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UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 1 SERVIÇO PÚBLICO Sumário: 1) Serviço público. 1.1) Sentidos da terminologia “serviço público”. 1.2) Serviço público como um conceito jurídico. 1.3) Distinção entre serviços públicos e atividades econômicas estatais. 1.4) O "Código de Defesa do Usuário do Serviço Público" (Lei 13.460/2017): o Quadro Geral dos Serviços Públicos Prestados; os princípios e diretrizes do serviço público; atualidade e continuidade dos serviços públicos; os direitos básicos e deveres do usuário; a Carta de Serviços ao Usuário; as manifestações dos usuários de serviços públicos e as ouvidorias; os Conselhos de Usuários; a avaliação continuada dos serviços públicos. 1.5) Classificação dos serviços públicos: 1.5.1) Quanto à entidade a quem foram atribuídos; 1.5.2) Quanto ao objeto; 1.5.3) Quanto à essencialidade; 1.5.4) Quanto aos usuários; 1.5.5) Quanto à obrigatoriedade da utilização; 1.5.6) Quanto à forma de execução. 1.6) Princípios e diretrizes dos serviços públicos. 1.7) Titularidade e prestação dos serviços públicos. 1.8) Formas associadas de gestão de serviços e de governança interfederativa. 1.9) Formas de delegação de serviços públicos. 1.9.1) Concessão de serviço público. 1.9.2) Parcerias público-privadas: Concessão especial. 1.9.3) Permissão de serviço público. 1.9.4) Autorização de serviço público. 1.10) Distinção entre delegação de serviço público e terceirização administrativa. 1.11) Divergências sobre outras espécies de delegação de serviços públicos. 1.12) Aplicação do CDC aos usuários de serviços públicos. 1.13) Fomento Público e os "serviços públicos impróprios". 1.13.1) Distinção entre serviços públicos e serviços privados de interesse público; 1.13.2) Serviços Sociais Autônomos; 1.13.3) Fundações de apoio; 1.13.4) Organizações Sociais (OS); 1.13.5) Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP); 1.13.6) Organizações da Sociedade Civil (Lei 13.019/2014). 1.1) Sentidos da terminologia “serviço público” Inicialmente, cumpre examinar os sentidos que costumam ser atribuídos à expressão “serviço público”. O substantivo serviço indica uma prestação, um ato ou o efeito de servir. O adjetivo público, por sua vez, leva a entender que se trate de uma prestação dirigida a toda a comunidade. Na França, desde a gênese do Direito Administrativo e ao longo do século XIX, prevaleceu como fundamento da atuação da Administração Pública a ideia do poder soberano (puissance publique). Contudo, levando em conta que no Estado de Direito esse poder somente encontra justificativa na satisfação do interesse público, no final do século XIX uma corrente doutrinária passou a defender que o verdadeiro fundamento do Direito Administrativo haveria de estar não propriamente no poder, mas, sim, no serviço público prestado pelo Estado (service publique). Clássicos foram os debates travados em torno dos pensamentos de Hauriou e Duguit, o primeiro centrado na noção de poder público e o segundo na de serviço público. Adveio daí a escola francesa clássica, também chamada Escola do Serviço Público ou Escola de Bordeaux, na qual a noção de serviço público foi tomada num sentido amplo, “para abranger toda e qualquer atividade realizada pela Administração pública” 1, época em que “não haveria como distinguir os serviços públicos das atividades legislativas e judiciárias, nem, tampouco, das demais atividades administrativas, como as de polícia, de ordenamento econômico, de ordenamento social e de fomento público”.2 1 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT. 2 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense. UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 2 Para Gaston Jéze, a prestação de serviço público era a única atividade do Estado, ao passo que Léon Duguit dizia tratar-se da atividade primordial do Estado. “Outros, com o mesmo entendimento, passaram a dizer que a presença do Estado não se justificaria senão para prestá-los. Assim, o oferecimento de serviços públicos seria a única razão a justificar a existência do Estado”. 3 Por outro lado, este sentido amplo não mais se adequa à atual realidade, eis que, como diz Odete Medauar, “se esta fosse a concepção adequada, todo o direito administrativo conteria um único capítulo, denominado „serviço público‟, pois todas as atividades da Administração aí se incluiriam” 4. Hodiernamente, portanto, é preciso apontar de forma precisa um sentido estrito, “que discrimine satisfatoriamente as atividades prestadoras de serviços públicos de todas as atividades jurídicas, que cumpre ao Estado desempenhar, na expressão do poder, que lhe é imanente, de instituir, preservar e aprimorar sua ordem jurídica, bem como das atividades sociais” 5 . Vale dizer, serviço público é uma espécie dentro do gênero atividade administrativa. Na busca desse sentido estrito, para que se pudesse enquadrar determinados serviços como sendo serviços públicos, passou-se inicialmente a apontar três elementos ou critérios de identificação: o critério orgânico, o critério material e o critério formal. Tais critérios serviam para qualificar o serviço público no primeiro momento do Estado liberal, em que “o serviço público abrangia as atividades de interesse geral, prestadas pelo Estado sob regime publicístico”. 6 Pelo elemento orgânico (também chamado de subjetivo), era considerado serviço público todo aquele prestado diretamente pelo Estado. Este critério mostrou-se falho ao longo do tempo, porquanto nem todo serviço hoje prestado pelo Estado é serviço público, como ocorre quando o Estado explora atividades econômicas em concorrência com os particulares ou sob regime de monopólio, atividades estas que, apesar de serem serviços governamentais, sujeitam-se predominantemente a regras do Direito Privado. De outra parte, há serviços que, mesmo não sendo prestados diretamente pelo Estado, são considerados serviços públicos e, como tal, sujeitos ao regime jurídico administrativo, como ocorre, por exemplo, com as empresas concessionárias e permissionárias que prestam serviços públicos por delegação do Estado. Pelo elemento material (também chamado de objetivo), levava-se em conta o beneficiário do serviço, quando prestado em prol da coletividade e de acordo com o interesse geral dos administrados. Aqui igualmente surgiu uma imprecisão, pois há atualmente serviços que, mesmo sendo de alcance coletivo, não são propriamente serviços públicos. Assim, v. g., quando o Estado exerce uma atividade econômica, ainda que a considere de “relevante interesse coletivo” (CF, art.173), não estará desempenhando tecnicamente um serviço público. Ademais, há inúmeros serviços de interesse geral que são autorizados à iniciativa privada sem que sejam qualificados como serviços públicos, tal como ocorre nas áreas de saúde e educação. 3 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva. 4 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT. 5 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT. 6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas. UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 3 Em suma, serviço público não depende apenas do que é prestado (elemento objetivo) ou de quem presta (elemento subjetivo). Objetivamente, nem tudo que os órgãos ou as entidades da Administração Pública desempenham é serviço público. E, subjetivamente, até entidades privadas podem vir a prestar serviços públicos. Por fim, pelo elemento formal, a atividade administrativa se qualificaria como serviço público quando prestada sob regime jurídico de Direito Público. Ocorre que nem todas as atividades administrativas sujeitas a este regime são serviços públicos. Ademais,há serviços públicos prestados sob os mais diversos regimes publicistas, isto é, não existe formalmente um único regime de Direito Público aplicável a todos eles, mas, sim, regimes em que pode variar o grau de incidência de normas de Direito Público e de Direito Privado, a depender do tipo de serviço. Como dito, o regime predominantemente público não é exclusivo apenas dos serviços públicos, alcançando outras espécies de atividades administrativas, v.g., quando o Estado constrói uma obra pública ou exercita o seu poder de polícia. Os regimes de todas estas atividades administrativas são marcados pela presença das normas de Direito Público, mas elas tem peculiaridades que as distinguem dos serviços públicos. Celso Antônio assim aponta a diferença entre essas categorias do Direito Administrativo: “Em linguagem leiga, costuma-se designar como „serviço‟ tudo aquilo que o Estado faz ou, pelo menos, toda atividade administrativa por ele desempenhada. Assim, por exemplo, a construção de uma estrada, de uma ponte, de um túnel, de um viaduto, de uma escola, de um hospital, ou a pavimentação de uma rua podem aparecer, na linguagem corrente, como sendo um „serviço‟ que o Estado desempenhou. Juridicamente, entretanto, são obras públicas. Assim também, eventualmente, serão designadas como „serviços‟, ou mesmo, „serviços públicos‟, atividades típicas de „polícia administrativa‟. Do mesmo modo, o rótulo „serviço público‟, ainda que acrescido do qualificativo „industrial‟, ou „comercial‟ ou „econômico‟, algumas vezes é adotado para referir atividades estatais regidas fundamentalmente pelo Direito Privado, isto é, as concernentes à exploração estatal de atividade econômica. Para o Direito, entretanto, estes vários tipos de atividades são perfeitamente distintos entre si, pois cada qual está sujeito a um regime diverso. (...) De fato, serviço público e obra pública distinguem-se com grande nitidez, como se vê da seguinte comparação: a) a obra é, em si mesma, um produto estático; o serviço é uma atividade, algo dinâmico; b) a obra é uma coisa: o produto cristalizado de uma operação humana; o serviço é a própria operação ensejadora do desfrute; c) a fruição da obra, uma vez realizada, independe de uma prestação, é captada diretamente, salvo quando é apenas o suporte material para a prestação de um serviço; a fruição do serviço é a fruição da própria prestação; assim, depende sempre integralmente dela; d) a obra, para ser executada, não presume a prévia existência de um serviço; o serviço público, normalmente, para ser prestado, pressupõe uma obra que lhe constitui o suporte material.