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Marcio Aquino

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ELEMENTOS E 
FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Programa de Pós-Graduação EAD
UNIASSELVI-PÓS
Autoria: Maria Gisele Canário de Souza
 Welder Lancieri Marchini
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090
Reitor: Prof. Hermínio Kloch
Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol
Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Ivan Tesck
Equipe Multidisciplinar da 
Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz
 Prof.a Tathyane Lucas Simão
 Prof. Ivan Tesck
Revisão de Conteúdo: Neivor Schuck 
Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais
Diagramação e Capa: 
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Copyright © UNIASSELVI 2017
Ficha catalográfi ca elaborado pela editora do grupo
 UNIASSELVI – Indaial.
220.07
S719E Souza, Maria Gisele Canário de 
 Elementos e fundamentos bíblicos / Maria Gisele Canário de 
Souza; Welder Lancieri Marchini. Indaial: UNIASSELVI, 2017.
 153 p. : il.
 ISBN 978-85-69910-76-3
 
 1.Bíblia – Estudo e Ensino. I. Centro Universitário
 Leonardo Da Vinci. 
Maria Gisele Canário de Souza
Welder Lancieri Marchini
Mestre em Teologia com ênfase em exegese 
bíblica (Antigo Testamento) pela Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). 
Especialista em Antigo e Novo Testamento pelo 
centro Bíblico Verbo. Possui graduação em Teologia 
pelo Instituto São Paulo de Estudos Superiores 
(ITESP). É graduanda em geografi a pela 
Universidade Cruzeiro do Sul - SP. Atualmente é 
assessora do Centro Bíblico Verbo e Tutora do 
curso de Bíblia online. É membra do grupo 
de pesquisa Tradução e Interpretação do 
Antigo Testamento (TIAT).
Doutorando em Ciência da Religião (PUC-SP) 
onde pesquisa a recepção do Concílio Vaticano II 
pela Igreja no Brasil, mestre pela mesma instituição, 
com pesquisa sobre os impactos da metrópole em 
ambiente urbano. Pós-graduado em teologia pastoral, 
com ênfase na teologia da missão (ITESP), bacharel em 
Filosofi a (PUC-Campinas) e em Teologia (ITESP).
É professor convidado na Graduação em Teologia 
do ITF (Petrópolis), na pós-graduação em Ciência da 
Religião da PUC (São Paulo) e na pós-graduação 
Religião e Cultura na UNIFAI (São Paulo). Trabalha 
como editor teológico na Editora Vozes.
É autor do livro “Paróquias urbanas: 
entender para participar” pela Editora 
santuário (2017) e do livro de catequese com 
adolescentes “Perseverando com Jesus” 
pela Editora Vozes (2015).
pela Igreja no Brasil, mestre pela mesma instituição, 
com pesquisa sobre os impactos da metrópole em 
ambiente urbano. Pós-graduado em teologia pastoral, 
com ênfase na teologia da missão (ITESP), bacharel em 
Sumário
APRESENTAÇÃO ....................................................................01
CAPÍTULO 1
Estudo da Bíblia .......................................................................9
CAPÍTULO 2
O Antigo Testamento e sua História ...................................21
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
O Exílio, e a Volta do Exílio Decretada pelo
Império Persa .........................................................................63
Segundo Testamento ..........................................................109
APRESENTAÇÃO
O estudo do livro mais vendido do mundo, cerca de seis bilhões de cópias, a 
Bíblia, passou por uma série de transformações e descobertas ao longo da história. 
Podemos imaginar que esse processo de leitura e conhecimento não é tão simples, 
pois existem inúmeras formas de interpretá-la. Com essa disciplina, Elementos 
e Fundamentos Bíblicos, almejamos que você seja introduzido nesse processo de 
leitura e aprendizado.
No primeiro capítulo apresentamos alguns conceitos que desmistificam formas 
de leituras usuais e muito conhecidas no universo religioso cristão. Com isso 
surgem algumas ferramentas que são utilizadas no estudo da exegese que poderão 
sistematicamente nos apresentar algumas técnicas para a leitura da Bíblia. 
Com os conceitos apresentados no primeiro capítulo, à guisa de introdução da 
disciplina, no segundo capítulo iremos conhecer brevemente o contexto histórico, 
político e ideológico, que nortearam as narrativas bíblicas, que foram escritas por 
muitos autores. Para isso é fundamental conhecermos um pouco mais sobre a história 
de Israel. Teremos uma breve apresentação que nos introduz à leitura dos principais 
livros do Primeiro Testamento. 
Nessa mesma perspectiva seguimos com o conhecimento da história de 
Israel, no terceiro capítulo, porém, iremos perceber com isso, que os relatos na 
Bíblia não são escritos de maneira cronológica, metaforicamente podemos dizer 
que se trata de uma colcha de retalhos, haja vista que não se trata de um livro só, 
mas de muitos livros. 
Feito o estudo do Primeiro Testamento chegamos a algumas ferramentas que 
nos ajudarão na leitura da coletânea de livros que compõe o Segundo Testamento. 
Essa parte dos estudos muito interessa aos cristãos, pois são livros que narram a 
história de Jesus e dos seus seguidores, sob a ótica da segunda geração dos 
seus discípulos. Nesse último capítulo teremos conhecimento dos evangelhos 
sinóticos, bem como suas similaridades e diferenças e o porquê de tantas possíveis 
arbitrariedades. Consequentemente a isso conheceremos um pouco mais sobre a 
vida do Apóstolo Paulo, o responsável pela propagação da vida de Jesus aos confins 
do Império Romano. Pessoas que não fizeram parte do convívio de Jesus escutaram 
falar sobre ele a partir dos relatos de Paulo, seja pessoalmente ou por meio de cartas. 
Esperamos que esse estudo ajude você a buscar outras ferramentas que 
possam ser úteis na leitura da Bíblia. Um livro em que suas narrativas jamais podem 
fundamentar ou legitimar realidades para a qual não foram escritas. Não podemos 
esquecer que os personagens das narrativas bíblicas não sabiam que esse livro seria 
lido por nós, hoje, após mais de dois mil anos e que, portanto, uma leitura fora de 
contexto pode ser um grande equívoco. 
Os autores.
CAPÍTULO 1
Estudo da Bíblia
A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes 
objetivos de aprendizagem:
  Compreender as diversas formas de leituras da Bíblia, 
bem como suas perspectivas teológicas. 
  Conhecer os principais métodos de estudos da 
Bíblia e saber utilizá-los na leitura bíblica.
  Analisar os livros bíblicos em perspectiva literária e narrativa, a partir 
da memória e da religiosidade, superando leituras fundamentalistas. 
10
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
11
ESTUDO DA BÍBLIA Capítulo 1 
Como Lemos a Bíblia?
Você sabia que existem muitas maneiras de ler a Bíblia? Pois é! Você pode 
se perguntar como isso é possível, se a Bíblia é uma só e se ela foi inspirada e 
escrita pelo próprio Deus. Comecemos nos atentando para alguns pontos impor-
tantes para compreendermos esses fundamentos, que podem nos ajudar na hora 
da leitura.
No entanto, há tantas formas de leituras e interpretações que 
chegam a confundir os cristãos leitores, que em muitas narrativas até 
param a leitura e se perguntam: Mas, então, como é que se lê a Bíblia? 
Qualquer interpretação da Bíblia que fi zermos trará consequências di-
retas na relação que temos com Deus e com todas as pessoas. 
Continuemos! Você já deve ter percebido que existem diferentes maneiras 
de ler a Bíblia e que, de acordo com essa leitura, conceberá diferentes imagens 
de Deus no seu pensamento. Algumas pessoas descobrem na Bíblia um Deus 
valente, ameaçador, bravo, justiceiro; outros acham um Deus que perdoa, amo-
roso, amigo e que propõe um projeto de vida a ser seguido; alguns se revoltam 
contra o Deus da Bíblia, outros se apaixonam e se comprometem com ele. 
Há, no entanto, pessoas que leem a Bíblia e se tornam rancorosas, juízes 
de todo mundo, usando a palavra de Deus como arma de acusação; outras fi cam 
esperando que Deus resolvatodos os seus problemas por meio de um milagre 
imediato; existem ainda aqueles que se desligam da vida concreta, achando que 
quanto mais distante do mundo, mais perto estarão de Deus. Dessa forma, todos 
eles usam a Bíblia para justifi car suas próprias opiniões, muitas vezes aplicando 
o texto da forma como o entendem. Às vezes, nem percebem que a sua forma de 
ler e interpretar a Bíblia está produzindo uma ideia de Deus muito esquisita ou até 
contrária à caridade.
A Bíblia – Palavra de Deus – chega até nós, nas nossas igrejas e/
ou comunidades, às pessoas de fé, em forma de literatura. É importante 
percebermos que na Bíblia Deus faz uso da linguagem humana para ser 
compreendido. Nesse sentido, os leitores da Bíblia se veem desafi ados a 
identifi car a Palavra de Deus, revestida com palavras humanas.
Qualquer 
interpretação da 
Bíblia que fi zermos 
trará consequências 
diretas na relação 
que temos com 
Deus e com todas 
as pessoas.
Os leitores da Bíblia 
se veem desafi ados 
a identifi car a 
Palavra de Deus, 
revestida com 
palavras humanas.
12
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Para aprofundar-se mais nos vários métodos de leitura bíblica, 
de cunho mais pastoral, deixamos algumas dicas de leitura:
1- Equipe nacional da dimensão bíblico-catequética.Como 
nossa Igreja lê a Bíblia. São Paulo: Paulinas, 1995. 
2- Serviço de animação bíblica. Iniciação à leitura da Bíblia. 
São Paulo: Paulinas, 2007.
3- PULGA, Rosana. Beabá da Bíblia. São Paulo: Paulinas,1998.
4- ANTONIZI, Alberto, et al. ABC da Bíblia. São Paulo: Paulus, 
1982.
Um dos grandes desafi os enfrentados pelas igrejas e/ou comunidades 
cristãs consiste em captar a mensagem da salvação nas entrelinhas de um 
texto. Essa tarefa é, ao mesmo tempo, fácil, mas complexa. Fácil porque, por 
meio de traduções confi áveis, podemos ter acesso aos textos bíblicos também 
confi áveis. Difícil e complexo, por se tratar de um texto escrito num horizonte 
cultural e linguístico muito distinto da nossa realidade atual. Para entendê-lo são 
necessárias ferramentas que possibilitem o acesso à mensagem veiculada. Em 
outras palavras, só é possível chegar ao sentido aproximado do texto num intenso 
processo de interpretação. As narrativas bíblicas foram escritas para serem lidas 
e, por conseguinte, interpretadas. 
Ler é interpretar! Interpretar é ler! Quem se aventura a ler a 
Bíblia sem interpretá-la não entenderá o que lê. Nesse sentido, quem 
interpreta produz um tipo de leitura que poderá assumir variadas 
roupagens, dependendo do intérprete e seus contextos. 
A cada leitura feita surgem diversas fontes de sentidos. É claro que sem 
leitores e leitoras intérpretes, pessoas, comunidades-igrejas, as narrativas bíblicas 
permaneceriam letra morta. São os leitores que dão vida ao texto e fazem com que 
a narrativa se torne Palavra de Deus. Textos lidos sem o esforço da interpretação 
tornam-se materialidade da letra, é a fragilidade das leituras fundamentalistas e 
historicistas.
Ler é interpretar! 
Interpretar é ler!
13
ESTUDO DA BÍBLIA Capítulo 1 
“A palavra de Deus é muito mais que o texto escrito. Ela é, antes 
de tudo, o texto vivenciado” (RODRIGUES, 2004, p. 13).
Entenda por fundamentalismo a “leitura ao pé da letra”, ou seja, 
a verdade corresponde ao conteúdo das palavras. Já historicista é a 
leitura que considera “histórico” tudo o que a Bíblia relata, como se 
tratasse de um livro de crônicas. Por exemplo, o relato da criação 
Gn 1-2 se tem na conta de descrição científi ca do que aconteceu no 
começo de tudo. Resulta nas inúteis discordâncias entre fé-ciência 
promovidas por certos defensores da Bíblia.
Uma das maneiras de desconstruir a leitura fundamentalista é 
perceber que os textos bíblicos são repletos de metáforas. A metáfora 
requer uma interpretação, pois vai além do sentido literal. 
Leia o texto de Mt 18,9 e busque perceber que Jesus não está 
falando de maneira literal, mas metafórica.
A leitura fundamentalista da Bíblia carrega uma pobreza, por ser incapaz 
de adentrar no mundo do texto. Antes, os leitores fundamentalistas dão-se 
satisfeitos por transitarem na superfície dos textos bíblicos. Os fundamentalistas 
e os historicistas se enganam ao se autodenominarem conhecedores fi éis da 
Palavra de Deus, quando, de fato, movem-se em um universo bíblico fruto de 
dogmatismos e fanatismos, sem qualquer relação com o que a literatura bíblica 
pretende ser, desde as mais remotas origens de sua redação.
Por causa desses motivos é que vamos aprender a ler a Bíblia de forma 
diferente. E para isso existem alguns métodos científi cos: sincrônico e diacrônico 
– bem como suas especifi cidades – e leituras que podem nos ajudar. Veja no 
próximo item, após a atividade proposta, os métodos mais utilizados pelos 
exegetas atuais.
14
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Métodos DiacrÔnicos e SincrÔnicos 
Entende-se por método um conjunto de procedimentos utilizados para 
examinar, com a maior objetividade possível, um dado. O método se distingue de 
abordagem, porque esta está mais inclinada ao ponto de vista a partir do qual é 
feita a leitura e interpretação de um texto. (LIMA, 2014). No fundo, as diferentes 
abordagens escolhem um método, sendo caracterizadas pela perspectiva e 
escopo que assumem. 
Os chamados métodos diacrônicos oferecem maior atenção ao crescimento 
dos textos e ao contexto em que o texto foi escrito, já os sincrônicos priorizam a 
forma fi nal do texto. Os métodos diacrônicos são reunidos no método histórico 
crítico, composto por diversas etapas, cada qual com princípio e procedimentos 
próprios. Integradas, estas etapas visam esclarecer o texto no momento de sua 
produção artística (LIMA, 2014).
Veja o que a exegeta Maria de Lourdes Lima fala a respeito do 
método histórico crítico:
A multiplicidade, por vezes contraditória, dos resultados 
das análises diacrônicas, o caráter hipotético de suas 
reconstruções, a aridez de sua argumentação e resultados, 
bem como a difi culdade de falar para a época contemporânea, 
que motivaram, em grande parte, o descrédito para com o 
método histórico crítico, conduziram a repensar a metodologia 
exegética. Estas se concretizaram, por parte de algumas 
correntes, no abandono completo da diacronia, com a 
consequente opção por uma leitura exclusivamente sincrônica 
(LIMA, 2014, p. 65).
No caso do método sincrônico, os mais divulgados são a análise retórica 
(valoriza a forma do texto), a análise narrativa (o papel do leitor na compreensão do 
signifi cado do texto), a análise semiótica (valorização das estruturas linguísticas) 
e, nas últimas décadas, a pragmático-linguística (o texto como elemento de 
comunicação). Cada qual dessas análises possui uma metodologia própria, que 
visa esclarecer o texto em sua visão canônica (ZAPELLA, 2014).
15
ESTUDO DA BÍBLIA Capítulo 1 
Em um ou outro método existem limitações, muitos dos exegetas atuais se 
utilizam dos dois métodos, reciprocamente, para fazer as suas análises. Dessa 
forma, os dois tipos de metodologias não se contrapõem, mas se complementam. 
A exegese não pode se limitar em falar do passado do texto, inclusive em 
suas possíveis etapas redacionais, mas deve chegar até sua forma canônica, 
valorizando-a como Palavra de Deus que quer comunicar, sem pretender que 
o mais antigo seja o melhor, ou o mais autêntico. Por outro lado, um estudo 
estritamente sincrônico perderia a dimensão temporal, histórica, e cairia no perigo 
do fundamentalismo. 
O que é exegese? De acordo com o autor Patrick 
Dondelinger (1998, p. 698), a exegese:
É um conjunto de procedimentos destinados a estabelecer 
o sentido de um texto. Têm-se necessidade dela cada vez 
que um texto suscita um interesse durável [...]. O texto não 
necessita dela no momento de sua composição: os autores ou 
redatores trabalham para serem perfeitamente compreendidos. 
Não é tampouco um assunto privado entre o texto e um leitor 
individual, permitindo uma interpretaçãosem limites. É o 
produto das necessidades de uma comunidade para a qual 
o texto é útil ou precioso. Tem particular importância numa 
comunidade religiosa que funda suas doutrinas, suas normas 
morais, sua espiritualidade em textos que crê inspirados. Essa 
comunidade terá ao mesmo tempo o cuidado de elaborar 
procedimentos que permitam descobrir no texto insuspeitados 
sentidos e aplicações, e controlar os tipos de exegese capazes 
de infl uenciar as crenças e a conduta de seus membros.
Estudos de história dos estilos literários têm mostrado (RODRIGUES, 2004) 
que muita coisa na Bíblia não é exatamente o que estávamos acostumados a 
pensar que fosse (mostram que muita coisa não aconteceu de fato daquele jeito 
como está escrito). Quando esses estudos começaram, muita gente se assustou, 
pensando que ia acabar com a sua fé. No entanto, as pesquisas históricas 
mostram que os fatos referentes à origem do povo de Deus foram escritos muitos 
séculos depois; descobriu-se que há textos formados com pedaços de outros 
textos, escritos por gente de ideias e épocas diferentes: isso explica por que o 
mesmo fato, às vezes, é contado duas vezes, com detalhes que divergem. 
16
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Para entender mais sobre a leitura bíblica a partir do universo 
metafórico, leia: MENDONÇA, José Tolentino. A leitura infi nita. A 
Bíblia e a sua interpretação. Universidade Católica de Pernambuco; 
Paulinas: Recife; São Paulo, 2015.
O estudo dos diversos estilos literários nos ajuda a entender que certos 
textos são poéticos e não podem ser interpretados como uma verdade científi ca. 
Isso, por exemplo, aparece no poema dos seis dias da criação (Gn 1,1-2,4), que 
é escrito, possivelmente, num contexto de forte sofrimento no período exílico, se 
trata de um convite para louvar a Deus, mas não obriga ninguém a crer que o 
mundo foi feito em seis dias. 
A Bíblia e o mundo humano não se separam, pois a Palavra de Deus veste 
as roupas do jeito humano de falar; é comunicada por intermédio do povo e 
dos sentimentos humanos de quem tinha a tinta nas mãos e escrevia o texto 
bíblico. O fato de o Espírito Santo inspirar a escrita, essa realidade não apaga 
a intencionalidade do autor, que vive os confl itos humanos, os quais podem 
infl uenciar diretamente os seus escritos, tanto positiva como negativamente. 
O povo sabia ler a presença de Deus nos fatos corriqueiros da sua história 
de vida. Por isso, a Bíblia, essa coleção de livros, não contém só orações, bons 
conselhos, frases edifi cantes. Nela estão presentes fatos da vida, com tudo que 
sabemos que tem a vida: heroísmo e violência, generosidade e pecado, sangue, 
guerra, casos de família, machismo, preconceitos, lealdade e traição, interesses 
econômicos e políticos e tantas outras situações. A Bíblia nos revela que Deus 
é a verdade! Mas ela também revela quem somos nós: humanos! Propensos ao 
amor, às dores, virtudes e fraquezas. 
A Bíblia pode ser entendida como um espelho, que refl ete a nós 
mesmos, com isso ela nos ajuda a discernir sobre nossas defi ciências 
e capacidades. E nos aponta para um mundo cheio de esperança, 
com possibilidades de transformações inimagináveis. Duas atitudes 
podem nos levar a uma falsa ideia de Deus e da encarnação: dar 
valor absoluto a tudo o que está escrito literariamente e ignorar os 
condicionamentos humanos e literários do texto. 
Duas atitudes podem 
nos levar a uma 
falsa ideia de Deus 
e da encarnação: 
dar valor absoluto 
a tudo o que está 
escrito literariamente 
e ignorar os 
condicionamentos 
humanos e literários 
do texto.
17
ESTUDO DA BÍBLIA Capítulo 1 
Você já deve ter se deparado com alguma situação em que pessoas se 
dirigem até você querendo provar ou impor alguma atitude com a citação de um 
versículo isolado. E se você questionar essa forma de leitura, imediatamente será 
acusado de não possuir fé, e não respeitar a Palavra de Deus. E afi rmam: “Não 
tem de interpretar nada! É Palavra de Deus! Tem que ser aceita como está! Em 
coisa sagrada não se mexe!” Infelizmente, existem pessoas que pensam que 
por se tratar da Palavra de Deus, cada parte da Bíblia tem que ser aceita como 
verdade absoluta, e não exige possibilidade nenhuma de argumentação. 
Contudo, é importante saber, você que é apaixonado pelos escritos bíblicos, 
que a Palavra de Deus é o refl exo daquilo que o povo sabia, sentia e vivia naquela 
época. Um exemplo: No livro de Levítico, o morcego – que é mamífero – é 
classifi cado como uma ave; na visão do povo da Bíblia, a Terra era o centro e 
o Sol é que girava em volta do planeta. Nesse sentido, ninguém é obrigado a 
discutir com os cientistas, só porque essas coisas estão escritas na Bíblia. Deus é 
tão magnífi co que permitiu que o povo se expressasse de acordo com as teorias 
do momento histórico em que viviam. Deus nunca permitiu que o seu povo desse 
um passo maior do que as próprias pernas. 
Em muitas situações, o povo atribui a Deus seus próprios sentimentos: que 
podem conter raiva, alegria, tristeza, indignação. Por exemplo, há vários textos 
que falam de violência, com muito sangue, e o povo dizendo que a morte dos 
inimigos é a vitória de Deus. Vivendo numa cultura violenta, o povo achava que 
Deus queria isso. Compreendiam Deus por meio dos sentimentos que estavam 
acostumados no dia a dia. Aliás, nós também vivemos numa sociedade violenta, 
não?! Sentimos que Deus queira a destruição dos seus fi lhos? Por outro lado, 
há situações que caberiam em determinadas épocas, mas que hoje não se 
aplicam mais. Por exemplo, no tempo da Bíblia (Ex 22, 18-26) não se contestava 
a escravidão, no máximo se recomendava um tratamento mais humano, existiam 
até leis que os protegessem; isso, é claro, não pode justifi car que um religioso 
cristão, nos dias atuais, fi que indiferente diante de situações de escravidão ou de 
falta de respeito ao direito de quem trabalha. 
O teólogo que se propõe a estudar a Bíblia deve ser fi el à Igreja, trabalhando 
com competência, para ajudar a própria Igreja a aprofundar sua compreensão da 
Palavra de Deus. É necessário também dar aos fi éis e às lideranças comunitárias 
ferramentas que os ajudem a ler a Bíblia com o olhar na realidade e no período 
bíblico, e não o contrário, o que poderia gerar equívocos desastrosos. A Palavra 
de Deus correria o risco de ser descaracterizada! E aquele desejo de fazer valer a 
vontade de Deus poderia surtir um efeito contrário. 
18
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
As Igrejas cristãs são gratas pelo trabalho dos especialistas que ajudaram e 
ajudam a entender o texto bíblico de uma forma diferente, ajudando a superar a 
leitura literal e adentrando a leitura que expresse o sentido que estava presente 
no período em que o texto foi escrito. Ser repetitivo, e querer que o texto fale à 
nossa vida, sem levar em conta o motivo pelo qual o texto foi escrito, pode incorrer 
numa infi delidade ao texto, e consequentemente, ao projeto de Deus. 
A Bíblia deve ser entendida dentro do seu contexto e só depois de estudada 
poderá iluminar a história de nosso tempo. Sabemos que o mundo em que foram 
escritos os livros bíblicos é muito diferente do nosso, afi nal já se passou um 
período de mais ou menos 4.000 anos e foram redigidos em etapas diferentes 
e distantes uma da outra. Um exemplo: se você olhar os costumes, a moral, a 
sociedade do tempo dos seus avós, verá que questões que eram fundamentais 
no tempo da juventude deles, hoje já não fazem mais tanta diferença, ou mesmo 
inexistem. E estamos falando de um mesmo país, estado e cidade. Imagine, você, 
essa realidade num país do Oriente Antigo, com uma religião, cultura totalmente 
diferente da nossa e um período de 4.000 anos nos separando. 
São muitos elementos a se considerar para a leitura da Bíblia, não acha? 
Refl ita sobre essa realidade e tire suas próprias conclusões. O texto bíblico deve 
nos permitir fazer um caminho diferente que nos leve ao aprendizado de forma 
autônoma e segurae não nos tornando repetidores de pregações ou homilias. O 
texto bíblico não muda, já foi escrito, mas certamente pode e deve mudar nossa 
maneira de entender o que lá está escrito. Isso não pode ser motivo de escândalo, 
mas de sabedoria! (MESTERS, 2012). 
A comunicação de Deus também se atualiza para que homens e mulheres 
possam crer sem ter de contrariar seus conhecimentos científi cos e sua 
compreensão do mundo e da história da humanidade. Contudo, espera-se, é 
claro, que os especialistas, para além do seu saber científi co, sejam capazes de 
perceber nos textos a Palavra de Deus e nela alimentem a sua fé. 
Nós, que somos aprendizes, temos de fazer progressos na nossa maneira 
de entender e ler a Bíblia, e não tendo medo de aproveitarmos os estudos mais 
sérios e modernos. E é justamente isso que iremos fazer a partir de agora! Bons 
estudos!
19
ESTUDO DA BÍBLIA Capítulo 1 
Atividade de Estudos: 
1) Leia o texto bíblico da Parábola do rico insensato em Lc 12, 16-
21, veja quais as difi culdades que surgem, se a leitura do texto for 
feita de forma literal. A vida do rico é pedida de volta, porque optou 
pelas riquezas, ou seja, juntou tesouros para si e não para Deus. Se 
a narrativa for lida ao pé da letra, poderá ser compreendida de forma 
trágica, aponte os caminhos de leitura para que isso não ocorra.
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Algumas ConsideraÇÕes
Nesse primeiro capítulo buscamos introduzi-lo, caro aluno, ligeiramente na 
leitura da Bíblia, de maneira mais acadêmica, mas também pastoral. Acreditamos 
que uma realidade contempla a outra. Para isso, fi zemos uso dos métodos 
propostos pela exegese bíblica, citamos apenas os mais utilizados, que são o 
método sincrônico e o anacrônico. Sabendo interpretá-los, seremos favorecidos 
por uma compreensão mais ampla da Bíblia. A Bíblia pode ser um local que inspira 
a rezar/orar, mas não de forma ingênua, não relativizando a fé, mas verifi cando as 
várias imagens de Deus construídas ao longo da história.
Ler a Bíblia é uma tarefa exigente, de acordo com o que vimos ao longo desse 
capítulo, no entanto, se soubermos utilizar as ferramentas de leituras propostas 
pelos mais variados métodos de leituras exegéticas, pode se tornar algo tranquilo. 
20
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Ao longo da nossa vida fomos acostumados a ler a Bíblia com muito medo, 
receio que acabou por gerar um bloqueio na hora da leitura. Tentando enxergar 
as narrativas como muito belas, “algo do céu”, mesmo aquelas que retratam 
situações de violência, tentávamos reinterpretá-las a ponto de se tornarem lindas 
aos nossos olhos.
Dessa forma, fi cou difícil vermos a Bíblia como uma biblioteca de livros 
literários, escritos em um período muito distante e diferente dos costumes que 
vivenciamos na sociedade hodierna. Optamos por ver a Bíblia como algo sagrado, 
muito sagrado, intocável e distante de nós! 
As ferramentas de leituras não podem ser vistas como algo que vai nos 
tirar a fé. Para quem é religioso, isso é muito importante, porém sabemos que a 
Bíblia não é lida apenas por religiosos, mas por cientistas, ateus e curiosos em 
geral. Isso signifi ca que os crentes possuem uma responsabilidade muito grande, 
faz-se necessário um diálogo de igual para igual, e não apenas repetir de forma 
fundamentalista o que pastores, padres, pregadores e lideranças em geral fazem. 
Não veja isso como algo intolerante, mas veja como um sinal de ressignifi car nos 
dias atuais a Palavra de Deus, que para nós se faz necessária! Se posicione e 
lembre que o conhecimento é um processo de aprofundamento da fé e da própria 
existência. Pense nisso e refl ita! 
ReFerÊncias
ANTONIZI, Alberto, et al. ABC da Bíblia. São Paulo: Paulus, 1982. 
EQUIPE NACIONAL DA DIMENSÃO BÍBLICO-CATEQUÉTICA. Como nossa 
Igreja lê a Bíblia. São Paulo: Paulinas, 1995. 
LIMA, Maria de Lourdes Corrêa. Exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2014.
MENDONÇA, José Tolentino. A leitura infi nita. A Bíblia e a sua interpretação. 
Universidade Católica de Pernambuco; Paulinas: Recife; São Paulo, 2015.
MESTERS, Carlos. Por trás das palavras. Petrópolis: Vozes, 2012. 
PULGA, Rosana. Beabá da Bíblia. São Paulo: Paulinas,1998.
RODRIGUES, Maria Paula (Org.). Palavra de Deus, palavra de gente. As for-
mas literárias da Bíblia. São Paulo: Paulus, 2004.
SERVIÇO de animação bíblica. Iniciação à leitura da Bíblia. São Paulo: Paulinas, 2007.
ZAPELLA. L. Manuale de analisi narrativa bíblica. Torino: Claudiana, 2014.
CAPÍTULO 2
O Antigo Testamento e sua História
A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes 
objetivos de aprendizagem:
  Compreender a formação do Antigo Testamento e os principais profetas 
que contribuíram para formar a identidade do povo de Israel. 
  Analisar os principais momentos históricos que foram fundamentais 
para a construção dos livros do Antigo Testamento. 
22
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
23
O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
ContextualiZaÇÃo
A Bíblia, como bem sabemos, é um livro diferente de todos os outros livros 
que conhecemos, pois não se trata de um livro, mas de uma coleção de pequenos 
livros (livretos, cartilhas). A palavra Bíblia se origina do grego, que signifi ca, 
literalmente, “livrinhos”, pois indica o plural da palavra biblion, que é o diminutivo 
de “biblos”. 
Os livros bíblicos foram escritos em três línguas diferentes, no entanto, a 
maior parte dela foi escrita em hebraico, outra parte em grego e a menor parte em 
aramaico. Os livros bíblicos, podemos chamar assim, foram escritos em muitos 
lugares diferentes, grande parte foi escrita na Palestina, mas outras partes foram 
escritas na Babilônia, no Egito, na Ásia Menor, em Roma, e em muitas outras 
localidades, difíceis de serem atestadas (KONINGS, 1998).
A literatura bíblica foi redigida, provavelmente, a partir do ano 1.000 a.C. e 
só foi fi nalizada por volta do ano 200 d.C., ou seja, mais ou menos 1.200 anos 
foram necessários até alcançar a forma que temos hoje. Foram muitos os autores 
responsáveis pela escrita dessa coleção, não se tem uma quantidade exata, mas 
foram mais de uma centena (KONINGS, 1998).
De acordo com o que afi rmamos no início desse item, a Bíblia é um livro 
diferente, porque se trata de uma obra considerada pelos sagrada cristãos. A 
parte que chamamos de Antigo Testamento contém livros sagrados dos judeus. 
O conjunto do Antigo e do Novo Testamento é o que é considerado sagrado para 
os cristãos. Partes do Antigo Testamento também são considerados para os 
islâmicos.
Contudo, se faz necessário entender que, por se tratar de livros sagrados, 
não estão fora da história, e nem caíram diretamente do céu. Pelo contrário, a 
Bíblia tem esse caráter sagrado porque revela o rosto de Deus da vida, que se 
manifesta na história, nas lutas em favor da vida com dignidade e justiça para 
todos, principalmente para as pessoas empobrecidas e marginalizadas. É na 
defesa e promoção da vida que a Bíblia ganha caráter sagrado e se torna Palavra 
de Deus. 
24
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
A história da Bíblia pode ser comparada à história de uma casa, que começou 
pequenina e pobre, com poucos cômodos, mas ao longo dos anos foi passando 
por reformas, recebendo acréscimos, novos cômodos, até tornar-se um enorme 
casarão. Conforme dito anteriormente, a Bíblia levou mais de mil anos para 
ser compilada. Ao ser iniciada, foi a partir de pequenas histórias de libertação 
queforam contadas a partir da oralidade, posteriormente sendo registradas por 
escrito, celebradas, recontadas, atualizadas em novos acontecimentos e sofrendo 
acréscimos com novas histórias, memórias, cânticos, provérbios, leis e orações, 
tudo passando por inúmeras revisões, até formar o livro que temos hoje em mãos. 
Leia “A Parábola da porta”, do autor Carlos Mesters (2012, 
p.13-19), na tentativa de ilustrar a porta de entrada no mundo da 
Bíblia. Disponível em: <https://nfl emos.wordpress.com/2005/01/22/a-
parabola-da-porta/>.
Esta parábola descreve a história da explicação da Bíblia 
ao povo, faz ver como nasceu e onde estão as suas fontes de 
informação. Nasceu de noite, no meio da alegria do povo. Nasceu de 
dia, no meio da rua deserta e triste. Nasceu de dia e de noite, junto 
aos livros e às máquinas complicadas, num canto escuro da Casa do 
Povo. 
Dando continuidade na comparação da casinha que se tornou 
casarão, o que se percebe ao fi nal é um enorme casarão pronto, 
isto é o resultado da última revisão. O que pode complicar aos seus 
leitores é que essas reformas não são identifi cadas nos escritos, 
isso é a Bíblia. O seu todo apresenta hoje o resultado das últimas 
grandes reformas pelas quais passou: o Antigo Testamento revela 
predominantemente as formas que recebeu no período do pós-exílio 
(cerca de 400 a.C. até 200 d.C.) ao longo do processo em que se 
constituía o judaísmo.
25
O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
Situando o Antigo Testamento
Para compreendermos o nascimento da Bíblia, devemos voltar ao ano 
1.300 a.C., na terra de Canãa. Nessa época, grande parte da população vivia 
nas planícies férteis em torno de centros urbanos – pequenas cidades-estados, 
cercadas por muralhas –, e estava submetida ao domínio dos reis cananeus e do 
Faraó do Egito. Entretanto, havia um contingente menor de pessoas habitando 
nas regiões montanhosas de Canaã (Hebron, Betel e Siquém) e no deserto ao 
Sul (Bersabeia). Eram pequenas aldeias camponesas que possivelmente tiveram 
suas origens em assentamentos de famílias de pastores que se fi xavam nessas 
regiões, fora do controle dos centros urbanos. Em cada uma delas havia o costume 
de se venerar a memória do seu patriarca fundador, por exemplo: se venerava 
Sara e Abraão em Hebron; Isac e Rebeca em Bersabeia; Israel e Raquel em Betel 
e Jacó em Siquem. É nessas pequenas aldeias que se dá início à história de 
Israel. Tente visualizar as cidades acima citadas, no mapa:
Figura 1 - Mapa do mundo antigo
Fonte: Disponível em: <http://www.biblesociety.org/>. Acesso em: 6 out. 2017.
26
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
“Já os grupos urbanos e as aldeias camponesas das montanhas do Sul 
de Judá possuíam mais ou menos a mesma cultura: eram cananeus, e os 
seus deuses e deusas eram as divindades do panteão cananeu: El, Elohim, 
Aserá, Baal, Astarte, Anat, entre outros” (GERSTENBERGER, 2007, p. 169). 
Contudo, a vertente urbana da religião estava associada ao sistema de poder, e 
funcionava como religião ofi cial. Ensinava que as deusas e os deuses apoiavam 
e abençoavam o Faraó e os reis, se comunicando diretamente com eles. Estas 
divindades não estavam interessadas na vida das pessoas que trabalhavam, das 
pessoas pobres, marginalizadas ou escravizadas. Somente os reis e faraós eram 
considerados fi lhos de Deus (Sl 82,6-7). 
As outras pessoas deviam reverenciar e obedecer ao faraó e aos reis como 
se eles fossem os representes ofi ciais dos deuses na Terra, ou os próprios deuses 
em pessoa. Eram cultuados em grandes celebrações nos templos ofi ciais, e todas 
as pessoas deviam trazer-lhes oferendas, tributos, e submeter-se a trabalhar nas 
construções dos seus palácios e templos. Dentro das muralhas, na religião ofi cial, 
as divindades do panteão cananeu eram postas a serviço da legitimação do poder, 
da coleta de tributos e do acúmulo de riquezas e poder. 
Entre as aldeias camponesas nas montanhas, o culto aos deuses e às 
deusas estava vinculado aos diversos aspectos fundamentais da vida, como ter 
fi lhos, fertilidade dos campos e dos animais, saúde, amor, proteção, veneração 
aos antepassados etc. Eram os anciãos, pais, mães, quem realizavam o culto, e 
as oferendas eram praticamente simbólicas e raramente alguém fi cava mais rico 
ou mais pobre na vertente da religião camponesa. Era uma religião geralmente 
centrada na defesa e na promoção da vida, da identidade e das instituições que 
possibilitavam a vida nas condições ambientais das aldeias. 
Toda essa realidade se dava num contexto de uma sociedade patriarcal. Na 
política e na religião as mulheres tinham alguns espaços importantes, tanto nas 
cidades como nas vilas camponesas. No entanto, esses espaços e as próprias 
mulheres estavam subordinados ao controle dos homens. 
A crise dos grandes centros urbanos a partir de 1.200 a.C., causada por vários 
fatores, entre os quais a chamada “invasão dos povos do mar”, e o processo de 
resistência ao sistema de dominação das cidades-estado, fazem com que grupos 
de pastores, camponeses e gente marginalizada (hapirus) de Canaã, e pessoas 
escravizadas no Egito, encontrem nessas aldeias a possibilidade de viver longe 
da dura opressão imposta a eles pelos reis cananeus e pelo faraó. Essas pessoas 
vão aumentar as populações de Hebron, Bersabeia, Betel e Siquém. 
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O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
Conheça um pouco mais sobre os hapirus: 
Entre os camponeses havia também os chamados hapirus, 
fugitivos que, para escapar aos tributos – impostos – e à corveia 
– trabalho forçado -, exigidos pelos reis e pelos faraós, iam para 
as montanhas, onde viviam da pilhagem – saque – ou então 
alugavam-se como soldados mercenários dos exércitos dos 
reis. Encontravam-se, sobretudo, no sul da Mesopotâmia. Eles 
apareciam como bandos inimigos, que ameaçavam as cidades 
por suas invasões. Em outros lugares, eram gente que se 
vendia voluntariamente para ser escrava. Sua situação no Egito 
apresentava muita semelhança com a dos hebreus, que deles 
herdaram até o nome (VILLAC; SCARDELAI, 2007, p. 14).
Os hapirus eram originários de Canãa e pessoas escravizadas no Egito. 
Buscavam encontrar nas aldeias a possibilidade de viver longe da dura opressão 
imposta a eles pelos reis cananeus e pelo faraó. Essas pessoas são fundamentais 
para o aumento da população de Hebron, Bersabeia, Betel e Siquém. 
Provavelmente, a partir de Betel e Siquém formam-se as tribos de Benjamim, 
Efraim e Manassés, e a partir de Hebron origina-se a tribo de Judá, que mais 
tarde englobará a Bersabeia. Este é o núcleo inicial de Israel, que se forma nas 
montanhas centrais da Palestina. 
Nesse processo, algum povo pode ter trazido o culto a Javé para dentro das 
aldeias e tribos de Israel. Javé parece ser uma divindade que veio de fora de Canaã 
(Ex 2,16;3,1-2; Dt 33,2; Jz 5,4; Hab 3,3). Javé é integrado ao panteão das tribos e 
aldeias camponesas, possivelmente como o Deus dos guerreiros e da guerra (cf. 
Ex 15,2-3; 14,14.24-25.27; Jz 4,14-15; 1Sm 17,47). Contudo, nas tribos e aldeias, 
estes guerreiros travam apenas guerras defensivas contra saqueadores. Seu culto 
acontecia no momento em que os camponeses necessitavam transformar seus 
instrumentos de trabalho em armas (1Sm 17,40-43) e formar linhas de guerreiros 
para defender a vida de suas famílias, suas colheitas, suas terras e sua liberdade.
28
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
O Sistema Tribal
O longo período pré-histórico da humanidade foi, possivelmente, uma época 
marcada por grupos menores e por bandos. Eram caçadores e coletores. Somente 
a partir do 10º milênio a.C. se conhecem, no antigo Oriente, processos de transição 
para a agricultura. Segundo Gerstenberger (2007, p. 29), “o tamanho ideal de 
grupos errantes na busca por alimentos era em torno de dez e trinta pessoas. 
Se considerar um grupo consanguíneo, logo se chega a um número desses, em 
analogia a grupos de primatas”. 
A partir dessas hordas humanasé que surgem no antigo Oriente famílias 
ampliadas, com uma estrutura de cunho patriarcal rigidamente genealógica. 
De acordo com o que sabemos, essas famílias se caracterizavam por serem 
econômica, jurídica e religiosamente autônomas. Suas casas, segundo os 
arqueólogos, nas cidades de Israel, não eram muito grandes. Havia um espaço 
para umas cincos até dez pessoas, não sendo possível abrigar uma família 
ampliada de até 30 ou 50 pessoas, como talvez fosse mais comum no interior.
 
Por se tratar de um grupo limitado, preocupado em conseguir alimentos 
comunitariamente, um grupo que partilhava todos os bens adquiridos, a comunidade 
clâmica desenvolveu ideias teológicas específi cas, relacionadas ao respeito, à 
sobrevivência do grupo e de seus integrantes, à sua saúde, sorte e procriação. 
Expressão típica da religiosidade desses grupos menores eram, por exemplo, os 
lamentos individuais no Antigo Testamento hebraico e no entorno de Israel. 
O sistema tribal marca a sociedade das montanhas nos séculos XII e XI a.C. 
Durante este período, as planícies ainda continuavam sob o controle dos reis 
cananeus e sob o jugo das cidades-estado. Foi um período antimonárquico. 
