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LEGISLAÇÃO CIVIL APLICADA II Fabiana Hundertmark Leal Direitos reais Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Diferenciar direitos reais de direitos pessoais. Caracterizar os direitos reais e direitos pessoais. Identificar as diferentes espécies de direitos reais e direitos pessoais. Introdução O objeto do Direito pode recair sobre coisas corpóreas, como um imóvel, ou incorpóreas, como produtos do intelecto e direitos de autor. O Direito das Coisas estuda o lado do Direito que é subjetivo no que tange à relação de poder, à titularidade e à ligação entre as pessoas e as coisas. O direito de propriedade é o mais amplo dos direitos patrimoniais, que se dividem em direitos reais e direitos pessoais. Eles estão disciplinados entre os arts. 233 a 420 e os arts. 854 a 965 (Direito das Obrigações), entre os arts. 421 a 853 (Direito Contratual) e entre os arts. 966 a 1.195 (Direito de Empresa) do Código Civil de 2002. Também há regras sobre direitos pessoais nos livros do Direito de Família e das Sucessões. Os direitos reais, por sua vez, constam nos arts. 1.196 a 1.510 do Código Civil, em seu Livro III — Do Direito das Coisas. Neste capítulo, você vai estudar os direitos reais e os direitos pes- soais, vai explorar as características desses dois direitos patrimoniais e vai explorar a classificação das diferentes espécies de direitos reais e de direitos pessoais. Legislacao_Civil_Aplicada_II_Book.indb 261 22/05/2018 13:31:50 Diferenças entre direitos reais e direitos pessoais Os direitos patrimoniais se subdividem em direitos pessoais e direitos reais. Eles confi guram o que alguns doutrinadores chamam Direito das Coisas. Conforme Gomes (2012, p. 7), “[...] o Direito das Coisas regula o poder dos homens sobre os bens e os modos de sua utilização econômica”. Conforme o autor (2012, p. 10), “[...] não há critério indiscutível para distinguir o direito real do direito pessoal. Na acentuação dos respectivos traços distintivos, multiplicam-se as teorias, envolvendo a questão numa injustifi cável obscuridade. Dado que as divergências se reduzem fundamentalmente à contraposição da teoria clássica, dita realista, à teoria personalista, não há interesse em alargar o campo em que proliferam”. No livro clássico Direitos Reais, de Orlando Gomes (2012), atualizado por Luiz Edson Fachin, os direitos reais são relações jurídicas entre pessoas, como os direitos pessoais, segundo a teoria personalista. A diferença está no sujeito passivo. Enquanto no direito pessoal o sujeito passivo (o devedor) é pessoa certa e determinada, no direito real ele é indeterminado, havendo, neste caso, uma obrigação passiva universal, que se concretiza toda vez que alguém viola o direito. Já para a teoria realista ou clássica, o direito real é “[...] o poder imediato da pessoa sobre a coisa, que se exerce erga omnes. E o direito pessoal opõe-se unicamente a uma pessoa, de quem se exige determinado comportamento” (GOMES, 2012, p. 11). Segundo Gonçalves (2012, p. 11): [...] as expressões jus in re e jus ad rem são empregadas, desde o Direito Canônico, para distinguir os direitos reais dos pessoais. O vocábulo reais deriva de res, rei, que significa coisa. Segundo a concepção clássica, o direito real consiste no poder jurídico, direto e imediato, do titular sobre a coisa, com exclusividade e contra todos. No polo passivo incluem-se os membros da coletividade, pois todos devem abster-se de qualquer atitude que possa turbar o direito do titular. No instante em que alguém viola esse dever, o sujeito passivo, que era indeterminado, torna-se determinado. Tartuce (2017, p. 156) pontua que a distinção entre os direitos pessoais e os direitos reais está nos efeitos de cada uma dessas modalidades. Para isso, lembra os ensinamentos de Clóvis Beviláqua, que diz que os direitos obrigacionais consistem exclusivamente de prestações (atos positivos ou negativos) que se fixam apenas no ato a ser executado e somente podem “ferir” a pessoa que Direitos reais262 Legislacao_Civil_Aplicada_II_Book.indb 262 22/05/2018 13:31:50 se acha vinculada pela obrigação no momento do seu cumprimento. Essa é a melhor concepção do princípio da relatividade contratual, pelo qual o negócio celebrado, em regra, somente