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P3 Escherichia Coli

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Escherichia coli que Causa Infecções Extra-intestinais (ExPEC)
	Do ponto de vista de suas relações com o homem, podem-se distinguir três grandes grupos de E. coli: o grupo das cepas comensais que habita os nossos intestinos desde o nascimento até a morte, o grupo das cepas enteropatogênicas constituído de vários patótipos, ou seja, de conjunto de amostras que causam infecções por mecanismos diversos e o grupo das cepas patogênicas extra-intestinais capazes de causar diferentes tipos de infecção (ExPEC).
	As ExPEC podem causar uma grande diversidade de doenças em todos os grupos etários ou sítio anatômicos, como, por exemplo, infecções do trato urinário, meningite, infecções intra-abdominais, pneumonias, osteomielite, septicemia e infecções em tecidos moles. É importante lembrar que a E. coli é uma espécie universal e, como tal, faz parte da microbiota normal ou causa infecção numa vasta gama de animais domésticos e silvestres.
Escherichia coli QUE CAUSA INFECÇÃO URINÁRIA (UPEC)
	As infecções do trato urinário, também conhecidas pela sigla UTI, podem atingir a uretra, a bexiga (cistite) e os rins (pielonefrite). As UTIs estão entre as infecções mais frequentes em todo o mundo e tem como agente etiológico principal e E. coli uropatogência ou UPEC. As UPECs compreendem muitos sorotipos, mas em torno de 75% deles pertencem a somente seis sorogrupos “O”.
	Entre os principais fatores de virulência, temos: 
	1 – As Adesinas: Constituem os principais fatores de virulência da UPEC, pois permitem a adesão e invasão bacteriana nas células do trato urinário. Elas também contribuem para a virulência ativando vias de sinalização nas células bacterianas e no hospedeiro, facilitando a liberação de proteínas bacterianas nos tecidos e promovendo a invasão dos microrganismo. As adesinas podem ser fímbrias ou não, sendo as duas adesinas fimbriais mais importantes: fimbria tipo 1 e fimbria P.
	2 – Fímbria Tipo 1: São as adesinas mais prevalentes entre as amostras de UPEC e é expressa em 90% das amostras de E. coli e são uniformemente distribuídas entre as cepas comensais e patogênicas. O componente responsável pela ligação da bactéria a uma variedade de receptores formandos por glicoproteínas, contendo manose, é uma subunidade da fímbria tipo I chamada FimH. UPEC’ s expressam principalmente variantes de FimH com alta afinidade pelas células epiteliais do trato urinário inferior (bexiga). Além disso, parecem estar envolvidas na interação de uma bactéria com a outra, estimulando a auto-agregação bacteriana e a formação de biofilme, que é um fator determinante na colonização bacteriana em cateteres urinários e em outros implantes.
	3 – Fímbrias P: Estão presentes em mais de 70% das cepas de E. coli causadoras de pielonefrites. São organelas semelhantes às fímbrias tipo 1. A adesina PapG reconhece seletivamente e se liga a um receptor denominado glicolipídeo globotriasilceramídeo (GbO3) presente somente no tecido epitelial renal. Interações mediadas por PapG com algumas partículas podem favorecer o estabelecimento de um reservatório dentro da mucosa intestinal e facilitar, assim, a persistência da UPEC dentro da microbiota intestinal.
	Entre as principais toxinas, temos:
	1 – Hemolisina (HLYA): É uma proteína citolítica formadora de poros capaz de se inserir na membrana de várias células eucarióticas, incluindo eritrócitos, granulócitos, monócitos e células endoteliais, formando canais de difusão. Nos eritrócitos, a HlyA aumenta a permeabilidade da membrana ao Ca2+, K+, manitol e sacarose. HlyA, inicialmente, liga-se a um receptor na superfície celular e depois se insere na membrana celular, em um processo que envolve a ligação de Ca2+ com sequência repetida, causando sua lise. A produção de hemolisina parece ser mais comum entre os pacientes com pielonefrite do que naqueles com cistite ou com bacteriúria assintomática.
