Buscar

Aula 8- Parnasianismo e Simbolismo

Prévia do material em texto

LITERATURA - Profª. ISABEL VEGA - AULA 8 
 
PARNASIANISMO e SIMBOLISMO 
 
TEXTO 1: O Parnasianismo 
 
 Os parnasianos interessaram-se apenas por poesia e foram guiados pela estética da “arte pela arte”, 
proposta pelo precursor da escola, o poeta Théophile Gautier. A arte pela arte se volta para o ideal clássico de 
beleza e harmonia de formas. É a arte voltada para o belo. Daí o verso parnasiano ser perfeito quanto à sua 
estrutura métrica e sonora, predominando a técnica do bom versejar no lugar da inspiração. 
 A partir de 1878, os adeptos do Romantismo entraram em polêmica aberta contra os simpatizantes do 
Realismo e do Parnasianismo no Diário do Rio de Janeiro. Esse desentendimento ficou conhecido como 
Batalha do Parnaso e acabou servindo para divulgar a estética parnasiana, logo alcunhada de “Ideia Nova” nos 
meios artísticos do país. 
 Reagindo contra a emotividade excessiva do Romantismo, os parnasianos desejavam a objetividade, 
a impassibilidade diante do objeto de sua poesia que resultaria num exercício da arte pela arte, ou seja, o culto 
à forma com a finalidade de atingir a perfeição. O resultado dessa postura estética foi uma poesia 
excessivamente descritiva, que tinha como temas incidentes históricos, ou então, um fenômeno natural, quando 
não objetos (um vaso, por exemplo). As características formais da poesia parnasiana foram baseadas 
inteiramente no Neoclassicismo: largo uso do poema de forma fixa, preferencialmente o soneto; perfeita 
construção fônica e sintática; rigor quanto às regras de versificação, emprego de rimas ricas e/ou raras. 
 O distanciamento dos problemas morais, políticos, religiosos ou sociais de seu tempo tornou a poesia 
parnasiana às vezes fria, alienada. O conceito de que a arte existia apenas para criar ou ressaltar a beleza, 
desligando-se do que não dizia respeito a ela, deixou a maior parte da poesia parnasiana vazia de significado. 
 Como estética oposta ao Romantismo, os parnasianos tiveram uma visão mais sensual do amor: 
tratava-se de um caminho diferente do cursado pelos românticos, que sempre tiveram em mente o amor 
espiritual. A poesia amorosa do Parnasianismo prezava a mulher concreta, palpável, geralmente descrita com 
minúcias. Vênus, a deusa do amor na mitologia, aparecia como o protótipo da figura feminina. 
 
 (Adaptado de CAMPEDELLI, Samira Yousseff. Literatura. v.2. São Paulo: Saraiva, 1999.) 
 
Texto 2: Mestres do passado 
 
 Considero Bilac um dos bons poetas brasileiros. Não há novidade nenhuma nisso? Há. É que não o 
considero dos maiores. Bilac entusiasmou-me; atrai-me ainda... Não me prende, porque raro me comove. Mas 
não sei bem por que não me comove. Talvez. Acho mesmo que é isso. O meu bem-querido Machado lá deixou 
escrito no Memorial de Aires... “neste mundo a imperfeição é uma coisa precisa”. Poderia citar o Eça... mas 
junto do brasileiro o português... manca. 
 Bilac foi um eloquente. Sente-se mesmo que teve a preocupação da eloquência. É um Guerra 
Junqueiro, mas com valor. Tem um gostinho de discurso acadêmico. Não sei por que esse costume de se 
chamar de discurso acadêmico tudo o que é pomposo e vazio de sentimento. E parece-me preferível a 
denominação de discurso de deputado. Bilac foi um deputado da Beleza na terra do Brasil. Mas escreveu “Via-
Láctea” e mais alguns versos cheios de poesia. O grande resto é pura doiradura; da mais formosa, da mais 
enganadora, mas simples doiradura. Prefiro, porém, ainda as primeiras séries e poemas que escreveu no Tarde. 
Direi adiante por quê. 
 Por enquanto quero considerar Bilac como deputado da Beleza na terra do Brasil. Defendeu-a 
integralmente; desde que se considere a Beleza segundo a definição escolástica “o que agrada”. E Bilac 
agradou. Foi um encantador. Todos os artifícios e perfeições da Beleza soube reunir em seus versos. A 
sonoridade, a graça, a leveza, a língua isenta, as ideias prestigiosas, as comparações fortes... a sensualidade. 
E mais o nu. Conta-se o êxtase de Celini diante dos menores, mais recônditos relevos do corpo humano... As 
vértebras entusiasmavam-no como expressões de beleza... Sinto que o cantor de Frineia foi assim. Os que 
tiverem paciência, enumerem todos os artifícios e perfeições da Beleza, sob o ponto de vista formal, e sem 
titubear pô-los-ei todos aqui. Bilac reuniu-os na sua obra. Assim sendo, considero-o maior dentre os 
parnasianos. Maior para o Brasil. 
(Mário de Andrade. Mestres do passado (fragmento). In: História do Modernismo Brasileiro.) 
 