(...) Enquanto o serviço público visa a ofertar ao administrado uma utilidade, ampliando, assim, o seu desfrute de comodidades, mediante prestações feitas em prol de cada qual, o poder de polícia, inversamente (conquanto para a proteção do interesse de todos), visa a restringir, limitar, condicionar, as possibilidades de sua atuação livre, exatamente para que seja possível um bom convívio social. Então, a polícia administrativa constitui- se em uma atividade orientada para a contenção dos comportamentos dos administrados, ao passo que o serviço público, muito ao contrário, orienta-se para a atribuição aos administrados de comodidades e utilidades materiais”. 7 7 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros. UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 4 Não se podendo mais recorrer isoladamente aos critérios orgânico (quem presta), material (o que presta) ou formal (sob que regime presta) na categorização do serviço público, chega-se a conclusão de que o conceito não pode ser construído com base apenas nas características intrínsecas ou extrínsecas do serviço, senão levando em conta o que dispõe a Constituição acerca da sua titularidade. Vale dizer, serviço público é um conceito estritamente jurídico. 1.2) Serviço público como um conceito jurídico Do que foi dito no tópico anterior, tem-se que, como assevera Maria Sylvia Di Pietro, “os três elementos normalmente considerados pela doutrina para conceituar o serviço público não são essenciais, porque às vezes falta um dos elementos ou até mesmo dois”, daí a sua definição de serviço público como sendo “toda atividade material que a lei atribui ao Estado para a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público”. 8 Deveras, serviço público é um conceito jurídico porque é o ordenamento constitucional que indica quais atividades devem ser assim qualificadas, atribuindo a sua titularidade ao Estado e, com isso, excluindo-as total ou parcialmente do regime de mercado típico da iniciativa privada. Como dispõe o art. 175, caput, da Carta Magna de 1988: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Ao dizer "incumbe ao Poder Público", a Constituição deixa claro que o conceito jurídico de serviço público pressupõe tão somente que a lei atribua a titularidade do serviço ao Estado, que o assume como próprio, ainda que a sua prestação possa eventualmente ser delegada a terceiros. “É o Estado, por meio da lei, que escolhe quais as atividades que, em determinado momento, são consideradas serviços públicos; no direito brasileiro, a própria Constituição faz essa indicação nos artigos 21, incisos X, XI, XII, XV e XXIII, e 25, §2º, alterados, respectivamente, pelas Emendas Constitucionais 8 e 5, de 1995; isto exclui a possibilidade de distinguir, mediante critérios objetivos, o serviço público da atividade privada; esta permanecerá como tal enquanto o Estado não a assumir como própria”; “daí outra conclusão: o serviço público varia não só no tempo, como também no espaço, pois depende da legislação de cada país a maior ou menor abrangência das atividades definidas como serviços públicos”. 9 Há sempre uma decisão política do legislador constitucional ao eleger quais atividades devem ser tratadas como serviços públicos, atribuindo a elas um regime exorbitante do regime comum das relações privadas. Nas palavras de Celso Antônio, isso acontece “quando, em dado tempo e lugar, o Estado reputa que não convém relegá-las simplesmente à livre iniciativa; ou seja, que não é socialmente desejável fiquem tão só assujeitadas à fiscalização e controles que exerce sobre a generalidade das atividades privadas (fiscalização e controles estes que se constituem no chamado „poder de polícia‟”. 10 8 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas. 9 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas. 10 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros. UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 5 “Justamente pelo relevo que lhes atribui, o Estado considera de seu dever assumi-las como pertinentes a si próprio (mesmo que sem exclusividade) e, em consequência, exatamente por isto as coloca sob uma disciplina peculiar instaurada para resguardo dos interesses nelas encartados: aquela disciplina que naturalmente corresponde ao próprio Estado, isto é, uma disciplina de Direito Público. (...) Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicosno sistema normativo”. 11 Dito aspecto político na escolha dos serviços públicos é ressaltado por Odete Medauar, apontando, inclusive, a existência de um núcleo pacífico dos serviços públicos: “Então como se pode caracterizar o serviço público? Saber quando e por que uma atividade é considerada serviço público remete ao plano da concepção política dominante, ao plano da concepção sobre o Estado e seu papel. É o plano da escolha política, que pode estar fixada na Constituição do país, na lei e na tradição. A Constituição pátria considera como serviços públicos, por exemplo: o transporte coletivo, no art.30, V; serviços telefônicos, telegráficos, no art.21, XI; energia elétrica, no art.21, XII, a. Por sua vez, a Lei federal 9074, de 07.07.1995, indica os serviços federais de barragens, contenção, eclusas, diques e irrigações como serviços públicos. Tradicionalmente existe o chamado „núcleo pacífico dos serviços públicos‟: água, luz, iluminação pública, coleta de lixo, limpeza de ruas, correio. Finalidades diversas levam a considerar certa atividade como serviço público, dentre as quais: retirar da especulação privada setores delicados; propiciar o benefício do serviço aos menos favorecidos; suprir carência da iniciativa privada; favorecer o progresso técnico”. 12 Neste mesmo sentido a lição de Toshio Mukai: “O conceito de serviço público é variável e flutua ao sabor das necessidades e contingências políticas, econômicas, sociais e culturais de cada comunidade, em cada momento histórico, como acentuam os modernos publicistas”. “Pode-se dizer que o serviço público decorre de uma necessidade pública, que é por sua natureza essencial, indispensável e, em decorrência, erigida pelo legislador como tal. O serviço público, no sentido jurídico da expressão, só aparece quando o legislador o eleva a tal condição; até então, o que há é tão somente um serviço público potencial. Portanto, todas as atividades – as tradicionalmente reservadas ao Estado e as de natureza industrial ou comercial – de interesse geral e que visem suprir necessidades essenciais da coletividade, assumidas legalmente pela Administração devem ser consideradas serviços públicos (serviços públicos administrativos ou serviços públicos industriais ou comerciais)”. 13 Conclui-se que o serviço público “só existirá se o regime de sua prestação for o regime administrativo, ou seja, se a prestação em causa configurar atividade administrativa pública, em uma palavra, atividade prestada sob o regime de Direito Público”. 14 Assim, o legislador, com vistas a um serviço potencialmente público, isto é, que por sua natureza seja de interesse geral da coletividade, resolve regulá-lo sob um regime jurídico próprio, exorbitante do regime 11 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros. 12 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT. 13 MUKAI, Toshio. Concessões, permissões e privatizações de serviços públicos. São Paulo: Saraiva. 