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Livro Texto Unidade II Gêneros Textuais

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76
Unidade II
Unidade II
5 HIPERGÊNERO 
Caro aluno, verifique nossas dúvidas cotidianas: 
• Será que gibi (o livro das histórias em quadrinho) é um suporte ou gênero textual? Em relação a 
essa dúvida, já verificamos que existem diferentes suportes, e o gibi é um deles. O gibi é suporte 
para o gênero tirinha. 
• Panfleto é ao mesmo tempo suporte e gênero textual? Temos estudos em pós-gradução que 
trazem uma resposta afirmativa para a dupla função do panfleto.
• Blog é um gênero textual? Mas, se for, como explicar os diversos “gêneros” contidos nele? Para 
essa dúvida, trataremos a seguir a noção de hipergênero.
Hipergêneros são estruturas que estão acima dos gêneros, ou seja, os gêneros textuais são oriundos 
dos hipergêneros. Estes se enquadram numa larga faixa de textos, por exemplo, o hipergênero 
textual digital abrange gêneros textuais, como o website. Para Maingueneau (2001, p. 131), o blog 
não pode ser considerado um gênero, mas sim “uma espécie de hipergênero típico, cujas propriedades 
comunicativas são mínimas: alguém (com um nome próprio) fala sobre si mesmo(a) para alguém que 
esteja visitando seu website”.
Em uma estrutura considerada hipergênero, podem surgir outros hipergêneros, isto é, se essa nova 
estrutura for produtora de outras ramificações, aqui classificadas como gêneros textuais. É o que ocorre, 
por exemplo, com o blog. Este é considerado um hipergênero devido à existência de diferentes tipos de 
blogs, os quais tratam dos mais diversos gêneros: diário pessoal, diário de viagens, notícias, resenhas 
de filmes e livros etc. 
Vale ressaltar que a construção do conceito de hipergênero surgiu com as fundamentações teóricas 
concebidas por Bakhtin, confirmada por Maingueneau (2001). O autor se apropriou do conhecimento 
cunhado por Bakhtin e reorganizou conforme as exigências necessárias à sua aplicação atual de modo 
a tornar a seu estudo funcional, como comprovado a seguir:
Um hipergênero, antes de tudo, “formata” um texto: não é um gênero de 
discurso, um dispositivo de comunicação sócio-historicamente definido, 
mas um modo de organização textual que encontramos em tempos e em 
lugares muito variados e no interior dos quais se podem desenvolver uma 
encenação do discurso muito variada (2001, p. 135).
77
GÊNEROS TEXTUAIS
Por meio dos estudos de Maingueneau (2001), é possível entender que o quadrinho é mais que um 
gênero textual, ou seja, o mundo dos quadrinhos oferece tantas ramificações, passando a ser considerado 
um hipergênero textual. Charge, cartum, caricatura, tira, gibi, mangá, cada uma das subclassificações 
possui suas peculiaridades e são considerados gêneros textuais advindos do hipergênero quadrinho.
Ramos (2009) explica que, por falta de estudos linguísticos existentes a respeito do assunto, há a 
uma forte tendência na literatura científica por classificar os quadrinhos como um gênero. No entanto, 
são notáveis as especificações de cada um deles. 
Em relação ao gênero, há vários autores que o conceituam. Bakhtin é tido como principal referência. 
Para o autor, “gêneros do discurso são tipos relativamente estáveis de enunciados” (BAKHTIN, 
2002b, p. 262). 
 Lembrete
Quando falamos de gênero textual, o nome Mikhail Bakhtin é 
imediatamente lembrado. Foi um filósofo da linguagem, russo, do 
começo do século XX, e fez parceria com Voloshinov e Medvedev, os quais 
participaram do grupo Círculo de Bakhtin. 
O gênero é um mecanismo semiótico múltiplo que permite a produção e a compreensão de textos 
ao mesmo tempo, visto que são eles que tornam possível a comunicação humana. Desse modo, para que 
haja comunicação é preciso se adequar à situação comunicativa, ou seja, um e-mail, por exemplo, não 
é redigido da mesma forma que textos acadêmicos, os quais exigem mais formalidade, diferentemente 
do que ocorre nas conversas informais.
Os textos escritos possuem utilidades singulares de comunicação, de acordo com as várias práticas 
discursivas. Desse modo, a atuação nessas práticas requer conhecimento de diversos gêneros, sejam escritos, 
sejam orais, além da adaptação deles às situações de uso e habilidade para entendê-los e produzi-los.
Sendo assim, é perceptível a diferença entre uma produção escrita com finalidade de declarar 
ou anotar alguma coisa ou mesmo que objetiva modificar informações obtidas de uma produção 
com propósito estético. Da mesma forma, é necessário levar em conta os meios em que os textos 
circularão. Um texto elaborado na escola não é igual ao produzido no cenário profissional ou jurídico, 
por exemplo. De acordo com o ambiente ou contexto, existe um gênero textual apropriado e eficaz na 
comunicação. Por contexto entendemos as variadas necessidades de uso da língua, visto que os textos 
estão diretamente ligados às práticas comunicativas criadas e fortalecidas no núcleo de comunidades 
humanas socialmente sistematizadas, considerando alguns costumes, hábitos e princípios configurados 
no decorrer da história.
Os gêneros compartilham determinados parâmetros contextuais que envolvem a finalidade 
comunicativa, relevando a relação entre os interlocutores, as formas de interação da oralidade ou 
78
Unidade II
da escrita, o campo social, por serem identificados socialmente, além da aproximação que estruturas 
linguísticas oferecem como recurso.
Cassany (2008, p. 921) confirma que, em cada âmbito de atividade (laboral, científico, familiar), 
comunidade ou esfera, são requeridos determinados gêneros.
É importante destacar ainda que são dinâmicos, mutáveis, determinam comunidades, atendem a propósitos 
específicos e se colocam em determinadas práticas sociais de uso da língua pelos diferentes sujeitos. Isto é, os 
gêneros organizam a vida social e possibilitam constatar que o funcionamento da língua não é inerte.
 Lembrete
Tipologia é uma construção definida linguisticamente e abrange 
restritas categorias conhecidas como: narração, argumentação, injunção, 
entre outras. Gênero, por sua vez, é a materialização dos textos encontrados 
em nossa vida diária e apresenta aspectos sociocomunicativos definidos 
pelo conteúdo, estilo e composição.
Marcuschi (2005, p. 18) revela que:
Existe uma grande diversidade de teorias de gêneros no momento atual, mas 
pode-se dizer que as teorias de gênero que privilegiam a forma ou a estrutura 
estão hoje em crise, tendo-se em vista que o gênero é essencialmente flexível 
e variável, tal como o seu componente crucial, a linguagem. Pois, assim 
como a língua varia, também os gêneros variam, adaptam-se, renovam-se e 
multiplicam-se. Em suma, hoje, a tendência é observar os gêneros pelo seu 
lado cognitivo, evitando a classificação e a postura estrutural.
Esse autor considera ainda o trabalho com gêneros textuais uma maneira de lidar com a 
linguagem em usos autênticos cotidianos; afinal, tudo o que fazemos linguisticamente está dentro 
de algum gênero.
5.1 Hipergênero HQ e seus gêneros 
Histórias em Quadrinhos ou HQ são um meio de linguagem contemporânea e sincronizam cada vez 
mais perfeitamente imagem (recurso visual, não verbal) com prosa (recurso visual literário), buscando por 
meio de recursos reconhecidamente próprios, como balões, requadros variados, uso de cores, perspectiva 
e variações de traço, expressar aspectos dessa linguagem própria.
De acordo com Eisner (2010), as primeiras histórias em quadrinhos eram coletâneas de obras curtas. 
Após cerca de 50 anos, surgiram as novelas gráficas, que nada mais eram que uma espécie de romance 
contado de forma gráfica, em uma história mais longa, geralmente de volume único com características 
românticas representada por meio da arte sequencial.