	2 – SAT (Secreted Autotransporter Toxin): É uma proteína autotransportadora secretada encontrada em creca de 86% das amostras de E. coli que causam pielonefrite aguda, sugerindo um papel na patogenicidade das UPECs. Esta proteína apresenta um efeito citopático em várias linhagens celulares da bexiga e dos rins e induz resposta imune em camundongos infectados com UPEC.
	3 – LPS ou Antígeno O: A contribuição direta de determinados antígenos O específico na virulência das UPEC ainda merece estudos. A prevalência de determinados antígenos O é maior entre as amostras isoladas de pacientes com pielonefrite do que entre aquelas provenientes de casos de cistite ou bacteriúria assintomática.
	As UPECs tem origem intestinal, embora não façam parte das E. coli comensais. A partir dos intestinos, elas podem migrar e colonizar regiões periuretrais. Oportunamente, entram na uretra, sobem para a bexiga e aderem ao epitélio vesical através das fímbrias tipo 1 e P que reconhecem seus respectivos receptores. Após a adesão, ocorrem invasão, multiplicação intracelular, apoptose e esfoliação das células infectadas. A partir da bexiga a UPEC pode ganhar os ureteres e chegar aos rins onde adere ao epitélio renal, principalmente através da fímbria P. Segue-se adesão, produção de toxinas que lesam os glomérulos. Eventualmente, a UPEC pode atravessar o epitélio e cair na corrente sanguínea. A reação inflamatória, frequentemente intensa, é mediada por citocinas, cuja produção é induzida pelo antígeno O, hemolisina e provavelmente por outros fatores de virulência.
	As infecções urinárias são mais frequentes na mulher devido à proximidade da uretra com o ânus e também porque a vagina se deixa colonizar pela E. coli. Embora todas as porções do trato urinário possam ser afetas, as infecções mais comuns são a cistite (bexiga) e a pielonefrite (rins).
	O exame microscópico da urina é o primeiro passo no diagnóstico laboratorial das UTIs. O diagnóstico das infecções por UPEC é baseado na cultura da urina, seguida de isolamento e identificação. As UPEC crescem rapidamente em meios comumente usados nos laboratórios de microbiologia clínica, tais como ágar cistina lactose deficiente em eletrólito (CLED), ágar MacConkey e ágar eosina-azul de metileno (EMB). Após identificação bioquímica, é realizada então o antibiograma.
	No caso de cistite, é recomendado o uso de associação trimetoprim-sulfametoxazol (TMP-SMX), ciprofloxacina ou ofloxacina durante três dias consecutivos. Nas pielonefrites agudas, a terapia oral com fluoroquinolona por sete dias pode ser usada nos pacientes que não apresentaram náusea ou vômito e nenhum sinal de hipotensão ou sepse. Paciente mais graves podem requerer hospitalização, com um tratamento parenteral durante um a três dias, seguido por um regime complementar de terapia oral.
Escherichia coli ENTEROPATOGÊNICA (EPEC)
	A categoria EPEC é subdividida em EPEC típica e atípica. Ambas são desprovidas dos genes que codificam a toxina Shiga (Stx) e tem em comum a capacidade de produzir uma lesão característica no epitélio intestinal denominada lesão attaching-effacing (lesão A/E). As EPEC típicas caracterizam-se pela expressão do padrão de adesão localizada (AL) na superfície das células. Esse padrão é caracterizado pela formação de microcolônias compactas aderidas em regiões da superfície celular.
	Os principais fatores de virulência das EPEC típicas incluem uma fímbria do tipo IV denominada bundle-forming pilus (BFP), a proteína adesiva intimina, um sistema de secreção do tipo III (SSTT)e várias proteínas secretadas.
	1 – BFP: Encontrada em todas as amostras de EPEC típicas. Até o momento, há controvérsias em relação ao papel exato do BFP na patogênese das infecções por EPEC. Alguns trabalhos atribuem a essa fímbria uma participação na adesão inicial da EPEC típica à mucosa intestinal. No entanto, outros estudos demonstram que BFP não inicia a colonização na superfície da mucosa, mas promove ligação de uma bactéria à outra, o que resuta na formação das microcolônias no padrão AL. Independentemente de seu mecanismo de ação, BFP é um importante fator de virulência, visto que colostro humano e soro de crianças podem apresentaranticorpos contra essa estrutura.