Dessa forma, no decorrer dos séculos XII e XI a.C. coexistiam na Palestina 
dois modelos sociais: na planície, as cidades-estado e suas monarquias; nas 
montanhas, o tribalismo camponês. Este último carregava a experiência dolorosa de 
séculos de espoliação por reis e faraós, que, por meio de suas expedições, muitas 
vezes anuais, arrasavam aldeias e plantações. Levavam o senso e a prática da 
contestação contra as cidades-estado da planície (VILLAC; SCARDELAI, 2007). 
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O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
O vídeo indicado nos ajuda a adentrarmos na caminhada do 
povo de Israel, de uma maneira popular, relacionando a história de 
hoje com a do povo antigo. 
Primeira parte: 
<https://www.youtube.com/watch?v=sdEm2K5Ue4E& feature
=youtu.be>.
Segunda parte:
<https://www.youtube.com/ watch?v=Z9Uux51qDes&feature
=youtu.be>.
O PoVo Que CaminHa: de Moisés a 
Josué
O projeto exodal expõe tensões vividas pelo povo de Israel durante a 
travessia do deserto. Além da realidade humana, o deserto na Bíblia simboliza 
o começo de um longo e penoso processo de libertação, que terá seu desfecho 
na entrada do povo na Terra Prometida. O caminho do Êxodo tem um sentido 
profundamente pedagógico (VILLAC; SCARDELAI, 2007), ou seja, sua história 
quer ensinar e manter viva na memória do povo uma grande lição de vida.
No projeto do êxodo está implícita uma busca contínua por libertação, que 
após ser contada oralmente é redigida por escritores que tinham interesse em 
preservar sua memória no meio popular da sociedade de Israel. É um projeto que 
vai se realizando aos poucos, mediante gestos concretos assumidos pelo povo, 
quando decidem não mais ser escravos. Recusam servir ao faraó e ao Egito, e 
daí um grupo de escravos (hebreus) decide traçar seu próprio destino. Esse povo 
vive uma experiência profunda ao caminhar pelo deserto com o seu Deus. O Deus 
que caminha com o seu povo é peregrino, habita em cabanas junto aos seus, e 
faz aliança com eles. 
30
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Do ponto de vista histórico, a saída do Egito e a entrada em Canaã estão 
notoriamente entre as narrativas mais complexas de todo o corpus de tradições 
que confl uíram no Antigo Testamento (MCDONALD, 2013). Há muito existe um 
substancial acordo em considerar que o percurso do êxodo e a ambientação 
topográfi ca da entrega da Lei sejam elementos muito tardios (do período pós-
exílico) inseridos na narrativa com o fi m de realizar uma ligação lógica entre 
os dois elementos da promessa: saída do Egito e tomada de posse da terra. 
(LIVERANI, 2008).
A imagem do deserto, no conjunto Êxodo-Números, não é de tipo pastoril, 
em que as tribos vivem à vontade; é, porém, do tipo “zona de refúgio” ou “terra de 
exílio”, numa perspectiva citadina de profundo mal-estar.
O caminho é muito complicado e perigoso, conforme Dt 8,15: “Deserto grande 
e terrível, povoado de serpentes abrasadoras e de escorpiões, terra de sede, onde 
não se encontra água”. Essa passagem é semelhante às preocupações logísticas 
para a travessia do deserto por parte dos exércitos assírios, como na expedição 
de Esarhaddon em Baza: um distrito remoto, uma extensão desértica e de terra 
salina, uma região de sede, com serpentes e escorpiões que cobrem a terra como 
formigas (LIVERANI, 2008). 
Também os exércitos da monarquia de Judá tinham atravessado o deserto, 
por exemplo, na expedição contra Mo’ab e à procura de água por parte de Moisés, 
que a faz brotar da rocha (Ex 17,1-6), corresponde à procura da água por parte 
dos “profetas” juntados ao exército naquela ocasião: “Cavai um grande número 
de fossos neste vale! Assim fala o Senhor: Não vereis vento nem chuva, todavia 
este vale se encherá de água e bebereis vós, vossos rebanhos e vossos animais 
de carga!” (2Rs 3,16-17). O milagre de Moisés, que purifi ca a água salobra (Ex 
15,22-25), corresponde ao análogo milagre de Eliseu (2Rs 2,19-22). 
As enormes difi culdades encontradas na travessia do deserto centram-se no 
motivo das murmurações sediciosas do povo contra Moisés (Ex 15,24;16,2;17,3; 
Nm 11,4-5;14,2-3;20,2-3). E de modo semelhante, as dúvidas sobre a possibilidade 
de ocupar Canaã concentram-se no motivo dos exploradores que em geral (salvo 
Josué e Caleb) dão informações não muito animadoras (Nm 13). Em ambas as 
situações, o povo se pergunta se não teria sido um grande erro dar ouvidos a 
Moisés (igual aos sacerdotes), abandonar o Egito (igual a Babilônia), para 
procurar por uma terra mais difícil, habitada por populações hostis e violentas. 
Os dois motivos, da sedição e dos exploradores, refl etem debates que devem ter 
acontecido entre quem propugnava o retorno e quem manifestava perplexidade 
ou sem dúvida preferia fi car numa terra de exílio que se mostrava habitável e 
próspera (LIVERANI, 2008). 
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O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
Quando se descreve a travessia como uma realidade estranha e 
substancialmente desconhecida, foram utilizadas rotas de itinerários que deviam 
ser de uso de rotas militares ou comerciais, ou, em parte, talvez de percursos 
de peregrinação a lugares santos do deserto. Esses percursos não podiam 
deixar de utilizar velhas direções de transumância pastoril, levando em conta 
o condicionamento viário que no deserto é ditado pela presença de poços, de 
passagens montanhosas, de vaus (local raso no mar ou no rio, em que seja 
possível fazer a passagem a pé).
Contudo, os estudos dos itinerários do êxodo são difíceis de serem atestados, 
pois a maior parte dos topônimos – designação de um lugar, de uma região 
geográfi ca –, não aparece em outro lugar, e até a localização do Sinai é debatida. 
Alguns traçados fundamentais parecem reconhecíveis: a via sul-norte, do golfo 
de Aqaba à planície de Moab, através do deserto de Edom e o deserto de Moab, 
estão localizadas nas margens do deserto não tanto porque moabitas e edomitas 
neguem a passagem quanto porque ali passava a grande via das caravanas, 
onde o planalto não é mais cortado (como acontece mais a oeste) por profundos 
vales de difícil travessia (LIVERANI, 2008).
O livro de Josué retrata com intensa vivacidade a realização de uma primeira 
etapa da promessa de Deus: entrar na terra prometida. Além de ser o sexto livro 
da Bíblia, Josué é o primeiro dos livros que a Bíblia hebraica identifi ca como 
profetas anteriores. A Josué se juntam Jz, 1-2Sm e 1-2Rs, para formar o conjunto 
da historiografi a deuteronômica. 
A narrativa de Josué fala de acontecimentos ocorridos entre os séculos 
XIII e XI a.C. Provavelmente essa conquista ocorreu de forma lenta e gradual, 
compreendendo um processo que incluía guerras violentas, porém intercaladas 
por momentos de relativa paz e estabilidade. Essa fase chegou ao fi m durante 
um período de transição política, quecorresponde às primeiras tentativas de 
instalação da monarquia, com Saul. A história das tribos forma o conteúdo básico 
do livro de Josué, o qual pode ser dividido em três partes:
a) Js 1-12, que corresponde às narrativas sobre os acontecimentos da 
conquista propriamente dita, e traz como pano de fundo religioso o 
santuário de Guilgal;
b) Js 13-21, fala da distribuição, partilha e ocupação da terra entre as tribos;
c) Js 22-24, é dedicada ao personagem Josué até sua morte.
32
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
A ideia de sincronizar a história das 12 tribos faz parte de um programa do 
escritor, visando preparar um esquema que irá desaguar na confederação político-
nacional de Israel. Por isso, a história das tribos antecipa uma nova ordem social, 
um novo modelo baseado na partilha igualitária das propriedades. Dessa forma, 
o sistema tribal procura mostrar o estágio político que antecipa a monarquia, 
planejando um entrelaçamento entre as tribos e monarquia, ambos envolvem o 
contexto social, político e religioso da Aliança (VILLAC; SCARDELAI, 2007). 
A narrativa bíblica da conquista fundante é notoriamente, de acordo com 
Liverani (2008, p. 347):
Uma construção artifi cial, com a intenção de enfatizar a unidade 
de ação de todas as doze tribos. São evidentes numerosas 
contradições internas, devidas à inábil utilização de diferentes 
tradições estratifi cadas no tempo. Algumas tradições de raio 
nitidamente local (por exemplo, a tradição sobre os calebitas 
em Js 15,13-19) tinham por trás uma respeitabilidade que 
tornava impossível eliminá-las. Essas tradições relacionadas 
com percursos de transumância entre Negev e planaltos 
centrais podiam confi gurar muito melhor um ingresso na 
Palestina pelo sul (segundo a via “normal” para quem vem do 
Egito), o qual, porém, foi eliminado em favor de um ingresso de 
todo o povo pelo leste.
A narrativa que forma Js 6-8 se refere à conquista somente do território de 
Benjamim e de Efraim, depois de passado o Jordão. As narrativas da vitória sobre 
os reis dos amorreus do Sul são nitidamente separadas (Js 10) da vitória sobre 
Hasor no norte (Js 11). Essa justaposição de três vagas diferentes serve para 
conferir um sentido de conquista total. A distribuição dos territórios que é feita 
por sorteio (Nm 33,50-34,15) é totalmente artifi cial e não pode corresponder a 
nenhum processo de assentamento que seja historicamente plausível (pode, 
quando muito, servir de modelo operativo para os sobreviventes do período 
persa). A própria descrição dos territórios tribais (Js 13-19), diferente entre sul e 
norte, não pode ser compreendida senão à luz de eventos posteriores à época à 
qual pretende se referir. 
São tantas as incongruências e as estilizações que a narrativa do livro de 
Josué não pode, senão, ser lida em relação às intenções de um redator (de 
tradição deuteronomista) que tinha em mente os problemas de sua época e 
substancialmente o problema de retomada de posse da terra de Canaã por parte 
dos sobreviventes do exílio babilônio. Esse redator decidiu narrar a conquista-
modelo segundo os caracteres da unidade de ação e do forte confl ito em relação 
aos residentes. 
33
O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
Essas escolhas de fundo não eram nada esperadas: os sobreviventes da 
Babilônia eram (Esd 1,5) e não podiam deixar de ser de Judá e de Benjamim, 
ou seja, do núcleo fi nal do ex-reino de Judá conquistado por Nabucodonosor, 
portanto, duas tribos em doze. E o país hospedava uma pluralidade de povos 
nem todos igualmente estranhos, pois havia inclusive israelitas (javistas) não 
deportados, seja no Sul, seja no Norte, com os quais uma política de compromisso 
podia ser razoavelmente perseguida. O fato é que a narrativa parece refl etir uma 
política extremista, que era uma das opções (mas não a única possível) para os 
grupos dirigentes que pretendiam reconstruir um novo Israel. 
Para entender o que é a obra deuteronomista:
Para o Deuteronômio, mais que para qualquer outro livro bíblico, 
a interpretação depende do contexto hermenêutico que se supõe. De 
fato, esse escrito pode ser lido quer no contexto do pentateuco (os 
primeiros cinco livros da Bíblia), como o último livro da Torá, quer 
como a abertura programática da historiografi a deuteronomista.
Figura 2 - Os livros que fazem parte da historiografi a deuteronomista
Fonte: Adaptado de Römer (2010, p. 260).
O paradigma adotado no livro de Josué é o da guerra santa, de clara matriz 
deuteronomista, mas dotada de profundas raízes na ideologia siro-palestina 
desde os séculos da pressão assíria. A historiografi a deuteronomista o aplicou 
retrospectivamente a toda a história das relações entre Israel e os outros povos, 
não apenas na época da conquista, mas também na época dos juízes e depois no 
primeiro período monárquico. 
Os princípios fundamentais da guerra santa: Deus está conosco, combate 
ao nosso lado e garante a vitória; os inimigos, embora aparentemente mais 
fortes, não podem contar com igual apoio e estão destinados à derrota; as ações 
bélicas, porém, devem ser procedidas por adequada preparação votivo-cultural; 
todo erro ou falta nesse sentido seria punido com o insucesso; o fruto da vitória 
34
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
deve ser atribuído a Deus (que é seu artífi ce) e, portanto, deve ser ritualmente 
destruído sem dele tirar vantagem material. Como conclusão, se o povo for fi el a 
Deus, seguramente vencerá. E, ao contrário, se for derrotado, deverá procurar as 
causas do insucesso numa infi delidade sua (LIVERANI, 2008, p. 349).
Os povos estranhos serão substituídos pelo povo eleito, que pode tomar 
posse de um território já preparado – com cidades, casas e campos – desde que 
elimine sem piedade os habitantes anteriores e garanta a total devoção a Yahweh 
de todos os membros da nova comunidade que se pretende construir:
Depois, vocês atravessaram o Jordão e chegaram a Jericó, 
mas a classe poderosa de Jericó fez guerra contra vocês: os 
amorreus, os fereseus, os cananeus, os heteus, os gergeseus, 
os heveus e os jebuseus, mas eu os entreguei em suas mãos. 
Eu enviei grandes vespas diante de vocês, o que tirou de sua 
frente os dois reis amorreus; não foi com a espada de vocês, 
nem com seu arco. Dei para vocês uma terra pela qual vocês 
não se esforçaram, cidades que vocês não construíram, e nas 
quais vocês habitam; vinhas e olivais que vocês não plantaram, 
e dos quais vocês comem. (Js 24,11-13).
Na versão sacerdotal, a ideia de uma terra já preparada na qual se implanta 
prévia eliminação dos habitantes anteriores está analogamente presente, embora 
a ênfase seja posta na purifi cação cultual: 
Quando vocês atravessarem o rio Jordão e entrarem na terra de 
Canaã, expulsem todos os habitantes da terra da presença de 
vocês. Façam desaparecer todas as suas imagens esculpidas. 
Façam desaparecer todas as suas imagens fundidas, e 
eliminem todos os seus lugares altos. Tomem posse da terra 
e habitem nela, pois eu lhes dei essa terra, para que vocês a 
possuam (Nm 33,51-53).
No fundo, a ideia da conquista como total substituição de uma população 
anterior – exterminada – por uma que fosse importada, com o intuito de substituí-
la, não pode ter sido concebida antes que difundissem as deportações imperiais. 
Mas nos termos em que essa ideia foi formulada, ela se torna uma visão 
totalmente utópica, em sua implacável rigidez, e nem pode pertencer nem à época 
da primeira etnogenia, nem à do regresso do exílio: põe-se no plano do projeto 
ideal mais que da prática realização, fornece informações sobre a ideologia de 
quem o tinha formulado, mais que sobre os acontecimentos que se produziram. 
35
O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
A Fim de Compreender (Gn 1-11)
De acordo com a formação do Antigo Testamento, a história de Israel não 
começa com a criação ou com o chamado de Abraão. Dessa forma, embora o livro 
de Gênesis apareça no início da Bíblia,suas narrativas foram elaboradas muito 
tempo depois, já na terra de Israel. E provavelmente só por volta do ano 400 a.C. 
é que o Gênesis alcançará a forma como encontramos na Bíblia atualmente. Da 
mesma maneira como nós contamos a história do nosso país de forma diferente 
da que era contada 20 ou 30 anos atrás, também o povo de Israel, a cada nova 
etapa da vida, alterava a forma de contar a própria história. 
Muitas narrativas presentes no livro de Gênesis apresentam histórias de 
famílias, clãs, santuários ou instituições. Ora, as tribos se organizavam de forma 
autônoma e independente entre si, consequentemente, suas histórias também. 
Lentamente, no conjunto de Israel, essas “historietas” particulares iam sendo 
reelaboradas e agrupadas tanto em tradições orais como escritas. Dessa forma, 
após três ou quatro séculos de monarquia, após muitas releituras na separação 
dos reinos (cerca de 930 a.C.) e nas tentativas de reunifi cação de Ezequias (por 
700 a.C.) e de Josias (mais ou menos 620 a.C.), essas tradições serão integradas 
em escritos maiores como a história de um só povo. E tudo indica que o processo 
terá fi m com ampliações e releituras, somente quando o povo de Judá for levado 
para o exílio (598-530 a.C.), e quando os descendentes dos exilados retornarem 
e reconstituírem Judá (cerca de 400 a.C.). As duplicações e contradições são 
testemunhas do que encontramos no livro de Gênesis: 
- Duas narrativas da criação (1,1-2,4a e 2,4b-24);
- Duas genealogias de Caim (4,17-26 e 5,12-31);
- Duas genealogias de Sem (10,21-25 e 11,1-17);
- Duas narrativas do dilúvio combinadas (6,5-9,17);
- Duas narrativas da aliança entre Deus e Abraão (15-17);
- Duas expulsões de Agar (16-21);
- Três narrativas sobre os patriarcas e suas mulheres no estrangeiro (12,10-
20; 20; 26,1-11);
- Duas histórias combinadas de José (37-50).
36
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
As duplicações de uma mesma narrativa demonstram que foram 
escritas e/ou contadas em lugares e contextos diferentes. Por isso 
o estilo e o gênero literário não são os mesmos. Cada povo, no seu 
lugar de origem, possui um estilo próprio de contar e narrar as suas 
histórias. Por este motivo, não podemos analisar os textos duplicados 
de forma fundamentalista, pois perderiam a sua originalidade, e até 
incorreria em duvidarmos de sua autenticidade literária. 
Fonte: Rodrigues (2004, p. 45).
O livro de Gênesis é dividido em duas grandes partes: Na primeira, Gn 1-11, 
onde estão as narrativas sobre a origem do mundo, da vida e dos diversos povos; 
na segunda, Gn 12-50, onde encontramos as narrativas sobre os patriarcas e 
matriarcas das tribos de Israel; Abraão, Sara e Agar (12, 1-25,18); Isaac e Rebeca; 
e principalmente Jacó, com a fi lha e os 12 fi lhos de Lia, Zaquel, Bala e Zelfa 
(25,19-36,43); por fi m, a história de José (37,1-50,26). 
Ao abrirmos o livro do Gênesis encontramos os famosos relatos da Criação, 
a história de Adão e Eva, da serpente, de Caim e Abel, do Dilúvio e da Torre de 
Babel. Essas histórias nasceram ao longo da história do próprio povo de Israel 
infl uenciadas pela cultura dos povos do Antigo Oriente Próximo, especialmente da 
Mesopotâmia, do Egito e de Canaã, com os quais Israel conviveu.
De acordo com a concepção de mundo dos povos do Antigo Oriente Próximo, 
a terra tinha a forma de um disco plano, rodeada por águas e sustentada por 
colunas. As águas de baixo eram chamadas de águas inferiores, onde fi cavam o 
abismo e o xeol, a morada dos mortos. Sobre a terra se estendia o fi rmamento, 
numa espécie de arco ou uma tigela virada para baixo. Nesse fi rmamento estavam 
pendurados o Sol, a Lua e as estrelas. Acima do fi rmamento fi cavam as águas 
superiores, que saíam através das comportas, e mais acima estava a morada de 
Deus. Veja a fi gura a seguir:
37
O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
Figura 3 – A concepção de mundo dos povos do antigo oriente próximo
Fonte: Disponível em: <http://leituraorante.comunidades.net/65279-2-aula-o-povo-de-isra-
el-e-a-criacao-do-mundo3>. Acesso em: 6 out. 2017.
Essa visão de mundo infl uenciou os autores de Gênesis 1 a 11. Além da 
cultura daquela época, é importante lembrar os principais acontecimentos da 
história de Israel, nos quais surgiram as páginas iniciais do livro do Gênesis. 
Vamos fazer esse percurso juntos? 
 
a) Os principais acontecimentos históricos
A partir das diferentes redações apresentadas, fi ca claro que o relato de 
Gênesis 1-11 é fruto de um longo processo histórico e recolhe histórias de várias 
gerações. A redação fi nal do livro de Gênesis aconteceu por volta dos anos 400 
a.C. As histórias narradas nesse livro passaram por um longo processo, foram 
contadas, escritas, reescritas e relidas durante as diferentes etapas da história de 
Israel. Vamos recordar os vários períodos dessa história?
• O período tribal: O período entre os anos 1250 e 1030 a.C. é conhecido 
como o período das aldeias comunitárias. O período das tribos. Nesse 
tempo em que não havia rei, o poder era descentralizado e as decisões 
eram tomadas em assembleias. A maioria da terra era propriedade coletiva. 
Nos primeiros tempos, o trabalho e seu fruto eram partilhados entre todos. 
38
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Um tempo marcado pela igualdade e solidariedade. Algumas memórias 
desse período, por exemplo, a integração com a terra, foram preservadas 
em Gênesis 2.
• A monarquia: A monarquia em Israel ocorreu entre os anos 1030 a 586 
a.C. Apesar dos protestos de vários grupos do interior, surge a monarquia 
em Israel. O povo é governado por um rei, existe uma corte, e um templo. 
Aumentam a opressão, o endividamento e a escravidão, essa realidade 
está refl etida em Gênesis 3. Em 586 a.C. os babilônios dão fi m à 
monarquia de Israel e algumas lideranças são exiladas para a Babilônia 
(VASCONCELOS; SILVA, 2003).
• O exílio da Babilônia: O exílio da Babilônia ocorreu provavelmente entre 
os anos 586 a 539 a.C. O povo de Israel vivia um momento de profunda 
crise de identidade. Nesse período, a história de Israel e suas tradições, 
que já haviam sido escritas, são revistas e reelaboradas. Tanto em 
Jerusalém, como nos arredores da cidade e na Babilônia surgiram muitos 
escritos que hoje fazem parte da Bíblia. Por exemplo, na Babilônia surge o 
conhecido poema da Criação (1,1–2,4a) e a tradição da torre de Babel (Gn 
11,1-9). (VASCONCELOS; SILVA, 2003).
• O período persa: O domínio persa ocorreu entre os anos de 539 a 333 
a.C. O império persa favorece a reorganização dos povos dominados a 
partir da religião, exigindo em troca submissão política e pesados tributos. 
Alguns grupos de judeus exilados voltam para Jerusalém e reorganizam 
o povo a partir do Templo e da Lei, sob o governo de sacerdotes ofi ciais. 
Nesse período, conhecido como teocracia, multiplicam-se os sacrifícios 
e as exigências da Lei, especialmente das leis referentes à pureza e ao 
sábado (8,20-21) (KONINGS, 1997).
A redação fi nal dos livros de Gn, Ex, Lv, Nm e Dt, e a reunião dos livros que 
formam a Torah, conforme a tradição judaica, e Pentateuco, conforme a tradição 
cristã, são concluídas por volta do ano 400 a.C.
A partir de sua história e de sua cultura, os autores de Gênesis 1 a 11 deram 
suas respostas às necessidades de sua época, em contextos e lugares diferentes, 
porém essa história é tecida com a sabedoria acumulada de geração em geração. 
É preciso ler, deixar se envolver por essas narrativas e descobrir a riqueza dessa 
história.
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O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
 b) Em busca da mensagem de Gênesis 1-11
 Os relatos de Gênesis 1 a 11 procuram nos ajudar a entender mais 
sobre as origens da vida, a partir da religiosidade do povo de Israel, da sua 
crença no Deus único e criador de todas as coisas. Na tentativa de auxiliar o 
seu aprendizado, apresentamos algumas chaves para você ler as páginas iniciais 
desse livro: 
• Você deve saber que os relatos sobre a criaçãodo mundo e da 
humanidade não são exclusividades de Israel, do Egito e do Oriente 
Próximo. Também povos mais distantes, como Índia, China e África, 
produziram suas histórias sobre a origem do universo. Todas as culturas 
antigas produziram relatos da criação, inclusive no Brasil há vários contos 
indígenas da criação (MARQUES; NAKANOSE, 2007). 
• As narrativas de Gênesis 1-11 afi rmam que o Deus de Israel é o criador. 
Na região da Mesopotâmia, Canaã e Egito havia a crença na existência de 
divindades criadoras. Os relatos de Gênesis 1 a 11, mesmo de épocas 
diferentes e utilizando diversos nomes para Deus, atestam que o Deus de 
Israel é o criador do céu e da terra (Gn 1; Sl 121,2; 124,8; 134,3).
• Um Deus humano e próximo. Algumas narrativas do livro do Gênesis 
apresentam a imagem de um Deus presente na vida do ser humano. Um 
Deus oleiro: ele modela o 'adam e os animais a partir do solo; exerce 
também a função de construtor: da costela de Adão, ele constrói a mulher 
(Gn 2,21-22). Ele é agricultor: planta um jardim (2,7-8.19). Deus faz justiça 
aos oprimidos e não abandona o pecador à sua própria sorte (4,10.15). 
Um Deus libertador que não compactua com o projeto opressor (11,1-9).
• A petulância do ser humano. No jardim, mulher e o homem possuem 
liberdade e se relacionam com Deus e com todos os seres criados. A única 
proibição é não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. A 
serpente não convida à desobediência, mas sua argumentação atinge o ponto 
central do ser humano: "vós sereis como deuses, versados no bem e no mal" 
(3,5). A petulância do ser humano, especialmente dos reis e dos governantes 
que se colocam no lugar de Deus, provoca a destruição do paraíso. 
• A agressividade interrompe a fraternidade. A história de Caim e Abel 
é a primeira de uma série de histórias que apresentam confl itos entre 
irmãos. Caim é apresentado como agricultor e Abel como pastor. Essa 
história retrata os confl itos existentes entre agricultores e pastores. E 
nesse confl ito, Deus opta pelo mais fraco. A história exemplifi ca a ruptura 
da fraternidade como a raiz da violência.
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 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
• A realidade de injustiça provoca a aniquilação da natureza. A crescente 
realidade de injustiça e a concentração de poder provocam a destruição 
de toda a natureza: o Dilúvio. Na Babilônia, os judeus exilados entram 
em contato com histórias de inundações próprias da região. Os autores 
de Gênesis 6-7 fazem uma releitura dessas histórias, apresentando uma 
explicação para a sua realidade de destruição, com a intenção de provocar 
mudanças de comportamento na sociedade.
• Graciosidade de Deus. À medida que aumentam a violência e a maldade 
do ser humano, cresce a graça de Deus. A pessoa se distancia, mas Deus 
continua se aproximando e cuidando amorosamente de sua criação. A 
opção do Senhor é pela vida. Ele faz uma aliança com Noé e, por meio 
dele, com toda a humanidade: "Não haverá mais dilúvio para devastar a 
terra". (9,11). 
• A identidade do clã e a compaixão/misericórdia entre todos os povos. 
As histórias que estão em Gênesis 1-11 nasceram em lugares e épocas 
diferentes, mas foram unidas umas às outras por meio das genealogias. 
A intenção teológica dessas listas genealógicas é garantir a identidade 
do povo de Israel e a importância de desenvolver relações solidárias com 
todos os povos, uma vez que todos descendem de um único tronco.
• Dissipação e heterogeneidade: No episódio da Torre de Babel (Gn 
11,1-9), a dispersão e a diversidade de línguas impedem o projeto dos 
dominadores. Portanto, é castigo de Deus para os opressores, mas para 
os pobres e exilados é libertação. É a realização da bênção recebida em 
Gênesis 1,28 e renovada em Gn 9,1: "Sede fecundos, multiplicai-vos, 
enchei a terra".
• Prefácio à história de Israel. A lista dos descendentes de Sem nos faz 
chegar até Taré e seus fi lhos, entre os quais está Abraão. Dessa forma, a 
lista faz a passagem da história das origens para o tempo dos patriarcas. 
A bênção, renovada com Noé (9,1), terá continuidade com Abraão (12,1-
3). Deus lhe faz a promessa de que, por meio dele, todas as nações serão 
abençoadas. 
• Transgressão, admoestação e Nova Aliança. Nos relatos de Gênesis 1-11 
é possível perceber o esquema teológico de pecado, castigo e salvação. A 
situação de pecado provoca o castigo: o dilúvio e a morte, mas a partir de 
um resto, representado por Noé e seus descendentes, Deus renova a sua 
aliança e recria nova humanidade (9,9-10). Essa aliança será renovada com 
o povo de Israel e, a partir de Jesus, chegará a todos os povos. 
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O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
Atividade de Estudos:
1) A harmonia acaba e aparecem as ambiguidades da vida. A narrativa 
de Gn 3, 1-24 está ligada a 2,4b-25, esta é uma das narrativas 
criadas na história de Israel para tentar explicar a origem do mal, da 
morte e do sofrimento. Apresenta comportamentos e instituições que 
auxiliam os povos a se organizarem, a fi m de viverem, superando o 
mal e a morte. 
 Leia Gn 3, 1-24 a partir da compreensão das características de Gn 
1-11 acima mencionadas, e procure identifi car as instituições que 
perpassam a narrativa e o possível contexto e simbologia em que 
essa narrativa foi escrita.
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c) Localizando o texto: Na tribulação nasce outra vez a esperança
O exílio da Babilônia é um marco na história de Israel. Os exilados fi caram 
sem terra, sem rei e sem templo. Eles perdem suas principais referências. A partir 
dessa situação de crise e perda de identidade, nasce a preocupação de explicar 
as razões da derrota e do exílio. Os sacerdotes, profetas e sábios procuravam dar 
uma resposta para aquele momento de profunda intranquilidade. As lideranças 
religiosas retomaram a história do povo, fazendo uma releitura e apontando novas 
possibilidades. Vamos relembrar outros fatos da história de Israel ocorridos um 
pouco antes do exílio.
42
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Em 609 a.C. o faraó do Egito colocou Joaquim no trono de Judá e em troca 
exigiu pesados tributos. Em 605 a.C. o exército de Nabucodonosor, da Babilônia, 
derrotou o Egito, se apoderou da Síria e da Palestina. O rei Joaquim, em 602 a.C., 
deixou de pagar tributos para a Babilônia, e por causa disso provocou um grave 
confl ito (2Rs 24,1). O exército babilônico marchou contra Judá e cercou a cidade 
de Jerusalém (VASCONCELOS; SILVA, 2003).
Em 597 a.C. Jerusalém é invadida e a elite foi deportada para a Babilônia. 
O rei, a nobreza e os sacerdotes ofi ciais, entre eles o profeta Ezequiel, foram 
exilados. No lugar do rei Joaquim, os babilônios colocaram Sedecias. Alguns 
anos depois, o novo rei, movido por sua ambição, deixou de pagar tributos 
para a Babilônia. Desta vez a repressão é muito pior. Em 587 a.C. a cidade de 
Jerusalém foi invadida e destruída. A família do rei foi executada, sendo que o rei 
foi preso, torturado e levado para a Babilônia (2Rs 25,6-7; Jr 52,9-11). O templo 
foi saqueado e incendiado (Lm 2). 
A tomada de uma cidade e a deportação são realidades acompanhadas de 
gestos brutais. Em geral, as mulheres foram violentadas, muitas crianças atiradas 
contra as pedras, os guerreiros tiveram suas cabeças cortadas ou esfolados vivos 
(Lm 5). São cenas que não se apagam da memória daqueles que as vivenciaram. 
A segundadeportação atingiu pessoas ligadas à corte, grupos de cantores do 
templo, artesãos, comerciantes, agricultores e viticultores (2Rs 25,11-12). 
Na Babilônia, esse grupo é tratado como escravo, utilizado como mão de obra 
nas construções públicas, nas lavouras, na reconstrução de cidades destruídas e 
em outros trabalhos forçados: "Este povo foi despojado e saqueado, todos eles 
estão presos em cavernas, estão retidos em calabouços. Foram submetidos ao 
saque e não há quem os liberte; foram levados como despojo, e não há quem 
reclame a sua devolução" (Is 42,22). Muitos não enxergavam mais sentido na vida 
nem perspectivas quanto ao futuro. 
Em terra estrangeira, sem provisões ou condições de sustento, o povo entra 
em contato com a religião do império e se sentiu confuso em sua crença. Na 
Babilônia havia muitas divindades, Marduk, representado pelo Sol, era a mais 
importante, pois ele era considerado o criador do mundo e do ser humano. 
Segundo a crença ofi cial, essa divindade garantiria a vitória aos exércitos de 
Nabucodonosor. Entre as práticas religiosas mais populares na Babilônia, 
se destacava o culto à deusa Sin, representada pela Lua, e à deusa-planeta 
Ishtar. Muitas pessoas exiladas assumiram as divindades do império invasor. 
(VASCONCELOS; SILVA, 2003).
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O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
Por conta de todo o sofrimento experienciado, o povo exilado na Babilônia 
começa a questionar: Onde está o nosso Deus, Javé? Por que ele está nos 
castigando? A crise de fé e de identidade exige uma resposta. Nesse momento de 
muita dor e sofrimento, surgiram salmos, poesias, narrativas e outros escritos que 
recordavam as maravilhas que Deus realizou na vida do povo de Israel, desde as 
suas origens. As orações renovam a fé em Javé como o único criador de todas 
as coisas. Assim reza o povo: "Quão numerosas são tuas obras, Javé, e todas 
fi zeste com sabedoria! A terra está repleta das suas criaturas" (Sl 104,24). 
Um dos textos mais conhecidos no exílio da Babilônia é o poema litúrgico 
de Gênesis 1,1–2,4a, provavelmente escrito por sacerdotes exilados. Eles 
estruturaram o poema da criação com o refrão: "E Deus viu que era bom" (Gn 1,4; 
10.12.18.20.24). E depois de ter criado o ser humano, numa visão panorâmica de 
sua obra, dizem: "Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom" (1,31). 
Numa realidade desordenada e devastada pela violência, os autores 
recordavam que o mundo criado por Deus é belo, ordenado, perfeito e bom. Os 
autores recordavam ao povo exilado que a sua condição não era a de escravo, 
mas de pessoas criadas à imagem e semelhança de Deus. Gênesis 1,1-2,4a 
é um convite aos exilados, de ontem e hoje, para rezar e renovar sua fé e sua 
esperança em Deus criador.
d) Interpretando o texto: Gn 1,1 a 2,4a
Atividade de Estudos:
1) Leia Gn 1,1 a 2,4a e escreva o que é criado em cada dia. Essa 
atividade será importante para você ter uma ideia de como cada 
elemento da criação se estrutura dentro da narrativa, bem como a 
descoberta do estilo literário. Boa sorte!
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 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
No início do poema da criação há um título: "No princípio, 
Deus criou o céu e a terra". Esta frase é uma síntese de todo o 
bloco e apresenta o tema principal: Deus cria o mundo. No Primeiro 
Testamento, tradicionalmente chamado de Antigo Testamento, o verbo 
criar, bara' em hebraico, é usado somente para a ação criativa de 
Deus. O nome de Deus aparece por 35 vezes apenas nesse poema, a 
terra e o fi rmamento aparecem por 21 vezes. Os autores insistem que 
o verdadeiro Deus não é Marduk, nem a deusa Sin, mas o Deus de 
Israel. Ele é o criador da terra e do céu, que signifi ca a totalidade do 
universo (Sl 89,11). 
O versículo 2 informa o que existia antes da criação: terra 
vazia e vaga, trevas, abismo e águas. No princípio era o caos. É a 
partir do caos que Deus fará surgir a criação. A desordem e o caos 
representam a situação do povo no exílio da Babilônia. De acordo 
com o poema babilônico, no princípio da criação só existiam as águas 
primordiais: o caos. O povo de Israel assimila a visão de mundo dos babilônios, 
porém, adaptando-a à sua realidade, declara a sua fé em Deus: o caos não surge 
de Deus, mas ele coloca ordem. Em Gênesis 1, o sopro de Deus paira sobre 
as águas. Não se trata de um vento destruidor, mas de um sopro que prepara e 
anuncia a palavra criadora de Deus: a vida (Sl 33,6).
"Deus disse: 'Haja luz', e houve luz" (Gn 1, 14). No primeiro dia, Deus cria a 
luz e a separa das trevas. O tema da separação dos elementos opostos aparece 
em várias narrativas de povos vizinhos. No Gênesis, os três primeiros dias são 
dias de separação. No relato bíblico, a separação não acontece por meio de um 
combate entre as divindades, conforme o relato da Babilônia, mas é um gesto de 
Deus. Após esse gesto, Deus dá nome à sua criação, confi rmando sua relação e 
responsabilidade com ela. 
À luz ele chama dia, e à treva, noite (Gn 1,3-5). No relato babilônico, a luz 
vem em primeiro lugar e pertence à divindade. Para os autores de Gênesis, a luz 
não é mais propriedade dos deuses. O abismo e a luz não são sagrados, são 
apenas criaturas de Deus. 
No segundo dia, Deus faz o fi rmamento (Gn 1,6-8). A ideia de que o céu 
separa as águas de cima e as de baixo está presente em outras culturas. O céu 
é pensado como uma placa de metal, que Deus pode abrir e fazer cair a chuva: 
"abriram-se as comportas do céu" (Gn 7,11; Jó 37,18). Dizer que Deus faz não se 
trata simplesmente de um chamado à existência, mas de uma fabricação. Ele não 
avalia esta obra. 
Os autores insistem 
que o verdadeiro 
Deus não é Marduk, 
nem a deusa Sin, 
mas o Deus de Israel. 
Ele é o criador da 
terra e do céu, que 
signifi ca a totalidade 
do universo (Sl 
89,11). 
A desordem e o 
caos representam a 
situação do povo no 
exílio da Babilônia.
45
O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
No terceiro dia, cria a terra fi rme (Gn 1,9-13). As águas são recolhidas e 
aparece a terra fi rme. Está no coração e na boca do povo: "O céu foi feito com a 
palavra de Javé, e seu exército com o sopro de sua boca. Ele represa num dique 
as águas do mar, coloca os oceanos em reservatórios" (Sl 33,6-7). Os babilônios 
acreditam que Marduk mora no meio do oceano. No poema bíblico, o mar e a terra 
são criados pela palavra de Deus e pertencem a ele. Esta é a segunda criação 
avaliada como boa: "E Deus viu que era bom" (Gn 1,10).
A obra do terceiro dia ainda não está completa. É necessário que a terra 
produza vegetação e árvores. A origem está na palavra de Deus. Ele ordena que a 
terra produza seus frutos. Para Israel, a terra é criatura de Deus. A sua fertilidade 
não depende de uma divindade, mas ela produz naturalmente, segundo o que 
Deus ordena. E no fi nal, pela segunda vez nesse dia, temos a avaliação: "Deus 
viu que isso era bom" (Gn 1,12). 
No quarto dia, ocorre a criação de luzeiros no céu para separar o dia e a noite 
(Gn 1,14-19). A palavra de Deus chama à existência o Sol, a Lua, as estrelas. 
Os nomes sol e Lua não aparecem. Esses astros são divinizados pelos povos 
vizinhos de Israel, porém, no relato bíblico, eles são simplesmente luzeiros, cuja 
função é iluminar a terra e comandar o dia e a noite, os meses e as estações. Na 
Babilônia, acredita-se que o Sol, a Lua e as estrelas possuem o poder de controlar 
o destino das pessoas. Essa crença é desacreditada pelos autores de Gênesis 1, 
que evidenciam que os astros são criaturas de Deus.
No quinto dia, são criados animais pequenos e grandes (Gn 1,20-23).A 
vida dos seres vivos começa nas águas. No pensamento mítico, as águas do 
caos representam o lugar no qual brotou toda a vida. Pela segunda vez, o texto 
utiliza o verbo bara', criar. A primeira vez se refere à criação da luz e agora aos 
seres vivos. Os primeiros seres vivos criados são os monstros marinhos. No mito 
babilônico, o monstro marinho é criado pelo abismo, uma força obscura do caos. 
Novamente, Israel afi rma que esses monstros são criaturas de Deus. Os seres 
vivos são abençoados por Deus e recebem a ordem de crescer e multiplicar-se 
(Gn 1,23). 
No sexto dia, Deus cria a humanidade (Gn 1,24-31). No terceiro dia, a terra 
produz a vegetação e as árvores frutíferas; no sexto dia, a terra é chamada a 
produzir os animais terrestres. Todos são chamados a produzir e a se multiplicar 
"segundo a sua espécie", esse estribilho aparece no terceiro, quinto e sexto dia 
(Gn 1,12.21.25). Depois de tudo criado, Deus cria o 'adam – a humanidade – "à 
imagem de Deus ele o criou, homem e mulher os criou" (Gn 1,27). É a última das 
criaturas. Todo o cenário está preparado para recebê-lo.
46
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
O ser humano não foi criado, como relatam algumas narrativas, para ser 
escravo das divindades, mas como sua criação, como ser com quem Deus 
se relaciona e dialoga. O ser humano é para ser a imagem e semelhança de 
Deus: mulher e homem são chamados à vida. Como o Criador, o ser humano 
é chamado a trabalhar para que triunfe a luz, para realizar, construir e procriar, 
dando continuidade à obra de Deus. 
Deus dá a sua bênção para a humanidade: "Sede fecundos, multiplicai-vos, 
enchei a terra" (1,28). Conforme o ambiente cultural de Israel, a fecundidade das 
plantas, dos animais e do ser humano dependia das divindades. Em Gênesis 1 
esse poder é dado a todos os seres vivos como fruto da bênção de Deus (v.22 e 
28). No contexto do exílio, esta bênção é fonte de esperança para a sobrevivência 
do povo. 
A segunda parte da bênção afi rma o seguinte: "submetei a terra, dominai 
sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a 
terra" (Gn 1,28b). O verbo submeter, em hebraico kabash, tem como foco principal 
a terra e o seu cultivo. O verbo dominar é tradução do hebraico radah, que possui 
o sentido de cultivar, organizar e cuidar. Esse também era o ideal sonhado para 
os dirigentes de Israel (Sl 72,8-14; Is 11,1-9). É uma crítica contra a tirania dos 
reis injustos de Israel e os imperadores babilônicos (Ez 34,1-4).