79
GÊNEROS TEXTUAIS
Quando examinamos uma obra de quadrinhos como um todo, a disposição de seus elementos 
específicos assume a característica de uma linguagem concebida como um sistema predefinido 
pelo qual um dado interlocutor comunica sentimentos, impressões, ideias etc. Desde a primeira aparição 
dos quadrinhos na imprensa diária (tiras de jornal), na virada do século XX,essa forma popular de leitura 
encontrou um público amplo e particular que passou a fazer parte da dieta literária inicial da maioria 
dos jovens. As histórias em quadrinhos comunicam uma linguagem que se vale da experiência visual 
comum do criador e do público. Os leitores têm uma compreensão fácil da mistura imagem-palavra e 
da tradicional decodificação de texto. 
Esse hipergênero é considerado um marco devido a uma estrutura que transcende padrões, quebra 
paradigmas e entra com uma proposta nova da compreensão do mundo. Da visão do artista denota-se 
também um modo próprio de observação e de retratação da realidade, pois, por mais fantasiosa que 
seja a temática de determinada HQ, há a relação verossímil presente para estabelecer parâmetros 
comparativos (em relação à realidade) aceitáveis e compreensíveis, percebemos, assim, que há variados 
meios de representar uma mesma situação, momento, emoção, bem como o de representar intenções, 
discursos, entre outros recursos próprios do homem. Os gêneros do universo das HQ são: a caricatura, a 
charge, o cartum, a tira e o mangá.
Caricatura é um termo que gera muitas divergências no tocante à sua distinção em relação à 
charge, porém há diferenças entre os dois gêneros. O termo caricatura aborda temas mais específicos, 
como determinada figura humana, diferentemente da charge, que foca na sátira ou crítica da situação 
como um todo, trabalhando assim com o uso frequente de um cenário. Na caricatura, por sua vez, 
prioriza-se a distorção anatômica, por exemplo, com o intuito zombeteiro, revelando, inclusive traços 
da personalidade que, nesse plano, ficam metaforizados; outro grande diferencial é que ela não visa 
propriamente à crítica, ao exagero e à zombaria.
Charge é um tipo de crítica com teor humorístico que aborda um fato ou acontecimento específico. 
É a reprodução de uma mídia gráfica que trata um determinado ocorrido, sob a ótica do desenhista que 
a fez. A charge pode vir sintetizada num misto de imagem e palavra como complementos, ou somente 
por meio da imagem abarcando seu sentido total. Geralmente aborda acontecimentos que estão em 
evidência no momento atual.
O cartum é outro gênero texto e é atemporal, ou seja, não tem relação com nenhum acontecimento 
que esteja necessariamente em evidência, ou a alguma personalidade. Pode fazer referência a estes, mas 
não como meio de crítica ou divulgação, tal como a charge, no período de seu acontecimento. O intuito 
do cartum é conter um tipo e contexto de humor que seja universalmente compreendido. O cartum é
uma anedota gráfica, uma crítica mordaz, que manifesta seu humor através 
do riso. Faz referências a fatos ou pessoas, sem o necessário vínculo com 
a realidade, representando uma situação criativa que penetra no domínio 
da invenção. Mantém-se, contudo, vinculado ao espírito do momento, 
incorporando eventualmente fatos ou personagens (ARBACH, 2007, p. 212).
80
Unidade II
Tira ou tirinha é gênero propriamente dito das HQs. Ela se constitui de até quatro quadros, exibidos, 
geralmente, de forma paralela (um ao lado do outro), e a tirinha pode se apresentar: em sequência; por 
capítulos de narrativas maiores; ou fechada, em um episódio por dia, com começo, meio e fim. 
É um gênero que se popularizou por causa do jornal, por meio do qual cativou um grande número 
de leitores por seu teor crítico e irônico. As tiras, afinal, podem tratar de questões fundamentais sobre 
a realidade em que estão inseridas. Ressaltamos que elas têm forte relação, embora nem sempre, e nem 
de forma obrigatória, com os acontecimentos vigentes.
Por fim, outro gênero das HQs é o mangá, cuja origem é japonesa. Os mangás japoneses são 
segmentados e divididos por faixa etária e sexo. Há publicações diversificadas que atendem ao público 
infantil, com caráter pedagógico ou para o lazer, e, também, revistas para moças e rapazes e, por isso, os 
mangás são subdivididos em mangá infantil, mangá feminino, mangá jovem etc. 
Com base nos estudos de Luyten (2012, p. 38), “as revistas [mangás] infantis, geralmente com caráter 
pedagógico, são denominadas de shogaku”. Essa categoria de mangá abrange temas diversificados, tais 
como escolares, hobbies e autoajuda para leitores mirins. Na parte central do mangá há a inserção 
de uma história em quadrinhos tratando sobre aventura, lendas antigas do país, histórias cômicas 
etc. Mesmo quando as histórias não estão diretamente ligadas ao campo didático, elas ainda passam 
ensinamentos como datas comemorativas, língua e esporte.
Quanto ao formato, são idênticas aos demais, ou seja, todas são impressas no mesmo tamanho em 
papel jornal, exceto as páginas iniciais, que são em papel couchê, com muitas cores, destinadas para a 
inserção de publicidade e informes direcionados para o público-alvo.
Já os mangás femininos são classificados de shojo mangá, cujos temas se direcionam para meninas 
na fase da adolescência. Esse tipo de mangá teve uma grande tiragem na década de 1970 e 1980 por 
tratar de enredos melodramáticos. Os temas eram diversificados, sempre destacando amores impossíveis, 
rompimentos e discórdias entre amigas. Uma peculiaridade marcante do shojo mangá é que sua criação 
foi introduzida por homens. No entanto, a maior parte de sua produção é feita por moças desenhistas. 
Como confirma Luyten (2012, p. 41):
Apesar de o Japão ser conhecido como um país machista, onde as mulheres 
têm poucas oportunidades profissionais, no campo dos quadrinhos ocorre 
exatamente o contrário: “Enquanto em outros países as histórias femininas 
são desenhadas por homens, no Japão é da mulher-desenhista para a 
mulher-consumidora, geralmente adolescente”.
Essas revistas são direcionadas para jovens com idades entre 12 e 17 anos (até um pouco mais). 
Seu sucesso se deve em parte à empatia existente entre leitoras, histórias e pela delicadeza dos traços e 
suavidade dos desenhos. O suicídio é um fato curioso da cultura japonesa, o qual é utilizado como mote 
para o mangá, cujo desfecho é a morte como solução e renascimento.
81
GÊNEROS TEXTUAIS
O shonen é a designação para os mangás masculinos, que, assim como o segmento feminino, 
têm o seu público-alvo específico. São divididos por faixa etária e possuem os mesmos formatos, 
com adaptações às temáticas de interesse dos rapazes, por exemplo, artigos sobre esporte, robótica 
e videogames. O mangá masculino, tal qual o feminino, trata de temas melodramáticos envolvendo 
temáticas do samurai invicto, atletas e do aventureiro, revelando a autodisciplina, perseverança, 
profissionalismo e competição. Como já mencionado, a cor preta faz parte da estética do mangá e é 
muito recorrente nas publicações masculinas por ilustrar bem a temática abordada, simbolizando o 
mistério e a violência.
A violência é uma temática recorrente nos mangás, no entanto, não representa a realidade, é vista 
como uma espécie de compensação de algo que não faz parte da vida dos japoneses, está apenas no 
campo imaginário, visto que renunciaram a qualquer forma de guerra.
Uma ramificação do shonen é a temática de cunho sexual. Ela se mistura nas histórias, mas não 
é especificamente tratada como erótica ou pornográfica. Apesar de tratar o tema de forma explícita e 
perturbadora, esse tipo é restrito ao público adulto.