	2 – Intimina: É uma proteína de membrana externa que apresenta uma alta variabilidade na sua composição. Os tipos alfa e beta são os mais frequentes nas EPEC típicas. A porção C-terminal da intimina liga-se a seu receptor, a proteína Tir, que é translocado e inserido na superfície do enterócito, produzindo uma adesão íntima e irreversível à célula epitelial.
	3 – Sistema de Secreção Tipo III/ Proteínas Secretadas: Além de Tir, uma série de outras proteínas é secretada por EPEC através do complexo de proteínas que compõem o SSTT, as quais são conhecidas pelas siglas Esp. EspA, EspB e EspD participam da estrutura do SSTT, enquanto as demais Esp, bem como a proteína Map, são injetadas juntamente com Tir no citoplasma do enterócito. Após ser secretada pelo SSTT, a proteína Tir é fosforilada por quinases específicas do enterócito. Para atuar como receptor de intimina, a molécula insere-se na membrana do enterócito com suas extremidades orientadas para o citoplasma e sua porção média (TirM) localizada externamente na membrana. Acredita-se que a essência da infecção por EPEC deve-se a interação entre a região C-terminal da intimina e TirM, na mesma superfície da célula eucariótica, que desperta uma intensa resposta celular. Esta resposta celular se traduz em alterações ultra-estruturais, com rompimento do citoesqueleto da borda em escova, resultantes da mobilização de diferentes proteínas do citoesqueleto e dos microfilamentos de actina que se condensam logo abaixo do local de adesão de EPEC. O resultado dessas alterações é a formação de estruturas elevadas, na superfície celular apical, que se assemelham a pedestais sobre os quais as EPEC aderem intimamente. Este conjunto de modificações representa a base da lesão A/E.
	Depois que atravessam a barreira gástrica, as EPEC aderem à mucosa dos intestinos delgado e grosso determinando alterações que levam a diarreia. Após a aderência inicial, ocorre a montagem do SSTT bem como a injeção de moléculas de proteínas efetoras. A seguir, há fosforilação das moléculas de Tir e sua inserção na membrana do enterócito. Por último, ocorre a adesão íntima mediada pela intimina, que, para isso interage com o seu receptor Tir promovendo as alterações no citoesqueleto que culminam com a lesão A/E. Das alterações provocadas pelas EPEC na mucosa intestinal, a mais conhecida e mais estudada é a lesão A/E. Morfologicamente, esta lesão consiste no desaparecimento das microvilosidades intestinais e na formação dos pedestais. Tipicamente, a EPEC aparece como que deitada na superfície do pedestal. Em infecções graves, ocorre completa destruição do epitélio absortivo intestinal, com acentuada atrofia vilositária e afinamento da camada mucosa. A lesão A/E poderia explicar a diarreia apresentada pela criança devido à extensa destruição das microvilosidades intestinais, mas existem evidências de que outros fatores podem participar do processo diarreico.
	Os estudos realizados até o momento tem demonstrado que as EPEC típicas tem como reservatório somente o homem. Raramente são encontradas em animais. Uma porção elevada de crianças adquire infecção em hospitais públicos, geralmente a partir de uma criança infectada com diarreia. As fontes de infecção na comunidade não são conhecidas, mas provavelmente são portadores de normais ou doentes. As vias de transmissão não têm sido caracterizadas com precisão, mas devem incluir contato pessoal e ingestão de água e alimentos contaminados. É possível também que em hospitais a infecção seja adquirida por via aérea.
	Parece que a administração de antibióticos não reduz a duração da diarreia, tampouco a sua gravidade, e assim não teria indicação. A medida terapêutica mais eficaz é a hidratação precoce que reduz drasticamente a mortalidade. Além das medidas gerais de prevenção de doenças infecciosas, o controle das infecções por EPEC pode ser bastante ajudada pelo aleitamento materno. Vários estudos têm demonstrado que a frequência da infecção por EPEC é significativamente menor em crianças que recebem leite materno, o que está de acordo com a riqueza do leite materno em anticorpos contra BFP e intimina.
