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Prévia do material em texto

Versão eletrônica do livro 
 
HARMONIZAÇÃO 
MENTAL 
 
O CASO DE BEATRIZ 
 
 
Autor 
© Guilherme Tavares, 2021 
 
 
Edição e revisão: Cláudia Rezende 
Projeto gráfico e capa: Overleap Studio e Rikearaujo 
Ilustrações: Rikearaujo 
 
Este livro não pode ser reproduzido, 
no todo ou em partes, sem a prévia 
autorização do autor. 
 
 
 
 
 
http://www.harmonizacaomental.com.br/ 
Compartilhe sua opinião usando 
#harmonizacaomental 
 
 2 
"Volte seus olhos para dentro, contemple suas próprias 
profundezas, aprenda primeiro a conhecer-se! Então, 
compreenderá por que está destinado a ficar doente e, talvez, 
evite adoecer no futuro." 
Sigmund Freud 
Você pode escutar o audiobook completo deste livro em 
 
 
SUMÁRIO 
 
APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 3 
BEATRIZ .................................................................................................................... 4 
RECORDAÇÕES ......................................................................................................... 9 
ANSIEDADE ............................................................................................................ 16 
FOBIA ..................................................................................................................... 21 
RICARDO ................................................................................................................ 25 
TRAIÇÃO ................................................................................................................. 30 
DESEJO ................................................................................................................... 36 
MARIA .................................................................................................................... 41 
BLOQUEIO .............................................................................................................. 45 
PLÍNIO .................................................................................................................... 49 
PERDÃO .................................................................................................................. 53 
CULPA ..................................................................................................................... 57 
RESSIGNIFICAÇÃO .................................................................................................. 61 
 
 3 
 
APRESENTAÇÃO 
 
Um dia você acorda, abre os olhos e percebe que tudo mudou. Não 
sabe bem o motivo dessa sensação, mas sente que a sua mente não 
comporta mais os velhos hábitos. 
Beatriz está cansada, desiludida. Não entende por que, depois de 
anos casada, hoje está com a cama vazia. Nem seria por falta de opção, 
jovem, ela ainda atrai o olhar de muitos homens. No entanto, é sempre 
tudo igual, vazio. 
Ao vasculhar o passado em busca de respostas, acaba sentindo-se 
aflita, redescobrindo segredos guardados na mente. Revive emoções do 
passado, ao recordar a infância, o início de tudo que marcou a vida dela. 
A sensação de abandono após relatar ter sido molestada e não perceber 
uma atitude do pai para defendê-la. 
Ao engolir a frustação, ficou revoltada por anos, e isso a tornou 
uma pessoa mais dura com os outros e consigo mesma. Desorientada, 
rodeada de culpa, rancores e remorsos, Beatriz se vê sem saída, até que 
a dor foi maior que o medo da mudança, e ela buscou ressignificar a 
própria vida. 
A história de Beatriz, contada neste livro, serve como base para que 
possamos nos conectar a nossos traumas. Entender como fatos 
marcantes em nossa vida servem como base para todas as atitudes que 
tomamos. 
Ao enxergarmos a dificuldade do outro, refletida em nós mesmos, 
podemos lançar um olhar mais racional sobre os nossos atos. É preciso 
compreender melhor as nossas aflições, os nossos medos e desejos 
ocultos, para, assim, podermos nos libertar de toda a culpa inconsciente 
que carregamos. 
O objetivo deste livro é libertar o leitor de suas amarras mentais, 
possibilitando o autoperdão e a ressignificação. 
Harmonizar é o ato de tornar mais belo, mais equilibrado, aquilo 
que você tem, é um refinamento. Sendo assim, busco auxiliar no seu 
despertar, lançando e motivando você a um novo olhar sobre a sua vida. 
Que você possa utilizar as percepções levantadas aqui como mais um 
impulso transformador. 
Uma excelente leitura! 
Um grande abraço, Guilherme Tavares 
 4 
BEATRIZ 
 
Eu tinha 8 anos quando tudo aconteceu. Morávamos eu, minha 
irmã mais velha, Berenice, minha mãe, Maria, e meu pai, Francisco, em 
uma cidadezinha no interior de Minas Gerais. Dona Maria Flor, como 
minha mãe era conhecida, fazia os melhores doces da região. Ela era puro 
amor, lembro-me de acordar de manhã e sentir aquele cheirinho gostoso 
de café com pão de queijo fresquinho, feito por suas habilidosas mãos. 
Sempre que podia, eu ajudava na fabricação dos doces. A demanda 
estava aumentando e preenchia todo o meu tempo livre, mas não me 
incomodava. Diferentemente da minha irmã, que às vezes reclamava, eu, 
na verdade, até gostava de estar ali, na pequena cozinha industrial, era 
um ambiente muito acolhedor. 
Meu pai era carpinteiro, um homem muito justo, às vezes meio 
“cabeça-dura”, mas com um grande coração. Lembro-me que, mesmo 
chegando tarde a nossa casa após o trabalho, sempre arrumava tempo 
para nos abraçar, com um grande sorriso no rosto. 
Estava tudo perfeitamente bem, mamãe com várias encomendas e 
papai com meses de trabalho garantido na igreja, até aquele fatídico dia. 
Eu e a Berê éramos responsáveis por levar as encomendas. Mamãe 
cuidava da casa, enquanto nós cuidávamos da entrega dos doces. Mas, 
na véspera da Páscoa, era diferente. Sempre foi. Muitas entregas para 
fazer, e, daquela vez, eu precisei ir sozinha. Era uma grande encomenda 
feita pela paróquia da cidade. Como meu pai estava por lá, minha mãe 
pediu para que eu fizesse a entrega, enquanto a Berê seguia outra rota. 
Chegando à igreja, dei um abraço no meu pai e falei que 
estava com os doces. Ele me disse que o padre estava na 
casa paroquial e pediu para que entregasse lá. O padre era 
um senhor muito respeitado, bati na porta, e ele me atendeu. 
“Entre, minha filha, já te atendo”. A casa tinha cheiro de 
naftalina e muitos móveis antigos de madeira. 
O padre veio, sentou-se no sofá e começou a perguntar como estava 
minha mãe, disse que estava muito satisfeito com o trabalho do meu pai. 
Aí, me perguntou se eu já era mocinha, achei estranho, mas respondi que 
não. Então começou a me fazer várias perguntas, algumas que me 
 5 
deixaram muito constrangida, até que ele levantou e colocou a mão sobre 
meu ombro. Nesse momento, eu simplesmente saí correndo dali. Fiquei 
com medo e comecei a chorar. 
Chegando em casa, imediatamente, falei com a minha mãe. Contei 
que senti algo ruim ali, sozinha com o padre, com aquelas perguntas, 
com o jeito como ele se encostou em mim. Minha mãe pediu para que eu 
não contasse nada a ninguém, disse que ela resolveria o problema e 
contaria para meu pai. Fiquei chorando no meu quarto o restante do dia, 
minha irmã se aproximou, perguntou o que tinha acontecido, mas eu não 
quis contar nada. 
Meu pai chegou, como sempre, veio e me deu um beijo, viu que eu 
estava triste. Eu disse que estava um pouco doente, ele me abraçou e 
falou que tudo iria melhorar. Não consegui dormir direito naquele dia, 
com a raiva que eu fiquei. 
A Páscoa chegou, e fomos, como todos os domingos, à igreja 
naquela manhã. Pensei: “agora este padre vai escutar poucas e boas!”. Já 
estava com nojo de ir à igreja. A missa transcorreu normalmente, e, ao 
final, fomos para casa. Nada, absolutamente nada aconteceu de 
diferente. 
Assim que consegui um momento sozinha com a minha mãe, fui 
logo desabafando. “Mãe! Por que o papai não xingou o padre?”. Eu queria 
uma atitude, era meu direito! Então, ela me respondeu: “faleicom seu 
pai, minha filha, ele disse para não tocarmos nesse assunto e para você 
não fazer mais entregas sozinha”. 
 
Como fiquei decepcionada! Chorei novamente, com raiva agora do 
meu pai. Ele era meu protetor, meu herói. Como podia deixar alguém se 
 6 
encostar em mim sem fazer nada? Desde então, nunca mais a nossa 
relação foi a mesma. Senti que, a cada ano, íamos nos afastando mais. 
Eu ainda o amava, mas algo havia mudado em mim. 
O tempo passou, eu continuei ajudando a minha mãe com os 
doces. Fiz Administração de Empresas na capital. Saí de casa cedo, para 
morar sozinha, comecei a vender doces também na faculdade, trabalhei 
muito e comecei a conquistar cada vez mais destaque. Na faculdade, eu 
conheci o Ricardo, e começamos a namorar. 
Em pouco tempo, ele veio morar comigo, me ajudava com algumas 
tarefas na casa e na pequena produção de doces que eu fazia. Em certos 
dias, também pegávamos a estrada para a minha cidade natal e 
abastecíamos o nosso estoque. Ricardo era bom companheiro, não posso 
falar que foi um amor de novela, mas estávamos bem com a nossa 
relação. Confesso que às vezes sentia-me um pouco frustrada com a falta 
de proatividade dele, mas, como sempre foi prestativo, acabou me 
ajudando bastante no início da minha carreira. 
Com o passar do tempo, a pequena empresa de doces começou a 
vender para o Brasil inteiro. Após me formar em Administração, 
investimos pesado na fábrica. E, logo em seguida, casei-me com Ricardo. 
Porém, nunca me senti preenchida de verdade. Via histórias de amor 
fantásticas, mas, para mim, eram isso, nada além de histórias. 
Achei que era por falta de filhos, Ricardo queria, e eu deduzi que 
esse grande amor viria com a chegada de Mariana. Minha filha virou todo 
o meu objetivo de vida. Meu foco agora era a minha filha e o meu trabalho. 
Sentia a responsabilidade e o peso de cuidar de tudo. E, infelizmente, 
Ricardo foi ficando cada vez mais em segundo plano, admito. 
Às vezes, sentada sozinha na minha sala, pensava: “será 
que realmente existem relações verdadeiras?”. Eu não 
conseguia lidar muito bem com os homens, mesmo os 
funcionários da fábrica. Sentia certo frio na barriga ao dar 
ordens, principalmente para homens mais velhos. 
Aquele vazio foi aumentando, eu me sentia cada vez mais 
sobrecarregada, sozinha. Até que um dia descobri que o Ricardo estava 
me traindo com uma das funcionárias, no setor em que ele trabalhava, 
na minha própria fábrica. Foi a gota d’água. Com sete anos de casamento, 
nos divorciamos. 
 7 
Eu ainda era jovem, estava com meus 29 anos, então comecei a 
sair com as amigas para me distrair. Sentia-me viva, saí com alguns 
caras, mas nunca consegui estabelecer uma conexão verdadeira e, em 
pouco tempo, estava solteira novamente. Minha filha era o meu porto 
seguro. Na empresa, as coisas começaram a desandar, eu não conseguia 
mais dar o foco de antes. 
Até que comecei a fazer terapia. Junto à terapeuta, fui buscando 
resgatar todas as memórias da minha vida, inclusive aquele caso do 
padre na minha infância, do qual eu, hoje, aos 32 anos, nem me lembrava 
mais. À noite, passei a ser atormentada por minhas memórias. Meu pai 
havia falecido há cinco anos, e, depois que me mudei para a capital, 
poucas vezes pude ir vê-lo. Nunca pude deixar de pensar: “Como meu pai 
foi covarde!”. Foi terrível para mim, eu o amava muito, mas sentia por ele 
um desgosto tremendo. 
Até que fui orientada a conversar com a minha mãe sobre isso. E 
assim eu fiz, viajei para a minha cidade natal, fiquei sozinha com a minha 
mãe e, quando estávamos tomando café com pão de queijo, perguntei. 
“Mãe, você lembra quando eu fui entregar os doces sozinha lá na casa 
paroquial?”. Ela me disse: “Sim, minha filha. Mas por que você quer 
mexer com o passado agora? Isso foi há muito tempo”. “Eu sei, mãe, mas 
não posso deixar de pensar em como o papai foi omisso. Ele devia ter feito 
algo”. 
Então, ela me disse: “Filha, eu menti. Na verdade, nunca disse 
nada para o seu pai”. Meu mundo caiu. “Como você pôde fazer isso, 
mãe?”. Ela completou: “Minha filha, me perdoe. Mas eram outros tempos, 
o padre era muito respeitado na cidade, poderíamos ser julgados da 
forma errada. Além do mais, seu pai tirava grande parte do sustento da 
nossa família trabalhando para a igreja e, como conhecia o jeito dele, 
resolvi não incomodá-lo”. 
 8 
 