14 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros. UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 6 privado, observados os ditames constitucionais. Com isso, podemos dizer que quanto maior for o número de serviços considerados pelo legislador como serviços públicos, maior será a abrangência do Direito Administrativo e menor será o alcance do Direito Privado. Existem serviços que, por opção do legislador constituinte, já foram qualificados como serviços públicos, não havendo como o Estado se esquivar de assegurar a sua adequada prestação, seja por ele próprio (diretamente), seja por um outro ente ao qual ele delegue a execução (indiretamente). Nesse caso, a própria Constituição já cria parâmetros publicísticos para a tais serviços, não podendo o legislador dispor de modo diverso. Vale dizer, qualquer lei infraconstitucional que trate destes serviços deve prever um regime predominante público. Acerca disso, Celso Antônio fala em serviços públicos por determinação constitucional: “A Carta Magna do País já indica, expressamente, alguns serviços antecipadamente propostos como da alçada do Poder Público federal. Serão, pois, obrigatoriamente serviços públicos (obviamente quando volvidos à satisfação da coletividade em geral) os arrolados como de competência das entidades públicas. No que concerne à esfera federal, é o que se passa com o serviço postal e o Correio Aéreo Nacional (art.21, X, da Constituição), com os serviços de telecomunicações, serviços de radiodifusão sonora – isto é, rádio – e de sons e imagens – ou seja, televisão, serviços e instalações de energia elétrica e aproveitamento energético dos cursos d‟água, navegação aérea, aeroespacial, infraestrutura aeroportuária, transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de mais de um Estado ou Território, transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, exploração de portos marítimos, fluviais e lacustres (art.21, XII, letras „a‟ a „f‟), seguridade social (art.194), serviços de saúde (art.196), assistência social (art.203) e educação (arts. 205 e 208). A enumeração dos serviços que o Texto Constitucional considera públicos não é exaustiva. Ademais, muitos serviços públicos serão da alçada exclusiva de Estados, Distrito Federal ou dos Municípios, assim como outros serão comuns à União e estas diversas pessoas”. 15 Além dos serviços públicos já definidos antecipadamente na Constituição, poderá o legislador ainda criar outros que repute convenientes na sua respectiva esfera de atuação política (federal, estadual ou municipal). Por exemplo, lei municipal poderá qualificar juridicamente como serviço público o serviço funerário numa determinada cidade, afastando tal atividade do regime privado e submetendo a sua prestação predominantemente a normas de Direito Público. Assim ocorre na cidade de São Paulo. Tradicionalmente, por razões religiosas, os serviços funerários eram considerados de atribuição da Administração Pública e, portanto, tratados como serviços públicos municipais. A atual Carta Magna remete aos municípios deliberarem a respeito, dentre os assuntos de interesse local, de modo que a depender do tratamento dado pela lei municipal, o serviço funerário será público ou privado. O STF já se posicionou sobre o tema, como se infere do seguinte aresto: 15 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros. UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 7 "Os serviços funerários constituem, na verdade, serviços municipais, tendo em vista o disposto no art. 30, V, da Constituição: aos municípios compete 'organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial'. Interesse local diz respeito a interesse que diz de perto com as necessidades imediatas do município. Leciona Hely Lopes Meirelles que 'o serviço funerário é da competência municipal, por dizer respeito a atividades de precípuo interesse local, quais sejam, a confecção de caixões, a organização de velório, o transporte de cadáveres e a administração de cemitérios' (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 10ª edição, 1998, atualizada por Izabel Camargo Lopes Monteiro e Célia Marisa Prendes, Malheiros Editores, pág. 339). Esse entendimento é tradicional no Supremo Tribunal Federal, conforme se vê do decidido no RE 49.988/SP, Relator o Ministro Hermes Lima, cujo acórdão está assim ementado: 'EMENTA: Organização de serviços públicos municipais. Entre estes estão os serviços funerários. Os municípios podem, por conveniência coletiva e por lei própria,retirar a atividade dos serviços funerários do comércio comum.' (RTJ 30/155)" 16 . Por outro lado, é importante destacar que o legislador não estará livre para qualificar qualquer atividade como serviço público. Como adverte, há limites constitucionais para a caracterização de um serviço como público: “é realmente o Estado, por meio do Poder Legislativo, que erige ou não em serviço público tal ou qual atividade, desde que respeito os limites constitucionais. Afora os serviços públicos mencionados na Carta Constitucional, outros podem ser assim qualificados, contanto que não sejam ultrapassadas as fronteiras constituídas pelas normas relativas à ordem econômica, as quais são garantidoras da livre iniciativa”. 17 Lúcia Valle Figueiredo também salienta haver “serviços que não podem ser públicos por expressa proibição constitucional. É o que se verifica do art. 173 da Constituição Federal. São reservados à iniciativa privada, a quem compete a atividade econômica”. 18 1.3) Distinção entre serviços públicos e atividades econômicas estatais Em tópico posterior, quando será abordada a classificação dos serviços públicos, veremos que, ao lado dos serviços públicos administrativos e sociais, existem também alguns serviços públicos comerciais ou industriais assumidos pelo Estado. Estes, contudo, não devem ser confundidos com outros serviços similares eventualmente desempenhados pelo Estado a título de intervenção no domínio econômico. Tem-se aí, em sentido amplo, duas categorias de atividades econômicas atribuídas ao Estado, mas com distintos fundamentos na Constituição: a) serviços públicos comerciais e industriais (CF, art. 175); b) atividades econômicas estatais em sentido estrito (CF, artigos 173 e 177). Apesar de ambas se situarem no terreno das relações econômicas, são distintas as razões que levam o Estado a atuar em cada uma dessas áreas. Nos serviços públicos industriais e comerciais, assim qualificados pelo legislador constitucional, o Estado tomou para si a responsabilidade de sua efetivação (titularidade), tendo em mira o destinatário do serviço, buscando com isso assegurar a sua prestação adequada e eficiente em prol da sociedade. 16 STF, ADI 1221, rel. Min. Carlos Velloso, julg. em 09/10/2003. 17 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros. 18 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros. UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 8 Já quanto às atividades econômicas industriais e comerciais, o Estado apenas busca intervir no domínio econômico por razão de imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo (CF, art. 173), ou, ainda, porque a Constituição institui alguma espécie de monopólio por razões análogas (CF, art. 177). Não são “serviços públicos” no sentido jurídico do termo, de modo que a sua prestação submete-se predominantemente a normas do Direito Privado, ainda que sob influxo de algumas normas publicísticas. A respeito desta distinção, Maria Sylvia Di Pietro salienta que os serviços comerciais e industriais “podem ser prestados pelo Estado sob dois títulos: como serviços públicos que lhe são atribuídos por lei e que ele pode desempenhar diretamente ou por meio de concessão ou permissão, com base no art. 175 da Constituição; como atividade econômica própria da iniciativa privada e que o Estado ou assume em caráter de monopólio, com base no art. 177, ou exerce em caráter de competição com a iniciativa privada, quando necessário aos imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo definido em lei, conforme previsto no art. 173 da Constituição”. 19 Bazilli aponta que “o serviço industrial ou comercial apresenta um interesse público objetivo, na medida em que a atividade prestada pelo Estado contém em si mesma, pelas suas próprias características, claro interesse público, ou seja, é de necessidade coletiva. Já atividade econômica desenvolvida pelo Estado também apresenta interesse público, só que subjetivo, na medida em que depende da valorização da Administração; não traz em si mesma o interesse público; mas se lhe atribui um interesse público”. 20 Pertinente também a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem “a distinção entre uma coisa e outra é óbvia. Se está em pauta atividade que o Texto Constitucional atribuiu aos particulares e não atribuiu ao Poder Público, admitindo, apenas, que este, excepcionalmente, possa empresá-la quando movido por „imperativos da segurança nacional‟ ou acicatado por „relevante interesse coletivo‟, como tais „definidos em lei‟ (tudo consoante dispõe o art.173 da Lei Magna), casos em que operará, basicamente, na conformidade do regime de Direito Privado, é evidente que em hipóteses quejandas não se estará perante atividade pública, e, portanto, não se estará perante serviços públicos”. 21 Por derradeiro, cumpre assinalar que existem ainda determinados serviços de natureza privada, cuja prestação não cabe ao Estado, direta ou indiretamente, mas para os quais a lei prevê autorização pelo Poder Público, como disposto no art. 170, parágrafo único, da Constituição Federal: “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”. Nesses casos, as regras do Direito Administrativo somente atuam no que concerne à licença ou autorização e à eventual fiscalização pelo Poder Público, no exercício do seu poder de polícia. No mais, o desempenho da atividade pelo particular segue as regras do Direito Privado. É o que ocorre, por exemplo, com os serviços das autoescolas para fins de habilitação de motoristas, bem como os serviços prestados pelas empresas de vigilância. Trata-se de atividades privadas cujo exercício, todavia, depende de consentimento do Estado por razões de segurança. Não são serviços públicos no sentido próprio da palavra. 19 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parceiras na administração pública. São Paulo: Atlas. 