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ISBN 85-7106-289-7 L,7' L94 Coleção Pensamento Criminológico Cristina Rauter Crilninologia e subjetividade no Brasil / ~ Instituto Carioca de Criminologia €R Editora Revan ~Pensan1ento Criminológico Prof. Dr. Nilo Batista © 2003 Instituto Carioca de Criminologia Rua Aprazível, 85 - Santa Tereza Rio de Janeiro/RJ CEP: 20241-270 Tef: (21 )2221 1663 fax (21 )22243265 criminologia@icc-rio.org.br Edição Revan Av. Paulo de 163 20260-010 Rio de Janeiro R,J tel: ) 2502 7495 fax: ) 2273 6873 editora@revan.com.br / www.revan.com.br Projeto gráfico Luiz Fernando Gerhardt Revisão Sylvia Moretzsohn Diagramação lido Nascimento RaUler, Cristina. Criminologia e subjetividade no Brasil! Cristina Rauter. -- Rio de Janeiro: Revan, 2003 128p. ISBN 85-7106-289-7 1. Direito penal. A ;ninhas filhas, Luísa e Clara Sumário À guisa de prefácio ......................................................... 9 Apresentação ......................... , ......................................... 11 O nascimento da criminologia no Brasil 1. Introdução .................................................................... J5 2. Os juristas e os "progressos da ciência" ......................... 19 Era o caos por toda parte ............................................. 19 c direito ......................................... 25 Sobre a a h~i ..................................... 27 Sobre o livre arbítrio .................................................... 28 Sobre as penas .............................................................. 28 Sobre a natureza do ato de julgar e a origem das leis ....... 29 3. Da anormalidade do criminoso ......................................... 30 --Uma espécie à parte do gênero humano ......................... 30 Anormais morais .......................................................... 34 O brasileiro e a degeneração moral ............. , ................. 37 Curar o crinlinoso ........................................................ 39 Crime e loucura ........................................................... 41 Criminologia e .......................................... 41 Os estados crepusculares da liberdade .......................... 44 O destino do louco-criminoso ....................................... .49 Todos somos criminosos ou a 11".\.."'J, .... ",,;; ......... 50 4. Da anonnaHdade social ................................................. 57 Ferri, a psiquiatria e as causas sociais do crime .... 58 o micróbio o meio de ......................... 1 e l'eforma socia I ..... : ........................... 62 ;Vluitidões crimiílOsas .............................................. 65 5. O Penal de 1940: ....................................................................... 75 do preconceito ........................ -....................................... 83 1. A história individual: o condena ........................ 88 ....... 9S 4. do cárcere .......................... 'I' ....................... 98 5. O tratam.ento penitenciário ............................................ 1 02 6. Conclusão ........................................................................... 1 07 Bibliografia ........................................................................ 111 Os carreiristas indisiciplina Um estudo sobre a psiquiatria e seus ........ ll3 Justiça e psiquiatria ........................................................... 113 o psic(lP~lta como limite entre a 114 A de um saber sobre as .................... 118 Os "carreiristas da indisciplina" ........................................ 121 ........................................................................ 125 É uma honra para a Pensamcnto este que reúne três trabalhos da Cristina Raulcr. Desde os anos setenta, Cristina desenvolve não apenas um mas sobretudo uma militância- iniciada como psicóloga do e aprofundada mais tarde como vice-presidente do Conselho Penitenciário que saberes história do inflAm. vinhetas l' ctt) código criminal imperial não impunham irrestritamcntc a institucio- nalização dos loucos - solução que a reforma que resultaria no código penal de 1890 manterá - as coisas vão mudar na primeira República. O sucesso do positivismo criminológico entre nós tem uma dívida com a abolição da escravatura, porque o discurso do controle pcnal tem que mover-se do paradigma escravista da il1ferioridadejuríclica para o da inferioridade biológica; ao contrário do primeiro, pura decisão ca, o segundo de demonstração "científica". Nina achava que seu As roças hUlilonas era um cstudo dc naI. Enquanto, na última década do século XIX. o das de era inventado na Europa, os vados e recolhidos por co e processos c crimi- mcdi- eram obser- de em momento a alta provir de decisão laudo psiquiátrico converter-se cm alvará de soltura, é o que Cristina nos rcvela e nos drásticos. Sim, bem que neste campo uma tcó- rica tem o mesmo efeito de uma legal, para o bem ou o 9 mal. Alguémjá se esqueceu da segunda parte do § 4 o das novas regras formuladas pelo Dr. Simão Bacamarte, que significou não só o esva- ziamento da Casa Verde, mas também abriu suas portas para outros hóspedes compulsórios? O segundo trabalho se detém sobre a expressiva~mostragem de 120 laudos de exame para de cessação de periculosidade. Embora banidos da prática da execução penal pela reforma de 1984, Cristina tem toda a razão em que "permanece muito do rito que os criou". Por fim, temos a bem-vinda reedição do primoroso c_esgotadíssimo Os carreiris:as da indisciplina, publicado em 1979 pela Achiamé: o implacávelidesnudamento das entidades nosográficas c0!1hecidas por "personalidade psicopática" e "personàÚdade sociopata". Qualquer quantos mi- con- que permanecem ainda que vampirescamente refugiados nas tumbas, à espera dos enig- mas chocantes - um maníaco do parque, por exemplo - cujo sangue lhes garantirá mais sobrevida. Cristina Rauter é uma:interlocutora especial para os juristas sedi- ciosos porque, invertendo o sentido do contubérnio positivista, atribui à investigação psiquiátrica ou psicanalítica um sentido libertador. Nilo Batista 10 Apresentação Este conjunto de textos se propõe a discutir a criminologia brasileira enfocando-a sob doisfispectos pelo menos. Inicialmente, em "O nasci- mento da criminologia no Brasil", empreendemos uma análise da emer- gência do discurso criminológico a partir de novos elementos que foram sendo incorporados ao discurso jurídico liberal a partir do final do século XIX. A partir desta análise podemos conel uir que, não obstante sua fragi- !idade teórica, a crimiriologia já nasce útil- ela não apenas esconde uma realidade carcerária violenta, mas a instrumenta, maximizando seus tos. No contexto de dadedo dos" psiquiátricos, psicológicos, etc.) muitas vezes, perância do próprio sistema, por seu funcionamento discriminatório e ilegítimo, introduzem apenas novos entraves burocráticos que têm como principal efeito concreto o aumento puro e simples da pena. Não é à individualização da pena ou à implementação de novas tecnologias de tra- tamento do delinqüente que prestam serviço a multiplicação das avalia- ções ensejadas a partir do advento da crimínologia. Não seda inexato dizer que o principal efeito dessas novas tecnologias no contexto brasileiro é o aumento da velha pena de prisão. Mas não era disso que tratava desde o início a climinologia, ao pedir o fim da igualdade perante a lei, e clamar por "penas especiais para homens especiais"? Ou ao difundir a idéia de que atrás de cada crime se escondia uma personalidade perigosa, doente e geralmente incurável? Os outros dois textos dizem respeito mais especificamente à implementação prática do discurso criminológico na r~alídade ." Em "Diagnóstico psicológico do cdmínoso: tecnologIa do preconce~to , laudos realizados com a finalidade de avaltar a . Em "Os carreiristas da indis-11 ciplina", analisamos o funcionamento do de psicopatia no ínteriorde um estabelecimento operando como modo de e llL',ILd.V de "rebeldes". Os três textos foram escritos ças ocorreram no da o fato de que o Exame para riculosidade, o não é mais realizado '"II"",->,,,(10S Não existe mais denominada "duplo , em que se aplicava a pena e a da de contra-senso que o mais febril dos veria razões para c cuja adoção atendeu apenas a motivações de política criminal, de conciljação do inconciliável, ao estilo brasileiro. Como Uma certo tipo de "n'1entalidade crirrunológica" fundamenta estas avalià- ções e laudos. A transformação do crime em doença, ptinci paI efeito do discurso criminológico, deixou marcas indeléveis nos modos de proce- der dos técnicos d~ "sisten)a", com efeitos palpáveis sobre o futuro dos seus avaliados. No momento atual, porém, a crença nas possibilidades de .. tratamet'lto deste "doente" ou anormal parece estar em franca decadên- cia, impulsionada pelo discurso da "tolerância zero". O que se quer hoje, mais enfaticamente, sob a pres~ão histélÍca de um inexorável e incontrolável aumento da criminalidade, é diagnosticar para encarcerar pura e simples- mente, mais do que para tratar ou individualizar a pena. Haverá individualização da pena em presídios de segurança máxima? Haverá ain- da interesse em que detento's estudem na prisão, ou que aprendam qual- quer ofício? Há toda uma redefinição da função do encarceramento em curso no sentido (infelizmente) da ênfase no aspecto punitivo, com me- nos pudores que outrora, em detrimento do sonho de modificar ou inler- vir sobre a personalidade do delinqüente. Cabe notar que o discurso da criminologia, desde os seus primórdi.os, não fez outra coisa que cantar 12 aos quatro ventos esse irresistível aumento da criminalidade, de conclamar a todos para a de mais modem as e A LC;L.llL"V)".Ht Por outro da população se constitui cada vez mais a zona cinzenta do tráfico e do uso de como forma predominante de cri mina