O que eu fiz! Infelizmente, julguei mal o meu pai por todo esse 
tempo e agora já não posso mais pedir desculpas pelos anos de 
afastamento. No entanto, eu senti que estava no caminho certo. “Pai, 
onde o senhor estiver, reconheço que cometi um erro. Mãe, eu te perdoo”. 
O que ela podia fazer como uma simples doceira de cidade pequena? Eu 
sei que a minha mãe buscou proteger a família. 
Hoje, continuo, dia após dia, a minha caminhada. Às vezes, 
errando feio, às vezes, sentindo-me abençoada, sempre na esperança de 
poder me tornar um ser humano cada vez melhor. Essa é a minha 
história, e meu nome é Beatriz. 
 
 
 9 
RECORDAÇÕES 
 
Que satisfação poder falar mais uma vez com você, caro leitor. Meu 
nome é Guilherme Tavares, sou analista de sistemas computacionais, 
administrador de empresas e psicanalista. Esses conhecimentos, ao 
longo dos anos, me possibilitaram não só escrever este livro, que é o meu 
segundo — o primeiro, A ciência do medo, foi lançado em 2019 —, como 
também criar o método de reprogramação pessoal chamado 
Harmonização Mental. 
Antes de prosseguirmos, gostaria de começar falando um pouco 
sobre o que estuda a psicanálise, fundada por Sigmund Freud, um 
neurologista austríaco, em 1899. 
Um dos principais desafios da psicanálise é explicar o 
funcionamento da mente humana através de uma investigação analítica 
da psique, palavra que vem do grego e significa “respiração”, mas que 
Freud utilizou para descrever a relação entre os desejos ocultos das 
pessoas e a forma como esses desejos afetam os comportamentos 
humanos ao longo da vida. 
A psicanálise é uma ciência que busca compreender as motivações 
implícitas do indivíduo, ou seja, aquelas que não estão claras para ele, 
mas que influenciam diretamente no modo como ele age. O objetivo dessa 
ciência é conceder um novo significado àquilo que causa desconforto à 
pessoa ou que possa estar lhe impedindo o crescimento, pessoal ou 
profissional. 
Como diria Freud, a psicanálise não é uma investigação 
científica imparcial, é uma medida terapêutica. A essência 
dela não é provar nada, mas, sim, simplesmente alterar 
alguma coisa. 
Vejamos a história de Beatriz. No inconsciente, ela passou a ter a 
concepção de que os homens poderiam ser indignos, como o padre, ou 
poderiam, em algum momento, desampará-la, como o pai. 
 10 
 
O reflexo disso fez com que ela, sem se dar conta, passasse a intuir 
que todos os homens, especialmente os mais velhos, eram pouco 
confiáveis. Algo que prejudicou os relacionamentos pessoais e 
profissionais que Beatriz desenvolveu ao longo da vida, fazendo com que 
ela questionasse as próprias atitudes. Isso ocorria quando ela 
questionava a si mesma sobre a possibilidade de as conexões entre as 
pessoas serem reais. 
Quando criança, o nosso cérebro não está completamente formado, 
e o medo daquilo que ainda não vivenciamos, ou seja, não conhecemos, 
cria traumas em nós. Esses traumas, ou feridas, são gravados em nossa 
mente com uma intensidade que irá variar de acordo com a carga 
emocional envolvida no momento em que a situação aconteceu. 
A nossa mente, então, junta este grupo de percepções: “Quais 
pessoas estavam envolvidas?”, “Em qual ambiente eu estava?”, “Quais 
sentidos foram ativados?”, “Qual foi a carga emocional do momento?”. A 
partir disso, a mente cria um contexto simbólico e une esse conjunto de 
sensações (sentimentos e emoções), em busca de dar um significado ao 
que vivenciamos. 
Para Beatriz, a carga dessa história fez com que ela passasse a 
acreditar que nunca poderia se entregar verdadeiramente a uma relação 
amorosa, pois jamais deveria confiar emhomens. 
Quando uma simbologia boa, prazerosa, é criada, a mente desejará 
repeti-la. No entanto, se a simbologia é ruim, a mente buscará dar uma 
vazão à angústia gerada, ou seja, colocar para fora, limpar, expurgar. 
 11 
O problema ocorre quando isso não acontece, a sensação fica 
reprimida, e você faz o que a psicanálise chama de introjeção, que é o ato 
de absorver, engolir aquela angústia. 
A sua mente, buscando amenizar esse sofrimento, cria um enredo, 
uma história, para justificar o ocorrido, e isso afeta diretamente os seus 
comportamentos. 
Lembre-se de uma coisa: a mente sempre trabalha a seu 
favor, por um desejo consciente ou não. O nosso cérebro 
busca eficiência e economia de energia. Então, sempre irá 
repetir os padrões simbólicos criados por nós quando 
acontecer algo que ele julgar similar ao ocorrido 
anteriormente. 
Por isso, falamos que 95% das nossas ações são obras do 
inconsciente, porque foram automatizadas pelo nosso cérebro, evitando, 
assim, um novo processamento mental para cada evento do dia a dia. 
A utilização da parte racional do cérebro humano, chamada 
neocórtex, demanda um gasto energético muito maior. Sendo assim, para 
o nosso cérebro, pensar, só quando for estritamente necessário. 
Em razão disso, a psicanálise fala que, em nosso cotidiano, grande 
parte das ações acontece em modo de repetição. Existe, de certa forma, 
uma compulsão cerebral em fazer isso, repetir. Essas ações comandam a 
nossa vida. 
Voltando à Beatriz, a mesma simbologia que a fez ter problemas de 
relacionamento fez com que ela criasse uma atitude mais proativa em 
busca da independência. 
Uma conclusão lógica da mente, “se eu não posso confiar no outro, 
preciso buscar a sobrevivência por minhas próprias mãos”, algo que ela 
programou no cérebro aos 8 anos e continua a fazer até os dias de hoje. 
A todo instante, nós também avaliamos a situação na qual nos 
encontramos. Se ela nos remete a uma simbologia de prazer, ok, 
continuamos, mas, se ela nos remete a uma simbologia de angústia, 
ativamos o nosso modo de defesa. 
Descrita nos estudos da psicologia como mecanismos de defesa ou 
de ajustamento, essa proteção da mente reflete as nossas atitudes de 
negação, formação reativa, projeção, identificação, racionalização, 
introjeção, isolamento, anulação, transferência emocional, idealização, 
 12 
conversão, regressão e sublimação. Esses são assuntos que eu abordo de 
forma mais detalhada no meu livro A ciência do medo. 
No caso de Beatriz, mesmo sem a conhecer, podemos identificar 
possíveis defesas egoicas que ela carrega. Coisas de que gosta ou não. 
Café com pão de queijo, doces, cheiro de café e cozinhar são lembranças 
boas que carrega consigo. Da mesma forma, podemos acreditar que 
Beatriz detesta o cheiro da naftalina, que a casa dela não tem móveis 
antigos de madeira, que provavelmente ela não vai à igreja e que a 
primeira impressão que tem sobre homens mais velhos talvez não seja 
boa. 
Outro ponto importante é que o segredo de Beatriz precisou ser 
guardado, e isso é uma das causas mais frequentes de doenças 
psicossomáticas. As doenças psicossomáticas têm origem no estresse 
causado por acúmulo de problemas emocionais e estão diretamente 
ligadas à saúde mental e física da pessoa. 
 
Quando um sofrimento psicológico não é trabalhado, de alguma 
forma, ele acaba causando ou agravando uma doença física. É como se o 
inconsciente, que trabalha sempre a nosso favor, tentasse agilizar o 
processo de morte do indivíduo. 
Para o inconsciente, se o ser está em sofrimento, a melhor opção é 
acabar com a vida. Como essa não é uma atitude racional, quando uma 
carga de estresse se transforma em uma doença, a pessoa acaba levando 
um grande susto. 
Em resumo, todo segredo pode causar um adoecimento. 
Adoecemos porque não nos damos conta de que a angústia tem prazo de 
 13 
validade. Ela pode ficar escondida por anos, mas terá o cheiro ruim de 
um queijo apodrecendo dentro da geladeira. 
Você já abriu a porta da geladeira e sentiu aquele cheiro ruim, que 
não sabe de onde veio? É algo nesse sentido que acontece com as nossas 
angústias reprimidas. Às vezes, o cheiro é fraco, você sabe que tem algo 
ruim ali, mas não o incomoda, no entanto, em certos casos, o cheiro é 
forte, e abrir a geladeira sem antes fazer uma limpeza fica cada vez mais 
difícil. 
O resultado desse processo de limpeza é o equilíbrio. Para existir, 
o ser humano possui três pilares de sustentação: em primeiro lugar, a 
saúde física e mental, seguida pela percepção de prosperidade e, por 
último, os relacionamentos afetivos. 
Se estiverem em equilíbrio, esses três pilares indicam que a pessoa 
está funcional, ou seja, está com a estrutura livre o suficiente para que 
ele tenha uma vida equilibrada. No entanto, se há desequilíbrio em 
alguma das bases, a essência da pessoa passa a ficar tensionada, 
causando desconforto. 
 
