Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Biogeografia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Adriana Furlan Revisão Textual: Profa. Ms. Alessandra Fabiana Cavalcanti Relação Sociedade Moderna e Natureza • Introdução • Unidade de Conservação (UC) • Grupo de Proteção Integral • Grupo de Uso Sustentável • A Geopolítica da biodiversidade • Biopirataria · Identificar de que forma a nossa sociedade se relaciona à natureza, a partir das ideias e das concepções de criação de áreas de conservação e de que forma a biopirataria funciona. OBJETIVO DE APRENDIZADO Nesta Unidade, vamos aprender um pouco mais sobre um importante tema, o qual apresentará a discussão sobre as Unidades de Conservação e a questão da geopolítica da biodiversidade, incluindo nesta temática uma breve reflexão sobre a biopirataria. Então, procure ler, com atenção, o conteúdo disponibilizado e o material complementar. Não se esqueça! A leitura é um momento oportuno para registrar suas dúvidas; por isso, não deixe de registrá-las e transmiti-las ao professor-tutor. Além disso, para que a sua aprendizagem ocorra num ambiente mais interativo possível, na pasta de atividades, você também encontrará as atividades de Avaliação, uma Atividade Reflexiva e a videoaula. Cada material disponibilizado é mais um elemento para seu aprendizado, por favor, estude todos com atenção! ORIENTAÇÕES Relação Sociedade Moderna e Natureza UNIDADE Relação Sociedade Moderna e Natureza Contextualização Leia as notícias a seguir. Desmatamento gera perda irreversível da biodiversidade na Amazônia, avaliam especialistas. 13/12/2005 Manaus – O desmatamento na Região Amazônica causa prejuízos irreversíveis para a biodiversidade, segundo pesquisadores do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e do Museu Paraense Emílio Goeldi. Na avaliação da pesquisadora do Goeldi, Ana Luisa Albernaz, as áreas protegidas legalmente no país têm pouco apoio e ao longo da cabeceira do Rio Solimões, por exemplo, quase não existem áreas de proteção. “Os conservacionistas acabam optando por proteger áreas distantes do ambiente de várzea, preferindo trabalhar onde não existe ocupação do homem. É preciso fazer algo em relação à perda da biomassa e da biodiversidade provocada pelos desmatamentos”, afirma. A pesquisadora abordou a questão por ocasião da mesa redonda “Integridade Biótica na Amazônia”, quando se destacou o fato de que os ecossistemas e a biodiversidade da Amazônia vêm sendo influenciados negativamente pelo processo de ocupação regional, sendo que mais de 12% da floresta já foi derrubada nas últimas décadas. Destacou-se, ainda, o fato de que as áreas desmatadas se encontram em diferentes estados de degradação tanto do solo como da biodiversidade animal e vegetal. (...) Adaptado de: http://goo.gl/BE85VS Marco legal da biodiversidade é positivo para indústrias farmacêuticas e de cosméticos. 27/04/2015 A análise do marco legal da biodiversidade pela Câmara dos deputados é motivo de comemoração para as indústrias do setor farmacêutico e de cosméticos. O projeto, que depois de avaliado será encaminhado para sanção presidencial, visa criar uma lei que facilite o acesso ao patrimônio genético de animais e de plantas do País. Esse projeto traz possibilidades de pesquisa, de desenvolvimento e de boas oportunidades de crescimento para o setor, considerando que o mercado farmacêutico brasileiro é o terceiro maior consumidor de produtos de beleza no mundo, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal Perfumaria e Cosmética (ABIHPEC), e que teve um crescimento de 12% no início de 2015 (dados do Instituto Moreira Sales). Com o marco legal da biodiversidade, a burocracia em relação às pesquisas irá diminuir e as empresas poderão desenvolver e explorar novos métodos e matérias-primas, vindas principalmente na região Amazônica. O ponto mais importante dessa revisão – que vai muito além dos benefícios econômicos – é a garantia de que o patrimônio da sociobiodiversidade não será afetado pelas indústrias e de que as comunidades do entorno, responsáveis pela conservação e uso econômico, não serão prejudicadas e muito menos ignoradas. Também ficará assegurado o compartilhamento de benefícios para os produtores, as populações tradicionais, os indígenas e a exclusão de empresas estrangeiras não associadas. Fonte: http://goo.gl/KBgmwP 6 7 Importante! No texto 1, temos que o desmatamento causa a perda da biodiversidade e no texto 2, temos que a criação do marco regulatório (uma legislação específica) da biodiversidade possibilitará a ampliação das pesquisas com a nossa fauna e nossa flora, visando ao desenvolvimento de produtos pelas indústrias farmacêuticas (remédios, cosméticos etc.). Trocando ideias... 