atinge as partes contratantes, não prejudicando ou beneficiando terceiros estranhos a ele. Contrapõe-se tal princípio, inerente ao Direito Obrigacional, à eficácia erga omnes dos direitos reais, regidos pelo princípio da publicidade. Tartuce (2018, p. 985) aponta, de forma didática, as principais diferenças entre os direitos reais e os direitos pessoais patrimoniais, representadas no Quadro 1. Fonte: Adaptado de Tartuce (2018, p. 985). Direito real Direito pessoal Tem como conteúdo relações jurídicas estabelecidas entre uma pessoa (sujeito ativo) e uma coisa. O sujeito passivo não é determinado, mas é toda a coletividade (sujeito passivo universal). A relação jurídica se dá entre uma pessoa (sujeito ativo-credor) e outra (sujeito passivo-devedor). Incide, fundamentalmente, o princípio da publicidade, frente à importância da tradição e do registro. Influenciado pelo princípio da autonomia privada (liberdade), de onde surgem os contratos e as obrigações. Tem eficácia erga omnes (contra todos). Os efeitos podem ser restringidos. Tem efeito inter partes. O rol é taxativo (numerus clausus) e consta no art. 1.225 do Código Civil. O rol é exemplificativo, conforme o art. 425 do Código Civil, que aponta a licitude da criação de contratos atípicos. Gera o direito de sequela, respondendo a coisa, onde quer que ela esteja. Gera o direito patrimonial dos bens do devedor pelo inadimplemento da obrigação. “Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor” (art. 391 do Código Civil). Tem caráter permanente. Tem caráter transitório, em regra, o que vem sendo mitigado pelos contratos relacionais ou cativos de longa duração, como os contratos de seguro-saúde e de seguro de vida. Quadro 1. Principais diferenças entre direitos reais e direitos pessoais. 263Direitos reais Legislacao_Civil_Aplicada_II_Book.indb 263 22/05/2018 13:31:50 De acordo com Gomes (2012, p. 7), a importância do estudo dos direitos reais, em especial a propriedade, pode ser medida pela significação econômica, política e social desse instituto jurídico para a sociedade. Características dos direitos reais e direitos pessoais Os direitos reais (ius in re), conforme Venosa (2013, p. 4): [...] regulam as relações jurídicas relativas às coisas apropriáveis pelos sujeitos de direito. [...] O direito real é exercido e recai diretamente sobre a coisa, sobre um objeto basicamente corpóreo, embora não se afaste a noção de realidade sobre bens imateriais. O direito real é absoluto, exclusivo, exercitável erga omnes. Caracteriza-se pela inerência ou aderência do titular à coisa. O aspecto preponderante na caracterização dos direitos reais é a sua limi- tação legal. Apenas o legislador pode criá-los (numerus clausus): A convenção ou a vontade dos interessados não tem este poder. São os direitos revestidos da prerrogativa de restringir o uso dos bens a certos sujeitos, e é conveniente que os não possa criar senão o legislador, pelas implicações sociais consequentes. Na sua enumeração lavra certa diversidade legislativa como doutrinária. Enquanto alguns direitos reais são mencionados ou enumerados em caráter constante, outros são ao revés omitidos em um ou outro sistema jurídico (PEREIRA, 2017, p. 15). Os direitos reais são regulados por normas de natureza cogente, isto é, de ordem pública. Por sua vez, os direitos pessoais são, em regra, disciplinados por normas dispositivas ou facultativas, permitindo às partes o livre exercício da autonomia da vontade, conforme Gonçalves (2012, p. 14). Tendo em vista a sua caracterização especial, e atendendo às preferências legis- lativas, os direitos reaissão tratados da seguinte forma, conforme Pereira (2017): como direitos reais de gozo ou fruição — enfiteuse, servidões, usufruto, uso, habitação, renda constituída sobre imóveis e direito de superfície; Direitos reais264 Legislacao_Civil_Aplicada_II_Book.indb 264 22/05/2018 13:31:50 como direitos reais de garantia — penhor, anticrese, hipoteca e alienação fiduciária em garantia; como direito real de aquisição — a promessa irrevogável de venda. Direitos pessoais Segundo Tartuce (2017, p. 155), “[...] os direitos pessoais são conceituados como direitos obrigacionais ou de crédito. Nesse sentido, são nítidas as diferenças entre os direitos pessoais e os