Durante a vida, é normal passarmos por várias situações que 
geram desconforto, que nos deixam frustrados, mas somente no início da 
infância, época em que somos mais emocionais que racionais, é que a 
mente trabalha bem com os mecanismos de defesa. 
No entanto, à medida que crescemos, começamos a lidar com a 
vida em sociedade, e isso acaba sendo muito estressante. A mente 
trabalha para que nós não desanimemos, sendo assim, às vezes, passa a 
disfarçar a realidade dos fatos, buscando criar uma narrativa a nosso 
favor. Estratégia que, convenhamos, é muito boa. 
 14 
Dentro dessa estratégia do cérebro de criar narrativas a favor do 
indivíduo, podemos entender que, no caso de Beatriz, um impacto 
resultante seria ela considerar mais “fácil” dizer que não vai à igreja — 
representação de uma simbologia ruim para ela — porque não gosta de 
religião que assumir que não vai porque, no passado, foi molestada por 
um padre. 
Outra coisa também poderia acontecer, caso ela identificasse que 
não era tão boa doceira como a mãe. Se ela percebesse, na infância, que 
cozinhar não traz reconhecimento, muito provavelmente teria 
empreendido em algo completamente diferente. 
A verdade é que essas narrativas criadas pela mente influenciam 
diretamente todos os aspectos da nossa vida, principalmente os 
relacionamentos, não só com os outros, mas também com nós mesmos. 
Mascarar a realidade, camuflando-a com as percepções só 
daquilo que nos convém, sempre criará efeitos colaterais. A 
nossa verdade nem sempre é absoluta, e o reconhecimento 
disso é um grande passo para o início do processo de 
Harmonização Mental. 
A realidade é que todo procedimento de reconstrução, seja físico, 
seja mental, é inevitavelmente doloroso. Claro que cada um irá sentir 
essa dor de uma maneira, mas sempre o indivíduo acaba traumatizado 
de um jeito ou de outro. 
Os problemas começam a aparecer porque, à medida que ficamos 
mais velhos, começamos a aprender mais sobre o mundo e, então, 
percebemos que certas estratégias passam a não funcionar tão bem 
quanto antes. 
Assumir que aquela narrativa criada por você, que é a sua verdade 
absoluta, pode não ser tão verdadeira assim é um processo que 
dificilmente a pessoa aceita sem já estar extremamente desgastada. 
O seu cérebro e a sua mente tentaram esconder essa angústia bem 
lá no fundo da “geladeira”, no entanto, às vezes, você abre a porta, e o 
personagem, criado por você, começa a se incomodar, a compreender que 
há algo errado em você, por ter feito tantas escolhas ruins, e que não dá 
para ficar culpando o outro sempre. 
A sua mente não queria isso, ela fez todo o possível para criar uma 
narrativa perfeita, no entanto há aspectos da vida que não conseguimos 
controlar e que trazem luz à nossa consciência. Quando isso acontece, 
 15 
as nossas defesas começam a falhar e acabam expondo um pouco 
daquele ser irracional que lutamos tanto para esconder. 
É para isso que a psicanálise existe, para poder auxiliar as pessoas 
na ressignificação de suas memórias traumáticas. Fazendo essa limpeza 
na “geladeira”. 
Talvez,certos cheiros ruins continuem, mas o processo de 
diagnóstico, de entendimento do porquê de escolhas repetitivas tão ruins, 
já traz um grande alívio para toda essa pressão sentida pela alma. 
Vamos continuar analisando a história da Beatriz no decorrer deste 
livro. Espero que, nesta leitura, você possa ter diversas associações com 
as suas histórias, afinal recordar é viver! 
 
 16 
ANSIEDADE 
 
Dentro do nosso cérebro, existe um local que a mente utiliza para 
armazenar todas as nossas simbologias, programando, assim, os nossos 
padrões comportamentais. 
Entenda a simbologia como um atalho para esse conjunto de 
sensações ao qual a mente recorre quando fazemos qualquer coisa. Isso 
acontece o tempo todo, em cada ação que tomamos no dia a dia. É assim 
que os nossos padrões de comportamento são criados. 
Esse verdadeiro armazém de sensações faz com que o inconsciente 
esteja conectado a uma parte mais primitiva do nosso cérebro, a uma 
porção mais irracional, o sistema límbico, o nosso “cérebro mamífero”. 
 
Entre a emoção sentida e a conexão racional com o neocórtex, 
existe um pequeno atraso de 0.007 m/s no processamento. Sabe quando 
levamos um susto? Existe a reação instintiva de defesa, depois um 
processamento emocional e finalmente uma conclusão racional. 
É importante lembrar que, antes de sermos humanos e, portanto, 
considerados seres racionais, somos mamíferos. Como tal, 
compartilhamos grande parte da mesma estrutura cerebral dos demais 
animais deste grupo. Sendo assim, em todos nós, no profundo da mente, 
o principal impulso da vida é o da autopreservação. 
A vida, essa energia da qual somos feitos e que pulsa em nós a cada 
respiração, tem um objetivo, o de não se esgotar, ou seja, de não morrer. 
 17 
Para isso, a vida utiliza nossos instintos básicos, os quais, por sua 
vez, seguem duas regrinhas simples. Em primeiro lugar, a obtenção de 
energia, que, em nosso caso, vem na forma do alimento que ingerimos. 
Em segundo lugar, a reprodução. Como seres biológicos, todos temos 
“prazo de validade”, então, a única forma de darmos continuidade à 
espécie é nos reproduzirmos. 
Naturalmente, todo ser vivo busca realizar esse processo da forma 
mais eficiente possível, quer dizer, gastando o mínimo de energia. Sendo 
assim, instintivamente, buscamos nos alimentar enquanto aguardamos 
a preparação do corpo para a reprodução, em ambiente limpo, ameno, 
confortável e protegido. 
Para ter sucesso nessa empreitada, motivação é fundamental. 
Afinal, para ter o desejo de viver, é preciso ter vontade para continuar 
buscando energia. O nosso cérebro, então, trabalha com processos de 
compensações. Se uma sensação lhe trouxe prazer, ela é boa! Repita-a. 
Se a sensação lhe causou desconforto, evite-a. 
A vida basicamente pulsa em busca do prazer, e isso nos motiva a 
viver um universo de sensações boas. Mas existe um inconveniente em 
ser da espécie humana, um desafio na verdade: o nosso cérebro precisa 
conciliar o desejo instintivo de satisfação imediata com o alto nível de 
inteligência evolutiva que adquirimos. 
Desenvolvemos uma capacidade única, que é a percepção 
consciente de tempo, o conhecimento da existência do futuro. 
Isso nos diferencia de qualquer outro animal e possibilita que 
tenhamos um planejamento premeditado de nossos atos. 
Essa capacidade, até então inexistente no reino animal, 
surgiu com a evolução do nosso cérebro, com o aumento de 
tamanho do neocórtex. 
Os animais irracionais vivem o aqui e o agora, eles armazenam as 
sensações como nós, no entanto não se preocupam com nada além do 
determinado pelo instinto. São diferentes dos seres racionais, que 
precisam lidar com o fato da morte, com a ideia de que o fim 
inevitavelmente chegará um dia. 
 
 18 
 
Para entender melhor esse processo, Freud separou a psique 
humana em três camadas, o inconsciente, que comanda cerca de 95% de 
nossas ações; uma camada intermediária, o pré-consciente, que é uma 
parte da mente que conseguimos acessar, porém precisamos “gastar” um 
pouco mais de energia para utilizá-la. É como a agenda do seu celular, 
se precisar buscar informações sobre alguém, você sabe onde encontrá-
las, mas necessitará de um pequeno esforço de pesquisa. E, finalmente, 
o consciente, que nada mais é que essa energia vital que tem 
conhecimento da própria existência. A consciência nos possibilita pensar 
e planejar. 
 
Além das camadas da psique, Freud também identificou uma 
estrutura na mente, como se existissem três “eus” (vontades) compondo 
 19 
um ser humano, todas em busca de realizar os próprios desejos. Se essa 
convivência está harmônica, há equilíbrio entre a vontade de viver 
(pulsões) e os conflitos (traumas). 
O primeiro “eu”, ele chamou de ID, que vem da identificação dessa 
força vital em nós. O ID é a nossa vontade instintiva, em busca da 
satisfação imediata, o nosso animal interior. 
O segundo “eu” é o Superego. Ele é o filtro ético e moral que 
pondera sobre as nossas regras mentais, indicando o que culturalmente 
é aceito ou não. Afinal, o ID precisa ser controlado, pois a vida em 
sociedade demanda certo grau de regras e costumes: morais e éticos. 
E, finalmente, o terceiro “eu”, talvez o mais famoso, o Ego, que 
tenta arquitetar um modo de intermediar as vontades do ID com o filtro 
cultural imposto pelo Superego. 
 