Escherichia coli ENTEROEMORRÁGICA (EHEC) ou PRODUTORA DE TOXINA SHIGA (STEC)
	Esta categoria de E. coli diarreiogênica foi caracterizada pela produção de potentes citotoxinas que apresentam a capacidade de inibir a síntese proteica de células eucarióticas. O termo E. coli enteroemorrágica (EHEC) foi definido como um subgrupo das STEC e surgiu, inicialmente, para nomear amostras O157:H7 responsáveis por causar colite hemorrágica (CH) e Síndrome hemolítica urêmica (SHU). Em seguida, passou a englobar as STEC que apresentavam características clínicas, epidemiológicas e patogênicas similares a EHEC O157:H7.
	EHEC se destaca por causar um amplo espectro de doenças no homem, que compreende desde casos assintomáticos, diarreia branda, até casos mais graves de CH que podem evoluir para complicações extra-intestinais, sendo a de maior gravidade a síndrome hemolítica urêmica (SHU). Além de SHU, outras complicações como a púrpura trombocitopênica trombótica (PTT), apendicite, cistite hemorrágica e até mesmo anormalidades neurológicas podem ser observadas. A infecção por EHEC tem geralmente início após a ingestão de alimentos ou água contaminados, algumas vezes em doses infectantes muito baixas, especialmente em surtos causados pelo sorotipo O157:H7, que se estima que menos de 100 organismos são capazes de causar a doença. O período de incubação é, em média, de três a quatro dias, sendo a diarreia não sanguinolenta e dor abdominal os sintomas iniciais. A partir de um ou dois dias a diarreia torna-se sanguinolenta e a dor abdominal mais intensa, caracterizando a CH. O paciente pode permanecer assim por um período de até dez dias, mas, após este período, a maioria evolui para a cura sem sequelas.
	Os fatores e determinantes genéticos de virulência são:
	1 – Toxina Shiga: É o principal fator de virulência das EHEC e constitui uma família de citotoxinas estruturalmente relacionadas e com atividades biológicas similares. Dois grupos distintos são descritos, Stx 1 é praticamente idêntica à toxina Shiga produzida pela Shigella dysenteriae 1, e Stx 2 apresenta menos de 60% de homologia com a sequencia de aminoácidos de Stx 1. Essas toxinas apresentam uma estrutura básica comum a várias toxinas bacterianas. A subunidade A é composta de duas subunidades: A1 que representa a fração ativa da toxina e A2 que liga a subunidade A às subunidades B, formada por um conjunto de frações idênticas, responsáveis pela ligação da toxina a um receptor glicolipídico da célula eucariótica. O mecanismo de ação das toxinas da família Stx envolve a inibição da síntese proteína da célula-alvo, atuando na subunidade 60S ribossomo eucariótico. Os diferentes tipos de Stx apresentam variações quanto a sua potência, possivelmente relacionadas às maior ou menor afinidade pelo receptor na superfície celular e/ou à maior eficiência no transporte intra e intercelular.
	2 – Lesão A/E: Alguns sorotipos de EHEC são capazes de colonizar a mucosa intestinal por um mecanismo que altera a função da célula epitelial e induz a uma lesão hispotopatológica característica denominada attaching and effacing (A/E), codificadas por genes localizados em uma ilha de patogenicidade, a região LEE, à semelhança do descrito para as EPEC.
	Além da Stx, outros tipos de toxinas têm sido descritos em amostras de EHEC. A produção de uma enteroemolisina (Ehx), que é uma hemolisina da família de toxina citolítica do tipo RTX (repeats in toxin), é considerada um marcador de alta virulência de EHEC, uma vez que em grande parte dos casos de CH e SHU existe a produção concomitante de Stx e Ehx. Acredita-se que a contribuição de Ehx na patogênese das doenças causadas por EHEC seja semelhante à de outras hemolisinas: o acesso ao elemento químico ferro, necessário ao metabolismo bacteriano.
	A patogênese das infecções por EHEC é complexa, multifatorial e fica evidente que a atuação sinérgica de diversosfatores de virulência muito provavelmente deve contribuir para um pior prognóstico das doenças causadas por algumas destas amostras.