lização . dos pobres e ou usuários de outros sociais continuam em minoria ou quase ausentes no penal). Esses novos clientes da prisão e também dos manicômios judiciários nida dessa clientela gra- que se trala, , ainda associada a transtornos anti-sociais. J,-' Em "Os'carreiristas da Íl1disciplina", abordamos a questão da psicopatia. O diagnóstico sofreu transforr:nações, sendo prefe:'ida ho}e a , categoria de Transt01110 Anti-Social, a pintir da DSM IV, a maiS atuahza- da classificação internacional de doenças mentais, A psiquiatria america- na contemporânea, ou quem sabe poderíamos chamá-la com mais exati- dão de psiquiatria globalizada, ou até "impelial", e, em especial, a corrente denominada "psiquiatria biológica", qtfer afastar-se de denominações re- lacionadas a estados internos. Afasta-se da psiquiatria outrora denomina- da "dinâmica", de inspiração psicanalítica, ou de inspiração fenomenológica, e aproxima-se de correntes comportamentais, em que a descrição P/u~'a e simples, considerada objetiva e não filiada a qualquer corrent~ te~n~a, atende melhor às definições atuais sobre o que é científico em pSl,qUlatna. o\transtorno anti-social não é diferente da psicopatia num aspecto básico~~ de pretender fazer da oposição às leis, da rebeldia, da desobedi- o sintoma de uma doença1A mudança reside muito na desen- voltura com que os novos psiquiatras, apoiados em suas ditas neutras e descompromissadas, se desobrigam de buscar causas ou 13 de contextualizar os fenômenos que observam. Estão comprometidos apenas com descrições "objetivas" de comportamentos que os autorizam pragmaticamente a eIlfrentar esses transtornos "Com o arsenal medicamentoso da moderna psiquiatria. Para cada síndrome, UJ11 moder- no medicamento - a potente indústria fannacêutica parece ter encontrado um novo campo, o da prisão, ~àra vender seus produtos. Isso já é verda- de nas americanas; será necessário empreender urna pesquisa sobre essa questão nas prisões brasileiras. De qualquer modo, já estão lançadas as bases para que, sem qualquer pudor, se diga que as síndromes anti-sociais têm maior incidência nos bainos pobres e nas prisões, e para que se busque resolver pragmaticamente a questão, pela via medicamentosa, sem necessidade de qualquer reflexão teórica ou política. A chamada "reforma psiquiátrica", com suas excelentes inten- ções no sentido de pedir a reinserção do doente mental na sociedade e o fim dos manicômios, parece não chegar ao campo penitenciário. Ao o se acolhendo novos cli- entes, mesmo em que a psiquiatria imperial se em direção aos normais mais do que aos loucos desarrazoados de outrora: o diagnóstico de transtorno anti-social, este híbrido situado a meio caminho entre justiça e psiquiatria, é urna das ferramentas dessa nova tendência expansionista, pois se refere a estranhas formas de loucura lúcida, difíceis de diferenciar da normalidade. Sobre a criminologia, a mais pragmática e utilitária entre as ciências humanas e, por outro h;ldo, talvez a menos coerente e sistemática, podemos dizer que segue sendo um poderoso instrumento de 6ontrole social, acolhendo cm seu campo de dispersão as recentes contribui- ções de uma psicologia e de uma psiquiatria globalizadas. A partir de uma análise de sua emergência histórica no Brasil e de seus usos con- cretos em instituições penais brasileiras, pretendemos contribuir para seu combate e para a dinrinuição de seus efeitos mortificadores. Niterói, ] 1 de março de 2003 14 o nascimento da criminologia no Brasil 1. Introdução Este trabalho tem por objetivo analisar a constituição históri- cá da criminologia no Brasil, bem cOmO a história das transforma- ções dos dispositivos de poder que este saber foi capaz de instrumentar. Tomaremos a déeada de 1930 como período privile- giado, uma vez que foi particularmente fecundo na elaboração das idéias que geraram o Código Penal de 1940. Éjustamente o "Novo Código" que incorporará a noção de periculosidade, como resulta- do décadas de discussões nos meios brasileiros em torno da de modos de julgar e f. Não é nosso tivo, ,'empreender uma análise mais aprofundada sobre as tr~nsformações pelas quais passava o Estado brasileiro na época. Ativemo-nos exclusivamente às transformações no âmbito do dis- curso jurídico e a algumas mudanças nos dispositivos legais relacio- nados ao discurso crirrlÍnológico que se difundia. ' Ao tomarmos a criminologia como um "saber", estamos desde já nos afastando de um tipo de an1ilise que pretendesse formular uma , nova criminologia, capaz de resolver os problemas de uma anterior, excessivamente vinculada ao Estado e a seus interesses. As relações entre saber e poder são, em nossa concepção, intrínsecas. Lançando mão da noção de "poder disciplinar"!, pode- mos compreender os saberes enquanto partes de estratégias de poder. Neste sentido, as humanas (psicologia, psiquiatria, criminologia e outras) surgem historicamente como ponto de apoio para novas técnicas de gestão das massas humanas, capazes de I Michel Foucault. Vigiar Vozes, p. 191-9. 15 controlá-las, fixá-las e de produzir indivíduos vista da produção e dóceis do ponto de vista polític02. do ponto de A de poder não deve ser com- exclusiva a transformações ocorridas no As ~"'v',JU"'L'0 se como uma rede que atravessa o espaço social, não têm como fonte única o (embora não estejam desligadas dele), mas se em dis- positivos nas instituições, nos métodos de vigilância e COl1- tw1eJJa Por outro lado, o modo de funcionamento deste dispositivo .não se caracteriza apenas pela repressão, pela violência, rrfas também i)ela . produção de saberes que instrumentam táticas de controle, fixação e adestramento dos corpos. pela da não apenas como de os de presentes na prisão e mesmo fora dela, a rede forma- da pelos procedimentos policiais, pedagógicos e assistenciaís que a complementam, são todos eles produtores de "conhecimentos" relati- vosaos indivíduos sobre os quais se exercem. Da mesma forma, a constituição da psiquiatria não pode ser se- parada da criação do asilo, que inaugura novas formas de gestão da loucura, abrindo espaço para uma observação "cientificamente" orien- tada do louco, que o redefinirá como um "doente" 5 • Cabe também aqui esclarecer o que entendemos por reconstituicão da história de um saber. Não se trata de buscar nos precursores' os primeiros sinais de uma verdade que ao longo do tempo pode se tor- nar mais evidente. Não se trata também de marcar o pontoa partir do 2 Id.. ibid. p. 193. 3 Roberto Machado. "Por uma genealogia cIo poder". Prefácio n Michel Foucault, Microfísica do podei; Rio de Janeiro, Graal, 1979, p.VIl-XXIII. 4 Michel Foucault. op. cit., p. 172. 5 lel. História da lOl/cura. São Paulo, Perspectiva, 1978. p. 459-503. 16 qual passou-se ao domínio científico, fazendo aparecer o passado como um passado de erros6. Interessará aqui conceber a história da criminologia como a história das marchas e contramarchas de um novo dispositivo de poder que se armou no Brasil, no interior do qual o saber deve ser entendido, enquanto "arma,,7. A condução deste tipo de análise no contexto brasileiro requer especiais. Sendo as disciplinas características de socie- dades industriais avançadas, que papel desempenhariam numa socie- dade como a nossa, na qual as formas de dominação burguesa encon- tram (e encontraram historicamente) métodos peculiares de implanta- ção? RemetemcH10s aqui a uma problemática ampla, que vem sendo discutida por diversos autores8: a de não se poder falar de uma "revo- lução burguesa" no sentido estrito entre nós, de se ter que repensar as características do Estado de se criticar as análises que pen- sam a social de atraso, de repe- tição tardia e elos nas soei- edadeS ditas desenvolvidas. Se as disciplinas são como que a outra face do liberalismo polí- tico, como pensá-las no Brasil, onde a ação do Estado sempre se fez de modo violento, onde as relações antagônicas entre as classes não puderam ser absorvidas ou geridas através das estratégias mais sutis e anônimas características deste dispositivo de controle social? Sem pretender dar uma resposta definitiva a essas questões9, deixemos esclarecido que não pensamos que saberes como a psiquia- 6 Sobre a concepção descontinuÍsta da história das ciências, ver, entre outros, Michel Pêcheux e Michel Fichant. Sobre la historia de las ciendas. Buenos Aires, Siglo XXI, 1971. 7 Gilles Deleuze. "Os intelectuais e o poder", in Microfísica do p. 71. 8 A questão é colocada com relação ao papel da burguesia industrial na revolução cIe 1930 em Boris Fausto (A revoluçâo de 1930. São Paulo, Brasiliense, 1972) c Paulo Sérgio Pinheiro (Política e trabalho no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977). 9 Ver a esse respeito Roberto Machado et aI. Da(n)ação da norma. Rio de Janeiro, Graal, 1978. 17 tria, a criminologia, a psicologia, estejam no Brasil "fora de lugar"JO, no sentido de que sirvam apenas para esconder, de modo imperfeito, uma outra realidade política, sem ter qualquer efeito positivo. Estudando o discurso da criminologia em seu processo de im- plantação no Brasil, pretendemos mostrar que embora em muitos mo- mentos ele tenha servido como disfarce, noutros foi evidente seu pa- pel positivo. A constituição histórica deste saber está ligada, como procuraremos mostrar, à instauração de novas formas de julgamento, - à reforma (ainda que sempre inacabada) das instituições penais, en- fim, à implementaçãO novas de controle social de que se arma o Judiciário para realizar o que a própria criminologia vai definir como "defesa da sociedade". . Estas transformações correspondem a um processo de "norma- lização"]1 da sociedade brasileira, que não se dá apenas no nível das práticas judiciárias, mas pela escolarizDção, pela mediealização, etc., e que são o correlato do de um indus- trial" crescente. Veremos nos 3 e 4 como se respectivamente as noções de anormalidade do criminoso e anormali- dade social, que instrumentam uma transformação das concepções relativas ao delito. Segundo Georges Canguilhem, "uma norma se propõe como um modo possível de unificar um diverso, de reabsorver uma diferença, de resolver uma desavença ... a regra só começa a ser regra fazendo regra e essa função de correção surge da própria infração" 12. O modo de absorção ou dissolução das diferenças e contradições nas socieda- des industriais vai ser cada vez mais a normalização técnica, pela qual se pretende racionalizar a produção e ao mesmo tempo racionalizar a vida social e o comportamento dos indivíduos. 