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Educação após Auschwitz, reflexões sobre uma educação emancipatória a partir de Adorno.

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Resenha crítica: ADORNO, T. W. Educação após Auschwitz. In: COHN, Gabriel (org). 
Coleção “Grandes Cientistas Sociais: Adorno”. São Paulo. Ática, 1986. 
A preocupação principal para Theodor Adorno no que se refere a educação 
emancipatória é uma educação que efetivamente promova uma conscientização nos 
homens contra o horror, a barbárie e a violência. O objeto dele de estudo é o holocausto 
judeu, cristalizado em Auschwitz, para isso ele propõe uma metodologia a partir da área 
da psicologia dos homens para entender quais são os mecanismos psicossociais que 
permitiram a concretização do genocídio judeu pelos nazistas. E mais especificamente, o 
que torna um homem um genocida. Segundo ele, a barbárie, a qual toda educação se opõe, 
“subsistirá enquanto as condições que produziram aquela recaída substancialmente 
perdurarem” (ADORNO, 1974). 
Nesse sentido, ele argumenta que as condições estruturais da sociedade e as 
características que permitiram o genocídio e a perseguição de milhares ainda perduram 
contemporaneamente. Apesar disso, ele reconhece a dificuldade de atuar na 
transformação dos pressupostos sociais e políticos, defendendo, grosso modo, uma ação 
voltada para o lado subjetivo. Através do entendimento dos mecanismos que tornam os 
homens capazes desses atos e a promoção de uma conscientização geral desses 
mecanismos deve-se evitar o retorno à barbárie. 
Essa conscientização geral, para ele, está diretamente ligada a educação, 
principalmente no âmbito da formação de subjetividades na primeira infância, onde essas 
características gerais, voltadas a violência costumam aparecer. E mais além, ele defende 
um “o esclarecimento geral, criando um clima espiritual, cultural e social que não dê 
margem a uma repetição; um clima, portanto, em que os motivos que levaram ao horror 
se tornem conscientes” (ADORNO, 1974). 
O combate às condições subjetivas se refere sobretudo ao esclarecimento delas 
num primeiro momento, ou seja, das bases psicossociais que permitiram àqueles sujeitos 
o cometimento de tamanha atrocidade, para combatê-las antes de tudo no contexto 
individual, por isso a importância da educação neste processo, por sua capacidade de 
emancipação através da reflexão crítica. 
Tratando-se delas especificamente, Adorno aponta num primeiro momento para o 
problema da autonomia, para o que ele define como um despreparo psicológico daqueles 
homens para a autodeterminação, o que facilitou uma aceitação das normas vigentes 
exteriores de forma acrítica, como nos mostra os contra-argumentos nazistas no Tribunal 
de Nuremberg, coisas como: “fiz porque recebi ordens” e etc. Adorno argumenta que este 
tipo de comportamento é resultado da heteronomia, ou seja, uma dependência de normas 
e preceitos que é externa ao indivíduo e que fogem de sua racionalidade. O autor defende 
que só “a autonomia ou a força para a reflexão, para a autodeterminação, para a não-
participação” é a “verdadeira força contra o princípio de Auschwitz” (ADORNO, 1974). 
Outro ponto que se relaciona diretamente com o problema anterior é a 
identificação cega com o coletivo. Segundo Adorno, a medida mais importante contra o 
perigo de uma repetição do genocídio, é “contrapor-se a qualquer supremacia coletiva 
cega e aumentar a resistência contra, focalizando o problema da coletivização.” 
(ADORNO, 1974) Para ele, pessoas que se enquadram cegamente em coletividades 
omitem-se como seres autodeterminados e se transformam em algo análogo a matéria 
bruta combinado com a capacidade de tratar os demais como massa amorfa, portanto 
também sem autonomia. Adorno denominou, num outro estudo, os indivíduos que se 
comportam dessa maneira como possuidores de caráter manipulativo. O autor sustenta 
que esta característica “distingue-se, [...] pela incapacidade de vivenciar experiências 
humanas em geral”, pela falta de emotividade desses sujeitos e pelo realismo exagerado. 
Adorno dá nome a esta realidade de “consciente coisificado” pelas pessoas que carregam 
consigo esta característica se equipararam as coisas e de modo análogo, equiparar também 
as outras pessoas às coisas. Adorno explica este conceito da seguinte forma: “Trata-se 
porém de um consciente que rejeita tudo que é consequência, todo o conhecimento do 
próprio condicionamento, e aceita incondicionalmente o que está dado.” Percebemos com 
este conceito e com a problemática da identificação cega com o coletivo que a raiz do 
problema se encontra, sobretudo no problema da autonomia e na dicotomia entre 
autodeterminação e autoritarismo. 
Um fator importante a que ele também destaca e que se relaciona diretamente com 
algumas permanências autoritárias no ensino escolar tradicional, se trata da educação para 
a disciplina através da dureza, que tanto para ele, quanto para muitos educadores 
progressistas, é uma concepção eminentemente errada. Segundo Adorno esse tipo de 
educação tende a gerar no indivíduo uma banalização e indiferença à dor. Utilizo então 
as palavras do autor para explicitar melhor esta questão: “Aquele que é duro contra si 
mesmo adquire o direito de sê-lo contra os demais e se vinga da dor que não teve a 
liberdade de demonstrar, que precisou reprimir. Esse mecanismo deve ser conscientizado, 
da mesma forma como deve ser fomentada uma educação que não mais premie a dor e a 
capacidade de suportá-la” (ADORNO, 1974).

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