direitos reais, que recaem em regra sobre objetos com interesse jurídico e econômico, como é o caso da propriedade”. Os direitos pessoais (ius ad rem) têm como objeto relações humanas. O direito obrigacional é relativo. A prestação é o objeto do direito pessoal ou obrigacional, somente podendo ser exigida do devedor. O direito pessoal consiste numa relação jurídica pela qual o sujeito ativo pode exigir do sujeito passivo determinada prestação. Constitui uma relação de pessoa a pessoa e tem, como elementos, o sujeito ativo, o sujeito passivo e a prestação. Os direitos reais têm, por outro lado, como elementos essenciais: o sujeito ativo, a coisa e a relação ou poder do sujeito sobre a coisa, chamado domínio (GONÇALVES, 2012, p. 11). Segundo Gomes (2012, p. 16), “[...] a violação de um direito real consiste sempre em um fato positivo, o que não se verifica sempre com o direito pessoal. [...] Somente os direitos reais podem ser adquiridos por usucapião”. Classificação de diferentes direitos reais e pessoais Os direitos reais são classifi cados em duas categorias: sobre coisa própria e sobre coisa alheia. Na primeira categoria, segundo Pereira (2017), está a propriedade, o direito real por excelência ou o direito real pleno. Na segunda categoria, de acordo com o autor, situam-se os direitos reais limitados de fruição ou gozo (enfi teuse, servidão, uso, usufruto, habitação, direito de superfície, a concessão de uso especial para fi ns de moradia, a concessão de direito real de uso e a laje) e os de garantia (hipoteca, anticrese, penhor, 265Direitos reais Legislacao_Civil_Aplicada_II_Book.indb 265 22/05/2018 13:31:50 propriedade fi duciária), além da posse, que ocupa lugar destacado. Em um derradeiro plano, surge novo direito real, gerado pelas exigências da vida moderna, ocupando lugar destacado: direito real de aquisição (promessa irrevogável de venda). O rol de direitos reais é considerado taxativo (numerus clausus) pela maioria dos doutrinadores e está indicado, basicamente, no art. 1.225 do Código Civil e na legislação extravagante. Porém, há quem sustente que o rol é exemplifi- cativo (numerus apertus), como Tartuce (2017). Esse posicionamento do autor justifica-se pelo fato de que leis extravagantes podem criar direitos reais sem a sua descrição expressa no dispositivo civil. “Pode-se dizer, assim, que há uma tipicidade legal dos direitos reais, e não uma taxatividade do art. 1.225 do Código Civil” (TARTUCE, 2017, p. 981). No link a seguir, você terá acesso ao artigo “O contrato de fiança na jurisprudência do STJ”, que aborda os aspectos controversos desse tipo de contrato e sua abordagem na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: https://goo.gl/DowXXy Direitos reais O art. 1.225 do Código Civil aponta como direitos reais: a propriedade; a superfície; as servidões; o usufruto; o uso; a habitação; o direito do promitente comprador do imóvel; o penhor; a hipoteca; a anticrese; a concessão de uso especial para fi ns de moradia; a concessão de direito real de uso e a laje. Atendendo ao princípio da tipicidade dos direitos reais, os incisos XI e XII (concessão de uso especial para fi ns de moradia e concessão de direito real de uso) foram acrescentados ao rol do art. 1.225 do Código Civil por meio do art. 10 da Lei nº. 11.481, de 31 de maio de 2007, que prevê medidas voltadas à organização fundiária de interesse social em imóveis da União. Conforme Gonçalves (2012, p. 181): O direito à moradia é direito social previsto e garantido pelo art. 6º da Consti- tuição Federal. E o direito de concessão de uso especial para fins de moradia está assegurado pelo art. 183, § 1º, do mesmo diploma. A referida Lei nº. Direitos reais266 Legislacao_Civil_Aplicada_II_Book.indb 266 22/05/2018 13:31:50 11.481/2007, por conseguinte, previu como direito real a concessão de uso especial, com a finalidade de operacionalizar o direito social de moradia e o de concessão de uso especial para fins de moradia. Trata-se de instituto que constitui decorrência da política urbana prevista na Carta Magna. A Lei nº. 13.465, de 11 de julho de 2017, introduziu na norma civil o direito real de laje: [...] alterando substancialmente o tratamento que havia sido dado pela Me- dida Provisória 759, de 2016. Os arts. 1.510-A a 