7 UNIDADE Relação Sociedade Moderna e Natureza Introdução Há registros, segundo o IBAMA, de que as áreas protegidas existem desde o ano 250 a.C., quando na Índia já se protegiam certos animais, peixes e áreas florestadas. Mas foi somente no final do século XIX, que surgiram as primeiras áreas legalmente protegidas para a preservação dos ecossistemas e das paisagens naturais. Temos como a primeira área de preservação mundialmente definida, o Parque Nacional de Yellowstone, criado em 1872, nos Estados Unidos. Este parque foi criado como reduto de vida selvagem, local onde as crescentes populações urbanas pudessem desfrutar do contato com a natureza “intocada” em seus momentos de lazer. Para tanto, a legislação criada para esta área de conservação e demais que se seguiram a esta (nos Estados Unidos e depois pelo mundo) não previa a ocupação humana em tais espaços, pois o objetivo de criação destas áreas era a preservação da flora e da fauna ali existentes. Na área escolhida, teoricamente desocupada, a presença humana se limitava (e se limita) à contemplação da natureza, sem causar qualquer movimento no sentido de modificar o que está sendo protegido. No Brasil, o ano de 1937, é a data de criação do primeiro parque nacional, o Parque Nacional de Itatiaia, no Rio de Janeiro. A importação da ideia de preservação da natureza advinda dos Estados Unidos (como área que não compatibiliza preservação da natureza e ocupação humana) e aplicada na íntegra no Brasil, em várias partes do mundo (América do Sul e Central, África e Ásia), acarretou diversas consequências negativas, pois nessas partes do mundo as florestas eram (e ainda são) habitadas por diversos povos que delas dependem para sobrevier. Assim, com a criação de áreas de conservação (Unidades de Conservação) um número imenso de famílias, de tribos indígenas e demais agrupamentos sociais foram expulsos de suas terras em nome da preservação da natureza. Os conflitos instalados por conta disso foram inúmeros. A grande maioria dessa população não detinha título de propriedade da terra, tendo o direito de ocupá-la por estar ali há várias gerações. Com o passar do tempo, por pressão de movimentos de defesa das comunidades tradicionais, essa concepção de incompatibilidade entre preservação da natureza e presença humana começou a ser revista. Começou-se a perceber, conforme afirmam moradores de áreas protegidas, que a preservação foi possível em função do modo de vida dessas populações, pois a preservação da floresta para essas comunidades é uma questão de sobrevivência. Assim, os ambientes em que vivem se mantiveram preservados não por força de alguma lei ou dos movimentos ambientais, mas porque se esses ambientes forem destruídos o seu modo de vida desaparece. 8 9 A legislação atual define e procura garantir os direitos de permanência destas comunidades nas áreas em que vivem, mas foi, somente, recentemente que foram criadas as Reservas Extrativistas (figura 1) e outros tipos de áreas de proteção com o intuito de garantir a permanência e a sobrevivência destas comunidades dentro das áreas de preservação, como veremos adiante. Figura 1 – Atividade extrativista em comunidade tradicional Fonte: iStock / Getty Images Comunidades tradicionais- O conceito de comunidades tradicionais é relativamente novo, tanto na esfera governamental quanto na esfera acadêmica ou social. A expressão comunidades ou populações tradicionais surgiu no seio da problemática ambiental, no contexto da criação das unidades de conservação, para