10 Roberto Schwarz. Ao vencedor as batatas. São Paulo, Duas Cidades, 1977, p. 13-25. ti Georges Canguilhem. O normal eo Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1 p. 210. 12Id., ibid. p. 212-3. 18 O processo brasileiro vai requerer que se pensem certas es- pecificidades: não se pode dizer que as normas sociais, econômicas, técnicas ou jurídicas tenham se generalizado ou difundido na socieda- de de uma forma abrangente, da mesma maneira que o processo in- dustrial. No entanto, não se trata de diminuir a importância destes mecanismos: talvez o que tenhamos de pensar sejam fornías peculia- res de combinação, nas quais a repressão ou a tentativa de solução das contradições por essa via se articule com estas formas "novas", ca- racterísticas do processo de normalização. É o que pretendemos também discutir ao longo deste trabalho, em especial no capítulo 5: de fato, no Brasil, o Judiciário incorporou o que poderíamos chamar de uma tecnologia penal normallzadora, com o advento e expansão do discurso da criminologia. No entanto, no nível das práticas sociais (das instituições elo Judiciário), este proces- so não pôde se dar sem um ônus de violência que aparentemente o contradiz. Esta bizarra, até certo de norma e re- talvez a peculiaridade no processo de zação da sociedade brasileira. As operações conhecidas como de "re- educação", "cura" ou "ressocialização", etc., não podem se dar sem um nível de violência mais ou menos explícitq que todo o tempo as denuncia. 2. Os juristas e os "progressos da ciência" Era o <;.aos por toda parte O aparelho judiciário é a instância que possibilita e assegura as condições de exploração que um grupo de indivíduos exerce sobre outro na sociedade. Mas sua ação não deve ser entendida unicamente no sentido da repressão, da violência explícita da polícia, ou da exclu- são pelo encarceramento. Ao lado destes efeitos mais visíveis, é posta em uma engrenagem que inclui também saberes destinados a instrumentar e validar tais procedimentos. encobrissem ou mascarassem as verda- deiras Ao eles se de modo 19 indissociável com as mesmas, produzindo efeitos concretos, capazes de dotá-las de novos e mais eficazes métodos de controle sobre a Os cesso de zaria as sociedades do a uma forma de so, de um contrato costumam referir-se a um pro- que caracteri- ter-se-ia seriam fruto de consen- Nessa ser punido sem que uma lei preexistente, e proporcionalmente ao mal que praticado contra a sociedade. A aplicada a que o contrato antes de tudo legítima, além de serjusta porque aplicada a todos indiferenciadamente. leis ter-se-ÍalTl e cstc proccsso na maIs menos o o que na verdade que, se de urn lado não tem mais as formas claramente violentas de punição, como o açoite, os suplícios, as fo- gueiras ou os métodos de intimidação exercidos diretamente sobre o corpo, surgem, de par com este aparente abrandamento das penas, novas tecnologias de poder capazes de, com diferentes métodos, con- seguir a sujeição e a docilidade dos indivíduos. A disciplina é esta nova tecnologia de poder que age, de certo modo, como prolongamento da lei, preenchendo os espaços vazios deixados pelo'Judiciário. /' Com o desenvolvimento da sociedade burguesa, desenvolve- ram-se também a medicina social, a escolarização em massa, a polí- cia, os métodos de racionalizaçãoda produção, os sistemas carcerários. O espaço social foi reorganizado no sentido de impedir que as massas populares, ao invés de serem obedientes ao "contrato", descambassem para as ilegalidades, para o desrespeito à propriedade privada, para o não pagamento dos impostos cobrados pejo Estado, etc. A não obser- vância das leis do Estado vai ser um problema combatido não apenas pela punição, mas, preventivamente, haverá uma tentativ,úle se for- 20 mar, pelos diversos dispositivos disciplinares (pedagógico, médico, militar, etc.), gerações de indivíduos obedientes à lei. Mas é de uma outra lei que se trata aqui - que se de maneira sutil, lento 'U1LUUV da disciplina, do adestramento corporal; que se faz ao em que se educa o povo, se de higiene, se torna o militar obrigatório. Trata-se ela norma, atra- vés de cuja generalização na sociedade o Estado burguês garante a do contrato social em bases liberais. A vinda da família real portuguesa para o Brasil trouxe-nos os ventos das grandes tnmsformações As "Bases da Consti- tuição da Monarquia Portuguesa", promulgadas em 1821, prepara- ram terreno para a Constituição do Império e para o Código Penal de 1830. Ele vinha substituir as nas de o crime de encantos, o trato ilícito de cristãos com Judia ou Moura, e o furto de marco de são igualmente punidos com pena de morte 13 . Os juristas liberais saúdam este processo humanizador por que passam as leis brasileiras e olham para o passado com indignação. A pena de morte era freqüente, o direito e a religião se misturavam, a aplicação da lei era desigual, havia as provas secretas, as devassas. Ao marido traído era permitido matar o adúltero desde que esse não fosse fidalgo l4. As leis brasileiras humanizam-se, com a adoção de legislações liberais calcadas 110 modelo europeu. Mas certos autores dirão tam- bém que elas se humanizam excessivamente. Discussões na Câ- mara dos Deputados lamentam o salto exagerado entre as Ordena- ções Filipinas e leis, segundo eles, inadequadas à realidade do país. Defendem o retorno ao fortalecimento da autoridade, ante a amea- 13 João Mendes de Almeida Júnior. Processo criminal brasileiro. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1911, p. 105. 1 4 Id., ibíd. p. 105. 21 ça, segundo já o dizem naquela época, de uma criminalidade cres- cente. É assim que a lei de 3 de dezembro de 1841 já impõe restri- ções ao Código de Processo Penal de 1832, limitando as atribui- dos de paz e conferindo às autoridades policiais fun- ções judiciárias. E, neste momento, a criminalidade é claramente associada à contestação política ao Estado que se implantava. Se~ gundo o Marquês do Paraná, ... a estatística criminal era assombrosa! Era a desordem, a anar- quia, o caos por toda parte! Em diversas províncias o furor re- vo!ucionário se ostentou de modo avassalador... JS o liberalismo das leis desde cedo pareceu inadequado, do ponto de vista do poder político, à realidade do país, sempre a reclamar instrumentos de controle mais eficazes. A coexistência, no Brasil, de uma legislação liberal, com dispositivos autoritários que são como seu "pano de fundo", tem sido uma constante no direito brasileiro. Para no textn das leis são encontradas amiúde de evi- dente sentido liberal, alternadas com outras, com nítida inspira- ção autoritária ... O discurso liberal está aí simultâneo, coexistente com o discurso autoritário da "necessidade" de controle, de segurança, de preservação de valores e de condições de sobre- vivência 16. É também do início do século XIX que data o crescimento em importância da medicina no Brasil e sua expansão enquanto medicina social. As epidemias que assolavam o Rio de Janeiro e o seu combate através de programas de saúde pública trouxeram consigo também uma reorganização do espaço urbano que não se referia unicamente à higiene propriamente dita. A medicina social prescrevia também no- vos hábitos ("civilizados") de vida, novos costumes, combatia a de- 15 Id., ibid. p. 198. 16 Felipe Augusto de Miranda Rosa. e Rio de 1980, p. 37-55. 22 sordem relacionando-a à doença, oferecendo-se ao Estado como fun- damento de uma política social racional e tecnicamente orientada 17; Mas o processo de medicalização da sociedade brasileira teve lenta evolução, permanecendo ainda hoje inacabado, com fo- cos sucesso nos maiores centros urbanos ao lado de re- pouco exploradas. Com isso queremos dizer que o esquadrinhamento do social, efeito característico do poder disciplinar, não se operou no Brasil de maneira tão acabada quanto nos países'de' onde importamos tais mé- todos. Ou seu modo de articulação foi diverso do europeu, com estra- tégias peculiares de poder. Se a medicalização e a escolarização foram implantadas no país de forma desigual, isto não provocou um vazio de poder. O que ocorre é que convivem, no nível das práticas sociais, novas e velhas s em que o de modo mais ou menos onde a repressão violenta, sem segue sendo a forma de que o Esta- do se vale para a sua preservação. Ou, ainda, pode haver a combina- ção de estratégias sutis de normalização com formas de repressão violentas, que de certo modo denunciam e contradizem as primeiras. Podemos pensar, neste ponto, a questão da inadequação da legisla- ção liberal à realidade do país, preocupação repetidas vezes demonstrada pelos juristas desde o século XIX. Se as disciplinas não puderam se ex- pandir a contento no Brasil, conclui-se que a norma não pôde ser genera- lizada a ponto de atuar como complemento adequado de um contrato social em bases liberais. E, neste sentido, os juristas do Império tinham razão ao considerar que as leis eram inadequadas ao Brasil; para manter as condições de exploração de uma minoria sobre uma esmagadora maio- ria, de escravos inclusive, era necessário que o Judiciário se armasse de instrumentos mais potentes para a do Estado. Com o Código Penal de 1890, o código da República, a questão Jurandir Freire Costa. Ordem médica e norma IUflL/LllCif. Rio de Janeiro, p.79-123. 