A partir da bênção, a continuidade da vida depende da humanidade, cuja 
missão é cuidar e proteger. Por fi m, temos a ordem: “o ser humano e todos 
os seres vivos recebem como alimento ervas e verduras” (Gn 1,29). Não há 
agressividade ou violência entre animais e seres humanos. Um não tem ao outro 
como alimento. E na avaliação fi nal, numa espécie de contemplação geral de toda 
a sua obra, ouvimos: "Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom" (Gn 1,31). 
Leia o livro de SCHWANTES, Milton. Projetos de esperança. 
Meditações sobre Gênesis 1-11. São Paulo: Paulinas, 2002. Esse 
livro é de fácil leitura e ajuda não apenas na compreensão da leitura 
de Gn 1-11, mas dá excelente dica de leitura para todo o Antigo 
Testamento! Boa leitura!
47
O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
Gênesis 1 é um convite à esperança. Deus nos dá esse mundo 
para que possamos viver em harmonia e em paz. E no sétimo dia: 
Deus conclui a sua criação. Ele abençoa e santifi ca o sétimo dia! (Gn 
2,1-4a). "Em seis dias Javé fez os céus e a terra; no sétimo descansou 
e tomou alento" (Ex 31,17). No livro do Êxodo, que talvez contenha 
dados mais antigos, transparece a necessidade do descanso físico. 
No exílio, o dia do sábado ganhou um sentido especial: passou a ser um dia de 
culto, no qual o povo anuncia a fé no seu Deus e rejeita outras divindades. 
Por isso, da mesma forma que Deus abençoa os animais e o ser humano, 
ele também abençoa o sábado e o santifi ca. O sábado tem que ser um dia para 
as pessoas resgatarem a sua consciência, sua identidade e a sua fé. Elas não 
devem estar submetidas ao trabalho escravo. É um tempo de encontro para fazer 
memória de suas tradições. É tempo de celebrar e de refazer as energias! Este 
primeiro relato termina com uma breve conclusão: "Esta é a história do céu e da 
terra, quando foram criados" (Gn 2,4a). 
e) Compreendendo mais: a criação do mundo na Babilônia e Gênesis 
1,1-2,4a. 
 
A Mesopotâmia estava localizada nas planícies férteis, banhadas pelos rios 
Tigre e Eufrates. Antigamente, esses rios estavam ligados por canais e serviam 
para a irrigação e a navegação. Apesar de ser bem menor que o rio Eufrates, o 
rio Tigre provocava enchentes arrasadoras. As enchentes se tornavam enormes 
dilúvios. Nessas regiões, as invasões de povos nômades eram muito regulares 
(MARQUES, NAKANOSE, 2007, p. 55).
A geografi a e a realidade da região infl uenciaram no comportamento e 
modo de pensar de seus habitantes. As inundações eram consideradas como um 
capricho das divindades ou consequência das lutas entre elas. As pessoas viviam 
com medo, fazendo tudo para agradar as divindades e escapar da ira divina. As 
pessoas acreditavam que os seres humanos tinham sido criados para servir às 
divindades. Na Epopeia de Gilgamesh (Rei sumério e fundador da cidade de Uruk, 
governou a região em torno do ano 2.700 a.C. Esta epopeia foi descoberta numa 
placa de argila e foi escrita em caracteres cuneiformes) há uma narrativa sobre a 
criação do mundo. Na visão dos babilônios, o mundo foi criado da seguinte forma:
No princípio só havia Apsu, as águas doces, e Tiamat, as águas 
salgadas do mar. Eles criam os outros deuses, mas depois se 
arrependem e planejam destruí-los. Os deuses se defendem 
matando Apsu e atacando Tiamat. Esta prepara um exército de 
monstros. As divindades buscam um herói que possa combater 
Tiamat. Todos têm medo, exceto Marduk, um jovem guerreiro, 
Gênesis 1 é um 
convite à esperança. 
Deus nos dá esse 
mundo para que 
possamos viver em 
harmonia e em paz.
48
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
fi lho do deus Ea. Marduk resolve atacar Tiamat, mas impõe uma 
condição: se ele vencer será nomeado rei dos deuses. Eles 
aceitam as condições de Marduk, que parte para o combate. 
Marduk envolve a sua rival em sua rede e lança no rosto dela 
o Vento Maligno. E enquanto os ventos atacavam o estômago 
dela, seu corpo foi distendido e sua boca se abriu totalmente. 
Nesse momento, com a fl echa, Marduk corta o estômago, as 
entranhas e o coração de Tiamat, eliminando a sua vida e a 
dos deuses que a seguiam. Em seguida, ele toma o corpo de 
Tiamat e o divide como uma concha, em duas partes: com a 
metade, ele estabelece o céu, cerca com um portão e coloca 
guardas para impedir que as águas escapem. 
Marduk constrói estações para os deuses, fi xando seus 
semblantes como constelações. Ele determina o ano 
designando zonas: ele estabelece três constelações para cada 
um dos doze meses. 
Quando Marduk ouve as palavras dos deuses, seu coração o 
leva a realizar obras engenhosas. 
Abrindo sua boca, ele disse a Ea, deus das águas: "Acumularei 
o sangue e farei que surjam os ossos. Estabelecerei um 
selvagem, 'homem' será o seu nome; criarei um homem 
deveras selvagem. Ele será encarregado de servir aos deuses 
para que eles possam ter tranquilidade!"
Kingu contribui para a revolta, levando Tiamat a se rebelar, e 
entrar em combate. Eles prendem Kingu, segurando-o diante 
de Ea. Por ser considerado culpado, eles cortam suas artérias. 
Do seu sangue é criada a humanidade. Ea impõe o serviço e 
libera os deuses. Depois de Ea, os sábios criam a humanidade, 
impondo-lhe o serviço aos deuses (BIERLEIN, 2003, p. 85-87).
A realidade da guerra e da tirania imposta pelo império babilônico está por 
trás da construção do mito babilônico. A morte da líder, Tiamat, abriu caminho 
para a vitória. O seu bando foge, mas é aprisionado e morre. O céu é criado com 
a metadedo corpo de Tiamat. Por ter vencido o combate, Marduk consegue o 
título de divindade suprema no panteão dos deuses. Ele é celebrado como deus 
criador na Babilônia e em toda a região da Mesopotâmia. Era o que acontecia 
na vitória de uma batalha. Os tiranos da Babilônia, legitimados e protegidos por 
Marduk, sujeitam todas as nações e escravizam todos os seres vivos da terra.
Vivendo como escravos na Babilônia, em contato com outras divindades, os 
israelitas sentiam a necessidade de repensar sua religião e sua fé. Conhecendo 
o mito da criação segundo os babilônios, os judeus escreveram a sua própria 
versão. Vejamos o que é próprio do povo de Israel:
• Para os babilônios, o universo surge da luta entre as divindades; em 
Gênesis 1, não há batalha entre divindades, Deus é único e cria, de 
maneira ordenada, a partir de sua palavra.
49
O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
• O vento no mito babilônico é denominado de maligno e sua ação é destruidora. 
Ao contrário, o sopro de Deus em Gênesis 1 é anúncio de sua intervenção 
criadora no mundo. É um vento que traz vida, não contém ameaças, nem 
provoca medo; ao contrário, anuncia a abertura do primeiro dia. 
• No relato bíblico, a luz e as trevas não são divindades, como se acreditava 
na Babilônia, mas simplesmente criaturas de Deus. Para surgir a terra, em 
Gênesis, Deus separa as águas de cima e as de baixo, colocando diques 
ou barreiras entre elas. No relato babilônio, Marduk corta o corpo de Tiamat 
em duas partes; com uma delas faz o fi rmamento, colocando guardas para 
impedir que as águas escapem.
• Na Babilônia, o solo é formado do ventre de Tiamat, a deusa das águas 
amargas. O Sol é identifi cado com Marduk. O relato bíblico nem sequer 
chama os astros de Sol e Lua, mas simplesmente de luzeiros do dia e da 
noite. Dessa forma, elimina qualquer possibilidade de serem confundidos 
com as divindades. Eles foram criados e nomeados pelo Deus de Israel. 
• O simbolismo da água como lugar de onde brota a vida é muito forte 
em várias culturas, por exemplo, no Egito, na Babilônia, Índia e China. 
Conforme o mito babilônico, o abismo cria o monstro marinho. Trava-
se uma luta entre as divindades e Marduk; vencendo-as, ele se torna a 
divindade principal. Na tradição do povo judeu, há textos que falam do 
monstro marinho como criação de Deus. No Salmo 104,25-26 lemos: "Eis 
o vasto mar, com braços imensos, onde se movem, inumeráveis, animais 
pequenos e grandes; ali circulam os navios de Leviatã, que formaste para 
com ele brincar". Em contrapartida, o grupo do Segundo Isaías acredita 
que foi Javé que destruiu o monstro marinho: "Por acaso não és tu aquele 
que despedaçou Raab, que trespassou o dragão? Não és tu aquele que 
secou o mar, as águas do Grande Abismo?" (Is 51,9-10). 
• No relato babilônico, o homem é criado para servir às divindades, 
justifi cando a divisão da sociedade em classes e a escravidão. De acordo 
com Gênesis 1,27, Deus criou a humanidade à sua imagem e semelhança 
para ser livre e senhora da história.
• De acordo com Gênesis 1, a obra da criação dura seis dias e o sétimo 
é para o descanso. Na cultura judaica, o número sete indica perfeição, 
totalidade, plenitude. Numa linguagem simbólica, os autores afi rmam que a 
criação de Deus é perfeita. 
50
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
• A leitura dos relatos da criação segundo Gênesis 1,1 até 2,4a e segundo 
o mito babilônico nos possibilita perceber diferentes tentativas do ser 
humano de responder às perguntas sobre as origens da Vida. Perguntas 
sobre as quais teólogos e cientistas continuam se debruçando, perguntas 
que são repetidas a cada geração. De onde vem a vida? Numa dimensão 
de fé, acreditamos que a origem da vida está em Deus. E nossa atitude 
é de reverência diante do mistério do universo, que nos convoca a um 
cuidado permanente para que a vida continue existindo. Sempre.
A MonarQuia de Israel (DaVi e 
SalomÃo)
Nos cem anos seguintes, entre 1050-950 a.C., com o aumento da produção 
camponesa, propiciado pelo aumento da população, pela introdução do ferro e 
do boi na agricultura, os donos de bois, líderes políticos, guerreiros e sacerdotes, 
seduzidos pelo comércio, serão levados a esboçarem tentativas de acumular 
riquezas e poder (Jz 8,24-26;9,1-4;10,3-4; 1Sm 2,12-16). O desenvolvimento 
dessas contradições internas, somado aos ataques de inimigos externos (1Sm 
11,1-2; 13,19-21), enfraqueceram os fundamentos solidários da sociedade tribal 
israelita. Desse modo, criam-se as condições para a transformação de algumas 
ideias camponesas com núcleos urbanos e o surgimento de uma elite que 
concentra poder econômico, político e militar e institui a monarquia (1Sm 9,1; 
11,5-7; 25,2).
A monarquia nasce em Israel como uma imposição mais política do que 
religiosa. Não chegou a ser instituída a partir de um caráter religioso natural, como 
no Egito e na Mesopotâmia. A monarquia não fazia parte da tradição israelita, mas 
se deu pela vontade do povo, de acordo com os escritos bíblicos: “Disseram a 
Samuel: ‘Veja: você já está idoso e seus fi lhos não seguem seu exemplo. Por isso, 
escolha para nós um rei que nos governe, como acontece em todas as nações” 
(1Sm 8,5). Apesar disso, a monarquia não se desvencilhou da religião israelita. O 
conceito de sagrado é mais efi caz após a instituição da monarquia. 
Com a monarquia se confi gura uma sociedade, em que alguns poucos 
possuem muito mais poder e riqueza do que a maioria da população, e o 
patriarcalismo e o antropocentrismo são reforçados. A monarquia constitui 
um grupo social dominante que controla o exército e se mantém explorando o 
trabalho e se apropriando de grande parte da produção das famílias camponesas, 
direcionando-a para a rede do comércio internacional. As famílias camponesas 
são obrigadas a entregar parte de sua produção e também devem entregar seus 
fi lhos e fi lhas para trabalhar nas obras e guerras decididas pelo rei e seus aliados 
51
O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
(1Sm 8,11-17). Um pequeno grupo se torna muito rico e poderoso, enquanto 
a maioria da população não possui terra e nem casa (1Sm 22,2; 25,10). Esse 
processo começou timidamente com Saul (cerca de 1050 a.C.) e consolidou-se 
com Davi e Salomão (entre 1000 e 930 a. C.).
Essas enormes modifi cações na sociedade exigem uma justifi cação, 
uma legitimação. Isso será feito através da elaboração de uma religião ofi cial, 
isto é, uma teologia, uma espiritualidade e uma liturgia que favoreça o rei e a 
hierarquia social. A religião ofi cial se concretiza por intermédio da construção de 
um templo, que se tornou exclusividade da monarquia, uma vez que as aldeias 
e tribos possuíam seus locais de culto e pequenos santuários que eram de sua 
propriedade. Dessa forma, a monarquia de Davi se apropria do Javé das tribos 
e o coloca como patrocinador do rei e do seu exército (2Sm 6,1-19), e depois, 
na antiga cidade-estado Cananeia de Jerusalém, Salomão constrói o templo 
celebrado como a “casa de Javé” (1Rs 8,12-13; Sl 132,5-7.13-14; 134,1; 135,1.21). 
No período da monarquia, o Templo fazia parte de um con-
junto que incluía o palácio do rei e suas dependências. Era 
considerado um anexo do palácio. Os reis faziam-lhe doações, 
como também lançavam mão de seus tesouros (1Rs 15,15.18; 
2Rs 12,19; 16,8). Quando houve a divisão do reino, em torno 
de 931 a.C., Jeroboão I, o primeiro rei do Norte, aproveitou a 
existência de dois antigos santuários, um em Betel e outro em 
Dã, e os transformou em templos reais, colocando neles a ima-
gem do bezerro de ouro (1 Reis 12,28-33), entre 931 e 910 a.C. 
O objetivo era impedir a ida do povo ao Templo de Jerusalém 
(1Rs 12,26-33). Este, como o de Betel, era um santuário real, 
forte instrumento para consolidar a política centralizadora dos 
reis. Com o fortalecimento da monarquia, o culto no Templo 
de Jerusalém se tornou o elemento essencial da religião. Isso 
se refl ete, por exemplo, nas oraçõesdo período monárquico, 
como podemos ver no Salmo 63,2-3.10-12: “Ó Deus, tu és o 
meu Deus, eu te procuro. Minha alma tem sede de ti, minha 
carne te deseja com ardor como terra árida, esgotada, sem 
água” (NAKANOSE, 2010, p. 21). 
Embora em Jerusalém Javé ocupe espaço central por ser o Deus do rei e da 
religião ofi cial (Sl 2; 89), todas as outras divindades do povo de Israel, ou oriundas 
de alianças ou imposições políticas e econômicas, também serão cultuadas ali 
(2Rs 23,4-14), integradas na vertente religiosa de legitimação de poder e da 
riqueza. 
Os reis Ezequias e Josias empreenderam reformas 
administrativas com o objetivo de centralizar tudo em torno do 
Templo de Jerusalém. Eles procuraram controlar o povo em 
torno de um só Deus, Javé ofi cial, e de uma dinastia, a casa 
de Davi. Por volta de 622 a.C., Josias iniciou sua reforma, 
eliminando os outros cultos existentes no Templo; mandou que 
52
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
os guardas retirassem do santuário de Javé todos os objetos 
de culto que tinham sido feitos para Baal, para Aserá e para 
todo o exército do céu; queimou-os fora de Jerusalém, nos 
campos do Cedron, e levou as cinzas para Betel. Destituiu os 
falsos sacerdotes que os reis de Judá haviam estabelecido e 
ofereciam sacrifícios nos lugares altos, nas cidades de Judá e 
nos arredores de Jerusalém, e os que ofereciam sacrifícios a 
Baal, ao Sol, à Lua, às constelações e a todo o exército do céu 
(2Rs 23,4b-7) (NAKANOSE, 2010, p. 21)
Para compreender a Bíblia, é fundamental saber que a 
monarquia, apesar de ser sinal efetivo da subjugação das aldeias 
camponesas pelos “centros urbanos” e inspirar-se no sistema 
fenício-cananeu (1Rs 5,15-32) e egípcio (1Rs 3,1), será instituída em 
nome de Javé, o Deus libertador dos escravos e camponeses. E os 
sacerdotes e escribas da religião ofi cial vão apresentar a monarquia 
como algo desejado por Javé (1Sm 10,1-2; 16,1; 1Rs 3,7), e o rei 
como o fi lho escolhido e abençoado de Javé e a dinastia de Davi em 
Jerusalém (2Sm 7,8-16; Sl 89). Enquanto nas tribos as mediações 
para a realização da vontade de Javé eram as leis de solidariedade 
e ajuda mútua, na monarquia a vontade de Javé se realizará através 
do rei e do próprio sistema monárquico.
Reino do Norte e Seus ProFetas
No item anterior estudamos o período da monarquia em Israel com Saul, 
bem como a sua ampliação e estruturação com Davi e a consolidação do reino 
com Salomão. As consequências geradas pela política desses reis para o povo 
de Israel foram muitas. A monarquia trouxe benefícios, mas também muitas 
difi culdades a serem enfrentadas pelo povo. A centralização do culto no Templo 
de Jerusalém trouxe muitos problemas para as pessoas que moravam nas regiões 
mais distantes da capital. 
Após a morte de Salomão, em 931 a.C., o Reino do Norte proclama sua 
independência em relação ao Sul, e o reino se subdivide: reino do Norte e reino 
do Sul. É um período cheio de perplexidades, mas com uma relevância para o 
universo bíblico, pois nos seus dois séculos de existência, o Reino de Israel foi 
lugar de muitos acontecimentos e de personagens bíblicos: os profetas e os reis. 
53
O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
Após a morte do rei Salomão, Roboão sucedeu seu pai no trono. Os nortistas 
não aceitaram facilmente essa realidade. Contudo, exigiram que Roboão se 
apresentasse numa assembleia na cidade de Siquém, dessa forma exigiram as 
condições para que o rei fosse admitido: acabar com os confl itos e a opressão. O 
povo teria voz ativa como no tempo da confederação das doze tribos (1Rs 12,1-5). 
A partir do ano 931 a.C. a ilusão de um reino unido se despedaçava, como no 
gesto simbólico realizado pelo profeta Aís de Silo, era um profeta do Norte (1Rs 
11,29-31). Os dez pedaços entregues a Jeroboão signifi cavam as dez tribos do 
Norte a separar-se do Sul. O profeta incentivava a divisão do Reino do Norte e 
oferecia o seu apoio ao lado da revolta, e Jeroboão se tornou uma ameaça para a 
estabilidade do Reino de Salomão.
É possível afi rmar que a monarquia e a profecia surgem juntas e se 
desenvolvem lado a lado. Reis e profetas são fi guras complementares, mas 
contrastantes. No Reino do Norte, os profetas que atuaram foram os seguintes: 
Elias, Eliseu, Amos e Oseias. Todos eles declaram “guerra santa” contra os reis 
de Israel (IRs 18; 2Rs 10). A partir de agora iremos apresentar de forma sucinta 
cada um deles. 
a) Elias
Para que os governantes no período em que atuou o profeta Elias tivessem 
sucesso era necessário, antes, destruir a religião de Javé, seu principal rival. Esta 
religião mantinha o povo obediente às leis e à aliança, às tradições de cunho tribal 
e aos costumes do tempo dos juízes. Isso impedia a centralização do poder nas 
mãos do rei. Com o intuito de acabar com a religião de Baal, os reis vão incentivar 
e promover o culto idolátrico a Baal, deus cananeu da chuva e da fertilidade do 
solo, o protetor das cidades. No período em que reinou Acab, a religião de Baal 
se tornou ofi cial (1Rs 16,32-33). Acab foi infl uenciado por sua esposa Jesabel, 
substitui o culto a Javé pela adoração a Baal (1Rs 16,31-33), Elias avisou o rei 
a repentina falta de chuva (1Rs 17,1), e, portanto, um período longo de seca. O 
rei achava que Elias era o culpado pela falta de chuvas. Elias não se intimidou, 
pois a palavra de Javé veio a ele (1Sm 17, 1s) pedindo que fosse até Serepta, lá 
ele encontrou uma mulher pobre, viúva, estrangeira que, com o seu fi lho órfão, 
também vive as difi culdades provocadas pela seca. Elias pede água e pão. A 
mulher partilha com ele o que lhe resta. A partilha e a solidariedade colaboraram 
para enfrentarem juntos a falta de alimentos.
54
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
b) Eliseu
Eliseu foi sucessor de Elias e era um homem bastante particular dentre os 
profetas. O conjunto de narrativas que falam a seu respeito está presente no livro 
de 2Reis. Eliseu é considerado um especialista em “milagres aquáticos” (2Rs 
2,14; 2,21; 5,10; 6,6; 2,23-24; 4,1-7.9-44; 13,21). Também era envolvido nos 
eventos políticos que marcaram a primeira metade do séc. IX a.C. (2Rs 6,8-23, 
8,7-15; 13,14-20). Esse movimento confi rma a característica do profetismo como 
um movimento político a partir da ótica dos mais pobres. 
c) Amós
Jeroboão II, por volta do séc. VIII, foi o décimo terceiro rei do Reino do Norte. 
Seu reinado aconteceu em uma época de enriquecimento, mas na qual o luxo dos 
mais ricos contrastava com a pobreza da maior parte da população. 
No reinado de Jeroboão II surgiu o profeta Amós, um pastor de Técua, 
rude e incisivo (Am 7,14). Era um profeta escritor. Em relação aos profetas não 
escritores como Elias e Eliseu, há em comum a defesa ferrenha da crença em 
Javé. Contudo, existia uma falsa prosperidade, a exploração, a injustiça e o 
suborno possibilitavam que alguns poucos adormecessem em divãs de marfi m 
e se regalassem em festas intermináveis (Am 6,1-7), enquanto a maior parte do 
povo permanecia cada vez mais pobre e impossibilitada de condições mínimas 
para a sobrevivência. 
O povo nem sempre percebia as benesses da monarquia, e continuava a 
acreditar no discurso das autoridades governamentais, deixava-se convencer pela 
pregação espiritualista dos líderes religiosos, que legitimavam a situação, fazendo 
perigosas concessões ao baalismo. Por conta disso, Amós se torna o porta-voz 
dos camponeses (Am 1,2). A partir do profeta Amós, os profetas questionarão 
o sistema monárquico de Israel e Judá, decretando a falência de modelo de 
sociedade baseado nesse esquema de opressão. 
d) Oseias
O profeta Oseias, com o mesmo vigor de Amós, faz fortes denúncias aos 
opressores políticos e religiosos de sua época. Mas os pecados de Israel, dessa 
vez, são identifi cados como a “prostituição” do povo, que abandonou o projeto de 
Javé para servir a Baal (Os 4,2.4-10; 6,7-10; 10,4; 12,2.8-9). Essa ótica é reforçada 
pela experiência pessoal de sua esposa que,segundo os textos, o abandonou e 
entregou-se à “prostituição sagrada” nos ritos balísticos de fecundidade. Mas ele 
a perdoou quando decidiu voltar para casa (Os 1,2-3,5). 
55
O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
Sua experiência pessoal o fez repensar a relação entre Javé e seu povo. 
Oseias percebe que a causa principal de toda a situação complicada do povo 
seria sanada, caso se convertessem a Javé, que perdoaria, pois o seu amor 
prevaleceria. Daí a denúncia ao culto idolátrico torna-se a sua principal temática. 
O Reino do Norte teve o seu fi m em 722 a.C. com a destruição da Samaria, 
sua capital, para não se erguer jamais. O Reino do Sul, apesar de ser bem menor 
e mais pobre, continuou existindo por mais algum tempo, mesmo pagando o preço 
da vassalagem, como veremos no próximo item. 
Reino do Sul e Seus ProFetas
O Reino de Judá tinha Jerusalém como sua capital. Após Reboão, fi lho de 
Salomão, possuiu 19 reis, dos quais boa parte foi morta. O Reino de Judá não 
tinha a mesma prosperidade econômica do seu vizinho do Norte, mas não se 
incomodava com essa realidade, pois acreditava na fi rmeza das suas instituições, 
que faltavam a Israel, que era a promessa divina da eleição, estabilidade e 
permanência para sempre, pois Javé escolhera Jerusalém para morar (1Rs 11,36; 
14,21; Sl 48). O Reino do Sul teve 19 reis, conforme dito anteriormente, e durou 
345 anos. 
Desde o início da monarquia com Saul, surgiram também os profetas como 
reação aos desmandos da monarquia. Inicialmente eles se relacionavam mais de 
perto apenas com os reis, pois conviviam com eles no palácio. Mas nem por isso 
podem ser considerados profetas apenas da corte, quase como funcionários do 
Estado. Durante o período da monarquia dividida, os profetas fl oresceram mais no 
Norte, onde as tradições javistas do tribalismo, forma mais conservada e também 
onde as realidades política, social e religiosa exigiam intervenções severas 
desses “homens de Deus”. Então, os profetas acabaram por se distanciar do rei e 
do palácio e a se identifi carem com as difi culdades da maioria do povo, os pobres 
e excluídos. 
Durante o reinado de Salomão, os profetas têm sua atuação enfraquecida, 
e isso até a segunda metade do séc. VIII a.C., quando surgiu o eloquente Isaías, 
no tempo do rei Ozias (740) e de seus sucessores. Pode ser que esse sumiço 
dos profetas se deva à teologia davídica, elaborada na corte, e a relativa paz em 
que vivia o reino de Judá, durante pouco mais de cem anos. Inibiam o surgimento 
desses grandes críticos da sociedade, os profetas. 
56
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
a) Isaías
Isaías foi o responsável pela reaparição da profecia em Judá, silêncio de 
mais de um século. Ainda jovem, recebeu a vocação profética, em período anterior 
à morte de Ozias, em 740 a.C. (Is 6, 1-8). Exerceu o ministério profético por 
aproximadamente 40 anos. A sua profecia demonstra ser o profeta um conhecedor 
da vida da cidade, de sua política, da corte e das atividades do Templo. Ele ainda 
demonstra muita sensibilidade pelos pobres e excluídos daquela sociedade: as 
viúvas, órfãos, os sem-teto (Is 1,17.23; 9,16; 10,2).
O profeta demonstra possuir um profundo conhecimento da realidade à sua 
volta, no cenário internacional. Suas intervenções e palavras eram tão signifi cativas 
que se solidifi caram para além de seu tempo. Dessa forma foi interpretada a 
profecia do nascimento de um libertador que ele chamou de Emanuel – Deus 
conosco –, (Is 7,14), do rebento de Jessé (Is 11,1s) e da cegueira e surdez do 
povo (Is 29,18-19). 
No campo político, suas intervenções mais signifi cativas foram duas: a 
primeira no período de Acaz (cerca de 732 a.C.) e a segunda no tempo de 
Ezequias. Isaías foi o primeiro profeta cujas palavras foram registradas em um 
livro que leva o seu nome. Apesar do seu livro possuir 66 capítulos, somente os 
primeiros 39, excetuando-se os 24-27 e 34-35, contém as palavras do profeta 
do séc. VIII. Os demais capítulos – inseridos posteriormente na sua obra – 
demonstram que o profeta fez escola, isto é, sua mensagem encontrou respaldo 
na pregação de outros profetas que lhe seguiram os passos, mesmo após a sua 
morte. 
b) Miqueias
O profeta Miqueias, possivelmente, nasceu no ano 725-701 a.C. (cf. Jr 
26,18). É um camponês com origens de Morasti-Gat (Mq 1,1-14), aldeia de Judá, 
situada acerca de 33 km a sudoeste da capital Jerusalém. O profeta Miqueias é do 
ambiente campesino e por isso está no meio dos problemas do homem do campo. 
Por ser um caminho de passagem para Jerusalém, Morasti-Gat encontra-se 
rodeada de fortalezas. Em um círculo de 10 km, a pequena cidade está rodeada 
pelas cidades Azeca, Soco, Odolam, Maresa e Laquis (Mq 1,8-15).
 Miqueias é contemporâneo do profeta Isaías de Jerusalém. O ambiente em 
que os dois profetas estão inseridos é relevante para entender a realidade do 
tempo de Miqueias sob a ótica do campo (Miqueias) e da cidade (Isaías).
57
O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
O profeta Miqueias vive um dos períodos mais conturbados do reino de Judá. 
Isso se dá porque Israel e Síria movem guerra contra a Assíria e Judá (guerra 
siro-efraimita em 735-734; cf. 2Rs 16,5-16; Is 7,1-9; 8,1-10), além de pagamentos 
de altos impostos, para a Assíria, da destruição do reino do Norte e de grande 
fl uxo de refugiados para o sul em 722 a.C. 
Nesse período, Ezequias, que era rei de Judá (716-687 a.C.), faz a reforma 
atacando os santuários e lugares altos do interior (cf. 2Rs 18,3-6). O mesmo rei 
lidera o movimento antiassírio e faz guerra contra as cidades fi listeias (705-701; 
2Rs 18,8). 
E como consequência da atitude de Ezequias, Senaqueribe invade Judá e 
toma 46 cidades da planície, causando grande mortandade, deportando cerca de 
2.000 pessoas, destruindo sua infraestrutura. Só não tomou Jerusalém porque 
Ezequias arrependeu-se de sua própria revolta e acabou aceitando novamente 
ser submisso à Assíria. Mas o rei de Jerusalém segue obrigado a pagar tributos 
ao Império Assírio, porém, desta vez, ainda mais pesados (cf. 2Rs 18,13s), tudo 
sob o conselho de Isaías, o profeta de Jerusalém contemporâneo de Miqueias (cf. 
2Rs 19, bem como outros textos do livro de Isaías).
Mediante todas essas injustiças, Miqueias é o defensor dos pobres que são 
violentados por essa elite dominante. Ele grita contra os ricos e poderosos de 
Jerusalém: “Vocês são gente que devora a carne do meu povo” (Mq 3,3; cf.3,10). 
Miqueias é um camponês que vive espoliado, exprime sua dor e ira em linguajar 
duro e forte, muito parecido com a profecia de Amós, que era também do interior 
comprometido com as causas das pessoas pobres subjugadas pelo sistema 
governamental. 
c) Sofonias 
A atividade do profeta Sofonias pode localizar-se no período da menoridade 
do rei Josias (640-620 a.C.). O povo estava sofrendo muito com a dominação do 
Império Assírio, e internamente com as elites dirigentes, uma em aliança com a 
Assíria, a outra com o Egito. Toda essa disputa acabou por provocar o assassinato 
do rei Amon, que conseguiu se manter no trono por apenas dois anos, de 642 a 
640 a.C. Em lugar dele o povo da terra colocou o fi lho Josias (642 a 609 a.C.) com 
oito ano de idade, apenas (2Rs 21,24; 22,1), mantendo o país sob o domínio da 
Assíria, refl etido nos seus cultos astrais em Jerusalém (1,5; cf. 2Rs 21,5). 
58
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Mas quem era mesmo esse povo da terra? Era o grupo defensor da dinastia 
de Davi, formado por grandes donos de terra, que com outros dirigentes de 
Jerusalém oprimiam e exploravam o povo (Ez 22,29). A população camponesa 
era obrigada a fornecer alimento para manter o comércio e sustentar o luxo e 
mordomia da corte israelita (1,8). O profeta denuncia com vigor a concentração 
de riqueza em Jerusalém, a centralização do excedente agrícola, o controle 
do comércio e as práticas religiosas. A principal característica dos oráculos de 
denúncia é o “dia de Javé”(cf. Am 5,18-20) contra os opressores (1,7.14-18; 2,2). 
Sofonias é o grito profético do povo explorado. Os pobres da terra, como sujeito 
histórico, são a única esperança de uma sociedade baseada na justiça e na 
pobreza, na partilha e solidariedade (2,3): eles são amados e protegidos por Javé. 
O nome de Sofonias signifi ca “Deus protege” ou “esconde”, o que em muito 
ajuda a entender sua profecia. A profecia atribuída a Sofonias foi lida e relida no 
exílio e no pós-exílio. Para os redatores, “o resto da casa de Judá”, “o resto do 
meu povo”, “um povo pobre e fraco”, “o resto de Israel” (2,7.9; 3,12), é sinal de 
esperança nos tempos difíceis de calamidade nacional; a destruição de Jerusalém, 
o exílio e a dominação dos babilônios, pois Deus ama e protege o povo pobre e 
está no meio dele (3,5.15.17).
d) Hulda
Hulda é a única mulher citada na Bíblia que exerceu o ministério profético, 
cujas palavras foram registradas por escrito, num livro que não levou o seu nome. 
Ela exerceu sua profecia no tempo de Josias, para confi rmar a autenticidade das 
palavras presentes no livro da lei encontrado no templo e dar seu parecer favorável 
à reforma religiosa pretendida pelo rei. As palavras claras e contundentes de Hulda 
(2Rs 22,15-20) foram acolhidas pelo rei como a expressão própria da vontade de 
Deus, pois como profetisa, foi procurada pelos funcionários do rei para consultar 
o Senhor (2Rs 22,13). 
e) Jeremias
O profeta Jeremias nasceu por volta do ano 650 a.C., em Anatot, pequena 
aldeia levita da tribo de Benjamim (Jr 1,1), cerca de 6km ao nordeste de 
Jerusalém. É provável que seja descendente de família sacerdotal ligada às 
tradições dos levitas do Norte. Este grupo se caracteriza pela fé no Deus da vida, 
em oposição ao Javé ofi cial do Templo, e também por defender os interesses da 
população camponesa contra as injustiças da monarquia (26, 11-18). A linguagem 
de Jeremias utiliza imagens do campo (2,20-27; 14,4-5) e sua profecia brota da 
preocupação com o sofrimento dos camponeses (10,17-25).
59
O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
O profeta Jeremias exerceu sua profecia no período 627 e 582 a.C., 
acompanhando o reinado de cinco reis: Josias, Joacaz, Joaquim, Joaquin e 
Sedecias (Jr 1,1-3). Período de grandes complicações em Judá. O profeta paga 
um preço muito alto por combater as injustiças: “ai de mim, minha mãe, pois a 
senhora me gerou” (Jr 15,10; cf. as cinco confi ssões: Jr 11,18-12,6; 15,10-21; 
17,14-18; 18,18-23; 20,7-18). 
f) Naum
Naum é o sétimo dos profetas menores, natural de Elcós, provavelmente 
aldeia do interior de Judá. Seu nome signifi ca “aquele que consola”. Seu oráculo 
é contra Nínive, capital do Império assírio (2,9; 3,1.7). A descrição detalhada e 
a extraordinária vivacidade nas cenas da conquista de Nínive (2,4-2,19 levam a 
situar a atividade do profeta imediatamente após a queda dessa grande cidade, 
em 612 a.C.
Naum dava asas ao sentimento de alegria do povo ao ver a derrota do seu 
opressor, a Assíria, cuja capital, Nínive, havia sido tomada pelos babilônios em 
612 a.C. Apesar de pouco ortodoxa, porque parece dizer “bem feito” a quem está 
pagando pelo mal que fez, o profeta ensina que todo opressor terá o seu dia e 
renova a esperança do povo não com sentimento de vingança, mas como certeza 
do juízo de Deus sobre a história. 
g) Habacuc
A visão do profeta Habacuc mostra a crueldade da Caldeia ou Babilônia e a 
violência do seu exército (1,5-11). Sabemos que Judá foi vítima das opressões 
imperialistas dessa nação. Por isso, deve ter sido Judá o lugar e o período 
histórico da atuação de Habacuc, entre a queda de Nínive, capital do Império 
assírio, em 612 a.C., e a tomada de Jerusalém durante o reinado do rei Joaquim 
(608-598 a.C.), mais precisamente em 598-597 a.C.
Na sua origem, a profecia de Habacuc se resumia na denúncia contra a 
violência da elite de Judá, em tempos do rei Joaquim, e no anúncio da invasão 
babilônica. Durante o exílio se fez uma releitura, estendendo a violência ao 
exército da Babilônia. Após o exílio, foi acrescentado o salmo do Capítulo 3, que 
muda sistematicamente o tom rebelde do profeta. 
60
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Algumas ConsideraÇÕes
Ao longo desse capítulo pudemos nos aproximar um pouco mais da história 
de Israel, verifi cando mais de perto algumas das suas inúmeras narrativas. 
Buscou-se dar a você, aluno, algumas ferramentas de leitura. O conteúdo mais 
aprofundado, dependendo do seu interesse, poderá encontrar de maneira mais 
ampla na bibliografi a indicada. Você, num primeiro momento, pode achar muito 
complicado estudar a história de Israel, de fato, essa difi culdade ocorre porque os 
escritos bíblicos não são narrados de forma linear, pois não se trata de um livro 
apenas, mas de muitos, escritos ao longo de vários séculos, o que colabora para 
identifi car o contexto em que surgiram as narrativas. 
Por outro lado, é claro que essa tarefa exige um pouco de esforço, não 
diferente da missão que tiveram muitos dos profetas do antigo Israel, de acordo 
com o que vimos no conteúdo. A profecia é fundamental para explicar o contexto 
social, político e ideológico do Israel antigo. No Antigo Testamento transparecem 
nas narrativas nitidamente duas maneiras de fazer e viver a profecia: os profetas 
da corte e os profetas camponeses. Cada um se identifi cando com um projeto 
distinto. Ao ler o texto bíblico, você pode verifi car de qual profeta a narrativa trata, 
quais os seus interesses, e por quem ele se identifi ca e sofre/clama por justiça. 
ReFerÊncias 
ANTONIZI, Alberto, et al. ABC da Bíblia. São Paulo: Paulus, 1982. 
BIERLEIN, J. F. Mitos paralelos: uma introdução aos mitos no mundo moderno 
e as impressionantes semelhanças entre heróis e deuses de diferentes culturas. 
Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 85-87.
EQUIPE NACIONAL DA DIMENSÃO BÍBLICO-CATEQUÉTICA. Como nossa 
Igreja lê a Bíblia. São Paulo: Paulinas, 1995. 
KONINGS, Johan. A Bíblia nas suas origens e hoje. Petrópolis: Vozes, 1998. 
LACOSTE, Jean-Yves. Dicionário crítico de Teologia. In: Exegese. DON-
DELINGER, Patrick. São Paulo: Paulinas e Loyola, 1998. 
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MARQUES, Maria Antônia; NAKANOSE, Shigeyuki. Deus viu que tudo era mui-
to bom. Entendendo o livro de Gênesis 1-11. São Paulo: Paulus, 2007.
61
O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA Capítulo 2 
MCDONALD, Lee Martin. A origem da Bíblia. Um guia para os perplexos. São 
Paulo: Paulus, 2013. 
MENDONÇA, José Tolentino. A leitura infi nita. A Bíblia e a sua interpretação. 
Universidade Católica de Pernambuco; Paulinas: Recife; São Paulo, 2015.
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PULGA, Rosana. Beabá da Bíblia. São Paulo: Paulinas,1998.
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SERVIÇO DE ANIMAÇÃO BÍBLICA. Iniciação à leitura da Bíblia. São Paulo: 
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ZAPELLA, L. Manuale de analisi narrativa bíblica. Torino: Claudiana, 2014.
62
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
CAPÍTULO 3
O Exílio, e a Volta do Exílio Decreta-
da pelo Império Persa
A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes 
objetivos de aprendizagem:
  Conhecer as principais características do exílio da Babilônia. 
  Compreender como ocorreu o exílio da Babilônia, seus personagens 
principais, e os livros que nascem nesse contexto. 
  Conhecer o retorno do exílio e a reconstrução deJerusalém fi nanciada pelo Império Persa.
  Ler e interpretar a literatura bíblica em cada etapa da história de Israel.
  Identifi car os diferentes contextos em que está inserido 
o exílio da Babilônia nos textos bíblicos. 
  Distinguir as diversas etapas da história de Israel. 
64
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
65
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
ContextualiZaÇÃo
Neste terceiro capítulo temos como objetivo principal a compreensão de 
uma etapa muito importante da história de Israel, que é o exílio da Babilônia e 
o possível retorno da antiga elite de Judá para Jerusalém. Nessa perspectiva, 
iremos descobrir que a literatura bíblica depende, e muito, desses eventos, pois 
boa parte dos seus escritos foi reelaborada a partir da experiência do exílio e do 
pós-exílio. 
O Que é o Exílio?
Muito se fala em exílio na Bíblia, mas o que foi esse acontecimento tão 
relevante nas narrativas bíblicas? Na verdade, não aconteceu apenas um exílio 
na história de Israel, foram muitos, mas só um deles se tornou o mais conhecido. 
Nesse capítulo iremos caminhar com os exilados da Babilônia e fazer o retorno 
com eles, e, com isso, conhecer um pouco mais da literatura que foi escrita nesse 
período. Vamos lá?
O exílio da Babilônia é o mais conhecido entre todos os exílios, ele ocorreu 
no VI séc. a.C., mais ou menos entre os anos 597 até 538 a.C. Foram 59 anos de 
um período que modifi cou radicalmente a história dos israelitas.
No VIII séc. a. C. ocorreram três exílios. Neste período a Assíria era a grande 
potência mundial e subjugara todo o mundo então conhecido. A deportação de 
seus povos dominados, em especial da elite que governava, era parte do plano, 
com práticas de guerra e de subjugação. 
Em 732 a.C. os assírios deportaram mais ou menos 20 mil pessoas do 
norte de Israel: “No tempo em Faceia era rei de Israel o rei da Assíria Teglat-
Falasartomou Aion, Abel-Bet-Maaca, Janoe, Cedes, Hasor, Galaad, Galileia e 
toda a região de Neftali e deportou seus habitantes para a Assíria” (2Rs 15,29). 