O público adulto possui seus próprios mangás. São chamados de Seinenshi os mangás para 
homens, englobando os temas pornográficos, eróticos e homossexuais de ambos os sexos. No caso das 
mulheres, não existem muitas diferenças entre as publicações adolescentes e adultas, ambas tratam 
das mesmas temáticas.
De forma geral, então, a HQ é a tentativa gráfica/textual de mostrar de modo verossímil como 
determinada situação ocorreria, por meio da ótica de um narrador/leitor onisciente que enxerga as 
várias facetas da situação na maioria dos casos, de forma sequencial, ou seja, através de recortes da 
realidade (quadrinhos), valendo-se de recursos próprios.
 Saiba mais
Quer saber mais sobre o mundo das HQ: sua linguagem, estrutura 
e temas?Procure as obras do estudioso Paulo Ramos, entre elas 
A leitura dos quadrinhos. Ramos baseia-se na concepção bakhtiniana de 
gêneros textuais. 
RAMOS, P. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2009.
As letras significam muito mais do que a representação gráfica de um fonema. De acordo com 
a fonte ou estilo utilizado pelo artista, as letras podem denotar vários significados subliminarmente 
associados, como pode ser visto no exemplo a seguir.
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Unidade II
Figura 13 – Letra ou pictograma chinês executados em dois estilos de pincelada
A orientação do texto é um recurso muito útil para a composição do sentido, além da fonte, sendo 
um recurso que colabora para registrar o clima ao qual se deseja chegar.
Figura 14 – Texto em orientação horizontal
Nesse exemplo foi utilizada uma fonte garrafal molhada, e o texto está orientado na horizontal, 
aumentando o pesar causado pela chuva.
A iluminação é um recurso utilizado para dar realismo ao requadro, bem como dar clima à cena. 
O realismo dá-se na relação de sombreamento do objeto e clima, quando é feita uma metáfora com 
o objeto da cena:
Figura 15 – Texto em orientação horizontal
83
GÊNEROS TEXTUAIS
Nas cenas da figura anterior, a iluminação entra como recurso emocional, ou seja, é uma forma 
visível de representar algo abstrato, há o sentimento de solidão, piedade, e ao centro pode-se ver uma 
prece a ser atendida com a ideia de iluminação do alto.
 Observação
A iluminação torna-se metafórica na linguagem visual das HQs. 
Inferimos que metáfora é uma manifestação concreta de algo abstrato ou 
representacional. 
Tempo é um recurso que gerencia a duração, mas também a intencionalidade por parte do autor, 
portanto, a impressão que se deseja gerar no leitor. Por exemplo, imaginemos uma cena em que se passa 
um encontro entre dois homens. De repente a cena se fecha na mão de um deles, que apanha uma arma 
e no quadro seguinte ele tira a arma do bolso. Só no próximo quadro, conclui o esperado disparo. Note 
que a ação toda poderia ter ocorrido em um quadrinho de visão geral:
Figura 16 – Temporalidade
A cena foi propositalmente prolongada, para dar um tom mais melancólico, calculista, de suspense. 
Se fosse executado rapidamente, não teria o mesmo efeito, mas provocaria até mesmo um efeito cômico 
na cena, que leva um teor de maior solenidade e suspense, tudo de acordo com o tempo que o fato leva 
para se desenvolver na sequência de quadros.
Balões de fala, conforme Eisner (2010), são um recurso extremo que tenta captar algo etéreo (som) 
e torná-lo visível. Os balões, na quantidade e ordem em que são dispostos, auxiliam também no tempo e 
desenvolvimento da cena. Por exemplo, se mais de um balão for utilizado em uma cena, na qual caberia 
um único balão, ocorre um intervalo maior na fala da personagem.
Além disso, a utilidade desse recurso está na ênfase e na intenção de certos discursos e situações. 
Por exemplo, para um pensamento utilizamos balões em forma de nuvem, para gritos, balões 
pontiagudos, por vezes balões garrafais também enfatizam sons altos, ou palavras de destaque.
84
Unidade II
Quadrinho é talvez o recurso mais útil no auxílio da compreensão do tempo e da sucessão dos 
eventos e como eles se desenrolam. Se temos uma sequência de vários quadros seguidos da evolução 
de uma mesma cena, colocados de forma paralela, vemos uma cena mais lenta, pois acompanhamos 
todas as fases do processo; já em dois quadros de cenas diferentes, vemos cenas rápidas, pois não 
acompanhamos a transição.
O cérebro lê, ocidentalmente, de cima para baixo e da esquerda para a direita. É importante 
compreender essa ordem, para que se possa compreender o fluxo das ações; porém, em um mangá, a 
ordem própria dele causa uma percepção totalmente oposta.
Além de ser usado como recurso de tempo, o quadrinho é utilizado como foco de câmera, que pode 
mostrar uma figura inteira, mostrar apenas uma parte ou fechar o foco para um close-up. Por fim o 
quadro também pode ajudar a estruturar a cena e dar ideia de profundidade, espaço e distância, além 
de mostrar determinado ponto de vista, expressando assim dimensões sólidas como a profundidade 
através da perspectiva. 
Anatomia expressiva é outro recurso útil na HQ. Apenas seu uso possibilita contar toda uma história 
de forma clara e compreensível, como aconteceria no cinema mudo. A expressão corporal está presente 
dos pés à cabeça e, empregada da forma correta, dispensa descrições. 
O rosto, como parte isolada, é a parte mais expressiva em todo o corpo. A variedade de interpretações 
e expressões possíveis é vasta. O rosto trabalha com um mesmo texto de forma variada denotando 
claramente diferentes sentidos para uma mesma frase somente alterando a expressão facial. 
Exemplo de aplicação
Exemplo 1 
Perfil do leitor:
• Você aprecia a leitura de HQ? 
• Conhece HQ em forma de livro destinado a adulto? 
• O que você acha de adaptações de obras literárias em HQ?
Exemplo 2
A charge é um gênero textual que faz diálogo com um fato mais noticiado da semana. Acompanhe 
um único fato noticiado em diversas mídias durante uma semana e depois verifique uma charge 
publicada na mesma semana, cuja temática seja justamente esse fato. Que parte do fato está na charge? 
Qual é o ponto de vista do autor da charge sobre o fato? Que recursos de estilo (linguagem) foram 
usados na charge?
85
GÊNEROS TEXTUAIS
Exemplo 3 
Uma das obras do notório Machado de Assis foi recriada em HQ. Relacione o título do texto com a 
página da HQ e responda: que recursos da HQ foram usados?
Título: Aqueles braços
Página: 
Figura 17 – Uma página da HQ Aqueles braços
6 CRONOTOPO: TEMPO-ESPAÇO COMO LEGITIMIDADE SÓCIO-HISTÓRICA 
DO GÊNERO 
Enraizados e legitimados pela sócio-história e definidos pelo tempo e pelo espaço social, os gêneros 
tornam-se, na concepção bakhtiniana, campos de valores e de representação do mundo. 
86
Unidade II
Assim, uma das teorias-chave de Bakhtin é o conceito de cronotopo, pois o “homem organiza o 
universo de suas experiências através de representações do mundo criadas a partir de categorias de 
tempo e espaço, que são inseparáveis” (FIORIN, 2005, p. 134). 
Bakhtin apresenta sua visão sobre a característica das relações espaciais e temporais na narrativa, 
teoria considerada por especialistas como um novo paradigma devido à inovação conceitual 
introduzida. Afinal:
Tal atenção era certamente adequada, dado que a inovação conceitual 
introduzida por Bakhtin com sua visão idiossincrática das relações 
espaciais e temporais na narrativa quase poderia ser considerada um novo 
paradigma, embora menor, visto que seu potencial explanatório ainda não 
se esgotou totalmente. Inicialmente, visto como um instrumento analítico 
para estabelecer divisões de gênero na história do romance ocidental, a 
análise cronotópica foi recentemente proposta como ferramenta conceitual 
para enriquecer diversos campos, como a narratológica (Scholz, 2003, p. 