23 da inviabilidade do liberalismo é recolocada pelos juristas, em suas críti- cas a um código ultrapassado e ineficaz para o combate ao neste período, essa é de modo não é como Ulna j'Jolftica que a mas como !fma os ventos d '1 cOl'r'C11fe " a necessi- dade de se estar em dia com este movimento renovador, vindo da Europa. Seus são repletos de mão, italiano. Quando são feitas sobre crimes os exemplos são quase sempre estrangeiros. As referências à realida- de brasileira são particularmente escassas. apenas, que as só teriam um de da mos que não. O discurso da criminologia capaz de produzir efeitos concretos: que l~e~ultaram num reaparelhamento do Judiciário, amplian- do seus dISpOSItIVOS de controle e repressão. A criminologia, espécie de amálgamupor vezes mal articulado e confuso das ciências humanas, foi a via através da qual o JudicIário pôde incorporar certas estratégias disciplinares que redefiniram as noções de delito e de punição e que modificaram a ação dajustiça. Ela pôde aparentemente se humanizar, revestir-séde uma finalidade tera- pêutica e de uma neutralidade científica. . ~os chamados desenvolvidos a disciplinarização da jus- tlça fOI o correlato de um processo de disciplinarizacão de toda a sociedade. > Teremos que reconstituir o significado da introdução do discur- so da criminologia junto ao Judiciário numa sociedade como a brasi- leira, em que os controles disciplinares tiveram um modo de articula- ção peculiar, jamais conseguindo ocultar a violência das relações entre as combinando quotidianamente norma e 24 Criminologia e direito penal A principal produção do discurso da criminologia é a figura do criminoso anormal, cuja era anti- gos Tal desconhecimento, dizem os com que as antigas leis fossem, zindo os aos de defesa social reais, não fJHHH"" O criminoso não era tematizado pelo liberal, a não ser como o agente de uma transgressão à lei. Todo cidadão devia ser considerado responsável,já que parte contratante, a não ser que se tratasse de um louco, de um débil ou uma Fundadas num contrato social livremente firmado, as leis eram consideradas produ- tos de um consenso democrático e portanto legítimas, Legítima era A punição infligida ao indivíduo pela pena devia ser também pro- porcional ao deUto cometido, delito este definido por lei preexistente. Se há arbítrio na lei, este é antes de tudo legítimo, já que visa sobretu- do a defesa da sociedade contra o arbítrio de um só de seus cidadãos, que, pelo delito, ameaça a liberdade da coletividade. A criminologia vai empreender uma crítica radical dos funda- mentos do direito penal liberaL Ela vai traçar uma história evolutiva segundo a qual o direito, a partir da criminologia, pôde enfim tornar- se uma ciência, redefinindo retrospectivamente o passado como um passado de erros. Segundo os criminólogos, o direito penal teria saído de um está- gio embrionário, rudimentar, de um tempo em que assumia formas semi-selvagens, inci vilizadas, para chegar, depois de lenta evolução, a um período em que basear-se-ia finalmente em métodos científicos. Nesse período inicial, as penas eram excessivamente cruéis, a tortura era aplicada sem limites, confundia-se a lei com a religião 25 e o c~ime com o pecado. A sociedade, dizem-nos os criminólogos, r~agla natural e espontaneamente contra seus detratores, mas esse tIpO de reação social era desordenado, excessivamente cruel e aca- ba~a ~ui.tas vezes por voltar-se contra a sociedade mesma, já que a vIOlencIa acabava por dizimar parte da população. Num período intermediário, o direito horroriza-se com a cruel- dade pena~. mais humano e justo, as penas são apli- cadas ~om"n:alOr parcimônia e uniformidade. É o período "ético- hu.ma;l~sta maugurado por Beccaría, com o estabelecimento do pnncIpIO da pI:oporcionalidade das penas e dos delitos, da igual da- ~e perante a leI, da não-retroatlvidade da lei penal e da responsabi- hdade corno fundamento do direito de punir. Mas, s~ por um lado há um avanço no sentido da humanização, por o~tr~ ha uma certa ingenuidade, ignorância até, no entender dos cnmmólogos. Por prescindir de . nas qUaIS se em considerações metafísicas e , sua tarefa a À t~rceira ~as~ corresponderia, com o advento da criminologia, a ascensao do dIreIto penal ao seu período científico, no qual a lei passa a corresponder a uma avaliação científica da sociedade e da mente humana. De certo modo, essa terceira fase reedita a primei- r~. A reação social contra aquele que c'omete um delito é também v1sta como natural. Tal como nas tribos primitivas, o direito penal representa uma reação legítima do "corpo social" a uma das suas p~rt~s doenti~s. A seleção natural é tornada como fundamento do dIreIto de pumr por alguns autores: A lei que ~arante e mantém a conservação das espécies consis- te, enten~lda na sua acepção ética, em que o indivíduo receba os proveItos e sofra os prejuízos de sua próprÍa natureza e do comport':l:mento que dela decorreIs. No entanto, se em seus primórdios esta Bastos, 1963, p. 95. escolas penais. Rio de Janeiro, Freitas 26 e por demais violenta, hoje ela é mais elaborada, mais racional e sistemática, já que fundada na ciência. O momento tático inicial que inaugura a criminologia traz corno efeitos, de um lado, a promessa de um direito penal que pode enfim conhecer cientificamente o crime e os meios para seu combate e, de outro, a denúncia de que o direito liberal é anticientífico e ineficaz. Aparece a denominação "escola clássica", que passará a designá-lo, por oposição à "escola antropológica" ou "positiva", construída pela crillÚnologia. Vejamos inicialmente, de modo resumido, que transformações, no nível do discurso, a criminologia vai operar sobre o direito penal, em nome desta nova realidade trazida à luz pela ciência da crillÚnologia. Sobre a igualdade perante a lei O direito "clássico", por prender-se a metafísicos, não ver a fundamental entre os ho- mens. Deve haver homens As não têm o mesmo efeito de intimidação e coerção sobre todos os ho- mens, pois há aqueles que se constituem como verdadeiros inimi- gos da ordem jurídica, sendo insensíveis à pena. Assim sendo, o direito deve deslocar-se da apreciação dos delitos e das penas para o estudo daquele que comete o delito. Deve analisar os criminosos em suas peculiaridades psico-sociológicas. A partir desta operação, estabelecer-se-ão penas adequadas a características de per- sonalidade. O crime, que anteriormente era definido como transgressão à lei penal, converte-se em indício, em manifestação superficial que aponta para a personalidade do criminoso. Contraria-se também o princípio cardeal do direito penal "não há pena sem lei". Pois que a pena deve basear-se, mais do que na violação de um artigo do Código Penal, no estudo da personalidade do criminoso. 27 .. Sobre o qvre arbítrio A idéia de que o fundamento das leis é a existência de um contra- to social firmado entre os membros da a concep- LI'-'.IU(;lU,", racional de decidir sobre ção de que os homens têm esta seus atas. Considerados como em virtude desta mesma neste contrato, é se violação dos mesmos. Os loucos, as os dementes não podem decidir com a seus atas, não tanto nem criminosos, no sentido jurídico do termo. A vai criticar a noção de livre arbítrio e de respon- sabilidade, mostrando que não é a razão que controla nossos atas, mas os instintos, os afetos, os atas reflexos. Há uma de monstro não apenas os mente Do de da urge que as pe- nais se adequem a esta realidade trazida à luz pela ciência. Se os ho- mens não são livres para agir, como fundamentar a legitimidade da reação social sobre o livre arbítrio e sobre a responsabilidade? A lei smge, no discurso da criminologia, como um anteparo ne- cessário que a sociedade deve opor a esta espécie de caos íntimo que habita todo ser humano. Sobre as penas Para o direito liberal, a pena, antes de ser útil ou devia ser legítima, ou seja, fundada em lei anterior e aplicada em indivíduo res- ponsável. A criminologia inaugura a noção de que as penas devem, antes de tudo, ser eficazes. Sua legitimidade baseia-se não mais em considerações estritamente jurídicas, mas cÍentíficas. A proporcionalidade entre os delitos e as penas deve ceder lugar a considerações quanto à modalidade de pena a ser aplicada, de modo a corrigir uma anormalidade e, ao mesmo tempo, dotar o Estado de 28 meios mais eficazes na defesa contra estes seus inim~os anormais. Surge a noção de pena indeterminada, graduada segundo o . d.e . . - por sua mefl- anormalidade do cnmmoso. As vao ser 1 Quanto aos ~o~ . deveriam prodUZIr de razão da própria do criminoso, isso não ocorre. Em não intimidável ou de por meio de Sobre a natureza do ato de ea das Um dos maiores alvos da crítica a ser d~s~'echada yela criminologia é o júri popular. O direito liberal defIma a funçao de d "de mo- como "de bom e , 19. Pois a são do consenso seus aplicar a lei, o juiz, em razão de seu próprio e poderia hipertrofiar-se em suas funções. . O júri popular, formado por representant~s.do P~v?, sena u.~ elemento de moderação a impor limites ao arbltno do JUIZ. DeveI lU ser composto por "homens do trabalho ativo", "pesso~s ~u~ se atêm ao lado prático da vida,,2o, contrastando com os própnos JUIzes, que, por força da profissão, estariam relativamente afastados dos efubates quotidianos. Ora, o discurso criminológico veiculará um outro tipo de vi- são sobre a atividade de julgar. O júri popular pass~ a s.er c~:n:re endido como um obstáculo a uma compreensão maIS clCnufIca do criminoso e do crime. É tornado incompetente para julgar porque 19 Magarinos Torres. "A importância do para B ']' a de I R· d J "0 Sociedade raSI elr Brasil", in Revista de Direito Pena. !O e anel! , Criminologia. Vol. VIII, J 935, p.47-57. 20 id., ibid. p. 47-57. 