20 BAZILLI, Roberto Ribeiro. Serviços públicos e atividades econômicas na Constituição de 1988. RDA, 197:15-6. 21 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros. UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 9 Em suma, com amparo na doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello22, para se saber se determinada atividade de alcance coletivo é ou não um “serviço público” (no sentido jurídico do termo), deve-se ter em mente as seguintes situações sujeitas a regimes jurídicos distintos: SÃO SERVIÇOS PÚBLICOS: 1) Serviços públicos por determinação constitucional – previstos nos arts. 21, 26, 30, 194, 196, 203, 205, dentre outros, da Constituição Federal de 1988. 1.1) de titularidade exclusiva do Estado, mas cuja prestação pode ser delegada à iniciativa privada na forma do art.175 da Carta Magna (concessões ou permissões), porque a própria CF assim o prevê. Exemplos: telecomunicações e energia elétrica (art.21, XI e XII). 1.2) de titularidade exclusiva do Estado e cuja prestação não pode ser delegada à iniciativa privada (só pode ser prestado por ente estatal), porque a CF silenciou a respeito. Exemplos: serviço postal e correio aéreo nacional (art.21, X). 1.3) de titularidade não exclusiva do Estado, isto é, a Carta Magna admite a existência de serviços privados da mesma natureza, podendo os particulares prestá-los independentemente de concessão. São os chamados serviços sociais. Exemplos: serviços de saúde, educação, previdência e assistência social (CF/88, arts. 196 a 213). 2) Serviços públicos previstos em leis ordinárias, federais, estaduais ou municipais (desde que de acordo com a Constituição). São de titularidade exclusivado Estado e podem eventualmente ter a prestação delegada à iniciativa privada, com ou sem fins lucrativos. NÃO SÃO SERVIÇOS PÚBLICOS: 3) Serviços prestados por entes estatais na área econômica, por imperativo de segurança nacional ou relevante interesse coletivo (CF/88, art. 173), ou em razão de monopólio estatal (CF/88, art. 177). 4) Serviços prestados pela iniciativa privada na área econômica, apenas sujeitos ao poder de polícia do Estado (licenças e autorizações) – CF/88, art. 170. 5) Serviços privados prestados por entidades paraestatais e particulares em colaboração, de caráter assistencial e sem fins lucrativos, mediante simples incentivos dados pelo Estado (fomento público). São os chamados entes de colaboração ou entes do “terceiro setor”. Advirta-se, contudo, haver casos específicos em que tais entes atuam como delegatários de serviços públicos, assumindo atividades administrativas que lhes são transferidas pelo Poder Público. 22 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros. UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 10 1.4) O "Código de Defesa do Usuário do Serviço Público" (Lei 13.460/2017) A Lei 8.987/95 há muito já dispõe sobre parâmetros a serem observados na prestação de serviços públicos. Mais recentemente, isso foi reforçado e ampliado pelo Código de Defesa do Usuário do Serviço Público, editado por meio da Lei 13.460/2017, que trata da participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos. Essa nova legislação, que veio em cumprimento ao disposto no art. 37, §3º, da CF/88 (com a redação dada pela EC 19/98), estabelece um microssistema normativo similar ao Código de Defesa do Consumidor, porém, especificamente voltado para a seara dos serviços públicos. Dentre outros pontos, a Lei 13.460/2017 cuidou de indicar os princípios jurídicos e as diretrizes dos serviços públicos, os direitos básicos e os deveres dos usuários de serviços públicos, instituindo novas figuras tais como o quadro geral de serviços prestados, a carta de serviços ao usuário, os conselhos de usuários e a avaliação continuada dos serviços públicos. Ficou estabelecido que, com periodicidade mínima anual, cada Poder e esfera de Governo publicará quadro geral dos serviços públicos prestados, que especificará os órgãos ou entidades responsáveis por sua realização e a autoridade administrativa a quem estão subordinados ou vinculados (art. 3o). Os serviços públicos e o atendimento do usuário serão realizados de forma adequada, observados os princípios da regularidade, continuidade, efetividade, segurança, atualidade, generalidade, transparência e cortesia (art. 4o). Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. A atualidade do serviço público compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço. A continuidade do serviço público impede que a atividade administrativa cesse por completo. Contudo, conforme já disposto desde a Lei 8.987/95, não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: I – motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade. Nesse caso, porém, a interrupção do serviço não poderá iniciar-se na sexta-feira, no sábado ou no domingo, nem em feriado ou no dia anterior a feriado (alteração dada pela Lei 14.015/2020) UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 11 Ainda conforme o novo Código, devem os agentes públicos e prestadores de serviços públicos observar as seguintes diretrizes previstas no art. 5o: I - urbanidade, respeito, acessibilidade e cortesia no atendimento aos usuários; II - presunção de boa-fé do usuário; III - atendimento por ordem de chegada, ressalvados casos de urgência e aqueles em que houver possibilidade de agendamento, asseguradas as prioridades legais às pessoas com deficiência, aos idosos, às gestantes, às lactantes e às pessoas acompanhadas por crianças de colo; IV - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de exigências, obrigações, restrições e sanções não previstas na legislação; V - igualdade no tratamento aos usuários, vedado qualquer tipo de discriminação; VI - cumprimento de prazos e normas procedimentais; VII - definição, publicidade e observância de horários e normas compatíveis com o bom atendimento ao usuário; VIII - adoção de medidas visando a proteção à saúde e a segurança dos usuários; IX - autenticação de documentos pelo próprio agente público, à vista dos originais apresentados pelo usuário, vedada a exigência de reconhecimento de firma, salvo em caso de dúvida de autenticidade; X - manutenção de instalações salubres, seguras, sinalizadas, acessíveis e adequadas ao serviço e ao atendimento; XI - eliminação de formalidades e de exigências cujo custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido; XII - observância dos códigos de ética ou de conduta aplicáveis às várias categorias de agentes públicos; XIII - aplicação de soluções tecnológicas que visem a simplificar processos e procedimentos de atendimento ao usuário e a propiciar melhores condições para o compartilhamento das informações; XIV - utilização de linguagem simples e compreensível, evitando o uso de siglas, jargões e estrangeirismos; e XV - vedação da exigência de nova prova sobre fato já comprovado em documentação válida apresentada. Nos termos do art. 6o da Lei 13.460/2017, são direitos básicos do usuário: I - participação no acompanhamento da prestação e na avaliação dos serviços; II - obtenção e utilização dos serviços com liberdade de escolha entre os meios oferecidos e sem discriminação; III - acesso e obtenção de informações relativas à sua pessoa constantes de registros ou bancos de dados, observado o disposto no art. 5º, X, da CF/88 e na Lei 12.527/2011; IV - proteção de suas informações pessoais, nos termos da Lei 12.527/2011; V - atuação integrada e sistêmica na expedição de atestados, certidões e documentos comprobatórios de regularidade; e VI - obtenção de informações precisas e de fácil acesso nos locais de prestação do serviço, assim como sua disponibilização na internet, especialmente sobre: a) horário de funcionamento das unidades administrativas; b) serviços prestados pelo órgão ou entidade, sua localização exata e a indicação do setor responsável pelo atendimento ao público; c) acesso ao agente público ou ao órgão encarregado de receber manifestações; d) situação da tramitação dos processos administrativos em que figure como interessado; e e) valor das taxas e tarifas cobradas pela prestação dos serviços, contendo informações para a compreensão exata da extensão do serviço prestado. Ao lado dos direitos, a Lei 13.460/2017 estabeleceu também os deveres do usuário (art. 8o): I - utilizar adequadamente os serviços, procedendo com urbanidade e boa-fé; II - prestar as informações pertinentes ao serviço prestado quando solicitadas; III - colaborar para a adequada prestação do serviço; e IV - preservar as condições dos bens públicos por meio dos quais lhe são prestados os serviços de que trata esta Lei. O art. 7o cuidou de dispor que os órgãos e entidades abrangidos pela Lei 13.460/2017 divulgarão Carta de Serviços ao Usuário. Este documento tem por objetivo informar o http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art5x http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12527.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12527.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12527.