dar conta da questão das comunidades tradicionalmente residentes nestas áreas. São chamadas “tradicionais” por manterem muitos aspectos culturais seculares e praticarem, sobretudo, a agricultura ou a pesca voltada à subsistência (SANTOS, 2008). Ex pl or Unidade de Conservação (UC) De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) refere-se o conjunto de unidades de conservação (UC) federais, estaduais e municipais. É composto por 12 categorias de UC, cujos objetivos específicos se diferenciam quanto à forma de proteção e usos permitidos: aquelas que precisam de maiores cuidados, pela sua fragilidade e particularidades, e aquelas que podem ser utilizadas de forma sustentável e conservadas ao mesmo tempo. 9 UNIDADE Relação Sociedade Moderna e Natureza Observe na figura abaixo a distribuição das Unidades de Conservação no Brasil. Figura 2 – Unidades de conservação no Brasil Fonte: www.florestal.gov.br Na figura 2, as categorias de UC existentes no Brasil e sua distribuição estão presentes. Observe que a maior parte das UCs está localizada na região Norte do Brasil. Por que será que isso ocorre? Antes de respondermos a essa questão, vamos observar com atenção as figuras 3 e 4, a seguir. Observe na figura 3 a localização das principais cidades brasileiras. Figura 3 – Localização das principais cidades brasileiras e as interligações rodoviárias Fonte: mapas-brasil.net 10 11 Observe na figura 4 a distribuição da população brasileira, em 2010. Figura 4 – Distribuição da população brasileira em 2010 Fonte: www.atlassocioeconomico.rs.gov.br Vamos agora comparar os três mapas apresentados nas figuras 2, 3 e 4. O que podemos concluir a partir de nossa observação? Percebemos que na maioria das cidades, a população brasileira está localizada próxima à zona costeira, enquanto as UCs se localizam, em sua maior parte, na região mais interior do país, especialmente na região Norte. Por que isso ocorre? Para entendermos essa distribuição espacial das UCs, das cidades e da população, devemos lembrar que a ocupação do território brasileiro, desde a época da colonização, ocorreu no (ou próxima) litoral. Os primeiros povoamentos e as primeiras cidades ali se instalaram e com o passar do tempo, em função de diversos fatores (os chamados ciclos econômicos), a ocupação seguiu em direção ao interior do país, ficando a região Norte, como o último reduto desta ocupação. Desta forma, as maiores áreas florestais do país “que restaram” ou resistiram ao processo de ocupação agropecuária e urbana se tornaram, justamente, aquelas disponíveis para a criação de UCs. Embora as áreas interiores do país tenham sido ocupadas em épocas mais recentes, a ocupação da área litorânea não se realizou em sua totalidade, pois, em função da dificuldade de ocupação, algumas partes destas áreas vegetadas, das regiões Sul e Sudeste, se mantiveram como remanescentes de florestas não desmatadas. Como exemplo, podemos citar a Serra do Mar nos estados de São Paulo (figuras 5 e 6), Paraná e Rio de Janeiro, onde foram criadas UCs com o objetivo de proteger do desmatamento e da ocupação estes resquícios de florestas. 11 UNIDADE Relação Sociedade Moderna e Natureza Figura 5 – Mata Atlântica - Serra do Mar Fonte: Wikimedia Commons Figura 6 – Mata Atlântica – Serra do Mar Fonte: Wikimedia Commons Observe a imagem seguir. Podemos identificar a extensão que a Mata Atlântica apresentava em períodos remotos e o que resta hoje deste Bioma. Por se localizar na área de mais intensa ocupação do país esta é a floresta que mais foi reduzida em termos de extensão (considerando-se, ainda, a grande perda de biodiversidade que ocorre como consequência do desaparecimento da floresta). A exploração do pau-brasil em toda a costa, na época da colonização, o Ciclo da cana de açúcar no Nordeste, o Ciclo da Mineração, do Café e a industrialização no Sudeste, as frentes de colonização e a agropecuária no Sul, bem como a expansão urbana das últimas décadas, foram os principais motivos que levaram a Mata Atlântica a ocupar, atualmente, somente uma parte mínima do seu território original. 