Voltando à história de Beatriz, a percepção instintiva dela poderia 
estar correta, e o padre, ao se enxergar naquela situação com a Beatriz 
criança, ativou em si uma “simbologia” que fez despertar o animal interior 
que havia nele. Talvez o ID do padre gritava pelo desejo sexual de tê-la 
para si como mulher. 
O ID quer ter o próprio desejo, como o impulso do desejo sexual, 
atendido naquele instante, independentemente da vontade de terceiros. 
A liberação da energia do ID, chamamos de libido. 
O Superego bloqueia o impulso, pois o ato sexual não é permitido 
socialmente sem que haja o consentimento do outro. O Ego, então, cria 
“válvulas de escape” para essa frustração, buscando modos de extravasar 
o desejo, visando atender o ID, mas sem quebrar as regras do Superego. 
 20 
Em certos momentos, talvez pequenas doses de desejos 
transformados em ações aceitas socialmente sejam suficientes, e o ID se 
conforma. O padre, no caso em análise, somente sorriu e tocou no ombro 
da menina, ativando, assim, tanto nele quanto nela, uma simbologia que 
pode ser interpretada de forma positiva ou negativa por parte de cada um 
deles. 
Quando o padre recebeu Beatriz em casa com um sorriso, ela 
reconheceu nele uma autoridade. Como homem respeitado, mais velho, 
ela se sentiu segura para entrar, uma vez que relacionou essa simbologia 
com a do seu pai, carinhoso e receptivo. 
No entanto, essa simbologia foi duramente golpeada quando, na 
percepção dela, algo pareceu moralmente errado. O Superego e o ID de 
Beatriz entraram em conflito, e a única maneira que o Ego encontrou 
para resolver a situação naquele momento foi “gritar”: “corra!”. 
Muito provavelmente, até os dias de hoje, Beatriz não se sente 
confortável ao estar em uma sala fechada com um homem mais velho. No 
entanto, ela pode não lembrar mais o motivo disso. 
Como empresária, ela precisa estar em reuniões com muitos 
homens. Hoje ela é uma mulher forte, mas pode ter dificuldade para 
fechar acordos comerciais por não estar à vontade para falar em um 
ambiente que remeta a eventos do passado. 
Assim, de simbologia em simbologia, na busca de apaziguar 
o ID e confortar o Superego, nós traçamos toda a convivência 
com os outros e com nós mesmos, determinando as ações que 
tomamos em nossa vida. 
E você, o que pensa disso tudo? Como será o desenrolar desta 
história? O padre molestou Beatriz ou não? De quem á culpa? Da mãe, 
que não contou nada para o pai? Do padre, que se aproveitou da 
situação? E Ricardo, o marido de Beatriz, foi um grande traidor? 
Acompanhe nas páginas do próximo capítulo! 
 
 21 
FOBIA 
 
Um grande sábio disse uma vez: “conheça averdade, e ela vos 
libertará”1. Mas como eu sei o que é verdade? Não teria a verdade várias 
faces? A verdade é que sempre vou elaborar só o que for mais conveniente 
para mim, bem como também escutar só o que se encaixa no meu padrão 
de crenças. Sendo assim, tomo a minha verdade como absoluta. 
Esse é um problema dos nossos sistemas sociais, culturais e 
religiosos. As bases fundamentais dificilmente são questionadas. Se 
sempre foram assim, é porque funcionam e não devem ser alteradas. No 
entanto, foram criadas por quem? Por homens carregados de traumas e 
desejos instintivos. 
A verdade deve ser buscada, mas com a mente aberta, de forma 
imparcial e livre de preconceitos. Isso irá acontecer, querendo você ou 
não, pois faz parte da evolução natural de cada um de nós. Não há como 
impedir que o conhecimento, a experiência e a maturidade cheguem até 
você um dia. 
A questão é que, se você tem um Superego muito rígido, embasado 
em um monte de crenças limitantes, o trabalho do Ego ficará cada vez 
mais difícil. A cada nova descoberta, os argumentos mentais criados por 
você passarão a ser questionados e não serão mais satisfatórios para o 
ID. 
Por isso, na busca da sua verdade, você deve também saber 
reconhecer que o Superego pode ter falhado algumas vezes e que as 
regras que você vem seguindo podem não ser mais aplicadas a sua vida. 
Conceitos que funcionavam quando você era criança hoje não 
funcionam mais. Da mesma forma que conceitos sociais 
enraizados por décadas podem ruir em pouco tempo. Se você 
não estiver mentalmente aberto para entender o que está 
acontecendo de verdade, poderá ser manipulado em algum 
momento. 
 
1 Passagem bíblica em que Jesus fala aos judeus que o seguiam. Livro de João, 
capítulo 8, versículo 32. 
 22 
Nem tudo em que você acredita é verdade, nem tudo que você ouviu 
é real, essas ideologias vêm carregadas de simbologias que você 
desconhece, pertencentes a outras pessoas. 
É importante ressaltar que o seu pulsar vital precisa de você 
motivado e feliz. Para garantir isso, no decorrer da vida, a sua mente 
subjugou algumas emoções e sensações, o que levou você a algumas 
escolhas erradas, a conflitos internos e externos, situações que esgotam 
a sua energia e tiram o foco do que realmente importa, a sua felicidade. 
O mais louco é que cabe à mente ter consciência das próprias falhas e 
buscar uma reprogramação para solucioná-las. 
 
Na psicanálise, utilizamos um processo chamado associações 
livres, que consiste em uma abordagem sem filtros, no qual você tem a 
liberdade de expor os seus pensamentos e angústias, sem restrições ou 
julgamentos. No caso de Beatriz, a mãe a proibiu de falar do ocorrido, 
fazendo com que ela “engolisse” a sensação de desamparo que sentiu por 
parte do pai. 
Para corrigir isso, é preciso realizar a liberação das memórias 
traumáticas, expondo as emoções reprimidas. Isso acontece quando 
contamos a alguém os nossos segredos, aquelas memórias que nos 
visitam toda vez em que abrimos a “geladeira”. 
Entretanto, em alguns casos, a simbologia está tão bem-camuflada 
em nossa mente que o evento origem do trauma fica difícil de ser 
acessado. Então, as associações livres buscam burlar essa proteção da 
mente e fazer com que a pessoa consiga relembrar os eventos até ali 
esquecidos, sem a necessidade de procedimentos como a hipnose. 
 23 
Isso representou um grande avanço no acompanhamento dos 
casos de traumas mentais sofridos por nós, porque, ao fazermos as 
associações livres, descobrimos uma trilha que leva a lembranças cada 
vez mais profundas. 
Com o caminhar investigativo, acabamos encontrando lembranças 
ocultas pela mente e conseguimos dar novo significado às sensações que 
vivemos. Geramos, assim, pequenos processos de ressignificação. 
Ao expor os seus pensamentos e sentimentos, você revive as 
sensações. Com isso, uma nova camada de racionalidade é adicionada às 
memórias antigas, pois o seu inconsciente é atemporal. 
Quando você abala as estruturas das suas simbologias, torna 
possível fazer uma “faxina” na mente, o que permite que você coloque 
para fora, sensações que foram reprimidas e que geraram frustração. 
A nova simbologia vem reescrita de forma mais elaborada, 
deixando o ID mais confortável e reduzindo o conflito interno entre o ID, 
o Superego e o Ego. 
Como resultado, as suas escolhas passam a ser mais conscientes, 
isso não evita que você erre, mas o deixa capaz de diagnosticar a origem 
dos erros. Saber o diagnóstico já é um grande passo para o seu 
crescimento pessoal. 
 Essa é a grande contribuição da psicanálise para a melhoria da 
qualidade de vida do ser humano. A possibilidade de liberação dessa 
carga emocional, às vezes, contida por anos. 
Freud deu o nome de “catarse” a esse processo, que nada mais é 
que a limpeza e a purificação da mente. Então, o importante não é saber 
quem está com a razão, e sim entender que, se você não estiver aberto 
para a realização de uma revisão nos seus sistemas de crenças, ficará 
preso em um jogo mental que só fará mal a você mesmo. 
Beatriz viveu presa, durante sete anos, ao casamento com Ricardo, 
uma pessoa que tinha qualidades que ela não admirava. Ela o enxergava 
mais pacato, romântico e sem ambição. Talvez essa tenha sido uma 
avaliação errada por parte dela ou talvez fosse somente o medo dela de 
se entregar. 
 24 
 
O importante é analisar que, se você não está bem, a mente criará 
“válvulas de escape” para dispersar a energia vital do ID, a libido, seja no 
trabalho, seja com os filhos, seja na academia. No caso de Beatriz, ela o 
fazia com a empresa, trabalhando até tarde, chegando em casa cansada 
e evitando, assim, momentos ociosos que poderiam trazer à tona 
realidades duras de lidar. 
Ricardo não passou pelos mesmos traumas que Beatriz, sendo 
assim, não ativou esse senso de desconfiança com os demais. Confiando 
nos outros, ele sempre contava que tudo ia dar certo, que sempre alguém 
estaria ali para ajudar, fato que causava nela desconforto e esfriava a 
relação dos dois. 
A desconfiança vinha da própria Beatriz, o contexto de vida de 
Ricardo era diferente, mas, por medo, ela ficou anos presa a algo que a 
incomodava, até que o Ego encontrou uma “válvula de escape”, a filha do 
casal. 
A energia vital do ID pulsa em nós todos os dias. Essa libido 
precisa ser extravasada, e o Ego, sempre a nosso favor, 
buscará um meio de fazer isso acontecer. 
Ao deslocar todo o amor para a filha, em busca da sensação de ser 
reconhecida como necessária, Beatriz acabou negligenciando a relação 
que mantinha com Ricardo. Mas, cá entre nós, o que é o amor? Ou, pelo 
menos, o que a sociedade considera como amor? Não fique curioso, no 
próximo capítulo, tem mais sobre esse assunto. 
 25 
RICARDO 
 
Sabe aquela história do amor impossível? Bem-vindo à minha 
história, o meu nome é Ricardo, e eu me apaixonei perdidamente por uma 
estudante de Administração. 
Nasci em uma família bem tradicional, hoje moro na capital 
paulista, mas os meus pais são do interior de São Paulo. Somos uma 
família muito unida. Lembro-me que todos os anos fazíamos uma grande 
festa no Natal. A casa da minha avó estava sempre cheia de gente. Cada 
um ajudava com o que podia. Quantas recordações das risadas soltas 
pelo ar… 
O meu desejo era construir uma família como a dos meus 
pais, grande, com muitos filhos, e ter uma casa aberta, 
sempre pronta para receber os amigos. 
Comecei a estudar Engenharia, como meu pai, mas confesso que a 
grande influenciadora foi a minha mãe. O meu pai trabalhava em uma 
construtora, ganhava muito bem, nos levava sempre para viajar. 
Enxergar o olhar de admiração da minha mãe toda vez que ele chegava 
em casa fazia com que eu pensasse: “quero essa vida para mim”. 
Quando entrei para a faculdade, sentia o orgulho pular dos olhos 
dela. “Que felicidade!”, dizia a minha mãe. Ela chorou, fez um jantar 
comemorativo, convidou a parentada toda. O meu pai também gostou, 
falou que, em breve, conseguiriame indicar como estagiário na empresa. 
Até que, em um belo dia, andando pelo campus, vi uma menina 
correndo com um cesto de brigadeiros na mão. “Como ela é linda!”, 
pensei. Estava toda agitada, porque tinha perdido o tempo de intervalo e 
chegaria atrasada à sala de aula. 
 26 
 