1.510-E do Código Civil /2002, também incluídos pela nova norma, passaram a tratar do instituto, cujo objetivo, novamente, é a regularização de áreas favelizadas. De acor- do com a [...] norma, o proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo (TARTUCE, 2017, p. 980). Propriedade É direito real por excelência, direito subjetivo padrão ou “direito fundamental”. Para Gonçalves (2012, p. 183): [...] o direito de propriedade é o mais importante e mais completo dos direitos reais, constituindo o título básico do Livro III do Código Civil. Confere ao seu titular os poderes de usar, gozar e dispor da coisa, assim como de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha (Código Civil, art. 1.228). Quando todas essas prerrogativas se acham reunidas em uma só pessoa, diz-se que é ela titular da propriedade plena. Conforme o art. 1.231 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line), “[..] a propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário”. O art. 525 do Código Civil de 1916 indicava que “[...] é plena a propriedade quando todos os seus direitos elementares se acham reunidos no do proprietário” (BRASIL, 1916, documento on-line). Segundo Gonçalves (2012, p. 197): [...] o segundo atributo do direito de propriedade é ser exclusivo. A mesma coisa não pode pertencer com exclusividade e simultaneamente a duas ou mais pessoas. O direito de um sobre determinada coisa exclui o direito de outro sobre essa mesma coisa (duorum vel plurium dominium in solidum esse non potest). O termo é empregado no sentido de poder o seu titular afastar da coisa quem quer que dela queira utilizar-se. 267Direitos reais Legislacao_Civil_Aplicada_II_Book.indb 267 22/05/2018 13:31:50 O autor explica, ainda, que a propriedade é considerada “irrevogável ou perpétua, porque não se extingue pelo não uso. Não estará perdida enquanto o proprietário não a alienar ou enquanto não ocorrer nenhum dos modos de perda previstos em lei, como a desapropriação, o perecimento, ou a usucapião” (GONÇALVES, 2012, p. 197). Conforme Pereira (2017, p. 86), não há um conceito inflexível do direito de propriedade. Ele sofre alterações conforme as injunções econômicas, políticas, sociais e religiosas. Após avaliar o conceito de propriedade estabelecido por diversos civilistas, Tartuce (2017, p. 1.032) a conceitua como: [...] o direito que alguém possui em relação a um bem determinado. Trata-se de um direito fundamental, protegido no art. 5º, inciso XXII, da Constituição Federal, mas que deve sempre atender a uma função social, em prol de toda a coletividade. A propriedade é preenchida a partir dos atributos que constam do Código Civil de 2002 (art. 1.228), sem perder de vista outros direitos, sobretudo aqueles com substrato constitucional. O art. 1.228, § 1º, do Código Civil (BRASIL, 2002, documentoon-line) indica que: § 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de con- formidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. O legislador proibiu atos que não trazem ao proprietário qualquer como- didade ou utilidade, e que tenham a intenção de prejudicar alguém. Porém, há hipóteses em que o proprietário pode ser privado da coisa, como nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, e de requisição, em situações de perigo público iminente. O proprietário também poderá ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em área extensa, na posse ininterrupta e de boa-fé de considerável nú- mero de pessoas, por mais de 5 anos, e estas pessoas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. Neste caso, o juiz fixará a justa indenização devida Direitos reais268 Legislacao_Civil_Aplicada_II_Book.indb 268 22/05/2018 13:31:50 ao proprietário. Conforme Gonçalves (2012, p. 9), “[...] trata-se de inovação de elevado alcance, inspirada no sentido social do direito de propriedade e também no novo conceito de posse, qualificada como posse-trabalho”. Usucapião É também chamada de prescrição aquisitiva, em confronto com a prescrição extintiva, que é disciplinada nos arts. 205 e 206 do Código Civil. Em ambas, aparece o elemento tempo infl uindo na aquisição e na extinção de direitos. A prescrição aquisitiva, regulada no Direito das Coisas, é um modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais suscetíveis de exercício continuado (entre eles, as servidões e o usufruto), pela posse prolongada no tempo, acompanhada de certos requisitos exigidos pela lei. Por sua vez, a prescrição extintiva, tratada na Parte Geral do Código Civil, é a perda da pretensão e, por conseguinte, da ação atribuída a um direito e de toda a sua capacidade defensiva, em consequência do não uso dela durante determinado espaço de tempo. O art. 1.244 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line), entretanto, mostra que se tratam de institutos símiles, ao estabelecer que “[...] estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspen- dem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião”. Consequentemente, dentre outras proibições, não se verifica usucapião entre cônjuges, na constância do casamento, entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar, etc. Conforme Gonçalves (2012), também não corre a prescrição (art. 198) contra os absolutamente incapazes, de que trata o art. 3º do Código Civil. No link a seguir, você terá acesso ao artigo “A usucapião extrajudicial após a Lei 13.465/2017 e a Escritura de Justificação Notarial”, que apresenta uma análise das mudanças propostas pela nova legislação relativa à usucapião extrajudicial: https://goo.gl/dPnwTo 269Direitos reais Legislacao_Civil_Aplicada_II_Book.indb 269 22/05/2018 13:31:50 Concessão de direito real de uso Está contemplada no art. 1.225, XII, do Código Civil. Conforme Pereira (2017, p. 113): [...] trata-se de contrato administrativo por meio do qual o poder público concede ao particular direito real resolúvel de uso de terreno público em que não existam benfeitorias ou de espaço aéreo que o recobre, estabelecido conforme os fins previamente estipulados em ato normativo, de competência do ente federativo concedente. Superfície O direito de superfície (ius superfi ciei), conforme Pereira (2017, p. 231), “[...] surgiu como relação de direito público”, originário da locação; mais tarde ingressou no direito privado como modalidade especial de direito real. Segundo o autor, “[...] no Direito moderno, a fi gura do direito superfi ciário encontrou sucedâneo na locação, na divisão da propriedade (dominium utile), na servidão”. Conforme Pereira (2017, p. 231), o direito de superfície caracteriza-se como um direito real sobre coisa alheia, e se apresenta como um desdobramento da propriedade. O art. 1.369 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line) diz que “[...] o proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis”. O parágrafo único informa que “[...] o direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão” (BRASIL, 2002, documento on-line). Azevedo (2014, p. 168) explica que: [...] embora o direito de propriedade seja diverso do de superfície, os dois exer- cem-se sobre o mesmo imóvel, em cuja matrícula devem ser registrados. Esse registro é indispensável à existência do direito de superfície, como visto, sob pena de não existir direito real e sim vínculo contratual de locação ou arrendamento. O art. 1.372 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line) prevê que “[...] o direito de superfície pode transferir-se a terceiros e, por morte do superficiário, aos seus herdeiros”. Já o art. 1.374 do Código Civil aponta como causa extintiva do direito de superfície o caso de o superficiário dar ao terreno destinação diversa daquela para que foi concedida. Direitos reais270 Legislacao_Civil_Aplicada_II_Book.indb 270 22/05/2018 13:31:51 Servidão Segundo Azevedo (2014), ante a inexistência, atualmente, da servidão pessoal (escravidão), não há necessidade de adjetivar a servidão (servidão predial). Toda servidão é, portanto, predial, considerando-se, atualmente, servidões pessoais o uso, o usufruto e a habitação. A servidão é o encargo que suporta um prédio, denominado serviente, em benefício de outro prédio, chamado dominante, conferindo ao titular o uso e gozo do direito ou faculdade. Conforme art. 1.378 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line), “[...] a servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis”. Essa utilização de um prédio por outro não é indispensável, mas necessária ou vantajosa. Segundo Gonçalves (2012, p. 383), denomina-se “[...] servidão porque coloca na relação