12 13 Figura 7 – RBMA - Reserva da Biosfera da Mata Atlântica Fonte: www.rbma.org.br Compare a figura 7 com as figuras 3 e 4 apresentadas anteriormente. Perceba a relação existente entre a ocupação e o desaparecimento das florestas. Para que partes destas florestas pudessem ser preservadas foram criadas legislações específicas ao longo do tempo e a Lei No 9.985, DE 18 de julho de 2000, que em seu Art. 1º: institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, estabeleceu critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação. É o que veremos a seguir. Categorias de Unidade de Conservação (UC) Através da legislação (citada anteriormente) foram incorporadas ao SNUC as unidades de conservação já existentes antes de 2000, assim, por exemplo, alguns Parques Nacionais enquadrados pelo SNUC no grupo de Unidades de Proteção Integral já possuíam comunidades em seus domínios. Segundo o SNUC, as populações tradicionais que residem em unidades de conservação nas quais em sua permanência não seja permitida, devendo ser indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias existentes e devidamente realocadas pelo Poder Público em local e em condições acordados entre ambas as partes. O problema é que em áreas que se tornaram UC antes da lei do SNUC, a desapropriação das terras é na maioria das vezes problemática, seja por problemas burocráticos ou de interesse econômico, chegando até ao fato de algumas famílias não receberem o benefício. 13 UNIDADE Relação Sociedade Moderna e Natureza Após o ano 2000, as UCs, de acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, foram agrupadas em duas categorias: Grupo de Proteção Integral e Grupo de Uso Sustentável. A apresentação e a edição de normas e de padrões de gestão de Unidades de Conservação federais; a proposição da criação, regularização fundiária e gestão das Unidades de Conservação federais; e o apoio e a implementação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), são de competência do ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (criado pela Lei no. 11.516, de 28 de agosto de 2007), do Ministério do Meio Ambiente. O ICMBio deve ainda contribuir para a recuperação de áreas degradadas em Unidades de Conservação, fiscalizar e aplicar penalidades administrativas ambientais ou compensatórias aos responsáveis pelo não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou á correção da degradação ambiental. Cabe a este Instituto o acompanhamento da elaboração e da implantação dos Planos de Manejo, a autorização e o acompanhamento das pesquisas a serem desenvolvidas nas UCs e as normatizações específicas de determinadas UCs. Compete, ainda, ao Instituto Chico Mendes, monitorar o uso público e a exploração econômica dos recursos naturais nas UCs, onde isso for permitido. Vamos conhecer um pouco mais detalhadamente quais tipos de UC integram estes grupos. Grupo de Proteção Integral Estação Ecológica Os objetivos são a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas. É proibida a visitação pública, exceto se com objetivo educacional, conforme definir o Plano de Manejo ou regulamento específico desta categoria de Unidade de Conservação. Reserva Biológica Visa à preservação integral da biota e demais atributos naturais, sem interferência humana direta ou modificações ambientais. A exceção fica por conta de medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e de ações de manejo necessárias para recuperare preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e seus processos ecológicos naturais. A visitação pública é proibida, com exceção da de caráter educacional, segundo o definido em Plano de Manejo da unidade. 