No dia seguinte, comecei a comprar os brigadeiros dessa moça, 
mesmo não sendo muito fã de chocolate. O objetivo não era comer os 
doces, era conseguir conhecer mais sobre ela. 
Conversa vai, conversa vem, descobri que tinha vindo 
recentemente do interior e, claro, me ofereci para mostrar a cidade. Ela 
relutou por algumas vezes, até que acabou aceitando. 
Foi o maior ato de coragem que eu já fiz. Começamos a sair, a 
namorar. Nunca pude mensurar o quanto estava apaixonado. Não 
conseguia me focar em mais nada. 
Com o tempo, comecei a ajudar na produção dos brigadeiros. 
Ficava mais na casa dela que na minha, então decidimos que me mudar 
para lá seria a melhor opção. 
Quanto mais próximo pudesse ficar de Beatriz, melhor. Os anos 
foram se passando, ela acabou se formando em Administração, e eu 
decidi largar a Engenharia. Nós nos dedicamos de corpo e alma à 
expansão da pequena indústria de doces da família dela. 
Beatriz era mais racional que eu. Às vezes, eu a sentia fria e 
distante, mas não me importava. A sensação de estar ao 
lado dela suprimia qualquer falta de afeto. Eu precisava dela 
para mim! 
 Havia dias em que me sentia inseguro, não conseguia entender se 
a estava sufocando, se estava tudo bem, no caminho certo. Então, senti 
 27 
um forte impulso de ser pai. Passava dias imaginando como seria 
maravilhoso um filho nosso. Ela relutou um pouco no início, como de 
costume, até que um dia o mais extraordinário presente da minha vida 
chegou: a nossa filha, Mariana. 
No começo, foi tudo perfeito, até eu perceber que a minha ideia 
acabou resultando em um grande problema para a nossa relação. Eu 
procurava Beatriz à noite, mas ela estava sempre cansada, 
sobrecarregada com o trabalho e com a atenção à nossa filha. 
Se antes já não havia um relacionamento tão carinhoso, como eram 
os dos meus pais, na parte sexual, o negócio literalmente desabou. O foco 
de Beatriz foi tornar-se mãe em tempo integral, empresária nas horas 
vagas, e eu acabava como coadjuvante. 
 
Acabei perdido entre a tristeza de viver em segundo plano e o amor 
que tinha pelas duas. Eu e Beatriz começamos a discutir com mais 
frequência. Nesses momentos, ela aproveitava para jogar na minha cara 
“toda essa falta de atitude”, que passou a virar o mantra dela. 
Falta de atitude? Eu sempre estive ao lado dela, sempre apoiei as 
decisões que tomava, sempre a coloquei no mais alto patamar. 
Na visão de Beatriz, a empresa só chegou aonde chegou pelo pulso 
firme dela, que esse era o jeito dela e que eu já deveria saber disso. Eu 
sabia, ela tinha um gênio forte, mas achava injusto não reconhecer que 
eu também estava ali, trabalhando todos os dias no chão da fábrica. 
Trabalhava na Gerência de Matérias-primas e controlava a 
qualidade dos doces. Sempre tive o carinho e a admiração dos 
funcionários, dentre eles, Valéria, uma estagiária de Engenharia 
Alimentícia. 
 28 
 Ficávamos horas debatendo sobre diversos assuntos. No início, 
eram coisas mais relacionadas à fábrica, no entanto assuntos mais 
pessoais sempre vinham à tona. 
Num belo dia, percebi que havia começado a reparar Valéria com 
um olhar diferente. Trabalhar todos os dias passou a ser um grande 
prazer para mim. O meu humor mudou, a minha disposição mudou, até 
as brigas com a Beatriz deram um tempo. Não foi nada planejado, quando 
vi, havia me apaixonado por Valéria. 
Fiquei muito confuso, eu amava Beatriz e, ao mesmo tempo, 
não conseguia parar de pensar no olhar de Valéria, 
principalmente quando eu falava de minhas experiências 
profissionais. 
Então, uma força que não consegui controlar me levou à atitude da 
qual eu mais me envergonho, a traição. A destruição de tudo que era puro 
para mim, a família. Não gosto de falar muito sobre os detalhes dessa 
história, mas, para resumir, fomos descobertos por Beatriz em um 
descuido, dentro da própria empresa. 
Eu me afastei de Valéria, mas o estrago já havia sido feito. Não 
houve reconciliação com Beatriz. Aquele cristal se quebrou, e sei que 
nunca mais voltaria a ser o mesmo. Ela ficou furiosa, falou que não 
confiava mais em mim, que todo homem era igual. Precisei vender a 
minha parte na empresa e retornei para a casa dos meus pais. Como 
minha mãe está doente, hoje eu ajudo a cuidar dela. 
Em alguns dias, me pego pensando no passado: “será que deveria 
ter continuado na Engenharia? Será que realmente me acomodei com a 
situação, acreditando na segurança que havíamos estabelecido em 
nossas vidas?”. 
Não sei se consigo emprego em outra indústria. O dinheiro da 
venda da minha parte, ao menos, me deixou um pouco mais seguro. No 
entanto, hoje tudo é meio sombrio. O que me dá força é Mariana, a minha 
filha, que faz com que eu não desanime de vez. 
Aprendi que a vida é um processo de idas e vindas, tenho ciência 
dos meus erros, carrego a vergonha de ter destruído a minha família, 
fardo com que eu sei que precisarei lidar. O amor? O amor se tornou algo 
inexplicável para mim. 
Hoje não sei mais o que pensar. O amor seria essa dependência 
emocional que eu ainda tenho de Beatriz? Seria essa sensação de ser 
 29 
admirado que percebi em Valéria por mim? Qual é a origem dessa força 
tão intensa que quebrou todos os meus conceitos morais e fez com que 
eu traísse quem eu mais amava? Sinceramente, não sei. 
 
__ 
 
E agora, leitor? Ricardo é um traidor? Beatriz é culpada? Depende. 
Na verdade, sempre irá depender de quem gerou mais significação para 
você. Normalmente, acabamos tendo empatia por um dos lados. Talvez 
você tenha passado por algo parecido ou vivenciou a situação de alguém 
muito querido que sofreu de forma similar. Vamos entender um pouco 
mais sobre a verdade no próximo capítulo, aguardo você lá! 
 
 30 
TRAIÇÃO 
 
Lembra que basicamente seguimos os nossos instintos e 
mascaramos isso com “verdades” utilizadas para justificar os nossos 
atos? Bem, das fragilidades que buscamos esconder do mundo, talvez a 
maior delas seja a solidão. 
Você pode imaginar o quão traumático foi quando você descobriu 
que dependia de outro ser para viver? 
Ao longo da vida, acabamos gerando uma dependência muito 
grande de afeto. A necessidade de socialização acende em nós um alerta: 
“preciso ser amado e reconhecido como necessário pelo outro” (mesmo 
que você não admita isso). 
Não adianta esconder essa dependência. Nós nascemos 
dependendo do outro, para sermos alimentados, protegidos, aquecidos, 
limpos, e acabamos morrendo dependendo do outro também. 
Assim, desde o início da vida, começamos a nossa corrida pelo 
amor. Não pelo amor ao próximo, mas pela percepção de sermos amados. 
Afinal, “se eu não convencer que sou necessário, que precisam de mim, 
como terei êxito na minha sobrevivência?”. 
Com isso, toda a sua biologia entra em cena, e você passa a buscar 
por um laço, uma conexão com qualquer ser que lhe proporcione as 
sensações de segurança e prazer necessárias à sua automotivação. 
Afinal, o que é bom deve ser mantido, e qualquer ação minha que resultar 
em algo que me traga satisfação deverá ser repetida. 
Contanto que você receba atenção, que se sinta importante, está 
tudo bem. Sim, o nosso amor é egoísta, ou pelo menos o que chamamos 
de amor. Ele, de certa forma, resume-se à interdependência entre 
consciências. Você precisa de mim, e eu preciso de você, e, enquanto essa 
equação estiver ao meu favor, eu me sentirei reconfortado. 
 31 
 
Na verdade, você não se preocupa com o outro, não nos 
relacionamentos pessoais, você o ama condicionalmente. Então, 
demanda uma condição. 
Eu amo você enquanto perceber que sou importante para você e 
enquanto isso me trouxer segurança. Posso também amar a necessidade 
que gerei a respeito de você (mesmo que eu afirmeo contrário, ou como 
você acha que podem existir relações abusivas?). 
A mente humana cria laços tão elaborados que a percepção 
racional fica praticamente impossível. Há casos em que a criança 
identifica a relação violenta entre os pais com a forma como ela entende 
o amor. 
A mente sente falta do que viveu, independentemente de a 
simbologia ter sido positiva ou negativa. Isso faz com que, 
inevitavelmente, o ciclo seja muito difícil de ser rompido. 
Se eu convivi com pais violentos, há uma grande chance de eu me 
tornar violento também, porque foi dessa forma que aprendi. Eu poderia 
também ter uma atitude contrária e acabar buscando alguém que me 
violente das mais variadas maneiras possíveis. 
Claro, isso não é uma regra, é uma tendência e acontece porque é 
a forma como a pessoa se identifica com o amor, algo difícil de 
compreender e, principalmente, de aceitar. 
 32 
Dói, dá medo perceber que, relação após relação, você escolhe o 
mesmo tipo de pessoa e que a culpa não está no seu “dedo podre”, na sua 
má sorte com o outro, mas, sim, no seu desejo inconsciente de repetir a 
forma de amor que você significou na infância. Afinal, é lá que 
começamos a aprender, a entender o mundo que nos rodeia. Já imaginou 
o impacto que isso tem na sua vida? 
Simbologias podem ser criadas quando adultos, acontece o tempo 
todo, entretanto, como eu disse, demanda maior processamento mental. 
Então, só acontece quando necessário. 
É o que experimentamos quando aprendemos a dirigir. No início, o 
carro o domina, você precisa analisar cada movimento. Depois, você vai 
encontrando equilíbrio e, com o tempo, nem lembra mais o que está 
fazendo, pois fica tudo automatizado no seu cérebro. 
A simbologia criada para o amor, a dependência, vem da infância. 
Na verdade, essa deve ser uma das primeiras — se não, a primeira — 
simbologia criada por nós. O aconchego de ter um corpo colado ao nosso, 
doando-se a nós, tratando-nos como o mais precioso dos presentes… 
Convenhamos, isso deve marcar bastante. 
A maturidade dos anos ajuda a filtrar os impactos das frustrações 
diárias, coisa que não acontece muito bem na fase infantil. Freud usava 
a fase infantil para explicar essas repetições de padrões comportamentais 
na vida adulta, algo que faz total sentido. 
Na psicanálise, falamos que a mente sente falta do que viveu. 
Guarde bem isso, você só sente falta do que sabe que existe, 
independentemente de essa vivência ter sido boa ou má. 
Podemos dizer que todas as relações que temos com os 
gêneros feminino e masculino foram criadas na infância, bem 
cedinho, e que, a partir dessa simbologia, desse modelo, 
comandamos todos os nossos relacionamentos até hoje. 
Veja o caso de Ricardo, que se apaixonou por Beatriz porque 
reconheceu nela algo que o remeteu à referência que ele tinha de amor 
feminino, a própria mãe. 
Talvez tenha identificado a mesma mulher forte que ele sempre 
amou e, desse modo, ocorreu uma conexão pessoal, tão intensa que o 
fazia comer chocolate — algo de que declaradamente ele não gostava —, 
a fim de conquistar a atenção de Beatriz. 
 33 
Por outro lado, ela se via solitária em uma grande cidade, sem 
amigos, insegura. De alguma forma, também passou a ver Ricardo como 
ponto de apoio, um companheiro. 
Motivações bem diferentes. Não havia admiração mútua, já que, 
pelo menos por parte de Beatriz, esse sentimento não existia. O que havia 
entre os dois, biológica e mentalmente falando, basicamente não passava 
de pura conveniência. 
Ricardo buscava o reconhecimento de Beatriz, mas esse 
reconhecimento nunca viria, porque o conceito que ela tinha dele já havia 
sido formado. Para Beatriz, ele sempre seria um cara pacato demais 
(mesmo que não o fosse). Ela já tinha formada a imagem do que Ricardo 
era para ela. O ID de Beatriz, por outro lado, lutava por liberdade. O Ego 
trabalhava para que ela demonstrasse, de maneira sútil até mesmo para 
ela, que Ricardo não se encaixava ali. 
O Ego de Ricardo, por mais que entendesse os sinais inconscientes 
de Beatriz, lutava por aprovação. Em um processo constante de 
reafirmação, ele a colocou como objetivo de vida. Ricardo estabeleceu 
como meta conquistar verdadeiramente o coração de Beatriz, era como 
ele encontrava o motivo para se relacionar com ela. 
 