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12527.htm UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 12 usuário sobre os serviços prestados pelo órgão ou entidade, as formas de acesso a esses serviços e seus compromissos e padrões de qualidade de atendimento ao público. Deverá trazer informações claras e precisas em relação a cada um dos serviços prestados, apresentando, no mínimo, informações relacionadas a: I - serviços oferecidos; II - requisitos, documentos, formas e informações necessárias para acessar o serviço; III - principais etapas para processamento do serviço; IV - previsão do prazo máximo para a prestação do serviço; V - forma de prestação do serviço; e VI - locais e formas para o usuário apresentar eventual manifestação sobre a prestação do serviço. Esta Carta de Serviços ao Usuário deverá detalhar os compromissos e padrões de qualidade do atendimento relativos, no mínimo, aos seguintes aspectos: I - prioridades de atendimento; II - previsão de tempo de espera para atendimento; III - mecanismos de comunicação com os usuários; IV - procedimentos para receber e responder as manifestações dos usuários; e V - mecanismos de consulta, por parte dos usuários, acerca do andamento do serviço solicitado e de eventual manifestação. Ainda nos termos do art. 7o, a Carta de Serviços ao Usuário será objeto de atualização periódica e de permanente divulgação mediante publicação em sítio eletrônico do órgão ou entidade na internet, sendo que regulamento específico de cada Poder e esfera de Governo disporá sobre a sua operacionalização. Outrossim, a Lei 13.460/2017 cuidou de estabelecer normas sobre as manifestações dos usuários de serviços públicos (artigos 9o a 12) e sobre as ouvidorias (artigos 13 a 17). No que tange à participação dos usuários no acompanhamento da prestação e na avaliação dos serviços públicos, o art. 18 previu a instituição de Conselhos de Usuários, como órgãos consultivos dotados das seguintes atribuições: I - acompanhar a prestação dos serviços; II - participar na avaliação dos serviços; III - propor melhorias na prestação dos serviços; IV - contribuir na definição de diretrizes para o adequado atendimento ao usuário; e V - acompanhar e avaliar a atuação do ouvidor. A organização e funcionamento dos conselhos de usuários dependerá do que for disposto em regulamento específico de cada Poder e esfera de Governo (art. 22). A composição dos conselhos deve observar os critérios de representatividade e pluralidade das partes interessadas, com vistas ao equilíbrio em sua representação, sendo que a escolha dos representantes será feita em processo aberto ao público e diferenciado por tipo de usuário a ser representado (art.19). A participação do usuário no conselho será considerada serviço relevante e sem remuneração (art. 21). O conselho de usuários poderá ser consultado quanto à indicação do ouvidor (art. 20). Outra inovação trazida pela Lei 13.460/2017 foi a avaliação continuada dos serviços públicos, a ser implementada pelos órgãos e entidades públicos quanto aos seguintes aspectos (art. 23): I - satisfação do usuário com o serviço prestado; II - qualidade do atendimento prestado ao usuário; III - cumprimento dos compromissos e prazos definidos para a prestação dos serviços; IV - quantidade de manifestações de usuários; e V - medidas adotadas pela administração pública para melhoria e aperfeiçoamento da prestação do serviço. UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 13 A avaliação será realizada por pesquisa de satisfação feita, no mínimo, a cada um ano, ou por qualquer outro meio que garanta significância estatística aos resultados. O resultado da avaliação deverá ser integralmente publicado no sítio do órgão ou entidade, incluindo o ranking das entidades com maior incidência de reclamação dos usuários, servindo de subsídio para reorientar e ajustar os serviços prestados, em especial quanto ao cumprimento dos compromissos e dos padrões de qualidade de atendimento divulgados na Carta de Serviços ao Usuário. Regulamento específico de cada Poder e esfera de Governo disporá sobre a avaliação da efetividade e dos níveis de satisfação dos usuários (art. 24). Por fim, saliente-se que a vigência da Lei 13.460/2017 não foi imediata a contar da publicação em 26 de junho de 2017. Conforme previsto em seu art. 25, a sua entrada em vigor ficou prevista para: I) trezentos e sessenta dias para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios com mais de quinhentos mil habitantes (portanto, com vigência a partir de 21/06/2018); II) quinhentos e quarenta dias para os Municípios entre cem mil e quinhentos mil habitantes (portanto, com vigência a partir de 21/12/2018); e III) setecentos e vinte dias para os Municípios com menos de cem mil habitantes (portanto, com vigência a partir de 21/06/2019). 1.5) Classificação dos serviços públicos Reportando-nos às lições de Diógenes Gasparini, os serviços públicos podem ser classificados sob os seguintes critérios: a entidade a quem foram atribuídos, a essencialidade, os usuários, a obrigatoriedade da utilização e a execução.23 1.5.1) Quanto à entidade a quem foram atribuídos Sob esse critério, típico do nosso pacto federalista, tem-se os serviços a) federais; b) estaduais; c) distritais; d) municipais. Alguns deles são privativos; outros são comuns. “A competência para a prestação de serviços públicos decorre da repartição de competências prevista na Constituição Federal. Além dos serviços públicos de competência exclusiva, há serviços concorrentes (por exemplo: assistência médica) e serviços passíveis de delegação”. 24 Os serviços públicos federais são aqueles de competência da União, conforme a Constituição Federal, como, por exemplo, o serviço postal (art. 21, X); os serviços de telecomunicações (art. 21, XI); radiodifusão sonora e de sons e imagens (art. 21, XII, a); serviços e instalações de energia elétrica e aproveitamento energético de cursos de água (art. 21, XII, b); a navegação aérea, aerospacial e infraestrutura portuária (art. 21, XII, c); os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território (art. 21, XII, d); os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros (art. 21, XII, e); os portos marítimos, fluviais e lacustres (art. 21, XII, f); os serviços nucleares de qualquer natureza (art. 21, XXIII). 23 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva. 24 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT. UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 14 Os serviços públicos estaduais decorrem da competência remanescente dos Estados para instituir modalidades de serviços que não lhes sejam, explicita ou implicitamente, vedados (CF, art. 25, §1º). Além disso, cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado (art. 25, §2º), bem como, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum (CF, art. 25, §3º). Os serviços públicos municipais são genericamente considerados aqueles de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial (CF, art. 30, V). “O „interesse local‟ deve ser considerado como o predominante e não exclusivo, para efeito de caracterização da competência em cada caso, máxime ao se contar com as constantes alterações tecnológicas, sempre incidentes na evolução dos serviços públicos, que podem alterar escalas econômicas e transformar, em pouco tempo, um serviço tipicamente local num serviço quesó poderá vir a ser prestado eficientemente com extensão regional ou, mesmo, nacional”. 25 Deve-se observar, contudo, que a partilha constitucional dos serviços públicos não se deu de uma única forma, porquanto, além das hipóteses acima referidas em que o serviço é atribuído a uma só esfera da Federação (serviços privativos), a Constituição prevê uma gama de serviços públicos que podem ser executados por mais de uma entidade federada (serviços comuns). Acerca disso, escreve Carvalho Filho: "A vigente Constituição adotou, dessa feita, o sistema de apontar expressamente alguns serviços como sendo comuns a todas as pessoas federativas, continuando, porém, a haver algumas atividades situadas na competência privativa de algumas esferas. Desse modo, parece-nos pertinente registrar que, quanto a esse aspecto, podemos defrontar-nos com serviços comuns e serviços privativos. Serviços privativos são aqueles atribuídos a apenas uma das esferas da federação. Como exemplo, temos a emissão de moeda, serviço postal e polícia marítima e aérea, privativos da União (art. 21, VII, X e XXII, CF); o serviço de distribuição de gás canalizado, privativo dos Estados (art. 25, §2º, CF); a arrecadação de tributos municipais e o transporte coletivo intramunicipal, conferidos aos Municípios (art. 30, III e V, CF). (...) Serviços comuns, ao contrário, são os que podem ser prestados por pessoas de mais de uma esfera federativa. A Constituição enumerou vários serviços comuns no art. 23, referindo expressamente a competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Entre eles estão os serviços de saúde pública (inciso II); promoção de programas de construção de moradias (inciso IX); proteção do meio ambiente e preservação das florestas, fauna e flora (inciso VI e VII), entre outros. Em relação a tais serviços, dificilmente haverá, em nosso entender, absoluta coincidência quanto aos aspectos da prestação, dadas as peculiaridades de cada pessoa federativa e os interesses que protege. Apesar disso, há entendimento em sentido contrário: no caso de coincidência, prevalecerá a competência da esfera superior por ser excludente" 26 . Ressalte-se, ainda, que o art. 241 da Constituição prevê a possibilidade de os entes federados promoverem a gestão associada de seus serviços públicos, utilizando-se para tanto de diversos instrumentos. 