14 15 Parque Nacional É a mais popular e antiga categoria de Unidades de Conservação. Seu objetivo é preservar ecossistemas de grande relevância ecológica e de beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas, a realização de atividades educacionais e de interpretação ambiental, a recreação e o turismo ecológico, por meio do contato com a natureza. O regime de visitação pública é definido no Plano de Manejo da respectiva unidade. Monumento Natural O objetivo básico é preservar sítios naturais raros, singulares e/ou de grande beleza cênica. Pode ser constituído por propriedades particulares, desde que haja compatibilidade entre os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais por parte dos proprietários. Se não houver compatibilidade, a área é desapropriada. Existe a permanência para visitação aos monumentos naturais. Refúgio de Vida Silvestre O objetivo é proteger ambientes naturais onde se asseguram condições para a existência ou a reprodução de espécies ou comunidades da flora local e da fauna residente ou migratória. Eles podem ser constituídos, assim como os monumentos naturais, por áreas particulares, seguindo as mesmas exigências legais. Grupo de Uso Sustentável Área de Proteção Ambiental Área em geral extensa, com certo grau de ocupação humana, com atributos bióticos, abióticos, estéticos ou culturais importantes para a qualidade de vida e o bem- estar das populações humanas. As APAs têm como objetivo proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. Área de Relevante Interesse Ecológico Área em geral de pequena extensão, com pouca ou nenhuma ocupação humana, com características naturais singulares ou mesmo que abrigam exemplares raros da biota regional. Sua criação visa a manter esses ecossistemas naturais de importância regional ou local, bem como regular o uso admissível destas áreas, compatibilizando-o com os objetivos da conservação da natureza. 15 UNIDADE Relação Sociedade Moderna e Natureza Floresta Nacional Área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas, criadas com o objetivo básico de uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e da pesquisa científica, voltada para a descoberta de métodos de exploração sustentável destas florestas nativas. É permitida a permanência de populações tradicionais que habitam a área, quando de sua criação, conforme determina o plano de manejo da unidade. A visitação pública é permitida, mas condicionada às normas especificadas no plano de manejo. A pesquisa é permitida e incentivada. Reserva Extrativista Área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Visa proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, assegurando o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. As populações, que vivem nessas unidades, possuem contrato de concessão de direito real de uso, tendo em vista que a área é de domínio público. A visitação pública é permitida, desde que compatível com os interesses locais e com o disposto no plano de manejo da unidade. A pesquisa é permitida e incentivada. Reserva de Fauna Área natural com populações de animais de espécies nativas, terrestres e aquáticas, residentes ou migratórias, adequadas para estudos técnico-científicos a respeito do manejo econômico sustentável dos recursos faunísticos. A visitação pública é permitida, desde que compatível com o manejo da unidade. É proibida na área a prática da caça amadorística ou profissional. Mas pode haver comercialização dos produtos e subprodutos resultantes das pesquisas, desde que obedeçam o disposto na legislação brasileira sobre a fauna. O Instituto Chico Mendes ainda não criou nenhuma Unidade de Conservação desta categoria. Reserva de Desenvolvimento Sustentável Área natural que abriga populações tradicionais, que vivem basicamente em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais. Esta categoria desempenha papel fundamental na proteção da natureza, bem como na manutenção da diversidade biológica. Tal uso é regido, como nas Reservas Extrativistas, por contrato de concessão de direito real de uso, uma vez que a área da RDS é de domínio público. 