBLE. Ensayos de literatura (verdaderamente) general. Madrid, Taurus, 1977. (Essais de 
littérature (vraiment) générale. Paris, Gallimard, 1974.)
expressões "literatura comparada" e "literatura geral" deixa transparecer 
ainda
 13 
o espírito de cosmopolitismo literário que favoreceu o surgimento de 
ambas no século XIX.
As propostas clássicas
É nos primeiros decênios deste século que a literatura comparada 
ganha estatura de disciplina reconhecida, tornando-se objeto de ensino 
regular nas grandes universidades européias e norte-americanas e dotando-
se de bibliografia específica e publicações especializadas.
Se remontarmos aos estudos considerados clássicos neste campo e a 
propostas como a que está expressa no primeiro número da Revue de 
Littérature Comparée, criada em 1921 por Fernand Baldensperger e Paul 
Hazard, veremos que, na época, os estudos comparados seguiam duas 
orientações básicas e complementares. A primeira era a de que a validade 
das comparações literárias dependia da existência de um contato real e 
comprovado entre autores e obras ou entre autores e países.
A identificação de tais contatos abria caminho para os estudos de 
fontes e de influências; com isso, as investigações que se ocupavam em 
estabelecer filiações e em determinar imitações ou empréstimos recebiam 
grande impulso. Ao mesmo tempo, crescia o interesse pelo 
acompanhamento do destino das obras, a "fortuna crítica" delas fora do país 
de origem. Multiplicavam-se as publicações do tipo "Goethe na França", 
"Taine e a Inglaterra".
A segunda orientação determinava a definitiva vinculação dos 
estudos literários comparados com a perspectiva histórica. Nesse contexto, 
a literatura comparada passa a ser vista como um ramo da história literária. 
Tal vinculação se deve ao fato de a nova disciplina ter atraído de pronto a 
atenção de historiadores literários, como Fer-
14 
dinand Brunetièrc. Este, ao ministrar um curso de literatura comparada cm 
1890-1891, lança os pressupostos de uma história dos grandes movimentos 
literários no mundo ocidental com base na comparação entre eles. Outro 
conhecido historiador literário francês, Gustave Lanson, investiga, na 
mesma época, a influência da literatura espanhola nas letras clássicas 
francesas e Emile Faguct, ao dirigir a Revue Latine, de 1902 a 1908, 
adotará, como subtítulo da publicação, "journal de Littérature Comparée".
As grandes "escolas "
As duas orientações referidas estão na base do corpo de doutrina do 
comparativismo clássico francês. A maioria dos manuais adota a 
denominação "escola francesa" para designar um grupo representativo de 
estudos onde predominam as relações "causais" entre obras ou entre 
autores, mantendo uma estreita vinculação com a historiografia literária. 
Assim, a designação indica menos uma restrição geográfica do que a 
adoção de determinados princípios, que assumiram também caráter 
doutrinário em vários países, pois o comparativismo literário foi dominado 
por personalidades francesas durante muito tempo.
A denominação "escolas" começou justamente a ser empregada 
quando René Wellek se opôs ao historicismo dominante nos estudos 
comparados dos mestres franceses, sugerindo uma cisão entre a suposta 
"escola" francesa e outra, norte-americana. O emprego do termo, portanto, 
sugere a formação de dois blocos radicalmente diferentes. No entanto, a 
incompatibilidade entre eles não e tão grande quanto se poderia supor, pois 
entre os comparativistas norte-americanos há muitos de orientação 
historicista e, por outro lado, a mais recente publicação sobre a produ-
 15 
ção comparativista na França, o volume intitulado La recherche en 
littérature générale et comparée en France (Aspects et problèmes)3 (1983) 
atesta a multiplicidade de orientações seguidas e os variados campos de 
atuação dos estudiosos franceses. Paralelamente a trabalhos que perpetuam 
as feições mais convencionais, há os que renovam as Orientações clássicas, 
3 PAGEAUX, Daniel-Henri, org. Paris, S.F.L.G.E., 1983.
sobretudo no domínio da mitopoética. Por isso, ao utilizar o termo 
"escolas" é preciso ter em conta esses aspectos e que a intenção 
classificatória só tem sentido com relação a uma feição "clássica" dos 
estudos literários comparados.
Ao lado da orientação francesa, também se costuma designar como 
"escolas" a norte-americana e a soviética.
A primeira, despojada de inflexões nacionalistas, distingue-se da 
francesa por seu maior ecletismo, absorvendo com facilidade noções 
teóricas, em particular os princípios que regeram o new criticism — 
movimento crítico que se desenvolveu a partirdos anos 30 nos Estados 
Unidos.
Além de privilegiar a análise do texto literário em detrimento das 
relações entre autores ou obras, os comparativistas norte-americanos 
aceitam os estudos comparados dentro das fronteiras de uma única 
literatura, atuação recusada pela doutrina clássica francesa. Sem ter um 
programa (ou doutrina) estabelecido, os comparativistas norte-americanos 
têm em René Wellek seu porta-voz mais expressivo. As reflexões de 
Wellek adquiriram, muitas vezes, caráter polêmico e foram responsáveis 
pela cisão mencionada entre as duas orientações básicas, fortalecendo as 
divergências entre elas.
Os comparativistas soviéticos, que têm em Victor Zhirmunsky uma 
de suas figuras exponenciais, adotam, como princípio básico, a 
compreensão da literatura como pro-
16 
duto da sociedade. Preocupam-se, sobretudo, em distinguir entre analogias 
tipológicas e importações culturais (outra forma de designar as 
"influências"), que correspondem sempre a situações similares na evolução 
social. Entre eles, destaca-se o tcheco Dionyz Ďurišin, herdeiro do 
estruturalismo de Praga, cuja contribuição detalharemos mais adiante.
Cabe ainda referir aqui que a investigação comparativista na 
Alemanha, dominada sobretudo por um critério de unidade, na tradição 
legada por Goethe e por todo o romantismo alemão, orientou-se 
inicialmente para os estudos de temas, motivos e personagens literários que 
circulam na literatura de vários séculos ou de vários países. Atualmente, 
volta-se para estudos de imagologia, de casos fronteiriços e de relações 
literárias, tendo, entre outros centros, desenvolvido esses estudos nos 
setores comparatistas de Aachen e Bayreuth.
Façamos, agora, a leitura de alguns manuais para que as referências 
esboçadas fiquem claras através das obras de caráter didático que 
sintetizam as diferentes orientações.
Fazendo Gênero 9 
Diásporas, Diversidades, Deslocamentos 
23 a 26 de agosto de 2010 
1 
PAULINA CHIZIANE E CONCEIÇÃO EVARISTO: ESCRITAS DE 
RESISTÊNCIA 
Rosalia Estelita Diogo 
 