Texto 3: Vaso grego 
 
Esta, de áureos relevos, trabalhada 
De divas mãos, brilhante copa, um dia, 
Já de aos deuses servir como cansada, 
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia. 
 
Era o poeta de Teos que a suspendia 
Então e, ora repleta, ora esvazada, 
A taça amiga aos dedos seus tinia 
Toda de roxas pétalas colmada. 
 
 
Texto 4: O Cometa 
 
Um cometa passava... Em luz, na penedia, 
Na erva, no inseto, em tudo uma alma rebrilhava; 
Entregava-se ao sol a terra como escrava; 
Ferviam sangue e seiva. E o cometa fugia... 
 
Assolavam a terra o terremoto, a lava, 
A água, o ciclone, a guerra, a fome, a epidemia; 
Mas renascia o amor, o orgulho revivia, 
Passavam religiões...E o cometa passava. 
 
 
Texto 5: Profissão de fé (fragmento) 
 
 Invejo o ourives quando escrevo: 
 Imito o amor 
 Com que ele, em ouro, o alto relevo 
 Faz de uma flor. 
 
 Imito-o. E, pois, nem de Carrara 
 A pedra firo: 
 O alvo cristal, a pedra rara, 
 O ônix prefiro. 
 
 Por isso, corre, por servir-me, 
 Sobre o papel 
 A pena, como em prata firme 
 Corre o cinzel. 
 
 Corre; desenha, enfeita a imagem, 
 A ideia veste: 
 Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem 
 Azul-celeste. 
 
 Torce, aprimora, alteia, lima 
 A frase; e, enfim, 
 No verso de ouro engasta a rima, 
 Como um rubim. 
 
 
E fugia, riçando a ígnea cauda flava... 
fenecia uma raça, a solidão bravia 
Povoava-se outra vez. E o cometa voltava... 
 
Escoava-se o tropel das eras, dia a dia: 
E tudo, desde a pedra ao homem, proclamava 
A sua eternidade! E o cometa sorria... 
(Olavo Bilac) 
 
 
 
 
 
Depois... Mas o lavor da taça admira, 
Toca-a, e, do ouvido aproximando-a, às bordas 
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce, 
 
Ignota voz, qual se da antiga lira 
Fosse a encantada música das cordas, 
Qual se essa a voz de Anacreonte fosse. 
 
Alberto de Oliveira 
Quero que a estrofe cristalina, 
Dobrada ao jeito 
Do ourives, saia da oficina 
Sem um defeito: 
 
E que o lavor do verso, acaso, 
Por tão subtil, 
Possa o lavor lembrar de um vaso 
De Becerril. 
 
E horas sem conto passo, mudo, 
O olhar atento, 
A trabalhar, longe de tudo 
O pensamento. 
 
Porque o escrever - tanta perícia, 
Tanta requer, 
Que oficio tal... nem há notícia 
De outro qualquer. 
 
Assim procedo. Minha pena 
Segue esta norma, 
Por te servir, Deusa serena, 
Serena Forma! 
Olavo Bilac 
 
Texto 6: Inania Verba 
 
Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava, 
O que a boca não diz, o que a mão não escreve? 
— Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve, 
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava... 
 
O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava; 
A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve... 
E a Palavra pesada abafa a Ideia leve, 
Que, perfume e clarão, refulgia e voava. 
 
Quem o molde achará para a expressão de tudo? 
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas 
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta? 
 
E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo? 
E as palavras de fé que nunca foram ditas? 
E as confissões de amor que morrem na garganta? 
 
Olavo Bilac 
 
 
Texto 7: Via Lactea – XIII 
 
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo 
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto, 
Que, para ouvi-las, muita vez desperto 
E abro as janelas, pálido de espanto... 
 
E conversamos toda a noite, enquanto 
A via láctea, como um pálio aberto, 
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, 
Inda as procuro pelo céu deserto. 
 