25 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense. 26 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas. UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 15 Existe, ainda, previsão constitucional de que, por lei complementar estadual, sejam instituídas regiões metropolitanas (CF, art. 25, §3º). A matéria veio a ser regulamentada pela Lei 13.089/2015, que instituiu o chamado Estatuto da Metrópole, tratando da governança interfederativa. Retornaremos a esse tema em tópico específico. 1.5.2) Quanto ao objeto A depender do objeto, os serviços públicos poderão ser: a) administrativos; b) comerciais e industriais; c) sociais. “Serviços administrativos „são os que a Administração Pública executa para atender às suas necessidades internas ou preparar outros serviços que serão prestados ao público, tais como os da imprensa oficial, das estações experimentais e outros dessa natureza‟ (...) Serviço público comercial ou industrial é aquele que a Administração Pública executa, direta ou indiretamente, para atender a necessidades coletivas de ordem econômica. (...) não se confundem com a atividade econômica que só pode ser prestada pelo Estado em caráter suplementar da iniciativa privada. (...) Serviço público social é o que atende a necessidades coletivas em que a atuação do Estado é essencial, mas que convivem com a iniciativa privada, tal como ocorre com os serviços de saúde, educação, previdência social, cultura, meio ambiente; são tratados na Constituição no capítulo da ordem social e objetivam atender aos direitos sociais do homem, considerados direitos fundamentais pelo artigo 6º da Constituição”. 27 1.5.3) Quanto à essencialidade Diz-se que os serviços públicos podem ser a) essenciais e b) não essenciais. A distinção entre uma e outra categoria não é tão nítida, haja vista a própria natureza dos serviços. Afinal de contas, a princípio a essencialidade parece ser a marca característica de todo e qualquer serviço público, razão pela qual, inclusive, o Estado tomou para si a sua titularidade. Vale dizer, se é serviço público, deve-se ao fato de o legislador já o haver considerado essencial para o bem estar da coletividade. Não obstante, as distinções apontadas pela doutrina levam em conta o grau de essencialidade, que, de fato, é bem alto em determinados serviços públicos e não tanto em outros. Quanto a estes últimos se diz serem não essenciais. Uma das utilidades desta classificação diz respeito aos parâmetros do direito de greve no serviço público, tendo em mira o atendimento de necessidades inadiáveis da população, consoante destaca Diógenes Gasparini: “São essenciais os assim considerados por lei ou os que pela própria natureza são tidos como de necessidade pública, e, em princípio, de execução privativa da Administração Pública. São exemplos os serviços de segurança nacional, de segurança pública e os judiciários. Os Municípios, cremos, não têm serviços que, pela própria natureza, possam ser considerados de necessidade pública e, como tal, em tese, de execução exclusiva da Administração municipal, mas têm o serviço de transporte coletivo, que, nos termos do art. 30, V, da Constituição da República, é de caráter essencial. São não 27 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas. UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 16 essenciais os assim considerados por lei ou os que, pela própria natureza, são havidos de utilidade pública, cuja execução é facultada aos particulares. Se preferir, são os que não são de execução privativa da Administração Pública, por exemplo, os serviços funerários. Os essenciais, em princípio, não podem ser executados por terceiros. O mesmo não ocorre com os não essenciais, cuja execução não só pode como, em alguns casos, é até permitida e desejada. Essenciais, por fim, diga-se, são os serviços que não podem faltar. A natureza do serviço os indica e a lei os considera como indispensáveis à vida e à convivência dos administrados na sociedade, como são os serviços de segurança externa, de segurança pública e os judiciários. Para fins do exercício do direito de greve, outros serviços e atividades são considerados essenciais, consoante estabelece o art.10 da Lei federal n. 7783, de 28 de junho de 1989, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais e regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”. 28 1.5.4) Quanto aos usuários Tem-se aqui uma das mais importantes classificações. Levando em conta o número de usuários, os serviços públicos são classificados em a) gerais e b) individuais. Os serviços públicos gerais, também chamados de uti universi, são indivisíveis, na medida em que atendem a toda a população de forma indeterminada (ex.: segurança pública, coleta de lixo, limpeza de ruas, iluminação pública). "Os serviços uti universi são prestados à coletividade, mas usufruídos apenas indiretamente pelos indivíduos. É o caso dos serviços de defesa do país contra o inimigo externo, dos serviços diplomáticos, dos serviços administrativos prestados internamente pela Administração, dos trabalhos de pesquisa científica, de iluminação pública, de saneamento”. 29 Os serviços públicos individuais, também chamados de uti singuli, são divisíveis, pois satisfazem usuários determinadosque os fruem individualmente (ex.: telefonia, serviço postal, água, gás canalizado). “Serviços uti singuli são aqueles que têm por finalidade a satisfação individual e direta das necessidades dos cidadãos. Pelo conceito restrito de serviço público adotado por Celso Antônio Bandeira de Mello, só esta categoria constitui serviço público: prestação de utilidade ou comodidade fruível diretamente pela comunidade. Entram nessa categoria determinados serviços comerciais e industriais do Estado (energia elétrica, luz, gás, transportes) e de serviços sociais (ensino, assistência e previdência social)" 30 . 1.5.5) Quanto à obrigatoriedade da utilização Sob este critério, classifica-se os serviços públicos em a) compulsórios e b) facultativos. Tem sido uma classificação muita analisada na seara do Direito Tributário, haja vista as distintas receitas tributárias (impostos, taxas e contribuições) e não tributárias (tarifas ou preços públicos) arrecadadas para custear tais serviços, a depender da situação. 28 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva. 29 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas. 30 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas. UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 17 Os serviços públicos compulsórios são aqueles impostos por lei e cuja disponibilidade aos administrados não depende da sua vontade em usufruir ou não do serviço (ex.: coleta de lixo, saneamento urbano, segurança pública etc.). Já os facultativos são colocados à disposição dos usuários, que podem ou não optar por utilizar o serviço (ex.: transporte coletivo, telefonia, energia, serviço postal etc.). “Compulsórios são os impingidos aos administrados, nas condições estabelecidas em lei, a exemplo dos serviços de coleta de lixo, de esgoto, de vacinação obrigatória, de internação de doentes portadores de doenças de caráter infectocontagioso. Facultativos são os colocados à disposição dos usuários sem lhes impor a utilização, a exemplo do serviço de transporte coletivo. Os compulsórios, quando remunerados, o são por taxa, enquanto os facultativos o são por tarifa ou preço. O fornecimento dos compulsórios não pode ser interrompido, mesmo que não ocorra o oportuno pagamento, enquanto o fornecimento dos serviços facultativos, ante a falta do pagamento correspondente, pode ser interrompido”. 31 Regra geral, diz-se que haverá compulsoriedade nos serviços públicos gerais (remunerados por tributos) e facultatividade nos serviços públicos singulares (remunerados por tarifas ou preços públicos). Por isso, classicamente muitos tributaristas fincaram o entendimento de que “o que caracteriza a remuneração de um serviço público como taxa ou preço público é a compulsoriedade, para a taxa, e a facultatividade, para o preço” 32. Contudo, já se apontam exceções a essa regra, sobressaindo divergência doutrinária e jurisprudencial quanto ao critério distintivo com base no tipo de receita no custeio do serviço, notadamente porque já se observa o emprego de tarifas mesmo em situações de serviços públicos tidos como compulsórios, como é o caso do saneamento urbano e da limpeza pública33. 1.5.6) Quanto à forma de execução Trata-se de classificação que leva em conta um critério utilizado pela Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 8.666/93), cujo art. 6o faz alusão a serviços de: a) execução direta e de b) execução indireta. Os serviços públicos são de execução direta quando prestados pelos órgãos e entidades do Estado, empregando seus próprios meios. São de execução indireta os serviços públicos prestados por terceiros contratados pelo Estado, como acontece, por exemplo, com os concessionários. “São de execução direta os oferecidos pela Administração Pública por seus órgãos e agentes; são de execução indireta os prestados por terceiros. Assim, se prestados pelo Poder Público, são de execução direta; se oferecidos por estranhos (concessionários, permissionários) aos administrados, são de execução indireta. Qualquer serviço, salvo, em tese, os essenciais, pode ser objeto de execução indireta. Sobre os essenciais ou indisponíveis, assegurou José Cretella Júnior que: „A declaração do direito, a manutenção da ordem interna, a defesa do Estado contra inimigo externo e a distribuição de justiça são serviços públicos que a nenhum particular podem ser outorgados‟”. 