29 . , 'I! , não detém um saber q '" ' p 'J 1 ' ue soa magIstratura togada" é capaz d C~l~;~~e:~~~passa a ser um:função técnica, noção essa que s: à origem das lei; ~~: ~~:~;~;a~ naturalís,ta (e não política) quanto vida coletiva de que a so 'do d a necess1dade, determÍnada pela d ' L Cle a e se defenda de seus detratore ' :0~1 o, ao mes~o te~11po, no nível individual, um freio aos insti:~ , ~ue covernam todo ser humano, impedindo-o d· I' , mente decldIr sobre seus atos, e lvrc- Qual o fundamento das leis? Qual' J a" , imposta a.quem as transarid"e? ~ . da ebltlmld'~de. da punição leis são consídcrad c ,om o a vento da cnmmologia, as d d 4' a~ como fundamentadas na necessidade "natu- e elesa da socledade A qu C dI" da eficácia O J d' .,.' es ao a eglt1midade cede lugar à . U IClano pode aparecer com nomo e técnico "da . d d " . o um regulador autô- SOCIe a e entendIda e 'd isenta de contradições I t' I _ m sentI o genérico, , en a evo uçao finaln t se produzÍsse um ( , len e Com que Ia de a de armá- para sua 3. anormalidade do criminoso Uma espécie à parte do gênero humano Por volta da segunda metade do sécuI XIX . ,. relacionados ao direito ena! com o , ?S textos jUndlcoS modernizador por que pa~~ este ra;:~~~ c::::~~Ir-se ao proce~so ris tas discutem as idéias de Lomb mento. Nossos jU- estas surgem na Europa. /' roso quase ao mesmo tempo em que Em 1871 é publicada a obra L' U . fundadora da criminologia M ' o~o del~nquente, considerada , as a cnmmologIa não sur B' apenas em decorrência dessa importação cultural ' ge no rasll caracterizou a produção intelectual b '1' maCIça que sempre ras1 eIra. O processo de ímplantaç d d" do no princípio do século d a~ a me lcma social no Brasil, já inicia- prisões, Tornar os cárcer~s ~r~s :~:~ a uma ~eflexão h~giênica sobre as focos de epidem' :Jados e lImpos, eVItando possíveis las, de mod 'b' o a COl Ir a convivência ne- 30 fasta dos malfeitores entre si, taís passam a ser as preocupações dos médicos e juristas, Em 1868, há notícia de um médico dirigindo uma prisão no Rio de J aneiro21 , Mas, 1833, o Brasil já tinha uma prisão expressamente voltada para a recuperação do criminoso e que se das demais por não ser uma prisão coletiva: a de da Corte, As prisões-depósito são vistas como fonte de males e mentais para os presos, pela falta de higiene e pela desordem que propiciam, Aí senhores [na Casa de Correção da C011e] ... é expressamente proi- bido aos presos conversarem sobre qualquer assunto, devendo todos trabalhar com os olhos baixos e se qualquer deles é surpreen- dido desviando os olhos do trabalho: .. procurando comunicar-se com os companheiros ... é ali mesmo castigado pelo guarda que para isso se serve de um látego de couro22 . Trata-Sé de o espaço da prisão, que não deve ape- nas excluir, mas ser capaz de evitar possíveis entre os presos, wmbém um de obediência moralidade atra- vés do trabalho. É enquanto reforma moral que se define, neste mo- mento, a recuperação do preso, Mas já se fala aqui de uma outra fina- lidade da pena, que não se reduz à intimidação ou à punição. O processo de medicalização, enquanto introdutor no Brasil de uma ordem disciplinar, cria condições para uma reflexão médica so- bre as prisões, que vai acabar por estabelecer um parentesco, desde então sempre afirmado, entre doença e crime. Além disso, ele vai possibilitar uma reorganização do espaço da prisão, processo que.vai se dar de forma lenta e incompleta, Pois permanecerão existindo no Brasil, em maioria absoluta, os depósitos de presos, estes espaços mais ou menos caóticos, cuja finalidade é apenas a exclusão e o cas- tigo, ao lado de outras instituições, onde já se opera a implantação de uma tecnologia disciplinar, 21 Roberto Machado et al, op, eU., p. 328. 22 Clemente da Cunha Ferreira, "Sistemas Peni tenci ários", 111 (f1Jl.H(J.,FS n° 9, Rio de Janeiro 1876, p. 73. 31 É a disciplinarização do espaço da prisão e do espaço social como um todo que cria condições para a veiculação do discurso da criminologia no Brasil. Em seu início, os textos reproduziam, quase que sem as na o momento de da de "mo- mento de dos E: . d . . _ ' .. , um momento upIo, de cons- tltUlçao de um saber sobre o criminoso e de constituição do criminoso como um anormal. O olhar do vai nele que sua comparado às "pessoas honestas". Os criminosos são uma parte do humano, dirá Lombroso. e se eles assim se não se trata mera afirmação casuística: Eu Q tenho demonstrado, nas minhas visitas (,<lly·.~!·f, fato para vencer os um que transformar o penaL E este vai ser visto corno metafísico e anti-científico exatamente porque não se baseia na "ob- servação dos fatos". Para Lombroso, um médico, a anormalidade do criminoso ex- pressa-se em características físicas, que vão dos "zigomas enormes" à cor negra dos cabelos, passando pela analgesia (insensibilidade à dor). Uma série de procedimentos de medição, inclusive com apare- lhos ("algômetro elétrico"), vão descrever fisicamente o delinqüente. A maior anomalia dos criminosos natos é a resistência à dor. .. os médicos das prisões sabem como as operações mais dolorosas ... aplicações de ferro em brasa ... são muitas vezes pouco sensíveis aos criminosos 24. Aragão, op. cit., p. J 71. 24 Id., ibid. p. 177. 32 Assimetria do fosseta occipital média, maior desenvolvi- mento da região occipital em relação à frontal, fronte fugidia, assimetria de seios frontais ... má formação da orelha ... falta de barba ... predomínio da envergadura sobre a estatura25. de características do corpo dos criminosos irão constituir sua anormalidade. O é um ser É o acabado de um às avessas, m(}qermis o em seus caracteres cos, instintos e ausência de sensibilidade física e moral o criminoso típico seria urna cópia ... nas sociedades modernas do homem primitivo, aparecido, pelo fenômeno do atavismo, no meio social civilizado, com muitos de seus caracteres somáticos e os mesmos instintos falta de fase ela existência ... mento da humana 26. Que projeto institucional se articula à concepção de atavismo? Em outras palavras, que fazer com estes anormais? Diante dos atávicos, nada mais resta que a eliminação ou a exclusão. Os criminosos são anormais e sua anormaJidade, incurável. Não há sentido em se falar de responsabilidade moral como fundamento da punição, pois todos os criminosos são irresponsáveis. Os juristas brasileiros, na passagem do século, vão discutir as . .-/ teses lombrosianas. Ruy Barbosa, ele próprio defensor de anarquistas processados pelo governo brasileiro, vai apontar os compromissos políticos de Lombroso, mostrando que em todos os anarquistas italia- nos ele diagnostica a "tara hereditária". Transparece de maneira por demais evidente a ligação da teoria do atavismo com o arbítrio, com o aumento das penas, colocando-se em confronto claro com o liberalis- mo, sem conseguir articular uma proposta de reforma ou cura do 25 Id., ibid. p. 183. 26 Id., ibid. p. 133-4. 33 criminoso, que permitisse dar à uma característica humanizadora. Para nos hannonizannos com a ciência da criminologia teríamos que subverter ... as garantias mais respeitáveis do processo penal entre nós ... favorecendo a ampliação do cárcere preventivo, diminuindo os casos de liberdade provisória, abolindo a publicidade na forma- ção de culpa ... mutilando o direito de graça, amesquinhando a anis- tia e restaurando a pena de morte27 . Por outro lado, começa-se a admitir, como é o caso de Clóvis a ele "um morbus que ao elelito,,28 e contra o qual a pena se revelará ineficaz. Da discussão da teoria do atavismo surge a idéia de uma punição baseada num certo tipo de anormalidade de que padeceria o criminoso, idéia essa que passa a ser incorporada por nossos juristas, apesar das críticas aos exageros de Lombroso. morais em louvar o do a para um outro de vista de criminosos encarcerados: seus vícios, seus seu comportamento. É Feni quem será p31iicularmente citado, como autor da descobertade que o climinoso é um anormal moral. Segundo ele, os criminosos são insensíveis, imprevidentes, co- vardes, preguiçosos, vaidosos e mentirosos. Manifestam incapacidade para o amor fino e delicado, seu apetite sexual é exagerado e tendem para o homossexualismo e a promiscuidade. Nas galés, come-se com mais apetite, dorme-se com mais abando- no que em muitos lares honestos, atormentados pela preocupação do presente ... os presos cantam, riem, divertem-se ao conto das proezas feitas ... glorificam os atas mais vis e exibem, como diploma de honra, as mais ignóbeis tatuagens, vivem com a esperança da liberdade e preparam novos negócios para a hora em que ela 27 Ruy Barbosa. A obra de Ruy Barbosa em criminologia e direito Rio de Janeiro, Escola Nacional de Direito, 1952, p. 164. 28 Clóvis 29 Moniz Sodré de rll7llll()IUI!IU e direito. op. cito p. 190. 34 1896. p. 17. Os criminosos, diz-se neste momento, são basicamente incapa- zes de realizar um adequado controle moral, como o são as pessoas honestas. Sua anormalidade se manifesta por um excesso instintivo, explicado como um retorno a um estado selvagem, atávico, hereditaria- mente determinado. Mas este mal oculto, existente no corpo, não se exterioriza mais, como em Lombroso, apenas em características caso O que permite um alcance muito maior, para o discurso da criminologia. Ele pode deslocar-se dos procedimentos de mensuração e observação do corpo do para a do comporta- mento, seja dos criminosos do seja dos criminosos em poten- cial, na sociedade. A anormalidade, a tendência para o crime, pode agora ser reco- nhecida em hábitos de vida, em comportamentos considerados anti- sociais. Ela não se expressa mais na fisionomia, mas numa tendência pela do ,""'.r'i'.PC' que se tornarão chaves na a de ou temibilidade e os novos de clas- sificação dos criminosos. Em Ferri, como em Lombroso, opõem-se as categorias de normal e anormal (homem honesto x homem crimi- noso). Mas insinuam-se entre os dois pólos outras categorias, que terão papel fundamental na progressiva ampliação do discurso da criminologia, como veremos mais tarde. Como um discurso que pode remeter ao social, sem ficar cir- cunscrito à bio-típologia, Fen'j empreende uma classificação dos indi- víduos na sociedade, segundo sua tendência para o crime. Podemos dividir as camadas sociais em três categorias: a classe moral- mente mais elevada, que não comete delitos porque é honesta por sua constituição orgânica, pelo efeito do senso moral.. do hábito adquiri- do e hereditariamente transmitido ... mantido pelas condições favorá- veis de existência social... Outra classe mais baixa é composta por indivíduos refratários a todo sentimento de honestidade, porque pri- vados de toda educação e impregnados ... da miséria material e moraL.. herdam de seus uma anOlmal que une a tiPctp,,..p,·,,t,'v" a uma verdadeira volta atávica às 35 raças é nesta classe que se recruta o maior número de delinqüentes natos. A terceira classe [é a dos que) não nasceram para o delito, mas não são completamente honestos ... 