 
 
Texto8: Língua Portuguesa 
 
 Última flor do Lácio, inculta e bela, 
 És, a um tempo, esplendor e sepultura: 
 Ouro nativo, que na ganga impura 
 A bruta mina entre os cascalhos vela... 
 
 Amo-te assim, desconhecida e obscura, 
 Tuba de alto clangor, lira singela, 
 Que tens o trom e o silvo da procela 
 E o arrolo da saudade e da ternura! 
 
 
 
 
 
Direis agora: "Tresloucado amigo! 
Que conversas com elas? Que sentido 
Tem o que dizem, quando estão contigo?" 
 
E eu vos direi: "Amai para entendê-las! 
Pois só quem ama pode ter ouvido 
Capaz de ouvir e de entender estrelas." 
 
Olavo Bilac 
 
 
Amo o teu viço agreste e o teu aroma 
De virgens selvas e de oceano largo! 
Amo-te, ó rude e doloroso idioma, 
 
Em que da voz materna ouvi: "meu filho!" 
E em que Camões chorou, no exílio amargo, 
O gênio sem ventura e o amor sem brilho! 
 
Olavo Bilac 
 
Texto 9: Música brasileira 
 
Tens, às vezes, o fogo soberano 
 Do amor: encerras na cadência, acesa 
 Em requebros e encantos de impureza, 
 Todo o feitiço do pecado humano. 
 
 Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza 
 Dos desertos, das matas e do oceano: 
 Bárbara poracé, banzo africano, 
 E soluços de trova portuguesa. 
 
 
Texto 10: Fotojornalismo 
 
 Vem perto o dia em que soará para os escritores a hora do irreparável desastre e da derradeira 
desgraça. Nós, os rabiscadores de artigos e notícias, já sentimos que nos falta o solo debaixo dos pés... Um 
exército rival vem solapando os alicerces em que até agora assentava a nossa supremacia: é o exército dos 
desenhistas, dos caricaturistas e dos ilustradores. O lápis destronará a pena: ceci tuera cela¹. 
 O público tem pressa. A vida de hoje, vertiginosa e febril, não admite leituras demoradas, nem reflexões 
profundas. A onda humana galopa, numa espumarada bravia, sem descanso. Quem não se apressar com ela 
será arrebatado, esmagado, exterminado. O século não tem tempo a perder. A eletricidade já suprimiu as 
distâncias: daqui a pouco, quando um europeu espirrar, ouvirá incontinente o “Deus te ajude” de um americano. 
E ainda a ciência humana há de achar o meio de simplificar e apressar a vida por forma tal que os homens já 
nascerão com dezoito anos, aptos e armados para todas as batalhas da existência. 
 Já ninguém mais lê artigos. Todos os jornais abrem espaço às ilustrações copiosas, que entram pelos 
olhos da gente com uma insistência assombrosa. As legendas são curtas e incisivas: toda a explicação vem da 
gravura, que conta conflitos e mortes, casos alegres e casos tristes. 
 É provável que o jornal-modelo do século 20 seja um imenso animatógrafo, por cuja tela vasta passem 
reproduzidos, instantaneamente, todos os incidentes da vida cotidiana. Direis que as ilustrações, sem palavras 
que as expliquem, não poderão doutrinar as massas nem fazer uma propaganda eficaz desta ou daquela ideia 
política. Puro engano. Haverá ilustradores para a sátira, ilustradores para a piedade. 
 (...)Demais, nada impede que seja anexado ao animatógrafo um gramofone de voz tonitruosa, 
encarregado de berrar ao céu e à terra o comentário, grave ou picante, das fotografias. 
 E convenhamos que, no dia em que nós, cronistas e noticiaristas, houvermos desaparecido da cena – 
nem por isso se subverterá a ordem social. As palavras são traidoras, e a fotografia é fiel. 
 A pena nem sempre é ajudada pela inteligência; ao passo que a máquina fotográfica funciona sempre 
sob a égide da soberana Verdade, a coberto das inumeráveis ciladas da Mentira, do Equívoco e da Miopia 
intelectual. Vereis que não hão de ser tão frequentes as controvérsias... 
 (...) 
 Não insistamos sobre os benefícios da grande revolução que a fotogravura vem fazer no jornalismo. 
Frisemos apenas este ponto: o jornal-animatógrafo terá a utilidade de evitar que nossas opiniões fiquem, como 
atualmente ficam, fixadas e conservadas eternamente, para gáudio dos inimigos... Qual de vós, irmãos, não 
escreve todos os dias quatro ou cinco tolices que desejariam ver apagadas ou extintas? Mas, ai! de todos nós! 
Não há morte para as nossas tolices! Nas bibliotecas e nos escritórios dos jornais, elas ficam (...) catalogadas. 
 (...)No jornalismo do Rio de Janeiro, já se iniciou a revolução, que vai ser a nossa morte e a opulência 
dos que sabem desenhar. Preparemo-nos para morrer, irmãos, sem lamentações ridículas, aceitando 
resignadamente a fatalidade das coisas, e consolando-nos uns aos outros com a cortesia de que, ao menos, 
não mais seremos obrigados a escrever barbaridades... 
 Saudemos a nova era da imprensa! A revolução tira-nos o pão da boca, mas deixa-nos aliviada a 
consciência. 
Olavo Bilac. Gazeta de Notícias. 13/01/1901. 
¹ isto vai matar aquilo 
 