34 31 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva. 32 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros. 33 O tema está sendo apreciado pelo STF no RE 847429 RG/SC (rel. Min. Dias Toffoli), com repercussão geral já reconhecida. 34 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva. UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 18 1.6) Princípios e diretrizes dos serviços públicos Os serviços públicos devem ser prestados aos usuários com a observância dos princípios da regularidade (padrões de quantidade e qualidade), da continuidade (sucessivo e habitual, sem interrupções), da eficiência (bom resultado prático e satisfação do usuário), da segurança (sem riscos para os usuários), da atualidade (equipamentos modernos e conservados, adaptados aos avanços tecnológicos da modernidade), da generalidade (serviço igual para todos), da cortesia (bom tratamento) e da modicidade (baixo custo, compatível com o serviço). Estes requisitos estão enumerados no art. 6º, §1º, da Lei 8.987/95, que trata das concessões e permissões comuns de serviços públicos. Ao lado disso, como já vimos em tópico anterior, os princípios do serviço público também foram objeto da recente Lei 13.460/2017 (Código de Defesa do Usuário do Serviço Público), cujo art. 4o enumera os princípios da regularidade, continuidade, efetividade, segurança, atualidade, generalidade, transparência e cortesia, além das diretrizes fixadas no seu art. 5o. Na doutrina, convém transcrever a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello acerca dos princípios do serviço público, que se constituem no aspecto formal do conceito e compõe o seu regime jurídico: “1) dever inescusável do Estado de promover-lhe a prestação, seja diretamente, nos casos em que é prevista a prestação direta, seja indiretamente mediante autorização, concessão ou permissão, nos casos em que permitida tal modalidade, que, de resto, é a regra geral. Segue-se que, se o Estado omitir-se, cabe, dependendo da hipótese, ação judicial, para compeli-lo agir ou responsabilidade por danos que tal omissão haja causado. 2) princípio da supremacia do interesse público, em razão do que, tanto no concernente à sua organização quanto no relativo ao seu funcionamento, o norte obrigatório de quaisquer decisões atinentes ao serviço serão as conveniências da coletividade, jamais os interesses secundários do Estado ou os dos que hajam sido investidos no direito de prestá-los, daí advindo, consequentemente, o 3) princípio da adaptabilidade, ou seja sua atualização e modernização, conquanto, como é lógico, dentro das possibilidades econômicas do Poder Público; 4) princípio da universalidade, por força do qual o serviço é indistintamente aberto à generalidade do público; 5) princípio da impessoalidade, do que decorre a inadmissibilidade de discriminações entre os usuários; 6) princípio da continuidade, significando isto a impossibilidade de sua interrupção e o pleno direito dos administrados a que não seja suspenso ou interrompido; 7) princípio da transparência, impositivo da liberação a mais ampla possível ao público em geral do conhecimento de tudo o que concerne ao serviço e à sua prestação, aí estando implicado o 8) princípio da motivação, isto é, o dever de fundamentar com largueza todas as decisões atinentes ao serviço;9) princípio da modicidade das tarifas; deveras, se o Estado atribui tão assinalado relevo à atividade a que conferiu tal qualificação, por considerá-lo importante para o conjunto de membros do corpo social, seria rematado dislate que os integrantes desta coletividade a que se destinam devessem, para desfrutá-lo, pagar importâncias que os onerassem excessivamente e, pior que isto, que os marginalizassem (...) 10) princípio do controle (interno e externo) sobre as condições de sua prestação”. 35 Observe-se que a gratuidade não é considerada um princípio do serviço público. Significa dizer que, salvo os casos em que a própria Constituição ou a lei disponha em sentido 35 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros. UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 19 contrário, o serviço público divisível poderá ser oneroso para o usuário, mediante a cobrança de taxas ou tarifas. "Às vezes o ordenamento determina a gratuidade; por exemplo, a Constituição Federal de 1988 assegurou a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais (art. 206, IV); fixou, como dever do Estado, a garantia de ensino fundamental obrigatório e gratuito (art. 208, I) e determinou a gratuidade dos transportes coletivos urbanos a maiores de 65 anos (art. 230, §2º)”. 36 Contudo, o fato de um serviço público ser oneroso não justifica que por razões exclusivamente econômicas se dificulte o acesso ao usuário. Por isso, o seu preço deve ser compatível com a capacidade contributiva dos usuários em geral, daí o requisito da modicidade das tarifas. “A essencialidade dos serviços e seu vínculo imediato com direitos fundamentais não acarretam sua gratuidade. Isso não significa afirmar que a fruição do serviço público dependa de condições econômicas, mas consiste em reconhecer um princípio geral da capacidade contributiva. Todo usuário deve contribuir para os serviços, na medida de suas possibilidades, tomando em vista a intensidade dos benefícios auferidos e da própria riqueza individual. Por isso, os indivíduos carentes terão acesso aos serviços públicos, mas o custeio das prestações realizadas em proveito deles deverá ser arcado por outrem. Isso significa a existência de subsídios (provenientes dos cofres públicos ou da remuneração exigida dos demais usuários). (...) A modicidade tarifária significa a menor tarifa possível, em vista dos custos necessários à oferta do serviço. A modicidade tarifária pode afetar a própria decisão quanto à concepção do serviço público. Não terá cabimento conceber um serviço tão sofisticado que o custo torne inviável aos usuários fruir dos benefícios”. 37 1.7) Titularidade e prestação dos serviços públicos Fixados os parâmetros de identificação dos serviços públicos, cumpre agora examinar como a Administração Pública se organiza para prestá-los, seja direta ou indiretamente. O tema já foi abordado no capítulo da organização da Administração Pública. Mas vale à pena aqui reforçá-lo. O emprego do termo titularidade no presente contexto serve para identificar qual o ente político (entidade federada) constitucionalmente encarregado de deliberar sobre a forma de execução do serviço público, de modo que, com tal significação, somente tem a titularidade de serviços públicos a União, os Estados, o DF e os Municípios. De fato, “deve-se distinguir, ao tratar da execução de serviços públicos, a titularidade da prestação. A titularidade é exclusiva do ente político ao qual a Constituição haja cometido, explícita ou implicitamente, a competência específica. Quanto à prestação, tanto poderá ela caber ao titular, dizendo-se direta, como pode ser por ele delegada a terceiros, denominando-se indireta”. 38 Registre-se que alguns autores entendem que a titularidade poderia ser transferida para entes meramente administrativos, criados por lei pelo ente político, como é o caso das autarquias. Pensamos ser equivocada está assertiva, pois entendemos que a titularidade é reservada à pessoa política que tomou para si a responsabilidade constitucional ou legal 36 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT. 37 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva. 38 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense. UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 20 pela efetivação do serviço público, conservando sempre este liame, tanto assim que pode a qualquer momento extinguir a autarquia e retomar a execução direta da atividade. Uma vez definido o ente federado ao qual se atribui a titularidade do serviço público, cabe a este definir a forma mais adequada para a sua prestação. Com isso, os serviços públicos podem ser prestados ou executados de duas formas: execução centralizada e execução descentralizada. Na execução centralizada, como já vimos ao tratar da organização administrativa, o ente político que detém a titularidade do serviço público responsabiliza-se diretamente pela sua prestação, por meio de seu próprio aparato de órgãos e agentes. Já na execução descentralizada, o ente federado titular do serviço transfere a sua prestação para uma entidade administrativa, seja uma entidade criada pelo próprio Estado e integrante da Administração Pública Indireta (descentralização administrativa funcional), seja uma entidade da iniciativa privada à qual se delega o serviço público (descentralização administrativa por colaboração). 