 
Escrever pressupõe um dinamismo próprio do sujeito da escrita, proporcionando-lhe a sua auto-inscrição no 
interior do mundo. E, em se tratando de um ato empreendido por mulheres negras, que historicamente 
transitam por espaços culturais diferenciados dos lugares ocupados pela cultura das elites, escrever adquire um 
sentido de insubordinação. 1 
 
A condição de mulher-negra-professora instiga-me para a busca de pesquisas que possam 
corroborar com reflexões cotidianas sobre relações de gênero e raça no Brasil e no mundo. 
Pretendo apresentar, por meio desse artigo, uma reflexão sobre a produção de duas escritoras 
negras, a brasileira Conceição Evaristo, do Brasil, por meio do poema “ A Noite Não Adormece 
Nos Olhos Das Mulheres” e do artigo “Eu, mulher... Por uma nova visão do mundo” de Paulina 
Chiziane, de Moçambique. Parto do entendimento de que encontramos, de maneira contundente, na 
obra das duas escritoras negras, as marcas do feminino, bem como a presença da crítica social às 
relações de poder e dominação. 
Segundo Houaiss (2009)2 insubordinação é a característica do que é insubordinado; falta de 
subordinação; desobediência. Ato de se levantar, de se insurgir contra a autoridade ou ordem 
estabelecida; revolta, rebelião. 
 Entendo que a literatura das escritoras assume a insubordinação como posição ideológica 
por encenar, literariamente, a dominação masculina e situações de exclusão racial. Sendo assim, 
aproprio-me do termo “insubordinação”, utilizado por Conceição Evaristo que consta na epígrafe 
desse artigo. 
Penso ser crucial enveredar sobre os conceitos e tensões que envolvem as relações de gênero 
no Brasil e em Moçambique. No caso brasileiro, embora seja bastante familiar para o movimento de 
mulheres negras, estudiosos e especialistas que tratam dessa questão, tanto na sociedade civil 
quanto no âmbito das políticas públicas, o termo gênero é relativamente novo para a maioria das 
pessoas. Foi só a partir da década de 1980 que os trabalhos acadêmicos passaram a abordar esta 
questão de forma sistematizada, e, para tanto, contou com as contribuições de diferentes áreas do 
conhecimento humano e também do próprio movimento feminista. 
 