Já em 722 a.C. foi a vez dos assírios levarem para o cativeiro os habitantes da 
Samaria, capital de Israel, no reino do Norte. Não há dados de quantas pessoas 
foram atingidas por este banimento, certamente foram muitas. Isso se justifi ca, 
porque os assírios tiveram que trazer imigrantes de outras partes do Império para 
habitarem no lugar dos deportados:
No décimo segundo ano do reinado de Acaz, rei de Judá, 
Oseias, fi lho de Ela, tornou-se rei de Israel. Reinou nove anos 
em Samaria. Fez o que é mau aos olhos de Javé, mas nem 
tanto como os reis de Israel que vieram antes dele. Salmanasar, 
rei da Assíria, atacou Oseias, que teve de se submeter e pagar 
66
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
tributo. Mas o rei da Assíria descobriu que Oseias o traía, pois 
havia mandado embaixadores a Sô, rei do Egito, e deixou de 
pagar ao rei da Assíria o tributo anual. O rei da Assíria mandou 
prendê-lo e deixá-lo acorrentado na prisão. Em seguida, o rei 
da Assíria subiu contra toda a terra, atacou Samaria e o sitiou 
por três anos. Ao nono ano do reinado de Oseias, o rei da 
Assíria tomou Samaria e deportou os israelitas para a Assíria. 
Os israelitas foram levados para Hala, às margens do rio Habor 
em Gozã, e também para cidades da Média (2Rs 17,1-6; cf. 
também 18,9-12).
No ano de 701 houve outra deportação. Os atingidos eram da população de 
Judá, reino do Sul, os exércitos assírios os tomaram de assalto (2Rs 18-20). As 
narrativas bíblicas não mencionam números, mas muitas pessoas foram atingidas. 
Um general assírio relatou que havia deportado cerca de 200 mil pessoas. De 
acordo com Milton Schwants (2009, p. 11), esse dado pode ser um exagero: 
“Digamos, pois, que este general se ‘enganou’ e que só tenha deportado 20 mil 
pessoas. E, ainda assim, o número é alto”. 
Certamente, além dessas deportações, também aconteceram outras, 
contudo nem todos os exílios foram registrados. No entanto, aparecem algumas 
referências: no livro de Amós 1,6, há um registro de um desterro de povos inteiros, 
provavelmente pertencentes a Judá. Em Jeremias 51,12-30 são citadas diversas 
deportações ao redor de 587. Estes registros demonstram que o povo de Israel foi 
vítima de muitos exílios. 
Portanto, o exílio babilônico é o mais conhecido, mas não o único, por conta 
disso iremos aprofundá-lo um pouco mais. Vamos lá!
Este exílio permaneceu na memória, foi superado, mas não foi esquecido, 
como aconteceu com os demais, inclusive do século VIII, que chegou a atingir 
milhares de pessoas. No entanto, seu destino não chegou a ser resgatado porque 
não puderam regressar. Enfi m, caíram no esquecimento, ainda que o profeta 
Jeremias, em torno de 630 a.C., deles se lembrasse: 
Palavra que veio a Jeremias da parte de Javé: Assim diz Javé, 
o Deus de Israel: Escreva num livro tudo o que eu vou lhe dizer: 
pois virão dias – oráculo de Javé – em que mudarei a sorte de 
meu povo, Israel e Judá, diz Javé. Farei com que voltem à terra 
que eu dei a seus pais e que tomem posse dela (Jr 30-31).
67
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
Não dá para desconsiderar o sofrimento que as pessoas que são submetidas 
a um processo de deportação enfrentam. São obrigadas a deixar tudo para 
trás, uma vida boa, como é o caso da elite de Judá. A experiência desses povos 
deportados ao longo do séc. VIII contribuiu para que os exilados de 597 a.C. não 
fossem esquecidos pelas narrativas bíblicas, e fossem vitoriosos. A vitória dos 
exilados do tempo babilônico resgata derrotas anteriores. O retorno vitorioso dos 
exilados de 597 a.C. é, pois, um resgate de gerações de exilados, de milhares de 
deportados. Justamente por conta disso, é relevante voltar a atenção para o olhar 
babilônico.
É PossíVel Exílio em Terra com 
Dono?
As deportações foram promovidas pelos exércitos assírio e babilônico. Mas o 
exílio não se reduz a apenas esses. Imagine você, numa situação em que milhares 
de pessoas são deportadas, na linguagem de hoje poderíamos usar o “tráfi co 
humano”, ou mesmo escravidão. Essas pessoas enfrentavam um confl ito muito 
grande, pois passavam a viver em um lugar dominado por reis opressores. Para 
o povo exilado isso era algo terrível, uma grande desgraça. Contudo, igualmente 
horrível era viver exilado e oprimido na própria terra. 
A terra de Canaã, para os hebreus, era solo ocupado. Essa ausência 
de liberdade não se devia tanto ao fato de nela viverem cananeus, pois estes 
cananeus até mesmo puderam tornar-se aliados dos hebreus vindos do Egito. 
Mostra-o a história de Raab (Js 2). A prostituta Raab, mulher oprimida e 
marginalizada em Jericó, passou para o lado dos israelitas que eram pobres como 
ela. Dessa forma, se verifi ca que o problema não eram os cananeus, em geral. 
A grande problemática estava relacionada aos reis cananeus, pois 
controlavam a terra. Exigiam, de quem nela trabalhasse, altíssimos impostos e 
saqueavam os camponeses. Ao tomarem a terra, os hebreus vindos do Egito 
libertam a terra da opressão e ocupação dos monarcas cananeus. Para o povo 
exilado, a retirada da terra, relatada nos primeiros capítulos de Josué, foi a 
libertação do chão. 
Durante muitas gerações as tribos israelitas viveram em terra liberta. No 
entanto, se implantou depois a monarquia. Davi, Saul e Salomão, cada vez mais, 
foram tomando feitios cananeus. A terra foi colocada sob seu controle. Os próprios 
reis israelitas passaram a explorar o povo e ocuparam a terra. 
68
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
É neste momento que entram em cena os profetas (conhecemos um pouco 
deles, de suas lutas e conquistas no capítulo anterior, lembram?). Os profetas 
estavam muito interessados no resgate da terra para aqueles que a perderam. 
Denunciaram fortemente a exploração provocada pelos reis: “São vocês os 
inimigos do meu povo: de cima da túnica, arrancam o manto de quemvive 
tranquilo ao voltar da guerra. Vocês expulsam da casa as mulheres do meu povo, 
e tiram dos seus fi lhos a dignidade que eu lhes tinha dado para sempre” (Mq 2,8-
9). O profeta responde apresentando as provas concretas da realidade do povo 
oprimido pelos governantes: o direito dos pobres é violado (cf. Dt 24,10-13; Am 
2,8); as mulheres são expulsas; as crianças têm seu direito à herança negado. 
No Primeiro Testamento, exílio não é só expatriação ou fuga forçada para 
uma terra estranha, também a opressão e vida desumana acontecendo na própria 
terra, no seu lugar de origem. Nesse caso, se os profetas não tivessem tido a 
coragem de denunciar os opressores que queriam ocupar a terra que pertencia 
ao povo da aliança, possivelmente os exilados não teriam tido forças para sonhar 
que uma vida nova poderia ser brevemente possível. 
O primeiro Isaías denunciou aqueles que desejavam: "terra a terra” (Is 5,8). 
Já o segundo Isaías convocou os exilados na Babilônia: “saí daí!”. Dessa forma 
fi ca evidente que as denúncias do primeiro Isaías são uma espécie de preparação 
para a conclamação para o segundo Isaías. Ter que superar a expatriação e 
superar os diversos tipos de opressões na própria terra são dois lados de uma 
mesma moeda. Resgate de exilados e da liberdade são quase como alma gêmea. 
Agora que conhecemos um pouco mais do signifi cado do exílio, iremos 
aprofundar os principais acontecimentos que foram relevantes para que essa 
realidade fosse possível na história de Israel.
Acontecimentos Históricos
Historicamente não dá para negar que o século VI a.C., século em que 
ocorreu o exílio da Babilônia, foi um período de reviravolta, não somente para 
Israel, mas para grande parte do mundo antigo. Esse período é chamado pelos 
historiadores de “período axial”, registrado por inúmeras inovações. 
[...] (símbolos personifi cados de tendências gerais nas 
respectivas comunidades): na China, Confúcio (550-480); na 
Índia, Buda (560-480); no Irã, Zoroastro (fi m do século VII); 
na Grécia, os fi lósofos e os “cientistas” jônicos, que abrem o 
caminho para a grande fi losofi a, a tragédia, a historiografi a; 
em Israel, os grandes profetas “éticos” (como Ezequiel e o 
Deutero-Isaías) do período do exílio (LIVERANI, ANO, p. 253).
69
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
O exílio da Babilônia ocorreu no séc. VI a.C., contudo, para que possamos 
compreendê-lo melhor, é necessário fazer um recuo na história, voltando ao 
século VIII a.C. Nesse período, os assírios retomam seu projeto de dominação 
internacional. Eles eram originários da Mesopotâmia e viviam na parte norte, 
uma fértil região. Seus objetivos são justamente avançar rumo ao Mediterrâneo 
e chegar a ocupar cidades portuárias importantes da região. Após a ocupação, 
seguem rumo ao sul. Foi então que em 732 a.C. anexaram a Samaria. No 
ano 701 a.C. destruíram Judá e por pouco não conquistaram defi nitivamente 
Jerusalém. Após conseguirem controlar a Palestina, seguem em direção ao 
Egito. Foi então que no início do séc. VII a.C. (700 até 650) ocorreu o cume do 
domínio internacional dos assírios. Por conta dos seus exércitos serem terríveis 
no massacre, eram fortemente temidos.
No entanto, toda essa opressão não demorou por muito tempo, os egípcios 
reagiram, fi zeram uso da sua tradição milenar e seus férteis vales junto ao rio Nilo. 
A partir disso, começaram a buscar por sua mais rápida autonomia e começaram 
por expulsar os assírios de suas terras. Além de afugentar os invasores, seguem 
perseguindo-os. A hegemonia da Assíria na Palestina é muito contestada. 
Dessa forma, o império egípcio alcança o grande rio Eufrates na Mesopotâmia, 
no período da agonia assíria. Essa infl uência egípcia na Palestina, na segunda 
metade do séc. VII a.C. e no próprio VI séc. a.C., é importante e decisiva para a 
compreensão da expatriação de Judá. 
Não foram apenas os egípcios que não aceitaram a supremacia assíria, os 
babilônios também não aceitaram essa predominância toda. Estes ocupavam as 
regiões ao sul da Mesopotâmia, área muito fértil entre os rios Eufrates e Tigres. 
Passo a passo foram corroendo a dominação assíria desde o Sul, de sorte que 
estes se vissem entre duas frentes. De um lado estavam os egípcios e, de outro, 
os babilônios. Os assírios sucumbiram a esta dupla contestação. Em 612, Nínive, 
sua última capital, foi tomada e feita em ruínas.
Os egípcios e babilônios foram fortes aliados na decadência dos assírios. 
Porém isso não aconteceu da mesma forma quando se tratou de defi nir a 
sucessão dos assírios no cenário internacional. Ambos se candidataram. Ambos 
trataram de pôr sob seu controle os territórios que, anteriormente, tinham estado 
sob a repressão assíria. Contudo, para a Palestina, esta disputa pela hegemonia 
teve fortes consequências, e decisivas. Isso porque estava justamente entre as 
duas potências em disputa. 
Mas, enfi m, os babilônios fi zeram-se impor e conseguiram isso na Palestina, 
mas não conquistaram o Egito, este permaneceu autônomo. Perdurou como uma 
constante ameaça à vista. 
70
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Para Judá, esse impasse que ocorreu entre os babilônios e egípcios foi fatal. 
Isso aconteceu por conta da posição estratégica ocupada por seu território. 
Para os impérios egípcios era fundamental ter Judá como aliada. Afi nal, era 
uma área para o abastecimento de suas tropas. A rigor, para quem vem do Egito, 
Judá se constitui no primeiro lugar onde os exércitos podem reabastecer-se. Após 
centenas de quilômetros por terrenos áridos e inóspitos, a região de Judá fornece 
água e comida. Contudo, para as estratégias militares daqueles tempos, um tal 
território era decisivo. Os faraós egípcios da época trataram logo de manter boa 
vizinhança com os reis de Jerusalém. 
Para os generais assírios, o pequeno e em si insignifi cante território judaísta 
impunha-se como importante. Necessitavam-no tanto para uma possível invasão 
do Egito, quanto para impedir contra-ataques egípcios. Esta posição estratégica 
de Judá é, possivelmente, a causa de sua destruição e de sua deportação. Judá 
como que foi triturado pelo entrechoque das duas grandes potências do VI séc. 
a.C.: a Babilônia e o Egito. 
Em resumo, veremos algumas questões internas de Judá:
A soberania, ora do Egito, ora da Babilônia, se refl ete na situação interna. 
Tanto uma quanto a outra superpotência chegam a entronizar soberanos em 
Jerusalém. 
Após a reforma josiânica de 622 a.C., Jerusalém é o centro religioso, 
cúltico e simbólico. No entanto, nem de longe todos os setores da sociedade 
judaísta concordavam com esta centralização. O profeta Jeremias contestou-a 
veementemente: “Assim diz Javé dos exércitos, o Deus de Israel: endireitem seus 
caminhos e sua maneira de agir, e eu morarei com vocês neste lugar, não se 
iludam com palavras mentirosas, dizendo: Este é o templo de Javé, templo de 
Javé!” (Jr 7, 3-4; cf. também Jr 26). 
O povo da terra são os camponeses, representam uma política real, e passam 
a interferir de maneira revolucionária. Dão sustentação à política de Josias e de 
Jeocaz, e acabaram por permitir e impelir a política de emancipação nacional dos 
últimos soberanos.
71
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
Quem Foram os Exilados
Neste item vamos conhecer um pouco mais sobre os deportados no exílio da 
Babilônia. Quem foram eles? Eram os camponeses? Era a elite governamental? 
Toda a população foi expatriada? Ou foram alguns poucos escolhidos? A partir 
dessas perguntas, vamos compreender um pouco mais de como ocorreu o exílio 
da Babilônia. A deportação de 587 a.C. privilegiou uma parte da população, de 
acordo com o que vemos na fi gura a seguir:
Figura 4 - O rei e sua corte
Fonte: Adaptação de Vasconcelos e Silva (2003, p. 144).
De acordo com o que vimos na fi gura acima, os deportados do exílio da 
Babilônia foram somente a elite de Judá. Os historiadoresestimam uma população 
de mais ou menos 15 mil pessoas (VASCONCELOS; SILVA, 2003). A elite se 
tornou uma espécie de refém. Para a Babilônia muito interessava a expatriação 
das pessoas que fossem infl uentes política e militarmente. Isso porque a elite 
constituía uma espécie de ameaça ao seu poderio. Por isso a escolha de levar 
apenas o governo, ou seja, todo o povo que de alguma forma estava ligado ao 
palácio e ao templo, bem como o exército, isto é, os artesãos ou fabricantes de 
armas e também sacerdotes como Ezequiel, que era um cantor do templo (2Is 
40-55). Dessa forma, realizaram uma verdadeira cassação política. No fundo, os 
expatriados constituíam uma parte pequena da população, mas representavam 
toda a classe dominante. 
Corte real
Militares
Funcionários
do Estado
Famílias de
políticos
72
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
O agrupamento maior de expatriados foi reassentado na Babilônia. O profeta 
Ezequiel menciona dois lugares: junto ao rio Quebar e em Tel Aviv (cf. Ez 1,3; 
3,15). O nome Tel Aviv parece indicar para um lugar abandonado. De acordo com 
Sl 137, 1 parecem ter sido assentados junto aos canais de água, numa região 
sem povoamento.
Possivelmente, os expatriados de 587 a.C. foram juntados aos de 597 a.C. 
Em todo caso, não parecem ter sido muitos, de acordo com o que já afi rmamos 
acima, isso porque muitos dos moradores de Jerusalém morreram no combate, 
muitos outros foram exterminados pela fome e pela peste ou degolados pelos 
vencedores. Para o desterro sobraram poucas pessoas, de acordo com Jr 52,15: 
Nabuzardã, chefe da guarda, mandou para o exílio os pobres 
da terra e o resto que sobrou do povo na cidade, os que 
tinham passado para o lado do rei da Babilônia e o resto da 
multidão. Só deixou fi car uma parte dos pobres da terra como 
trabalhadores das vinhas e pequenos lavradores.
Após 587, de acordo com Jr 52,30, parece ter ocorrido uma outra deportação, 
no entanto só sabemos dela por meio de Jeremias, cujo versículo nos deixa muitas 
dúvidas (SCHWANTES, 2009). Em todo caso, de acordo com esta nota, houve 
outra leva de deportados em 582. Não teria chegado à casa das mil pessoas. 
Enfi m, estima-se que em 597, em 587 e em 582 foram levados para a 
Babilônia e aí representadas umas 15 mil pessoas, oriundas basicamente da 
população de Jerusalém. De Judá, poucas foram atingidas. O exílio babilônio é, 
no entanto, um exílio dos cidadãos da capital.
Como ViViam os Exilados
Agora que já conhecemos um pouco mais sobre quem eram os exilados, vamos 
saber um pouco mais como eles viviam, como se organizaram para sobreviver às 
duras penas diante de um império que teria feito deles verdadeiros escravos. 
Os exilados permaneceram juntos, agrupados, e isso com certeza foi 
fundamental para que pudessem sobreviver. Unidos somavam força!
Por permanecerem juntos, era mais fácil preservar a sua identidade 
originária, língua, ritos, costumes e religião. A sua crença em Javé continuava 
viva. O desejo de preservar a fé em Javé foi a força aglutinadora para esse povo 
agora degredado. Em terra estranha não seria possível fazer sacrifícios, tiveram 
73
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
que se readaptar, religiosamente falando. E com isso surgiu o culto da Palavra 
por meio da profecia e do canto. Surgiram novos ritos que o identifi cavam, como o 
respeito ao sábado – o dia de descanso –, e a circuncisão. Contudo, os exilados 
não apenas mantiveram a sua fé, como se obrigaram a readaptar sua crença de 
acordo com as circunstâncias que lhes eram viáveis. 
É muito provável que trabalhassem no campo, na produção de cereais. 
Dessa forma, passaram à produção primária. Essa foi uma mudança radical em 
suas vidas, pois não estavam acostumados com trabalhos mais duros, afi nal 
haviam sido parte de uma elite com todas as mordomias próprias de alguém 
que fazia parte da classe social mais elevada da capital (sacerdotes, generais, 
ferreiros etc.). Passaram a exercer um trabalho que antes era feito apenas por 
seus súditos. Em outras palavras, poderíamos afi rmar que houve uma inversão 
de funções. 
Dá para identifi car os expatriados como escravos? Essa é uma pergunta 
que requer uma verifi cação um pouco mais cuidadosa. Isso porque escravidão 
naquela época não pode ser compreendida a partir do conceito que temos na 
sociedade hodierna, onde as pessoas submetidas ao jugo são vendidas como 
mercadoria. O livro de Is 42, 1 afi rma o seguinte: “Vejam meu servo, a quem eu 
sustento”. Num sentido mais abrangente, todos aqueles que são exilados tornam-
se escravos, pois foram levados à força para uma terra desconhecida, estão 
reféns, e vivem numa prisão. Nesta perspectiva são escravos, sim. Mas, como 
já dissemos, não dá para compreender a escravidão nos moldes da sociedade 
moderna. Para esses escravos do exílio lhes era permitida a livre circulação 
dentro dos acampamentos. Podiam viver de acordo com seus costumes, língua 
e religião. É provável que produzissem de maneira autônoma, dentro de uma 
segmentação de tempo e tarefa por eles escolhida. 
Produziam alimentos para a sua própria sobrevivência, uma prática de 
produção que se benefi ciasse do trabalho escravo, para eles, não era conhecida. 
Os babilônios estipulavam uma quota para a entrega dos produtos. Era-lhes 
exigido um tributo especial. A opressão na qual os exilados estavam submetidos 
era impedimento de circulação para além de seus núcleos de 
assentamento. 
Vivia na Babilônia uma população de mais ou menos 15 mil 
habitantes. Trata-se de um número expressivo. Representa em torno 
de 10% da população de Jerusalém e Judá antes de 597. 
Tudo bem, até aqui fi camos sabendo que a elite de Judá foi 
deportada para a Babilônia, mas, e o restante da população, os 
chamados remanescentes? 
Vivia na Babilônia 
uma população 
de mais ou menos 
15 mil habitantes. 
Trata-se de um 
número expressivo. 
Representa em torno 
de 10% da população 
de Jerusalém e Judá 
antes de 597.
74
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
A PopulaÇÃo Que nÃo Foi Expatriada
De acordo com o que já vimos até aqui, já nos é possível saber que a maioria 
da população permaneceu na sua terra, em Judá. Não foram expatriados para 
Judá, pois os “escolhidos” foram apenas a elite. Estima-se que tenha permanecido 
em Judá uma população de 100 mil pessoas. Em tempos pré-exílicos é possível 
que Judá e Jerusalém pudessem comportar uma população de 200 mil. É óbvio 
que as inúmeras guerras que ocorreram de resistência à Babilônia exterminaram 
a vida de muitas pessoas, de modo especial em 587 a.C. As deportações 
afugentaram um número expressivo, muitos fugiram para regiões vizinhas, até 
mesmo para o Egito. De acordo com Jr 40,11-12: 
Também os judeus que estavam em Moab, entre os amonitas, 
em Edom e outras regiões, ouviram falar que o rei da Babilônia 
tinha deixado um resto em Judá e que havia colocado Godolias, 
fi lho de Aicam, neto de Safã, como governador deles. Então 
começaram a voltar judeus de todos os lugares por onde havia 
espalhados. Entraram em Judá, junto a Godolias, em Masfa, e 
fi zeram uma colheita muito abundante de vinho e frutas. 
Jeremias menciona retirantes que se haviam evadido para povos vizinhos por 
ocasião da destruição de Jerusalém. Há informações a respeito de emigrantes 
ao Egito (Jr 41-42). Por conta de todos esses confl itos, a sociedade de Judá 
foi reduzida pela metade. Mesmo diante disso, ainda compunha um número 
expressivo. Era em Judá, durante o período exílico, que havia o maior contingente 
populacional do povo de Deus. 
Os remanescentes eram uma população camponesa que plantava para a sua 
sobrevivência, era o chamado povo da terra, aquela população que, por séculos 
afi ns, estava instalada nos arredores das cidades e que por elas haviam sido 
esbulhados. Essas pessoas de origem muito simples eram a atual população de 
Judá. O livro de 2Rs 25,12 confi rma essa realidade: “O chefe da guarda deixou 
uma parte dopovo pobre da terra, para trabalhar nas vinhas e nos campos”. De 
certa forma, os babilônios promoveram certos benefícios à população pobre da 
terra: “Os mais pobres do povo, os que não possuíam nada, Nabuzardã os deixou 
na terra de Judá e deu-lhes vinhas e terra para cultivar” (Jr 39,10).
Jeremias dá a mesma informação que 2 Reis, apenas acrescenta alguns 
pormenores. Na narrativa de 2 Reis tem-se a impressão de que os pobres tivessem 
se tornado uma espécie de agregados ou parceiros dos babilônios. As terras lhes 
teriam sido cedidas. O texto de Jeremias dá um passo a mais. Para ele, as terras 
foram dadas aos pobres, houve uma divisão entre os mais pobres. 
75
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
Interessante notar que tudo isso é ação dos babilônios, gente 
que tem suas próprias divindades e não acredita em Javé! Estes 
conseguiram fazer coisas que os reis davídicos não foram capazes 
de fazer! Surpreendente, não?! Faça a sua própria refl exão! Como 
reinterpretar o amor e a justiça a partir dos que possuem religião 
diferente da nossa e são capazes de promover o bem comum? 
Aprofunde mais essa ideia lendo: RÖMER, Thomas. A origem de 
Javé. O Deus de Israel e seu nome. São Paulo: Paulus, 2016.
A história de Israel apresenta uma pluralidade de divindades e 
isso não signifi ca que um deus seja melhor do que o outro e não 
seja capaz de promover o amor e a justiça. Cada um fundamenta 
a sua crença em Deus da forma como lhe foi repassado pela sua 
cultura e antepassados. Há em Israel uma luta muito grande entre as 
divindades.
Em Judá também permanecem muitos grupos proféticos. Pudemos conhecer 
um pouco mais sobre eles no capítulo anterior, retome o tópico sobre os profetas 
e você entenderá um pouco mais da opção que eles fi zeram em suas respectivas 
profecias.
Sabe-se que o profeta Jeremias queria permanecer, mas o levaram à força 
para o Egito. É ele que vai representar todo um grupo de profetas para os quais a 
história do povo dá continuidade em terras palestinas, não no desterro. Imagina-
se que Obadias tenha pertencido a ele. 
Entre as pessoas que permaneceram em Judá estavam também os 
sobreviventes de Jerusalém, pessoas que haviam dado conta de escapar da 
catástrofe de 587 a.C. Essas pessoas eram os liturgos do povo, os cantores. 
Junto às ruínas do templo se tinha o costume de realizar as celebrações cúlticas 
de penitência e lamento. Veja o que Jeremias 41, 4-7 fala a esse respeito:
No dia seguinte ao assassinato de Godolias, ninguém ainda 
sabia. Foram então uns oitenta homens de Siquém, de Silo 
e de Samaria, com a barba raspada, roupas rasgadas e 
ferimentos no corpo. Levavam ofertas e incenso para a casa 
de Javé. Ismael fi lho de Matanias saiu de Masfa ao encontro 
deles, fora da cidade, andando e chorando. Ao encontrá-los, 
disse: ‘venham até onde está Godolias, fi lho de Aicam’. Logo, 
76
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
porém, que eles chegaram ao centro da cidade, Ismael, fi lho de 
Natanias, junto com seus homens, estrangulou-os e mandou 
jogar os corpos dentro de uma cisterna.
As cerimônias eram coordenadas por cantores. O lamento estava entre suas 
especialidades. Até mesmo conhecemos uma parte do cancioneiro comunitário 
composto para tais ocasiões. Nos referimos ao livro das Lamentações. Vejamos o 
trecho de Lm 5:
Lembra-te, Javé, do que aconteceu! Olha bem para ver a 
vergonha que passamos! Nossa herança passou a estranhos, 
e nossas casas a estrangeiros. Agora somos todos órfãos, pois 
perdemos nosso pai; nossas mães fi caram viúvas. Temos de 
comprar a água que bebemos e pagar a lenha que usamos. 
Com o jugo no pescoço somos empurrados; estamos exaustos, 
pois eles não dão folga. Ao Egito já estendemos nossas mãos 
pedindo ajuda, já suplicamos à Assíria que nos desse de 
comer. Nossos pais pecaram e já morreram, e nós pagamos 
por suas culpas. Escravos dominam sobre nós; não há quem 
possa libertar-nos de sua mão. Arriscamos a própria vida pelo 
pão, enfrentando em campo aberto a espada inimiga. Nossa 
pele queima como forno, torturada pela fome. Violentaram as 
mulheres em Sião e as virgens nas cidades de Judá. Com suas 
mãos esganaram os chefes e não aceitaram e não respeitaram 
os anciãos. Forçaram os jovens a girar o moinho, os rapazes 
sucumbiram sob o peso da lenha. Os anciãos já não participam 
do Conselho e os jovens deixaram seus instrumentos de corda. 
Acabou a alegria que nos enchia o coração, nossa dança se 
mudou em luto. Caiu a coroa da nossa cabeça. Ai de nós, 
porque pecamos! Por isso nosso coração está doente e nossos 
olhos embaçados. Por que o monte Sião está devastado e por 
ele passeiam as raposas. Mas tu, Javé, permaneces para 
sempre; teu trono permanece de geração em geração. Então, 
por que haverias de esquecer-nos para sempre, e deixar-
nos abandonados por tanto tempo? Faze que voltemos para 
ti, Javé, e voltaremos; renova os tempos passados. Ou será 
que nos rejeitaste de uma vez? Será que tua cólera não tem 
limites?
O livro das Lamentações é um exemplo típico de como as pessoas exiladas 
se sentiam em relação ao exílio que estavam vivendo. Esse livro reúne cantos 
que falam sobre a tomada de Jerusalém, a destruição do templo e das outras 
cidades de Judá, em 587 a.C., por Nabucodonosor, o atual Imperador da 
Babilônia. No fundo, se tratam de cantigas que descrevem a catástrofe nacional e 
suas consequências trágicas: saques, incêndios, matanças, deportação, violência 
física e sexual, fome, sede etc., bem como a situação de Jerusalém, arruinada 
pela invasão inimiga (Lm 5,18).
77
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
Para além de apenas narrar a tragédia, as lamentações demonstram, de modo 
doloroso, mas poético, o sentimento dos sobreviventes de Jerusalém: lamento, 
humilhação, angústia, abandono, revolta, vingança, dúvida, arrependimento, 
pedido de perdão e esperança. Os sentimentos seguem num ritmo de desespero, 
mas ao mesmo tempo cheio de confi ança em Javé, buscando recuperar as suas 
promessas e aliança que foi feita a seus antepassados. O sofrimento físico é 
profundamente existencial. No entanto, o povo não perde a força de gritar a sua 
dor. Gritos que ecoam por todo o livro. As lamentações mostram também o clamor 
pela vida de todo ser humano: “vocês todos que passam pelo caminho, olhem e 
prestem atenção: haverá dor semelhante à minha dor?” (Lm 1,12).
É possível que em Judá permaneceram muitos daqueles sacerdotes e levitas 
que foram desalojados dos santuários fechados e demolidos por Josias em 622 
a.C. Não existem maiores provas, mas faz muito sentido supô-las (SCHWANTES, 
2009, p. 27). 
No fundo, quem fi cou em Judá é chamado de povo da terra, ou seja, o 
campesinato judaísta e outros grupos que representam o patrimônio cultural e 
intelectual. Entre estes grupos, alguns estão mais próximos ao mundo camponês. 
Outros se encontram na herança do templo jerusalemita. Estão vinculados às 
tradições do Sião. 
A Babilônia não se mantinha presente. O território não foi ocupado pelos 
militares. Inicialmente foi nomeado uma espécie de governador, um representante 
dos interesses babilônicos na área. O primeiro a exercer essa função foi Gedalias, 
que foi assassinado (2Rs 25,22-25). E, pelo que consta, não foi substituído. Nesse 
sentido, Judá fi cou entregue a seu próprio destino, sem um governo ofi cial. 
O que se observa é que a Babilônia, defi nitivamente, abandonou Judá. 
Foi desmilitarizada e também desurbanizada. As terras que antes eram da elite 
expatriada agora os mais pobres passaram a dominá-la. De que forma era 
possível ter o controle disso tudo? Na época, os impérios efetivavam a exploração 
de outros povos através da dominação de seus centros urbanos. Mas, na terra 
de Israel já não existiam mais cidades, por que foram todas demolidas. Dessa 
forma, era inviável a espoliação dos camponeses. O Estado babilônico não estava 
aparelhado para cobrar qualquer tipode tributo ou taxa das famílias camponesas 
de maneira individualizada. Contudo, nessa falta de cidades em Judá, a Babilônia, 
muito provavelmente, se retirou de cena. Dessa forma se chega à conclusão 
de que após a desmilitarização e desurbanização, Judá teria sofrido uma forma 
de retribalização. Isso porque os camponeses passaram a viver dentro de uma 
estrutura baseada nos costumes e padrões clânico-tribais.
78
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
A Literatura no Período Exílico
No período exílico foi muito fértil a literatura. Por conta de todo o sofrimento 
experienciado, surgiu uma vasta literatura. A seguir iremos conhecer um pouco 
mais a forma como foram organizados esses escritos. 
Os livros bíblicos de Deuteronômio, Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel e 1 e 2 
Reis constituem uma grande unidade literária. Podem ser considerados apenas 
uma obra. Estão reunidos nessa vasta obra. Nela estão contidas diversas 
coleções menores, que já existiam quando de seu surgimento. É necessário ter a 
compreensão de que os autores desta obra não são considerados escritores, mas 
colecionadores e compiladores de textos e pequenas coleções. É evidente que 
existem várias características e critérios e observações detalhadas que fornecem 
fundamentos para essa afi rmativa. Vejamos algumas delas:
- O principal objetivo desta grande coleção é o de descrever a história;
- A trajetória de Israel e Judá está na base de seu interesse;
- Os livros de Samuel e Reis tematizam o surgimento, auge e declínio das 
monarquias;
- Os livros anteriores funcionam como uma espécie de introdução ou 
contrapontos a estes que tematizam os estados de Israel e Judá, portanto, 
essa coleção pratica, quase na sua totalidade, historiografi a de Estado.
A pesquisa bíblica afi rma que essa obra historiográfi ca foi compilada mais 
ou menos no ano 550 a.C., no período exílico, em Judá. Os autores desta obra 
são defi nidos como deuteronômicos, isso porque a sua linguagem se assemelha 
e estão comprometidos com a adoração exclusiva a Javé. Se tem a impressão 
de que seriam os mais afetados pela tentação da idolatria (veja caps. 12-13). E 
aos reis são impostas tamanhas restrições em Deuteronômio 17,14-20 que seu 
governo, a rigor, é inviabilizado. O que resta são os profetas! E, de fato, este é, 
para o Deuteronômio, o mediador e cumpridor predileto do projeto da unicidade 
de Javé, do lugar sagrado e do povo (Dt 18, 9-22). Um profeta ideal, Moisés, é a 
grande esperança! 
No fundo, o livro de Deuteronômio fornece as principais lentes para se 
compreender a trajetória do Estado, pois estabelece critérios para que isso ocorra. 
O Estado é avaliado à luz dessa orientação/lei. 
79
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
Na obra deuteronômica e a história do Estado que começa em 1 Samuel, os 
compiladores impuseram os livros de Josué e Juízes. Certamente, o fi zeram por 
motivos específi cos. Nesses livros é narrada a história de um povo que não possui 
um Estado. E nisso reside, certamente, o principal interesse dos compiladores. 
Se trata de testar seus critérios junto a uma experiência que não é monárquica 
ou, como se costuma dizer, pré-estatal. A seguir iremos analisar a experiência do 
povo de Deus nos livros de Josué e Juízes. 
a) Josué
A principal temática que envolve o livro de Josué é justamente o esforço 
empreendido pelas tribos israelitas na conquista e ocupação das terras. Até ter 
o livro compilado da maneira como o conhecemos hoje, foi sendo construído 
no ambiente familiar, trabalhadores de origem camponesa, sábios que atuavam 
na corte do rei, juntamente com os sacerdotes em seus diversos santuários. As 
narrativas que compõem o livro de Josué sofreram inúmeras revisões no seu 
processo de contar e recontar, escrever e reescrever acontecimentos da história 
de Israel e dos povos circunvizinhos. 
A primeira tentativa de reunir essas tradições históricas antigas, a maioria 
provinda do reino do Norte – destruído pela guerra de 722 a.C. –, aconteceu 
durante a reforma empreendida pelo rei Josias (640-609 a.C.). Baseado na 
promulgação do livro do Deuteronômio (12-26), na época visto como o livro da 
Lei e encontrado na casa de Javé: “O sumo sacerdote Helcias disse ao secretário 
Safã: ‘achei um livro da Lei na casa de Javé!’ Entregou o livro a Safã, que o leu” 
(2 Rs 22,8). 
Essa reforma consistiu, segundo a visão dos grupos dirigentes e proprietários 
de terras instalados na cidade de Jerusalém, em buscar realizar os desejos de um 
Deus chamado Javé, venerado por Israel. Tal reforma acabou por desencadear 
mudanças na vida religiosa e social, entre elas a centralização do culto em 
Jerusalém, a destruição dos santuários em lugares altos, a perseguição e morte 
dos sacerdotes ligados a divindades estrangeiras, e a proibição de imagens e de 
culto aos deuses familiares, destacando-se a ofi cialização da Páscoa como festa 
nacional celebrada na capital Jerusalém (2 Rs 23,4-25).
As constantes guerras que são narradas no livro de Josué devem ser 
entendidas somente por meio do projeto de Josias, que mantinha o desejo de 
integrar o reino do Sul e o território do antigo reino do Norte numa unidade política 
– Israel – em torno de uma única divindade – Javé – e sob um só comandante 
– descendente davídico –, tudo isso com o objetivo de legitimar essas novas 
80
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
fronteiras. À primeira vista, as guerras de Javé assustam. Isso porque não existe 
ação bélica invasora alguma, conquistadora e destruidora que seja aprovada 
por Deus. Os leitores deparam, isto sim, com relatos fi ctícios que visam animar, 
integrar e determinar as ações expansionistas e controladoras da reforma 
deuteronomista realizada por Josias. 
Um bom exemplo dessa história narrada para exaltar Javé, o Deus de Israel, 
e o povo residente em Judá, pode ser verifi cado na época em que os hebreus 
começam a ocupar as terras da região. Em meados do séc. XII a.C., as grandes 
cidades-estados cananeias já não existem. Jericó, outrora pertencente aos 
cananeus, por exemplo, não passava de um monte de ruínas. Seu esplendor 
tinha desaparecido fazia mais de dois séculos (Js 6). 
As vitórias surpreendentes diante do forte inimigo, que se vê incapaz de 
vencer um exército pequeno e despreparado que luta em nome de Javé, justifi cam 
os esforços na ocupação e expansão das fronteiras durante o governo do rei 
Josias. Israel não tem nada a temer, isso se dá porque Javé está em constante 
luta a seu favor (Dt 7,21; Js 1,9). Eis os brados que encorajam e legitimam a 
monarquia sediada em Jerusalém.
No fundo, toda a narrativa que compõe o livro de Josué só recebe sua forma 
defi nitiva no período do exílio babilônio (597-536 a.C.). Por volta da metade do 
ano 400 a.C., a época em que a sua redação foi fi nalizada, o controle exclusivo 
do templo e da cidade de Jerusalém estava nas mãos dos sacerdotes. Estes, por 
meio de um governo pautado pela teocracia, buscam sustentar os ideais de um 
povo escolhido e protegido por Javé, agora compreendido como o único Deus (Dt 
6,4-9). Na ocasião, impulsionados a seguir fi elmente os estatutos apresentados 
por Javé, esses sacerdotes recolhem e organizam tradições de sábios 
deuteronomistas escritas na reconstrução do templo em meio a uma sociedade 
que vive sob o sistema Templo-Estado.
O livro de Josué pode ser dividido da seguinte maneira:
I – Identifi cação do território e conquistas (1-12)
II – Distribuição das terras entre as tribos, segundo a necessidade de cada 
uma (13-21)
III – Retorno das tribos e solidifi cação da aliança entre as 12 tribos (22)
IV – Discurso de despedida feito por Josué (23)
V – Assembleia de Siquém (24)
81
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
Em síntese, para os compiladores de nossa grande obra historiográfi ca, o 
período em que se deu a atuação de Josué intenta realizar a “lei” mosaica do 
Deuteronômio. O povo é um.É um porque todos possuem acesso à terra. E, além 
de ser uma irmandade e fraternidade, é crente. Afasta de seu meio ídolos ou 
falsos deuses. O tribalismo alcançou corresponder à Torah, às orientações da lei. 
b) Juízes
Apresentar a consolidação dos clãs num período que é anterior ao surgimento 
da monarquia é o principal objetivo do livro dos Juízes. Para que fosse possível 
garantir estabilidade na posse da terra, Javé faz surgir, revestidos do seu espírito, 
autênticos juízes e juízas, com a chance de conseguir estabelecer a justiça e 
o direito, e saírem para combater as forças inimigas (3,10; 6,34; 11,29; 13,25; 
14,6.19;15,14).
A garantia do triunfo sobre todos os inimigos, proclamada anteriormente no 
livro de Josué (Js 21,43-45; 24,11-13), não é a realidade experimentada pelas 
tribos neste livro dos Juízes. As cidades-estado instaladas em Hasor, Hebron, 
Betel e Siquém se tornam perigosas e constante afronto para as tribos israelitas 
(4,2;6,2-6;13,1). Os autores não apresentam a estabilidade fi nal e total das 12 
tribos unidas e instaladas, cada qual em seu pedaço de terra. Se percebe, isto 
sim, o modo lento e gradual vivenciado por diferentes clãs na ocupação de seus 
territórios. Em meio ao contexto exílico, situação de ruínas e descrédito, é que 
surge a necessidade de avaliar e reler a história, no desejo de encontrar respostas 
para a vexatória realidade que se abateu sobre o povo eleito de Javé (Ex 9,1; Dt 
7,6;14,2). Foi preciso refl etir e encontrar as causas de tanto sofrimento.
Na releitura histórica que foi feita pelos sábios deuteronomistas, a prática da 
idolatria e o abandono da Torá são as causas originais dos males que assolaram 
Israel e Judá. Os reis não foram capazes de assegurar a integridade diante da 
proposta de Javé, e por isso os juízes são enviados na esperança de se retornar 
aos caminhos de Javé (3,7-11; 3,12-15;4,1-3;6,1;8,27b.33-35;10,6-16;13,1). O 
fato de suscitar tais líderes certifi ca essa releitura em pleno exílio babilônico. 
82
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Recuperar antigas lendas e epopeias, cujo local exato de 
origem não é possível identifi car, foi a melhor resposta encontrada 
na época da monarquia pelos sábios deuteronomistas, para criticar 
as realezas que se afastaram do projeto de Javé. Essas “historietas” 
selecionadas dos 12 juízes eram conhecidas em épocas anteriores ao 
exílio babilônico. Lendas antigas foram relidas e revestidas com uma 
mensagem legitimadora de Javé. O que antes era simples saga de 
algum clã familiar, agora se torna ícone em defesa das tribos de Israel.
Ao longo da descrição de todos os Juízes existe a seguinte estrutura literária, 
em forma de espiral:
Fonte: Adaptado de: <https://pt.wikipedia.org/wiki/espiral_de_arquimedes>. Acesso em: 9 
out. 2017. 
Essa dinâmica acontece no ciclo de 20, 40 e 80 anos, números esses que 
acenam ao período de uma geração (3,11;5,31;8,28). A narrativa exalta a prática 
de 12 juízes. São seis maiores: Otoniel, Aod, Débora-Barac, Gedeão, Jefté e 
Sansão. Sobre esse grupo paira admiração por seus grandes feitos para livrar as 
tribos de ameaças iminentes. Não lhes falta a coragem na luta contra cananeus, 
madianitas, moabitas, amonitas e fi listeus. Os seis juízes menores, Samgar, 
Tola, Jair, Abesã, Elon e Abdon (3,31;10,1-5,12,8-15), esses são lembrados sem 
detalhes de grandes façanhas ou atributos. Não exercem ato de heroísmo algum 
em prol de alguma tribo. 