16 17 Reserva Particular do Patrimônio Natural São UCs instituídas em áreas privadas, gravadas com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica ali existente. Com isso, tem-se o engajamento do cidadão na proteção dos ecossistemas brasileiros, dando- lhe incentivo à sua criação, como isenção de impostos. Uso sustentável aqui se subentende a realização de pesquisa científica e de visitação pública com finalidade turística, recreativa e educacional. A categorização realizada pelo SNUC visa, de forma geral, a disciplinar o uso das Unidades de Conservação. Mas, conforme questiona Albagli (1998), preservar para que? Preservar para quem? Vamos discutir estas questões com um pouco mais de profundidade. A Geopolítica da biodiversidade De acordo com a Convenção sobre Diversidade Biológica, biodiversidade ou diversidade biológica é “a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies de ecossistemas”. Importante! A Convenção sobre Diversidade Biológica é um tratado da Organização das Nações Unidas e um dos mais importantes instrumentos internacionais relacionados ao meio ambiente. A Convenção foi estabelecida durante a ECO-92 – a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992. Trocando ideias... A questão da biodiversidade e a necessidade de sua preservação ganhou um grande impulso a partir dos anos 1980, e especialmente anos 1990, após a realização da ECO-92, por conta de seu caráter estratégico, dos avanços da biotecnologia e da questão estratégica que desempenha na geopolítica mundial. Por causa das novas formas de olhar para as áreas de biodiversidade em sua relação com as populações que as ocupam (e que delas dependem para sobreviver a centenas de anos) criou-se o termo sociobiodiversidade. Na atualidade, tem sido reconhecido o conhecimento que as populações nativas (locais, tradicionais) têm em termos de identificação de elementos da fauna e da flora e muitas de suas características e do papel que desempenham na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica das florestas, mas, até agora, poucos benefícios têm resultado para as mesmas. 17 UNIDADE Relação Sociedade Moderna e Natureza Conforme Albagli (1998), vários usos têm sido dados à biodiversidade enquanto recurso, ao longo da história, principalmente na alimentação e agricultura e na saúde humana. Em termos de agricultura e de alimentação, os seres humanos começaram sua jornada há, pelo menos, 6.000 anos, quando se tem registro das primeiras tentativas de domesticação de plantas e animais em algumas áreas do globo. Muitas das plantas que utilizamos em nossa alimentação resultaram de um longo processo de experimentação de cruzamento de diversas espécies tanto animais, quanto vegetais. O emprego da tecnologia na pesquisa e na experimentação é muito antigo (biotecnologia tradicional). Os processos que foram se tornando mais rápidos em função de novas tecnologias desenvolvidas (biotecnologia moderna). Embora a variedade de espécies vegetais existentes no planetaseja da casa de milhões, utilizamos em nossa alimentação cotidiana menos de 20 espécies, sendo que as mais consumidas são o trigo, o milho, o arroz e a batata. Em termos de saúde humana praticamente todos os remédios utilizados desde os primórdios da humanidade têm sua origem associada a plantas, animais ou microrganismos. Embora as grandes indústrias farmacêuticas dominem este segmento, em inúmeras áreas do planeta a população recorre a medicamentos tradicionais (grande parte de origem vegetal), o que pode ser designado, em muitos locais, como medicamentos “alternativos”. A biodiversidade apresenta outro campo importante relativo ao seu uso econômico: o turismo e o lazer. O Ecoturismo tem se expandido no Brasil e no mundo, o que significa a importância econômica que esta atividade tem apresentado. A medicina genética tem se ampliado significativamente ano após ano, assim como os segmentos químico e farmacêutico (a ela relacionado). Atualmente, somente um pequeno grupo de empresas multinacionais dominam este segmento e os lucros que estas obtêm com a venda de medicamentos é imensa. Além da aplicação nas indústrias farmacêuticas, o desenvolvimento da biotecnologia moderna (que emprega milhões em pesquisas e em desenvolvimento de produtos) está presente na agroquímica e na produção de sementes. De acordo com um mapeamento realizado pelo Banco Mundial (em 1992), são apenas alguns países (no citado mapeamento constavam 12 países, somente) detentores de megadiversidade (México, Colômbia, Equador, Peru, Brasil, Congo, Madagascar, Índia, Bangladesh, China, Indonésia e Austrália). Com exceção da Austrália, os demais países, por conta de sua situação econômica, não investem grandes somas de dinheiro, em desenvolvimento de centros de pesquisas e a verba destinada a isso, mesmo nas universidades que mantêm centros de estudos e pesquisa não é suficiente para que estes países façam uso satisfatório de sua biodiversidade para esta finalidade. 