de sujeito ativo e passivo os prédios entre os quais se constitui [...], e real porque origina uma relação direta de prédio a prédio e não de prédio a pessoa, como ocorre, por exemplo, no usufruto”. Como direito real, a servidão só se constitui ou se transmite por atos entre vivos após o seu registro no Cartório de Registro de Imóveis, conforme preleciona o art. 1.227 do Código Civil. O exercício contínuo e sem contestação de uma servidão aparente, por 10 anos, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumada a usucapião. Caso o possuidor não tenha título, o prazo da usucapião será de 20 anos. Usufruto O conceito clássico de usufruto, conforme Gonçalves (2012, p. 403), o defi ne como o direito de usar uma coisa pertencente a outrem e de perceber-lhe os frutos, ressalvada a sua substância (usus fructus est ius alienis rebus utendi fruendi, salva rerum substantia). Segundo Azevedo (2014), o usufruto pode recair em um ou mais bens imóveis, constituindo-se, neste caso, mediante registro no Cartório Imobiliário (art. 1.391 do Código Civil), quando não resulte de usucapião, ou sobre bens móveis (art. 1.390 do Código Civil), sendo indispensável, neste caso, a tradição. Segundo Azevedo (2014, p. 177), o “[...] usufruto é personalíssimo e deve durar ao longo da vida do usufrutuário. [...] Ele recai sobre coisas inconsumíveis, que devem ser restituídas ao final no mesmo estadoprimitivo”. 271Direitos reais Legislacao_Civil_Aplicada_II_Book.indb 271 22/05/2018 13:31:51 A ideia de preservação da substância é essencial à noção de usufruto. Conforme Gonçalves (2012, p. 403), “[...] enquanto ao usufrutuário se transfere o direito temporário de usar e gozar da coisa alheia, impõe-se-lhe o dever de preservar a substância”. Ainda segundo o autor, “[...] alguns dos poderes inerentes ao domínio são transferidos ao usufrutuário, que passa a ter, assim, direito de uso e gozo sobre coisa alheia. Como o usufruto é temporário, ocor- rendo sua extinção passará o nu-proprietário a ter o domínio pleno da coisa, (GONÇALVES, 2012, p. 403). Assim, esse direito real de usufruto “[...] despe o proprietário do direito de usar e fruir a coisa; daí a ideia de que se torna nu-proprietário. Esse direito de usufruto é temporário e não pode durar além da vida do usufrutuário, sendo intransferível, malgrado o seu exercício possa ser cedido, onerosa ou gratuitamente, enquanto durar o usufruto (art. 1.393 do Código Civil)” (AZEVEDO, 2014, p. 177). Uso O uso é um usufruto limitado, com as mesmas características, sendo tempo- rário, indivisível e não pode ser alienado ou transferido. Conforme Azevedo (2014, p. 185), “[...] usar é ter o bem sob sua posse, podendo este ser móvel ou imóvel”. Habitação Conforme o art. 1.414 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line), “[...] quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia, o titular deste direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua família”. Conforme Azevedo (2014, p. 187), “[...] a habitação pode ser legal ou voluntária; a primeira decorre da lei, a segunda da vontade do interessado, decorrendo de uma convenção, de uma declaração unilateral ou do testamento”. O art. 1.415 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line) esta- belece que, “[...] se o direito real de habitação for conferido a mais de uma pessoa, qualquer delas que sozinha habite a casa não terá de pagar aluguel à outra, ou às outras, mas não as pode inibir de exercerem, querendo, o direito, que também lhes compete, de habitá-la”. Ainda, de acordo com o art. 1.416 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line), “[...] são aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto”. Direitos reais272 Legislacao_Civil_Aplicada_II_Book.indb 272 22/05/2018 13:31:51 Penhor, hipoteca e anticrese Penhor, hipoteca e anticrese são direitos reais de garantia, conforme estabelece o art. 1.419 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line): “[...] nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem dado em garantia fi ca sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação”. O penhor está disciplinado nos arts. 1.431 a 1.472 do Código Civil. A regulamentação da hipoteca é realizada dos arts. 1.473 a 1.505, e a anticrese consta nos arts. 1.506 