1 EVARISTO, Conceição. Da grafia-desenho de minha mãe: um dos lugares de nascimento de minha escrita. In: 
ALEXANDRE, Marcos Antônio (org.). Representações performáticas brasileiras. Belo Horizonte: Mazza, 2007. 
2 HOUAISS, Antonio; VILLAR, Mauro de Salles. Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. 3 ed. rev. e aum. –
Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. 
Fazendo Gênero 9 
Diásporas, Diversidades, Deslocamentos 
23 a 26 de agosto de 2010 
2 
O termo gênero foi elaborado para indicar os fenômenos catalogados de acordo com 
concepções do “masculino” e “feminino”, o que indica a aceitação, por parte de algumas 
pesquisadoras, da pressuposta existência de dados biológicos reais que promovem a diferença entre 
homens e mulheres. Por essa perspectiva é possível perceber que certos aspectos da base biológica 
relacionados a natureza da mulher, que outrora eram suprimidos, quando usava-se a denominação 
“sexo”, agora podem ser erigidos, permitindo que se teçam reflexões específicas. 
Com Nicholson (2000)3 é possível refletir sobre a necessidade de que, para além da 
identidade de gênero, possamos elencar outros componentes socioculturais para podem serem 
analisados nos textos de Conceição Evaristo e Paulina Chiziane, como por exemplo, as questões de 
raça e classe. 
 Como referência a essas proposições de Nicholson, encontro em “A Noite Não Adormece 
Nos Olhos Das Mulheres” e ‘Eu mulher...Por uma nova visão do mundo” escritas que me leva ao 
pressuposto de que sexismo e racismo são sistemas interrelacionais que se sustentam um ao outro. 
No poema de Conceição Evaristo percebemos a alusão feita ao processo de continuidade da luta, 
que é ancestral, por melhores condições para mulheres negras: “ um fio invisível e tônico 
pacientemente cose a rede de nossa milenar resistência” (EVARISTO, 2008, p.21). E ainda, 
corroborando com meu entendimento de uma insubordinação, nota-se a utilização do verbo 
“adormece” nas três primeiras estrofes, já na última estrofe lê-se o verso 
 
A noite não adormecerá 
Jamais nos olhos das fêmeas (EVARISTO, 2008, p.21). 
 
Em seu artigo, Paulina Chiziane afirma que busca uma forma pela qual em um breve espaço 
de tempo as mulheres conquistem ampla compreensão e liberdade. 
Para os estudos acerca das questões diáspóricas que nos permitem aliar a escrita das duas 
escritoras encontramos auxílio em Bhabha, 
 
Se em nossa teoria itinerante, estamos conscientes da metaforicidade dos povos de comunidades imaginadas – 
migrantes ou metropolitanos – então veremos que o espaço do povo-nação moderno nunca me simplesmente 
horizontal. Seu movimento metafórico requer um tipo de “duplicidade” de escrita, uma temporalidade de 
representação que se move entre formações culturais e processos sociais sem uma lógica causal centrada. E tais 
movimentos culturais dispersam o tempo homogêneo, visual, da sociedade horizontal. A linguagem secular da 
interpretação necessita então ir além da presença do olhar critico horizontal se formos atribuir autoridade 
narrativa adequada à “energia não-sequencial proveniente da memória histórica vivenciada e da subjetividade”. 
Precisamos de um outro tempo de escrita que seja capaz de inscrever as interseções ambivalentes e 
quiasmáticas de tempo e lugar que constituem a problemática experiência “moderna” da nação ocidental.4 
 