És samba e jongo, xiba e fado, cujos 
Acordes são desejos e orfandades 
De selvagens, cativos e marujos: 
 
E em nostalgias e paixões consistes, 
Lasciva dor, beijo de três saudades, 
Flor amorosa de três raças tristes. 
 
Olavo Bilac 
 
Texto 11: O Simbolismo — Cruz e Sousa (catarinense) e Alphonsus de Guimaraens (mineiro) 
 
 O Simbolismo é, antes de tudo, antipositivista, antinaturalista e anticientificista. Isto significa que, 
contrariando o caráter objetivista e realista dessas tendências, a poesia simbolista prega e busca efetuar o 
retorno à atitude do espírito assumida pelos românticos, e que se traduzia no seu egocentrismo: volta o “eu” a 
ser objeto de exclusiva atenção, opondo-se ao culto do “não-eu", que fizera o apanágio das tendências 
anteriores. Mas, o individualismo simbolista não vai repetir pura e simplesmente a idêntica propensão 
romântica: como se viu, o Romantismo estimulava a introversão que apenas desvendava as primeiras camadas 
da vida interior do artista, aquelas onde se localizam os conflitos e as vivências de exclusiva ordem sentimental. 
Agora, os simbolistas se voltam para dentro de si à procura de zonas mais profundas, iniciando uma viagem 
interior de imprevisíveis resultados. 
 (MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. São Paulo, Cultrix, 1970.) 
 
 
A tentativa dos simbolistas de registrar o gosto pelo mistério das coisas, de captar a realidade secreta 
do universo, de encontrar uma "alma" na natureza tem bases filosóficas em algumas doutrinas como: 
 
 doutrina do incognoscível → alicerçada no pensamento de Hebert Spencer, cujo ponto de partida é o registro 
do que escapa à explicação das ciências experimentais (seriam as coisas ligadas ao conhecimento religioso); 
 doutrina do irracionalismo pessimista → alicerçada no pensamento de Arthur Schopenhauer, que só via um 
meio de superar a condição miserável do ser humano: a libertação da vontade individual, que se conseguiria 
através de um estado estético puro, desinteressado; 
 doutrina do espírito inconsciente → alicerçada no pensamento de Eduard von Hartmann, que radicalizou o 
pessimismo de Schopenhauer: a humanidade, fatigada de querer, estaria ansiando voltar ao nada imaginário. 
A "alma do mundo" seria o espírito inconsciente. 
 
 (CAMPEDELLI, Samira Yousseff. Literatura. v.2. São Paulo: Saraiva, 1999.) 
 
Texto 12: Antífona 
 
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras 
de luares, de neves, de neblinas! 
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas… 
Incensos dos turíbulos das aras 
 
Formas do Amor, constelarmente puras, 
de Virgens e de Santas vaporosas… 
Brilhos errantes, mádidas frescuras 
e dolências de lírios e de rosas… 
 
Indefiníveis músicas supremas, 
harmonias da Cor e do Perfume… 
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas, 
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume… 
 
Visões, salmos e cânticos serenos, 
surdinas de órgãos flébeis, soluçantes… 
Dormências de volúpicos venenos 
sutis e suaves, mórbidos, radiantes… 
 
 
 
 
 
Infinitos espíritos dispersos, 
inefáveis, edênicos, aéreos, 
fecundai o Mistério destes versos 
com a chama ideal de todos os mistérios. 
 
Do Sonho as mais azuis diafaneidades 
que fuljam, que na Estrofe se levantem 
e as emoções, todas as castidades 
da alma do Verso, pelos versos cantem. 
 
Que o pólen de ouro dos mais finos astrosfecunde e inflame a rima clara e ardente… 
Que brilhe a correção dos alabastros 
sonoramente, luminosamente. 
 