	Após ultrapassar a barrei gástrica, devido a presença de um eficiente sistema de regulação que permite a adaptação e sobrevivência à acidez do estômago, as EHEC atingem o intestino grosso, onde aderem à mucosa, proliferam e produzem Stx. A toxina é absorvida pelo epitélio intestinal, entra na circulação e liga-se rapidamente aos leucócitos polimorfonucleares. A extensão com que estas células liberam Stx para os órgãos é desconhecida. No entanto, nas células-alvo Stx se liga ao receptor Gb3 que é expresso principalmente nos pequenos vasos das células endoteliais do rim, intestino e cérebro. A internalização do Stx por endocitose mediada pelo receptor é seguida pela interação da toxina com componentes subcelulares, resultando na inibição da síntese proteica ou apoptose. Embora as células endoteliais pareçam ser o principal alvo para Stx, outras células como as dos túbulos renais, células mesangiais, monócitos e plaquetas podem também ser afetadas pelas toxinas. A ligação da toxina ao seu receptor inicializa, então, uma cascata de reações que inclui coagulação e processos inflamatórios que resultam na SHU.
	Idealmente, os laboratórios de microbiologia clínica deveriam pesquisar a presença de EHEC em todas as amostras de fezes onde a cultura bacteriana é requisitada e não apenas nas amostras que não são sanguinolentas. A cultura de fezes seguida da identificação de EHEC é o método clássico e tradicional. O meio seletivo MacConkey sorbitol (SMAC) tem sido utilizado em muitos laboratórios para o isolamento de EHEC O157:H7, devido à característica da maioria das amostras de não fermentarem o sorbitol rapidamente, quando comparadas a outras E. coli. A identificação das colônias pode ser feita pela pesquisa da toxina através de ensaios imunológico, biológicos ou moleculares.
	Os bovinos representam o principal reservatório animal das EHEC e a carne bovina, em especial a carne moída, o leite e seus derivados, os vegetais e a água contaminados por material fecal ingeridos crus ou com cozimento insuficiente são as formas mais comuns de transmissão da bactéria para o homem. Transmissão de pessoa a pessoa, principalmente do sorotipo O157:H7 está bem estabelecida, sendo facilitada pela baixa dose infectante. Entretanto, modos de transmissão variados como aqueles associados à água de recreação de lagos e de piscinas ou pelo contato com outros ambientes contaminados, como, por exemplo, de fazendas, têm também descritos.
	Tratamentos com antimicrobianos e com agentes que diminuem o peristaltismo intestinal têm sido utilizados em casos de diarreia. Entretanto, a utilização destes medicamentos antes de ser conhecer a etiologia da diarreia oferece um grande risco para uma evolução mais grave da doença. Estudos mostram que alguns antimicrobianos aumentam a produção ou a liberação de Stx. Além disso, o uso de drogas que promovem a lise das bactérias no lúmen intestinal poderia, teoricamente, desencadear uma maior liberação da toxina.
	Por outro lado, a terapia de hidratação com monitoração hospitalar é recomendada em crianças com colite aguda sanguinolenta, pois não oferece efeito adverso. Além disso, a possibilidade de utilização de probióticos, capazes de competir com EHEC na mucosa intestinal, ou a utilização de compostos químicos sintéticos que apresentam a capacidade de absorver a toxina Stx no intestino, prevenindo assim a sua disseminação sistêmica, demonstrado ser abordagem de tratamento promissora.
	Medidas de controle envolvem práticas de higiene em toda a cadeia de produção de alimentos, cuidados no manuseio e descarte de dejeitos animais, boas práticas de higiene no contato com animais e os devidos cuidados com o manuseio e o preparo de alimentos.
Escherichia coli ENTEROINVASORA (EIEC)
	E. coli enteroinvasora (EIEC) é um importante agente causador de diarreia no homem. Este grupo de bactérias causa ceratoconjutivite experimental em cobaias e invade as células do colón do homem, provocando uma infecção semelhante à provocada pelas espécies de Shigella. EIEC interage preferencialmente com a mucosa do colón, e esse é o seu sítio de interação parasita-hospedeiro. Clinicamente, a doença é acompanhada de febre, mal-estar, cólicas abdominais e diarreia aquosa seguida de disenteria consistindo de poucas fezes, muco e sangue. Além do processo de invasão como outro fator de virulência em potencial, foi descrita a presença de uma enterotoxina termolábil denominada ShET2, que é codificada por genes cromossomais.