 
3 NICHOLSON, Linda. Interpretando o gênero. Revista estudos feministas, vol.8, n. 2, 2000. p.9– 41. 
4 HOMI, Bhabha K. O local da cultura. Belo Horizonte:UFMG. 1998. 
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3 
Penso que é possível considerar as escritas/vivências das duas escritoras no lugar de 
interseção e ainda, que essas escritas inserem-se no cerne da memória histórica delas, passando para 
o campo da subjetividade. Cada uma, ao seu modo propicia ao leitor compreender os embates que 
permeiam as relações raciais e sociais imbricadas nas sociedades em que vivem. 
O fato de as duas escritoras serem de espaços culturais e os contextos sócio-históricos 
diferentes não exime-nos de repensar a condição feminina considerando as especificidades e 
subjetividades de cada uma delas. Em ambos os textos é possível perceber o conflito vivido pelos 
sujeitos femininos ao lidarem com as suas condições de mulher. No poema de Conceição Evaristo 
por exemplo, lê-se que há sofrimento na existência feminina, mas esse sofrimento ao mesmo tempo 
impulsiona a insubordinação e resistência “ A noite não adormece nos olhos das mulheres, há mais 
olhos que sono onde lágrimas suspensas virgulam o lapso das nossas molhadas lembranças”. 
(EVARISTO, 2008, p.21). Por outro lado, Paulina Chiziane em seu artigo aponta que “Nós, 
mulheres, somos oprimidas pela condição humana do nosso sexo, pelo meio social, pelas idéias 
fatalistas que regem as áreas mais conservadoras da sociedade”. (CHIZIANE, 1994, p. 13). Não 
obstante, o empenho da escritora é pela busca da emancipação feminina. 
 Conceição Evaristo nasceu em Belo Horizonte, em 1946, numa favela no alto da Avenida 
Afonso Pena. Formou-se professora no antigo curso Normal, em 1971, e depois mudou-se para o 
Rio de Janeiro, onde foi aprovada em um concurso municipal para magistério e, posteriormente, no 
curso de Letras na Universidade Federal daquele Estado. Na década de noventa, Evaristo ingressa 
no curso de Mestrado em Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, defendendo, 
em 1996, a dissertação intitulada Literatura Negra: uma poética de nossa afro-brasilidade. 
Atualmente desenvolve pesquisa de Doutorado na Universidade Federal Fluminense cuja temática 
são as relações entre a literatura afro-brasileira e as literaturas africanas de Língua Portuguesa. A 
autora publica poemas e contos na coletânea Cadernos Negros5 desde 1990, e é chamada para 
palestras e congressos em todo o Brasil e no exterior, nos quais aborda as questões de gênero e etnia 
na literatura brasileira. 
 O poema analisado remete-nos à reflexões acerca da feminilidade, e resistência ancestral: 
A Noite Não Adormece Nos Olhos Das Mulheres 
A noite não adormece 
Nos olhos das mulheres, 
 
5 Cadernos Negros é uma publicação do Grupo Quilombhoje, formado por escritores afro-descendentes que vem a 
público anualmente desde 1978. Cf. Quilombhoje. Disponível em www. Quilombhoje.com.br Acesso em 28 de junho 
de 2010. 
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A lua fêmea, semelhante nossa, 
Em vigília atenta vigia 
A nossa memória. 
 
A noite não adormece 
Nos olhos das mulheres, 
Há mais olhos que sono 
Onde lágrimas suspensas 
Virgulam o lapso 
De nossas molhadas lembranças. 
 
A noite não adormece 
Nos olhos das mulheres, 
Vaginas abertas 
Retêm e expulsam a vida 
Donde Ainás, Nzingas, Ngambeles 
 E outras meninas luas 
Afastam delas e de nós 
Os nossos cálices de lágrimas. 
 
A noite não adormecerá 
Jamais nos olhos das fêmeas, 
pois do nosso líquido lembradiço 
em cada gota que jorra 
um fio invisível e tônico 
pacientemente cose a rede 
de nossa milenar resistência.6 
 