As coisas foram assim até que o corpo respondeu a um estímulo 
instintivo maior e começou a sabotar a mente de Ricardo, ativando os 
hormônios da paixão e forçando o ID para outra “válvula de escape”. 
Ricardo estava triste, possivelmente deprimido, e esse conjunto de 
fatores, incluindo agora o próprio Ego, fez Ricardo ser descoberto com 
outra mulher por Beatriz, na fábrica. Isso, de certa forma, tirou-o dessa 
situação entendida pelo Ego como de desconforto. 
 34 
Ao perceber uma conexão simbólica entre Ricardo e Valéria, o Ego 
encontrou ali um objeto transitório perfeito e necessário para uma 
mudança da dependência emocional que Ricardo tinha de Beatriz, 
fazendo-o se apaixonar por Valéria, ao menos por um período. 
Um objeto transitório é uma artimanha mental. Naquele contexto, 
foi criada para retirar Ricardo daquela situação, tanto que, depois que o 
Ego concluiu o objetivo, a paixão dele por Valéria imediatamente acabou. 
Beatriz tinha a mesma artimanha elaborada a seu lado. Ao focar a 
libido na criação de Mariana, deu brecha para que pudesse reafirmar a 
própria “verdade”, de que nenhum homem é digno de confiança, pois 
qualquer um pode abusar de você ou te abandonar quando mais precisar 
de apoio, proteção… 
A eficiência cerebral busca repetir padrões. Quando associamos 
eventos presentes a outros já registrados no passado, torna-se plausível 
pensar que você só se relaciona com mulheres e homens da mesma forma 
com que se relacionava com as suas figuras representativas materna e 
paterna. 
Então, pode haver uma atitude mais submissa por parte da pessoa 
que busca a figura paterna ou a materna nos relacionamentos, porque, 
na infância, para ela, foi identificado que, agindo assim, receberia mais 
atenção. Desse modo, continua buscando a mesma recompensa, até hoje, 
nas relações afetivas. 
Também pode haver uma identificação mais dominadora, em que, 
em vez de demonstrar submissão com relação às pessoas à sua volta, o 
sujeito passa a “imitar” a atitude do amor que o dominava, mantendo 
bem lá no fundo um desejo de ser dominado. 
A compreensão desse paradoxo é um dos pilares da psicanálise. As 
suas figuras materna e paterna irão influenciar toda a sua trajetória de 
vida, principalmente a relação com o outro. No fundo, você só se relaciona 
com essas duas figuras, que são as simbologias representativas criadas 
por você de amor. 
Quer um exemplo? Se não reconheceu a autoridade paterna como 
dominante na relação que você percebeu entre os seus pais, dificilmente 
um homem em uma posição superior lhe trará credibilidade, e você 
buscará confiar mais em mulheres. 
É como um bloco de mármore, cada impacto sentido na sua 
vida desenha ranhuras na sua mente. Essas ranhuras viram 
caminhos padronizados para cada atitude que você toma no 
 35 
dia a dia. Imagine agora como isso influencia nos seus 
relacionamentos com companheiros, amigos, nos ambientes 
de trabalho e até mesmo na escolha da profissão. 
A busca do reconhecimento, do amor, norteia as nossas escolhas, 
a sua formação acadêmica, os seus parceiros sexuais, a forma com que 
você gerencia as suas frustrações, as perdas e as recompensas. Está tudo 
conectado às simbologias criadas na sua infância, e esse não é o 
problema, isso é comum a todos nós. O problema é quando a elaboração 
das simbologias conflita com a formação das crenças pessoais. 
A sua vida começa a ser impactada quando o seu sistema de 
crenças ¾ pessoais, filosóficas, religiosas, etc. — entra em atrito com 
modelos mentais simbólicos, criados por você desde o seu nascimento. 
Às vezes, a rigidez do Superego é muito grande, e o Ego fica sem 
opções para poder trabalhar pelo ID. Acabamos dando uma importânciairreal aos fatos que ocorreram no passado. Sendo assim, eles precisam 
ser ressignificados. Expurgados da mente, traumas reprimidos de 
qualquer época abrem espaço para novos conceitos, novas emoções e 
ajudam a reescrever novas simbologias. 
Qual é a origem das crenças? De onde vêm esses desejos que 
tomam conta da nossa vida? Para conhecer mais sobre a história de 
Beatriz, veja, no próximo capítulo, qual é a origem dos nossos desejos. 
 
 36 
DESEJO 
 
E Deus disse: “Faça-se a luz!”2. E a luz foi feita. Quando nascemos, 
somos frutos de alguém que nos deu à luz. A própria origem do universo 
remonta ao início da dispersão dessa luz em todas as direções. O que é a 
luz? A luz é uma onda eletromagnética visível, uma energia, como tudo o 
que compõe o universo. 
Somos feitos da mesma energia, que continua o movimento de 
expansão, evoluindo através do espaço e do tempo. É como Carl Sagan, 
cientista e astrônomo norte-americano, disse: “Somos uma maneira do 
universo de conhecer a si mesmo”3. 
Estamos imersos no universo e somos parte dele. É impossível não 
filosofar. Qual será, então, o nosso papel nisso tudo, nesse grande 
movimento energético que é a vida? 
Acredito que, da mesma forma que os astrônomos vasculham 
o passado para compreender o presente e o futuro, nós 
precisamos investigar as nossas origens, para entendermos 
o porquê de nossas atitudes no agora. Só assim podemos 
construir um futuro menos prejudicial para nós mesmos. 
 Como foi a educação que os nossos antepassados tiveram, quais 
dogmas e circunstâncias originaram os possíveis bloqueios e limitações 
criados por nós? 
Livrarmo-nos de nossas amarras mentais é o único caminho para 
que possamos saber aonde ir. Esse é o ponto de partida para a sua 
jornada de autoconhecimento. 
Fazer uma autoanálise, compreender que você faz parte de um todo 
muito maior que você mesmo, isso vai além das crenças religiosas criadas 
pela sociedade. A questão é física, cada átomo do seu corpo foi forjado 
por essa energia. Acredite, você é a prova viva da consciência do universo. 
Ao percorrer o caminho do autoconhecimento, você passará a 
entender que não existe mágica, mas que, ainda assim, tudo é mágico. A 
 
2 Gênesis, capítulo 1, versículo 3. 
3 Fala proferida no “The Shores of the Cosmic Ocean [Episode 1]”, Cosmos: A 
Personal Voyage, PBS, 28 September 1980. 
 
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vida é uma obra incontestavelmente bela, tão forte e pulsante e, ao 
mesmo tempo, tão frágil e divina. 
Quando penso que somos um fragmento do universo, como uma 
célula do nosso corpo, que, enquanto vive a própria independência, 
compõe uma consciência maior, vejo o quanto a vida é extraordinária. 
A energia nunca acaba, ela se transforma. Não há 
desperdício na natureza, só a mudança de estados físicos da 
energia. Uma hora você é uma estrela supermassiva, na 
outra, trilhões de átomos reunidos, tendo consciência de si 
mesmo. 
Graças a essa contínua mudança de estado físico, a nossa 
capacidade cognitiva chegou a um ponto evolutivo capaz de questionar o 
universo no qual está inserida. Só então passamos a ponderar sobre o 
nosso objetivo nisso tudo. 
Claro que isso é importante, no entanto vale ressaltar aqui a 
própria conquista da consciência em si. Como foi marcante esse passo de 
chegar à autoconsciência. Opa! Eu existo! Por quê? 
O porquê, talvez nunca saibamos, mas a percepção da 
autoconsciência é um ponto muito relevante, pois isso nos difere dos 
outros animais. Os animais irracionais estão conectados à natureza de 
uma maneira diferente, talvez até mais profunda, pois, para eles, não há 
dúvidas, só existe o momento, e isso já basta. Nós não, nós 
questionamos. 
Buscamos formas de justificar o porquê, de medir as 
possibilidades, para negar ou confirmar que tudo não seja puramente 
obra do acaso. E acabamos criando um monte de crenças e histórias só 
para validar algo muitas vezes simples. 
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Talvez você só esteja aqui como parte representativa da energia que 
o criou, para manter esse eterno movimento de transformação e evolução. 
Para aprender, principalmente com os seus erros, sem que eles 
efetivamente indiquem que você está errado. O erro faz parte do 
aprendizado, faz parte da evolução. 
Então, não crie tantas histórias para justificar os seus erros, 
aceite-os como algo natural, inevitável. Compreenda que talvez estejamos 
perdendo um pouco da conexão com algo maior por gastarmos tempo 
demais nos punindo por erros que, tecnicamente, não existem. Acabamos 
desperdiçando a nossa energia vital com algo que é relevante, somente, 
como ponto de aprendizado e nada mais. 
Por defendermos as nossas verdades absolutas, nos 
esquecemos do que realmente importa, a nossa conexão com 
a energia que nos criou e da qual fazemos parte. 
Não esqueça que você é energia viva, autoconsciente e 
interconectada a tudo e a todos. Não interrompa o fluxo dessa energia 
remoendo coisas do passado, ao invés disso, agradeça. As barreiras foram 
criadas para possibilitar o seu crescimento. 
Fazemos parte de algo maior, que extrapola a ordem cerebral com 
a qual estamos acostumados. Algo que talvez ainda esteja no início dos 
estudos por parte da ciência, mas que você sente, está dentro de você. 
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Não é preciso nenhuma crença para justificar isso. Você é parte da 
natureza do universo e, como tal, deve continuar o seu fluxo de 
transformação. 
Para melhorar o seu estado de espírito, evite entrar nesse conflito 
do individualismo e aceite o seu desejo instintivo de crescimento 
universal. 
 