	A capacidade de invasão e sobrevivência das EIEC depende de genes contidos no plasmídeo pInv bem como de genes cromossômicos. Células sem o plasmídio de invasão são avirulentas, não penetram em células epiteliais e não causam ceratoconjutivite em cobaias. A patogenicidade de EIEC é muito semelhante à de Shigella. Além do processo de invasão, muito pouco se sabe sobre EIEC. Embora a disenteria bacilar devido a EIEC seja clinicamente indistinguível daquela causada por Shigella, estudos com voluntários humanos mostraram que a dose infectante de EIEC é muito maios do que a de Shigella. A presença da toxina ShET2 talvez possa explicar as características clínicas da doença causada por EIEC, que, em uma primeira fase, apresenta diarreia aquosa, podendo, na maioria das vezes, não aparecer os sintomas de disenteria.
	Amostras de EIEC crescem bem em meios não-seletivos. Em meios seletivos para enterobactérias, porém, observa-se uma diferença quanto à taxa de crescimento entre os sorotipos. Os meios menos inibidores são ágar MacConkey (MC) e Hektoen (HE), quando comparados com ágar salmonela-shigella (SS) e ágar xilose-lisina-desoxicolato (XLD). Recomenda-se que em paralelo ao meio seletivo para enterobactérias, um meio não-seletivo seja empregado na pesquisa de EIEC em amostras de fezes. Para a identificação de amostras de EIEC, as provas bioquímicas rotineiramente empregadas para a identificação de enterobactérias são fortemente indicativas. A característica bioquímica marcante dessa categoria de E. coli diarreiogênica é a perda da capacidade de descarboxilar a lisina. Uma vez a amostra isolada ter sido identificada bioquimicamente como E. coli, que não descarboxila lisina, devemos pesquisa o AgO por meio de reação de aglutinação com soros hiperimunes anti-AgO descritos como pertencentes aos sorogrupos de EIEC. Uma vez caracterizada a amostra bioquímica e sorologicamente como EIEC, devemos pesquisar a presença de sequencias genéticas do plasmídeo Inv por meio de PCR ou por sondas de DNA. Porém, para a demonstração da patogenicidade da amostra isolada, deve-se mostrar a capacidade invasora da amostra, cujo teste de referência é o teste de Séreny.
	As infecções intestinais provocadas por EIEC são mais frequentes em crianças com mais de dois anos de idade e no adulto. O reservatório é o próprio homem e a transmissão é fecal-oral, adquire-se a doença pela ingestão de água e alimentos contaminados. Pouco se conhece da epidemiologia de EIEC, porém os relatos mostram que a prevalência não obedece a um padrão de uniformidade.
Escherichia coli ENTEROTOXIGÊNICA (ETEC)
	Entre as categorias de E. coli diarreiogênicas encontra-se a E. coli enterotoxigênica (ETEC), que foi definida por sua capacidade em produzir as enterotoxinas termolábil (LT) e termoestável (ST). ETEC é também o principal agente da “diarreia do viajante”, acometendo adultos que transitam desde países industrializados até regiões tropicais e subtropicais. Além disso, ETEC figura como um importante patógeno em animais, sendo agente de disenteria e, bovinos, diarreia neonatal e pós-desmame em suínos, causando perdas financeiras expressivas na indústria agropecuária.
	O mecanismo de patogenicidade das ETEC compreende basicamente a colonização da mucosa intestinal e a produção de enterotoxinas. A colonização está relacionada à capacidade desta bactéria em aderir a receptores específicos presentes na superfície do epitélio intestinalatravés de estruturas que foram denominadas genericamente de fatores de colonização (CFs). A importância da capacidade de colonização não está restrita apenas ao estabelecimento da região de infecção, como também facilita a interação enterotoxina-receptor, evitando a degradação da toxina por enzimas proteolíticas. As enterotoxinas, por sua vez, provocam alteração nos níveis intracelulares de nucleotídeos cíclicos levando à alteração do equilíbrio hidrossalino do lúmen intestinal, resultando na secreção de eletrólitos e, consequentemente, na redução de absorção de água. A eliminação de água é, então, decorrente do mecanismo de ação das enterotoxinas.