Figura 5 – Estrutura literária em forma de espiral
83
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
Como se estrutura o livro de Juízes:
- Introdução: A difícil ocupação das tribos de Israel em terras ocupadas 
pelos cananeus (1,1-2,5);
- Segunda introdução: Demonstra a alternância entre fi delidade e 
infi delidade tribais, e como Deus intervém para corrigir o seu povo (2,6-
3,6);
- Segunda parte: De redação tardia, tem como objetivo principal explicar a 
origem do Santuário instalado em Dã;
- Terceira parte: Narra a guerra de Galaad contra os benjaminitas e a 
reconciliação fi nal entre as duas tribos irmãs (19-21).
Uma vez que os capítulos fi nais do livro partem de tal premissa, não seria 
de estranhar, se delineassem impasses insuperáveis. Ao assim não procederem, 
testemunham que o tribalismo soube mais do que tudo superar as difi culdades 
que iam surgindo. Aquele período foi muito difícil, no entanto, não faltaram 
soluções e libertadores. Nela não está, pois, a razão para a criação do Estado, 
ao contrário disso, nela encontramos um modelo social e teológico, o que faz com 
que o Estado não seja necessário: “Gideão lhes disse: não dominarei sobre vós e 
tampouco meu fi lho dominará sobre vós. Javé vos dominará” (Jz 8,23).
No fundo, as histórias a respeito dos juízes libertadores não preparam a 
monarquia, na verdade a impedem, pois a contradizem e também a contestam! 
Contudo, os juízes libertadores são um fenômeno tribal. Novamente podemos 
constatar que a ordem tribal foi capaz de se aproximar e condizer às exigências 
da lei deuteronômica: acabou por ser evitada a opressão do povo em meio às 
múltiplas e terríveis ameaças. E foi afastada a tentação da idolatria, se bem que 
esta estivesse rondando continuamente as portas das casas e das tribos. 
Observamos que mesmo em meio a inúmeras difi culdades e problemas, o 
tribalismo que foi narrado pelos livros de Josué e Juízes efetivamente buscou por 
alcançar corresponder aos critérios estabelecidos para a vida do povo no livro de 
Deuteronômio, nesta porta de entrada da grande obra historiográfi ca. 
O apelo constante à proteção de Javé revela o desejo de manter-se fi el 
a seus planos, bem como o incansável propósito de libertar e assegurar paz e 
segurança para as tribos. 
84
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
• Os juízes na perspectiva da lei
É possível notar, num primeiro momento, que a vida legal, ética e de 
costumes do antigo Israel se inter-relacionam. Por causa dessa questão em 
aberto, qualquer abordagem acerca do tema Juízes, seja ela antropológica, 
sociológica ou histórica, é possível. 
No antigo Israel, casos legais eram adjudicados – sentenciados – em corte 
por juízes. Este fato é documentado de muitas formas e frequentemente. A 
terminologia, a literatura legal, histórica e profética e até os salmos e a literatura 
sapiencial mencionam juízes e suas atividades, e também narram ou retratam 
disputas legais e processos em cortes.
A Bíblia Hebraica contém um número signifi cativo de narrativas sobre 
julgamentos e disputas legais e negociações. Mais proeminentes entre elas são 
as histórias sobre Jacó e Labão (cf. Gn 31,25-54); Siquém e Diná (cf. Gn 34); Judá 
e Tamar (cf. Gn 38); Moisés, Getro e os israelitas (cf. Ex 18,13-27); o israelita que 
blasfemou (cf. Lv 24,10-23); as fi lhas de Salfaaf (cf. Nm 27,1-11); Acam (cf. Js 7); 
a concubina de um levita (cf. Jz 19s); Boaz e Rute (cf. Rt 4); Saul e Jônatas (cf. 
1Sm 13 et. seq); Saul e Samuel (cf. 1Sm 15); Saul e Davi (cf. 1Sm 24 e 26); Davi 
e Natã (cf. 2Sm 12); Amom-Tamar e Davi-Absalão (cf. 2Sm 13 et. seq.); Salomão 
e as duas mulheres (cf. 1Rs 3,16-28); Roboão e as tribos do Norte (cf. 1Rs 12); a 
vinha de Nabot (cf. 1Rs 21); o julgamento de Jeremias (cf. Jr 26) e outras. 
É certo que nenhuma dessas narrativas tenha sido escrita na forma de um 
processo de protocolo de julgamentos e nem por causa de tal protocolo. No 
fundo, foram escritas por causa de intenções diferentes e variadas. Refl etem 
os processos de corte apenas parcial e indiretamente. De qualquer forma, 
pressupõem que seu escritor acreditasse na existência de tais processos jurídicos 
e uma correspondente compreensão da parte de seus leitores.
O fórum mais comum era a família ou clã, no qual o pai era o senhor e chefe 
legal dotado do direito e obrigação para adjudicar disputas e violações entre 
familiares, inclusive a execução de punição, por exemplo, o castigo de um fi lho 
desobediente (cf. Dt 21,18), e em tempos muitosantigos, a pena de morte, como 
na história de Judá-Tamar (cf. Gn 38). Nesse sentido, Abraão restaurou a justiça 
na ocasião quando Sara foi tratada com desprezo pela sua serva Agar e apelou 
para o marido para retifi car a injustiça contra ela (cf. Gn 16,1-6).
Outro ambiente de corte era o fórum da aldeia ou pequena cidade. Seu local 
era a porta da cidade e o judiciário era formado pelos anciãos do lugar. Esses 
anciãos funcionavam como testemunhas em negociações como no casamento de 
Rute e Boaz. Arbitravam disputas entre litigantes, como se percebe por um dos 
sentidos do vocábulo hebraico para julgar, a saber arbitrar e por outras evidências.
85
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
O sistema de tribunais locais trouxe uma extensão do envolvimento legal 
em comparação com a lei tribal. Nos tribunais locais, todos os cidadãos e não 
apenas os anciãos tinham o direito de participar ativamente no julgamento e no 
veredicto. Nesse sentido, todos os cidadãos eram, por conseguinte, juridicamente 
competentes. Não signifi ca que todos os participantes em potencial tivessem 
que estar ativamente envolvidos em qualquer caso particular. Do ponto de vista 
prático, alguma aceleração era necessária para participar de tais ensaios, que 
não era um fardo, mas um privilégio: “Que os anciãos haviam deixado suas 
sessões no portão” (Lm 5,14). Todo este capítulo de Lm 5 descreve a dramática 
situação em que estavam vivendo após a conquista e destruição de Jerusalém e 
seus arredores em 587 a.C. É signifi cativo que, neste contexto, quando se fala de 
idosos, se deve mencionar a assembleia no portão. O direito supremo, no qual 
se experimenta o orgulho e o valor de um homem saudável, maior de idade, pelo 
fato de possuir sua própria propriedade, é reconhecido por seus companheiros, 
e possui o direito de participar e de falar na Assembleia legal. É o ponto de 
encontro dos que realmente são importantes, a elite. Foi uma das difi culdades 
e desvantagens do estrangeiro não possuir esse privilégio. Mulheres, crianças e 
escravos também foram excluídos de qualquer parte ativa em julgamentos legais. 
Portanto, as Leis da Bíblia Hebraica enfatizam outra vez o dever de atribuir direitos 
a essas pessoas. Cita-se o seguinte texto a título de exemplo: “Não privarás 
estrangeiros e órfãos de justiça, nem tomar o manto de uma viúva em penhor” Dt 
24,17 (BRENNER, 2003, p. 216).
O livro de Rute 4,1-2 apresenta uma imagem gráfi ca de como um fórum era 
constituído no portão:
Booz subiu à porta da cidade e aí sentou-se. E quando passou 
o protetor do qual tinha falado, Booz o chamou: ‘Ei, fulano, 
venha sentar-se aqui’. O homem se aproximou e sentou-se. 
Booz tomou consigo dez anciãos da cidade, e lhes disse: 
‘sentem-se aqui’.
Eles se assentaram. O caso particular relatado em Rute 4 não interessa 
tanto, mas o procedimento geral adotado, que para montar um fórum, o indivíduo 
sentou-se no portão e chamou os transeuntes. Ele os chamou para sentarem-se 
no portão, sem nenhuma causa à vista. Em Rute 4, dez anciãos são mencionados, 
relatado por Booz que podem estar relacionados à função de juízes. 
Com relação aos âmbitos sagrados dos santuários, certamente dois dos 
templos de Jerusalém eram sujeitos às leis regulamentadas por uma supervisão, 
execução e tratamento de casos de violação. Esta jurisdição estava nas mãos 
dos sacerdotes, e posteriormente em casos de santuários reais, como Betel (cf. 
Am 7,10-17) e no primeiro templo, nas mãos dos reis. A assim chamada reforma 
cúltica de Josias (cf. 2Rs 23) é um exemplo marcante. 
86
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
O papel dos sacerdotes de longe excedia sua autoridade jurisdicional sobre o 
âmbito dos santuários. Penetrava profundamente na vida do povo. Decidiam sobre o 
puro e o impuro, isto é, os âmbitos dos tabus na vida diária. Presidiam os julgamentos 
concernentes ao adultério (cf. Nm 5) e presidiam, juntamente com outros, julgamentos 
de queixas, ou seja, indivíduos que sob processo ou ameaça de vida tinham que 
submeter seus casos à adjudicação cúltica. Ministravam as liturgias à entrada do 
templo, que tratavam das adjudicações das condições éticas para a admissão ao 
santuário (cf. Sl 15; 24). Adjudicavam litigações no santuário que de outra forma não 
poderiam ser resolvidas (cf. Ex 22,9), desempenhavam um papel que julgava as 
pessoas acusadas de qualquer tipo de crime. Essa lista parece não estar completa. 
Apenas demonstra que a religião de Javé de Israel era, institucionalmente, uma parte 
intrínseca e até controladora de intencionalidade teocrática da vida societária de 
Israel. A autoridade jurisdicional dos santuários e dos sacerdotes, os quais estavam 
primordialmente preocupados com os afazeres daquela religião, compusera um 
elemento proeminente das instituições públicas em geral. Essa autoridade era uma 
parte da Lei da terra e não uma administração religiosa, separada dela e sob a Lei da 
terra. A Lei e a justiça não foram inventadas pelos profetas.
Agora, chegando aos processos jurídicos que não estavam relacionados ao 
culto, é possível perceber a diferença entre os casos civis e criminais. Quando 
nenhum ato criminoso envolvia decisão legal, era feita basicamente por meio 
de acordo entre as partes envolvidas, às vezes, na presença de testemunhas, 
como mostra a história do casamento de Rute. Um acordo direto não poderia ser 
alcançado, ou seja, essa situação fazia que se recorresse à corte, daí entram a 
fi gura do juiz, ou a corte dos anciãos, que arbitravam para propor uma solução que 
não era executada legalmente, mas tinha que ser implementada pelas próprias 
partes interessadas (VAUX, 2003, p. 186-189).
A questão da execução legal de julgamentos torna-se mais problemática 
quando em casos, por exemplo, de roubo, desfalque, danos causados por 
negligência, estupro, assassínio, não apenas compensação, como também multa 
ou pena eram estipuladas. A execução de tais julgamentos era, grosso modo, 
também deixada ao ganhador da causa, mas é pouco provável que a comunidade 
não tivesse se interessado pelo cumprimento dos seus julgamentos ou não tivesse 
acesso a protestos contra o não cumprimento. 
Em casos de assassinato, era do vingador de sangue, em primeiro lugar, 
apoiado pelos anciãos de uma cidade, a tarefa de punir o assassino (cf. Dt 
19,11-13). Homicidas involuntários tinham a chance de serem protegidos em 
cidade de refúgio. Em outros tipos de crimes capitais, pelo menos nas principais 
comunidades locais, e possivelmente nos clãs que existiam antes delas, e sem 
dúvida, as administrações reais executavam seus julgamentos por eles mesmos 
87
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
(Dt 19,25-21). Este tipo de execução de julgamentos é provavelmente válido para 
a expulsão de alguém da comunidade ou a expulsão da congregação cúltica, o 
banimento, e, acima de tudo, para a pena de morte (cf. Lv 24,10-23; Js 7; 1Rs 
2,13; 25,21; Dt 21,18-21). 
Na história da pesquisa, essas legislações com as mesmas características 
de Ex 21,22-25 têm criado um problema ao dizer que estas leis são decisões de 
costume. De fato, elas são baseadas em decisões que refl etem certo costume 
jurídico. Esse fato, porém, não signifi ca que são formuladas na forma verdadeira 
de decisões pronunciadas ao fi nal dos julgamentos. Fala-se de duas formas 
diferentes de expressão legal. Ambas declaram ou, pelo menos, pressupõem a 
correspondência de caso e consequência. Uma delas, porém, relata um caso que 
já aconteceu e estipula a consequência a ser implementada no futuro, mesmo que 
a sequência das duas declarações possa ser alternada. Diz, como no julgamento 
contra Jeremias: “Este homem não merece a morte, pois ele falou de Javé nosso 
Deus” (Jr 26,16). Esse tipo de expressão é falado depois de uma ação passada e 
antes da consequência estipulada para o futuro (SCHULTZ, 1984).
Por contraste, outro tipo de expressão dizo seguinte: se você fi zer isso, o 
seguinte acontecerá. Esse tipo é – em formas variáveis – falado ou escrito não 
apenas antes da consequência estipulada, mas também antes da ação descrita. 
Esse tipo de expressão é claramente prescritiva, ou legislativa na sua natureza, 
enquanto o outro é claramente adjudicatório na Bíblia Hebraica. Nesse sentido, 
deve fi car claro que o caso de Lei não é legislativo, porque se apoia na adjudicação 
de casos baseados em costume. Ambos os tipos de expressão, o adjudicatório e 
o legislativo, são partes do caso de lei e, por sua vez, se alicerçam principalmente 
em lei de costume. 
Esta distinção signifi ca que se deve examinar mais especifi camente as leis 
veterotestamentárias como legislação e os legisladores que estão por trás dela. 
Essas leis frequentemente documentadas cobrem um largo leque de aspectos 
substantivos. Em algumas situações também podem representar os trâmites 
jurídicos, como em Dt 17,2-6 no caso de suspeita de apostasia. Aqui o boato 
deveria ser investigado diligentemente, a verdade estabelecida claramente na 
base de, ao menos, duas ou três testemunhas, e se a prova for estabelecida, 
a pessoa condenada deveria ser levada à porta da cidade e, lá, executada por 
apedrejamento, o qual deveria ser iniciado pelas próprias testemunhas. Em Nm 5 
o autor apresenta trâmites jurídicos concernentes ao julgamento de uma mulher 
suspeita de adultério. Devem-se considerar as prescrições para os trâmites dos 
rituais de sacrifícios em Lv 1-7 como processos jurídicos pertencentes ao âmbito 
do culto e tratando da eliminação de culpa compreendida do ponto de vista 
forense, ou seja, desvendamento de crimes (SCHULTZ, 1984).
88
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Essas leis cobrem as áreas daquilo que se pode chamar de Lei primária 
e reparadora. Na Lei primária a declaração do caso descreve relacionamento 
legal, enquanto a declaração das consequências prescreve os termos desse 
relacionamento, isto é, os direitos e deveres antes da violação. Por exemplo (Ex 
21, 22), diz, “Quando homens brigarem” (relacionamento legal) “mas se houver 
dano” (em termos daquele relacionamento). No caso da lei reparadora, a violação 
hipoteticamente declarada é seguida por uma defi nição de reparação.
c) Rute
A narrativa de Rute vem seguida do livro de Juízes. Dessa forma procedeu a 
tradução grega do Antigo Testamento. Na verdade, no texto em hebraico o livro de 
Rute segue os Provérbios. No entanto, os tradutores gregos tiveram boa intuição 
ao transladarem este livro como anexo ao de Juízes, pois também Rute celebra o 
tribalismo e nele, em especial, a capacidade organizativa das mulheres. Os usos 
e costumes tribais – se bem que também limitados – viabilizam a conquista do 
pão e a continuidade da vida. Enquanto os estados não garantiam nem mesmo 
um mínimo às viúvas, a vida clânica garante espaços até para uma estrangeira, 
como é o caso de Rute. 
A narrativa de Rute trata de uma novela em torno da emigração de uma 
família de Belém para Moab e da volta para Belém. Eis os principais temas que 
perpassam a novela de Rute: 
- direito de respiga; 
- resgate da terra; 
- casamento misto 
- Universalismos.
É possível que o episódio de Rute tenha sido escrito no período de Esdras e 
Neemias, em torno dos anos 450-350 a.C.
No período em que os persas dão fi m ao Império da Babilônia, em 538 
a.C. A estratégia do novo dominador é permitir a liberdade religiosa às nações 
subjugadas, garantindo para si a submissão política (cf. Esd 7,25-26). Os persas 
incentivam a reconstrução do templo em Judá, que foi concluída em torno de 515 
a.C., sob protesto de muitos grupos (cf. Esd 4,1-5). Alguns anos mais tarde, os 
persas enviam Neemias e Esdras (450-350 a.C.), que empreendem importantes 
reformas para manter a identidade e coesão do povo no pós-exílio, contudo, a 
consolidação da teologia da retribuição: 
89
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
Eu sou Javé, e não mudo. Vocês, ao contrário, fi lhos de Jacó, 
vocês não se defi nem. Desde o tempo de seus pais, vocês 
se afastam de meus estatutos e não guardam meus decretos. 
Voltem para mim, que eu também voltarei para vocês! – Diz 
Javé dos exércitos. Mas vocês perguntam: ‘Em que precisamos 
voltar? Pode um homem enganar a Deus?’ Pois vocês me 
enganaram! Vocês me perguntam: ‘Em que te enganamos?’ 
No dízimo e na contribuição. Vocês estão ameaçados de 
maldição, e mesmo assim estão me enganando, vocês e 
a nação inteira! Tragam o dízimo completo para o cofre do 
Templo, para que haja alimento em meu Templo. Façam essa 
experiência comigo – diz Javé dos Exércitos. Vocês hão de ver, 
então, se não abro as comportas do céu, se não derramo sobre 
vocês minhas bênçãos de fartura. Acabarei com as pragas da 
plantação, para que elas não destruam os frutos da terra nem 
devorem a vinha do campo – diz Javé dos exércitos. Todas as 
nações chamarão vocês de felizes, porque vocês hão de ser 
uma terra de delícias – diz Javé dos exércitos (Ml 3,6-21). 
Tanto a teologia da retribuição, de acordo com o texto acima, e também a 
lei da pureza (cf. Lv 12) provocam exclusões de diversos grupos considerados 
impuros: estrangeiros (especialmente mulheres), doentes, pobres e portadores de 
defi ciência física. Nesse contexto é que surge o livro de Rute. 
No livro se mostra que a pertença ao povo não seja restrita apenas à 
nacionalidade judaica e propõe a solidariedade como valor fundamental na 
reconstrução do país. Reivindica alguns direitos dos pobres: a lei da respiga, a 
proteção da terra e o levirato. No fundo, se trata de um protesto contra a política 
pós-exílica de isolamento social e a total eliminação dos estrangeiros, defendida 
pela teocracia de Jerusalém. Ao colocar uma mulher moabita como ancestral de 
Davi e modelo de solidariedade, o livro se opõe à proibição de matrimônios mistos 
(Ml 2,10-16; Ne 13,23-27). A história de Rute se apresenta em quatro cenas 
principais:
- O retorno de Noemi para Belém e a opção de Rute por Noemi (Cap. 1);
- Rute nos campos de Booz e seu encontro com ele (Cap. 2);
- Booz e Rute na eira (Cap. 3);
- O resgate em favor de Noemi em Belém (Cap. 4)
Enfi m, no livro de Rute, a salvação se concretiza mediada pela solidariedade 
e a aliança entre os grupos minoritários.
90
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
d) Samuel e Reis
 No livro de 1Sm se dá início à temática do Estado. Ainda que o Estado não 
seja o foco principal dos livros em questão, seu assunto se estende até 2Rs. Não se 
pode negar que o Estado é um tema relevante da obra deuteronomística, superado 
apenas pela profecia. Esta é a medida na sociedade, inclusive de reis e estado. 
O Estado visto a partir da ótica profética não é visto de maneira positiva. Se 
verifi ca em 1Sm 2, no cântico de Ana. Fala contra os fortes e poderosos. Anuncia 
a derrota do arco, o mesmo que o exército:
Então Ana rezou esta oração: Meu coração se alegra com 
Javé, em Deus me sinto cheia de força. Agora, que eu possa 
responder aos meus inimigos, pois me sinto feliz com tua 
salvação. Ninguém é santo como Javé, não existe rocha como 
o nosso Deus. Não multipliquem palavras soberbas, nem saia 
arrogância da boca de vocês, porque Javé é um Deus que sabe, 
é ele quem pesa as ações. O arco dos poderosos é quebrado, 
e os fracos são fortalecidos, enquanto os famintos engordam 
despojos. A mulher estéril dá à luz sete fi lhos, a mãe de muitos 
fi lhos se esgota. Javé faz morrer e faz viver, faz descer o 
abismo e dele subir. Javé torna pobre e torna rico, ele humilha 
e também levanta. Ele ergue da poeira o fraco e tira do lixo o 
indigente, fazendo-os sentar-se com os príncipes e herdar um 
trono glorioso; pois a Javé pertencem as colunas da terra, e 
sobre elas ele assentou o mundo. Ele guarda o passo de seus 
fi éis, enquanto os injustos perecem nas trevas, pois não é pela 
força que o homem triunfa. Javé derrota seus adversários, o 
altíssimo troveja lá do céu. Javé julgaos confi ns da terra. Ele 
dá força ao seu rei e aumenta o poder do seu ungido. 
Ora, o Estado é a história dos fortes, poderosos, e dos arcos em suas vitórias 
contra os fracos e em sua espoliação dos pobres. O direito do rei é, de acordo 
com 1Sm 8,10-18, a exploração nua e crua de seus súditos, portanto, conta-se a 
história do Estado para negar a validade da exploração.
No entanto, se guarda uma esperança. Já podemos constatá-la no mesmo 
Cântico de Ana. O seu último versículo enaltece a utopia do Messias: “Javé julga 
as extremidades da terra, dá força ao seu rei, e exalta o poder do seu 
ungido” (1Sm 2,10).
Conta-se, de uma maneira profética, a história do Estado, seus 
trágicos desmandos, para fazer crescer a esperança pelo Messias. 
A superação messiânica do Estado – marca as pautas e estabelece 
os trilhos. É uma projeção avaliativa do que lhe segue. Tem, por 
conseguinte, função interpretativa e hermenêutica em relação ao todo 
dos livros de Samuel e Reis. 
Conta-se, de uma 
maneira profética, a 
história do Estado, 
seus trágicos 
desmandos, para 
fazer crescer a 
esperança pelo 
Messias. A superação 
messiânica do Estado 
– marca as pautas e 
estabelece os trilhos.
91
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
Nesse sentido se questiona o porquê de a monarquia ser denunciada, 
rejeitada, desde o seu princípio. A primeira e principal denúncia profética é que o 
reinado promove outros deuses, isso se relaciona aos estados de Israel e Judá, 
pois encorajaram para a idolatria que dizia respeito a outras divindades. Isso 
contradiz a exigência central do Deuteronômio, que é a de justamente negar esta 
possibilidade. De acordo com o autor Mario Liverani (2008, p. 184):
É provável, portanto, que Yahweh fosse o deus ‘nacional’ já 
no século IX, mas que seu culto levasse em consideração 
a presença de outras divindades (até ofi cialmente aceitas), 
que se desenvolvesse em formas que o posterior rigorismo 
julgará escandalosas e que tivesse com o culto e o sacerdócio 
(profetas, inclusive) de Ba’al um confl ito que será acentuado, 
e muito, pelas releituras posteriores. É indicativo o fato de as 
profecias do javista Amós sobre a ruína iminente de Israel 
insistirem sobretudo nas culpas socioeconômicas e reservarem 
um peso muito modesto às culpas de tipo religioso e cultual (o 
culto materialista, feito de festas e sacrifícios, músicas e ídolos: 
Am 5,21-27). Somente de passagem se citam os santuários de 
Bet-El e Gilgal (3,14,4,4), ao passo que a Yahweh se reserva 
um papel de restauração da prosperidade perdida, que é 
evidentemente um acréscimo posterior” [...]. As divindades 
mais conhecidas são Yahweh para Judá e para Israel, Kemosh 
para Mo’ab, Qaus para Edom, Milkom para Amon, Hadad para 
Damasco, Baal/Melqart para Tiro, todos em plena atuação nos 
séculos IX e VIII, antes mesmo que, de modo predominante, 
surja de fora a fi gura do deus nacional Assur. Naturalmente 
subsiste a legitimidade de procurar as mais antigas origens 
para cada um deles, e em particular para Yahweh, mas o papel 
‘nacional’ só pode ter se tornado consistente numa época em 
que a identifi cação entre Deus e Estado étnico era plenamente 
operativa no plano político e militar.
O mal começa desde Saul, isso porque se atreve a oferecer holocaustos 
(1Sm 13,8-15). Recorre a práticas cultuais proibidas em sua consulta à mulher de 
Em-Dor (1Sm 28). Salomão introduz altares a outras divindades (1Rs 11), no que 
é seguido pela maior parte de seus sucessores. Jeroboão I, o fundador do reino 
de Israel/norte, fez da promoção da idolatria um projeto ofi cial (1Rs 12,26-33). Por 
causa da destruição deste Israel, os autores anotam como motivo: “Tal sucedeu 
porque os fi lhos de Israel pecaram contra Javé, seu Deus... e temeram a outros 
deuses” (2 Rs 17,7).
A seguir vamos conhecer um pouco mais sobre uma divindade que foi muito 
protestada pelo próprio Javé, Baal. 
92
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Os autores bíblicos não tinham o interesse de ensinar a religião 
dos cananeus, por causa disso, se sabe muito mais a respeito do papel, 
das consortes e do culto de B aal; a partir da literatura extrabíblica, no 
entanto, a fi gura de Baal apresentada na Bíblia Hebraica corresponde 
aos textos extrabíblicos. O autor Thomas Entrich (s.d., p. 1) detalha 
ainda mais essa realidade:
A ambiguidade entre uma assembleia politeísta de deuses e 
um deus monoteísta sempre esteve no centro da religião do 
Antigo Oriente Próximo e por muito tempo a Bíblia Hebraica 
era a única fonte literária existente. Desde o início do Século 
XX, escavações em Ugarit (Ras Shamra), Byblos, Hazor ou 
Mari derramaram uma nova luz sobre as antigas religiões 
orientais. A montagem de deuses nos mitos do povo semi-
norte-americano provou ser um sistema complexo de deuses 
e deusas, tendo cada um deles seu respectivo lugar e função. 
Este sistema foi baseado em um ciclo de fertilidade cósmica 
em torno dos deuses 'El and Ba'al, as deusas' Atirat ('Ashera), 
'Anat e Attart ('Astart) e outros deuses como Môt, Yam ou Kôtar. 
Baal também foi chamado Haddu (=Hadade), um deus que está acima de 
todo deus da tempestade que dá a chuva suave e que faz renascer a vegetação. 
Nesse sentido, os anos de seca eram atribuídos ao seu cativeiro temporário ou 
até mesmo a sua morte. No entanto, em sua reivindicação, campos, rebanhos e 
famílias tornavam-se produtivos. 
Para além disso, Baal era considerado um deus da guerra e uma divindade 
ligada à fertilidade que se une a Anate, mais tarde igualada a Astarte. Por meio 
de um recital mítico se trazia de volta a vida na festa de outono do ano novo e 
também por intermédio do casamento sagrado, representado no culto pelo rei, a 
rainha e uma sacerdotisa. Era por meio desses rituais que os semitas acreditavam 
assegurar a fertilidade da terra. Esse ritual era comum na Babilônia, mas pouco 
atestado, não de forma clara, em Canaã. 
Durante o período dos juízes, Israel sucumbiu a este culto, visto como 
contagioso (cf. Jz 2,11; 6,25), e tinha de sofrer o livramento de Javé, evitando 
assim graves consequências. Foi na dinastia de Omri que o culto a Baal se tornou 
a religião ofi cial do Reino do Norte (cf. 1Rs 16,31). Nesse sentido, pode ser que 
os milagres de Israel feitos por Eliseu e Elias foram polêmicos a favor de Deus, 
condenando os poderes atribuídos a Baal, divindade pagã da natureza, o fogo (cf. 
1Rs 18,17; 2Rs 1,9-16), chuva (cf. 1Rs 17,1; 18,41-46), alimento (cf. 1Rs 17,1-6, 
8-16; 2Rs 4,1), crianças (cf. 2Rs 4,14-17) e revivifi cação (1Rs 17,17-23; 2Rs 4,18-
37; 13,20-22). No entanto, o culto a Baal não foi sufi ciente para livrar a terra do 
culto degradado e ainda ocorreu o cativeiro do Reino do Norte, que culminou em 
muitas disputas políticas e destruições, como demonstra o livro de Oseias.
Os autores bíblicos 
não tinham o 
interesse de ensinar 
a religião dos 
cananeus, por causa 
disso, se sabe muito 
mais a respeito do 
papel, das consortes 
e do culto de Baal; 
a partir da literatura 
extrabíblica
93
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
Oseias descreve Israel como aquele que recebeu as bênçãos provindas do 
cereal e do óleo da parte de Javé: 
Ela não reconheceu que era eu quem lhe dava o trigo, o vinho 
e o azeite; quem lhe multiplicava a prata e o ouro, que eles 
usavam para fazer um ba’al” Por isso, retomarei meu trigo e 
meu vinho na época da safra. Retomarei minha lã e meu linho, 
que cobriam sua nudez (Os 2,10-11).
Oseias se utiliza do termo Baal não apenas relacionado à divindade cananeia, 
mas é usado no sentido fi gurado, de Deus como o marido de Israel. Israel chama 
Deus de seu marido: “Acontecerá naquele dia – oráculo de Javé – que você me 
chamará ‘meu marido’ e não mais ‘meu Baal’. Vou tirar de seus lábios o nome dos 
baais e esses nomes nunca mais serão lembrados” (cf. Os 2,18-19).
Mas, diante de tanta informação, nem devemos buscar osalvos e as 
esperanças mais expressivas dentro ou no fi nal da obra deuteronomística. Mais 
provável é que a devemos encontrar no começo da obra. Aliás, é no começo que, 
pela Bíblia afora, se encontram as grandes esperanças.
É mencionado no início da obra deuteronomística, diz o alvo, bem como os 
caminhos de Israel. O rei não é colocado como objetivo principal, pois os caminhos 
de Israel não se fi zeram por meio da monarquia, nem em seus começos mais 
distantes, em Gn 1-11, e tampouco em seus séculos nas terras da promessa.
Na narrativa é possível reconhecer duas afi rmações fundantes: 
uma afi rmação teológico-histórica: a terra é dádiva, é doação de 
Deus (Js 1-12). Deus a deu aos mais empobrecidos, os que não 
tinham a menor possibilidade de vencer os cananeus diante de seus 
poderosos exércitos e suas enormes cidades. A terra, em que estão, 
possui sua origem no próprio Javé. Por outro lado, a segunda metade 
do livro de Josué (13-24) informa que a mediação de acesso à terra 
são condições sociais clânicas. Se tem um lugar ao solo, sendo parte 
de família e tribo. Eis a utopia de Israel juntamente com sua luta 
cotidiana. Se possui terra é porque faz parte de um povo libertador. 
Esta é a trajetória que Israel precisa retomar.
94
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Recapitulando:
Os livros de Deuteronômio, Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel e 1 e 2 Reis 
constituem um só conjunto literário: a obra historiográfi ca deuteronomística. Esta 
obra foi composta por volta de 550, no âmbito do campesinato remanescente em 
Judá, sob a coordenação de grupos levítico-proféticos.
Critério de sua historiografi a é a lei do Deuteronômio: um só Deus, um só 
lugar cúltico, um só povo. Os livros de Josué e Juízes correspondem a estas 
exigências. A libertação da terra (Josué) e a defesa da liberdade do povo (juízes) 
condizem com os critérios. 
Por fi m, verifi camos que os conteúdos da literatura bíblica em questão se 
ajustam, muito bem, às condições históricas do campesinato judaísta retribalizado 
por ocasião da desmilitarização e desurbanização, promovidas pelos babilônios 
na Palestina, em 597-587 a.C. E, além disso, as propostas da obra se encaixam 
dentro do que conhecemos de o povo da terra do VI e VII séculos. 
O Fim do Exílio
O exílio teve seu fi m no ano de 539 a.C. Neste ano a Babilônia foi julgada 
defi nitivamente pelo Império Persa. O rei persa era Ciro e foi triunfalmente recebido, 
em especial na capital do Império Babilônico. Novos tempos iniciavam. Sob suas 
condições vieram a se concretizar os projetos elaborados por remanescentes e 
exilados. Alguns. Outros foram refutados. Outros, enfi m, foram remodelados. 
Nesse item não pretendemos esboçar de maneira mais detalhada a trajetória 
histórica do pós-exílio, mas assinalar as alterações mais imediatas provocadas 
pela grande vitória do Império Persa.
Vimos no item anterior que a maioria do povo de Javé permaneceu em Judá, 
durante o exílio babilônico. A deportação não passava de uma minoria, e, no 
entanto, há fortes indícios de que a maior parte desta minoria estava acostumada 
com as exigências vividas na Mesopotâmia. O profeta Jeremias demonstra a 
interação com a sociedade babilônica ao escrever sua carta aos exilados: 
95
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
Assim diz Javé dos exércitos, o Deus de Israel, a todo o povo 
que levei de Jerusalém para o exílio na Babilônia: construam 
casas para vocês habitarem. Plantem pomares para comerem 
de suas frutas. Casem-se, gerem fi lhos e fi lhas, arranjem 
esposas para seus fi lhos e maridos para suas fi lhas, e que 
eles também gerem fi lhos e fi lhas. Multipliquem-se aí, não 
diminuam. Busquem a paz da cidade para onde eu os exilei 
e rezem a Javé por ela, pois a paz desse lugar será a paz de 
vocês. Assim diz Javé dos exércitos, o Deus de Israel: Não se 
deixem enganar pelos profetas que existem no meio de vocês. 
Não escutem os adivinhos nem os sonhos que eles dizem 
que têm, pois eles profetizam mentiras em meu nome. Eu não 
enviei nenhum deles, oráculo de Javé (Jr 29, 4-9).
Os que para Segundo Isaías são os desanimados (Is 40,27;49,14) hão de ser 
os que se integraram ao mundo mesopotâmico. Não pensam em regressar. Aliás, 
quando após 539 a.C. efetivamente houve possibilidades para o retorno, poucos 
se utilizaram dessa liberdade dada pelo Império Persa. Pelo que nos conta – 
mesmo com os relatos de Esdras (cf. Esd 7) – poucas pessoas retornaram à 
Palestina. Portanto, além de serem uma minoria, os exilados não aderiram em 
bloco às propostas de seus profetas Ezequiel e Deutero-Isaías.
Apesar dessas informações, os exilados é que fazem história! A interpretação 
que se impôs segue na perspectiva dos deportados. As narrativas nos dão a 
impressão de que toda a população de Judá teria sido levada à Babilônia e, após 
539 a.C, a maioria dos exilados teria retornado. Quantitativamente, os deportados 
teriam sido a totalidade, e ainda, eles também seriam qualitativamente a parcela 
mais signifi cativa. Dessa forma se entende como resto santo, purifi cado pelo 
exílio babilônico. Essa é a visão do cronista (1 e 2 Crônicas, Esdras e Neemias). É 
a que se impôs na historiografi a!
96
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Atividade de Estudos:
1) Leia o artigo de SANTOS Michel. Junto aos Rios da Babilônia: Um 
estudo acerca da história de Israel no exílio. Disponível em: <http://
www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2011/Relatorios/CTCH/TEO/
TEO-Michel%20Alves%20dos%20Santos.pdf>. 
Aponte as principais características desse período, bem como 
as infl uências históricas na literatura, que culminaram em muitas 
narrativas bíblicas. 
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A Lei e o Templo
A chamada reforma de Josias em 622 a.C. dera primazia ao Templo de Je-
rusalém. Tornou-se o símbolo central. Exilados e remanescentes haviam passado 
pela experiência da reforma josiânica. Por isso não é nenhum acaso que o templo 
jerusalemita ocupe um lugar central em seus propósitos. Alguns círculos dentre 
os próprios remanescentes cultuavam o local sagrado, mesmo que estivesse em 
ruínas, após 587 a.C. Lamentações e Abdias possuíam o seu lugar vivencial junto 
a estas ruínas. Contudo, este grupo de remanescentes simpáticos ao Sião era 
minoritário. Boa parte dos judaítas não tinha preocupação com o santuário. Os 
seus símbolos eram a terra e um novo rei. Estes grupos criaram os textos mais 
signifi cativos em Judá: a grande obra historiográfi ca deuteronomística e os 52 
capítulos do livro de Jeremias. 
Em meio aos deportados a posição era bem mais favorável ao templo. A 
narrativa de Ezequiel demonstra essa realidade. Ela também marca presença em 
Segundo Isaías, ainda que aí não seja tão central. É bom reiterar que entre os 
profetas exilados também existiam outras posições, como as que estão expressas 
na visão do vale de ossos (cf. Ez 37) e nos cânticos do servo sofredor. Nem 
mesmo entre os exilados está concentrado em Sião. 
97
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
O papel dos sacerdotes de longe excedia sua autoridade jurisdicional sobre 
o âmbito dos santuários. Penetrava profundamente na vida do povo. Decidiam 
sobre o puro e o impuro, isto é, os âmbitos dos tabus na vida diária. Presidiam os 
julgamentos concernentes ao adultério (cf. Nm 5) e presidiam, juntamente com 
outros, julgamentos de queixas, ou seja, indivíduos que sob processo ou ameaça 
de vida tinham que submeter seus casos à adjudicação cúltica. Ministravam as 
liturgias à entrada do templo, que tratavam das adjudicações das condições éticas 
para a admissão ao santuário (cf. Sl 15; 24). Adjudicavam litigações no santuário 
que de outra forma não poderiam ser resolvidas(cf. Ex 22,9), desempenhavam 
um papel que julgava as pessoas acusadas de qualquer tipo de crime. Essa lista 
parece não estar completa. Apenas demonstra que a religião de Javé de Israel era, 
institucionalmente, uma parte intrínseca e até controladora de intencionalidade 
teocrática da vida societária de Israel. A autoridade jurisdicional dos santuários e 
dos sacerdotes, os quais estavam primordialmente preocupados com os afazeres 
daquela religião, constituiu um elemento proeminente das instituições públicas em 
geral. Essa autoridade era uma parte da Lei da terra e não uma administração 
religiosa, separada dela e sob a Lei da terra. A Lei e a justiça não foram inventadas 
pelos profetas.
Agora, chegando aos processos jurídicos que não estavam relacionados ao 
culto é possível perceber a diferença entre os casos civis e criminais. Quando 
nenhum ato criminoso envolvia decisão legal, era feita basicamente por meio 
de acordo entre as partes envolvidas, às vezes na presença de testemunhas, 
como mostra a história do casamento de Rute. Um acordo direto não poderia ser 
alcançado, ou seja, essa situação fazia que se recorresse à corte, daí entram a 
fi gura do juiz, ou a corte dos anciãos, que arbitravam para propor uma solução que 
não era executada legalmente, mas tinha que ser implementada pelas próprias 
partes interessadas (SCHULTZ, 1984, p. 100).
A questão da execução legal de julgamentos torna-se mais problemática 
quando em casos, por exemplo, de roubo, desfalque, danos causados por 
negligência, estupro, assassínio, não apenas compensação, como também multa 
ou pena eram estipuladas. A execução de tais julgamentos era, a grosso modo, 
também deixada ao ganhador da causa, mas é pouco provável que a comunidade 
não tivesse se interessado pelo cumprimento dos seus julgamentos ou não tivesse 
acesso a protestos contra o não cumprimento. 
Em casos de assassinato, era do vingador de sangue, em primeiro lugar, 
apoiado pelos anciãos de uma cidade, a tarefa de punir o assassino (cf. Dt 
19,11-13). Homicidas involuntários tinham a chance de serem protegidos em 
cidade de refúgio. Em outros tipos de crimes capitais, pelo menos nas principais 
comunidades locais e possivelmente nos clãs que existiam antes delas, e sem 
98
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
dúvida, as administrações reais executavam seus julgamentos por eles mesmos 
(Dt 19,25-21). Este tipo de execução de julgamentos é provavelmente válido para 
a expulsão de alguém da comunidade ou a expulsão da congregação cúltica, o 
banimento, e, acima de tudo, para a pena de morte (cf. Lv 24,10-23; Js 7; 1Rs 
2,13; 25,21; Dt 21,18-21). 
De acordo com Schultz, as legislações com as mesmas características 
de Ex 21,22-25, criaram um problema ao dizer que estas leis são decisões de 
costume. De fato, elas são baseadas em decisões que refl etem certo costume 
jurídico. Esse fato, porém, não signifi ca que são formuladas na forma verdadeira 
de decisões pronunciadas ao fi nal dos julgamentos. Fala-se de duas formas 
diferentes de expressão legal. Ambas declaram ou, pelo menos, pressupõem a 
correspondência de caso e consequência. Uma delas, porém, relata um caso que 
já aconteceu e estipula a consequência a ser implementada no futuro, mesmo que 
a sequência das duas declarações possa ser alternada. Diz, como no julgamento 
contra Jeremias: “Este homem não merece a morte, pois ele falou de Javé nosso 
Deus” (Jr 26,16). Esse tipo de expressão é falado depois de uma ação passada e 
antes da consequência estipulada para o futuro (SCHULTZ, 1984, p. 100).