Falo de crescimento universal como crescimento de toda a 
coletividade da qual você faz parte. Pensar no outro é pensar em você 
mesmo, porque nós somos um, somos seres sociais. 
No entanto, o nosso egocentrismo, disfarçado de racionalidade, vive 
pelo prazer imediato da recompensa, mascarando a nossa verdadeira 
essência e rompendo a conexão com a nossa origem. 
Convenhamos, não há como manter a carga energética alta se você 
anda desconectado, concorda? 
Lembre: você, como produto da natureza, pode escolher como 
deseja passar por essa existência. Quanto mais rapidamente 
você remover os “queijos podres”, causados pelos traumas, 
de dentro da sua “geladeira” mental, mais rapidamente 
poderá lidar com as frustrações que pesam tanto a sua alma. 
Beatriz, por exemplo, passou anos carregando uma relação vazia, 
que ela buscava preencher com trabalho, depois, com a filha, até o ponto 
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em que perdeu o relacionamento afetivo que mantinha há mais de sete 
anos. 
Como nunca se relacionou verdadeiramente, acabou vivendo ao 
lado de alguém de forma impessoal. E você, lembra que o inconsciente 
sempre trabalhará ao seu favor? 
Não adiantou Beatriz esconder, através de autoafirmações, que 
estava tudo bem. Nas entranhas da mente, o ID precisava extravasar a 
libido, e o Ego fez isso, utilizando fugas inconscientes, como fazendo-a 
passar cada vez mais tempo com a filha, quem sabe até dormindo com 
ela, para evitar dormir com o marido; passar horas extras intermináveis 
no trabalho, situação que representava para ela mais prazer que 
aproveitar os momentos com a família. Faz parte dos nossos desejos mais 
ocultos, o desejo de sentir-se vivo, em movimento. 
Que tal, então, entendermos um pouco mais sobre a origem dos 
traumas de Beatriz? Talvez a mãe da nossa protagonista nos forneça mais 
detalhes, acompanhe a história de Maria Flor no próximo capítulo! 
 
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MARIA 
 
Venho de uma família rural, sem instrução, gente simples mesmo. 
Gente do campo, que se orgulha das tradições e costumes. A minha mãe, 
imigrante italiana, era uma católica muito devota à Nossa Senhora. 
 A família chegou ao Brasil fugindo da guerra, passando fome, 
navegando dias pelo mar até chegar aqui. Minha mãe dizia que nunca 
mais veria o mar e que trabalharia para nunca mais passar fome. Meus 
avós imigraram para o interior de Minas Gerais, onde começaram uma 
pequena lavoura de café. 
Nasci ali, naquela fazenda. Minha mãe nunca deixoufaltar nada 
em casa, tomou as rédeas da família. Ela era uma mulher forte. 
O meu pai era um lavrador, a família dele era de uma cidade 
próxima. Era um homem pacato, do campo, que trabalhava o dia inteiro. 
Não tínhamos uma ligação muito forte, mas eu sabia que ele era um bom 
homem. 
Com a minha mãe, aprendi a arte de fazer doces, algo que, me 
orgulho em dizer, é responsável pelo sustento das minhas filhas e netas. 
Sou Maria das Flores, uma caipira simples, que está sempre disposta a 
ajudar o próximo, como o Nosso Senhor ensinou. 
Sou a filha do meio. A minha irmã Tereza e eu sempre ajudávamos 
em casa, enquanto o meu irmão mais novo, o Pedro, desde cedo, 
acompanhava o nosso pai na roça de café. 
Como grande devota de Nossa Senhora, minha mãe sempre 
nos colocou no caminho do Senhor, então venho tentando 
cumprir esse papel. Mesmo pecando, busco levar a família 
para a igreja. Infelizmente, tenho uma filha que ainda não 
encontrou o caminho do bem, Beatriz. 
Na igreja, conheci o meu marido, Francisco, um homem honesto, 
trabalhador, que foi bom companheiro. Ajudou a criar as meninas. Nunca 
arrumava confusão, trabalhava como carpinteiro e não bebia. Que Deus 
o tenha em bom lugar. Ele morreu quando as meninas tinham por volta 
dos 25 anos e já estavam criadas. Foi logo após o nascimento da minha 
neta Mariana. 
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Sempre fiz a maior parte do serviço de casa, às vezes me sentia 
sobrecarregada. Mesmo tendo duas filhas, para me ajudarem, era aquele 
sufoco. Nem sei como Beatriz conseguiu morar sozinha na capital, aquela 
menina não ajudava em nada. Se não fosse eu, nem sei. Ela sempre foi 
mais arteira, diferente da Berenice. Berê era mais calminha, ajudava sem 
reclamar, gostava de ir à igreja. 
Eu me lembro do dia em que pedi para as meninas me ajudarem 
na entrega das encomendas de Páscoa. Pedi para Beatriz ir à igreja, mais 
próximo aqui de casa, enquanto Berenice, que era mais velha, foi para a 
casa da família Duarte, um pouco mais longe. 
Acredita que Beatriz, aquela malandrinha, chegou aqui chorando 
e falando que o padre Plínio havia feito safadeza com ela? Não acreditei 
no que ela havia inventado! Só não bati em Beatriz naquele dia porque 
eu estava com muita coisa para resolver. Mas a coloquei de castigo! Onde 
já se viu falar algo assim? Essa menina não tem juízo. 
Depois disso, começou a não querer mais fazer as entregas, ficava 
só na cozinha. Para evitar confusão, acabei falando com Francisco para 
arrumar um rapaz que pudesse fazer as entregas, engraçado que ele nem 
me perguntou o porquê, também, graças a Deus, os pedidos estavam 
muito bons. 
Dei aquele assunto como encerrado, mas a diabinha veio com o 
mesmo papo depois da missa. “Mãe, o pai precisa xingar o padre!”, dizia 
ela. 
Agora eu pergunto pra você, como? Como eu iria acreditar em uma 
criança arteira como Beatriz e causar esse alvoroço na cidade? Imagina 
o falatório que seria com o meu nome: “Dona Maria Flor, a doceira, falou 
que o padre fez ‘coiso’ com a filha dela”. A menina não ficou nem 2 
minutos lá, como pode ser tão mentirosa, isso só pode ser obra do diabo. 
Além do mais, se eu falasse algo assim com Chico, iria escutar uma 
bronca, porque tinha deixado a menina andar sozinha por aí, ele poderia 
querer tirar satisfação com o padre e quem sabe até perder o trabalho. 
Já imaginou um bafafá desse chegando ao ouvido do santo 
bispo? Ninguém na cidade compraria mais meus doces, a 
nossa família ficaria falada. Eu não ia permitir isso, não na 
minha família. 
Precisei mentir, falei para ela que o pai estava sabendo de tudo e 
já tinha resolvido, que ele disse para não tocarmos mais no assunto. 
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Um belo dia, Beatriz, já com a filha no colo, veio me questionar 
sobre essa história. Falei: “Minha filha, para de revirar o passado, deixa 
ele quietinho lá, que é lugar dele. Tem vezes que a gente acha coisas que 
nem são… Vai por mim”. 
Mas ela insistiu, falando que tinha ficado chateada com o pai, e o 
coitado nem estava lá mais para se defender. Acabei falando a verdade, 
que eu não tinha contado nada para ele, e ela ficou brava comigo. 
 
Dá pra ver que, mesmo moça velha, ainda não sabe nada da vida. 
Isso é falta de Deus, é o diabo colocando coisas naquela cabecinha de 
vento. 
Falei para ela começar a ir à igreja. Tem uma do lado da casa dela, 
lá na cidade. Mas não, é abusada. O marido não aguentou, trocou ela por 
uma moça mais nova. Olha o rumo que essa menina está tomando na 
vida. 
Ainda bem que Berê é diferente. Não me dá trabalho, nunca deu! 
Mora a duas quadras aqui de casa, vai à igreja todo domingo, vem aqui 
em casa sempre e tem uma família unida. A outra está perdida, separada 
do marido, na vida mundana e querendo arrumar confusão. Deus sabe a 
cruz que sempre carreguei por essa família! 
Mas quer saber? Na graça de Deus, eu sou feliz. Ainda cozinho 
meus doces e tomo todo dia o meu cafezinho. Paz, não é isso que importa? 
___ 
 
É, caro leitor, esta trama daria um belo filme, mas a minha praia é 
a análise, melhor deixar isso pra lá, ou não? Netflix, olhe eu aqui! Agora 
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falando sério, o que dizer da dona Maria Flor? Qual a sua opinião sobre 
tudo? 
Ela, uma protetora da família e dos bons costumes, vai saber os 
segredos que guarda e os bloqueios que criou… Normalmente a vida 
prega umas peças na gente, às vezes as coisas parecem ciclos 
intermináveis, concorda? Continuamos o desenrolar desta história nos 
próximos capítulos, onde iremos analisar como os bloqueios e os segredos 
que guardamos podem nos prejudicar. Espero você lá! 
 