18 19 Assim, quem realiza a pesquisa com a biodiversidade existente neste grupo de países? Onde se localizam os grandes centros de desenvolvimento e de pesquisa com a biodiversidade visando a obter retorno econômico? Onde estão localizadas as grandes empresas que desenvolvem produtos com base na biotecnologia. Em relação ao desenvolvimento e à aplicação da tecnologia transgênica, com exceção da nacional Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), todos os cultivos liberados até hoje no Brasil utilizam a tecnologia e os defensivos agrícolas produzidos pelas seis grandes empresas transnacionais que também lideram o setor em nível global (em 2009): Monsanto (Estados Unidos), Syngenta (Suíça), Dupont (Estados Unidos), Basf (Alemanha), Bayer (Alemanha) e Dow (Estados Unidos). Em relação às grandes empresas farmacêuticas (e de produtos para a saúde em geral) as seis maiores no mercado são (em 2009): Pfizer (Estados Unidos), Merck (Estados Unidos), Roche (Suíça), Novartis (Suíça), Sanofi-Aventis (França) e GlaxoSmithKline (Grã-Bretanha), o que confirma a localização geográfica dos centros de pesquisa e de produção com base na biodiversidade. Mesmo que decorridos alguns anos, a posição das indústrias tenha se modificado no ranking apresentado, o que precisamos observar (fato que não se alterou) é o local de origem destas empresas. Perceba que estas empresas estão localizadas, basicamente, na América do Norte (exceto no México) e Europa. Embora existam diversas empresas de biotecnologia em diversos ramos, em vários países do mundo, se trata de empresas pequenas e o que queremos discutir é a importância e a relação dos grandes grupos que desenvolvem e aplicam biotecnologia no mundo. Vejamos: a biodiversidade e a tecnologia se localizam no mesmo lugar? A resposta, depois do que apontamos, é: não. Vamos voltar à questão inicial de nossa discussão: preservar para que e para quem? Com base no que foi apresentado, é inegável o interesse que as grandes multinacionais de biotecnologia têm na preservação da biodiversidade do planeta, pois a existência desta garantirá os grandes lucros que estas empresas obterão vendendo seus produtos. Embora seja indiscutível a importância da diversidade animal e vegetal para a permanência da (nossa) vida neste planeta, é igualmente inquestionável o interesse que os grandes grupos de biotecnologia têm na preservação da biodiversidade, pois desta depende, também, sua existência no mercado (especialmente na descoberta/ produção de novos medicamentos, cosméticos entre outros). Outra questão importante e que merece nossa atenção são as sementes modifi- cadas em laboratórios. Tanto as sementes híbridas (aquelas que não se reproduzem) quanto os transgênicos (baseados em pagamento de royalties) são decorrência da revolução biotecnológica e apresentam aspectos negativos para os pequenos produtores rurais. Segundo Shiva (2001), a revolução biotecnológica rouba da semente sua fertilidade e capacidade auto-regenerativa, colonizando-a de duas maneiras principais: por meios técnicos e pelos direitos de propriedade (royalties). 19 UNIDADE Relação Sociedade Moderna e Natureza Em relação aos meios técnicos ocorre a hibridização, o que faz com que a semente não se reproduza. Isso obriga o produtor a comprar novas sementes toda vez que quiser iniciar um novo plantio. Isso para os pequenos produtores rurais e para as comunidades tradicionais inviabiliza, muitas vezes, a produção, pois nem sempre essa parcela da população dispõe de condições financeiras para efetuar tal compra. Relativo aos direitos de propriedade, as sementes transgênicas são comercializadas a partir de assinaturas de contratos que garantem à empresa um valor a ser pago por quem adquire as sementes. Para cada novo plantio, o produtor rural deve assinar