Por contraste, outro tipo de expressão diz o seguinte: se você fi zer isso, o 
seguinte acontecerá. Esse tipo é – em formas variáveis – falado ou escrito não 
apenas antes da consequência estipulada, mas também antes da ação descrita. 
Esse tipo de expressão é claramente prescritiva, ou legislativa, em natureza, 
enquanto o outro é claramente adjudicatório na Bíblia Hebraica. Nesse sentido, 
deve fi car claro que o caso de Lei não é não legislativo porque se apoia na 
adjudicação de casos baseados em costume. Ambos os tipos de expressão, o 
adjudicatório e o legislativo, são partes do caso de Lei e, por sua vez, se alicerçam 
principalmente em Lei de costume. 
Esta distinção signifi ca que se deve examinar mais especifi camente as leis 
veterotestamentárias como legislação e os legisladores que estão por trás dela. 
Essas leis frequentemente documentadas cobrem um largo leque de aspectos 
substantivos. Em algumas situações também podem representar os trâmites 
jurídicos, como em Dt 17,2-6 no caso de suspeita de apostasia. Aqui o boato 
deveria ser investigado diligentemente, a verdade estabelecida claramente na 
base de, ao menos, duas ou três testemunhas, e se a prova for estabelecida, 
a pessoa condenada deveria ser levada à porta da cidade e, lá, executada por 
apedrejamento, o qual deveria ser iniciado pelas próprias testemunhas. Em Nm 5 
o autor apresenta trâmites jurídicos concernentes ao julgamento de uma mulher 
suspeita de adultério. Deve-se considerar as prescrições para os trâmites dos 
rituais de sacrifícios em Lv 1-7 como processos jurídicos pertencentes ao âmbito 
do culto e tratando da eliminação de culpa compreendida do ponto de vista 
forense, ou seja, desvendamento de crimes. 
99
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
Os ensinamentos da Aliança gravitam em torno de Deus e do povo de Israel, 
situados numa vasta rede de relações. Ele mostra o povo de Deus à procura por 
ter consciência, como eleito e amado por Deus. O israelita era convidado a praticar 
a lei que mistura direito civil e direito sagrado. Isso porque em Israel não existia 
diferença entre direito sagrado e direito civil. A vida em Israel é um serviço a Deus, 
ou o mesmo que dizer a liturgia a Deus. O povo do Êxodo, livre da escravidão 
egípcia pelo seu Deus, possui como único e verdadeiro soberano o seu Deus. A 
infração de uma lei é sempre uma ofensa a Deus. 
Israel valorizou muito a sua Lei – Torá. O cristão atual pode surpreender-se, 
então é melhor recolocar a ideia no seu contexto histórico. Possuir as próprias 
leis signifi ca ser uma verdadeira nação. De acordo com Dt 4,8, o mais explícito no 
mérito, de fato afi rma: “E qual a grande nação que tenha estatutos e normas tão 
justas como toda esta Lei que eu vos proponho hoje?” O objetivo do Pentateuco 
não é o de dar a Israel uma Lei válida para cada lugar e cada tempo. A sua ideia, 
se assim pode ser dita, é a de fornecer a Israel a prova de que ele é uma nação 
que possui as suas próprias leis. No fundo, o Pentateuco possui o arquivo jurídico 
de Israel. 
Com um vocabulário mais atual, pode-se dizer que o Pentateuco não possui 
o direito positivo de Israel. Trata-se de uma obra para ser consultada, mais do que 
série de leis a serem aplicadas ou defi nitivamente outorgadas pelos juízes.
No fundo, na vida de cada dia, vigoravam o direito consuetudinário e 
o princípio da jurisprudência. Somente nos livros de Esdras e Neemias são 
encontrados textos nos quais pode ser aplicada uma lei como está escrita. O 
estudo atento demonstra, porém, que cada um é interpretado, e que não se tem, 
quase nunca, uma aplicação literal da lei. 
Todos os acontecimentos que ao longo da história ancestral 
provocavam espanto, impacto, admiração, temor, eram marcados por 
uma espécie de aura misteriosa e por uma enorme reverência. Os 
ancestrais certamente não conheciam a ciência genética e, portanto, 
não conheciam a maneira que homem e mulher contribuiriam para 
a geração de um novo ser humano. O mais pertinente para esse 
povo era o mistério do nascimento de uma pessoa. E isso acontecia 
somente pelo corpo da mulher. As pessoas sabiam que tinham 
passado por um corpo de mulher. Essa maneira de compreender e 
ser sensível à origem da vida colocava as mulheres como criadoras 
da existência humana. O corpo das mulheres era o refl exo da vida 
desse povo que se organizava no cotidiano dos diferentes grupos.100
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
O segundo templo (veja a imagem a seguir). Algumas décadas depois da 
destruição do templo de Salomão, os judeus voltaram da Babilônia e puderam 
reconstruir o seu templo. Essa primeira construção terminou em 515 antes de 
Cristo. Esse templo foi reformado por Judas Macabeu em 164 a.C. A imponência 
e fama que teve o segundo templo se deu por conta da intervenção de Herodes, o 
Grande, que ampliou de forma monumental aquilo que já existia. As obras iniciadas 
com Herodes ocorreram por muitos anos, tendo terminado apenas em 64 d.C. 
Figura 6 - Reconstrução do II templo
Fonte: Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Segundo_Templo>. Acesso e: 9 out. 
2017.
Os exilados fi zeram-se hegemônicos no povo. O templo se tornou 
um projeto prioritário. Pode ser que essas características assumidas no 
pós-exílio possam estar relacionadas com as implantadas no mundo 
dos persas. Com certeza, identifi ca melhor o projeto do Império Persa. 
Os exilados fi zeram-
se hegemônicos no 
povo. O templo se 
tornou um projeto 
prioritário. Pode 
ser que essas 
características 
assumidas no pós-
exílio possam estar 
relacionadas com 
as implantadas no 
mundo dos persas. 
Com certeza, 
identifi ca melhor o 
projeto do Império 
Persa.
101
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
O Império Persa
A ascensão persa surpreendia todo o mundo de então e foi extraordinariamente 
rápida. Os persas nem fi guravam entre as potências tradicionais da Mesopotâmia. 
Vindos do Oriente, em poucos anos souberam adonar-se, inicialmente sob Ciro, 
tanto da Mesopotâmia quanto do Egito, tanto da Ásia Menor quanto da Síria/
Palestina. 
O novo soberano, Ciro, iniciou uma política de expansão 
territorial com o objetivo de formar um grande império, pois 
desejava obter riquezas e resolver os problemas causados 
pelo aumento populacional. Dessa forma, Ciro, o Grande, 
conseguiu conquistar os territórios da Mesopotâmia, de toda 
a Ásia Menor (atual Turquia) e de territórios a leste da Pérsia 
(parte ocidental da Índia). Por todas essas conquistas, Ciro 
foi considerado um dos grandes estrategistas militares da 
Antiguidade. Em 530 a. C., o Império Persa se estendia do 
Mar Mediterrâneo oriental até o Rio Indo (rio que corta a atual 
China, Índia e Paquistão, na Ásia). Para demonstrar a extensão 
territorial do Império Persa, observe que as conquistas de Ciro 
compreenderam os seguintes países atuais: Irã, Iraque, Síria, 
Líbano, Jordânia, Israel, Egito, Turquia, Kuwait, Afeganistão, 
parte do Paquistão, parte da Grécia e da Líbia. O governo de 
Ciro sempre tratou bem os povos dominados, possibilitando-
lhes a liberdade de ação, de emprego e de religião, porém 
Ciro os obrigava a servir o exército persa e a pagar tributos. 
Dessa maneira, ele fortaleceu seu exército e arrecadou tributos 
para a manutenção dos seus soldados. Uma das grandes 
características do imperador Ciro e dos persas era a força que 
tinham como guerreiros (CARVALHO, s.d., s.p.).
Conheça mais sobre a história dos persas! Assista ao vídeo: 
Construindo um Império: persas. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=cb6QPIGe2S0>.
102
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Com os persas são introduzidas diversas novidades, isso porque souberam 
organizar administrativamente seu imenso império. Criaram uma efi ciente 
burocracia estatal, dotada inclusive de um excelente serviço de correio. Neste 
sistema administrativo, as satrápias tinham um papel administrativo e de 
subunidade burocrática. Este tipo de organização viabilizava uma regionalização 
da administração e mantinha a unidade de conjunto. Através destes aparelhos 
burocráticos é que eram arrecadados os tributos. O tributo se tornou um negócio 
de Estado. Nisso, os templos deixaram de desempenhar papel central no 
recolhimento do tributo.
Os persas não impuseram sua religião aos povos dominados, como 
procediam assírios e babilônios. Não somente impingiram sua religião aos povos 
conquistados, como até mesmo promoveram cultos em templos destes. Na 
Babilônia, Ciro restaurou o culto a Marduque, duramente contestado pelo último 
soberano babilônico, Nabonide, que não era adepto de Marduque. Da mesma 
forma, os persas procederam em outros lugares. Ajudaram a construir templos 
e facilitaram a aplicação das leis sagradas das diferentes divindades locais. Os 
persas eram tolerantes em termos de prática religiosa, evidentemente enquanto 
estas práticas não contestassem seu império mundial. 
A restauração do culto sacrifi cial a Javé em Jerusalém e o regresso dos 
exilados se situam neste âmbito de uma política religiosa “tolerante” da parte do 
Império Persa. 
O decreto de Ciro se tornou muito importante, aliás o cronista o reproduziu por 
três vezes; 2Cr 36,22-23; Esd 1,1-5 e 6,3-5. Os textos não conferem exatamente. 
Se tratam de edições bem diferentes. Por vários motivos, se considera o texto de 
6,3-5 – transmitido em aramaico – como o mais autêntico:
Memorando. No primeiro ano de seu governo, o rei Ciro 
promulgou o seguinte decreto: templo de Deus em Jerusalém. 
O templo deverá ser reconstruído para ser um lugar onde se 
ofereçam sacrifícios, e seus alicerces devem ser restaurados. 
O templo deverá ter 30 metros de altura e 30 de largura. 
Terá três fi leiras de pedras talhadas e uma fi leira de madeira. 
A despesa ocorrerá por conta do palácio do rei. Também os 
objetos de ouro e prata do templo de Deus, retirados do templo 
de Deus por Nabucodonosor e trazidos para a Babilônia, serão 
devolvidos. Desse modo, tudo voltará ao seu lugar no santuário 
de Jerusalém, e será colocado no templo de Deus. 
Este decreto dá ênfase apenas ao templo e determina a sua reconstrução 
imediata, defi nindo a sua função, tamanho, fi nanciamento e até a devolução dos 
utensílios. Esta restauração é apresentada como um projeto persa. Os exilados 
103
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
nem mesmo aparecem. Isso evidentemente não signifi ca que não tivessem estado 
por trás da edição da lei. Afi nal, de outra maneira difi cilmente se explica que Ciro, 
já um ano após haver assumido o poder na Babilônia, tenha se importado com 
a distante e destruída Jerusalém. Os exilados se mobilizaram para a obtenção 
deste decreto. Dêutero-Isaías anos antes já havia aclamado Ciro como o ungido. 
Com isso, por meio da administração persa e com seu total apoio, os exilados 
defi nem o futuro do templo, de Jerusalém, de Judá. O mesmo se poderia formular 
também de outra maneira: os persas se valem dos deportados, com pleno 
consentimento para a concretização dos seus planos em Judá. E a Palestina, 
sem dúvida, era interessante para os persas. Em 538, recém-haviam se adonado 
da Mesopotâmia. Ainda não eram efetivos senhores da Palestina. Esta e, em 
especial, o Egito fi guravam nas futuras pretensões de Ciro. E para alcançar a 
conquista do Egito, era relevante contar com o apoio de Judá e Jerusalém, esta 
porta de entrada para as terras do Nilo. O decreto de Ciro de 538 tem a ver com a 
pretendida invasão do Egito, defi nitivamente efetivada em 525 a.C.
Algo que surpreende é que o decreto não tenha falado sobre o regresso 
dos exilados. Talvez não fosse a questão principal na ordem do dia. Afi nal, Judá 
estava povoada e lá viviam os remanescentes. É muito provável que os exilados 
não estivessem interessados num retorno imediato. Enfi m, também poderia se 
conjeturar que deles se estaria tratando implicitamente ao falar do retorno dos 
utensílios do templo. É o que atesta Esd 1. Em todo caso, nestes primeiros anos 
após a vitória persa, a reedifi cação dos santuários em ruínas concentrava as 
atenções. Para os autores de Esdras, o enfoque era outro bem diferente. Deram 
destaque também ao retorno (Esd 1,3). 
 Foram muitas as razões para que no povo de Deus predominassem em 
tempos pós-exílicos certas linhas teológicas e não outras. Não tem como reduzira preponderância destas ou daquelas facetas. As questões são complexas e, a 
rigor, já fogem dos propósitos deste nosso estudo.
Além disso, não se poderá deixar de contar com a dinâmica própria e peculiar 
trazida à tona sob as novas contingências pós-exílicas. O pós-exílio não é apenas 
a continuação dos projetos teológicos formulados sob as condições do exílio. É um 
momento novo, próprio. Por exemplo, Ageu sem dúvida é favorável à restauração 
do santuário. Nesse sentido está sua profecia. Contudo, para ele, este novo 
templo – tão apoiado pelos persas – inauguraria o aniquilamento da dominação 
persa! Dessa forma percebemos como eram a dinamicidade e a inovação que 
foram as propostas pós-exílicas, não se esgotam em ser prolongamentos de 
correntes de tempos exílicos. 
104
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Atividade de Estudos:
1) Quem foram os exilados para a Babilônia? Qual foi o principal 
objetivo do império dominador? 
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2) O que aconteceu com a população que fi cou em Judá e quais 
foram as infl uências na literatura bíblica?
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3) De acordo com o conteúdo, comente os principais acontecimentos 
do pós-exílio. 
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Algumas ConsideraÇÕes
Ao longo desse capítulo pudemos perceber os percursos vividos pelo povo 
de Israel ao longo da sua trajetória exílica e pós-exílica. Por séculos o povo 
experienciou um período de constantes incertezas. Por conta disso, conhecer 
um pouco desses caminhos é fundamental para compreendermos as narrativas 
bíblicas que foram sendo construídas, reconstruídas ou readaptadas durante um 
tempo de sofrimento, mas que nunca perderam a esperança!
105
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
Percebemos também que a história de Israel não é narrada de uma maneira 
linear com começo, meio e fi m. Mas é construída em diversos momentos. As 
narrativas são recontadas e podem ganhar uma nova versão, a partir do momento 
ou situação em que estavam vivendo. Pode ser que uma história antiga seja 
recontada com o intuito de incentivar o povo a não desistir nunca de vencer a 
escravidão à qual foi submetido pelo Império Babilônio. 
Diante de enormes e infi nitas difi culdades, tanto para quem foi exilado, 
quanto para quem continuou na terra, tiveram que se submeter às suas crenças 
religiosas para continuarem tendo forças, e que era possível vencer a experiência 
de opressão que estavam vivendo. O povo exilado não esquece, jamais, as 
promessas de Javé, é estimulado por meio da profecia, de cânticos, salmodias, a 
continuar crente numa libertação próxima. 
Concluindo o Antigo Testamento
Vimos no primeiro capítulo desse nosso estudo que a Bíblia, por se tratar 
de um livro sagrado, não caiu pronta do céu, fora da realidade histórica. Ao 
contrário disso tudo, a Bíblia possui essa característica sagrada justamente 
porque revela em sua vasta obra literária o rosto e a imagem do Deus da vida, 
que inevitavelmente se manifesta na história, nas lutas em favor da vida com 
dignidade e justiça para todos, principalmente para as pessoas empobrecidas e 
marginalizadas. É na defesa da vida que a Bíblia ganha caráter sagrado e torna-
se Palavra de Deus. 
Ao ler a Bíblia podemos ter a impressão de que o povo de Israel era monoteísta 
desde o começo, ou que adorava somente a Javé e não possuía imagens divinas. 
Entretanto, as evidências de que dispomos indicam que o monoteísmo foi adotado 
em Judá somente no período pós-exílico, em uma das reformas mais recentes 
pelas quais passou a fé de Israel. A arqueologia e os próprios textos bíblicos nos 
mostram que o povo de Israel levou muitos séculos até tornar-se monoteísta e 
banir de seu meio o culto e as imagens dessas diversas divindades. 
Tanto a invasão da Assíria (732 a.C.) como a destruição da Samaria, 
capital de Israel (722 a.C.), quanto a destruição de Jerusalém, capital de Judá 
(598-587 a.C.), respectivos centros de poder de Israel e de Judá, provocaram 
a desarticulação das classes dominantes e possibilitaram o afl oramento de 
teologias marginalizadas pela teologia ofi cial. A teologia e a ética das aldeias 
camponesas, de tempos em tempos ecoavam nas cidades na voz dos profetas, 
mas esta teologia não recebia destaque nos textos ofi ciais. 
106
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Ao longo do nosso estudo sobre o Antigo Testamento, buscamos dar a você, 
aluno, algumas chaves de leitura, ajudando-o na sua leitura da Bíblia. É claro que 
nem de longe aprofundamos a vasta literatura que compõe essa primeira parte da 
Bíblia, que pode ser chamada de Bíblia hebraica ou judaíta. A Bíblia só pode ser 
compreendida como sagrada quando é capaz de promover a solidariedade, e é 
capaz de tornar os seres humanos mais amorosos e bons!
É importante que saibamos ler a Bíblia de tal maneira que nos ajude a viver 
as experiências de libertação e resgate da dignidade. Experiências essas que 
podem ser como aquelas vividas pelos escravos do Egito, pelos camponeses e 
pastores cananeus no ambiente do êxodo, pelas tribos de Israel, e também pelas 
pessoas que foram acolhidas por Jesus e integradas nas comunidades cristãs 
primitivas. Seremos fi éis a este espírito que habita o núcleo mais sagrado da 
Bíblia, quando as pessoas empobrecidas, injustiçadas, oprimidas, ou que têm 
suas vidas ameaçadas e que ainda não conheceram ou experimentaram “vida em 
abundância”, reconhecerem no uso da Bíblia uma Boa-Nova! 
No próximo capítulo iremos adentrar na segunda parte da Bíblia, o chamado 
Segundo ou Novo Testamento. Até lá! Bons estudos!
ReFerÊncias 
BRENNER, Athalya. Ester, Judite e Susana: a partir de uma leitura de gênero. 
São Paulo, Paulinas, 2003. 
CARVALHO, Leandro. Ciro e o Império Persa. Brasil Escola. Disponível em: 
<http://brasilescola.uol.com.br/historiag/ciro-imperio-persa.htm>. Acesso em: 13 
ago. 2017.
CONSTRUINDO UM IMPÉRIO: persas. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=cb6QPIGe2S0>. Acesso em: 13 ago. 2017. 
ENTRICH, Thomas. The Fertility Pair Ba‘al and ‘Anatin the Ugaritic Texts. 
Disponível em: <http://www.academia.edu/480859/The_Fertility_Pair_Ba_al_and_
Anat_in_the_Ugaritic_Texts>. Acesso em: 1 jan. 2017.
RÖMER, Thomas. A origem de Javé. O Deus de Israel e seu nome. São Paulo: 
Paulus, 2016.
107
O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO 
IMPÉRIO PERSA
 Capítulo 3 
SANTOS Michel. Junto aos rios da Babilônia: um estudo acerca da história de 
Israel no exílio Disponível em: <http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2011/
Relatorios/CTCH/TEO/TEO-Michel%20Alves%20dos%20Santos.pdf>. Acesso 
em: 13 ago. 2017.
SCHULTZ, Samuel J. A história de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: 
Vida Nova, 1984.
SCHWANTES, Milton. Sofrimento e esperança no exílio. História e teologia do 
povo de Deus no século VI a.C. São Leopoldo: Oikos, 2009. 
VAUX, Roland de. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: 
Paulus, 2003.
108
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
CAPÍTULO 4
Segundo Testamento
A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes 
objetivos de aprendizagem:
  Apresentar possíveis características que levam ao conhecimentodo Jesus histórico e seu projeto, em vista do reino de Deus.
  Esclarecer como os Evangelhos sinóticos estão organizados, a 
partir da sua história e contexto em que foram escritos.
  Identifi car o motivo pelo qual o Evangelho de João 
não está entre os Evangelhos sinóticos.
  Localizar eventuais características de Paulo que o tornaram apóstolo 
de Jesus, e de sua infl uência nas primeiras comunidades cristãs. 
  Examinar as diferenças que transparecem em cada um dos escritos 
do Segundo Testamento, dentro do contexto em que foi escrito. 
  Interpretar e diferenciar o estilo literário em que foram 
escritos os textos do Segundo Testamento. 
  Defi nir as origens de Jesus e o legado que deixou 
para os seus primeiros seguidores.
  Conhecer os motivos pelos quais foram escritas as Cartas 
Paulinas e identifi car o apóstolo Paulo como aquele que 
estava preocupado com as futuras comunidades. 
  Esclarecer o movimento apocalíptico como um 
recurso literário de forte resistência. 
  Discutir os motivos que levaram Jesus a prometer a seus seguidores 
que mesmo após a sua morte continuaria com eles. 
  Constituir uma refl exão tal que se chegue à compreensão 
de Jesus, dentro da sua realidade e do seu contexto. 
  Aplicar a mensagem de Jesus interpretando-a a partir da análise narrativa, 
considerando os diferentes métodos exegéticos como possibilidades de leitura.
110
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
111
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
ContextualiZaÇÃo
Já se passaram mais de vinte séculos desde que nasceu o cristianismo. 
Os cristãos precisam retornar a Jesus para enraizar sua fé com mais verdade e 
descobrir de fato quem é Jesus, bem como o seu projeto. Com isso não estamos 
pensando em pesquisar com mais detalhes a biografi a de Jesus, até porque isso 
não seria possível, uma vez que os escritos que temos não são biografi as, mas 
retratos de comunidades da segunda geração de seguidores que procuravam, 
assim como nós, conhecer e experienciar concretamente os ensinamentos de 
Jesus instigados pelos seus primeiros discípulos. 
No prólogo do livro de Rafael Luciani, escrito por Pagola (2013, p. 4), o autor 
propõe que para retornar a Jesus exige-se de nós três tarefas fundamentais: num 
primeiro momento seria aceitar a humanidade histórica de Jesus como paradigma 
de nosso modo de ser humano, o que se revela em Jesus não é um conteúdo 
doutrinal, mas o modo de viver mais humano e humanizador que possa existir, 
pois responde fi elmente à vontade de um Deus que não só quer seguidores, 
mas busca um mundo mais humano. Em um segundo momento, colocar em 
prática essa práxis concreta de Jesus como realidade última e defi nitiva. No 
fundo, retornar a Jesus signifi ca um comprometimento com ele, não com uma 
religião convencional, mas a causa do reino de Deus, com o Pai que é bom e 
compassivo. Esse comprometimento vai se tornando fi rme de acordo com as 
condições históricas que vão obstaculizando seu reinado de paz e justiça, e no 
desenvolvimento de uma prática fraterna a serviço de todas as vítimas. 
Só é possível retornar a Jesus se conseguirmos recuperar a sua memória 
histórica, procurando seguir os mesmos caminhos que as primeiras comunidades 
cristãs. É em Nazaré que Jesus revela publicamente seu ministério, seu projeto, 
reconhecendo o fracasso de todas as expectativas existentes no século I. 
Um projeto muito querido por Deus deveria passar pela cura dos corações 
destroçados. Algo assim só podia ser realizado pela humanidade de um servo 
sofredor ao estilo do anunciado pelo profeta Isaías (Is 61,1-11). Também alguém 
que fosse justo, inspirado nas palavras do livro da sabedoria (Sb 2,12-20). Neste 
texto o justo se atreve a tratar a Deus como Pai, e por isso mesmo a consequência 
de seu próprio estilo de vida colocado à prova pela rejeição dos senhores, sábios 
e infi éis deste mundo. 
 Por fi m, sabemos que as narrativas que constituem o Segundo 
Testamento foram escritas na metade do primeiro século da era cristã, ou seja, 
no período que vai de mais ou menos 50 a 100 d. C. ou talvez um pouco posterior 
a isso. Possivelmente os primeiros livros escritos foram as cartas do apóstolo 
112
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Paulo, a começar por Tessalonicenses e o último o de Apocalipse. Essas cartas 
e outros escritos eram recebidos e preservados. Não tardou muito para que 
esses “livretos” ou “cartilhas” circulassem entre as primeiras comunidades que se 
identifi cavam com o projeto de Jesus (Cl 4.16), passando então a ser copiados 
e difundidos nas comunidades cristãs dos primeiros séculos depois de Jesus. A 
necessidade de ensinar novos convertidos e o desejo de relatar o testemunho 
dos primeiros discípulos sobre a vida e os ensinamentos de Jesus resultaram na 
escrita dos Evangelhos. Também estes foram copiados e distribuídos à medida 
que a comunidade crescia. 
Agora conheceremos um pouco da realidade histórica em que esses textos 
foram escritos, experienciados e desejados pela segunda geração dos discípulos 
de Jesus.
O Sistema Político e Social do 
Império Romano no Tempo de Jesus
Não temos dúvidas de que o cristianismo foi um produto do império. É claro 
que, numa das grandes ironias da história, o que se tornou a religião estabelecida 
pelo império começou como um movimento anti-imperial. Há quem veja Jesus como 
um inócuo mestre religioso, com isso se torna cada vez mais claro que o movimento 
de Jesus catalisou uma grande reforma na história de Israel. Esse movimento foi 
tanto contra o regime romano como contra a aristocracia sacerdotal de Jerusalém. 
Chegamos ao estudo do Segundo Testamento, tão esperado por muitos de 
nós, não é mesmo? Aliás, carregamos na nossa tradição um certo preconceito 
em relação ao Primeiro Testamento, achando mais difícil e muitas vezes até o 
colocando em segundo plano, como se não fosse tão importante para o universo dos 
cristãos, aliás, é Jesus quem salva! Mas não é bem assim, o Segundo Testamento 
retoma o primeiro, e quando o lemos, não conseguimos fazer um rompimento, 
pois a Torá é utilizada nos ensinamentos de Jesus e consequentemente se tornou 
uma chave para a compreensão do Segundo Testamento.
Costumamos afi rmar que Jesus veio justamente para marcar um novo 
período na história de Israel e dos novos adeptos da sua proposta de vida. Pois 
bem, não é saudável quando fazemos essa ruptura, conforme dito anteriormente, 
entre o Primeiro e o Segundo Testamento, isso porque acabamos por legitimar 
uma realidade que não foi aceita por Jesus, pois permaneceu judeu até a sua 
morte. Quem o revelou “cristão” foram os seus seguidores num período bem 
posterior, quando o cristianismo se tornou a religião ofi cial do Império Romano no 
século IV a.C. 
113
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
Fica evidente que para os cristãos aquele que viria a ser chamado o Filho 
de Deus não se fez homem, em geral, se fez um tal homem particular, judeu, 
galileu, num determinado momento da história do mundo. Como um homem, 
evidentemente, foi marcado pela geografi a e pela história de seu país, por sua 
cultura e esteve sujeito às leis econômicas, entrou nos confl itos políticos e 
partilhou das esperanças de seu povo. 
Neste primeiro momento do nosso conteúdo, quase não falaremos de Jesus 
e nem de textos bíblicos. No entanto, essa parte do estudo se faz importante – e 
exige muito de nós – porque apresentamos as condições sociais, econômicas e 
políticas que fi zeram do personagem Jesus o homem que ele foi. Não há dúvidas 
de que o homem não se explica somente por essas diferentes condições e, com 
certeza, Jesus menos que qualquer outro, mas é por meio do conhecimento que 
se vê surgir com mais claridade e originalidade a relevância da sua mensagem e 
também da sua pessoa. 
Alguns Aspectos do Império Romano
Não há como deslocar a história da Palestina com a de Roma no século I 
a.C. Para melhor compreendê-la é necessário conhecermos um pouco do Império 
Romano,descrevendo rapidamente sobre a situação política, geográfi ca, social-
econômica e religiosa.
a) Situação política
Foi no século I a.C. que Roma passou pela maior revolução da sua história e 
a posteriori se tornou a maior potência econômica do Mediterrâneo. Contudo isso 
não foi tão simples, pois estava desprovida de uma infraestrutura administrativa, 
e a velha cidade, que é Roma, assumiu com muita difi culdade a governança 
daquele imenso império. Os governadores nomeados nem sempre são aqueles 
gananciosos denunciados pela imaginação tradicional, mas é certo que as 
províncias estavam sujeitas, muitas vezes, a uma governabilidade egoísta, por 
falta de uma verdadeira política de fusão. Contudo, essa ruptura entre Roma e 
o seu império territorial reforça o poderio dos chefes militares, de sorte que o 
Senado não controlava, de certo imperfeitamente, a política externa, pela qual 
teoricamente ele seria o responsável. No nível interno, as instituições de cunho 
mais tradicionais pareciam incapazes de resolver os confl itos entre os homens 
e as facções. As guerras civis que irromperam em 49 a.C. e que dilaceraram o 
mundo romano por mais de 15 anos seriam o resultado desta violência, que pode 
ser chamada de endêmica. 
114
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
b) Situação geográfi ca
Quando o imperador Augusto morreu, o Império Romano quase atingiu sua 
maior extensão, compreendia, no extremo oeste, as duas províncias da Espanha 
às quais se soma a Lusitânia (substancialmente, a Portugal atual). Os romanos 
chegaram à Península Ibérica na época da guerra de Aníbal (218-201 a.C.) 
e a conquistaram lentamente, a luta pela pacifi cação nem sempre foi fácil, foi 
concluída apenas no começo do governo de Augusto. 
c) Situação social 
No momento em que o Império Romano atingiu um enorme território, este 
era vigiado pelo exército, que era composto por cerca de 30 legiões, outras tropas 
auxiliares, sendo uma população de homens composta por 350 a 400 mil. 
A população do Império Romano fi cava em torno de 50 milhões de pessoas. 
As cidades mais habitadas tinham uma população em torno de 700 mil a um 
milhão de habitantes. Alexandria era habitada por volta de 700 mil e Antioquia, 300 
mil. Como percebemos, para os padrões da época eram cidades muito grandes 
em termos de habitantes. Mesmo diante de todas as unidades, mantidas pelo 
poder central, que existiam entre as cidades, bem como da política externa e de 
certos valores culturais, isso não eliminava as particularidades existentes em cada 
uma. O império não era um bloco monolítico, pois existiam os limites territoriais 
e os direitos dos povos geralmente não coincidiam. Com efeito, os súditos do 
imperador pertenciam a etnias ou cidades diferentes, além disso, os habitantes de 
uma mesma cidade ou de uma mesma região poderiam ser de direito diferente, 
dessa forma, entre os homens livres se distinguiam os cidadãos romanos e as 
pessoas de direito peregrino. 
Quem era considerado cidadão romano? De acordo com o Portal da 
Educação:
115
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
Como na Grécia, em Roma o exercício de cidadania estava ligado 
com a capacidade de exercer direitos políticos e civis. A cidadania 
romana era atribuída somente aos homens livres (nem todos os 
homens livres eram considerados cidadãos). Os cidadãos tinham 
o Direito: a ser sujeito de Direito privado (jus civile); ao acesso aos 
cargos públicos e às magistraturas; à participação nas assembleias 
políticas; e às vantagens fi scais. Na sociedade romana as pessoas 
eram diferenciadas entre livres e escravos. Os cidadãos não eram 
considerados todos iguais e livres, e se dividiam em categorias de 
classes. A participação nas atividades político-administrativas era 
restrita a uma parcela mínima, aos cidadãos ativos; além do que, 
nem todos podiam ocupar cargos políticos e administrativos.
Fonte: Disponível em: <https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/
educacao/cidadania-em-roma/18797>. Acesso em: 25 ago. 2017.
Como vimos, a cidadania romana era um privilégio para um grupo restrito 
às atividades políticas. As mulheres não são mencionadas, ou seja, estão fora 
da projeção política do Império Romano. Eram excluídas tanto pelo governo civil 
como pela religião judaica. De acordo com Jeremias (1983, p. 396): 
A comprovação da pureza de origem de uma família graças 
a tradições e notas genealógicas não tinha somente valor 
teórico; ela garantia à família em questão os direitos cívicos 
que os cidadãos israelitas possuíam. O privilégio mais 
importante exprimia-se na designação dos israelitas legítimos 
como aqueles “que [podem] casar [suas fi lhas] com sacerdotes 
[...] Somente mães israelitas de origem pura podiam dar à luz 
fi lhos dignos de exercerem o serviço do altar em Jerusalém 
[...]. Vemos, de novo, o elo íntimo entre a estratifi cação social e 
a religião. Só faziam parte do Israel verdadeiro as famílias que 
conservassem a pureza de origem do povo, querida por Deus, 
tal qual Esdras restabelecera pela sua reforma.
Eram muitos os escravos e possuíam poucos direitos, por infl uência das 
refl exões fi losófi cas, no entanto, os juristas reconheciam que os escravos eram 
homens. A condição de servo não era uniforme, pois os que trabalhavam nas 
minas levavam uma vida particularmente difícil. A sorte dos que lutavam no campo 
nem sempre era invejável. Ao contrário disso, os escravos que tinham certa 
especialização, como os cozinheiros, médicos, secretários etc., possuíam valor 
116
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
comercial, eram bem tratados e facilmente conseguiam a liberdade. A concepção 
de escravidão era bem diferente da que temos conhecimento nos dias atuais, por 
exemplo, o escravo artesão que trabalhava numa ofi cina pagando uma taxa pequena 
a seu senhor, quase não se diferenciava das condições econômicas do pequeno 
artesão livre. A legislação do império procurou atenuar a sorte dos escravos, 
sobretudo controlando o direito de vida e de morte do patrão e privando do direito 
de propriedade quem abandonasse um escravo idoso ou doente. Em suma, se trata 
de um grupo importante, cuja defi nição jurídica não nos deve confundir – pois as 
situações particulares variam muito – e que não se pode considerar globalmente 
como verdadeira classe social (SAULNIER; ROLLAND, 1979). 
d) Situação econômica 
Com relação à economia, temos poucas informações a respeito. 
Conseguimos apontar apenas algumas características gerais. A economia estava 
baseada na agricultura, cujos principais produtos eram: cereais, legumes; vinha e 
oliveiras nas regiões mediterrâneas; a pecuária para o corte, ou conserva por meio 
do salgamento das carnes; animais que serviam para o transporte; a tecelagem, 
o artesanato, os metais e os trabalhos de arquitetura. O meio de transporte mais 
utilizado era o marítimo, por ser mais barato. 
A forma mais típica de atividade profi ssional era o artesanato, isso porque 
tal empreendimento contava com meios necessários. Quando o artesão fabricava 
suas peças e as vendia, sem nenhuma forma de transição, a seus consumidores 
e clientes. 
No judaísmo, ensinar uma profi ssão a seu fi lho era fundamental, desrespeitar 
essa regra moral seria o mesmo que entregar seus fi lhos ao banditismo. 
Por outro lado, existiam profi ssões que eram consideradas inferiores e 
até mesmo desprezíveis, como é o caso da profi ssão de tecelão. Por que esse 
desprezo? Isso se dava porque era considerada como suja, baseada notoriamente 
na fraude, reservada às mulheres. 
Afi nal, quais seriam os recursos que fi nanciavam todo esse comércio? Em 
primeiro lugar, eram as receitas do templo o maior investidor. São compostas 
por donativos previstos em lei sob forma do imposto da didracma, do comércio 
das vítimas, do cumprimento dos votos, da entrega da lenha etc., além dos 
investimentos de seus imóveis. Contudo, as despesas eram incomensuráveis, de 
modo especial no tocante aos trabalhos da construção do templo.117
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
Outra forma de investimento a todo esse comércio eram os estrangeiros 
por ocasião das peregrinações durante as festas. Todo israelita piedoso deveria 
gastar na cidade de Jerusalém uma décima parte de todo o rendimento da sua 
terra. Essa prática era denominada de segundo dízimo.
Por fi m, precisamos nos recordar que Jerusalém era um grande centro de 
negócios e atraía negociantes, coletores de impostos, judeus da diáspora que se 
tornaram muito ricos. 
Todos esses rendimentos bastavam para assegurar a enorme quantidade de 
importações. A própria cidade de Jerusalém também fabricava artigos de luxo, 
como unguento e mercadorias semelhantes. Por exemplo, o frasco de alabastro 
contendo um nardo de alto valor, mencionado por ocasião da unção de Jesus em 
Betânia (Mc 14,3), continha, sem dúvida, um produto típico da cidade. 
Para além da importância política, sem dúvida o que prevalecia era a religião. 
Jerusalém era centro de poder político e religioso e isso o caracterizava como a 
cidade fortaleza do Império Romano. Jerusalém era a cidade do templo. O fato de 
residir em uma cidade considerada santa impunha certas obrigações. Observa-
se rigorosamente as prescrições relacionadas à observância do sábado, que 
excluía qualquer trabalho. Em Jerusalém as prescrições da pureza legal, que 
acarretavam muitos inconvenientes para a vida diária, representavam um papel 
diferente daquele das cidades onde residiam muitos pagãos. 
O certo é que o templo era muito importante para todo o povo que vivia 
em Jerusalém. Trazia algumas vantagens, pois com a arrecadação monetária 
que o templo proporcionava se conseguia pagar a manutenção dos edifícios da 
cidade, os cuidados com sua limpeza, a pavimentação das ruas e talvez também 
o serviço de água. Contudo, a desigualdade social era um grande problema a ser 
enfrentado.
e) Situação religiosa
Em se tratando do contexto religioso em que Jesus viveu, havia duas 
instituições religiosas fundamentais: o Templo e a Sinagoga.
 A sinagoga é uma palavra do grego (συναγωγÞ) que signifi ca reunião. Era 
um local onde normalmente os letrados, quase todos fariseus, se encontravam 
para ensinar ao povo as leis e as tradições de Israel. 
118
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Pelos anos 750 a.C. o Reino de Israel, formado por Salomão, foi 
dividido entre Norte e Sul. O Reino do Norte em 722 a.C. foi arrasado 
pelos assírios, seus vizinhos do Norte. O Sul, por sua vez, sofreu a 
mesma sorte e foi conquistado pelos babilônios, que destruíram o 
Templo e deportaram a população como escravos para a Babilônia. 
Agora o Povo de Deus não tem mais terra e nem Templo. Somente 
depois do regresso do exílio da Babilônia a religião judaica começa 
a tomar a forma atual. Surge nesta época a Sinagoga, o culto 
passa a centralizar-se surgindo a fi gura do rabino, geralmente um 
fariseu conhecedor da lei judaica. Este hábito já teve seu início na 
Babilônia, onde o povo judeu não possuía mais seu Templo. Assim, 
a Sinagoga passa a ocupar lugar central na religião judaica, sendo 
um ponto de encontro dos judeus para as orações e para a leitura 
das Sagradas Escrituras. Na época de Jesus existia o Templo de 
Jerusalém, que centralizava o culto judaico e as peregrinações, mas 
já existia a Sinagoga, que servia de encontro nos sábados e servia 
de escola para os fi lhos dos judeus se iniciarem na leitura da Torá. 
Jesus frequentou o Templo e a Sinagoga. Sabemos que os Romanos 
no ano 70 d.C. destruíram o Templo de Jerusalém. Daí por diante a 
Sinagoga adquire forças e passa a ser o lugar do culto.
Fonte: Casonatto (2011, s.p.).
Toda comunidade judaica possuía a sua sinagoga, normalmente eram 
construídas próximas a um rio para que fosse possível a todos o rito das abluções 
– se trata de um rito de purifi cação presente também em outras religiões, como 
o islamismo e o próprio cristianismo. Para esse rito se utilizavam símbolos em 
preparação para o sacrifício. Eram feitas com água, ramos, areia ou sangue, por 
isso as sinagogas costumavam fi car próximas ao mar ou rio, fora da cidade, para 
facilitar os rituais de purifi cação. A sinagoga era utilizada, após o sábado, como 
uma forma de escola para o aprendizado das crianças e jovens. A sinagoga era 
um local de estudo e orações das escrituras, mas não somente, pois o momento 
também era aproveitado para discussão de assuntos da comunidade, que após 
discutidos eram julgados pelo conselho de anciãos, ou seja, funcionava também 
como uma forma de tribunal. Contudo era muito comum que no tempo de Jesus a 
sinagoga representasse um espaço de reunião da comunidade e não tanto uma 
construção específi ca. 
119
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
Com relação ao Templo, era esplendoroso no tempo de Jesus. A sua 
reconstrução havia começado no ano 20 a.C., por ordem de Herodes, e durou até 
cerca de 64 d.C. Para os judeus, o Templo era o lugar de importância máxima, 
pois lá era o local da morada de Deus. Nesse ambiente era celebrado o culto 
todos os dias com o sacrifício público de dois animais, um pela manhã e outro pela 
tarde, além dos sacrifícios privados. Nas grandes festas – Páscoa, Pentecostes, 
Tendas, Tabernáculos –, o culto no Templo chegava ao seu auge, isso se dava 
porque todo judeu que completasse 13 anos devia peregrinar até ele e participar 
das festas. Aqueles que eram maiores de 20 anos e que não moravam em Israel 
eram obrigados a pagar para o Templo um imposto anual, equivalente a dois dias 
de trabalho, o mesmo que dois denários (Mt 17,24).
O tesouro do Templo funcionava como o maior banco do período, isso porque 
guardava todo o dinheiro arrecadado pelos impostos e da elite de Jerusalém, que 
depositava o valor das propriedades urbanas e rurais. Os sacerdotes, além de 
serem os responsáveis pelo centro da política interna de Israel, eram também os 
administradores de uma grande empresa econômica, que controlava diretamente 
a vida dos judeus, servindo aos interesses da dominação romana e aos próprios. 
Talvez seja por isso a atitude de Jesus, que mantinha certa crítica em relação ao 
Templo de Jerusalém, que de casa de oração havia se transformado em abrigo de 
ladrões (Mc 11, 15-18). 