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BLOQUEIO 
 
Já reparou como a vida é feita de círculos, assim como a Terra 
girando ao redor do Sol? A nossa vida parece girar sempre em torno de 
um eixo, como uma espécie de carma, do qual é difícil se desvencilhar. 
Não há como afirmar isto, mas talvez a própria dona Maria Flor já 
tenha passado por algo similar ao que foi vivido por Beatriz, para ter 
ficado tão incomodada com a história da filha, a ponto de colocá-la de 
castigo. Isso, nunca iremos saber. 
No entanto, é possível identificar uma forte crença em Maria. Não 
entrarei em aspectos religiosos, esse não é o intuito. Na minha visão, toda 
crença é importante e deve ser respeitada, pois ela acaba se tornando 
uma grande “válvula de escape” para nossas frustrações. Isso não quer 
dizer que não devemos sempre buscar reavaliar os nossos conceitos. 
Ficar preso a dogmas morais, religiosos ou culturais impede que você 
tenha as próprias convicções. Infelizmente, não mudar o jeito de ser é 
muito conveniente para o indivíduo. 
Muitos pensam que, se foi predeterminado por alguém ou se 
sempre foi assim, então não precisam procurar outras possibilidades. 
Afinal, pensar demanda muita energia vital, e o nosso cérebro vai sempre 
em busca da eficiência. 
Nos relatos de Beatriz e de Maria, é importante observar a 
discrepância nas percepções das duas, entre o que Beatriz acha que é 
para Maria e o que Maria acha realmente de Beatriz. 
Beatriz vê a própria figura quando criança como prestativa, que 
ajudava nas entregas e na feitura dos doces, que não reclamava do tempo 
livre perdido, para aproveitar mais o tempo com a mãe. 
Já Maria tem uma visão completamente diferente em relação à da 
filha. Enxerga Beatriz como uma pessoa difícil de lidar, que não 
demonstra, desde criança, muito afeto e que possivelmente era 
mentirosa. 
Podemos compreender melhor esses julgamentos recorrendo ao 
conceito desenvolvido pelos pesquisadores Joseph Luft e Harrington 
Ingham, em 1955, denominado a “Janela de Johari”. Os dois ponderavam 
sobre a seguinte questão: 
Será que a percepção que eu tenho de mim é igual à 
percepção que os outros têm de mim? 
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Joseph e Harrington perceberam que nem sempre a atitude que 
nós tomamos com um intuito é entendida pelo outro da mesma forma. 
Imagine um armário, sei que eles chamaram de “janela”, mas avalio 
que o armário pode ilustrar melhor a situação. Nesse armário, você tem 
quatro gavetas. Em cadagaveta, há uma particularidade. 
A primeira gaveta é aberta, não tem trancas. Ali, o que você passa 
para as pessoas é justamente aquilo com o que elas concordam sobre 
você. Por exemplo, você se considera pontual, e essa característica 
também é percebida pelos outros. As pessoas dizem: “O Guilherme é 
sempre pontual, nunca vi ele se atrasar para uma reunião!”. E eu 
reafirmo isso a mim mesmo com frases como: “Eu sempre chego no 
horário! Acho uma falta de respeito chegar atrasado”. 
Nessa gaveta, encontramos a nossa maior zona de conforto, 
porque, se a imagem que eu gostaria de passar sobre mim corresponde à 
imagem que o outro enxerga de mim, fica tudo certo. 
A segunda gaveta representa tudo o que eu não sei que expresso 
para as pessoas, mas que as pessoas enxergam sobre mim. Essa é uma 
gaveta fechada para mim, a chave está com os outros com quem me 
relaciono no dia a dia. 
Então, pode ser que eu queira passar uma imagem de honestidade, 
sendo metódico, mas acabo visto pelos outros como uma pessoa 
paranoica e chata. 
Tanto Maria Flor quanto Beatriz tinham uma visão de que 
Francisco não aceitaria bem o ocorrido e reagiria de alguma forma, no 
entanto a percepção delas sobre ele pode ser algo que talvez não refletisse 
a real personalidade do marido e pai. Vai saber. 
 
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A terceira gaveta é aquela da qual só você tem a chave e onde você 
guarda seus segredos. É nela que você oculta aquilo que ninguém deve 
saber e que só você sabe sobre você. 
Maria sabia que tinha mentido para a filha e para o marido, tanto 
que guardou isso na “gaveta” por mais de 20 anos. A sensação a 
incomodava, pois ela não esqueceu o fato e entrou em conflito com a filha 
quando o assunto veio à tona. O segredo da mentira estava lá, “cheirando 
mal” na gaveta da geladeira. 
Maria criou um sistema de proteção muito bom, que lhe permitiu 
manter o segredo guardado nessa gaveta. Ela usou um processo de 
reafirmação para se justificar, afirmando a si mesma ter feito a melhor 
escolha ao não contar o ocorrido para o marido, para continuar 
protegendo a família. 
Quando ela finalmente pôde contar a verdade, mesmo sem 
perceber, acabou deslocando o segredo para a gaveta aberta, atitude que 
certamente a aproximará um pouco mais daquela paz que ela tanto 
busca. 
A quarta e última gaveta está trancada. Nem você nem os outros 
têm a chave. É onde o inconsciente guarda os eventos que contêm tanta 
carga emocional para você que não puderam nem ser guardados na 
gaveta dos segredos. A mente então os prende, escondendo a chave. 
Percebe o porquê de nem sempre sermos entendidos? Em 
certos momentos, a imagem que passamos para as pessoas 
não condiz com a imagem que desejamos passar. Isso não é 
percebido por nós, mas nos caracteriza no grupo de pessoas 
com que convivemos. 
Um conflito pode ocorrer porque existem características minhas 
desconhecidas para mim, mas que a pessoa ou o grupo enxergam como 
“coisas minhas”. 
Isso acontece em todos os ambientes, nos familiares, no trabalho, 
na escola, etc. Criamos personagens ou padrões de comportamento em 
busca de demonstrarmos um modelo ideal de nós mesmos, mas que às 
vezes não reflete quem somos de verdade, e essa falha acaba sendo 
percebida pelos outros. 
Da mesma forma, na gaveta dos segredos, existem coisas que eu 
sei sobre mim, mas que eu não compartilho com ninguém. Segredos que 
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às vezes nos machucam, mas que preferimos esconder, com medo dos 
julgamentos dos outros. 
De acordo com a Janela de Johari, é na gaveta trancada para mim 
e para os outros que ficam guardados os eventos que assombram o 
inconsciente, que causam incômodos, podendo se refletir no corpo com 
reações psicossomáticas que a mente consciente não consegue acessar 
diretamente. 
Em geral, só nos sentimos totalmente confortáveis com a gaveta 
aberta, quando o que eu penso que sou é igual ao que o outro pensa que 
sou, e isso está em sintonia com o que eu penso que o outro pensa que 
sou. 
Porém, cá entre nós, quem não tem segredos? Quem nunca passou 
por situações constrangedoras, que deveriam ser esquecidas? E o padre? 
Qual a história de vida dele? 
Está gostando das análises? Você já tem uma opinião sobre o 
culpado da história? Ela continua. Veja o que o padre Plínio tem a dizer, 
no próximo capítulo. 
 
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PLÍNIO 
 
Será que Deus realmente existe? Sei que, como padre, essa é uma 
pergunta absurda, quem sabe até blasfêmia. Lembro, como se fosse 
ontem, toda a dor e toda a vergonha pelas quais passei. Pensava: “será 
que Deus existe mesmo? Por que Ele permite que eu sofra tanto?”. 
Morávamos em São Paulo, eu, minha mãe, Judite, e meu pai, 
Antenor. Meus pais eram comerciantes, tinham uma loja de tecidos na 
cidade. O meu pai era muito violento, viciado em jogo. Por causa disso, 
acabamos perdendo tudo, e ele começou a chegar em casa cada vez mais 
bêbado. 
Brigava com a minha mãe, batia muito nela. Até que um dia ela 
tropeçou com um empurrão que ele deu, bateu a cabeça na quina da 
cadeira e não resistiu. 
Eu tinha 8 anos quando isso aconteceu. Morria de medo de morrer 
como minha mãe, mas não tinha como sair de casa com aquela idade. Se 
eu contasse para alguém, quem iria acreditar? Fiquei em silêncio, 
comecei a ler a Bíblia, escondido no quarto, evitando ao máximo qualquer 
tipo de diálogo com o meu pai. 
Buscava entender Deus, queria encontrar uma resposta para isso 
tudo. A revolta morava no meu corpo, eu não a deixava sair. Comigo 
sozinho em casa, meu pai passou a me violentar. 
Eram visitas frequentes, eu já não tinha reação. Pensei em me 
matar algumas vezes, fugir, mas não achava justo isso. Por que comigo? 
Por que eu não poderia ter uma vida comum, digna? Não sabia mais o 
que fazer, foi então que encontrei na igreja um refúgio. 
Aos 12 anos, passei a participar de qualquer atividade disponível 
na igreja, para sair do inferno em que eu vivia. Assim, quando tive a 
oportunidade de me tornar seminarista, de sair da cidade, não pensei 
duas vezes. 
Apeguei-me à igreja, me recolhi aos estudos e às orações. 
Aquele foi o lugar onde encontrei a paz que nunca tinha 
experimentado na vida. Finalmente tinha material suficiente 
para encontrar a minha resposta à pergunta “Deus existe?”. 
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Foram anos de trabalho, missas, aconselhamentos, casamentos, 
anos de dedicação e doação à comunidade, na ajuda aos mais 
necessitados. Porém, nem todo esse tempo foi suficiente para eu 
encontrar, com clareza, resposta à minha pergunta de criança. 
Talvez, tenha me tornado tão pecador, tão sujo e indigno, que Deus 
tenha decidido não falar comigo. 
Será que nem todos esses anos foram suficientes para lavar a 
minha alma? Porque ainda acordo atormentado com as lembranças do 
passado. Como se aquele garoto de 8 anos ainda estivesse escondido 
dentro de mim. 
Achei que estava protegido, dentro do ambiente sagrado da igreja, 
mas o diabo um dia veio me visitar. Senti o calor do inferno no meu 
pescoço, a vergonha aflorou em mim como uma chama sem controle. 
Era uma tarde como outra qualquer, estava cheio de afazeres na 
igreja com os eventos da Páscoa, estressado com os preparativos, quando 
a campainha da casa paroquial tocou. 
Era uma menina linda, um verdadeiro anjo, na mão, uma caixa de 
chocolates que ela mal podia carregar. Tão carinhosa e ingênua, como eu 
era aos 8 anos. Me enxerguei naquele anjo, me identifiquei com tudo que 
aconteceu há mais de 50 anos. Senti inveja de toda a inocência ali 
intacta, enquanto a minha havia sido arrancada tão cedo. 
Dentro de mim, começaram a surgir cenas de nojo, que mexeram 
comigo de uma maneira ruim, algo impensável para um homem de Deus 
como eu. 
 Pensamentos pecaminosos surgiam como sussurros do diabo em 
meus ouvidos. Então, decidi pedir para a menina ir embora, me levantei 
e toquei no ombro dela. 
 51 
 
Talvez por ser tão pura, aquela criança de alguma maneira 
conseguiu enxergar o monstro sujo que estava dentro de mim e 
subitamente saiu correndo. 
Eu nunca ia fazer nada

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