	Os CFs, geralmente, são estruturas filamentosas de natureza proteica, antigênicas e que se encontram distribuídas de forma peritríquia na superfície bacteriana. Embora os CFs ocorram em amostras de ETEC patogênicas tanto para o homem como para animais, são distintos entre si e apresentam especificidade em relação ao hospedeiro. Os CFs podem apresentar uma estrutura fimbrial, fibrilar ou helicoidal, mas alguns têm uma estrutura não definida sendo então considerados afimbriais. Estudos em voluntários humanos e em animais de experimentação demonstraram que bactérias portadoras de CFs, mas não seus mutantes isogênicos CF-negativos, eram capazes de colonizar e induzir diarreia. Comprova-se, assim, o importante papel destas estruturas na patogênese da infecção causada por ETEC.
	As enterotoxinas LT e ST produzidas por ETEC compreendem duas grandes famílias de toxinas de natureza proteica que diferem quanto a sua tolerância à temperatura, estrutura, imunogenicidade e mecanismos de ação. A termolabilidade está relacionada à perda da atividade tóxica após aquecimento a 100°C durante 30 minutos, enquanto a termoestabilidade significa a manutenção da atividade da toxina nestas condições. Algumas amostras de ETEC são capazes de produzir as duas toxinas, enquanto outras produzem apenas uma delas.
	1 – Enterotoxinas LT: Apresentam semelhanças estruturais antigênicas e funcionais com a toxina colérica (CT) e constituem os determinantes de virulência mais bem caracterizados em ETEC. As toxinas LT são proteínas oligoméricas compostas de cinco subunidades B idênticas arranjadas em uma estrutura em anel, e em associação com uma subunidade A central. As subunidades B são responsáveis pelo reconhecimento e ligação da toxina ao receptor gangliosídico presente na mucosa intestinal. A subunidade A é formada por dois domínios distintos, A1 e A2, ligados por uma ponte de dissulfeto. O domínio A1 apresenta atividade de ADP-ribosil tranferase, enquanto A2 medeia interação de A1 com o pentâmero da subunidade B. Após ser secretada pela bactéria, a toxina LT se liga aos seus receptores na célula-alvo e é internalizada por um mecanismo de endocitose. Dentro da célula ocorre uma série de eventos desde a separação das subunidades até a passagem por várias organelas celulares, modificando o metabolismo hidrossalino da célula (estimulando a secreção de íons Cloreto e a redução na absorção dos íons de sódio), o que leva a um acúmulo de água no lúmen intestinal e diarreia.
	2 – Enterotoxinas ST: São proteínas monoméricas e que contêm múltiplos resíduos de cisteína, formando pontes dissulfeto, o que lhes confere a termoestabilidade. São classificadas em dois subgrupos: STa e STb de acordo com suas propriedades químicas e biológicas. As toxinas ST são secretadas no meio extracelular, através de uma série de etapas que modificam o tamanho da molécula. Ambas STa e STb são sintetizadas como uma toxina precursora que sofrem clivagem. O receptor alvo da enterotoxina STa pertence à família de receptores de ciclase localizado na membrana apical do enterócitos. A ligação de STa no domínio extracelular da guanina ciclase induz sua atividade enzimática. No caso dos enterócitos, ocorre alteração na absorção e secreção de eletrólitos,, ou seja, a estimulação da secreção de cloreto e o bloqueio da absorção de sódio, resultando no acúmulo de água e eletrólitos no lúmen intestinal. Por outro lado, o mecanismo de ação de STb não envolve a ativação de nucleotídeos cíclicos. STb se liga a sulfatídeos, glicoesfingolipídeos acídicos largamente distribuídos e, após ser internalizada, interfere com os níveis intracelulares de cálcio, promovendo a secreção de fluidos.