160-165), a teoria da recepção (Collington, 2006, p. 91-98), as abordagens 
cognitivas da literatura (Keunen, 2000a) e até estudos dos gêneros (Pearce, 
1994, p. 173-195) (BEMONG et al., 2015, p. 16.).
Tempo e espaço narrativos são duas categorias que constituem uma unidade fundamental, exatamente 
como na percepção humana da realidade cotidiana. Sendo a conexão intrínseca das relações temporais 
e espaciais, conhecida pelo termo “cronotopo”, equivalente à construção de mundo presente em todo 
texto narrativo, agregando combinações coerentes de indicadores espaciais e temporais. Renfrew trata 
do aspecto da encarnação e da corporeidade na definição bakhtiniana do cronotopo:
Surge, assim, como a tentativa mais extensa, em razão do material literário 
existente, de classificar os meios de finalização da imagem externa do sujeito 
humano, inseparável, mas irredutível ao corpo que ocupa espaço e se move no 
tempo. O princípio dessa classificação será a capacidade de os valores temporais 
e espaciais de qualquer ambiente fictício facilitarem a“posse” do evento de 
ser, permitirem a representação de uma imagem viva, em oposição àquela que 
pode ser descrita como “abstrata”, “fixa” ou “monológica” (apud BEMONG et al., 
2015, p. 17-18).
Simplificando, os textos narrativos não são apenas compostos de uma sequência de eventos 
diegéticos e de atos de fala, mas também da construção de um mundo ficcional particular, ou 
cronotopo. Bakhtin concebe tempo e espaço narrativos, remontando à ideia de que tempo e espaço são 
categorias em que os seres humanos percebem e estruturam o mundo circundante. Essas categorias, 
na perspectiva de Bakhtin, não constituem abstrações transcendentais, mas sim formas da realidade 
mais imediata, pois o autor buscava apenas evidências históricas da atividade perceptual manifestada 
em textos literários. Bakhtin observa que o mundo físico e o mundo ficcional compartilham uma 
noção de tempo e espaço interligados, porque, em ambos os mundos, a cronologia não é separada 
dos acontecimentos e vice-versa. 
87
GÊNEROS TEXTUAIS
Para Bakhtin, segundo Bemong et al. (2015), o que é verdadeiro das geometrias do espaço também é 
verdadeiro dos cronotopos, e diferentes aspectos ou sequências do universo não podem supostamente 
operar com o mesmo cronotopo. Um exemplo representativo do uso do cronotopo na história literária 
seriam os diferentes aspectos da experiência humana, pela alternância das estações (em relação à 
ciclicidade) e, até mesmo, em oposição à descrição de verdadeiros eventos históricos (historicidade), e 
como estes assumem forma narrativa. 
Em suma, cronotopo expressa a inseparabilidade do espaço e do tempo e seu significado tem quatro 
níveis diferentes, sendo eles: 
• tem significado na geração da narrativa do enredo, da trama;
• tem significado representacional;
• fornece base para distinguir gêneros;
• tem significado semântico.
Inicialmente, o conceito de cronotopo foi formado como um apoio à teoria de gênero, já que 
este contribui para a tradição teórica e evidencia a funcionalidade cognitiva dos gêneros literários. 
Os textos literários possuem estruturas narrativas que servem e devem ser entendidas como meios de 
armazenagem e transmissão de conhecimento humano. Os cronotopos são equiparados à visão de mundo de um 
texto, uma vez que correspondem a determinados gêneros e representam visões particulares de mundo. 
As considerações a respeito do significado da expressão “visão de mundo” variam do mais abstrato 
ao concreto. A história da prosa de ficção torna-se um laboratório em que a humanidade realiza 
experimentos com combinações de tempo e espaço, adequando-se ao modelo exterior de realidade 
e evidenciando existência de padrões cognitivos supostamente universais baseados na alternância 
entre regularidade e contingência. Os cronotopos são culturalmente sancionados, ordenando princípios 
capazes de gerar estruturas de enredo típicas. 
Contrariando a preferência arbitrária da cronologia linear, característica das teorias 
formalistas-estruturalistas da narrativa, a abordagem bakhtiniana da narrativa leva em consideração 
a determinação histórica dos princípios geradores de enredo. É o tempo-espaço que estabelece a 
distinção primordial entre o eu e o outro, definidos ao invocar em termos kantianos dado/criado. 
Para Bakhtin (2000, p. 147): “Minhas fronteiras espaciais e temporais não me são dadas, mas o outro 
é completamente dado. Adentro o mundo espacial, mas o outro já o está habitando. A diferença entre 
o espaço e o tempo do eu e do outro”.
Para exemplificar esse fato, assumiremos que o “Eu” e o “outro” são os dois polos de todo diálogo. 
Quando você e eu nos encaramos, vejo coisas atrás de você que você não vê, e você vê coisas atrás 
de mim que não consigo ver. As coisas que não posso ver não são uma experiência externa como tal, 
elas estão simplesmente do lado de fora, “elas transgridem” os limites do que está à minha vista em 
dado momento. No caso de trocarmos de posição, aquilo que a mim era invisível na posição anterior 
88
Unidade II
torna-se visível, ocorrendo a mesma coisa com o outro, quando faz o mesmo. Transgrediência é o nome 
do limite que, através da interação ou da mudança de lugar, pode ser superada, pode ser transgredida 
na experiência. 
Em síntese: tempo e espaço no cronotopo nunca estão separados de um tempo particular ou 
específico. Bakhtin atribui prioridade ao tempo-espaço ao definir um conceito tão fundamental como 
forma da mais imediata realidade. O poder do tempo-espaço é definitivo sobre os seres humanos, pois 
cada inserção na esfera do sentido é realizada apenas por meio do cronotopo.
Bakhtin introduz o cronotopo para nomear a “imediatidade” existencial de momentos e lugares 
transitórios, portanto, o cronotopo é um instrumento para ajustar resultados experimentais à existência, 
considerar fatores externos ou permitir a comparação com outros dados. 
Por meio do cronotopo, Bakhtin revela que o núcleo da estética literária avança a noção de 
imaginação, considerando ser esta o fundamento na experiência estética. Na visão de Bakhtin, 
um cronotopo é a unidade elementar da imaginação literária e só se torna um cronotopo quando 
demonstra algo, quando traz à tona uma imagem que pode ser observada pelos olhos da mente.
Bemong et al. (2015) sugerem que, quando Bakhtin discute o tempo real, pretende um tempo de vir 
a ser, uma antecipação contínua de eventos futuros com base nos elementos presentes na memória. Ele 
escreve que o tempo real é o experimentado em uma “totalidade emergente, um evento”:
A habilidade de ver o tempo, de ler o tempo, na totalidade espacial do 
mundo e, por outro lado, de perceber o preenchimento do espaço não como 
um pano de fundo imóvel, tendo em conta de uma vez por todas que é 
completo, porém como uma totalidade emergente, um evento – essa é a 
habilidade de ler em todos os sinais que mostram o tempo em seu curso, 
iniciando com natureza e terminando com costumes e ideias humanas (até 
conceitos abstratos) (BAKHTIN, 2000, p. 25).
Em sua obra, Bakhtin normalmente se refere ao tempo vivido como real, histórico ou horizontal. 
Para ele, a mente abstrata não exerce influência sobre experiências temporais. No tempo histórico, a 
experiência do indivíduo é fruto de cada nova informação trazida pela história, o passado é integrado ao 
atual momento de consciência. Ele admite que um passado histórico afete o presente e, juntos, gerem 
o futuro. O passado produz, em conjunção com o presente, uma direção particular para o futuro, e, em 
certa medida, predetermina o futuro. Sendo assim, o primeiro ativa uma plenitude de tempo.