Chama a atenção no poema analisado a forma pela qual o eu-lírico anuncia a vigília de 
corpos femininos em relação ao cotidiano marcado pelos processos de subalternização e exclusão 
das mulheres negras. As lembranças fazem com que a resistência incida de maneira sistemática 
nesse processo de insurgência. 
O poema de Conceição Evaristo instiga a pensar acerca da condição da mulher de maneira 
lírica, mas não menos crítica. “ A noite não adormece nos olhos das mulheres, vaginas abertas 
retêm e expulsam vida” (EVARISTO, 2008, p.21) é uma metáfora que remete ao entendimento de 
poder feminino de conceber ou não vidas ou seja, semear possibilidades de existência humana e 
conseqüentemente da vitalidade que move as sociedades planetárias. É essa compreensão, aliada ao 
fato de a escritora falar do lugar de mulher negra, que fortalece a importância da sua escrita em uma 
sociedade machista e racista, como é o caso da brasileira. A escritora continua a instigar-me na 
direção desses pensamentos ao escrever que “ A noite não adormece nos olhos das mulheres há 
mais olhos que sono’. Podemos perceber nesse verso o quão é marcada a insubordinação e 
 
6 EVARISTO, Conceição. Poemas da recordação e outros movimentos. Belo Horizonte: Nandyala, (coleção Vozes 
da Diáspora Negra, Volume 1), 2008. p.21. 
 
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5 
resistência nessa escrita de um sujeito negro ao demarcar a vigília de sujeitos femininos na 
sociedade que insiste em excluí-las. 
Acredito que a poética de Evaristo move a identificação “mulher” em direção a múltiplos 
locais de redefinição contextual e cria um espaço de resistência para a reorientação das diversas 
subjetividades e das vozes de sujeitos femininos marginalizados e oprimidos pelos mecanismos de 
poder patriarcal e racista presentes nas sociedades brasileira e Moçambicana 
Paulina Chiziane nasceu em 1944, em Manjacaze, província de Gaza, sul de Moçambique. 
Escreveu alguns contos e estreou no romance com a obra Balada de amor ao vento (1990). 
Publicou ainda Ventos do Apocalipse (1995), O Sétimo Juramento (1999), Niketche: uma 
história de poligamia (2004, e recentemente, O alegre canto da perdiz (2008). Foi a primeira 
mulher moçambicana a publicar um romance. Dessa forma, a escritora desafiou e desafia críticas e 
resistências sociais e culturais no seu país, no continente africano e, porque não, no mundo. 
No artigo “ Eu, mulher... Por uma nova visão do mundo a escritora propõe que a sua maior 
realização “virá no dia em que conseguir lançar na terra fértil a semente da coragem e da vontade de 
vencer nos corações das mulheres que pertencem à geração do sofrimento” (CHIZIANE, 1994, p. 
13). A autora aponta para a necessidade de que, progressivamente, a mulher se transforme num 
elemento ativo sem o qual toda a política de desenvolvimento permanecerá inviável. Em outra 
passagem a escritora sinaliza que, apesar das grandes diferenças na educação da casa e da escola, 
“encontrei harmonia na matéria que dizia respeito ao lugar da mulher na vida e no mundo” 
(CHIZIANE, 1994, 14). São incursões na escrita de Chiziane que denotam, desde há muito, o seu 
compromisso em construir espaços de discussão sobre o lugar da mulher em Moçambique com 
vistas a que esse lugar permita uma condição libertária. 
A escritora compara a mulher à terra na medida que são alimentos para a vida, o calor e a 
existência humana. Afirma que as mulheres são oprimidas pela condição humana do sexo, mas que 
essa condição que a impulsionam a encontrar força para alterar essa situação de opressão. Para ela 
o seu trabalho de escrita e outras iniciativas no campo social encorajam outras mulheres e também 
homens, em prol da construção de um mundo melhor. 
Paulina Chiziane descreve ainda os rituais moçambicanos que marcam a dimensão da 
importância do corpo feminino para aquela sociedade, como por exemplo o “mbelele”, praticado 
pelo povo tsonga. Quando a comunidade é afetada por uma grande seca, os homens castigam as 
mulheres, mas reconhecendo a fertilidade delas, são obrigadas a correrem nuas debaixo do sol 
abrasante, purificando a terra, cantando paraque as nuvens as escutem. No entendimento dessa 
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comunidade só a nudez da mulher é capaz de quebrar o silêncio dos deuses e das nuvens, na medida 
em que ela é a mãe do universo. A escritora acredita que a sua escrita sobre a condição feminina e a 
condição sóciohistórica da sociedade moçambicana contribui para o processo emancipatório das 
pessoas, sobretudo das mulheres. 
Sobre o conjunto da escrita de Chiziane ancoro ainda em Mata (2006), para quem, 
 