	As infecções são transmitidas principalmente pela ingestão de água e alimentos contaminados, contudo a transmissão por contato pessoal em berçários e enfermarias pediátricas também tem sido relatada. A infecção por ETEC pode resultar em um amplo espectro de sintomas, desde uma diarreia branda até uma diarreia mais grave acompanhada de desidratação, podendo em casos extremos levar ao choque. Entretanto, a infecção é autolimitada, tendo duração média de um a dois dias.
	A partir do isolamento e identificação bioquímica de E. coli nas fezes de pacientes, os métodos utilizados para o diagnóstico das infecções relacionadas a ETEC se baseiam na detecção das enterotoxinas LT e/ou ST. Estas toxinas podem ser identificadas através de métodos biológicos que utilizam culturas celulares (LT) ou modelos animais (LT e ST), por uma variedade de ensaios imunológicos ou pela pesquisa de suas sequencias genéticas por meio de sondas genéticas ou PCR.
	As infecções por ETEC, assim como as demais infecções intestinais causadas por E. coli, dispensam na maiorias das vezes o uso de antimicrobianos. Contudo, quando houver indicação, o antimicrobiano deve ser selecionado a partir do antibiograma, uma vez que ETEC pode apresentar resistência múltipla com frequência. Por outro lado, a reposição de água e eletrólitos é essencial e deve ser realizada o mais breve possível.
Escherichia coli ENTEROAGREGATIVA (EAEC)
	Entre as categorias de Escherichia coli diarreiogênicas encontra-se a E. coli enteroagregativa (EAEC), cuja característica principal é a capacidade de apresentar um padrão de adesão exclusivo em determinadas linhagens celulares. No padrão adesão agregativa (AA), as bactérias apresentam-se aderidas umas às outras, à superfície das células, bem como à superfície da lamínula na ausência de células, numa configuração que lembra tijolos empilhados, formando agregados heterogêneos ou distribuindo-se em formas de cordões. O padrão AA permite que se diferencie EAEC de duas outras categorias de diarrenogênicas de E. coli, isto é, a EPEC e a E. coli difusamente aderente (DAEC), as quais apresentam aderência localizada e difusa, respectivamente.
	Os mecanismos de patogenicidade de EAEC estão sendo investigados e várias toxinas e adesinas tem sido descritas. Entre as toxinas descritas, aquelas mais bem caracterizadas compreendem a toxina termoestável de EAEC (EAST-1) e a plasmid-encoded toxin (Pet). O padrão AA está associado à expressão de adesinas fimbriais ou não-fimbriais em amostras de EAEC. Entretanto, apenas as estruturas fimbriais denominadas aggregative adherence factors (AAF) I, II e III foram caracterizadas.
	Adultos e crianças são suscetíveis a infecções intestinais causadas por EAEC, e a doença típica é manifestada por diarreia secretora, mucoide e aquosa, com período de incubação curto, pouca febre e pouco ou nenhum vômito. EAEC tipicamente induz o aumento na secreção de muco na mucosa intestinal, e as bactérias ficam emaranhadas em uma espessa camada de biofilme contendo muco em abundância. Possivelmente, a formação desse biofilme esteja envolvida na capacidade de a bactéria colonizar e causar doença persistente e má absorção de nutrientes. A natureza persistente da doença causada por EAEC poderia também ocorrer em virtude da demora no reparo da mucosa lesada, de desnutrição ou de outros comprometimentos do hospedeiro.
	Para detectar EAEC, é necessário que amostras de E. coli isoladas das fezes sejam submetidas a ensaios de adesão. O fenótipo de agregação bacteriana, verificado em culturas celulares infectadas por EAEC, pode também ser evidenciado pela formação de uma película na superfície da cultura bacteriana obtida em meio líquido, bem como pela capacidadede formar biofilmes sobre superfícies de poliestireno ou vidro.
	A antibioticoterapia é indica somente para os casos de diarreia persistente causada por EAEC, umas vez que para as diarreias agudas a terapia da reidratação oral é recomendada. Quando necessária a antibioticoterapia, testes de avaliação de sensibilidade aos antimicrobianos são indicados, uma vez que a resistência múltipla tem sido relatada com frequência em amostras de EAEC.
	Saneamento básico e o aleitamento materno durante o primeiro ano de vida constituem medidas profiláticas disponíveis para o controle das diarreias causadas por EAEC.

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