Bakhtin acredita que conceitos abstratos de tempo criam a ilusão de que o passado sempre 
determina o presente – sendo que a mente abstrata reconstrói o presente a partir de um conhecimento 
do passado, estabelecendo relações causais entre todas possibilidades e condições existentes 
no presente. Já a experiência real seria o oposto: é o presente que redefine o passado com dados 
experienciais que podem ser reinterpretados. Sendo o momento existente uma reorganização virtual 
do passado, o tempo abstrato e o tempo concreto estão inter-relacionados, da mesma forma que 
necessidade e liberdade. 
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GÊNEROS TEXTUAIS
Para Bakhtin, a formação do homem está concluída no tempo real histórico, com toda sua 
necessidade, sua plenitude, seu futuro e sua natureza profundamente cronotópica. Uma vez que 
concepções de tempo são o eixo organizador desse cronotopo, o espaço deixa de ser um mero pano de 
fundo e torna-se identificável numa era histórica particular, até um ponto em que presente, passado 
e futuro estejam conectados por um genuíno processo de crescimento, o que significa que mudanças 
não sucedem de maneiras arbitrária (não é simplesmente qualquer coisa que pode acontecer).
Quando tratamos dessa construção de mundo particular utilizamos o assim chamado “cronotopo 
documentário”. O termo “cronotopo documentário” aparece pela primeira vez em 1997, numa 
conferência de produtores de documentárioem Chicago, em que Michael Chanan a introduziu para 
atribuir um novo e bakhtiniano embasamento a certas observações sobre as diferenças e semelhanças 
entre documentário e espaço ficcional na tela. Num contexto literário mais restrito, o termo foi cunhado 
autonomamente por Bart Keunen numa monografia a respeito da representação de tempo e espaço 
em romances ambientados em metrópoles, em que o termo indica a construção de mundo típica do 
realismo do século XIX. 
O aspecto de cronotopo documentário reside particularmente no fato de que, dentro do paradigma 
realista, o mundo ficcional é concebido para ser percebido como uma construção imediatamente 
reconhecível ao leitor por sua semelhança próxima, ou seja, “documentária” com o mundo extraliterário. 
Nesse caso, a estrutura narrativa permite descrições extensas de cenas cotidianas. Assumem-se que 
esses pressupostos descritivos se baseiam em todos os tipos de “documentos” culturais (por exemplo: 
políticos, econômicos, científicos, religiosos) e que estes funcionem como referências simbólicas dos 
processos históricos coletivos. Segundo Bemong et al. (2015), o termo parece ampliar o alcance da 
noção de ficção para não ficção. Logo, o cronotopo documentário pode estar, de fato, “em ação” em 
textos ficcionais e não ficcionais, como os historiográficos, por exemplo. 
Além disso, os cronotopos estão relacionados com um número diverso de questões-chave 
bakhtinianas como o tempo-espaço e a imagem de homem no romance, a configuração de “realidade” 
dentro do universo de um texto, a relação entre os personagens e o mundo diegético. Os cronotopos 
definem similaridades no que se refere ao tempo histórico, ao espaço social, a um personagem individual 
e à ação moral. Assim, eles desempenham no estudo das relações literárias um papel fundamental, 
principalmente em possiblidades de futuras teorias.
Exemplo de aplicação
Exemplo 1 
Faça um levantamento de cartazes de filmes de duas épocas diferentes, por exemplo, cartazes da 
década de 1960 e da década de 2010. Esse levantamento pode ser feito pela internet e os cartazes coletados 
precisam ser separados de acordo com a época. 
Na visualização dos cartazes de cada época, aplique a noção de cronotopo em sua leitura e responda: 
que tempo-espaço é construído em cada conjunto de cartazes? Que visão de mundo o espaçotemporal 
de cada conjunto nos traz? 
90
Unidade II
Exemplo 2 
Podemos relacionar o conceito de cronotopo às adaptações literárias. Uma das estratégias de adaptação 
é atualizar a fonte, situando-a em um ambiente mais contemporâneo para tornar a obra adaptada mais 
acessível ao leitor. Selecione uma obra literária (nacional ou internacional) e uma adaptação também 
escrita (e não cinematográfica, por exemplo) dessa mesma obra. Analise: 
a) as mudanças diegéticas na obra adaptada.
b) as perdas de sentido da obra fonte na adaptação.
6.1 Aplicação do conceito de cronotopo na literatura
A autobiografia é um gênero textual que faz parte da esfera discursiva da literatura. Chamada 
também de literatura confessional ou intimista, esse gênero pode ser descrito como “relato retrospectivo 
em prosa que uma pessoa real faz de sua própria existência, pondo ênfase em sua vida individual e, em 
particular, na história de sua personalidade” (LEJEUNE,1994, p. 50). 
As obras confessionais são normalmente separadas do campo de estudo da literatura por não 
serem consideradas fictícias, porém não existe literatura sem elementos da realidade. Assim, o gênero 
autobiografia não retrata fielmente qualquer realidade para a página escrita, portanto, é como qualquer 
discurso entrecortado de ficção. 
Partindo do princípio de que o processo de relato (seja ele por meio da autobiografia, seja por meio das 
memórias, seja por meio dos diários) envolve inevitavelmente uma parcela de criação, podemos perceber 
uma aproximação da autobiografia com a autobiografia estética, no que se refere ao fator criativo. 
Na primeira metade do século XX, escritores como Anaïs Nin, Proust, Joyce e Virginia Woolf inovaram 
ao transformarem fatos de suas vidas pessoais em ficção, tornando o que poderia ter sido uma simples 
ocorrência do cotidiano em um grande evento na ficção. Nalbantian (1997) afirma que é nesse contexto, 
início do século XX, que emergem as autobiografias estéticas, assim intituladas por mascararem fatos 
pessoais em relações poéticas, como uma representação do indivíduo, e não da personalidade. 
O uso das memórias no desenvolvimento da ficção é essencial, pois, ao recriarem cenas de suas vidas, 
os autores manipulam a experiência, originando o processo criativo. As obras de autobiografia estética, 
portanto, não contêm somente as experiências do autor, mas também sua visão e interpretação de tais 
experiências e, até mesmo, a representação delas de forma idealizada.
O papel da ficção autobiográfica, ou autobiografia estética, é intrigar o leitor quanto à veracidade 
dos fatos, por meio de um jogo de revelar e esconder. Porém, só percebe essa característica o leitor 
que conhece algo a respeito da biografia do autor. Característica da ficção, o fingir, acaba por envolver, 
gratificar e transformar, e não deve ser confundido com o falso, que não produziria tal efeito, pois criaria 
um distanciamento entre leitor e autor.
91
GÊNEROS TEXTUAIS
O tempo, na ficção autobiográfica, apresenta-se de forma subjetiva e não é necessariamente 
cronológico. Existem apenas alguns lembretes de cronologia para dar contornos de realidade e 
autenticidade. No tempo subjetivo, ocorrem as epifanias, que muitas vezes são desencadeadas por 
meio de objetos. A experiência, o conteúdo da autobiografia estética, sempre se sobressai aos detalhes 
da narrativa e, assim, não a limita exageradamente, evitando o distanciamento do leitor em relação 
aos acontecimentos.
Nesse sentido, Anaïs Nin, em sua ficção, define o verdadeiro método autobiográfico estético. 
A autora cria símbolos poéticos para transformar fatos da vida em metáforas e personalidades míticas. 
Transplanta as externalidades de sua vida em um mundo mais rico do interior e as transfigura, existindo 
um constante jogo de aproximação e distanciamento dos fatos no seu processo criativo. 
Resumindo seu processo criativo, Nalbantian (1997) afirma que Anaïs escrevia por meio de quatro 
níveis de expressão:
• ajudava a criar fatos cintilantes;
• escrevia de forma transparente, fiel aos fatos, nos diários originais;
• editava os diários para publicação, modificando fatos e pessoas;
• transportava as armadilhas da vida para a permanência de sua arte.