a 1.510. Antigamente, as sociedades primitivas desconheciam a existência da ga- rantia real. O devedor respondia com o próprio corpo pelo pagamento de suas dívidas. Posteriormente, a execução contra a pessoa do devedor foi abolida, instituindo a responsabilidade sobre seus bens se a dívida não procedia de delito. Conforme Gonçalves (2012, p. 442): [...] desde então tem sido adotado, nas diversas legislações, o princípio da responsabilidade patrimonial, segundo o qual é o patrimônio do devedor que responde por suas obrigações. Desse modo, o patrimônio do devedor constitui a garantia geral dos credores. Efetiva-se pelos diversos modos de constrição judicial (penhora, arresto, sequestro), pelos quais se apreendem os bens do devedor inadimplente para vendê-los em hasta pública, aplicando-se o produto da arrematação na satisfação do crédito do exequente. A garantia real é mais eficaz do que a garantia pessoal, porque vincula determinado bem do devedor ao pagamento da dívida. “Em vez de ter-se, como garantia, o patrimônio do devedor, no estado em que se acha ao se iniciar a execução, obtém-se, com garantia, uma coisa, que fica vinculada à satisfação do crédito”, conforme Gonçalves (2012, p. 444). Segundo Gomes (2012, p. 349), “[...] direito real de garantia é o que confere ao credor a pretensão de obter o pagamento da dívida com o valor de bem aplicado exclusivamente à sua satisfação. Sua função é garantir ao credor o recebimento da dívida, por estar vinculado determinado bem ao seu pagamento”. O direito do credor “concentra-se sobre determinado elemento patrimonial do devedor”. Os atri- butos de sequela e preferência atestam sua natureza substantiva e real. Penhor O art. 1431 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line) estabelece que “[...] constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação”. O parágrafo único indica que 273Direitos reais Legislacao_Civil_Aplicada_II_Book.indb 273 22/05/2018 13:31:51 “[...] no penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e conservar”. Segundo Azevedo (2014, p. 189), é um “direito real de garantia, de caráter acessório, em que uma coisa móvel, em regra, fica na posse do credor para garantir o recebimento de seu crédito. É, portanto, erga omnes, vale contra todos”. Gonçalves (2012, p. 467) completa: O penhor recai, ordinariamente, sobre bens móveis, ou suscetíveis de mobi- lização. Tal peculiaridade constitui um dos traços distintivos entre o aludido instituto e a hipoteca. Mas se aplica somente ao penhor tradicional, visto que a lei criou penhores especiais que incidem sobre imóveis por acessão física e intelectual, como o penhor rural e o industrial (tratores, máquinas, colheitas pendentes e outros objetos incorporados ao solo), e ainda admite hipoteca sobre bens móveis, ou seja, sobre navios e aviões. Os sujeitos da relação jurídica são o credor – que fica com a posse da coisa em garantia –, e o devedor, que a entrega. O contrato tem natureza real, pois aperfeiçoa- -se com a entrega do objeto. No entanto, no penhor rural, “[...] não ocorre a tradição da coisa para as mãos do credor. A este é deferida a posse indireta, enquanto o devedor conserva a direta, como depositário”, conforme Gonçalves (2012, p. 474). De acordo com o art. 1.432 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line), “[...] o instrumento do penhor deverá ser levado a registro, por qualquer dos contratantes; o do penhor comum será registrado no Cartório de Títulos e Documentos”. Hipoteca É o direito real de garantia sobre coisa imóvel alheia. De acordo com Gomes (2012, p. 355), a coisa “[...] se conserva em poder do devedor, tendo o credor a faculdade de promover a sua venda judicial, e preferir, no pagamento, outros credores, observada a prioridade na inscrição”. Anticrese É também direito real de garantia sobre coisa imóvel alheia. Conforme Gomes (2012, p. 355), “[...] a posse é transferida ao credor para que lhe perceba os frutos e rendimentos, que fi ca com o direito de retê-la em seu poder, enquanto a dívida não for paga”. O art. 1.506 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line) indica que “[...] pode o devedor ou outrem por ele, com a entrega do imóvel ao Direitos reais274 Legislacao_Civil_Aplicada_II_Book.indb 274 22/05/2018 