Para fi nalizar esse prévio conhecimento sobre o local em que Jesus viveu, 
é necessário considerar que havia muitos israelitas que viviam fora do seu local 
de origem, espalhados por várias regiões. Viviam na diáspora, ou seja, dispersos. 
Havia muito tempo que esses grupos estavam diretamente em contato com 
outras culturas, de forma especial a grega, que era manifestada de várias formas, 
como a língua e costumes. Já vinha de muito tempo a simpatia que a vivência 
da fé provocava em pessoas e grupos das cidades onde os fi lhos de Israel se 
encontravam inseridos, a ponto de tais simpatizantes serem conhecidos como 
tementes a Deus, embora sem aderir plenamente à religião judaica celebrada na 
sinagoga, reconheciam e valorizavam o culto ao Deus único e os apelos à justiça 
e à solidariedade surgidos da lei mosaica. 
Para entender mais sobre a cidade de Jerusalém no tempo 
de Jesus, assista ao documentário: Jerusalém na época de Cristo. 
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=20lxBJkDfc0>. 
Acesso em: 27 ago. 2017. 
120
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Jesus e o seu MoVimento
Até aqui conhecemos um pouco da sociedade palestinense, lugar em que 
Jesus nasceu e viveu durante toda a sua vida. Para entender mais sobre a 
literatura bíblica, se faz necessário entender o período histórico em que Jesus 
viveu, isso faz toda diferença na compreensão e entendimento das narrativas 
bíblicas!
O lugar geográfi co em que Jesus viveu se tratava de uma pequena faixa de 
aproximadamente 20 mil quilômetros quadrados, com 240 de comprimento por 
35 de largura. Para você ter uma ideia, se tratava de um lugar bem pequeno que, 
se comparado ao Estado do Rio de Janeiro, chegaria a apenas a sua metade. 
A população era densa, com cercade 600 mil habitantes distribuídos em três 
regiões: 
• A Judeia, na região Sul, onde se criavam ovelhas e cabras, o cultivo da 
oliveira. 
• Jerusalém era a capital de Israel; cidade com aproximadamente 30 mil 
habitantes, contudo, nas grandes festas a cidade chegava a receber 180 
mil peregrinos.
• A Galileia fi cava ao Norte; possuía terras férteis para a agricultura dos 
galileus. Esse lugar era visto pelos judeus como terra de ignorantes. Foi 
nesse ambiente que Jesus viveu a maior parte da sua vida. 
Entre a Galileia e a Judeia situava-se a Samaria, onde viviam os samaritanos, 
que os judeus, sobretudo do Sul, consideravam como impuros, para isso 
justifi cavam que eles haviam se misturado com outros povos e assimilado as 
tradições culturais e religiosas. 
Quem foi Jesus? O que ele escreveu? Na verdade, não há indícios de que 
Jesus tenha escrito nenhuma narrativa. No fundo, os escritos que se tornaram 
canônicos, ou seja, foram reconhecidos pelos religiosos como escrituras, se 
tratavam de releituras feitas pelos seguidores dos seguidores de Jesus, ou seja, 
já haviam decorrido mais de 30 ou 40 anos após a sua morte e ressurreição. 
O que sabemos é que mesmo Jesus tendo uma vida curta – não tão curta 
para a expectativa de vida da época –, sua trajetória impactou a vida de grupos de 
pessoas que se convenceram da relevância das suas palavras, da gratuidade dos 
seus gestos, sobretudo em favor dos mais excluídos da sociedade, como era o 
caso das viúvas-mulheres, órfãos, crianças, estrangeiros, doentes, endemoniados 
etc. 
121
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
Dessas e tantas outras experiências que Jesus viveu com os adeptos do seu 
movimento, emergiram ao longo dos tempos alguns registros escritos, indicando 
e fortalecendo as difi culdades que esses grupos periféricos e excluídos da 
sociedade do seu tempo enfrentavam. Dentre as difi culdades, uma era importante: 
não possuíam a identidade romana, pois se tratavam de grupos de pessoas 
excluídas (mulheres, órfãos, estrangeiros, impuros) tanto pelo Império Romano 
como pelo judaísmo, isso porque mantinham um perfi l que os colocava fora da 
sociedade. Muitos dos seguidores de Jesus não possuíam a cidadania romana, 
e isso era muito grave, pois não possuíam o direito de pensar em sociedade 
e muito menos de se organizarem a partir de uma proposta de vida de cunho 
revolucionária, como a incentivada e vivida por Jesus, pois lutavam por um mundo 
justo para todos criado por Deus. Para os judeus, essa era a maior de todas as 
blasfêmias, pois eles achavam que mantinham o controle sobre Deus. A forma 
como os judeus acreditavam em Deus (distante, poderoso, cheio de poder) se 
destoava e muito daquela pregada e vivida por Jesus (próximo, humano, amante 
dos mais fracos, pecadores e marginalizados da sociedade). 
O Segundo Testamento, ou nova aliança, se trata de um conjunto de textos, 
escolhidos entre tantos que circulavam em meio às primeiras comunidades 
adeptas do movimento de Jesus. Dessa forma, ao abrirmos as páginas do 
Segundo Testamento estamos diante de testemunhos a respeito de como 
pessoas ou grupos, ao tomarem contato com a pessoa de Jesus, e depois com as 
memórias de suas palavras e ações, o reconheceram como o defi nitivo enviado 
de Deus e se comprometeram com ele, bem como com o caminho de vida e 
libertação que as suas práticas apontavam.
Não temos dúvidas de que Paulo foi o grande responsável por propagar as 
ideias do cristianismo nascente. Foram muitas as cartas escritas por Paulo ou 
atribuídas a ele. Essas cartas foram escritas em torno do ano 50 d.C., ou seja, 
20 ou 30 anos após a morte de Jesus. As cartas foram importantes no trabalho 
missionário de Paulo, pois era através delas que ele se comunicava com as 
comunidades mais distantes, dando orientações e até com o intuito de superar as 
desavenças. 
No caso dos Evangelhos, começaram a ser escritos um pouco mais tarde 
que as Cartas Paulinas, em torno do ano 65 ou 70 d.C. Apesar de possuírem 
toda uma estrutura narrativa, não têm a ver com a biografi a de Jesus. Se tratam 
de quatro apresentações que as comunidades se inspiravam para defi nir a sua 
trajetória com o intuito de vencer os desafi os que a realidade lhes ia apresentando. 
Cada um dos quatro Evangelhos narra a boa notícia de Jesus, sua vida e missão, 
a partir das histórias que as comunidades recordavam da vida do mestre e iam 
transmitindo aos seus.
 
122
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
O objetivo não era mostrar os fatos como realmente haviam acontecido, e sim, 
manter viva, também para o futuro, a lembrança das ações e palavras de Jesus, 
de modo que a vida continuasse sendo iluminada por elas. Cada Evangelho foi 
escrito em vista de determinado público, em tempo e espaço diversifi cados. É por 
esse motivo que encontramos nos Evangelhos muitas diferenças, mesmo quando 
narrado um mesmo episódio, mas também certas semelhanças. Os três primeiros 
Evangelhos, por serem tão parecidos, são considerados Evangelhos sinóticos.
Os exegetas passaram a chamar os Evangelhos de Mateus, 
Marcos e Lucas de sinópticos desde as descobertas exegéticas 
sobre o texto que começaram a ser aplicadas à Bíblia no século 
XVIII. Os estudiosos perceberam que, dos quatro Evangelhos, os 
três primeiros - Mateus Marcos e Lucas - apresentavam grandes 
semelhanças em si, de tal forma que podiam ser colocados em três 
colunas paralelas, e descobertas as semelhanças e diferenças do 
texto entre eles. Deste estudo surgiu o nome sinóptico, do grego συν, 
"syn" («junto») e οψις, "opsis" («ver»), e os assuntos apresentavam 
correspondência entre eles. Os maiores estudiosos desta área foram 
os exegetas alemães, que concluíram que os textos provinham de 
uma mesma fonte e passaram a chamar desta fonte que deu origem 
aos textos de fonte Q, abreviatura de Quelle, que signifi ca ”fonte” 
na língua alemã. A partir desta perspectiva se pode conferir o que 
existe de igual ou diferente. Já se fi zeram muitos estudos sinóticos 
dos Evangelhos. Destes estudos podemos concluir o que é próprio 
de Mateus ou de Marcos ou de Lucas. O que é semelhante entre 
os três. O que se refere ao autor que escreveu, ou o que se refere à 
Comunidade a que é dirigido.
Fonte: Casonatto (2011, s.p.).
Observe na fi gura o percentual de conteúdo utilizado pelos autores dos 
Evangelhos sinóticos:
123
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
Figura 7 – Percentual de conteúdo dos Evangelhos sinóticos
Fonte: Disponível em: <http://www.abiblia.org/ver.php?id=8220>. Acesso em: 9 nov. 2017.
Fica evidente que nos quatro Evangelhos a proposta possui a mesma 
motivação, que é ser uma proposta ou uma direção para as comunidades 
envolvidas. Os cristãos das primeiras comunidades sentiam-se, antes de mais 
nada, seguidores de Jesus. De acordo com a Carta aos Hebreus 10,20 se trata de 
um “caminho novo e vivo”. 
Os quatro Evangelhos constituem uma obra de muita importância para 
aqueles que estavam dispostos a seguir Jesus. De acordo com Pagola (2013b, 
p. 8), não se trata de livros didáticos que apresentam a vida acadêmica de Jesus 
e muitos menos biografi as redigidas para informar detalhamente sobre sua 
trajetória histórica. Os relatos presentes nos Evangelhos possuem a função única 
e exclusiva de nos aproximar de Jesus da forma como ele foi recordado pela 
primeira ou segunda geração de seguidores. 
Por isso é preciso enxergar os Evangelhos como um convite para adentrar 
num processo de mudança e de identifi cação com o projeto de Jesus. Tratam-se 
de relatos de conversão, lidos, pregados, meditados e guardados no coração de 
cada crente e no seio de cada comunidade cristã. A experiência da escuta atenta 
dos Evangelhos tranforma-se numa força extraordinária de tranformação. A partir 
de agora conheceremos um pouco mais das particularidades de cada Evangelho. 
124
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
O EVangelHo de Marcos
“Mas ide dizer aos seus discípulos e 
a Pedro que ele vos precedena Galileia. 
Lá o vereis como vos tinha dito” (Mc 16,7).
O Evangelho de Marcos pode ser considerado uma pequena cartilha, pois são 
apenas 16 capítulos, o menor de todos os Evangelhos. Por causa disso sempre 
foi usado em segundo plano ao longo da história do cristianismo. Contudo, nos 
dias atuais se tornou uma fonte de inspiração até mesmo para a leitura dos outros 
Evangelhos, isso porque pode ter sido o Evangelho que foi escrito por primeiro. 
Além do mais, há indícios de que os Evangelhos de Mateus e Lucas tenham o 
assumido como base para os seus escritos. 
Quem foi o autor que escreveu essa pequena obra? Nada sabemos com 
certeza. Pagola (2013a, p. 11) afi rma que pode ter sido João Marcos, que 
acompanhou Paulo e Barnabé em sua primeira viagem missionária. Provavelmente 
foi escrito no ano 70 d.C., possivelmente em alguma região da Síria, próxima da 
Palestina. Quando os escritos chegaram a Roma, é provável que tenha sido feita 
uma segunda edição que se espalhou ligeiramente por entre as comunidades 
cristãs que iam surgindo pelo império afora. 
No momento em que o Evangelho de Marcos foi escrito, Israel estava vivendo 
uma das suas maiores guerras contra a dominação romana. Os membros das 
comunidades cristãs acreditavam que Jesus logo iria voltar como um rei triunfante 
(Mc 10,37). Contudo não é essa a perspectiva do Evangelho e sim de acentuar 
que a verdadeira espera da vinda de Jesus se dá pelo testemunho, ou seja, na 
continuação do projeto de Jesus através da sua própria vida. 
É por causa disso que o Evangelho se apresenta apenas como um princípio 
e ao fi nal da narrativa convoca os discípulos para que voltem à Galileia, lugar 
onde tudo começou, a fi m de refazer o itinerário de Jesus, com seus confl itos, até 
Jerusalém, o centro do poder.
O Evangelho de Marcos começa da seguinte maneira: “Princípio do Evangelho 
de Jesus Cristo, fi lho de Deus”. O relato de Marcos tem como fundamento básico 
apresentar para a comunidade quem é Jesus. Nesse caso, Jesus é revelado como 
o Messias, o fi lho de Deus, aquele que é esperado por toda Israel. Por isso Jesus 
constitui fundamentalmente a Boa Notícia de Deus e deseja que os seguidores 
levem essa informação a todos os cantos do mundo. O relato se inicia com a 
pregação de João Batista, o batismo de Jesus e as tentações. O escritor resume a 
mensagem de Jesus no Evangelho de Marcos da seguinte forma: “Completou-se 
o tempo, o reino de Deus está próximo: convertei-vos e crede na Boa Notícia”. 
125
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
Para entender mais sobre o Evangelho de Marcos, leia: No 
caminho de Jesus. Uma leitura do Evangelho de Marcos: <https://
www.paulus.com.br/portal/wp-content/uploads/2012/08/Vida-
Pastoral-2012-Set-Out.pdf>.
Leia também: PAGOLA, José Antonio. O caminho aberto por 
Jesus. Petrópolis: Vozes, 2013.
De acordo com as narrativas de Marcos, os seguidores de Jesus organizaram 
a sua missão nos mesmos moldes do movimento de Jesus. Saíam pelas aldeias 
em equipes missionárias, curando os doentes, expulsando os demônios, ou seja, 
procurando eliminar todas as forças que fossem contrárias à proposta do reino de 
Deus (Mc 6,7.13). Anunciavam a conversão e a crença no Evangelho (Mc 6,12). 
Como Jesus, eram missionários itinerantes e viviam com muita simplicidade e 
desapego (Mc 6,8-9). 
Para além de um movimento urbano, continuava sendo uma experiência 
majoritariamente rural (GASS, 2005). 
No fundo, ao longo da narrativa vamos descobrindo que Jesus inaugura 
um novo tempo. Deus não nos deixou sozinhos diante dos nossos problemas 
e desafi os. Ele deseja contruir conosco uma vida melhor e mais humana. Para 
seguir essa Boa Notícia é preciso acreditar e conhecê-la evitando deturpações 
e interpretações que não estão de acordo com a proposta de Jesus escrita nos 
Evangelhos. 
126
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
De acordo com as narrativas de Marcos, os seguidores de 
Jesus organizaram a sua missão nos mesmos moldes do movimento 
de Jesus. Saíam pelas aldeias em equipes missionárias, curando 
os doentes, expulsando os demônios, ou seja, procurando eliminar 
todas as forças que fossem contrárias à proposta do reino de Deus 
(Mc 6,7.13). Anunciavam a conversão e a crença no Evangelho (Mc 
6,12). Como Jesus, eram missionários itinerantes e viviam com muita 
simplicidade e desapego (Mc 6,8-9). 
Para além de um movimento urbano, continuava sendo uma 
experiência majoritariamente rural (GASS, 2005). 
No fundo, ao longo da narrativa vamos descobrindo que Jesus 
inaugura um novo tempo. Deus não nos deixou sozinhos diante 
dos nossos problemas e desafi os. Ele deseja contruir conosco uma 
vida melhor e mais humana. Para seguir essa Boa Notícia é preciso 
acreditar e conhecê-la evitando deturpações e interpretações que não 
estão de acordo com a proposta de Jesus escrita nos Evangelhos. 
O EVangelHo de Mateus
Livro da origem de Jesus Cristo,
 fi lho de Davi, 
fi lho de Abraão (Mt 1,1).
A comunidade de Mateus é constituída na sua maioria por judeu-cristãos, 
pessoas empobrecidas, e em muitos momentos e situações se apossa de 
referências do Primeiro Testamento para mostrar que a vida e a missão de Jesus 
têm profundas raízes no chamado povo eleito. 
As elites da época esperavam por um messias que reunisse traços de 
nacionalismo, legalismo, dominação sobre os outros povos e triunfalismo. 
Anunciavam uma divindade, portanto, violenta e castigadora. A justiça que era 
ensinada pelas lideranças, entre as quais se incluíam os fariseus, consistia em 
uma observância mecânica da lei. Para isso se utilizava do rigoroso pagamento de 
taxas e impostos ao Templo; práticas ritualistas que se resumiam às aparências; 
a lei do puro e do impuro; a teologia da retribuição à luz da qual as pessoas ricas 
127
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
e saudáveis eram vistas como justas e recompensadas por Deus e as pessoas 
pobres eram consideradas como culpadas por suas desgraças. Com isso, a 
maioria das pessoas, que era muito empobrecida, não tinha condições para estar 
de acordo com as exigências religiosas.
 
Jesus faz uma interpretação da lei bem diferente e acusa escribas e fariseus 
de transformá-la em mandamentos humanos a serviço dos grupos dirigentes. 
Ele afi rma que não veio mudar a lei, mas dar-lhe pleno cumprimento, e que a 
justiça a ser praticada precisaria superar a noção de justiça dos doutores da lei 
(Mt 5,17-20). Ele não enfatiza os detalhes, o legalismo e as aparências, mas diz 
que é necessária a misericórdia (23,23); seu critério fundamental para a justiça 
é a solidariedade com os pobres, como mostra a cena do Juízo Final (25,31-
46). Ele fez uma inversão no que os escribas pregavam e proclamou os pobres, 
então considerados "malditos", como bem-aventurados. Jesus também ultrapassa 
as expectativas messiânicas reféns da forma distorcida de interpretação das 
promessas do Antigo Testamento. Por essas razões, foi condenado à cruz.
A narrativa de Mateus tem sido, ao longo da história, o Evangelho mais citado 
e lido. Sempre foi prestigiado e ocupou o primeiro lugar em todas as listas dos 
evangelistas. Possui 28 capítulos, o mais longo dos Evangelhos, por causa disso 
foi chamado de “longo Evangelho” (PAGOLA, 2013b, p. 11). 
Assim como os outros Evangelhos, a narrativa de Mateus é fruto de um 
longo processo redacional. A comunidade teve a função de juntar, organizar, e até 
mesmo acrescentar as várias tradições orais e escritas das palavras e da prática 
de Jesus para responder aos seus questionamentos e animar a fé em Jesus. 
É provável que o Evangelho de Mateus tenha sido escrito por volta do ano 85 
d.C., o que pode ser comprovado a partir dos seguintes fatos:
• Mateus usou como fonte o Evangelho de Marcos, composto por volta do 
ano 70. Mateus relê e reescreve Marcos, abreviando ou acrescentando out-
ros escritos (Mc 6,30-44; Mt 14,13-21).
• Em 21,41; 22,7; 27,25; Mateus alude a pormenores concretos da destruição 
de Jerusalém, a cidade santa, acontecidano ano 70, pelo exército romano.
• No decorrer dos anos, a partir da experiência e da vivência da comunidade, 
o Evangelho de Mateus refl ete, desenvolve e interpreta o desastre nacional 
como castigo de Deus, causado pelos governantes por rejeitar Jesus como 
fi lho de Deus (Mt 24,1-31).
• O capítulo 23 do Evangelho de Mateus evidencia o confl ito dessa comu-
nidade com os judeus fariseus (Mt 5,11-12; 10,17-23; 24,9-14), mas o 
Evangelho não chega a mencionar a expulsão dos judeus cristãos da sina-
goga, que pode ter ocorrido por volta do ano 85 (Lc 6,22; Jo 9). 
128
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Foi ao fi nal do século I que surgiu a narrativa de Mateus. Nesse período o 
judaísmo sinagogal começou a fortifi car sua perseguição contra os grupos de 
judeus que possuíam tradições e tendências diferentes, em especial os grupos 
da diáspora. Os destinatários da narrativa de Mateus possivelmente tenham sido 
pessoas que viviam na Síria, em Antioquia. A seguir mostraremos alguns motivos 
que podem justifi car essa realidade:
• Na narrativa de Mateus 4,24, o autor faz uma releitura de Mc 1,28.39 e cor-
rige “por toda a Síria” ao invés de “por toda a Galileia”.
• As citações de alguns textos exclusivos de Mateus se encontram nos escri-
tos oriundos da Síria. Por exemplo, Inácio, bispo de Antioquia martirizado 
por volta do ano 107 d.C., cita os textos de Mateus em suas cartas (cf. a 
carta a Policarpo: 2,2 e Mt 10,16b).
• Ainda não existem provas da existência de sinagogas na Galileia no primeiro 
século e nem antes desse período. As sinagogas surgiram na diáspora.
• A narrativa de Mateus delega um papel relevante a Pedro (Mt 14,28-31; 
15,15; 16,22-23; 17,24-27; 18,21; 19,27), que trabalhou na igreja de Antio-
quia (Gl 2,11-14). 
A narrativa de Mateus abre o Segundo Testamento. Ele não é o primeiro 
livro do Segundo Testamento a ser escrito, mas anuncia que Jesus é a realização 
das promessas do Primeiro Testamento. Esse Evangelho constitui a base das 
comunidades cristãs até o fi m do século II.
No movimento de Jesus existia um discípulo chamado Mateus. Esse 
nome signifi ca “dom de Javé” em hebraico: “Indo adiante, viu Jesus um homem 
chamado Mateus, sentado na coletoria de impostos, e disse-lhe: ‘Segue-me’. 
Este levantando-se, o seguiu” (9,9; cf. 10,3). Papia, bispo de Gerápole, na Frígia, 
afi rma que foi esse discípulo que escreveu o Evangelho que leva o seu nome. 
A questão do autor não é o fato mais importante, isso porque, antes da sua 
redação fi nal, os Evangelhos eram ensinamentos catequéticos, orais ou escritos, 
sobre palavras e atos de Jesus, com o intuito de apresentá-lo de maneira mais 
próxima à comunidade. A maneira como o Evangelho chegou até nós é obra de um 
redator que organizou os documentos que com certeza já existiam anteriormente. 
O Evangelho foi escrito para a comunidade em que vivia o autor, 
provavelmente em Antioquia da Síria, no fi m do século I. Para entender melhor os 
antecedentes desta comunidade, é importante relembrar alguns fatos históricos 
desse período. 
129
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
Por volta do ano 70 d.C., na Guerra Judaica, os romanos devastaram a 
cidade de Jerusalém junto com o Templo. Os grupos judaicos foram massacrados 
e torturados. Os judeus que restaram tiveram que ir embora como fugitivos. As 
poucas comunidades cristãs foram para Pela, no lado oriental do rio Jordão, outras 
migraram para a Fenícia, as regiões da Síria, chegando até Antioquia. Nesses 
locais as comunidades foram se ajeitando e se constituíram como os judeus da 
diáspora, ou seja, um pequeno grupo de gentios convertidos. Foi em Antioquia da 
Síria que os seguidores do movimento de Jesus foram chamados, pela primeira 
vez, de cristãos (At 11,26). 
Nesse momento surgiu o Evangelho de Mateus para animar essas 
comunidades que desde a Palestina seguiam Jesus. 
 Por volta do ano 66 d.C., os romanos tentaram tomar posse das riquezas 
que havia no Templo de Jerusalém. Os vários grupos de judeus, mesmo com 
ideais diferentes, uniram-se para lutar contra o Império. Essa revolta foi chamada 
de Guerra Judaica (66-73 d.C.). As consequências foram desastrosas: o Templo e 
a cidade de Jerusalém foram destruídos; saduceus, zelotas, sicários e herodianos, 
grupos infl uentes na vida das pessoas, desapareceram. Dois grupos de judeus não 
assumiram a guerra até o fi m e sobreviveram: os judeus fariseus e os judeus cristãos. 
 Nesse momento de crise profunda, o judaísmo necessitava se organizar 
para sobreviver. Liderados pelo rabi Johanan ben Zakai, os judeus fariseus se 
empenharam na reorganização dos valores e da crença do judaísmo, aderindo 
como instituição central a Sinagoga. Esse grupo conseguiu o apoio do Império 
Romano, que estava interessado na organização dos judeus fariseus, sua lei e 
suas sinagogas para controlar o povo judeu. Após a morte de Johanan ben Zakai, 
as autoridades farisaicas se enrijeceram em torno da lei e os grupos que não 
aceitaram a linha ofi cial foram perseguidos e fi nalmente expulsos da Sinagoga, 
por volta do ano 85.
 Nesse período pairava uma série de dúvidas e divisão. De um lado, 
estavam os judeus fariseus que se consideravam o verdadeiro Israel e os 
intérpretes legítimos da lei. De outro, o grupo dos judeus cristãos que também 
se consideravam o verdadeiro Israel. O grupo de judeus fariseus exercia suas 
atividades nas sinagogas, de onde controlava o cotidiano do povo, através da 
função de explicar, interpretar e impor a lei. 
O grupo de judeus fariseus acreditava que a libertação do povo só 
aconteceria com a estrita observância da lei do puro e impuro (Lv 11-15). 
As pessoas que não tinham as mínimas condições de cumprir com todas as 
exigências da lei eram consideradas impuras e malditas. O número de pessoas 
excluídas e marginalizadas – doentes, pobres, estrangeiros, defi cientes – era 
desproporcionalmente alarmante. 
130
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
O movimento que está por trás da narrativa de Mateus faz a sua opção 
de interpretar de forma diferente a lei: “Ide, pois, e aprendei o que signifi ca: 
‘Misericórdia quero, e não o sacrifício” (Mt 9,13; cf. 12,7). Essa narrativa é a única 
que cita o profeta Oseias 6,6 duas vezes. Jesus é apresentado como o mestre 
de uma lei baseada na misericórdia. É necessário entendermos que a palavra 
misericórdia, para a comunidade de Mateus, tem a ver com compaixão, ou seja, 
os seguidores do movimento de Jesus sentem a dor do outro e com isso buscam 
ajudá-los a sair desta situação de sofrimento. 
 Esses grupos judaicos estavam buscando defi nir e garantir sua 
identidade. Nesse contexto, algumas perguntas pairavam na cabeça de muitos 
judeus: Quem estava falando verdadeiramente pelo Deus de Israel? Quem de fato 
compreendia e interpretava com mais exatidão a Torá? Quem estava capacitado 
para interpretar o passado e conduzir o povo de Deus ao futuro?
 Foi então por meio desses questionamentos que as comunidades que 
inspiraram a narrativa de Mateus acolheram e reinterpretaram os principais 
fatos e palavras de Jesus a partir de seu contexto e produziram suas próprias 
refl exões para reanimar seus membros a perseverarem no seguimento de Jesus. 
O momento era muito delicado, pois o movimento de Jesus atravessava uma forte 
crise, pois estava em via de separação do judaísmo. Era um grupo minoritário, 
frágil, oprimido pelo Império e pelas autoridades judaicas.
As inúmeras brigas externas com os judeus fariseus, apoiados pelo Império 
Romano, não eram o único obstáculo que as comunidades que inspiraram a 
narrativa de Mateus enfrentavam. Existiam também os confl itos internos. Eles 
eram constituídos em sua maioria por judeus cristãos, apegados à lei e às 
tradições judaicas. Nas comunidades havia também os “gentios” e judeus cristãos 
helenistas, ou seja, os judeus que tinham forte infl uência da cultura grega e 
não eram apegados à lei judaica. Na vida comunitária do dia a dia, os confl itos 
eram quase inevitáveis. Aointerpretar e seguir as palavras e a prática de Jesus 
surgiram as divergências: a observância rigorosa da lei e a tradição judaica, a 
adaptação ao modo de vida dos “gentios”, a superioridade dos judeus cristãos 
em relação aos gentios convertidos, a disputa pela liderança (18,1-11) etc. Nas 
intrigas com os judeus fariseus e com o Império Romano, as comunidades que 
inspiraram a narrativa de Mateus tiveram de fortalecer sua identidade e unidade, 
enfrentando as divergências internas e entrando em diálogo abrangente e fraterno. 
Nessa realidade, o Evangelho de Mateus foi escrito como um ponto de referência 
em forma de catequese para suas comunidades. De modo especial, os textos 
exclusivos do Evangelho de Mateus são uma resposta a essa realidade. 
131
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
O EVangelHo de Lucas
“Visto que muitos já tentaram compor 
uma narração dos fatos que se 
cumpriram entre nós – conforme nos
 transmitiram os que, desde o princípio, 
foram testemunhas oculares e ministros 
da Palavra – a mim também pareceu 
conveniente, após acurada investigação
 de tudo desde o princípio, escrever-te
 de modo ordenado, ilustre Teófi lo,
 para que verifi ques a solidez dos
 ensinamentos que recebeste” (Lc 1,1-4).
Sem dúvidas, a narrativa de Lucas é muito atraente. Talvez seja o Evangelho 
que pode nos motivar ao conhecimento de Jesus como uma mensagem que 
demonstra um Deus compassivo, defensor dos pobres, curador dos doentes e 
amigo de pecadores. 
É provável que o Evangelho de Lucas tenha surgido por volta dos anos 85 
a 90, em alguma cidade grande da Ásia Menor, dominada pelo Império Romano. 
Pode ter sido Antioquia, Éfeso, ou mesmo numa cidade da Grécia. Estas cidades 
eram, em sua maioria, cidades portuárias, onde circulavam muitas pessoas 
vindas de diversas regiões, com culturas e religiões diferentes. Nestas cidades 
vigorava o helenismo, um sistema que os romanos herdaram dos gregos e que 
se caracterizava essencialmente pelo estímulo à competição comercial e à busca 
desenfreada do lucro. 
O helenismo gerava uma sociedade com fortes contrastes sociais, cerca de 
um terço da população era constituída de escravos. Para a mentalidade greco-
romana, a desigualdade social era considerada normal. Ser pobre ou ser rico era 
o desígnio dos deuses, diziam os romanos. 
Em contraposição, na comunidade cristã, composta em sua maioria de 
pobres, com alguns ricos, se aguardava a chegada do Reino de Deus. Um reino 
de fraternidade e partilha, sem injustiças sociais, mas com a demora da volta de 
Jesus, começa um relaxamento dos cristãos, e o ambiente externo das diferenças 
sociais vai invadindo a comunidade. É preocupado com essa situação que o autor 
do Evangelho de Lucas faz uma releitura da vida e do ensinamento de Jesus 
acentuando o compromisso com os marginalizados e a prática da misericórdia.
132
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Já sabemos que cada Evangelho surgiu numa comunidade específi ca que 
sabia quem era seu autor ou seus autores. Os nomes dos autores não apareciam 
no texto porque para aquela realidade não fazia sentido. Assim, circularam de 
forma anônima mais ou menos até o ano 150 d.C., quando se começava a defi nir 
a lista dos livros considerados inspirados do Segundo Testamento. É nesse 
momento que lhes foram atribuídos os nomes de Marcos, Mateus, Lucas e João. 
O nome Lucas é citado na carta de Paulo a Filêmon (v. 24), e aparece mais 
duas vezes: uma em Cl 4,14 e outra em 2Tm 4,11, que são cartas escritas por 
discípulos de Paulo. De acordo com Pagola (2013b, p.12): 
Lucas é o primeiro escritor cristão a narrar uma espécie de 
“história da salvação” seguindo certa ordem. Lucas compõe sua 
obra em duas partes. A primeira é constituída pelo Evangelho e 
está centrada em Jesus; depois da infância de Jesus narra-se 
a trajetória desde a Galileia até Jerusalém, onde culmina com 
sua crucifi cação, sua ressurreição e a cena da Ascensão. A 
segunda parte chama-se Atos dos Apóstolos e está centrada 
na primeira Igreja. Neste escrito observa-se uma direção 
inversa ao Evangelho: começa em Jerusalém com a ascensão 
e depois narram-se os primeiros passos dos discípulos de 
Jesus, que serão suas testemunhas ‘em Jerusalém, em toda a 
Judeia, na Samaria e até os confi ns da terra’.
No entanto, ao compararmos as narrativas de Atos e Lucas com as Cartas 
de Paulo, encontraremos diferenças importantes, que nos levam a crer que o 
Evangelho e os Atos não foram escritos por esse Lucas que foi companheiro de 
Paulo. Em Atos dos Apóstolos, Paulo é descrito como um missionário que tem 
poder de curar os doentes, de expulsar demônios e ressuscitar mortos (At 14,3.8-
10; 16,16-18.25-34; 20,4), mas não é considerado um apóstolo. Nas cartas, como 
em 2Cor 12,5-10, o próprio Paulo se apresenta como uma pessoa frágil, sem 
poder algum, mas se apresenta como apóstolo, chamado e enviado por Jesus, 
que por amor a Cristo crucifi cado se faz solidário com os mais sofridos da história. 
Além disso, em Atos dos Apóstolos, Paulo é muito semelhante a Pedro, é mais 
inclinado a se adaptar diante das exigências dos judeus, e se apresenta como 
cidadão romano, o que não acontece nas Cartas Paulinas.
O autor de Lucas e Atos deve ter sido outra pessoa, possivelmente um 
admirador de Paulo, talvez um membro de uma das comunidades de origem 
paulina. Ele não era da Palestina, pois atrapalha-se ao falar da geografi a da região. 
Possivelmente um prosélito, alguém que entrou em contato com a religião judaica, 
estudou a fundo as Escrituras e mais tarde aderiu ao Evangelho de Jesus Cristo. 
O Evangelho de Lucas é considerado o Evangelho da alegria, isso porque ao 
longo de sua narrativa os seguidores de Jesus são convidados a acolher Jesus de 
maneira alegre e com prazer. 
133
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
Entendendo um Pouco Sobre Atos 
dos Apóstolos
Os acontecimentos narrados no livro dos Atos dos Apóstolos, assim como 
os Evangelhos, têm como objetivo principal apresentar a vida das primeiras 
comunidades entre os anos 30 e 60. O autor inicia situando a comunidade dos 
seguidores e seguidoras de Jesus em Jerusalém (1,4) e termina com Paulo 
chegando em Roma (28,14.31). O caminho começa em Jerusalém, na periferia do 
Império Romano, atinge toda a Judeia, Samaria, Ásia Menor, Grécia e Europa. É 
o caminho que vai da periferia para o centro, ou seja, de Jerusalém para Roma. 
Mais do que fazer uma crônica histórica, o autor se preocupa em mostrar a ação 
do Espírito Santo agindo na comunidade. O grupo dos Doze, inspirado pelo 
Espírito Santo, dirige a comunidade. Esse grupo institui uma nova liderança e 
mantém a direção das comunidades dentro e fora da Palestina.
De acordo com a tradição, a narrativa de Atos foi escrita por Lucas, o 
companheiro de Paulo (Cl 4,14; Fm 24; 2Tm 4.11). Em algumas passagens o autor 
narra como se ele estivesse presente nas viagens missionárias de Paulo. Será 
que essa informação procede? Vejamos então: o livro dos Atos dos Apóstolos 
apresenta um Paulo conciliador, agindo de acordo com as leis judaicas: frequenta 
o Templo, faz peregrinações a Jerusalém, cumpre votos, faz rituais de purifi cação 
e etc. Uma imagem de Paulo bem diferente das cartas (9,20;13,14;16,1-3; 
20,16;21,15;24,11.17-18). 
Outros afi rmam que o livro dos Atos foi escrito por pessoas que viviam em 
comunidades fundadas por Paulo, ou seja, aqueles cristãos da segunda geração 
(70-100), entre os anos 80 e 90. Afi nal, esse livro foi escrito onde? 
Provavelmente foi escrito na cidade de Antioquia, ou em Éfeso, ou mesmo numa 
cidade da Grécia. O importante é saber que eram comunidades fundadas por Paulo, 
compostas por estrangeiros/as e judeu-cristãos, ricos e pobres, que enfrentavam 
problemas por causa desta multiculturalidade. Atos foi escrito para comunidades que 
precisavam de uma confi rmação quanto aos ensinamentos recebidos.
Com o intuito de legitimar os ensinamentos transmitidos às comunidades, o 
autor faz questão de afi rmar –e faz muitas vezes – que essa instrução é guiada 
pela ação do Espírito, e o grupo dos Doze exerce um papel fundamental: é a 
garantia de que o caminho traçado por Jesus continua por meio dos apóstolos e 
dos outros enviados pelos Doze. Quando Atos foi escrito, Pedro, com os Onze, 
Paulo, Tiago etc., os fundadores das primeiras comunidades, já haviam morrido. E 
falsos mestres, segundo a narrativa, estavam aparecendo (At 20,25-31).
134
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
 A narrativa dos Atos dos Apóstolos se trata de uma pequena cartilha da 
comunidade, pensada com o intuito de instruir a comunidade com relação aos 
seus problemas concretos. Se trata de um pequeno reforço para os missionários 
continuarem o anúncio da Boa Nova. Na comunidade o que mais afetava o dia 
a dia era a convivência entre judeus e estrangeiros. Foi difícil para os judeus, 
ainda apegados às tradições judaicas, acolher os estrangeiros, sentar com eles à 
mesma mesa (10,28; Lc 14,15-24), partilhar do mesmo modo de vida, comungar 
dos mesmos ideais. Sem dúvida, foi um longo processo. 
Se existiam inúmeros problemas de ordem interna, também em nível externo 
essas comunidades eram questionadas pelos judeus fariseus que não admitiam 
essa pluralidade e mistura. Para reafi rmar a autoridade de Paulo, o livro dos 
Atos o apresenta como alguém reconhecido pelos apóstolos (9,26-28) e como 
um verdadeiro judeu (22,1-3). Além do confl ito com as autoridades judaicas, as 
comunidades cristãs também precisavam conquistar o direito de cidadania. Era 
questão de sobrevivência não criar caso com o Império Romano. Por isso, o autor 
procura mostrar que era possível ser romano e, ao mesmo tempo, cristão. Para 
comprovar isso ele apresenta o exemplo de Cornélio, um centurião romano (10,1-
2) que acolhe a Boa Nova. Também insiste em mostrar que as autoridades das 
cidades greco-romanas colaboram com os cristãos (21,31-40). 
Os grupos que estão por trás dos Atos dos Apóstolos enfrentaram muitas 
difi culdades e confl itos internos e externos. O livro dos Atos expressa a tentativa 
da comunidade de fazer uma revisão, de voltar às origens e encontrar motivações 
para resistir. 
O EVangelHo de JoÃo
É possível que a narrativa joanina tenha levado mais ou menos 60 anos para 
ser escrita. Provavelmente, foi sendo elaborada em várias regiões: no Norte da 
Galileia, na Síria e na Ásia Menor. A última redação do livro teria acontecido em 
Éfeso, na Ásia Menor, por volta do ano 95, com alguns acréscimos posteriores. 
É um escrito que deve ser lido como interpretação e vivência das comunidades, 
com o objetivo claro de aprofundar a fé em Jesus, Messias e Filho de Deus. Na 
tentativa de entender melhor esse texto, vamos olhar a história e a vida dessas 
comunidades.
Após a dominação dos gregos (333 a.C.), a situação de vida na Palestina se 
tornara muito difícil. O povo estava sendo dominado, explorado e escravizado. 
Contudo, existiam grupos de populares que resistiram à dominação e buscaram 
uma forma alternativa de viver. 
135
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
No período de Jesus e um pouco depois, as revoltas e os descontentamentos 
com a opressão dos romanos atingiram o auge. Em 66 d.C., quando os romanos 
saquearam o Templo de Jerusalém, os vários grupos, mesmo tendo posições 
diferentes, se uniram para lutar contra os dominadores. Esse movimento fi cou 
conhecido como a Guerra Judaica (66–73 d.C.). 
Nessa guerra, o povo judeu foi derrotado pelos romanos. Jerusalém, a 
cidade santa, e o Templo foram destruídos. O Templo era uma instituição central 
na vida do povo, controlava a sua vida em todos os aspectos. Os principais 
grupos que participaram da guerra, os saduceus, os essênios, os zelotas e os 
sicários, foram desarticulados e quase desapareceram. A guerra desestruturou a 
vida dos habitantes da região da Judeia. Os judeus cristãos e os judeus fariseus 
não assumiram a luta até o fi m, por isso conseguiram sobreviver. Após a guerra, 
esses grupos começaram a reorganizar a vida do povo. 
Os fariseus e os escribas, menos dependentes do Templo, desenvolveram 
uma estrutura alternativa. Fazia tempo que eles exerciam suas atividades nas 
sinagogas, através da função de explicar e interpretar a lei. No contexto de 
destruição das instituições judaicas, como o Templo e o Sinédrio – conselho 
supremo dos judeus –, o povo buscou refúgio e segurança no movimento dos 
fariseus e escribas. Aos poucos, os judeus fariseus foram se fortalecendo, a 
Sinagoga passou a ser uma forte instituição para garantir, proteger e controlar 
a vida do povo. Assim, os romanos perceberam que seria vantajoso se aliar aos 
judeus fariseus. 
A aliança com os romanos favoreceu o desenvolvimento dos grupos de linha 
farisaica. Surgiram muitos grupos, entre eles a Academia de Jâmnia, fundada pelo 
rabino Johanan ben-Zakai. O chefe desse grupo, o Patriarca, era reconhecido pelo 
Império Romano como representante do povo judeu. Como aliado dos romanos, 
eles tinham o direito de interpretar e aplicar a lei, utilizando-a também para cobrar 
tributos dos judeus. Isso interessava aos romanos. 
A lei principal era a do Sábado, que nasceu para manter viva a memória 
da libertação e assegurar o descanso da comunidade, mas que com o tempo se 
tornou uma lei opressora. O cumprimento da lei foi colocado acima da pessoa. 
Outra lei igualmente importante era a da pureza. Essa lei dividia as pessoas e as 
coisas em puro e impuro. 
136
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
A lei do puro e do impuro era muito complexa, pois defi nia quem estava mais 
perto e quem estava mais longe de Deus. Uma pessoa doente ou com alguma 
defi ciência física era considerada impura por causa de algum pecado, uma vez 
que a doença era vista como castigo de Deus. O simples contato com pessoas ou 
coisas impuras já causava impureza. Estar impuro signifi cava não poder participar 
do culto e, consequentemente, da salvação. 