Entre as características do trabalho de Nin, estão a multifacetação do eu, o uso agudo de metáforas 
de imagens concretas, a proliferação de metáfora em metonímia e a simbolização variada da obsessão. 
Parece-nos que Nin tentava criar uma linguagem física e sensorial, como expressão de ritmo, 
especialmente de desejo, como pode ser visto na descrição da relação sexual entre pai e filha (do conto 
Inverno de artifício).
A orquestra toda agora em uníssono, por um instante, apaixonada, 
apaixonada pela harpa cantando deus e os violinos sacudindo os cabelos 
e ela passando o arco do violino delicadamente entre as pernas, extraindo 
música de seu corpo, seu corpo espumando, a harpa cantando deus, o 
tambor batendo (NIN, 1991, p. 84).
Além da tentativa de incorporar o reino sensorial à linguagem, Nin buscava uma linguagem ideal, de 
prosa poética, sintética, que conectasse o consciente e o inconsciente, “escrevendo o corpo”, ao trazer 
ritmo e textura para a linguagem.
A linguagem, por sua vez, era vista por Nin como algo maleável, com que se podia trabalhar, como 
argila ou tinta, em vez de algo natural, invisível, familiar, tendo como único intuito a comunicação diária. 
Tal visão possivelmente está relacionada ao processo de imigração que a autora viveu durante sua vida.
92
Unidade II
Outra característica importante da escrita de Anaïs Nin é a presença da forma feminina, pois a 
autora procurava mantê-la, enxergandoa criação artística como a criação de filhos: pessoal, natural, 
afastando-se da arte como artificial e abstrata (a rejeição masculina do humano, sua escrita impessoal).
No texto Inverno de artifício, a personagem Stella tem, ao mesmo tempo, 11 e 31 anos. As cenas 
resgatam o período de espera pelo pai e o processo leva ao desencanto, à morte da necessidade de 
um pai, que é descrito como envolto em vidro, o que evidencia a falha na comunicação, as barreiras 
entre pai e filha e a ausência de calor humano, presente no “inverno” do título. Quando o pai é 
descartado, outra imagem dolorosa é imposta: a de um aborto feito pela autora, como o da própria 
personagem. A criança em Stella morre.
O pai de Anaïs Nin é fundamental no desenvolvimento de sua vida e de sua arte. Sua presença 
nas atitudes da autora, em seus diários e em sua ficção, como sugere Nalbantian (1997) ao afirmar 
que a obsessão de Anaïs por seu pai a persegue em seu trabalho e essa figura reencarna em diversos 
personagens, como se o pai tivesse mil vidas. Na ficção, a personagem Stella descobre que seu amor pelo 
pai afeta os outros amores e destrói seus relacionamentos. 
A formação da personagem Stella, de Inverno de artifício, traça um paralelo com a experiência da 
própria autora, relatada em seus diários, especialmente nas versões não editadas. É importante ressaltar 
que, apesar de parecer óbvio o paralelo entre o conto Inverno de artifício e os diários, o conto teve 
publicação muito anterior ao primeiro diário editado. 
 Saiba mais
Para conhecer as obras e os diários de Anaïs Nin citados aqui, você pode 
se orientar com as indicações de leitura a seguir.
NIN, A. A casa do incesto e outras histórias. Rio de Janeiro: 
Rosa dos Tempos, 1991.
NIN, A. Linotte: the early diary of Anaïs Nin, 1914-1920. New York: 
Harcourt Brace, 1978.
NIN, A. Incest: the unexpurgated diary of Anaïs Nin, 1932-1934. 
New York: Harcourt Brace, 1992.
NIN, A. Fire: the unexpurgated diary of Anaïs Nin, 1934-1937. New York: 
Harcourt Brace, 1995.
NIN, A. Nearer the moon: the unexpurgated diary of Anaïs Nin, 
1937-1939. London: Peter Owen, 1996.
93
GÊNEROS TEXTUAIS
A personagem principal do romance é Stella, uma atriz em busca de si mesma, de um amor que 
a complete e do desfecho de seu grande trauma: o abandono do pai. Característica da autobiografia 
estética de Anaïs Nin, aparece a figura da atriz, mulher multifacetada, desempenhando diversos papéis, 
ou seja, uma forma que a autora encontra de revelar e esconder a verdade, explorando a multiplicidade 
das possibilidades. 
Como atriz, ao interpretar diversos papéis, Stella se confunde na percepção de seu “eu” e o procura 
durante sua história. A figura da mulher procurando pela sua essência e por um maior entendimento de 
sua vida é característica do movimento feminista que consagrou Anaïs Nin.
Ao descrever Stella, o narrador diz: 
Sentadas perto dela, não a viam; adoravam, atentas, a mulher da tela. Porque 
ela estava dando a muitos o que a maioria só dá ao amado (NIN, 1991, p. 12).
Em Incest, Anaïs diz:
I am laughing sadly at the tricks I have had to play on life, the deceits, the 
lies – to find all its treasures and hold them after so many, so many years of 
famine. What hunger, oh, my God, what voraciousness! I was cheated once 
of my Father´s love, and I do not want to be cheated again. I had always so 
much to give! Nobody would want all I have exclusively for himself because it 
is too much to answer. I have a desire to travel all through the world fulfilling 
people´s dreams – magically, carefully, giving to them the minute and tenderly 
passionate attentiveness I give to my loves in daily life (NIN, 1992, p. 100).
A tradução é nossa: 
Estou rindo tristemente dos truques que fiz na vida, dos enganos, das 
mentiras – para encontrar todos os seus tesouros e guardá-los depois de 
tantos, tantos anos de fome. Que fome, oh, meu Deus, que voracidade! Fui 
enganada uma vez pelo amor de meu Pai e não quero ser enganada de 
novo. Sempre tive muito para dar! Ninguém iria querer tudo o que tenho 
exclusivamente para si porque é demais para responder. Tenho o desejo de 
viajar por todo o mundo realizando os sonhos das pessoas – magicamente, 
com cuidado, dando-lhes a atenção minuciosa e ternamente apaixonada 
que dedico aos meus amores no dia a dia.
Por meio dos trechos anteriores, percebemos a ausência do “eu” de Stella, pois as pessoas se atraem 
pelo que ela representa, pelo papel que desempenha em determinado momento, pela ilusão de amor 
dada a todos ao seu redor, mas são incapazes de enxergar a mulher real.
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Unidade II
A similaridade entre Stella e Anaïs encontra-se na abundância de amor existente em ambas, 
explicada biograficamente pela privação do pai de Anaïs, na infância, quando ela tinha tanto amor 
para dar. 
A dor causada pela perda na infância influencia a vida adulta da autora, assim como a da personagem, 
e ambas passam a cuidar excessivamente de todos ao seu redor, sendo quase impossível para elas se 
separarem de alguém, como vemos em Inverno de artifício.
E, além disso, ela também tratava o mundo como se fosse uma criança 
aflita, abandonada. Nunca punha fim a uma amizade por iniciativa própria. 
Nunca abandonava ninguém; passava a vida curando os outros desse medo 
sempre que distinguia sua sombra, com pena de todo mundo, e dando a ilusão 
de fidelidade, de durabilidade, de solidez. Era incapaz de brigar, de impor 
limites, cortar laços, romper relações, interromper uma correspondência 
(NIN, 1991, p. 61).
Em Incest:
I must always make myself believe I am making a sacrifice for somebody. 
I got cured to make Allendy happy. I don´t die when I want to because I won’t 
hurt Hugo. I don’t abandon Hugo for the same reason. Human reasons alone 
restrain me. I do not even believe the things I want are wrong (devoting 
myself to Henry) – I know they are not wrong. But I guide myself by the pain 
I may cause others (NIN, 1992, p. 113).
Tradução é nossa: 
Devo sempre me convencer de que estou fazendo um sacrifício por alguém. 