1.8) Formas associadas de gestão de serviços públicos e de governança interfederativa O tema tem relação com a chamada gestão associada entre entes federativos (“cooperação federativa” ou “federalismo de cooperação”), tal como prevista no art. 241 da Constituição Federal de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional n.19/98. “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de leis os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos”. José dos Santos Carvalho Filho assim discorre sobre a gestão associada: “Como o regime adotado em nossa Constituição é o federativo, que se caracteriza pelos círculos especiais de competência outorgados às entidades federativas, faz-se necessário estabelecer mecanismos de vinculação entre elas, de modo a que os serviços públicos, sejam eles privativos, sejam concorrentes, possam ser executados com maior celeridade e eficiência em prol da coletividade, em coerência com o princípio reitor de colaboração recíproca, que deve nortear o moderno federalismo de cooperação. A Constituição, para deixar claro esse intento, previu, ao instituir a reforma administrativa do Estado (EC 19/98), a gestão associada na prestação de serviços públicos a ser implementada, através de lei, por convênios de cooperação e consórcios públicos celebrados entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Trata-se, como já tivemos a oportunidade de examinar, de instrumentos de cooperação de atividades visando a alcançar objetivos de interesses comuns dos pactuantes. Tanto os convênios de cooperação como os consórcios públicos tradicionais são espécies do gênero convênios administrativos e retratam idêntico conteúdo negocial, qual seja, o de associação entre pessoas para interesses de todos, nunca perdendo de vista, é claro, o interesse público”. 39 39 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas. UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 21 Tradicionalmente,os principais instrumentos de gestão associada de serviços públicos eram os convênios e consórcios administrativos firmados há décadas entre órgãos e entidades estatais em todos os níveis da federação. A Lei 11.107/2005 criou uma nova figura, que denominou de consórcio público. Essa figura já foi mencionada no capítulo da organização administrativa e será ainda estudada com mais detalhes no capítulo dos acordos de vontade da Administração Pública. Ao lado da gestão associada de serviços público por decisão voluntária dos entes federados, o art. 25, §3º da Constituição Federal de 1988 prevê ainda a possibilidade de os Estados-membros instituírem, mediante lei complementar estadual, regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum. Nesse caso, os municípios envolvidos serão obrigados a submeter-se às regras de interesse regional no tocante a prestação de alguns serviços públicos. Com base neste dispositivo constitucional, foi editada a Lei 13.089/2015, que instituiu o chamado Estatuto da Metrópole. Esta legislação cuidou de estabelecer diretrizes gerais para o planejamento, a gestão e a execução das funções públicas de interesse comum em regiões metropolitanas e em aglomerações urbanas instituídas pelos Estados. A nova lei trata, dentre outros aspectos, da governança interfederativa, como sendo o compartilhamento de responsabilidades e ações entre entes da Federação em termos de organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum (art. 2o, IV). Dispõe ainda sobre o apoio da União ao desenvolvimento urbano integrado, estabelecendo que a União apoiará as iniciativas dos Estados e dos Municípios voltadas à governança interfederativa, observados as diretrizes e os objetivos do plano plurianual, as metas e as prioridades fixadas pelas leis de diretrizes orçamentárias e o limite das disponibilidades propiciadas pelas leis orçamentárias anuais (art.13). No art. 9o, enumerou-se instrumentos que podem vir a ser utilizados no desenvolvimento urbano integrado de regiões metropolitanas e de aglomerações urbanas, dentre eles: I) plano de desenvolvimento urbano integrado; II) planos setoriais interfederativos; III) fundos públicos; IV) operações urbanas consorciadas interfederativas; V) zonas para aplicação compartilhada dos instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto das Cidades; VI) consórcios públicos - Lei 11.107/2005; VII) convênios de cooperação; VIII) contratos de gestão; IX) compensação por serviços ambientais ou outros serviços prestados pelo Município à unidade territorial urbana; X) parcerias público-privadas interfederativas. Analisaremos posteriormente os instrumentos de gestão associada de serviços públicos e de governança interfederativa, no capítulo dos acordos de vontade da Administração. Ressalte-se que, antes mesmo do advento da citada Lei 13.089/2015, o tema da governança interfederativa já vinha sendo debatido, questionando-se a suposta violação à autonomia dos municípios que se viam obrigados, por lei complementar estadual, a submeter-se a restrições de interesse regional. Acerca desse assunto, escreve Carvalho Filho: UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 22 "Na verdade, os Estados podem estabelecer restrições relativas ao interesse regional ou prestar serviços que ultrapassem os limites de um Município. Veda-se-lhes, todavia, que interfiram nos serviços de interesse local, de que é exemplo o serviço de saneamento básico - serviço da competência privativa do município. Lei complementar estadual, que institua região metropolitana, será inconstitucional se conferir ao Estado monopólio na coordenação e organização dos serviços de interesse local, de evidente interesse dos Municípios. Reclama-se, ao contrário, a presença de representantes municipais no órgão gestor da região metropolitana" 40 . O STF enfrentou a questão, especificamente no que tange a normas de saneamento básico impostas por lei estadual, entendendo não haver violação à autonomia municipal, desde quando evidenciado tratar-se de assunto que extrapola o interesse local de cada municipalidade. Vejamos o teor de trechos do julgado: "(...) 3. Autonomia municipal e integração metropolitana. A Constituição Federal conferiu ênfase à autonomia municipal ao mencionar os municípios como integrantes do sistema federativo (art. 1º da CF/1988) e ao fixá-la junto com os estados e o Distrito Federal (art. 18 da CF/1988). A essência da autonomia municipal contém primordialmente (i) autoadministração, que implica capacidade decisória quanto aos interesses locais, sem delegação ou aprovação hierárquica; e (ii) autogoverno, que determina a eleição do chefe do Poder Executivo e dos representantes no Legislativo. (...) O interesse comum e a compulsoriedade da integração metropolitana não são incompatíveis com a autonomia municipal. O mencionado interesse comum não é comum apenas aos municípios envolvidos, mas ao Estado e aos municípios do agrupamento urbano. O caráter compulsório da participação deles em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas já foi acolhido pelo Pleno do STF (ADI 1841/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 20.9.2002; ADI 796/ES, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 17.12.1999). O interesse comum inclui funções públicas e serviços que atendam a mais de um município, assim como os que, restritos ao território de um deles, sejam de algum modo dependentes, concorrentes, confluentes ou integrados de funções públicas, bem como serviços supramunicipais. (...) O art. 23, IX, da Constituição Federal conferiu competência comum à União, aos estados e aos municípios para promover a melhoria das condições de saneamento básico. Nada obstante a competência municipal do poder concedente do serviço público de saneamento básico, o alto custo e o monopólio natural do serviço, além da existência de várias etapas – como captação, tratamento, adução, reserva, distribuição de água e o recolhimento, condução e disposição final de esgoto – que comumente ultrapassam os limites territoriais de um município, indicam a existência de interesse comum do serviço de saneamento básico. A função pública do saneamento básico frequentemente extrapola o interesse local e passa a ter natureza de interesse comum no caso de instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, nos termos do art. 25, § 3º, da Constituição Federal. Para o adequado atendimento do interesse comum, a integração municipal do serviço de saneamento básico pode ocorrer tanto voluntariamente, por meio de gestão associada, empregando convênios de cooperação ou consórcios públicos, consoante o arts. 3º, II, e 24 da Lei Federal 11.445/2007 e o art. 241 da Constituição Federal, como compulsoriamente, nos termos em que prevista na lei complementar estadual que institui as aglomerações urbanas. A instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões pode vincular a participação de municípios limítrofes, com o objetivo de executar e planejar a função pública do saneamento básico, seja para atender adequadamente às exigências de higiene e saúde pública, seja para dar viabilidade econômica e técnica aos municípios menos 40 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas. UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Durval Carneiro Neto 23 favorecidos. Repita-se que este caráter compulsório da integração metropolitana não esvazia a autonomia municipal" 41 . 1.9) Formas de delegação de serviços públicos O tema em epígrafe tem relação com a já aludida descentralização administrativa por colaboração, que é implementada quando o ente federado titular do serviço público toma a
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