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D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 1 JULIETA MENDES LOPES VARESCHINI Coordenadora DIÁLOGOS SOBRE A NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATAÇÕES LEI 14.133/2021 2021 Editada e distribuída em todo o território nacional por: Editora JML. Rua Mandaguaçu, 534, Sobreloja, Emiliano Perneta. CEP 83324-430 – Pinhais – Paraná. Telefone (41) 3595 9999 – Fax (41) 3595 9998. Portal: www.jmleventos.com.br. Projeto Gráfico e Diagramação Studio Bild Design & Fotografia Marcela Grassi Mendes de Faria www.studiobild.com.br Todos os direitos desta edição estão reservados à EDITORA JML. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) D537 Diálogos sobre a nova lei de licitações e contratações Lei 14.133/2021 [livro eletrônico]. / Coordenadora Julieta Mendes Lopes Vareschini - Pinhais: Editora JML, 2021. 4,3 Mb, PDF ISBN 978-65-990362-8-6 1.Direito Administrativo. I. Vareschini, Julieta Mendes Lopes CDD 340 SU M ÁR IO NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS: COMPETÊNCIA LEGISLATIVA, ÂMBITO DE INCIDÊNCIA, VIGÊNCIA E IMPACTO NAS LEIS ESTADUAIS, MUNICIPAIS E REGULAMENTOS DO SISTEMA S.......8 Edgar Guimarães AGENTE E COMISSÃO DE CONTRATAÇÃO: ATRIBUIÇÕES E RESPONSABILIDADES ...................28 Julieta Mendes Lopes Vareschini A SUSTENTABILIDADE NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES. TEORIA E PRÁTICA. .................................................43 Caroline Rodrigues da Silva NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS: AS NOVAS COMPETÊNCIAS E RESPONSABILIDADES DO AGENTE DA CONTRATAÇÃO E A POSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO DE ASSESSORAMENTO TÉCNICO ....90 Luiz Cláudio de Azevedo Chaves A INVIABILIDADE DE COMPETIÇÃO RELATIVA NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS (LEI N° 14.133/2021): PRINCIPAIS MUDANÇAS E PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO PARA MAXIMIZAR A EFICIÊNCIA DA CONTRATAÇÃO DIRETA ....................141 Gabriela Pércio INEXIGIBILIDADE: SERVIÇOS TÉCNICOS, NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO E A AUSÊNCIA DE SINGULARIDADE .....................................................157 Diego Ávila SU M ÁR IO A DISPENSA PELO VALOR NA LEI 14.133/2021 ...... 180 Nyura Disconzi da Silva UM ENSAIO SOBRE “OBRAS COMUNS DE ENGENHARIA” NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ................................................ 201 Rafael Jardim Cavalcante A QUESTÃO DA INEXEQUIBILIDADE DAS PROPOSTAS SEGUNDO A NOVA LEI DE LICITAÇÕES .................. 219 Ana Carolina Coura Vicente Machado O EXAME PRÉVIO DE LEGALIDADE DOS PROCESSOS LICITATÓRIOS PREVISTO PARA A NOVA LEI DE LICITAÇÕES. ..........................................................228 Luiz Cláudio de Azevedo Chaves A NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS E A AMPLIAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE ..........................247 Cristiana Fortini e Mariana Bueno Resende DURAÇÃO E PRORROGAÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ................................................ 271 José Anacleto Abduch Santos A REPACTUAÇÃO NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES E OS CUIDADOS ESSENCIAIS ......................................... 301 Gustavo Cauduro Hermes NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS, E SUAS MEDIDAS ALTERNATIVAS DE RESOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS: EVOLUÇÕES SINUOSAS. ......... 327 Thiago Bueno de Oliveira D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 6 APRESENTAÇÃO Em 01 de abril de 2021 foi publicada, em edição extra do Diário Oficial da União, a nova Lei de Licitações e Contratações, sob o n°. 14.133/2021. O novo marco regulatório trouxe alterações substanciais no processamento das licitações e algumas modificações nas contratações diretas e no regime jurídico aplicável aos contratos. Embora a norma tenha entrado em vigor na data de sua publicação, nos termos do art. 194, o regime anterior (Leis 8.666/93 e 10.520/02) somente será revogado no prazo de dois anos, a contar da data de publicação, razão pela qual, durante esse lapso temporal, a Administração Pública poderá optar por licitar de acordo com o novo ou com o velho regime. Pode, inclusive, utilizar a nova lei para algumas licitações e a Lei 8.666/93 para outras, de forma totalmente discricionária, nos termos do art. 191. O contrato, por seu turno, seguirá o regime jurídico da legislação adotada no decorrer da licitação. A referida Lei traz alguns desafios à Administração Pública, a exemplo da implantação do Portal Nacional de Contratações Públicas, das regras relativas à designação dos agentes responsáveis pela condução do certame, o papel da assessoria jurídica no controle da licitação, a nova modalidade diálogo competitivo, além de diversos institutos que exigirão regulamentação específica. Assim, com o intuito de contribuir para a correta compreensão e aplicação da nova Lei, esse e-book conta com artigos de renomados juristas que possuem vasta experiência no regime jurídico aplicável às licitações. Esperamos, assim, contribuir para suas reflexões sobre a novel Lei 14.133/2021. JULIETA MENDES LOPES VARESCHINI Coordenadora NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS COMPETÊNCIA LEGISLATIVA, ÂMBITO DE INCIDÊNCIA, VIGÊNCIA E IMPACTO NAS LEIS ESTADUAIS, MUNICIPAIS E REGULAMENTOS DO SISTEMA S Edgar Guimarães D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 8 NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS COMPETÊNCIA LEGISLATIVA, ÂMBITO DE INCIDÊNCIA, VIGÊNCIA E IMPACTO NAS LEIS ESTADUAIS, MUNICIPAIS E REGULAMENTOS DO SISTEMA S. Edgar Guimarães1 1. INTRODUÇÃO Em 10 de dezembro de 2020 o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei n° 4.253/2020, substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei n° 1.292-E de 1995 do Senado Federal (PLS n° 163/95 na Casa de origem), que estabelece normas gerais de licitação e contratação para a Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. De acordo com o devido processo legislativo, o Presidente da República, no exercício dos poderes que lhe são conferidos, vetou alguns dispositivos do referido Projeto de Lei, sancionando a maioria deles, estabelecendo um novo regime jurídico para as licitações e contratações públicas por meio da publicação da n° Lei n° 14.133 na Diário Oficial da União do dia 01/04/2021. 1 Advogado; Pós-Doutor em Direito pela Università del Salento (Itália). Doutor e Mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP; Professor em cursos de Pós-graduação; Consultor Jurídico (aposentado) do Tribunal de Contas do Estado do Paraná; Presidente do Instituto Paranaense de Direito Administrativo; Membro dos Institutos Brasileiro de Direito Administrativo, do Instituto dos Advogados do Paraná e do Conselho Científico do Instituto Romeu Felipe Bacellar. Árbitro da Câmara de Arbitragem e Mediação da FIEP/PR. Conselheiro da OAB/PR. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 9 Além de novas regras para as licitações e contratos administrativos, o novel Diploma legal altera as Leis n° 13.105/2015, (Código de Processo Civil), 8.987/1995 (Lei das Concessões), 11.079/2004 (Lei das PPPs), o Decreto-Lei 2.848/1940 (Código Penal), e revoga dispositivos da Lei n° 12.462/2011 (Lei do RDC), e as Leis n° 8.666/1993 (Lei de licitações e contratos) e 10.520/2002 (Lei do Pregão). A Lei n° 14.133/2021 incorpora grande parte dos dispositivos da Lei 8.666/1993, da Lei 12.462/2011 (RDC) e da Lei 10.520/2002 (Lei do Pregão), bem como de diversas Instruções Normativas expedidas pelo Governo Federal. O que se percebe é uma consolidação de alguns Diplomaslegais e de diversas instruções normativas em um único texto normativo, o que pode ser considerado algo positivo, pois, até então, o que se tinha no âmbito federal era uma verdadeira “colcha de retratos” com diversas leis, decretos, portarias e outros atos regulamentares estabelecendo regras para o processo de contratação pública. Todavia, é lamentável que depois de anos em tramitação e discussão no Congresso, o resultado não tenha sido aquele aguardado pela Administração Pública e também pela comunidade jurídica em geral. Esperava-se uma lei enxuta, menos formalista, menos burocrática, atual, adequada aos dias de hoje e, sobretudo, que indicasse, expressamente, todas as prescrições consideradas “normas gerais” de licitações e contratos, criando, assim, um ambiente propício e seguro para que Estados, Municípios e Distrito Federal legislem de forma suplementar tratando das suas peculiaridades. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 10 É forçoso reconhecer que nasce uma lei velha e ultrapassada com um ou outro ponto que merece destaque, como por exemplo, uma atenção maior para as licitações sustentáveis, regras e procedimentos para reabilitação de empresas sancionadas; a utilização de meios alternativos de resolução de controvérsias (conciliação, mediação, comitê de resolução de disputas e arbitragem) e a criação de um Portal Nacional de Contratações Públicas. Neste ensaio, sem a pretensão de esgotar a temática proposta, teceremos algumas considerações acerca da competência para legislar sobre a matéria licitatória e contratual, o âmbito de incidência e vigência da nova lei, bem como o seu impacto em leis estaduais e regulamentos de entidades do Sistema S. É o que faremos adiante. 2. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA A disciplina jurídica regedora das licitações e contratações públicas encontra fundamento primário no plano constitucional. No âmbito da Carta da República cabe destacar dois comandos, o primeiro relacionado à competência legislativa (art. 22, inc. XXVII) e o segundo ao dever de licitar (art. 37, inc. XXI). Em que pese o primeiro deles tratar da competência para legislar sobre normas gerais e o segundo estabelecer uma regra geral a ser observada por ocasião das contratações públicas, entendemos que ambos possuem uma ligação muito próxima, conforme veremos adiante. A propósito da distribuição de competências dentro da organização federativa, cabe assinalar o pensamento de Alice D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 11 Gonzalez Borges2 no sentido de que a Constituição de 1988 deu um novo tratamento, tornando-a muito mais simples, racional e intuitiva, preservando a autonomia das ordens federadas e estabelecendo uma nítida delimitação das competências de cada qual, tornando induvidosa e objetiva a arrumação e a harmonização das diversas esferas legislativas, quando incidentes sobre uma mesma matéria. De acordo como o conjunto de competências legislativas instituído pela Constituição de 1988, compete à União legislar de forma privativa, sobre normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas Diretas, Autárquicas e Fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, inciso III.3 A teor do comando constitucional antes citado, as pessoas políticas que integram a federação estão, nítida e expressamente subordinadas às normas gerais de licitação e contratação editadas pela União. É preciso deixar claro que a União possui competência não apenas para legislar sobre normas gerais. Cabe a ela editar também normas específicas, porém, estas de observância obrigatória tão somente na órbita federal. Ademais, por obvio, a mencionada competência da União para legislar privativamente sobre normas gerais de licitação 2 BORGES, Alice Gonzalez. Normas gerais no estatuto de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 16. 3 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 12 e contratação pública, não exclui, nem poderia excluir, a competência suplementar dos Estados, Municípios e do Distrito Federal para disporem sobre normas específicas visando tratar de suas peculiaridades locais. Neste sentido, vale mencionar o entendimento externado no Voto do Ministro Teori Zavascki por ocasião do julgamento da ADI 3.735 (DJe de 1°/08/2017) em que se analisou a matéria aqui enfrentada. Vejamos: “esta privatividade, contudo, não elidiu a competência dos demais entes federativos para legislar sobre o tema. Na medida em que se limitou ao plano das “normas gerais”, a própria regra, de competência do art. 22, XXVII, da CF pressupôs a integração da disciplina jurídica da matéria pela edição de outras normas, “não gerais”, a serem editadas pelos demais entes federativos, no desempenho das competências próprias que lhes cabem, seja com fundamento nos arts. 24 e 25, § 1°, da CF – no caso dos Estados-membros – ou no art. 30, II, da CF – no tocante aos Municípios.” Não remanescem dúvidas de que os Estados-membros se organizam e se regem pelas Constituições e leis que adotarem e, de acordo com o § 1°, do artigo 254, estão autorizados a exercer as competências legislativas que não lhes sejam vedadas pela Constituição Federal, disposição aplicável de igual forma ao Distrito Federal. Quanto aos Municípios, conforme dicção do inciso I, do artigo 305 do texto constitucional, as suas competências legislativas amparam-se na predominância dos assuntos de interesse local, 4 Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição. § 1° São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição. 5 Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 13 devendo as respectivas Leis Orgânicas guardarem conformidade com a Constituição Federal e a do respectivo Estado-membro. De uma interpretação sistemática da Constituição da República, especialmente com as atenções voltadas para os dispositivos acima mencionados, é forçoso concluir que compete à União editar, privativamente, normas gerais de licitação e contratação pública (art. 22, XXVII) de observância obrigatória por todos entes da federação, podendo e devendo os Estados- membros, Municípios e Distrito Federal legislar acerca de normas específicas adequadas a cada realidade local. Em razão dos níveis de poderes políticos, independentes e autônomos estabelecidos pelo regime jurídico-constitucional, bem como das diferentes realidades socioeconômicas do nosso País, as normas gerais de licitação e contratação pública editadas pela União necessitam de leis estaduais e municipais versando sobre normas específicas voltadas, como dito anteriormente, ao trato de peculiaridades locais.. Neste sentido, endossamos integralmente as palavras de Adilson Abreu Dallari6 ao sustentar que “é absurdo uma legislação única de licitações, tanto para um pequeno Município do interior quanto para a União, ou para a Capital de São Paulo. Sendoa licitação matéria de direito administrativo, deve ela ser disciplinada pela legislação de cada pessoa jurídica de capacidade política, de acordo com suas peculiaridades.” É lamentável que no Brasil, uma república federativa formada pela união de 26 estados federados, 5.568 municípios e do Distrito Federal, apenas os Estados do Paraná, Bahia, Sergipe, Goiás, São Paulo e o Município de São Paulo, tenham editado leis de 6 DALLARI, Adilson Abreu. Aspectos jurídicos da licitação. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 24. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 14 licitação e contratação pública. Os demais entes federativos que até o momento não exerceram a competência suplementar que a Constituição lhes assegura, adotam, integralmente, as vetustas disposições da Lei n° 8.666/93. 3. NORMAS GERAIS E NORMAS ESPECÍFICAS DE LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO PÚBLICA Consoante o exposto no tópico anterior, é possível afirmar que a temática das normas gerais é de tamanha importância a ponto de se constituir em um critério divisor de competências entre as unidades da Federação7. Assim, a grande questão que se apresenta é a sua conceituação clara e objetiva em matéria de licitação e contratação, com a finalidade de se fixar os limites legislativos conferidos pela Constituição de 1988 aos Estados- membros, Municípios e Distrito Federal. Conceituar norma geral trata-se, em verdade, de tarefa dificílima e que há muito vem sendo discutida no plano da doutrina. Adilson Abreu Dallari8 reconhece tal dificuldade e anota que “é mais fácil chegar à norma geral pelo caminho inverso, dizendo o que não é norma geral. Não é norma geral aquela que corresponde a uma especificação, a um detalhamento.” Na visão do mencionado autor “norma geral é aquela que cuida de determinada matéria de maneira ampla. Norma geral é aquela que comporta uma aplicação uniforme pela União, Estados e Municípios; norma geral é aquela que não é completa em si mesma, mas exige uma complementação.”9 7 Neste sentido é o pensamento de Alice Gonzales Borges, ob. cit., p. 26. 8 Ob. cit. , p. 25. 9 Ob. cit. p. 25. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 15 Na mesma linha é o pensamento de Alice Gonzalez Borges10 ao sustentar que “são normas gerais aquelas que, por alguma razão, convém ao interesse público sejam tratadas por igual, entre todas as ordens da Federação, para que sejam devidamente instrumentalizados e viabilizados os princípios constitucionais com que têm pertinência. A bem da ordem harmônica que deve manter coesos os entes federados, evitam-se, desse modo, atritos, colidências, discriminações, de possível e fácil ocorrência.” Reconhecemos que se trata de um conceito fluído, impreciso comportando uma zona de certeza positiva e outra de certeza negativa. Dadas as dificuldades que se apresentam, preferimos adotar um critério negativista ou residual para se chegar a uma conclusão. Assim, em outras palavras e de uma forma despretensiosa e infinitamente mais sintética, podemos afirmar que não são normas gerais aquelas que descem a detalhes, preciosismos, especificidades. De outra sorte, defendemos como critério delimitador de seu conteúdo a análise dos elementos contidos na Carta da República, de onde é possível concluir tratar-se de norma geral todas aquelas relacionadas, por exemplo, à observância dos princípios da Administração Pública, à obrigatoriedade de contratação somente mediante processo seletivo prévio de licitação (o dever legal de licitar), à garantia da competitividade, da moralidade e igualdade no certame. Desta forma, será norma geral toda aquela que, relacionada aos aspectos acima citados, possui um âmbito de incidência nacional, circunscrevendo-se a qualquer pessoa política, de 10 BORGES, Alice Gonzalez. Ob. cit. p. 26. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 16 qualquer dos níveis da Federação, como observa Geraldo Ataliba11, que as define como “leis nacionais; leis que não se circunscrevem ao âmbito de qualquer pessoa política, mas que os transcendem aos três. Não se confundem com a lei federal, estadual ou municipal e têm seu campo próprio e específico, excludente das outras três e reciprocamente. De acordo com a nossa percepção, ao interpretarmos a Lei n° 14.133/2021 podemos elencar na categoria de norma geral e, portanto, dentro da zona de certeza positiva, a exemplo das disposições sobre a LC 123/2006, os princípios jurídicos das licitações, objetivos do processo licitatório, margem de preferência, os critérios de julgamento, licitações internacionais, os prazos mínimos para apresentação de propostas/lances, os modos de disputa, exigências de habilitação, hipóteses de contratação direta, procedimentos para alienação de bens, formalização do processo de contratação direta, prerrogativas da Administração, dos pagamentos, nulidade dos contratos, meios alternativos de resolução de controvérsias, infrações e sanções administrativas, impugnações, esclarecimentos e recursos, controle das licitações. De outro giro, são normas específicas e, sendo assim, enquadradas na zona de certeza negativa, as disposições que tratam dos agentes públicos envolvidos no processo licitatório, o rito procedimental do processo licitatório, a fase preparatória das licitações, as modalidades de licitação, o planejamento das compras e até mesmo o portal nacional de contratações públicas. Com efeito, repisamos que, em virtude da competência privativa para dispor sobre normas gerais, as demais pessoas 11 ATALIBA, Geraldo. Normas Gerais na Constituição – Leis Nacionais, Leis Federais e seu Regime Jurídico. Estudos e Pareceres de Direito Tributário, vol. 3, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 15. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 17 políticas integrantes da Federação, quando da edição de leis locais versando sobre normas específicas voltadas ao atendimento das respectivas peculiaridades, deverão respeitar as diretrizes gerais advindas da União. 4. ÂMBITO DE INCIDÊNCIA E VIGÊNCIA DA LEI N° 14.133/2021 O caput do artigo 1° da Lei n° 14.133/2021 contempla redação no sentido de que “esta Lei estabelece normas gerais de licitação e contratação para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (...).”12 De uma interpretação literal deste dispositivo, técnica não recomendada pela boa hermenêutica, o leitor mais afoito poderia concluir que a nova lei, em todos os seus artigos, prescreve apenas normas gerais, o que é um ledo engano. Conclusão neste sentido seria transformar em geral várias disposições que não são, subtraindo pela via legislativa a competência suplementar dos Estados, Municípios e Distrito Federal para tratar da matéria. Entendemos que a interpretação a ser dada ao caput do artigo 1°, deve ser conforme a Constituição Federal e tendo como pano de fundo os comandos dos artigos 22, inciso XXVII, 25, § 1° e 30, inciso I, eliminando, desta forma, eventual inconstitucionalidade em razão de uma usurpação de competência. A bem da verdade, o novel Diploma legal deveria ter especificado com clareza o conjunto de normas gerais a serem aplicadas e observadas por todas as pessoas políticas da federação, 12 Vale lembrar que o caput do artigo 1° da Lei n° 8.666/93 contém a mesma prescrição. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 18 criando, desta forma, um ambiente seguro para que estas pessoas legislem localmente acerca das normas específicas de licitação e contrataçãopública. Lamentavelmente isto não ocorreu, o que não impede que Estados, Municípios e Distrito Federal, no gozo de uma competência suplementar que a Constituição Federal lhes assegura e respeitando as normas gerais fixadas pela União, editem normas específicas conformes às peculiaridades locais. Não restam dúvidas que a Lei n° 14.133/2021 deve ser observada e aplicada integralmente por todas as entidades que integram a Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional da União, pelos Poderes Legislativo e Judiciário da União, bem como pelo Tribunal de Contas da União. Todavia, os Estados, Municípios e Distrito Federal estarão obrigados a respeitar tão somente as normas gerais constantes da nova lei. Cabe anotar que a observância e aplicação integral da nova lei fora da órbita da federal, deverá ocorrer quando do manuseio de recursos transferidos pela União à título de convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres, na forma estabelecida em regulamento do Poder Executivo federal.13 A propósito da vigência da Lei n° 14.133/2021, o seu artigo 194 estabelece que a entrada em vigor se dá na data de publicação, não havendo qualquer período de vacância, como normalmente ocorre em face da complexidade e inovação de alguns Diplomas legais, período este voltado para que os aplicadores do direito disponham de tempo para compreender e subtrair dos textos legais a melhor interpretação visando sua escorreita aplicação. 13 Artigo 184 da Lei n° 14.133/2021. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 19 Diante do que dispõe o artigo antes citado, uma vez publicada, a Lei n° 14.133/2021 passa a produzir efeitos jurídicos imediatamente, podendo, desde logo, ser aplicada. Porém, durante o decurso do prazo de 2 (dois) anos contado da data da sua publicação, a Lei n° 8.666/93 (lei de licitações e contratos), a Lei n° 10.520/02 (lei do pregão) e a Lei n° 12.462/11 (lei do RDC) também estarão vigendo14. Tal fato se dá em razão de que o legislador criou um período de convivência entre o regime jurídico antigo e a nova lei. Assim, durante os 2 anos teremos os dois regimes em pleno vigor, podendo o administrador público, por ocasião da instauração de processo licitatório ou de contratação direta, optar por um ou outro regime jurídico, sendo vedada, apenas, a combinação da nova lei com o regime antigo. A opção por um certo regime jurídico não precisa ser motivada, bastando a indicação expressa no edital ou no instrumento de contrato. Caso a Administração opte por aplicar o regime jurídico antigo, este incidirá durante toda a vigência do respectivo contrato, ainda que o prazo de 2 anos tenha expirado. 5. IMPACTO DA LEI N° 14.133/2021 NAS LEIS ESTADUAIS E MUNICIPAIS Consoante sustentamos neste ensaio, Estados, Municípios e Distrito Federal dispõem de competência legislativa suplementar em matéria de licitação e contratação pública, podendo, assim, editarem leis locais, respeitando as normas gerais fixadas pela União. 14 Conforme disposição do artigo 192, inciso I, o Capítulo dos Crimes e das Penas constante dos artigos 89 a 108 da Lei n° 8.666/93 é revogado na data da publicação da nova lei, sendo inserido no Código Penal. Somente após o biênio é que o restante da Lei n° 8.666/93 (lei de licitações e contratos) e as Leis n° 10.520/02 (lei do pregão) e n° 12.462/11 (lei do RDC) serão automaticamente revogadas. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 20 Pois bem, neste cenário apenas o Estados do Paraná, Bahia, Sergipe, São Paulo e o Município de São Paulo, exerceram suas competências legislativas suplementares e editaram lei próprias sobre esta matéria. Ocorre que todos os Diplomas legais são anteriores à Lei n° 14.133/2021. A lei do Estado de São Paulo data de 1989 (Lei n° 6.544), do Município de São Paulo de 2002 (Lei n° 13.278), da Bahia de 2005 (Lei n° 9.433), Sergipe de 2006 (Lei n° 5.848), Paraná de 2007 (Lei n° 15.608) e Goiás de 2012 (Lei n° 17.928). De acordo com as nossas teses, é possível sustentar que a Lei n° 14.133/2021 não revogou, nem poderia revogar as leis estaduais e municipais até então em vigência. Tais leis continuam produzindo efeitos no mundo jurídico, ou seja, vigendo, naquilo que não conflitarem com as normas gerais fixadas pela nova lei de 2021. Mais uma vez, destacamos a extrema importância de estabelecer um conceito preciso de norma geral de licitação e contratação pública, pois se trata de critério que define e delimita a competência legislativa sobre esta matéria. Na hipótese de inexistir lei estadual ou municipal sobre licitação e contratação pública, situação esta atualmente verificada na maioria dos entes federativos, a alternativa será (i) continuar aplicando o regime jurídico antigo (Lei n° 8.666/93, Lei n° 10.520/02 e Lei n° 12.462/11) durante o biênio contado da publicação da Lei n° 14.133/2021, (ii) aplicar integralmente a nova lei ou (iii) exercer a competência suplementar para legislar sobre licitação e contratação pública, editando uma lei local, com respeito as normas gerais fixadas pela União. Conforme já anotamos em passagem anterior, considerando que o regime jurídico-constitucional criou níveis de poderes políticos, independentes e com autonomia para se auto organizarem política, orçamentária e administrativamente e, ainda, tomando D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 21 em conta as diferentes realidades socioeconômicas do nosso País, é chegada a hora e vez de Estados, Municípios e Distrito Federal, no gozo dos poderes que a Constituição da República lhes assegura, legislarem sobre a matéria licitatória e contratual, disciplinando normas específicas que atendam a organização administrativa de cada qual e, sobretudo, adequadas às peculiaridades locais, respeitando sempre, as normas gerais fixadas pela União. 