30. da evolução natural, em que uma classe é en- desenrolar outra é naturalmente do mesmo processo. São , porum mais do neste momento consideradas hereditariamente. Ferri considera que o criminoso deve ser classificado cm tipos, tendo-se em conta seus de e assim seu de temibilidade ou de anti-sociabilidade". O crime deve ser to- mado como sintoma deste mal moral que habita o criminoso e as em que estc mal ser de "de para quem as penas tradicionais ainda ou de crimino- sos "natos", "loucos", "por paixão" ou "por hábito", que requerem penas especiais. A maioria dos criminosos, segundo esta concepção, está entre aqueles para quem as penas falham como meio de regeneração. Mas, neste momento de implantação da criminologia, não se enfatiza tanto a recuperação do criminoso quanto a necessidade de que a sociedade se defenda destes degenerados morais. As penas, transforma- das no sentido de se tornarem mais severas, devem atuar como uma ../ espécie de seleção artificial: eliminar os degenerados, os atávicos, os pro- dutos mal sucedidos do processo de evolução "natural" da sociedade. Temos, portanto, um discurso em que o crime é visto como sin- toma de um mal moral hereditário. Deve-se, assim, adequar as penas à personalidade do criminoso, empreender um estudo desta personali- dade, de sua origem social, etc. Ao mesmo tempo, o projeto institucional que se articula a essas inovações é o de um maior rigor das penas, que permita defender a sociedade dos criminosos. 30 Id., ibid. p.286-7. 36 E como atuar preventivamente sobre a camada "baixa" da popu- lação, na qual o crime é sempre uma possibilidade, dada a ausência hereditária de freios e a devassidão dos costumes favorecida Pela vigilância e também por meio de ç"'<1UUC que te- rão mais tarde, nem estão bem aLXL,""',O" o do crime com um ele é entendido como um mal de natureza não se com a no dizer de Ferrí. anor- malidade no terreno da das e do temperamento. o brasileiro e a degeneração moral Em torno da do um discurso que começa a ser os autores mas que se à realidade brasileira. encontram um vasto campo de para a tese de que o é resultante de uma anomalia biológica atávíca, que afeta a moral. Não é ainda de doença mental que se fala na acepção moderna do termo, mas desta outra forma de anormalidade, calcada na noção de "evo- lucionismo às avessas". o olhar dos criminólogos se volta para os costumes brasileiros: o carnaval, os sambas, os cangaceiros nordestinos, a miscigenação. Todos estes são indícios de uma incapacidade para o controle moral, que explica também a indolência para o trabalho, a tendência para o desrespeíto à autoridade e finalmente para o crime. .., grande número de crimes violentos tem origem nos sambas, se não mesmo durante eles praticados31 . Clóvis Bevilaqua refere-se às raças brasileiras: a miscigenação não favorece o crime e quanto mais ela tende para as características negras, mais esta tendência se acentua. Porque as raças inferiores, 31 Clóvis Bevilaqua, op. cit., p. 94. 37 III :,1 negra e índia, representam por si sós uma espécie de degeneração. São estágios inferiores de um processo evolutivo, que culminaria com a raça branca, ariana, menos propensa à criminalidade. Em razão das características degenerativas trazidas misci- genação, justificar-se-ia um aumento const.ante no rigor de nossas leis, sempre ameaçadas pela propensão inata do povo ao crime. ... que admirável caldo de cultura para as mórbidas manifestações do crime essa nova sociedade, formada de uma miscigenação ... de- senvolvida à solta num ambiente em que o império da lei mal se fazia sentir, dominada pelos imperativos do instinto e da força ... 32. O mais triste e desanimador, porém, está em sermos uma espantosa população de bárbaros heterogéneos ... entre nós não existe o brasi- leiro, mas os tipos brasileiros. Diferenças raciais profundas ou indi- vidualidades profundamente dissemelhantes, com o agravante do atraso e da incultura ... daí semlOS uma população de mentalidade e o criminoso ... encontram-se em e:;tado dos bárbaros híbridos das cidades e dos o discurso da degeneração articula-se mais a uma proposta de eliminação e exclusão do criminoso, pelo aumento do poder repressivo das leis, do que a uma perspectiva de-cura ou reforma. Ele arma para 32 José Mesquita. "Evolução e aspectos da criminalidade em Cu yabá" , in Revista de Direito Penal. Rio de Janeiro, Sociedade Brasileira de Criminologia, vaI. XIV, 1936, p. 27. 33 Mário Gameiro. "Pena de morte", in Revista de Direito Penal. Rio de Janeiro, Sociedlide Brasileira de Criminologia, VoI. VIII, 1935, p. 184-6. Este é um trecho da década de 30, que reedita o discurso criminológico mais característico do final do século XIX ao início do século XX. Na realidade, a demarcação precisa das épocas históricas não é possível neste tipo de análise, principalmentenum discurso como o da criminologia, cujo caráter utilitário se sobrepõe à necessidade de coerência interna. Os criminólogos não hesitaram, sempre que "necessário", em utilizar conceitos aparentemente em desuso numa determinada época, ou mesmo em deturpar de modo cerras teorias, pois trata-se, em primeiro lugar, de demonstrar a "necessidade" de um maior rigor das de criticar o liberalismo, etc. 38 o Judiciário uma estratégia na qual o aumento do rigor das penas tor- na-se justificado, através de uma crítica repetitiva a leis excessiva- mente liberais, inadequadas à índole do povo, etc. Mas justamente por mostrar de forma excessí vamente clara sua com o autoritarismo, este discurso fracassa, do ponto de vista de sua penetração no Judiciário. No Brasil republicano, o discur- so liberal predomina no campo penal, e a maioria de nossos juristas olha com certa desconfiança essas "inovações científicas". Curar o criminoso Quando as provas faltassem, por que não haveríamos de procurar no delinqüente a sua t ireóide? 34 corpo a tendência médica no Encontrar um corpo doente para o entre cardíacas, tuberculose, verminose e crime, seja buscando associar variações da quota hormonal com distúrbios de comportamento, tal vai ser a tendência do discurso neste momento. A mulher criminosa e o homossexual serão objeto de considera- ções, no sentido de comprovar a influência dos hormônios sobre o caráter. O fluxo menstrual, visto como espécie de crise endócrina natural, pode levar a manifestações criminosas, assim como o perío- do puerperal. O homossexual é arries de tudo um doente, tratável pela injeção de hormônios sexuais. Teríamos por esta via a solução de muitos dos "crimes contra os costumes", inclusive da prostituição. Estaria aberto o caminho para se afirmar que se alguém é preso, privado de suas garantias de cidadão, isto ocorre não apenas em razão de ter sido cometido um delito, mas em razão de uma doença que se quer curar. A prisão, como fOfila de intimidação, de vingança, está em Péricles Madureira de Pinho. "Estudos de Cultura Jurídica. Bahia, 1932, p. 11. 39 , in Revista de des~so, ou fora de moda. O Judiciário humaniza-se, ao mesmo tempo que mcorpora o desenvolvimento da ciência. A prisão se dá em nome da cura e em do próprio preso. A volta à idéia da ".H,Ul1l,W.\"dU ",H"'U'C>V, mas sob a forma mais radical e humana da A vindo confirmar o que Lombroso E com vantagens, teria vindo falar-nos de um corpo anormal . .. de um quimismo interno, não expresso na fisIonomia, mas detectável por científicos. . Como corolário busca em estabelecer o elo corpo cn~1~, te~lO.s o crescimento em importância da figura do médico jun- to as mstltmções judiciárias. Será cada vez mais aconselhável ter-se um médico como diretor de . Ul\.;Ut~:' ideais para or- administrados por um O / • • A • como u, mesmo que na pratica a vlolencla tenha continuado a mesma nas prisões, ao menos ela pode aparecer como uma deturpação, como um desvio indevido da nova vocação curativa do cárcere. Poderíamos sintetizar as inovações trazidas pelo discurso médi- co ~o interio.r da crimi.nologia enumerando três estratégias básicas que serao postenormente Incorporadas ao direito penal: 1. O criminoso é um doente. 2. A pena é um tratamento que age em benefício do criminoso. 3. A prisão não deve punir, mas curar. .o discurso médico não é o único a veicular esta nova estratégia ~ se~ ~n~orporada pelo Judiciário, que vai redefinir a pena procurando JustIfica-la não em si mesma, mas fazendo menção a finalidades ao mesmo tempo científicas e humanitárias. A pedagogia, a psicamÚise 35 Id., ibid. pJ3. 