Por conta das regras impostas que determinavam quem estava impuro, e 
em que condições, muitas pessoas viviam em situações quase permanentes de 
impureza. As autoridades judaicas, através da lei, tinham a pretensão de dominar 
o corpo da mulher e do homem. Essa situação de opressão possuía maior peso 
para a mulher, que fi cava impura por causa da menstruação (Lv 15,19), das 
relações sexuais (Lv 15,18) e do dar à luz (Lv 12,2-5). Para se purifi carem, as 
pessoas deviam levar ofertas e pagar o tributo religioso em dia. Isso custava 
muito caro, difi cultando para os pobres o cumprimento da lei. No fundo, essa lei 
era mais severa para as pessoas que fossem mais pobres. 
Os judeus fariseus acreditavam que a exigência severa do cumprimento 
da lei era uma exigência do próprio Deus. Esse modo de crer, ligado à crença 
na ressurreição dos mortos e na teologia da retribuição, com prêmios e castigos 
para esta vida e a outra, era usada para manter o povo na obediência rigorosa 
às normas impostas pelos dirigentes fariseus. A teologia da retribuição estava 
ligada à ideia de troca: se a pessoa cumprisse a lei, seria abençoada com terra, 
descendência e vida longa. Se não cumprisse, receberia o castigo: pobreza, 
esterilidade e vida breve (Dt 30,15-20). 
A lei era ensinada primordialmente na sinagoga. Em torno do ano 85, as 
sinagogas estavam espalhadas pela Ásia Menor. Nessa região, a comunidade 
judaica vivia de forma independente, como uma cidade dentro da cidade. A 
aliança com os romanos possibilitou que a religião judaica, organizada pelos 
judeus fariseus, fosse considerada como Religião Lícita – ou seja, religião 
autorizada pela lei do Império Romano. Nesse sentido, os judeus agregados à 
sinagoga conquistaram o direito de se reunir, de manter uma caixa comum e de 
possuir propriedades. Eram até dispensados de prestar culto às divindades do 
Império Romano, tinham o direito de observar o sábado, de praticar seu culto 
e a sua lei e participavam, quando necessário, do exército só de judeus. Cada 
comunidade local tinha suas leis administrativas,estabelecia locais para estudo, 
culto e sepultamentos; oferecia ajuda aos indigentes e mantinha tribunais para 
julgar disputas entre judeus. 
137
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
Os judeus fariseus, com o intuito de manter a sua identidade enquanto grupo 
e manter seus interesses, começaram a exigir uma observância rigorosa da lei. Se 
tratavam de 613 regras para serem cumpridas e observadas. A opressão era muito 
grande. No interior da sinagoga surgiram alguns grupos, entre eles os dos cristãos, 
que começaram a relativizar a importância da lei, pondo em primeiro lugar a vida 
humana. Isso culminou em vários confl itos. Quem não cumpria a lei inevitavelmente 
era perseguido, torturado e até expulso da sinagoga, consequentemente estava 
sujeito à perseguição do Império Romano. No fi nal do período do imperador 
Domiciano (81-96), a perseguição contra os cristãos foi intensifi cada e generalizada, 
atingindo especialmente os grupos cristãos da Ásia Menor. 
Um desses grupos era justamente a comunidade joanina. Comunidade essa 
que surgiu entre os judeus que acreditaram que Jesus era o Messias esperado 
por eles. A guerra dos judeus contra os romanos (66 d.C.) provocou a dispersão 
das comunidades cristãs. Essas comunidades foram para o Norte da Palestina e 
chegaram até a Síria. Em torno de 70 d.C. emigraram para Éfeso. 
A narrativa joanina demonstra que a comunidade era composta por pessoas 
pobres e marginalizadas que começaram a viver de um jeito novo. Irmãos e irmãs, 
unidos não pela lei, mas pelo amor. Essas pessoas, provavelmente, viviam sob a 
opressão da lei. Elas conseguiram ver na proposta cristã um caminho alternativo. 
Vivenciaram o amor mútuo e a certeza de que a presença do Verbo Encarnado, 
em cada mulher e homem, era a base que sustentava e animava sua vida. Se 
tratava de um grupo plural e misto, com uma população proveniente de vários 
grupos e religiões. 
O Tema da RessurreiÇÃo
Num primeiro momento as comunidades cristãs primitivas experimentaram 
a morte de Jesus como um enorme fracasso, como se tivesse chegado ao fi m 
qualquer forma de esperança (Lc 24, 13-24).
Pouco a pouco os seguidores de Jesus vão percebendo que a sua presença 
continua mais viva do que nunca na vida da comunidade que acolhe os forasteiros 
em sua casa e partilha com eles o pão sobre a mesa (Lc 24,25-32). É a partir 
dessa experiência com Jesus vivo presente em seu meio que se encontram, pois 
haviam se dispersado (Lc 24,33-35). 
138
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
As Cartas Paulinas
Paulo, o apóstolo de Jesus, é um personagem apaixonante para os cristãos. 
Esse personagem pode ser conhecido pela narrativa do Atos dos Apóstolos e, 
sobretudo, pelas suas próprias cartas ou que foram atribuídas a ele. O conjunto 
das cartas paulinas soma um total de 13 cartas, divididas da seguinte forma: 
• Cartas maiores: Romanos 1 e 2; Coríntios; Gálatas; Tessalonicenses.
• Escritos da prisão: Efésios; Filipenses; Colossenses e Filêmon.
• Escritos pastorais: 1 e 2 Timóteo e Tito. 
Antes de aprofundarmos um pouco mais sobre as cartas de Paulo, 
conheceremos a vida desse personagem, fi gura ímpar no cristianismo e o principal 
propagador do Evangelho de Jesus. 
Mesmo após o assassinato de Jesus, nem o poder da religião nem o poder do 
império conseguiram matar o seu projeto. Jesus continuou vivo nas comunidades 
que levaram a sua mensagem adiante e divulgando o reino de Deus. Jesus 
continuou vivo por intermédio do seu espírito, da força de sua mensagem que 
já havia incutido nos seus seguidores um desejo enorme de experienciar aquela 
mensagem de libertação e transformação. 
Interessante notar que foram as mulheres as primeiras a testemunhar 
a ressurreição de Jesus (Mt 28,1-8; Mc 16,1-8; Lc 24,1-8; Jo 20,11-18). Isso 
demonstra que as mulheres eram seguidoras de Jesus e muito comprometidas 
com o seu projeto. Elas foram testemunhas fi éis a Jesus até o fi m, junto à cruz 
(Mt 27,55-56; Mc 15,40-41; Lc 23,49; Jo 19,25). Não hesitaram em permanecer 
com ele até o fi m, e acima de tudo, não se acovardaram. Foram as mulheres 
que por primeiro perceberam que ele estava vivo e que seu Espírito continuava 
animando a vida da comunidade, e por isso não poderiam desanimar em promover 
ativamente os ideais do reino de Deus. Foi por causa das discípulas, testemunhas 
da ressurreição, que o projeto de Jesus não morreu aos pés da cruz. Tiveram 
a coragem de denunciar todas as forças que destroem a vida. A cruz de Jesus 
signifi cou a vida e a libertação. 
139
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
Quem Foi Paulo?
A narrativa de Atos nos informa que Paulo nasceu em Tarso, região da Cilícia, 
Ásia Menor, atual Turquia (At 9,11; 21,39; 22,3; 9,30; 11,25). Se trata de uma 
cidade grande, onde havia uma população de mais ou menos 300 mil habitantes. 
Tarso era um local que possuía um centro importante de cultura e de comércio. A 
estrada romana que ligava o Oriente e o Ocidente passava por lá. 
Uma pergunta nos questiona: Como é que Paulo, que era judeu, nasceu tão 
distante, numa cidade grega da Ásia Menor? Desde o sexto século a.C. havia um 
grande sistema de migração de judeus para fora da Palestina. Em praticamente 
todas as cidades do Império Romano existiam bairros judeus e cada um com sua 
própria sinagoga e organização comunitária. Eles formavam a assim chamada 
diáspora. De acordo com Mesters (2008, p. 15):
Havia uma comunicação muito intensa entre Jerusalém e a 
diáspora; romarias, visitas, promessas, estudo... Jerusalém 
era o centro espiritual de todos os judeus. Assim se entende 
como Paulo, nascido em Tarso, foi criado em Jerusalém (At 
22,3; 26,4-5; cf. 23,16). Ele mesmo dizia: ‘Todos os judeus 
sabem como foi minha vida desde minha juventude e como, 
desde o início, vivi no meio do povo e em Jerusalém’ (At 26,4).
Paulo nasceu no seio de uma família judaica, consequentemente foi educado 
dentro dos padrões das leis de Deus e das “tradições paternas” (Gl 1,14). Os 
judeus que se encontram na diáspora viviam com empenho a religião judaica. 
Fazia parte de suas preocupações diárias a observância da lei de Deus. Por 
esse motivo, não aceitavam qualquer costume imposto pelo Império Romano que 
difi cultasse a observância dos mandamentos de Deus. 
O apóstolo Paulo viveu num bairro judeu que era muito rigoroso e exigente 
com relação às práticas da lei. Era de lá que podia perceber o ambiente aberto 
que pairava sobre a cidade grega. Foram justamente esses dois locais que 
infl uenciaram diretamente a sua vida. Interessante, porque Paulo procurara 
se adaptar dependendo do local em que estivesse, por exemplo, possuía dois 
nomes, um para cada ambiente: Saulo era o seu nome judaico (At 7,58), e Paulo 
o nome grego (At 13,9). Contudo, ele prefere e assina Paulo, mas Deus o chama 
de Saulo (At 9,4). 
Como todos os garotos judeus de sua época, Paulo foi ensinado na casa dos 
pais e na sinagoga do bairro, a escola estava ligada à sinagoga. Para a formação 
básica era previsto: aprender a ler e escrever, conhecer e aprender a lei de Deus 
e a história do povo; assimilar as tradições religiosas; aprender as orações, em 
especial os salmos. O método era simples: pergunta e resposta, ou seja, repetir e 
decorar, e também a disciplina e a convivência. 
140
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Paulo também teve uma formação de nível superior. Isso aconteceu em 
Jerusalém, aos pés de Gamalieu (At 22,3). Esse estudo era composto dos 
seguintes ensinamentos: o estudo da lei ou da Torá; a tradição dos antigos; a 
halaká que ensinava a viver a vida de acordo com a lei de Deus; a Hagadá que 
ensinava a ler a vida de acordo com as leis de Deus; e o estudo da midrash, que 
era a interpretação da Bíblia hebraica.
Sem dúvida, a leitura da Torá era a centralidade da formação de qualquer 
garoto judeu. Com isso a piedade do povo era marcada profundamente. “Desde 
criança” (2Tm 3,15), os judeus aprendiam sobre a importância da Torá nas suas 
vidas. A mãe era aprimeira a transmitir esses ensinamentos aos fi lhos (2Tm 1,5 e 
3,14). Paulo desde criança aprendeu que a Torá era inspirada por Deus e útil para 
instruir, refutar, corrigir, educar na justiça (2Tm 3,16-17; Rm 15,4; 1Cor 10,6.11). 
Ao mesmo tempo que Paulo teve toda essa oportunidade de estudo entre 
os sábios de Jerusalém, vivia na Galileia um homem chamado Jesus, pobre, 
carpinteiro e que não teve condições de estudar em Jerusalém. Ao que tudo 
indica, Paulo e Jesus nunca se encontraram em vida (2Cor 5,16). Jesus era mais 
velho que Paulo, em torno de cinco ou oito anos. Contudo, os dois devem ter tido 
formação básica em casa, na sinagoga e na escola ligada à sinagoga. Mesters 
(2008, p. 18) faz uma breve comparação entre Jesus e Paulo:
Paulo é da cidade. Jesus era do campo, do interior. As 
comparações de Jesus são quase todas do mundo rural: 
semente, campo, fl ores... As comparações de Paulo vêm do 
ambiente da grande cidade que marcou sua vida. Paulo pode 
não ter entendido muito de roça e de plantas, mas entendia 
de jogos urbanos. Uma cidade do tamanho de Tarso tinha seu 
estádio de esportes onde, a cada quatro anos, se organizavam 
jogos de atletismo: corridas, lutas, lançamento de disco, acertar 
no alvo etc. Quando jovem, Paulo deve ter gostado dos jogos 
no estádio. Pois, como adulto, deles ainda se lembra e os usa 
para comparar as exigências do Evangelho: ganhar a coroa 
(1Cor 9,25), perseguir o alvo (Fl 3,12-14), alcançar o prêmio 
(1Cor 9,26), correr na direção certa (1Cor 9,26; cf Gl 2,2; 5,7; 
Fl 2,16). Ele fala em combate (2Tm 4,7) e pugilato (1Cor 9,26). 
Conhece o esforço e a disciplina dos atletas (1Cor 9,25). 
Paulo tinha uma profi ssão, era fabricante de tendas (At 18,3). Pode ser que 
tenha herdado esta profi ssão do próprio pai, pois era esse o costume da época. O 
aprendizado começava por volta dos 13 anos e durava de dois a três anos. 
141
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
Paulo fazia questão de dizer que tinha cidadania romana (At 16,37; 22,25) 
e que possuía esse direito desde o seu nascimento (At 22,29), ou seja, herdou 
do seu pai. Se a família de Paulo possuía cidadania romana, signifi cava que 
tinha uma boa fortuna (At 22,28). É muito provável que Paulo tenha aprendido 
a profi ssão do pai não tanto para sobreviver disso como trabalhador, mas para 
administrar a ofi cina do pai como proprietário. 
Agora que já conhecemos um pouco de Paulo, vamos conhecer as cartas 
que ele escreveu ou que foram atribuídas a ele. 
Para entender mais sobre Paulo, bem como as pesquisas 
recentes a seu respeito, leia: HORSLEY, Richard A. Paulo e o 
Império. Religião e poder na sociedade imperial romana. São Paulo: 
Paulus, 2011. 
Carta aos Romanos
As cartas escritas por Paulo mostram o empenho missionário em levar a Boa 
Nova para além da cultura judaica. Paulo foi o grande evangelizador do mundo 
gentio, e as comunidades que receberam sua infl uência estavam espalhadas 
em diferentes regiões da Ásia Menor e Europa: Filipos, Tessalônica, Corinto, 
Galácia. Essas comunidades possuíam características próprias, fruto da realidade 
local de cada uma, mas também apresentavam pontos em comum, uma vez que 
estavam inseridas na cultura greco-romana. Destacamos três semelhanças entre 
elas. Primeira: as comunidades são formadas, basicamente, por cristãs/os de 
origem greco-romana. Segunda: seus membros sofrem pressão dos judaizantes, 
que querem obrigar os cristãos gentios à prática da lei mosaica, em especial os 
ritos de purifi cação e a circuncisão (3, 1-19; Gl 3, 1-29). Terceira: os membros 
das comunidades têm difi culdade em deixar para trás os costumes trazidos da 
sua cultura de origem, o que gera confl itos (1Cor 5,1-13; 6,1-20; 7,12-16); têm 
problemas de relacionamento na vida comunitária (2, 6-7;1Cor 12,1-14,25); e têm 
problemas com as autoridades locais (1Cor 6, 1-11).
A carta de Paulo aos Romanos é a primeira carta do chamado cânon paulino. 
Se trata da carta mais longa e também a que possui uma teologia bastante 
elaborada. Essa carta pode ter sido escrita em Corinto mais ou menos em 57 ou 
58 d.C. 
142
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
A população da época era em torno de um milhão de habitantes, a maioria se 
tratava de plebeus libertos. Nero era o grande imperador e o povo estava marcado 
por uma grande massa de escravos. 
Paulo não conhece essa comunidade e por esse motivo escreve para 
preparar uma possível visita. Mesmo em meio a sua complexidade teológica, 
mantém o objetivo pastoral em todas as cartas. 
As comunidades cristãs de Roma cresceram muito, isso por conta do 
ingresso de gentios (1,5-6.13; 11,13). Essa situação gerava muitos confl itos, por 
exemplo, entre judeu-cristão e étnico-cristão, talvez esse seja um dos motivos por 
que o imperador Cláudio expulsou os judeus de Roma e com ele muitos cristãos, 
como o casal Priscila e Áquila, conhecido por Paulo na comunidade de Corinto (At 
18,1-3). 
De acordo com o que está escrito na carta de Paulo aos Romanos, a 
situação do povo é crítica e deprimente. Isso porque os cristãos se encontram 
subordinados à ideologia imperial chamada de “pax romana”, no sistema da 
escravidão, e a lista de pecados é assustadora (Rm 1,28-32). Por outro lado, os 
judeus estão submetidos à ideologia da lei Mosaica, no sistema da circuncisão, e 
a lista de pecados também é muito grande (Rm 2,17-24). As soluções para todos 
esses confl itos só podem ser resolvidas por meio da graça, dom gratuito e dado 
por Deus (Rm 3,21-28). 
Carta aos Coríntios 
Assim como a Carta aos Romanos, a Carta aos Coríntios demonstra que 
existem muitos confl itos na comunidade. Contudo, a comunidade é formada na 
sua maioria de pessoas pobres e desvalidas. Foi Paulo mesmo quem fundou esta 
comunidade. No momento em que escreve a carta, por volta do ano 67 ou 57 
d.C., está em Éfeso, essa seria a segunda carta, a primeira possivelmente tenha 
se perdido de acordo com o que está escrito em 1Cor 5,9. Provavelmente esta 
segunda carta seria a união de várias outras. 
Paulo chegou a Corinto após o discurso fi losófi co feito em Atenas, que aliás 
foi um grande fracasso. Em um ano e meio, Paulo descobriu que a opção pelos 
mais pobres era a mensagem culminante da cruz de Cristo (At 18,11). Foi acolhido 
pelo casal Priscila e Áquila e se inseriu na vida da cidade através de trabalhos 
manuais como fabricante de tendas. 
143
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
Carta aos Gálatas
A Carta aos Gálatas pode ter sido escrita após o ano 53 e não mais que 57 
d.C. O tema principal que Paulo trata nesta carta é o da justifi cação através da fé 
e pela liberdade dada por Cristo. Esta carta se tornou uma forma de circular pela 
região da Galácia e demonstra o caráter forte e apaixonado de Paulo, além de 
suas intensas convicções teológicas. 
Paulo passou pela Galácia por ocasião da sua segunda viagem missionária 
(At 16,6). E aí fundou comunidades que voltaria a visitá-las na sua terceira viagem 
missionária (At 18,23). Éfeso representou uma espécie de posto missionário, a 
partir do qual Paulo mantinha contato com as comunidades. Foi aí que chegaram 
para ele notícias da Galácia. 
Os povos da Galácia viviam sob condições rurais, mais do que em realidades 
urbanas. A região era muito distante e totalmente esquecida pelas autoridades 
romanas. Por conta da sua origem estrangeira, tinham direitos limitados, por 
exemplo, não podiam adquirir propriedade. Por conta disso, viviam como 
peregrinos e viajantes. Nesse sentido, Paulo fala a essa comunidade sobre a 
liberdade em Cristo. Escravidão e liberdade percorrem todo o texto. 
Carta aos EFésios, Filipenses, 
Colossenses e FilÊmon
Existe certa relação entre essas cartas. É provável que tenham sido escritas 
na prisão. Não se sabe ao certo de qual prisão Paulo se refere, uma vez que 
esteve preso em Éfeso, Cesareia, Filipos e Roma.
O interessante é que entre essas quatro cartas existem muitas similaridades, 
principalmente em relação à doutrina. Contudo,Efésios e Colossenses 
apresentam um conteúdo mais aproximado, parece que a primeira retoma e 
amplia a segunda. 
Do ponto de vista doutrinário e teológico, Efésios apresenta maior relevância 
porque reapresenta para a nova geração de cristãos toda a mensagem de 
Paulo. Possivelmente foi escrita em torno do ano 90 d.C., por isso é considerada 
deuteropaulina, ou seja, pós-paulina. O autor teria sido um seguidor de Paulo, 
muito ligado a seu mestre e que morava no vale do rio Lico, região de Éfeso. 
A carta apresenta uma forma de ver o projeto do reino de Deus para toda a 
humanidade por meio de Jesus Cristo. 
144
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Filipenses tem como conteúdo principal a palavra “Evangelho” e toda 
trabalhada na arte da alegria e do afeto, por esse motivo se distingue de todas as 
outras cartas. Trata-se da igreja primogênita de Paulo na Europa. Também como 
a igreja que começou com um pequeno grupo de mulheres à beira de um rio. 
Paulo aceitou se hospedar na casa de uma mulher, Lídia, e aceitou contribuições 
da comunidade para as suas despesas. 
Colossenses é uma comunidade onde existem muitos pagãos convertidos 
ao cristianismo, e por conta disso, muitas difi culdades em acreditar em Jesus 
Cristo como o fi lho de Deus, por isso Paulo insiste que Jesus Cristo é o senhor do 
universo e a cabeça da Igreja.
Filêmon, no fundo se trata muito mais de um bilhete do que propriamente 
uma carta, pois é a mais curta de todas. É um bilhete escrito de próprio punho 
para recomendar um escravo fugitivo. O bilhete é extremamente afetuoso, mas 
persuasivo, junta vários argumentos para que consiga convencer o destinatário, 
aos poucos, sem dar ordem autoritária. 
Carta aos Tessalonicenses
Tessalonicenses é uma carta que possui um caráter bem sentimental para o 
cristianismo, pois é o primeiro texto escrito do Segundo Testamento. Essa carta foi 
escrita antes dos Evangelhos, por volta do ano 51 ou 52 d.C. e abre a coleção de 
textos aceitos como a Bíblia cristã. 
É uma carta que possui muita originalidade, bem como as preocupações 
pastorais de Paulo. O texto é bastante revolucionário e inovador, pois anunciava 
que Jesus, morto na cruz, era o Cristo ressuscitado e portador de salvação. Para 
uma população que vivia na periferia, até acostumada ao sofrimento provocado 
pela escravidão, era muito difícil compreender a proposta de Paulo, que enaltecia 
o trabalho braçal. Contudo, essa proposta era extremamente provocadora, 
porque colocava em risco o sistema escravocrata. Por conta disso, Paulo e seus 
seguidores foram perseguidos pelos governantes. Como consequência disso, a 
comunidade esperava ansiosamente pela vinda de Jesus ressuscitado, que os 
livraria de todo o sofrimento que há tempo padeciam. 
A pregação cristã oferecia elementos que correspondiam a todos esses 
anseios, como a possibilidade de reunir-se como assembleia de irmãos com o 
intuito de reivindicar direitos e aprofundar a fé. 
145
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
Carta a Timóteo
A carta de Timóteo deve ter sido escrita na Macedônia por volta dos anos 64 
ou 65 d.C. Busca prevenir a liderança da comunidade de Éfeso contra os falsos 
doutores (1Tm 1,3-20; 4,1-11; 6,3-10). O ambiente cosmopolita possibilitava a 
inserção de novas ideias e concepções religiosas. 
A carta de Timóteo e também a de Tito são consideradas cartas pastorais, 
isso porque são de cunho orientativo para pastores e/ou líderes de comunidades. 
Contudo é bom sabermos que todas as cartas paulinas possuem caráter pastoral, 
porque orientam e motivam o desenvolvimento das comunidades cristãs. 
No entanto, Timóteo se diferencia de todas as outras porque possui uma 
linguagem mais formal, apresenta um plano menos organizado e mais livre, possui 
muitas repetições e apresenta uma visão teológica bem diferente das outras. 
Nesta visão a comunidade possui uma organização interna mais delimitada e é 
mais importante do que a missão, as lideranças devem possuir dons especiais, a 
fé é vista como a sã doutrina, a piedade é expressão da fé e as falsas doutrinas 
devem ser combatidas. 
Apocalipse de JoÃo
A revelação pode ser vista de vários pontos de vista, sob diferentes luzes. É 
assim que vemos o livro do Apocalipse e ao mesmo tempo somos convidados a 
lê-lo sem resignação ou terror diante dos acontecimentos narrados. No fundo, ele 
situa a realidade atual e futura do mundo à luz de Deus e do cordeiro, visão de 
justiça e misericórdia. O Apocalipse de João só tem sentido se visto a partir da sua 
revelação última e simbólica e a certeza de que tudo pode acabar, exceto a vida. 
Veja o que o autor francês Leloup (2014, p. 13-14) fala a respeito da revelação:
Diante dessas diversas mortes anunciadas pelos religiosos, 
os cientistas e um determinado número de indivíduos que 
pretendem ter uma “revelação”, podemos reagir de diferentes 
maneiras: pelo fascínio ou pelo desprezo, pelo medo, a 
angústia ou a fobia [...]. Esta não é a função de um apocalipse 
e particularmente do Apocalipse de São João. Seu papel 
não é o de alimentar nossas fobias, sequer de despertar um 
medo ou uma angústia que poderia mostrar-se salutar diante 
da situação em si; é, antes, a revelação de uma saída, o 
exercício de uma lucidez não desesperada. Alguns dirão 
que todas essas advertências são preparativos efi cientes 
146
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
para um “parto” (tradução igualmente possível da palavra 
“apocalipse”): antecipar a dor permite que possamos enfrentá-
la de uma maneira melhor. Quando aprendemos a relaxar e 
nos entregamos de coração à experiência devastadora, isso 
permite que a atravessemos, não “sem dor”, mas, ao menos, 
de modo menos doloroso.
 Revelação é o sentido principal do livro do Apocalipse, ou seja, são 
comunicações dadas a um profeta chamado João e por ele transmitidas a sete 
comunidades da Ásia Menor, região anteriormente evangelizada por Paulo. 
Possivelmente o profeta está na prisão numa ilha ao fi nal do primeiro século d.C. 
A ideia desse profeta é animar as comunidades que viviam perseguidas, por isso 
tanto insistia que resistissem a toda essa perseguição na esperança de que dias 
melhores estavam por vir. De que esperança o profeta estava falando? No projeto 
de Jesus e acreditando fi rmemente que o mal e a injustiça não teriam a última 
palavra. 
No período em que essa narrativa circulava pelas comunidades, o Império 
Romano obrigava todos os subordinados a cultuarem o imperador como a 
divindade suprema. Para o autor dessa revelação apocalíptica, o sistema político 
e econômico perverso do império não poderia ser aceito ou admitido pelos 
seguidores de Jesus. Uma proposta extremamente perigosa e radical, diferente 
de muitos outros grupos religiosos que acabavam por aderir à proposta imperial e 
à de Jesus, concomitantemente. Se trata do mesmo sistema que crucifi cou Jesus 
e a consequência disso é muito clara: não é possível servir a dois senhores. 
Com o intuito de animar as comunidades na esperança, a mensagem 
comunicada oferece em riqueza de detalhes a visão do céu e do trono de Deus, 
com a liturgia que aí se celebra ao juiz três vezes justo e santo. Ao mesmo tempo, 
expõe critérios, através de imagens, fi guras, sinais, a maioria deles já conhecida 
das escrituras judaicas. Isso porque as comunidades podiam captar a dinâmica da 
história e convencer-se de que elas estão nas mãos de Deus e do seu Messias, e 
que o domínio do Império, bem como das forças do mal que ele representa, não 
seja capaz de iludir a nenhum membro da comunidade. 
As comunidades do Apocalipse se desenvolvem em meio à sociedade 
helenista, escravagista. O Imperador é chamado o Senhor = κυριος, o (Kyrios). 
Ele está no topo da pirâmide e controla tudo. A maioria dos que frequentam 
as comunidades são escravos. O grande imperador desse período é Nero. 
Ele persegue com bastante empenho as comunidades de Jesus, porque elas 
apresentam um projeto bem diferente do império: escravagismo X projeto 
comunitário.147
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
Os grupos formados pelas comunidades não possuem o controle da história. 
Nessa perspectiva, as elites se divertem levando os cristãos para os leões 
devorarem. A sociedade é desumana. A vida das pessoas é mercadoria: (cf. 
Ap 18,13). Deus não é somente o Senhor de Israel, mas um Deus dos puros 
e impuros (Is 56,3-7). Na mesma ideia estão os autores do livro do Apocalipse. 
Deus está ao lado daqueles que buscam o seu reino. No Apocalipse impera a 
ideia da inclusão, de somar forças no desejo de incluir todos na proposta do reino 
de Deus. As comunidades não podem manipular para si as ações de Deus no 
mundo. Javé, o Deus libertador, não é prioridade de nenhuma comunidade. Ele 
ama quem o busca e procura a justiça nesse mundo. De acordo com Comblin 
(1998, p. 44-52):
O apocalipse de João pretende ser a palavra fi nal da Bíblia 
dos judeus. É uma releitura de todo o Antigo Testamento. João 
nunca cita os autores que usa, mas o seu texto é feito sempre 
de citações implícitas da Bíblia. Isto quer dizer que pretende 
dar a interpretação ofi cial, certa, de toda a Bíblia. Ele faz da 
Bíblia a leitura cristã. Seu livro é como uma visão global de 
todo o Antigo Testamento. Pois na visão dele, todo o Antigo 
Testamento culmina no anúncio do Messias e na espera do fi m 
do mundo, com o advento do reino de Deus. João organiza o 
Antigo Testamento em função desta interpretação. Visivelmente 
é um autor cristão que toma posse da Bíblia de Israel.
Os judeus cristãos, além do sistema escravagista do império, estavam sem a 
proteção das sinagogas, e por isso mesmo expostos a todo tipo de perseguição. 
Assim, o primeiro livrinho do Apocalipse 4-11, ou seja, o roteiro do Novo Êxodo, 
não era mais sufi ciente, por isso foi necessário que a comunidade elaborasse um 
segundo livrinho: Ap 12-22, em que descreve o roteiro do julgamento fi nal: Novo 
Céu e Nova Terra X o sistema opressor. Aqui temos:
• O sistema do império, escravagismo, perseguição – é a grande Besta.
• A perseguição dos judeus fariseus: as Bestinhas. Essas são piores, porque 
estão presentes no cotidiano, na intimidade das comunidades. A perse-
guição fi cou mais forte e se espalhou por todo o império. Era preciso “au-
mentar a bateria”. O livro do Êxodo não era sufi ciente. A comunidade retoma 
a imagem da “nova criação” – todo o universo está dividido entre o bem e 
o mal. Vejamos o exemplo de Ap 12,1-4: a mulher representa o bem X o 
dragão que representa o mal.
 
148
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Essa luta começou no céu, no mundo de cima. Agora essa mesma 
luta acontece na vida das comunidades. A mulher, grávida, dando à luz, é a 
comunidade cristã, na sua fragilidade para gerar vida. Se trata da nova Eva (cf. 
Gn 3,20). É um símbolo novo que surge no interior da história. Ela representa um 
mundo novo em gestação, considerando a ressurreição de Jesus.
A nova Eva traz consigo os sinais do novo: sol, lua, estrelas (Lc 21,35). O 
dragão é a antiga serpente (cf. Ap 12,9) que cresceu e virou um bicho forte, feio e 
feroz. Símbolo do mal e da morte, do sistema político e econômico que oprime a 
vida dos pequenos. A serpente antiga (Ap 12,9) representa a raiz do mal que age 
na história e se encarna nas práticas do Império Romano: totalitário e enganador. 
Traz sinais de poderes absolutos e ilimitados. 
A luta é desigual: mulher x dragão. A vida parece perder para a morte. Deus 
opta pela vida e defende a mulher. É interessante notar que o dragão nunca 
ganha. 
12,4-5: Deus tira a mulher do perigo do dragão. O dragão não consegue 
devorar o fi lho. Um fi lho que foi arrebatado para junto do Pai. Eis uma nítida 
referência à ascensão de Jesus. 
A citação do Salmo 2,7-9 não deixa dúvida da referência ao Cristo (cf. Ap 
19,11). Ele governará com cetro de ferro. Senhor defi nitivo da história. A mulher 
segue para o deserto num período de 1260 dias e é alimentada por Deus. Tempo 
de dura perseguição (Ap 11,2-3), isto é, três anos e meio, metade de sete (Dn 
7,25).
12,7-8: Miguel derrota o dragão. Ele é o protetor do resto de Israel. Ele 
vence as batalhas e traz um novo tempo messiânico (cf. Dn 10). O dragão recebe 
títulos que indicam a gravidade da ameaça junto aos homens e mulheres: diabo 
e Satanás, sedutor de todo o mundo (v. 7-9). A imagem do grande julgamento 
é central no livro do Apocalipse. Este juiz é visto como o Deus Goêl – um deus 
vingador semelhante ao defensor declarado de Jó (19,25). Um Deus que se 
revela no mundo de baixo junto aos oprimidos. O texto enaltece o testemunho dos 
cristãos:
Seu testemunho é de luta contra os poderes do mal, que se 
manifestam nas garras do Império. A força do testemunho 
vem do próprio sangue do Cordeiro, que morreu na cruz mas 
triunfou sobre a morte. O testemunho está na fi delidade à 
Palavra de Deus, a qual leva a preferir a morte à própria vida 
(GORGULHO; ANDERSON, 1978, p. 133).
149
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
12,11: aquele que luta e testemunha derrota o dragão. O povo celebra a 
vitória, provavelmente citando o livro do Êxodo 19,4. O dragão/o mal continua a 
agir no mundo. Os poderes desse mundo devem ser enfrentados no interior da 
história, com coragem e certeza da vitória já garantida. O dragão não pode mais 
atingir o Cristo, por isso persegue os seus seguidores. O dragão vomitará contra 
as comunidades rios da perseguição (v. 15-16), mas isso não trará o fi m.
12,16: a terra mãe ajuda a mulher. O vômito do império (cf. Is 8,7-9), ao 
comparar a invasão assíria, simboliza que a perseguição não triunfará e será 
engolida pela história. O capítulo 12 termina no ano 95, ano da defl agração 
imposta durante o governo de Domiciano (81-91 d. C.) contra os seguidores 
de Cristo. Cristo venceu os poderes do mundo (Cl 1,13) para nos dar a plena 
liberdade (Gl 5,1. 14-16). A vitória de Cristo deve ser continuamente atualizada na 
vida dos cristãos (1Cor 15, 25.28). 
Essa posição radical do livro do Apocalipse é uma chave de leitura importante, 
para animar as comunidades cristãs de todos os tempos que são constantemente 
desafi adas pelas seduções e armadilhas dos impérios que teimam em se 
reproduzir na história. 
Vivemos em um mundo submerso a perturbações e complexidades, seja 
por previsão de anúncios ou previsões apocalípticas, que fazem parte dessa 
sede humana por descobrir o futuro de maneira quase que mágica, talvez com 
o intuito de diminuir a angústia humana mediante a busca de sentido para a 
própria existência. Contudo, o mais célebre e temido Apocalipse, o de João, que 
os profetas que veneram a desgraça e o caos adoram invocar, tem como objetivo 
continuar alimentando esse medo e angústia?
A viagem que fi zemos por algumas comunidades cristãs primitivas apontam 
para um cristianismo que é plural em sua origem. Essa constatação é importante. 
Hoje, como ontem, nossas comunidades precisam valorizar as diferentes formas 
de entender e colocar em prática a Boa Nova de Jesus. Os confl itos que podem 
surgir dessa diversidade não devem nos dividir, mas ser estímulo para que nossas 
comunidades e cada um de seus membros testemunhem que a diversidade e a 
pluralidade são fatores de crescimento individual e comunitário. Em um mundo 
globalizado, deparamo-nos cotidianamente com essa realidade. Acolher a 
diversidade e conviver com ela faz parte da nossa identidade cristã.
Lastimavelmente, da forma como o cristianismo é vivido por muitos de nós, 
não suscita seguidores, mas apenas adeptos de uma religião. Não é capaz de 
suscitar discípulos que estejam identifi cados com o seu projeto, com o intuito de 
abrir caminhos para o reino de Deus, mas apenas membros de uma instituição 
que cumpre bem ou mal suas obrigações religiosas. Disso pode resultar que 
nunca descubramos de fato a experiência cristã originária e apaixonante. 
150
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Assista a esse vídeo e faça memória do pouco que 
conhecemos sobre o livro de Apocalipse: <https://www.youtube.com/watch?v=CvgZku3SUkY&t=73s>.
Para aprofundar mais a sua refl exão sobre o livro do Apocalipse 
e desconstruir muito do que aprendeu por meio dos “mitos” populares, 
indicamos que você leia: LELOUP, Jean-Yves. O Apocalipse de João. 
Petrópolis: Vozes, 2014. 
Atividade de Estudos:
1) De acordo com o que estudamos nesse capítulo sobre o Segundo 
Testamento, o que você aponta como novidade na refl exão? Faça 
uma lista de cinco tópicos que chamaram a sua atenção e que 
você gostaria de aprofundar. Em seguida argumente, em forma de 
texto, contendo esses tópicos, ao menos uma página, sobre as suas 
inquietações e que revelações novas você propõe, enquanto teólogo, 
para a atualização dessas narrativas bíblicas que atravessam mais 
de dois mil anos de história. 
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SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
2) Leia o texto de Paulo Mendes Pinto - Jesus, o perfeito supremacista 
branco e o eunuco etíope. Disponível em: <https://www.publico.
pt/2017/08/26/mundo/noticia/jesus-o-perfeito-supremacista-branco-
e-o-eunuco-etiope-1783247>. Em seguida dê sua opinião a respeito 
da questão: A pluralidade estava intrinsecamente no movimento de 
Jesus, como reagimos a essa diversidade? 
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Algumas ConsideraÇÕes 
Ao longo desse capítulo pudemos verifi car algumas informações ou chaves 
de leitura que nos ajudam a ler e entender melhor as narrativas do Segundo 
Testamento. Pudemos perceber que os textos bíblicos não são autobiografi a e/
ou biografi a de Jesus, e que os manuscritos foram compilados e entendidos como 
sagrados muito tempo depois da morte e ressurreição de Jesus. 
Por esse motivo, precisamos ter bem claro que se tratam de textos escritos 
por simpatizantes ou seguidores, posteriores aos primeiros discípulos, que se 
identifi cavam com o projeto de Jesus, como é o caso do apóstolo Paulo, que foi 
uma fi gura fundamental para que o cristianismo se espalhasse pelos confi ns do 
Império Romano e, consequentemente, chegasse até nós hoje. 
Vimos também que as narrativas foram escritas entre os séculos I e II d.C., 
em meio à civilização greco-romana. Essas narrativas do Segundo Testamento 
aparecem na língua falada dessa civilização, o chamado grego koiné, e giram 
em torno da mensagem de Jesus. Quando esses escritos foram compilados, os 
Evangelhos se tornaram o fundamento de todos os outros livros do Segundo 
152
 ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Testamento que, por sua vez, os explicitam e aplicam à vida prática. Não podemos 
compreender sufi cientemente a mensagem de Jesus nem os escritos que a 
explicitam, sem conhecermos as circunstâncias históricas em que nasceram, 
por isso pudemos conhecer um pouco mais sobre a organização política, 
socioeconômica e ideológica da Palestina no período em que Jesus viveu, bem 
como os seus primeiros seguidores.
Jesus anunciou a Boa Nova da salvação de forma oral, em aramaico, a língua 
falada na Palestina. Os seus discípulos também não escreveram, estavam muito 
mais preocupados com o anúncio oral dos ensinamentos de Jesus. A atitude de 
Jesus e dos seus discípulos faz do Cristianismo, não uma religião da escrita, mas 
a religião que se centra na pessoa de Jesus. Depois de terem ouvido a mensagem 
oral, durante a primeira geração cristã, é que os discípulos da segunda geração 
registraram por escrito as palavras e os fatos da vida de Jesus para incutir nos 
cristãos maior fi delidade à mensagem e os conduzir à fé e à salvação em Cristo. 
Para que a mensagem de Jesus fosse divulgada e para a formação destas 
coleções de livros a que temos acesso nos dias de hoje, muito contribuiu a 
autoridade dos apóstolos, em nome dos quais esses textos foram escritos. 
Grande parte dos livros da Bíblia é atribuída a pseudônimos, ou seja, são obras 
atribuídas a um personagem famoso ou importante, para que fosse melhor aceito 
pelas comunidades. Nessa época não existiam direitos autorais, por exemplo, no 
caso do Apocalipse, de um profeta chamado João, que foi associado ao apóstolo 
João. De outra forma, este livro teria tido ainda maiores difi culdades em entrar no 
Cânon dos livros inspirados.
Para concluirmos essa disciplina, devemos ainda considerar que os 
textos bíblicos que temos em mãos passaram por muitas traduções. Isso pode 
comprometer a mensagem original dos escritos bíblicos, por isso, para que 
cheguemos a uma maior proximidade da mensagem em que os textos bíblicos 
foram escritos, se faz necessário o conhecimento do idioma em que foi escrito, 
para que não corramos o risco de afi rmar ou negar informações que seus autores 
não tinham intenção nenhuma de fazer. Nesse sentido, ganharemos autonomia 
na refl exão e, sobretudo, respeito à mensagem escrita pelos seguidores de Jesus. 
À frente, temos o grande desafi o de fazer Jesus ser conhecido não a partir 
daquilo que nos é pregado, mas a partir da nossa busca por conhecer Jesus na 
sua fonte originária! Bons estudos! 
153
SEGUNDO TESTAMENTO Capítulo 4 
ReFerÊncias 
CASONATTO, Odalberto Domingos. Quando surgiu a Sinagoga? 2011. Dispo-
nível em: <http://www.abiblia.org/ver.php?id=1817>. Acesso em: 27 ago. 2017.
 COMBLIN, José. O Apocalipse de João e o fi m do mundo. Estudos Bíblicos. 
Petrópolis: Vozes, p. 44-52, 1998.
GASS, Ildo Bohn. Uma introdução à Bíblia. As comunidades cristãs da primeira 
geração. São Paulo: Paulus; Cebi, 2005.
 GORGULHO, G. S.; ANDERSON, Flora. Não tenham medo: Apocalipse. São 
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HORSLEY, Richard A. Paulo e o Império. Religião e poder na sociedade imperial 
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JEREMIAS, Joachim. Jerusalém no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1983.
 LELOUP, Jean-Yves. O Apocalipse de João. Petrópolis: Vozes, 2014.
 PAGOLA, José Antonio. O caminho aberto por Jesus. Marcos. Petrópolis: Vo-
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