6. IMPACTO DA LEI N° 14.133/2021 NOS REGULAMENTOS DE LICITAÇÕES E CONTRATOS DAS ENTIDADES DO SISTEMA S As entidades integrantes do denominado Sistema “S”15 são qualificadas como Serviços Sociais Autônomos16, não integrantes da estrutura organizacional da Administração Pública Brasileira e, portanto, não se submetem aos rigores da disciplina jurídica das licitações constante da legislação aplicável à Administração Pública brasileira. Tais entidades são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos que, em razão de gerirem recursos provenientes de contribuições parafiscais e possuírem alguns privilégios próprios das pessoas jurídicas de direito público, não têm ampla liberdade para contratar bens e serviços, devendo, para tanto, instaurar um processo prévio denominado licitação, como forma de atender 15 SESC, SENAI, SENAC, SEBRAE etc. 16 De acordo com Hely Lopes Meirelles “Serviços Sociais Autônomos são todos aqueles instituídos por lei, com personalidade de Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais. São entes paraestatais, de cooperação com o Poder Público, com administração e patrimônios próprios (...). Embora oficializadas pelo Estado, não integram a Administração direta nem a indireta, mas trabalham ao lado do Estado, sob seu amparo, cooperando nos setores, atividades e serviços que lhes são atribuídos, por serem considerados de interesse específico de determinados beneficiários.” (MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 25ª ed. São Paulo, Malheiros, 2000, p. 346) D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 22 os princípios constitucionais da moralidade,impessoalidade e isonomia, dentre outros. Embora estejam obrigadas a licitar, sustentamos que não se sujeitam aos rigores da ordem jurídica regedora da matéria aplicada à Administração Pública, mas, a regulamentos próprios devidamente publicados, consoante manifestação do Tribunal de Contas da União vazada na Decisão n° 907/1997. Desta forma, em meados de 2006, os Conselhos Nacionais de tais entidades, baixaram atos aprovando Regulamentos de Licitações e Contratos, estabelecendo a disciplina jurídica a ser observada por ocasião das suas contratações. Tais regulamentos, assim como a própria lei federal das licitações, não esgotam totalmente a matéria, sendo possível encontrar algumas lacunas, espaços em branco que, de acordo com nosso entendimento, deverão ser colmatados com a aplicação dos princípios jurídicos aplicáveis ao caso concreto e não com a adoção obrigatória do regime jurídico da Administração Pública. A aplicação subsidiária da Lei n° 14.133/2021 aos processos licitatórios instaurados por entidades do Sistema “S” é, portanto, absolutamente facultativa, tendo em vista a inexistência de norma jurídica que as obrigue a se submeterem às regras da Administração Pública, exceção feita nas hipóteses de transferência voluntária de recursos da União à título de convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos.17 Em que pese a Lei n° 14.133/2021 não ter causado nenhum impacto nos Regulamentos das Entidades do Sistema S, esta é uma boa hora para se promover uma atualização no regime jurídico licitatório e contratual vigente no âmbito do Sistema S. 17 Lei n° 14.133/2021, artigo 184. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 23 Considerando que tais regramentos datam de 2006, com algumas poucas alterações ocorridas ao longo dos últimos anos, faz-se necessário adequá-los aos avanços sociais, tecnológicos e econômicos da sociedade. Para tanto, sugerimos subtrair da Lei n° 14.133/2021 disposições que possam tornar o processo de contratação mais célere, eficiente e, sobretudo, propiciar o verdadeiro desiderato de uma licitação que é a seleção da melhor proposta para o atendimento de certa necessidade. 7. CONCLUSÕES De todo o exposto no presente estudo, face ao regime jurídico-constitucional instituído pela Constituição da República, pessoas políticas que integram a federação estão, nítida e expressamente subordinadas apenas às normas gerais de licitação e contratação pública editadas pela União. Dessa feita, passaremos a pontuar as principais conclusões extraídas ao longo do texto, em sua respectiva ordem de exposição: 1. à União compete legislar de forma privativa, sobre de normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas Diretas, Autárquicas e Fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, inciso III; 2. à União compete também legislar sobre normas específicas de licitação e contratação pública de observância obrigatória tão somente na órbita federal; 3. Estados, Municípios e do Distrito Federal podem e devem exercer uma competência legislativa D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 24 suplementar dispondo sobre normas específicas de licitação e contratação pública, objetivando tratar de peculiaridades locais e respeitando as normas gerais editadas pela União; 4. as normas gerais em matéria de licitação e contratação pública se constituem em um critério divisor e delimitador de competências entre as entidades da Federação; 5. não são normas gerais aquelas que descem a detalhes, preciosismos, especificidades, minúcias; 6. normas gerais são aquelas relacionadas, por exemplo, à observância dos princípios da Administração Pública, à obrigatoriedade de contratação somente mediante processo seletivo prévio de licitação (o dever legal de licitar), à garantia da competitividade, da moralidade e da igualdade no certame, possuindo um âmbito de incidência nacional, circunscrevendo a qualquer pessoa política, de qualquer dos níveis da Federação; 7. a Lei n° 14.133/2021 deve ser observada e aplicada integralmente por todas as entidades que integram a Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional da União, pelos Poderes Legislativo e Judiciário da União, bem como pelo Tribunal de Contas da União; 8. Estados, Municípios e Distrito Federal estarão obrigados a respeitar tão somente as normas gerais constantes da Lei n° 14.133/2021, exceto quando do manuseio de recursos transferidos pela União à título de convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres, na forma estabelecida em regulamento do Poder Executivo federal; D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 25 9. a Lei n° 14.133/2021, entra em vigor na data de publicação, não havendo qualquer período de vacância; 10. durante o decurso do prazo de 2 (dois) anos contado da data da publicação da Lei n° 14.133/2021, a Lei n° 8.666/93 (lei de licitações e contratos), a Lei n° 10.520/02 (lei do pregão) e a Lei n° 12.462/11 (lei do RDC) também estarão vigendo; 11. durante o citado biênio teremos os dois regimes em pleno vigor, podendo o administrador público, por ocasião da instauração de processo licitatório ou de contratação direta, optar por um ou outro regime jurídico, sendo vedada a combinação da Lei n° 14.133/2021 com o regime antigo; 12. se no curso do biênio legal a Administração optar por aplicar o regime jurídico antigo, este incidirá durante toda a vigência do respectivo contrato, ainda que o prazo de 2 anos tenha expirado; 13. a Lei n° 14.133/2021 não revogou as leis estaduais e municipais até então em vigência. Tais leis continuam produzindo efeitos no mundo jurídico, ou seja, vigendo, naquilo que não conflitarem com as normas gerais fixadas pela nova lei de 2021; 14. inexistindo lei estadual ou municipal sobre licitação e contratação pública, a alternativa será (i) continuar aplicando o regime jurídico antigo (Lei n° 8.666/93, Lei n° 10.520/02 e Lei n° 12.462/11) durante o biênio contado da publicação da Lei n° 14.133/2021; (ii) aplicar integralmente a nova lei ou (iii) exercer a competência suplementar para legislar sobre licitação e contratação D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 26 pública, editando uma lei local, com respeito as normas gerais fixadas pela União; 15. a Lei n° 14.133/2021 não causou nenhum impacto nos Regulamentos das Entidades do Sistema S, todavia, esta é uma boa hora para se promover uma atualização no regime jurídico licitatório e contratual vigente no âmbito destas Entidades, adequando-os aos avanços sociais, tecnológicos e econômicos da sociedade. 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ATALIBA, Geraldo. Normas Gerais na Constituição – Leis Nacionais, Leis Federais e seu Regime Jurídico. Estudos e Pareceres de Direito Tributário, vol. 3, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. BORGES, Alice Gonzalez. Normas gerais no estatuto de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991. DALLARI, Adilson Abreu. Aspectos jurídicos da licitação. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006. MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 25ª ed. São Paulo, Malheiros, 2000. AGENTE E COMISSÃO DE CONTRATAÇÃO: ATRIBUIÇÕES E RESPONSA- BILIDADES Julieta Mendes Lopes Vareschini D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 28 AGENTE E COMISSÃO DE CONTRATAÇÃO: ATRIBUIÇÕES E RESPONSABILIDADES Julieta Mendes Lopes Vareschini11. Introdução De maneira totalmente inesperada, o projeto da nova lei de licitações e contratos voltou a tramitar no Senado Federal, por meio do Projeto de Lei 4253/2020, sendo aprovado pelo Senado em 10 de dezembro de 2020 e a lei sancionada pelo Presidente da República em 01 de abril de 2021, sob o n°. 14.133. Não há dúvidas de que as contratações públicas necessitavam de urgente reformulação, porquanto a Lei 8.666/93, extremamente formalista e burocrática, não dava mais conta de toda a complexidade do tema. Porém, a lei sancionada está longe de representar inovação e modernização no âmbito das licitações e contratações, ela inova muito pouco na matéria, reproduzindo um compilado de normativas já existentes, a exemplo da Lei n°. 13.303, da Instrução Normativa 73, do Ministério da Economia e da Instrução Normativa 05/2017, do antigo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, sem a adequada sistematização. De qualquer sorte, a norma entrou em vigor na data de sua publicação, conforme previsto em seu art. 194, e não nos resta alternativa que não seja aplicá-la. 1 Advogada, consultora e palestrante na área de contratações públicas. Mestre em Direito Público. Vice-Presidente do Grupo da JML. Professora de cursos de pós-graduação e coordenadora do MBA em Compliance Público, da Faculdade Pólis Civitas. Membro do Instituto Paranaense de Direito Administrativo. Contato: julieta.vareschini@jmlgrupo.com.br e @ professorajulieta (instagram). mailto:julieta.vareschini@jmlgrupo.com.br D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 29 Já de plano, cumpre destacar que, embora a norma tenha entrado em vigor na data de sua publicação, o regime anterior (Leis 8.666/93 e 10.520/02) somente será revogado no prazo de dois anos2, a contar da data de publicação, razão pela qual, durante esse lapso temporal, a Administração Pública poderá optar por licitar de acordo com o novo ou com o velho regime. Pode, inclusive, utilizar a nova lei para algumas licitações e a Lei 8.666/93 para outras, de forma totalmente discricionária, nos termos do art. 191. O contrato, por seu turno, seguirá o regime jurídico da legislação adotada no decorrer da licitação3. Embora, em nosso entender, a legislação tenha inovado pouco, porque muitos institutos já estavam previstos em outras normas, é forçoso reconhecer que ela impõe desafios aos gestores públicos, inclusive quanto às atribuições e responsabilidades do agente de contratação e da comissão. Assim, o intuito deste artigo é discorrer sobre essa temática, a fim de elucidar tais competências e as cautelas previstas na novel legislação quanto à designação desses agentes. Tamanho será o desafio que, para municípios com até 20 mil habitantes, a lei fixou prazo de 06 anos para atendimento às novas regras relativas à designação dos agentes responsáveis pela condução do certame4. 2 Somente os arts. 89 a 108 foram revogados na data da publicação da Lei, a teor do art. 193: “I – os arts. 89 a 108 da Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta Lei”. 3 “Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso. Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei, o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência”. 4 “Art. 176. Os Municípios com até 20.000 (vinte mil) habitantes terão o prazo de 6 (seis) anos, contado da data de publicação desta Lei, para cumprimento: I – dos requisitos estabelecidos no art. 7° e no caput do art. 8° desta Lei; II – da obrigatoriedade de realização da licitação sob a forma eletrônica a que se refere o § 2° do art. 17 desta Lei; III – das regras relativas à divulgação em sítio eletrônico oficial”. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 30 2. Agente e comissão de contratação De acordo com a nova Lei de Licitações, o julgamento da licitação pode ficar a cargo de quatro “atores”: a) pregoeiro; b) leiloeiro; c) agente de contratação e, por fim; d) comissão de contratação. O pregoeiro é o agente responsável pela condução do certame na modalidade pregão, conforme previsto no art. 8°, § 5°. O leiloeiro, por seu turno, conduzirá a licitação quando adotada a modalidade leilão, podendo ser designado para esse fim servidor público integrante do órgão (que exercerá a função de agente de contratação) ou leiloeiro oficial (art. 31). Conforme prescreve o § 1°, do art. 31, do projeto de lei: “§ 1°. Se optar pela realização de leilão por intermédio de leiloeiro oficial, a Administração deverá selecioná-lo mediante credenciamento ou licitação na modalidade pregão e adotar o critério de julgamento de maior desconto para as comissões a serem cobradas, utiliza dos como parâmetro máximo os percentuais definidos na lei que regula a referida profissão e observados os valores dos bens a serem leiloados”. O agente de contratação ficará responsável pelas licitações processadas nas modalidades concorrência, concurso e leilão (se não contratado leiloeiro oficial). Tal servidor será auxiliado por equipe de apoio, mas responderá individualmente pelos atos praticados, salvo quando induzido a erro pela atuação da equipe (art. 8°, § 1°). Caberá ao referido servidor tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação (art. 6°, inciso LX D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 31 e art. 8°, caput). Ao prescrever a norma que cabe ao agente dar impulso ao processo, conclui-se que caberá ao referido servidor adotar as medidas cabíveis para garantir o trâmite do processo, inclusive cobrando dos demais setores que atuam a execução das atividades inerentes ao bom andamento do certame. Nesse sentido, embora a própria lei tenha estabelecido a necessidade de regulamentação para definir as atribuições dos agentes de contratação e demais servidores designados, é possível extrair dos dispositivos citados que tal agente deverá atuar desde a etapa de planejamento, respeitada, por evidente, a segregação de funções. Nas licitações que envolvam bens ou serviços especiais, o agente de contratação poderá, segundo critério de conveniência e oportunidade da Administração Pública, ser substituído por comissão de contratação composta por, no mínimo, 03 (três) membros que responderão solidariamente por todos os atos praticados pela comissão, ressalvado o membro que expressar posição individual divergente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que houver sido tomada a decisão (art. 8°, § 2°). A comissão de contratação atuará, também, no diálogo competitivo5, conforme estabelece o art. 32, inciso XI: o diálogo competitivo será conduzido por comissão de contratação composta de pelo menos 3 (três) servidores efetivos ou empregados públicos 5 Art. 6°, XLII: “modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos”. E o art. 32 assevera:“Art. 32. A modalidade diálogo competitivo é restrita a contratações em que a Administração: I – vise a contratar objeto que envolva as seguintes condições: a) inovação tecnológica ou técnica; b) impossibilidade de o órgão ou entidade ter sua necessidade satisfeita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado; e c) impossibilidade de as especificações técnicas serem definidas com precisão suficiente pela Administração; II – verifique a necessidade de definir e identificar os meios e as alternativas que possam satisfazer suas necessidades, com destaque para os seguintes aspectos:27 a) a solução técnica mais adequada; b) os requisitos técnicos aptos a concretizar a solução já definida; c) a estrutura jurídica ou financeira do contrato”. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 32 pertencentes aos quadros permanentes da Administração, admitida a contratação de profissionais para assessoramento técnico da comissão. Seguindo as diretrizes adotadas pelo Decreto 10.024/19 (que regulamenta o pregão eletrônico em âmbito federal), a Lei 14.133/2021 conceitua bens e serviços especiais como “aqueles que, por sua alta heterogeneidade ou complexidade, não podem ser descritos na forma do inciso XIII do caput deste artigo, exigida justificativa prévia do contratante” (art. 6°, XIV). Ou seja, são bens e serviços especiais todos aqueles que não sejam comuns, portanto, cujas especificações não possam ser definidas objetivamente a partir de padrões usuais de mercado. São bens e serviços em que, face ao mercado, há grande heterogeneidade quanto às características e especificações. A questão exige razoabilidade, não sendo crível supor que toda licitação envolvendo bens e serviços especiais deve ser processada por comissão de contratação. Isso porque, se o pregão no caso de bens e serviços comuns será processado pelo pregoeiro, entender que o restante (bens e serviços especiais) ficará a cargo da comissão de contratação acaba por esvaziar a figura do agente de contratação. Deve a Administração Pública, conforme complexidade do objeto, verificar a conveniência em designar a comissão ou o agente de contratação. Ademais, o art. 8°, § 3°, da Lei 14.133/2021 prescreve que a atuação desses agentes deve ser definida em regulamento: “§ 3°. As regras relativas à atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, ao funcionamento da comissão de contratação e à atuação de fiscais e gestores de contratos de que trata esta Lei serão D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 33 estabelecidas em regulamento, e deverá ser prevista a possibilidade de eles contarem com o apoio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno para o desempenho das funções essenciais à execução do disposto nesta Lei”. Portanto, as atribuições do agente de contratação e da comissão deverão ser definidas em regulamento, respeitando a estrutura administrativa de cada órgão. 3. Cautelas para designação. Quanto às cautelas para designação, cumpre atentar ao disposto no art. 7°, da Lei 14.133/2021, segundo o qual a autoridade máxima do órgão ou da entidade (ou outra indicada em norma com competência para tanto) deve designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais que preencham os seguintes requisitos: a) sejam, preferencialmente, servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da Administração Pública; b) tenham atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuam formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público; e c) não sejam cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração nem tenham com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 34 Embora o dispositivo em tela estabeleça a preferência na designação de servidor efetivo, induzindo a interpretação de que, excepcionalmente, pode ser designado profissional que não integre o quadro permanente, cumpre destacar que o art. 8°, ao contemplar a figura do agente de contratação, estabelece: “pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento da licitação”. Dessa feita, em nosso entender, o agente deve ser detentor de cargo efetivo ou empregado do quadro permanente. Porém, o texto ao destacar que o agente deverá ser do quadro permanente da Administração Pública, considerando o disposto no art. 6°, inciso III6, permite interpretar que o agente pode integrar o quadro efetivo de outro órgão que não aquele que está realizando a licitação. Diferente ocorre com os membros da comissão de contratação, já que o art. 6°, inciso L, não traz qualquer restrição nesse sentido, aplicando-se, assim, o disposto no aludido art. 7°, ou seja, os membros devem ser preferencialmente efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública7. Em licitação que envolva bens ou serviços especiais cujo objeto não seja rotineiramente contratado pela Administração, é possível contratar por prazo determinado, empresa ou profissional para auxiliar os responsáveis pela condução da licitação. 6 “III - Administração Pública: administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e as fundações por ele instituídas ou mantidas”. 7 Com exceção da comissão que atuará no diálogo competitivo, nos termos do art. 32, da Lei 14.133/2021: “XI - o diálogo competitivo será conduzido por comissão de contratação composta de pelo menos 3 (três) servidores efetivos ou empregados públicos pertencentes aos quadros permanentes da Administração, admitida a contratação de profissionais para assessoramento técnico da comissão”. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 35 A Lei é omissa quanto ao prazo do mandato, impondo-se a definição no regulamento interno de cada órgão, nos termos do art. 8°, § 3°. Em face da responsabilidade e da importância das funções desempenhadas pelos membros da comissão de contratação, pregoeiros e agentes de contratação, devem ser indicados para essas funções pessoas qualificadas, que detenham conhecimento da legislação que disciplina a licitação e seu processamento, assim como a jurisprudência majoritária. Nesse sentido, assevera Marcio Pestana: “(...). Todos eles [membros da Comissão], entretanto, deverão reunir qualificação mínima necessária para ali constarem, seja por um ou alguns deles possuírem conhecimentos jurídicos, os quais são costumeiramente úteis e, por que não dizer, necessários a qualquer certame licitatório, seja por deterem conhecimentos específicos no segmento licitado, notadamente, no ponto, nas situações em que a Comissão for instalada em regime especial em razão da especificidade do objeto, (...). A qualificação muito auxilia ao exame dos documentos e de propostas, imprimindo dinâmica e contribuindo com eficácia na obediência aos princípios licitatórios, (...).”8 (grifou-se) Essa necessidade foi incorporada à nova lei de licitações, que no art. 7°, inciso II, prescreve que a autoridade competente deve designar os agentes que tenham atribuições relacionadas a licitações e contratosou possuam formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por 8 PESTANA, Marcio. Licitações públicas no Brasil. Exame integrado das Leis 8.666/1993 e 10.520/2002. São Paulo: Atlas, 2013, p. 232. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 36 escola de governo criada e mantida pelo poder público. Da leitura do dispositivo, resta claro que as exigências não são cumulativas, ou seja, o agente deve ter atribuição relacionada à licitação ou qualificação atestada por escola de governo ou formação compatível. Embora o intuito do legislador de estimular a atuação das escolas de governo seja adequado, a realidade demonstra que nem todas têm estrutura para esse fim, de sorte que o investimento em capacitação e formação dos agentes, em parceria com a iniciativa privada, ainda é relevante9. 3.1. Segregação de funções. Mesmo não estando presente na Lei 8.666/93, o princípio da segregação de funções sempre foi recomendado pelos Tribunais de Contas, por representar boa prática que auxilia no controle do processo. Segundo a Corte de Contas da União, tal princípio “consiste na separação de atribuições ou responsabilidades entre diferentes pessoas, especialmente as funções ou atividades- chave de autorização, execução, atesto/aprovação, registro e revisão ou auditoria”.10 Assim sendo,“de acordo com o princípio da segregação de funções, nenhum servidor ou seção administrativa deve controlar todas as fases inerentes a uma operação, ou seja, cada fase deve, preferencialmente, ser executada por pessoas e setores independentes entre si, possibilitando a realização de uma 9 “Boletim de Jurisprudência 242/2018 Acórdão 2449/2018 Plenário (Pedido de Reexame, Relator Ministro Augusto Nardes) Responsabilidade. Débito. Culpa. Agente público. Capacitação. Ausência. Enunciado A falta de capacitação do agente público para a realização de tarefa específica a ele atribuída não impede sua responsabilização por eventual prejuízo causado ao erário. Ciente de sua falta de capacidade para o exercício da tarefa, deve o agente reportar a situação aos seus superiores para se liberar da atividade, uma vez que, ao executá-la, assume os riscos inerentes aos resultados produzidos”. 10 TCU. Acórdão 413/2013. Plenário. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 37 verificação cruzada.”11 Como regra, portanto, quem executa determinada função não pode ser incumbido de outra que implique em algum controle sobre aquela, como fiscalizá-la, de modo a assegurar a imparcialidade de todos os atos praticados. A segregação de funções foi alçada a princípio que informa o processo licitatório, previsto expressamente no art. 5°, caput, da Lei 14.133/2021 e que deve ser respeitado pela autoridade competente quando da designação dos agentes responsáveis pela condução do certame e gestão do contrato. Assim, o que era mera recomendação, tornou-se dever à luz da nova lei de licitações, já que o § 1°, do art. 7°, veda a “designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação”. Como regra, portanto, o agente de contratação não pode cumular outras funções no mesmo processo (como fiscal de contrato, requisitante, etc.). Embora o princípio da segregação de funções represente boa prática que contribui para o adequado controle, é de suma importância analisá-lo à luz da estrutura administrativa de cada órgão e/ou entidade, pois na prática nem sempre a Administração Pública consegue aplicá-lo pela limitação de pessoal em seus quadros. Se a segregação já é prática no âmbito da Administração Pública Federal, não se pode olvidar que ainda está muito distante da realidade de muitos municípios brasileiros. Justamente por isso, conforme já destacado, é que a lei fixou prazo de 06 anos para atendimento às novas regras relativas à designação dos agentes responsáveis pela condução do certame para municípios com até 20 mil habitantes. 11 TCU. Acórdão 822/2006. Segunda Câmara. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 38 4. Responsabilidade dos agentes que conduzem o certame. Infere-se, do art. 8°, § 1°, da Lei 14.133/2021, que o agente de contratação será auxiliado por equipe de apoio, mas responderá individualmente pelos atos praticados, salvo quando induzido a erro pela atuação da equipe. Os membros da comissão de contratação, por seu turno, responderão solidariamente por todos os atos praticados pela comissão, ressalvado o membro que expressar posição individual divergente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que houver sido tomada a decisão (art. 8°, § 2°). A responsabilidade pode decorrer de dolo ou culpa, tanto por ação quanto por omissão. Como regra, os agentes responsáveis pela condução da fase de seleção do fornecedor (etapa externa) respondem pelos atos praticados, não se responsabilizando por falhas identificadas na etapa de planejamento, cuja responsabilidade fica a cargo de outros setores. Sobre o tema, convém citar Acórdão do TCU: “Boletim de Jurisprudência 261/2019 Acórdão 3213/2019 Primeira Câmara (Pedido de Reexame, Relator Ministro Benjamin Zymler) Responsabilidade. Licitação. Comissão de licitação. Pregoeiro. Habilitação de licitante. Exigência. Enunciado Exigências para habilitação são inerentes à etapa de planejamento da contratação, razão pela qual irregularidades apuradas nessa fase não devem ser D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 39 imputadas a pregoeiro ou a membros de comissão de licitação, designados para a fase de condução do certame”. Porém, não se pode perder de vista que a licitação é um procedimento formal, caracterizado por uma sequência de fases interligadas entre si, sendo que cada profissional que atua no processo deve aferir a legalidade e regularidade dos atos praticados anteriormente, tendo o dever de ofício de apontar eventuais vícios e tomar as medidas cabíveis para regularização, devolvendo o processo para o setor responsável. Assim, é possível que pregoeiro, agente de contratação e membros da comissão sejam responsabilizados por eventuais atos praticados por outros setores, caso reste comprovado que qualquer profissional diligente poderia ter identificado o vício, ou mesmo que foi identificado e diante dele tenha se mantido inerte, sendo responsabilizado pela omissão. Somente uma análise acurada, de cada caso concreto, é que permitirá aferir a responsabilidade ou não na hipótese de omissão. O que os órgãos de controle analisam é se o profissional, seguindo uma diligência mínima, teria condições de identificar a falha. Assim, vícios relativos à justificativa, à especificação do objeto, por exemplo, não acarretam, regra geral, a responsabilização do pregoeiro/agente de contratação e/ou comissão, porquanto estes não têm conhecimento no objeto e não cabe a eles, de fato, adentrar no mérito da necessidade. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 40 Agora, se a falha é flagrante, pode ensejar a responsabilização, caracterizando a culpa grave (erro grosseiro)12 tipificada no art. 2813, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). 5. Conclusão Do exposto, é forçoso reconhecer que a nova lei de licitações trouxe algumas inovações quanto aos agentes responsáveis pela condução do certame. De positivo, cumpre citar a necessidade de segregação de funções e a importância da capacitação e formação dos agentes, face a grande responsabilidadepor eles assumidas. Fica, porém, o desafio para os órgãos que não dispõem de estrutura administrativa que permita a concretização de todas as exigências previstas em lei, além da disponibilidade financeira para a adequada capacitação de tais agentes, muitas vezes tão carentes de conhecimento e reconhecimento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 17 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. 12 “Boletim de Jurisprudência 275/2019 Acórdão 1689/2019 Plenário (Pedido de Reexame, Relator Ministro Augusto Nardes) Responsabilidade. Culpa. Erro grosseiro. Sanção. Deveres. Enunciado Para fins do exercício do poder sancionatório do TCU, erro grosseiro é o que decorreu de grave inobservância do dever de cuidado, isto é, que foi praticado com culpa grave”. 13 “Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 41 PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres e DOTTI, Marinês Restelatto. Mil perguntas e respostas necessárias sobre licitação e contrato administrativo na ordem jurídica brasileira. Belo Horizonte: Fórum, 2017. PESTANA, Marcio. Licitações públicas no Brasil. Exame integrado das Leis 8.666/1993 e 10.520/2002. São Paulo: Atlas, 2013. A SUSTENTABILIDADE NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES. TEORIA E PRÁTICA. Caroline Rodrigues da Silva D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 43 A SUSTENTABILIDADE NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES. TEORIA E PRÁTICA. Caroline Rodrigues da Silva14 INTRODUÇÃO Seguindo uma profusão global, um dos temas de grande destaque na nova Lei de Licitações (Lei n° 14.133/21), e objeto do presente estudo, é o da sustentabilidade. A Lei estabeleceu como princípio que condiciona as contratações públicas, dentre outros, o do desenvolvimento nacional sustentável, além de firmá-lo também como objetivo das licitações. O tema da sustentabilidade merece uma investigação dos marcos históricos, que agregam seu fundamento, para posterior definição e identificação da evolução conceitual até sua inserção na lei, erigindo-a como objetivo e princípio para as contratações públicas. Outrossim, importa analisar como podem ser aplicados os subtemas tratados na lei como a análise do ciclo de vida do objeto e a remuneração variável, que estimulam a aplicação da sustentabilidade nas contratações públicas, bem como, o 14 Caroline Rodrigues da Silva. Consultora Jurídica em Curitiba-PR, com vasta experiência em Licitações e Contratos Administrativos. Mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento na UFPR. Especialista em Direito Socioambiental pela PUC-PR e em Direito e Gestão das Entidades do Sistema S pelo IDP-Brasília. Graduada em Direito pela Unicuritiba-PR. Professora da pós- graduação em licitações da Unibrasil-PR, da UFPR, da PUC-PR e de especializações em outras faculdades. Autora de diversos artigos e livros sobre o tema licitações, contratos administrativos e compliance público. Instrutora de cursos e treinamentos e palestrante na área de licitações, contratos administrativos e compliance público. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 44 atendimento às normas socioambientais para contratação de obras e serviços de engenharia. Por fim, o tema ainda será explorado em relação ao procedimento adequado após constatação de irregularidade no procedimento licitatório ou na execução contratual, que exige avaliação de aspectos socioambientais pela Administração. 1. BASES HISTÓRICAS DA SUSTENTABILIDADE NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS A revolução industrial inaugurou um desenvolvimento que se baseava no uso intensivo de combustíveis fósseis, como o carvão, despejo de lixo urbano e efluentes químicos nos rios e mares, poluição atmosférica e exploração excessiva dos recursos naturais, levando ao declínio de muitos deles, além da prática do imperialismo e colonialismo, para apropriação de riquezas. Desde que o movimento ambientalista desabrochou nas décadas de 40 e 50 do século passado, o mundo passou a conhecer os malefícios causados ao meio ambiente pelo modelo desenvolvimentista emergente. O movimento tomou envergadura global na década de 60 com a obra “Primavera Silenciosa” de Rachel Carson, que apontou o materialismo da ciência e os problemas relacionados ao uso de pesticidas na agricultura para a saúde humana e dos animais, no qual passou-se a questionar como estabelecer um desenvolvimento que não fosse tão predatório aos recursos naturais a ponto de inviabilizar o atendimento das necessidades de gerações presentes e futuras. O que se observou em muitos países foi um crescimento econômico que não foi acompanhado pelo desenvolvimento social. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 45 Outrossim, a exploração dos recursos naturais para fazer frente aos avanços da indústria e aumento nas relações comerciais tornou-se predatória e os sistemas naturais começaram a colapsar. Muitas nações passaram a dialogar para instaurar modelos de desenvolvimento que pudessem atender às necessidades das gerações presentes sem, contudo, prejudicar a satisfação das necessidades das gerações futuras. Esse foi o conceito apresentado pela ONU para o desenvolvimento sustentável na Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em Estocolmo, na Suécia, em 1972. A sustentabilidade passou a ter presença em agendas políticas e a comunidade internacional organizou grandes eventos globais para discutir a questão ambiental e elaborar documentos que estabelecessem os princípios da sustentabilidade e as ações para empreendê-los. Dá-se destaque, nesse plano, à iniciativa da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que elaborou em 1987 o Relatório Brudtland, intitulado “Nosso Futuro Comum”, que apontou para a incompatibilidade entre desenvolvimento sustentável e os padrões de produção e consumo até então vigentes. Na sequência a ONU realizou na cidade do Rio de Janeiro, em 1992, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como ECO-92, que estabeleceu os princípios do desenvolvimento sustentável e um programa de ações para alcançá-lo. Foram produzidos importantes documentos oficiais, como a Carta da Terra e a Agenda 21, e realizadas três convenções para tratar de temas específicos como biodiversidade, mudanças climáticas e desertificação. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 46 Através da Agenda 21 muitas nações se comprometeram a estabelecer e manter diálogo construtivo para alcançar uma economia mundial mais eficiente e equitativa e viabilizar um padrão de desenvolvimento ambientalmente racional. Sua implementação e o comprometimento com os princípios estabelecidos na ECO- 92 foram reafirmados em Joanesburgo, em 2002, durante a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável. O Plano de Implementação de Joanesburgo em seu parágrafo 18 estabelece o incentivo às autoridades competentes para levar em consideração as questões do desenvolvimento sustentável nas tomadas de decisão, incluindo medidas como a promoção de políticas de aquisição pública que fomentem o desenvolvimento e a difusão de bens e serviços ambientalmente racionais15. Nessa mesma Cúpula foi proposta a elaboração de um conjunto de programas com duração de 10 anos (10 Years Framework Program) para apoiar e fortalecer iniciativas regionais e nacionais para promoção de mudanças nos padrões de consumo e produção.Referidos programas foram estabelecidos no Processo de Marrakesh, em 2003, e criados 7 Grupos de Trabalho (Task Forces), cuja adesão era voluntária, para apoiar a implementação de programas e projetos-piloto para o conceito de Produção e Consumo Sustentáveis (PCS)16. Dentre essas forças de trabalho dá-se destaque a de Compras Públicas Sustentáveis, lançada pelo governo da Suíça, em 2005. Vários países se propuseram a aderir a essa força-trabalho, que tinha como objetivo promover e apoiar a implementação de compras públicas sustentáveis (CPS). Os 15 Disponível em: https://sustainabledevelopment.un.org/ 16 Disponível em: http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/producao- e-consumo-sustentavel/plano-nacional/processo-de-marrakesh D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 47 principais resultados se materializaram no desenvolvimento de uma abordagem em CPS, treinamentos e orientações, implementação e conscientização. Entre os anos 2009 e 2012 a abordagem foi testada em 11 países-piloto. Camila Moraes Baceti et.al. assim relata sobre o resultado da Abordagem MTF para CPS: De acordo com a abordagem da Força-tarefa, os requisitos ambientais e socioeconômicos podem ser considerados em todas as etapas do processo licitatório, podendo, entretanto, ser mais facilmente introduzidos nas etapas iniciais como no caso da definição do objeto do contrato. As especificações técnicas também podem incorporar critérios de sustentabilidade, desde que não haja discriminação contra alguns licitantes. Além disso, considerações ambientais podem ser em pregadas como critério de seleção, porém unicamente se a experiência na área ambiental for essencial ao cumprimento do contrato. As leis e regulamentos que disciplinam as licitações públicas podem prever critérios de exclusão do certame, por exemplo, no caso de uma empresa ter repetidamente violado as normas de proteção ao meio ambiente. Na etapa de adjudicação, se for permitido pela legislação, além do preço, poderão ser considerados outros critérios para a adjudicação. Há, ainda, a possibilidade de as autoridades licitantes incluírem metas mais rígidas, cujo atendimento acarretará um bônus para o contratado.17 17 BACETI, Camila Moraes, ENMANUEL Carlos-Andrés, YAKER, Farid. O Trabalho do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente na promoção das Compras Públicas Sustentáveis. In VILLAC, Teresa, BLIACHERIS, Marcos Weiss, SOUZA, Lilian Castro de. Panorama de Licitações Sustentáveis: direito e gestão pública. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 35. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 48 Nesse aspecto, YAKER et al. delinearam como resultados obtidos pela implementação de CPS por meio da abordagem acima: Redução específica das emissões de CO2, tanto em função das metas globais quanto das metas locais; redução de custos, principalmente por meio do reconhecimento dos benefícios e custos não tangíveis; boa governança; criação de empregos; empoderamento das minorias; criação de riquezas e de transferência de competências e tecnologia18. Mas a principal conclusão extraída dessa experiência, além do desenvolvimento da metodologia em CPS, foi o reconhecimento de que “boas compras são compras sustentáveis”19. Por fim, ainda cabe citar a Conferência realizada pela ONU em Nova York, no ano de 2015, na qual foram estabelecidos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), para que os países-membros possam, numa agenda global cunhada para até o ano 2030, “acabar com a pobreza, promover a prosperidade e o bem-estar para todos, proteger o meio ambiente e enfrentar as mudanças climáticas.”20 Dentre os ODS dá-se destaque ao 12.7 que estabelece a promoção de compras públicas sustentáveis, de acordo com as políticas e prioridades nacionais. 18 YAKER, Farid, et.al. O trabalho do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente na promoção das Compras Públicas Sustentáveis. In Panorama de licitações sustentáveis: direito e gestão pública. Coord. VILLAC, Teresa; BLIANCHERIS, Marcos Weiss; SOUZA, Lilian Castro de. Belo Horizonte: Fórum 2014, p. 43. 19 UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME – UNEP. Marrakech Task Force on Sustainable Public Procurement led by Switzerland. Activity Report, May, 2011. 20 Disponível no site https://nacoesunidas.org/pos2015/, acesso em 04/03/2020. https://nacoesunidas.org/pos2015/ D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 49 Nesse contexto de agendas globais, no Brasil as compras públicas sustentáveis foram erigidas a status legal pela Lei 12.349, de 2010, que incorporou um novo objetivo às licitações, alterando a Lei 8.666/93. Além da isonomia e da proposta mais vantajosa, as contratações públicas devem promover o desenvolvimento nacional sustentável21. Essa lei foi responsável pela inserção das licitações sustentáveis no bojo do planejamento das contratações públicas. Legislações posteriores seguiram a mesma concepção, a exemplo da Lei que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações, Lei n° 12.462/2011; e, da Lei das Estatais, Lei n° 13.303/16, que define a proposta mais vantajosa sob a avaliação do ciclo de vida do objeto22. Por fim, o Decreto 10.024/19, que regulamentou a modalidade pregão em sua forma eletrônica, na Administração Pública Federal, acrescentou a dimensão cultural à sustentabilidade. A nova lei de licitações, Lei n° 14.133, de 1° de abril de 2021, que revogará a Lei n° 8.666/93, a Lei n° 10.520/02 e parte da Lei n° 12.462/2011, consagrou o desenvolvimento nacional sustentável como princípio e objetivo nas contratações públicas. 21 Conforme preceitua a Lei 8.666/93, com a redação dada pela Lei 12.349/10: “Art. 3° A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.” (grifou-se) 22 Além de inúmeras referências quanto à sustentabilidade nas contratações das empresas estatais no corpo da lei. D IÁ L O G O S S O B R E A N O VA L E I D E L IC IT A Ç Õ E S E C O N T R A TA Ç Õ E S 50 2. DEFINIÇÃO E DIMENSÕES DA SUSTENTABILIDADE NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS Desde a concepção do termo, a sustentabilidade está embasada em multidimensões, inicialmente trabalhando com três aspectos: ambientais, sociais e econômicos. Decorre daí a atribuição da expressão triple bottom line (interpretada como “tripé da sustentabilidade”). Outras dimensões foram sendo agregadas ao conceito, mas sem consenso entre autores. A abrangência das dimensões igualmente não apresenta delimitação clara. Para a compreensão da sustentabilidade em sua dimensão ambiental deve ser incluída a manutenção das funções e componentes dos ecossistemas, a qualidade e equilíbrio dos recursos ambientais, o respeito à biodiversidade e a manutenção aos ciclos naturais. A sustentabilidade econômica abrange as práticas econômicas, financeiras e administrativas que orientam o desenvolvimento econômico, como a capacidade de produção, distribuição e utilização equitativa das riquezas produzidas pelo homem, avaliação de custos e benefícios e economicidade com planejamento a longo prazo, subordinando a eficiência à eficácia. Por fim, quanto à sustentabilidade social, essa dimensão eleva o equilíbrio social, com redução do nível de pobreza, promovendo o bem-estar social, os direitos fundamentais sociais,
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