Desde o seu primeiro romance, Balada de amor ao vento, que a autora vem desvelando a responsabilidade da 
mulher no estado de sua condição. Neste contexto, a obra de Paulina Chiziane atualiza um discurso que inclui 
o questionamento e a denúncia, dando voz e criando espaço de reflexão ao sujeito que é “silenciado”, tendo 
como intuito apelar à mulher moçambicana para uma mudança consciencializada. Esta estratégia, que começa 
a ser formatada em Ventos do Apocalipse, adquire dimensão actancial em O Sétimo juramento, quando as 
mulheres (mulher, amante e mãe de David) se aliam para se salvarem e à família; ou pelas mulheres de Tony, 
em Niketche, que apanhadas na voragem de uma relação poligâmica feita à medida do polígamo, o obrigam a 
respeitar a instituição. Para tal, há recorrência à diversidade do legado cultural moçambicano, actualizado em 
fórmulas, rituais, hábitos, gestos, comportamentos. Por este esquema se elabora um percurso pelas diferenças, 
semelhanças, desejos, sentimentos e aspirações de diferentes mulheres moçambicanas, nos diferentes âmbitos 
de intervenção quotidiana, como em Niketche, romance feito de polarizações (Mata, 2006, p. 437-438 – grifos 
da autora) 7 
 
Paulina Chiziane inaugura a publicação do romance de autoria feminina em Moçambique, 
ocupando, na atualidade, um lugar desconfortável, que é o de escritora em uma sociedade que 
insiste em manter um distanciamento entre o lugar que compete à mulher e ao homem. A escritora 
utiliza-se da encenação literária para falar sobre as relações históricas e sociológicas estabelecidas 
que permeiam a sociedade moçambicana. É essa posição ideológica da escritora que me impulsiona 
a tentar compreender melhor o lugar ocupado pela mulher em sua cultura. 
E é a própria escritora que parece justificar a minha recolha do seu processo de escrita que é 
marcado pelo embate com as formas estruturais de opressão em relação à mulher em seu país, 
 
Olhei para mim e para outras mulheres. .Percorri a trajectória do nosso ser, procurando o erro da nossa 
existência. Não encontrei nenhum. Reencontrei na escrita o preenchimento do vazio e incompreensão que se 
erguia à minha volta. A condição social da mulher inspirou-me e tornou-se meu tema. Coloquei no papel as 
aspirações da mulher no campo afectivo para que o mundo as veja, as conheça e reflita sobre elas. 8 
 
Nota-se que a escritora moçambicana, assim como Conceição Evaristo, tomam para si a 
necessidade de engajamento em prol da mulher como possibilidade de embate, de resistência e 
insubordinação, sem perder de vista a ternura que caracteriza o ser feminino em proporção 
 