40 criminal, a psiquiatria, vão também, mais ou menos no mesmo perío- do, começar a produzir novos discursos de readaptação e cura dos condenadOS, e loucura LV"" "'-J'U e a da segunda meta- de do século XIX, um diálogo constante, ao mesmo tempo vando certas especificidades e diferenças. Para a psiquiatria, a do sempre uma estratégia para a confirmação de sua competência, de seu lugar social. O louco é alguém potencialmente capaz de cometer um crime tal foi sempre dos e simultaneamente o louco teve certo para ser no no bojo de um lento e sempre inacabado processo de medicalização da sociedade brasileira. A diversidade fundamental entre a criminologia e o discurso psi- quiátrico sobre o crime reside no fato de que, enquanto a primeira representa uma transformação interna do direito penal sob o impacto das ciências humanas, a psiquiatria se insurge do exterior, disputando com o direito penal o papel de gestora dos criminosos, através da afirmação de uma relação, progressivamente mais íntima, entre crime e doença mental. - Se a criminologfa buscou, a partir de Lombroso, estabelecer en- tre crime e anormalidade uma relação estável, por outro lado apenas a psiquiatria afirmou de modo inequívoco que o criminoso é quase sem- preum doente mental. Embora buscando causas mórbidas para o cri- me, a criminologia não deixou de tematizá-lo enquanto tal, enquanto a psiquiatria pretendeu colocá-lo como mais uma dentre outras mani- festações de loucura, medicalizando a noção de crime e transferindo- a para a esfera da psiquiatria. 41 A história das relações entre psiquiatria e direito penal no Brasil pode ser traçada fazendo-se menção à maneira como se colocou, nos códigos penais brasileiros, a questão da responsabilidade climinaI do louco. O primeiro código penal brasileiro, de 1830 (o Código do Impé- rio), tornava irresponsáveis "os loucos de todo gênero salvo se rem intervalos Iucidos e neles cometerem crimes". A existência de loucura tornava o crime inexistente no sentido jurídico, e neste momento a loucura era compreendida como o con- da lucidez, como a incapacidade de discernir segundo a razão. Os loucos seriam desarrazoados e por incapazes para o contrato social. o código de 1830, um código liberal e calcado nos códigos que se faziam na Europa sob influência francesa, fundava a responsabili- dade o que, racional de estava ausente no A nascia í 1841 o no Rio de Janeiro. Mas este não erà ainda o lugar reconhe- cido pela sociedade para o envio de loucos. Havia loucos vagando pelas ruas, no hospital da Santa Casa, misturados a vagabundos, sifi- líticos e prostitutas, nas prisões e nas casas de família, especíalmente as abastadas. O Código Penal de 1830 previa que os loucos que cometessem crimes podiam ser entregues "às famílias e casas a eles destinadas" conforme ao juiz parecesse mais conveniente. O destino dos loucos criminosos era incerto, assim como o eJ:a o dos loucos em geral. A própria noção de que os loucos devem ser encerrados em hospícios ainda se construía no Brasil. À medida que o.processo de medicalização da sociedade brasi- leira avança, a psiquiatria, reivindicando competência ex- clusiva sobre a loucura, ganhando espaços junto ao Estado e ao mes- mo tempo dotando-o de novas técnicas de controle social. O discurso quer ,",'-0La.v e controle sobre as 42 ao que não se mas como complemento de programas de higienização e de saúde pública, ganhando um caráter técnico-científico. A psiquiatria, ao se pretender um saber sobre a loucura, se apre- senta ao mesmo tempo como uma medicina que prescreve os com- portamentos a serem considerados normais. E acíma de tudo ela reserva a estes cidadãos, cujo comporta- mento é considerado fora da norma, um tipo ele destino inteiramente novo: não serDO excluídos por infraçDo a um código de explí- cito, como o criminoso. Mas, ao serem definidos como sua exclusão justifica-se como tratamento. A doença de que padecem é justamente esta incapacidade para o contrato social, esta ausência de "razão" que os torna perig9sos para o convívio com a sociedade. A possibilidade de exclusão de cidadãos . ! C 'd' f) t ' que não tenham contrariado qualquer artlgo c o U 19O 1 ena e a arma que a a ao mas que no Brasil só será incor- e acelta oficialmente em alra vêsela lei Esta lei, resultado dos esforços dos alíenistas mento científico e político da psiquiatria, finalmente regulamenta a guarda temporária dos bens do alienado pelo psiquiatra, define o hos- pício como único local onde devem ser recolhidos os loucos, subor- dinando a internação a um parecer médico. A psiquiatria passa a dispor de um poder de seqüestro divers? daquele de que dispõe o Judiciário. Podemos neste p~n:o nos refe~r de modo mais claro às relações entre a psiquiatria e o dlrelto penal: sao relações entre dois tipos de poder de seqüestro, um fundamentado em leis advindas de um contrato social de bases liberais, outro fundamen- tado na tecnologia médica. Sob o impacto das ciências humanas, o próprio direito penal irá transformar o direito de seqüestrar (ou de punir) numa função técni- ca, baseado nas noções de anormalidade e de cura. A psiquiatria exer- ce junto ao direito penal um papel ao mesmo tempo semelhante e diverso do da 36 Roberto Machado, op. cit., p. 484. 43 Semelhante porque vai dotar o Judiciário de meios técnicos para que mais e mais se fale em prender para tratar do que para punir. Diverso será a de colocar o juiz, de celto Sc)b a tutela do o que levará as duas técnicas de como denominamos a um confronto com cs- vários mOlncntos, mas nunca conflito. o Penal dc 1830 não considerava criminosos lou- ,com crescente d2 aumento dc seu na sociedade críticas começam a I. A loucura não deve ser num sentido tão coo H.6 várias formas e vários graus de loucura. 2. Loucura e irracionalidade não são sinónimos. Há as loucu- loucura c criminal há 1'e- s, que requerem a avaliação do psiquiatra para sua determinação estados crepusculares da liberdade A psiquiatria, numa de suas estratégias de consolidação, procura definir-se como autoridade única nas questões de respon- sabilidade é ela quem vai apontar, para a Justiça, o grau em que a capacidade de discernimento do criminoso está afetada. processo, vai ser destruída a idéia de que para haver loucura é so haver perda de razão. Surgem as loucuras sem as loucuras quase aos olhos do Ce do juiz), mas detectáveis para o perito alienista. Vários graus de lou- cura que são o correlato de vários graus de responsabilidade. O poder do psiquiatra aumenta na medida em que ele pretende ser o verdadeiro juiz, porque médico e cientista. A tentativa é a lei, aproximar crime e doença men- tal, transferindo para o psiquiatra maior poder. 44 Cedo os juristas empreendem uma eríUca deste ideal psiquiá- trico, pretendendo a competência do perito: há a crítica de que a psiquiatria do-o num doente. E tal crítica de certo A grande batalha que se trava entre Justiça e ! ... médicos e s6 aos médicos é definir mente o estado normal ou anormal da constituição psicofísica dos criminosos ... Assim como temos médicos do exército, médicos da armada, médicos da polícía, poderíamos ter médicos da justiça 37. Mas vejamos o lugar do médico dajustiça definido pelo mes- mo autor: Não confundir esta minha opinião com a que viesse colocar o legis- ladoI/penal sempre à escuta dos orúculos da medicina, nas ques- tões de Os juristas abrem um para a psiquiatria junto ao direito penal, mas pretendem limitar este ante a de que toda a sociedade se transforme num imenso hospício, ante a dos "patólogos do crime" ... Tobias Barreto de Meneses. Menores e loucos em direito de Janeiro, Simões, 1951, p. 103. 3B ld., ibid. p. 98. 45 '" em cujas obras a sociedade inteira aparece cómo uma imensa casa de Orates enquanto esses ilustres ... não descobrirem o meio nosocrático suficiente para opor barreira ao delito39 . Talvez em razão dessa desconfiança reinante nos meios jurídi- cos, o Código Penal de 1890 ainda não incorpore muitas das inovações psiquiátricas. Os juristas esperam que os se ocupem dos mas não lhes tantos poderes na avaliação e detecção da loucura quanto estes reivindicavam. O destino do louco-criminoso pode ainda ser a além do "hospital de alienados" já referido no texto da lei. Mas, por outro lado, a palavra loucura é substituída por "afecção mental", termo médico que ratifica, de certo modo, a competência do médico-psiquiatra. Artigo 27: "Não serão criminosos ... os que se acharem em estado de completa privação dos sentidos e da no Mo ele co- meleI' o crime". nasce criticado tas abrir para o referência aos "loucos de todo gênero" era por demais ampla, a "com- pleta prívação dos sentidos e da inteligência" será criticada por seu caráter restrito demais, "aplicando-se apenas aos mortos"40. Os psiquiatras querem demonstrar que um indivíduo não precisa estar privado de seus sentidos e inteligência para estar acometido de uma afecção mental. Há os loucos lúcidos, os que conservam as fa- culdades intelectuais, as formas morais de loucura que deixam intacta a integridade do eu. Há ainda os estados de inconsciência temporários e situacionais (as cataJepsias, o sonambulismo, as histerias) capazes de suprimir a capacidade de imputação e de conviver com uma perso- nalidade que, fora deste estado, é inteiramente normal. Aparentemente, os psiquiatras parecem mostrar à Justiça que há muito mais casos de inimputabilidade do que osjuristas poderiam su- 39 Id., ibid. p. 34, 40 Dario Callado. Inconsciência do 1916, p, 5, 46 Rio de Janeiro, du por, muito mais casos em que o psiquiatra a~ar~ce com~ o perito providencial, subtraindo criminosos à . da,Jus.tlça, no dIzer de al- guns juristas. Mas se à prímeira vista a pSJ~~:a~na pare~e~ concorr:r d· . l'ção do raio de ação do JUdIcIano, na verdade ela abe para uma lmmu c . • muito mais no sentido do seu reaparelhamento. Acusada, mUltas ve- d . t't de humanitária, com a qual desculpa- zes, . e uma a 1 u . ,. ,,," o criminoso, a psiquiatria, embora não desmentm~o sua ~unçclo curativa, buscou sempre se apresentar como aliada no fortalecImento da rPT,r..",,, e do controle social, agora dotado de novas associadas a uma ação médica. O ensinamento psiquiátrico mais característico do perÍo~o em torno da elaboração do Código Penal de 1890 é o de que a razao ~ a desrazão não podem se opor de modo antagônÍco, que as r~laç~es entre Justiça e psiquiatria não podem ser colocadas de modo tao slm~ 1 I C )S o aos a p]cs, como, por cxemp o, aos ou ( Entre a e sua 1 " t· '1 l"lZ" o e a loucura encontram-se do mesmo mOlO que ell te, "~,I . . gradações diversas na constíluiç~? menta14~os indivíul.l.OS, fonnan- do os estados crepusculares da llberdade . O destino institucional destes criminosos cuja re~pons~b.ilidad~ é modificada em razão de patologia mental está ainda ll1def1!1ld~. N.ao querem os juristas transferi-los totalmente para a guar.d~ ,d? pSIqUIa- tra. A tentativa da criminologia é dotar o próp~io ~ud~cIano de_um: tecnologia própria recolhendo subsídios da pSlqUIatna, mas nao s confundindo com ela. Algumas entidades nosográficas da psiquiatria vão estar particu- larmente relacionadas ao crime: . d' 'duos com uma inteli- As loucuras morais encontram-se em lD IVl ,? . d detestave14 -. gêncla regular ou mesmo agu a e um 41 Rodrigues DolÍa. Responsabilidade Económica, 1929, p. 1l. Id., ibid, p. 48. 