Forças originais, essência, graça 
de carnes de mulher, delicadezas… 
Todo esse eflúvio que por ondas passa 
Do Éter nas róseas e áureas correntezas 
 
Cruz e Sousa 
 
Texto 13: Longe de tudo 
 
 É livres, livres desta vã matéria, 
 longe, nos claros astros peregrinos 
 que havemos de encontrar os dons divinos 
 e a grande paz, a grande paz sidérea. 
 
 Cá nesta humana e trágica miséria, 
 nestes surdos abismos assassinos 
 teremos de colher de atros destinos 
 a flor apodrecida e deletéria. 
 
 
Texto 14: O Assinalado 
 
Tu és o louco da imortal loucura, 
O louco da loucura mais suprema. 
A Terra é sempre a tua negra algema, 
Prende-te nela a extrema Desventura. 
 
Mas essa mesma algema de amargura, 
Mas essa mesma Desventura extrema 
Faz que tu'alma suplicando gema 
E rebente em estrelas de ternura. 
 
 
Texto 15: Ismália 
 
Quando Ismália enlouqueceu, 
Pôs-se na torre a sonhar... 
Viu uma lua no céu, 
Viu outra lua no mar. 
 
No sonho em que se perdeu, 
Banhou-se toda em luar... 
Queria subir ao céu, 
Queria descer ao mar 
 
 
Texto 16: Rosas 
 
Rosas que já fostes, desfolhadas 
Por mãos também que já se foram; rosas 
Suaves e tristes! Rosas que as amadas 
Mortas também, beijaram suspirosas... 
 
Umas rubras e vãs, outras fanadas, 
Mas cheias do calor das amorosas... 
Sois aroma de alfombra silenciosas 
Onde dormiram tranças destrançadas. 
 
 
 
O baixo mundo que troveja e brama 
só nos mostra a caveira e só a lama, 
ah! só a lama e movimentos lassos... 
 
Mas as almas irmãs, almas perfeitas, 
hão de trocar, nas Regiões eleitas, 
largos, profundos, imortais abraços. 
 
Cruz e Sousa 
 
Tu és o Poeta, o grande Assinalado 
Que povoas o mundo despovoado, 
De belezas eternas, pouco a pouco... 
 
Na Natureza prodigiosa e rica 
Toda a audácia dos nervos justifica 
Os teus espasmos imortais de louco! 
Cruz e Sousa 
 
As asas que Deus lhe deu 
Ruflaram de par em par... 
Sua alma, subiu ao céu, 
Seu corpo desceu ao mar... 
 
Alphonsus de Guimaraens 
E, no desvario seu, 
Na torre pôs-se a cantar... 
Estava longe do céu... 
Estava longe do mar... 
 
E como um anjo pendeu 
As asas para voar. . . 
Queria a lua do céu 
Queria a lua do mar... 
 
 
Umas brancas, da cor das pobres freiras, 
Outras cheias de viço e de frescura, 
Rosas primeiras, rosas derradeiras! 
 
Ai! quem melhor que vós, se a dor perdura, 
Para coroar-me, rosas passageiras, 
O sonho que se esvai na desventura? 
Alphonsus de Guimaraens 
 
 
Texto 17: A Catedral 
 
Entre brumas ao longe surge a aurora, 
O hialino orvalho aos poucos se evapora, 
Agoniza o arrebol. 
A catedral ebúrnea do meu sonho 
Aparece na paz do céu risonho 
Toda branca de sol. 
 E o sino canta em lúgubres responsos: 
''Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!'' 
 
O astro glorioso segue a eterna estrada. 
Uma áurea seta lhe cintila em cada 
Refulgente raio de luz. 
A catedral ebúrnea do meu sonho, 
Onde os meus olhos tão cansados ponho, 
Recebe a benção de Jesus. 
 E o sino clama em lúgubres responsos: 
''Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!'' 
 
Por entre lírios e lilases desce 
A tarde esquiva: amargurada prece 
Põe-se a lua a rezar. 
A catedral ebúrnea do meu sonho 
Aparece na paz do céu tristonho 
Toda branca de luar. 
 E o sino chora em lúgubres responsos: 
''Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!'' 
 
O céu é todo trevas: o vento uiva. 
Do relâmpago a cabeleira ruiva 
Vem açoitar o rosto meu. 
A catedral ebúrnea do meu sonho 
Afunda-se no caos do céu medonho 
Como um astro que já morreu. 
 E o sino geme em lúgubres responsos: 
''Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!” 
 
Alphonsus de Guimaraens

Continue navegando