7 MATA, Inocência. Paulina Chiziane: Mulheres de África no espaço da escrita: a inscrição da mulher na sua 
diferença. In: PADILHA, Laura Cavalcante; MATA, Inocência (Org.) . A mulher em África: vozes de uma margem 
sempre presente. Lisboa: Colibri: Centro de Estudos Africanos – FLUL, 2006, p. 421-440. 
8 CHIZIANE, Paulina. Eu, mulher... Por uma nova visão do mundo. In: AFONSO, Ana Elisa de Santana (Coord.). Eu, 
mulher em Moçambique. República de Moçambique: Comissão Nacional para a UNESCO em Moçambique e 
Associação dos Escritores Moçambicanos: 1994. p. 16. 
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sobejamente reconhecida, no que se refere ao ser masculino, permitindo-nos reflexões acerca de 
gênero nos termos que apresentamos acima. 
Penso que a encenação literária e a escrita sociológica de Conceição Evaristo e Paulina 
Chiziane, nos textos em estudos, representam a vida de pessoas que não têm, costumeiramente, a 
oportunidade de expressarem a sua vivência. Sobretudo as mulheres negras, tal como proposto 
nesse artigo. Assim como narra Paulina Chiziane em seu artigo -“ Se as próprias mulheres não 
gritam quando algo lhes dá amargura da forma como pensam e sentem, ninguém mais o fará da 
forma como elas desejam” (CHIZIANE, 1994, p.16). 
No artigo de Paulina Chiziane analisado a escritora afirma que a literatura permitiu-lhe o 
preenchimento do vazio que sentia e a incompreensão em relação à vários pontos da existência 
humana. Segundo ela “a condição social da mulher inspirou-me e tornou-se meu tema.” 
(CHIZIANE, 1994, p.15). 
Dessa forma, acredito (primeira pessoa) que as escritas dessas duas mulheres negras 
interrelacionadas por meio da diáspora africana, permite-nos uma leitura profícua acerca dos 
embates relacionados à questão de gênero no Brasil e na África. Como diz Conceição Evaristo ao 
definir a sua criação do termo “escrevivência” que segundo ela é: escrever a existência” . Ou ainda, 
o que move Paulina Chiziane “ afasto pouco a pouco os obstáculos que me cercam e construo um 
novo caminho na esperança de que, num futuro não muito distante, as mulheres conquistarão maior 
compreensão e liberdade”. (CHIZIANE, 1994, P.17). 
São essas mulheres, com as suas escritas, imbricadas pelas questões de gênero e raça que 
me propõem severas reflexões. São os seus posicionamentos ideológicos de resistência que têm 
motivado-me fortemente a continuar acreditando na possibilidade de, por meio de atitudes 
insubordinadas, é possível vislumbrar lugares/existências mais confortáveis para mulheres negras. 
Referências bibliográficas 
CHIZIANE, Paulina. Balada de amor ao vento. Lisboa : Editorial Caminho, 2ª Ed., 2007. 
CHIZIANE, Paulina. Eu, mulher... Por uma nova visão do mundo. In: AFONSO, Ana Elisa de 
Santana (Coord.). Eu, mulher em Moçambique. República de Moçambique: Comissão Nacional 
para a UNESCO em Moçambique e Associação dos Escritores Moçambicanos: 1994. 
CHIZIANE, Paulina. Niketche: uma história de poligamia. Lisboa: Editorial Caminho, 3ª Ed., 
2004. 
CHIZIANE, Paulina. O sétimo juramento. Lisboa: Editorial Caminho, 2ª Ed., 2000 
CHIZIANE, Paulina. Ventos do Apocalipse. Lisboa : Editorial Caminho, 2ª Ed.,2006. 
CHIZIANE, Paulina.O alegre canto da perdiz. Lisboa : Editorial Caminho, 2ª Ed., 2008. 
EVARISTO, Conceição. Becos da memória. Belo Horizonte: Mazza, 2006. 
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8 
EVARISTO, Conceição. Literatura negra: uma poética de nossa afro-brasilidade. Dissertação 
(Mestrado em Literatura Brasileira) – Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica, 
Rio de Janeiro. 1996. 
EVARISTO, Conceição. Poemas da recordação e outros movimentos. Belo Horizonte: Nandyala, 
(coleção Vozes da Diáspora Negra, Volume 1), 2008. 
EVARISTO, Conceição. Ponciá Vicêncio. Belo Horizonte: Mazza, 2003. 
EVARISTO, Conceição. Questão de pele para além da pele. In.: RUFFATO, Luiz.(org.). Questão 
de pele. Contos sobre preconceito racial. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2009. p. 19-37. 
EVARISTO, Conceição. Da grafia-desenho de minha mãe: um dos lugares de nascimento de minha 
escrita. In: ALEXANDRE, Marcos Antônio (org.). Representações performáticas brasileiras. 
Belo Horizonte: Mazza, 2007. 
FONSECA, Maria Nazareth Soares. Embates na cena literária: a arte de resistir à exlusão. In.: 
TORNQUIST, Carmem Susana. (et al.) (org.). Leituras de resistência: corpo, violência e poder. 
Florianópolis: Ed. Mulheres, 2009. p. 293-313. 
FONSECA, Maria Nazareth Soares. Vozes em discordância na literatura afro-brasileira 
contemporânea. In: FIGUEIREDO, Maria do Carmo Lanna; FONSECA, Maria Nazareth Soares. 
Poéticas afro-brasileiras. Belo Horizonte: Mazza/PUC-MG, 2002. 
GILROY,Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência; tradução de Cid Knipel 
Moreira. São Paulo: Editora 34; Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes. 2001. 
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG; 2003.

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