Eu fui curada para deixar Allendy feliz. Não morro quando quero porque não 
vou machucar o Hugo. Não abandono o Hugo pelo mesmo motivo. Razões 
humanas sozinhas me restringem. Eu nem acredito que as coisas que eu 
quero estão erradas (me dedicar a Henry) – eu sei que elas não estão erradas. 
Mas eu me guio pela dor que posso causar aos outros.
Ainda em Incest:
Calm. Joy. Contentment by understanding. […] I feel the all-mother – womb 
and earth with enormous protective wings! Passion and motherhood 
fused – the mother as night, covering the world, blanketing it, lulling its 
pains. And as the night, I am lonely again – active, independent, restless. 
Hugo sleeps on his security, Henry works in the hammock of my passion; 
Allendy sleeps on the down of dream marriages; Eduardo sleeps on the 
warmth of my letter. […] I am the night who watches them through 
curtained windows with very wide-open eyes (NIN, 1992, p. 109).
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GÊNEROS TEXTUAIS
Tradução é nossa: 
Calma. Alegria. Contentamento pela compreensão. […] Sinto a mãe – ventre 
e terra com enormes asas protetoras! Paixão e maternidade fundidas – a 
mãe como noite, cobrindo o mundo, cobrindo-o, acalmando suas dores. 
E como a noite, estou sozinha novamente – ativa, independente, inquieta. 
Hugo dorme na sua segurança, Henry trabalha na rede da minha paixão; 
Allendy dorme sobre os casamentos dos sonhos; Eduardo dorme com o calor 
da minha carta. [...] Eu sou a noite que os observa pelas cortinas com os 
olhos bem abertos.
Em Moon:
It struck me again, as several times before, that my individual suffering 
should be merged into the other, that just as when I was a girl and laid aside 
my personal introspective suffering at the loss of my Father to take care of 
my mother and my brothers, and lost myself in serving others. Or that, just 
as I identified once with the war, and with war-torn France, I should again 
adopt the world’s trouble in replacement of my own (NIN, 1996,p. 73).
A tradução do trecho é nossa:
Ocorreu-me novamente, como várias vezes antes, que meu sofrimento 
individual deveria se fundir ao outro, assim como quando eu era uma menina 
e deixei de lado meu sofrimento pessoal introspectivo pela perda de meu pai 
para cuidar de minha mãe e de meus irmãos, e me perdi servindo aos outros. 
Ou que, assim como me identifiquei uma vez com a guerra, e com a França 
dilacerada pela guerra, deveria novamente adotar os problemas do mundo 
em substituição aos meus.
Os trechos anteriores mostram as características que guiaram a vida amorosa de Anaïs Nin, as quais 
são refletidas na personagem Stella. Tanto a autora quanto a personagem buscam compensar a dor 
provocada pela partida do pai ao tentar realizar ao máximo o desejo do próximo e evitando separações. 
Porém, ao agirem dessa forma, usam de mentiras para não causar sofrimento e acabam por exigir que 
os outros retribuam seu amor na mesma proporção, o que pode causar decepções.
Em Inverno de artifício:
Num cenário de opulência, um cenário de elegância tal que exigira o uso 
de um dos seus chapéus de museu, o da pena real, vieram eles de dois 
mundos opostos: Stella, consumida por uma fome de amor, e Bruno, pelo 
vazio de sua vida.
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Unidade II
Quando Stella surgiu entre as mulheres, o que impressionou Bruno foi ver, 
pela primeira vez, uma mulher com alma (NIN, 1991, p. 16).
Em Incest:
[…] feel that I do not want to go on loving Henry more actively than he loves 
me (having realized that nobody will ever love me in that overabundant, 
overexpressive, overthoughtful, overhuman way I love people), and so I will 
wait for him (NIN, 1992, p. 56).
Em tradução nossa, o trecho é:
[…] sinto que não quero continuar amando Henry mais ativamente do 
que ele me ama (tendo percebido que ninguém jamais me amará daquele 
jeito superabundante, superexpressivo, excessivamente pensativo e 
super-humano que eu amo as pessoas), e então irei esperar por ele.
Ainda em Incest:
I believe if I have a genius it is a genius for loving. This journal could be a 
manual of love, passionate love, fleshly love, understanding love, pitying, 
maternal, intellectual, artistic, creative, non human (NIN, 1992, p. 178).
O trecho traduzido por nós é:
Eu acredito que, se eu tenho um gênio, é um gênio para amar. Este diário pode 
ser um manual de amor, amor apaixonado, amor carnal, amor compreensivo, 
compassivo, maternal, intelectual, artístico, criativo, não humano.
Como podemos perceber, por meio do trecho anterior, existe criatividade no diário, pois a autora o 
compara a um manual que ensinaria sobre todos os tipos de amores, inclusive o criativo.
Aparece, nesse momento, o primeiro confronto amoroso de Stella. Assim como acontece com Anaïs, 
o amor recebido nunca o é em proporção ao dado, portanto ambas as mulheres se sentem incompletas 
e continuam a esperar pelo relacionamento ideal, acumulando amores pelo caminho. Na figura de 
Bruno, encontramos semelhança com a figura de Henry Miller, porém, em outros momentos, Bruno 
adquire características de outros homens com quem Anaïs se relacionou, tornando-se, portanto, um 
personagem composto.
 Observação
Henry Miller foi um célebre escritor e Anaïs Nin manteve um 
relacionamento amoroso com ele durante muito tempo.
97
GÊNEROS TEXTUAIS
Com medo do abandono, enraizado no drama da infância, a mulher, sendo ela a autora ou a 
personagem, procura possuir o homem completamente, exigindo amor extremo e provas desse amor, 
como fica claro nos trechos a seguir.
Em Inverno de artifício: 
Ter tocado nele o ponto de fogo não bastava. Ser seu sonho secreto, sua 
paixão secreta. Ela tinha de devastar e conquistar o absoluto, em nome do 
amor (NIN, 1991, p. 22).
Em Incest:
Allendy, knowing that this is exactly what I would not accept – that to 
satisfy myself I had to possess the man body and soul – that I would not 
listen to any reason, compromise, deficiency, neurosis which made fusion 
impossible – that my possessiveness was tremendous in proportion to my 
fear of abandon – struggled to impose this realization in me so that I could 
at last rid myself of pain.
It became clear to me how desperately I had sought to possess Allendy wholly, 
as a trophy, whereas what I want is a father, a friend (NIN, 1992, p. 105).
O trecho anterior, traduzido por nós, fica assim:
Allendy, sabendo que isso é exatamente o que eu não aceitaria – que, para 
me satisfazer, eu tinha que possuir o homem de corpo e alma – que eu 
não daria ouvidos a nenhuma razão, compromisso, deficiência, neurose que 
tornasse a fusão impossível – que minha possessividade era tremenda em 
proporção ao meu medo de abandono – lutei para impor essa percepção 
em mim para que eu pudesse finalmente me livrar da dor.
Ficou claro para mim o quão desesperadamente eu havia procurado 
possuir Allendy inteiramente, como um troféu, enquanto o que eu quero é 
um pai, um amigo.
Ainda em Incest:
I know now I am driven to this impasse over and over again, and faced with 
the same outcome, the physical possession; and that I am interested not 
in the physical possession but in the game, as Don Juan was, the game, of 
seduction, of maddening, of possessing men not only physically but their 
souls, too (NIN, 1992, p. 185).
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Unidade II
A tradução, feita por nós, fica assim:
Sei agora que sou impelida a este impasse repetidas vezes e confrontada com 
o mesmo resultado, a posse física; e que não estou interessada na posse física, 
mas no jogo, como Don Juan o estava, o jogo da sedução, do enlouquecimento, 
de possuir os homens não apenas fisicamente, mas também suas almas.