novo contrato e pagar pelos direitos de propriedade (royalties) pela utilização da semente. Além da semente, o produtor acaba sendo obrigado a adquirir outros produtos (como fertilizantes, pesticidas, herbicidas) compatíveis com a semente adquirida, ficando assim atrelado à empresa para desenvolver seu plantio. Os pequenos produtores, geralmente, não tem como arcar com as despesas necessárias para desenvolver uma produção transgênica e em muitas localidades do Brasil, o processo de concentração fundiária continua se intensificando, com o consequente êxodo rural. Quando o acesso à biodiversidade, para diversos fins, não ocorre dentro das normas e das leis, ocorre a chamada biopirataria. Biopirataria Em termos gerais, a biopirataria consiste no ato de aceder a ou transferir recurso genético (animal ou vegetal) ou conhecimento tradicional associado à biodiversidade, sem a expressa autorização do Estado de onde fora extraído o recurso ou da comunidade tradicional que desenvolveu e manteve determinado conhecimento ao longo dos tempos. Podemos considerar ainda que a biopirataria pode ser conceituada como a exploração, a manipulação, a exportação de recursos biológicos, com fins comerciais, em contrariedade às normas da Convenção sobre Diversidade Biológica, de 1992. A biopirataria está intrinsecamente ligada à ideia de contrabando de espécimes da flora e da fauna com apropriação de seus princípios ativos e monopolização desse conhecimento, por meio do sistema de patentes (registros de propriedade). A biopirataria não é algo recente na história de nosso país (e em outros detentores de megabiodiversidade). Muito da nossa fauna, da flora e do conhecimento que detêm as comunidades tradicionais foi transferido para outras partes do mundo e patenteado por universidades, por laboratórios e pelas empresas que as utilizam em suas pesquisas e na produção industrial. 20 21 Qual o problema disso tudo? A biopirataria e o não investimento em pesquisas nos países detentores de megabiodiversidade retira deste país a possibilidade de utilização de determinada forma de vida em benefício das comunidades que ali vivem. Ao não investir em pesquisa e em desenvolvimentolocal, e não fiscalizar de forma adequada esses mananciais de vida, os países megadiversos estão sujeitos à pilhagem da natureza que temos assistido há muito tempo. 21 UNIDADE Relação Sociedade Moderna e Natureza Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Novo Código Florestal O vídeo aponta de que forma diversos segmentos da sociedade se posicionam sobre o Novo Código Florestal. https://youtu.be/6uNzHUGbYSM O que são Unidades de Conservação Assista ao vídeo, para aprofundamento do seu conhecimento sobre Unidades de Conservação e retome a discussão realizada no material didático da Unidade, sobre os interesses que estão em jogo na criação das áreas protegidas no Brasil. https://youtu.be/oeRJmHfcuAY Leitura O Controle e a Repressão da Biopirataria no Brasil. O texto trata da questão da biopirataria desde os primórdios do Brasil e o que tem sido feito para reprimi-la. http://goo.gl/mgrGNr 22 23 Referências ALBAGLI, S. Geopolítica da Biodiversidade. Brasília: Edições IBAMA, 1998. P.59-111. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Sistema Nacional de Unidades Conservação – SNUC. Disponível em: http://www.mma.gov.br/areas-protegidas/sistema- nacional-de-ucs-snuc . Acesso em 19/03/2016. ________. ICMBio - Instituto Chico Mendes. Categorias de Unidades de Conservação. Disponível em http://www.icmbio.gov.br/portal/biodiversidade/ unidades-de-conservacao/categorias.html. Acesso em 22/04/16. SANTOS, K. M. P.dos; TATTO, N.. Agenda socioambiental de comunidades quilombolas do Vale do Ribeira. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2008. SCHENINI, P. C.; COSTA, A. M.; CASARIN, V. W. Unidades de Conservação: Aspectos Históricos e sua Evolução COBRAC 2004. In: Congresso Brasileiro de Cadastro Técnico Multifinalitário. UFSC-Florianópolis, 10 a 14 de Outubro 2004, p.1-7. SHIVA, V. Biopirataria – a pilhagem da natureza e do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2001. 23
Compartilhar