47 Os epilét~cos são sempre inclinados à ira, à violência, enérgicos e sen: ~scrupulos na são excessivos nas opiniões religiosas e pohtIcas, conservadores revolucionários A são ou aesr1ropo:rciIJnlldliIS, . . com que S.Ofl am ou .faça~~ sofrer a socIedade. Consti tuem o grupo das persona- lIdades pSlcopatlcas. Junto com as neuroses, constituem os casos de restrita ... A nes- do não . que o acusado por dizer, um "destino psiquiátrico". EIS por q~e esta categoria diagnóstica pode promover "uma conciliação ~ntre Justlça e psiquiatIia, pode ser uma ponte de transformação no inte- nor das técnicas judiciárias, dotando-as de uma feição médl'ca qu _ . '.' . e per mltlla confundir, de forma definitiva, punição e tratamento. , ? psicopata é um louco lúcido, cuja patologia consistenuma esp~cl~ de opção cIiminosa. Mas o diagnóstico de psicopata não envia o CflI~'lI~OSO ao hospício, nem mesmo se tem a esperança de 1110dificá- ]0. Immlgo das leis por natureza, ele é antes alguém de quem a socie- dade deve se proteger: Na sociedade o número de IJsicopatas é de ] 001 . . ";0 .•• pessoas que entram em conflIto com o direito administrativo, civil e pena145 . X 44 vI Conferência Brasileira de Criminologia, in Revista de Direito Penal "01 , 1936,p.58. . . VI • 45Id., ibid. p. 58. 48 A oposição às leis pode ser transformada em patologia, o que permite "adoecer", por extensão, as formas de contestação ao Esta- do. Cria-se a de dispositivos capazes conter tal tipo de "anomalia As marchas e que as en- tre e ao longo das últimas décadas do século XIX vão encontrar sua contrapartida prática na década 20, da _''' __ " .. ~ do Manicómio Judiciário. Este é um evento que coroa de êxito a dos por seu reconhecimento oficial, mas, por outro lado, são impostos certos limites a seu poder quanto ao destino do louco-criminoso. Um decreto lei em 1903 parecer, momentaneamente, que os vão esta classe de criminosos em os estados nados e condenados alienados somente per- manecer em asilos públicos, nos pavilhões que especialmente se lhes reservem (Artigo 11 do decreto 1132 de 1903). Mas os manicómios criminais serão o resultado de um armistício entre as duas partes em disputa: nem manicómio, nem prisão, um híbrido, que muitas vezes sofrerá a crítica do psiquiatra. Ele não po- derá aplicar totalmente a tecnologia disciplinar característica do hos- pício e nem poderá decidir autonomamente sobre o destino desta classe de alienados, ficando as internações e altas a critério do juiz. /' O Manicômio Judiciário é uma dependência da assistência a aliena- dos do Distrito Federal destinada a internações ... dos delinqüentes isentos de responsabilidade por motivo de afecção mental quando, a critério do juiz, assim o exija a segurança pública (Decreto 14831 de 25/5/1921, artigo 1°. Grifo nosso). Em decretos subsequentes a competência do psiquiatra restrin- gia-se mais e mais: Em qualquer dos casos a internação far-.se-á por ordem ou de- terminação dos juízes respectivos (Parágrafo Único do Decreto 17805 de 23/5/1927). 49 As limitações ao poder psiquiátrico impostas pelo Judiciário vão marcar a forma com que se dará a absorção da tecnologia psiquiátrica por parte do mesmo. Ou seja, a psiquiatria não se apresenta para o direito penal como uma alternativa que até mesmo a suprimi-lo. Ao contrário, ela vai ser um complemento da ação repressiva, dando ao aparelho de uma disciplinar. O Judiciário se arma de uma própria, que não se confunde quer com a psiquiatria, quer com a penalogia tradicional. somos crnrmll0S:0S ou a seremos latência ... Seremos todos ambulantes cheias de criminosos aferrolhados e que buscam escapar-se, a despeito das grades e dosferrolhos do recalcamento, dos carcereiros da censura. EI'fes evadidos sedio !1USSOS crÍmes. como assassinos a para o roubo ou homicidio46• Dentre os discursos produtores da anormalidade do criminoso, a psicanálise criminal é o que vai aproximar de tal forma as noções ho- mem honesto, normallhomem criminoso, anormal, que a oposição entre elas deixará de existir. . A psiquiatria, ao produzir categorias como a de psicopatia, neu- rose ou loucura mental, já permitiu que a questão da responsabilidade penal se colocasse não mais como oposição (responsável/irresponsá_ vel) mas como uma questão de se avaliarem "graus de responsabilida- de". As formas em que a doença mental podia afetar a razão (capaci- dade de livre arbítrio, de responsabilidade penal) eram múltiplas, e por sua correta avaliação feita pelo psiquiatra, podia o direito penal orien- tar-se quanto à forma de sanção adequada a cada caso. Moniz Sodré de 50 A psicanálise, ao pensar o problema do crime, vai tomar caduca a idéia de responsabilidade. Nas décadas de 20 e 30 vão se tornando mais freqüentes as referências ao que seria uma criminologia ~sic~na lítica, que de certo modo vai reeditar o pensamento dos p:'lluelros criminólogos neste particular. Mas quando Lombroso e Fern susten- tavam que todos os eram e inimigos da ordem social, quase não deixavam outra alternativa senão sua exc1u- através de um aumento do rigor das penas e da vigilância policial. Ao contrário, a psicanálise criminal poderá articular a idéia de irresponsabilidade criminal a uma proposta de "recuperação" do cri- minoso. Ao i11esmo tempo, por deixar em segundo plano as causas biológicas e hereditárias, ela vai deslocar totalmente as determinações do crime para a esfera do comportamento. Na psicanalítica do a razão rcspon- ou os graus cm que ela está de ser A se desloca para os afetos e para o controle que o indivíduo é capaz de fazer deles, capacidade esta determinada por sua história de vida e pela educação que recebeu. Tanto no homem criminoso quanto no homem honesto, o in- consciente seria a força capaz de direcionar seus atos (e não a razão). A psicanálise criminal é contemporânea de propostas pedagógi- cas de recuperação do delinqUente, e veremos mais adiant~ que as duas estratégias, psicanalítica e pedagógica, podem ser conSIderadas complementares. ... já vimos que a afetividade se educa ou é. susc~tível d_e modifi- cação ... assim como a inteligência, por VJ~ da ms~'uçao. Se u~ homem não foi educado, se não teve na VIda senao o conhecI- mento que ela própria lhe deu ... [se seus) sentid~s embotados ... jamais sofreram os benefícios das sanções bem onentadas.:. ate~ dendo às requisições egoísticas do eu ... delinque ... [r~gnde] as condições primitivas. Esses elementos afetívos, exammado: e:n - 'I' d' - , de Patna função da noçao ... de faml la con uzuao a _ . e ao sentimento Cívico e Social... da conclusao ser llnpos- 51 ta ao paciente, mesmo que a título de conselho... ele próprio quem à conclusão compatível com a moral Queméo Alguém a quem não foi dada a adequada levar instintos sem opor frei- do em comum: uma afetividade caó- sempre a sociais, o adequado controle IJ'-'Uti."-u os objetivos A . associada à vai procurar as c:usas do cnme no inconsciente do este manancial de pai- xoe~ des~rdenadas que habita todo ser humano. Na criança, que neste sentIdo e.semelhante ao criminoso, os afetos, ainda não vai opor a nosos, incompatíveis com a convivência social. Segundo a psicanálise criminal, o criminoso e o neurótico ao mesmo :e~po se aproximam e se diferenciam. Neste ponto, o centro. de referenCia das discussões é a noção de Complexo de Édipo. O enfermo neurótico e o delinqücnte são no fundo a mesma coisa ... ~ que o .neurótico faz pela representação, no domínio dos sintomas mof~slvOS executa-o o delinqüente em reais ações criminosas ... ambas as condutas mórbidas se originaram na vida sexual da crian- ça e em seus desejos proibidos ... os delinqüentes praticam o crime porque este é proibido e porque sua execução lhes dá alívi048. aspecto da colaboração do educador na obra de regeneração do sentenciado", in Revista de Direito Penal VoI. IX, 1935, p. 163/5. ' 48 ~elson Hungria Hoffbauer. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro RevIsta Forense, vol. I, tomo l, p. 502. ' 52 Nosso propósito não é o de analisar a propriedade ou a exatidão com que os conceitos psicanalíticos são utilizados neste contexto, mas de situar o da que antecede à elaboração do Código ~""JL~., da anormalidade do sobre o Mas é de uma que nos falam os autores, e neste ponto tornam-se os mais "otimistas" quanto à cura do Como uma tendência no interior do a psicanálise nos fala da "necessidade" da lei. Se Lombroso e Tarde enfatizam a necessidade de defesa social (através da metáfora biológica, um organismo que se defende), aqui as leis surgem desta vos atuando e, de certo cujas proibições intern~s falharam49: Com relação às penas, vimos que o discurso médico (psiquia- tria, endocrinologia, etc.)
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