13:31:51 credor, ceder-lhe o direito de perceber, em compensação da dívida, os frutos e rendimentos”. Direitos pessoais Os direitos pessoais estão disciplinados nos arts. 233 a 420 e nos arts. 854 a 965 (Direito das Obrigações), nos arts. 421 a 853 (Direito Contratual) e nos arts. 966 a 1.195 (Direito de Empresa), no Código Civil de 2002. Também existem regras sobre direitos pessoais nos livros do Direito de Família e das Sucessões. Conforme Tartuce (2017, p. 77): [...] o contrato, como é cediço, está situado no âmbito dos direitos pessoais, sendoinafastável a grande importância da vontade sobre ele. A vontade é o próprio elemento propulsor do domínio do ser humano em relação às demais espécies que vivem sobre a Terra, ponto diferenciador dos fatos humanos (atos jurídicos ou jurígenos) em relação aos fatos naturais (fatos jurídicos stricto sensu). Abordaremos a seguir alguns exemplos relacionados ao direito pessoal. Locação Conforme Tartuce (2017, p. 484): [...] contrato de locação é aquele pelo qual uma das partes, mediante remune- ração (aluguel, salário civil ou preço), compromete-se a fornecer à outra, por certo tempo, o uso de uma coisa não fungível, a prestação de um serviço, ou a execução de uma obra determinada. [...] É um contrato bilateral ou sinalag- mático (pois traz obrigações recíprocas), oneroso (pela presença de remune- ração), comutativo (as partes já sabem quais são as prestações), consensual (aperfeiçoa-se com a manifestação de vontades) e informal e não solene (não é necessária escritura pública ou forma escrita, como regra geral). Trata-se também de típico contrato de execução continuada (ou de trato sucessivo). Conforme o art. 573 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on- -line), “[...] a locação por tempo determinado cessa de pleno direito findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso”. Se, ao final do prazo, o locatário continuar na posse da coisa alugada, sem oposição do locador, presume-se prorrogada a locação pelo mesmo aluguel, mas sem prazo determinado, de acordo com o art. 574 do Código Civil. 275Direitos reais Legislacao_Civil_Aplicada_II_Book.indb 275 22/05/2018 13:31:51 Doação Conforme o art. 538 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line), “[...] considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”. O contrato é consensual, pois se aperfeiçoa com a manifestação de vontade das partes. O art. 539 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line) estabelece que “[...] o doador pode fi xar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo”. Para Tartuce (2018, p. 806), “[...] em suma, não se trata de contrato real, em regra, que é aquele que tem aperfeiçoamento com a entrega da coisa”. Fiança Assim como o penhor, a hipoteca e a anticrese são tipos de garantias, só que reais, a fi ança é garantia fi dejussória ou pessoal, na qual um “[...] terceiro se responsabiliza pela solução da dívida, caso o devedor não cumpra com a obrigação. Decorre do contrato de fi ança (Código Civil, art. 818). É uma garantia relativa, porque pode acontecer que o fi ador se torne insolvente por ocasião do vencimento da dívida” (GONÇALVES, 2012, p. 444). Conforme o art. 819 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line), “[...] a fi ança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva”. Direitos reais276 Legislacao_Civil_Aplicada_II_Book.indb 276 22/05/2018 13:31:52 AZEVEDO, A. V. Curso de Direito Civil: direito das coisas. São Paulo: Atlas, 2014. BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 9 maio 2018. GOMES, O. Direitos reais. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. GONÇALVES, C. R. Direito Civil brasileiro: direito das coisas. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v.5. PEREIRA, C. M. S. Instituições de Direito Civil. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. IV. TARTUCE, F. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 12. ed. São Paulo: Forense, 2017. v. 3. TARTUCE, F. Manual de Direito Civil: volume único. 8. ed. São Paulo: Método, 2018. VENOSA, S. S. Direito Civil: direitos reais.13. ed. São Paulo: Atlas, 2013. Direitos reais278 Legislacao_Civil_Aplicada_II_Book.indb 278 22/05/2018 13:31:52
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