Percebemos, nos trechos anteriores, algumas características da escrita de Nin, como a presença 
da metáfora: “ponto de fogo”, e a intertextualidade “Don Juan”, presente na obra devido ao grande 
interesse da autora nas artes e seu vasto conhecimento literário.
Como ocorre na autobiografia estética, os fatos se aproximam e se distanciam da realidade e há a 
presença de personagens compostos. A seguir, veremos uma situação semelhante na obra e no diário, 
porém invertida.
Em Inverno de artifício, Stella, que tem um caso com Bruno, homem casado, pede que ele passe 
a noite com ela, como uma prova de seu amor, o que seria difícil para ele fazer, por ter que dar 
satisfações à esposa. 
“Você não vai ficar a noite toda?”
O desespero mudo, inarticulado, que continha essas poucas palavras. O grito 
inaudível, despercebido, sem registro, de solidão que se levanta dos seres 
humanos (NIN, 1991, p. 24).
Em Incest, Anaïs escreve:
Henry, Henry. I miss him. When he telephones me I dissolve in yearning. 
He has been sick. I can only see him on Sunday for a few hours. He says, 
“Can´t you stay for the evening? It has been a long time” – six days. It is the 
first time Henry asks, demands. Immediately I know I would take all risks to 
answer his demand (NIN, 1992, p. 88).
A tradução nossa fica assim:
Henry, Henry. Sinto falta dele. Quando ele me telefona, eu me desfaço de 
saudade. Ele está doente. Só posso vê-lo no domingo por algumas horas. 
Ele diz: “Você não pode ficar esta noite? Já faz muito tempo” – seis dias. É 
a primeira vez que Henry pergunta, exige. Imediatamente sei que assumiria 
todos os riscos para atender a sua demanda.
Com base nos trechos, Bruno e Stella, interpretados como Henry e Anaïs, trocam de papel, pois 
é Henry quem pede para que Anaïs passe a noite com ele, mesmo que isso significasse arriscar seu 
casamento com Hugo.
99
GÊNEROS TEXTUAIS
Observamos nesses trechos a presença de paradoxos como “desespero mudo” e “grito inaudível”, que 
representam a ausência de som por meio do que normalmente teria som, fazendo-nos perceber que o 
desespero e o grito acontecem no interior da personagem. 
Outra semelhança na formação da personagem é a falta de autoconfiança e a necessidade de provas 
de amor que sente a mulher, explícitas no trecho que segue.
Em Inverno de artifício:
A dúvida e o medo que acompanhavam essa questão a colocavam àparte, 
como algum deus de antigos rituais que não se curvasse, observando 
o acúmulo de provas, os fiéis a oferecerem comida, sangue e as próprias 
vidas. E ainda assim lá estava a dúvida, pois eram provas externas e nada 
provavam. Não podiam devolver-lhe sua fé (NIN, 1991, p. 24).
Constatamos, ao observar o trecho, que existe uma primitividade de Stella em relação ao amor, o que 
resulta em carência e na necessidade de provas de amor. 
Em Incest, a autora relata:
Allendy had been thinking that he had not enough to give me – that a 
woman like me needed absolutes – that he was imprisoned in his own life 
and not free to give me enough. But meanwhile, I, with my usual lack of 
confidence, was beginning to think he didn´t love me enough! […]
At this moment I realized that I had wickedly enjoyed this very victory, 
defeating the analyst and disturbing the man – that I had wanted this, my 
gentle revenge on a man on whom I depend too greatly for my happiness! 
However, I never make a cruel use of my victory. I am so touched by Allendy’s 
vulnerability (NIN, 1992, p. 88).
Esse trecho, traduzido por nós, fica assim:
Allendy estava pensando que não tinha o suficiente para me dar – que 
uma mulher como eu precisava de absolutos – que ele estava preso em sua 
própria vida e não era livre para me dar o suficiente. Mas, enquanto isso, eu, 
com minha habitual falta de confiança, estava começando a achar que ele 
não me amava o suficiente! […]
Naquele momento percebi que havia desfrutado perversamente dessa 
mesma vitória, derrotando o analista e perturbando o homem – que eu 
queria isso, minha gentil vingança contra um homem de quem dependo 
muito para minha felicidade! No entanto, nunca faço um uso cruel de minha 
vitória. Estou tão emocionada com a vulnerabilidade de Allendy.
100
Unidade II
A falta de autoconfiança de Nin e de Stella tem origem na figura do pai, pois ambas sofreram 
humilhação por parte da figura paterna, na infância. A semelhança entre as duas se dá até mesmo na 
doença que tiveram, assim como a frase dita pelo pai e o que foi necessário para que se livrassem do trauma.
Nos trechos a seguir, podemos perceber como a autora trabalha os sentidos na obra, ao explorar 
o visual, as cores, a textura e ao relacionar sabor e experiência. No relato de Stella, o pai a julga 
baseando-se na aparência, no estético, o que indica sua superficialidade.
Em Inverno de artifício:
O pai dissera uma vez que ela era feia. Dissera isso porque ela nascera cheia 
de vigor, com covinhas, rosada, transbordando de saúde e alegria. Mas, à 
idade de dois anos, quase morreu de febre. Perdeu o vigor de repente. Voltou 
à presença dele muito pálida e magra, e o esteta nele disse com frieza: 
“Como você está feia!”. Essa frase, ela jamais conseguiu esquecer. Levou toda 
uma vida para provar a si mesma o contrário. Toda uma vida para apagá-la. 
Foi preciso o amor de outros, a adoração dos pintores, para salvá-la de seus 
efeitos (NIN, 1991, p. 78).
Em Linotte: 
When I was little, I heard papa say that I was ugly and the idea never left 
me (NIN, 1978, p. 414).
Em tradução, o trecho fica assim:
Quando eu era pequena, ouvi papai dizer que eu era feia e a ideia nunca 
mais me abandonou. 
Em Fire:
The story I presented to my Father about the posing, and to Henry, 
was not devoid of color or incident, yet it has remained without flavor. 
It was not unimportant in the chain of my life, since it was my first 
confrontation with the world.
It was the period when I discovered I was not ugly, a very important moment 
for a woman (NIN, 1995, p. 144).
Em tradução nossa, o trecho é:
A história que apresentei a meu pai sobre a pose, e a Henry, não era desprovida 
de cor ou incidente, mas permaneceu sem sabor. Não foi sem importância 
na cadeia da minha vida, pois foi o meu primeiro confronto com o mundo.
101
GÊNEROS TEXTUAIS
Foi o período em que descobri que não era feia, um momento muito 
importante para uma mulher.
Como notamos, a figura paterna é a grande influência da mulher retratada na obra e da mulher que 
a retratou. Em Inverno de artifício, comparando o sentimento de Stella em relação à vida ao de seu pai 
e a oposição entre suas personalidades, o narrador afirma: 
O desejo fundamental dele era escapar da dor; o dela, confrontar tudo na 
vida (NIN, 1991, p. 89).
Em Incest, por sua vez, Anaïs indica como a perda do pai a fez buscar a vida, uma vida vitoriosa, 
perfeita. Pode-se perceber no trecho a seguir um choque de imagens: o esforço, o desespero, a ansiedade, 
o terror e a perda que resultam em ascensão, criações e amores.
My life has been one long train, one herculean effort and struggle to rise, 
to surpass in everything, to make myself a great character, to create, to 
perfect, to develop – a desperate and anxious ascension to efface and 
destroy a haunting insecurity about my own value. Always aiming higher, 
accumulating loves to compensate for the initial shock and terror of my first 
loss. Loves, books, creations, ascensions! (NIN, 1992, p. 153).
Em tradução:
Minha vida tem sido um longo trem, um esforço hercúleo e luta para 
ascender, superar em tudo, para me tornar um grande personagem, para criar, 
aperfeiçoar, desenvolver – uma ascensão desesperada e ansiosa para apagar e 
destruir uma insegurança obsessiva sobre meu próprio valor. Sempre mirando 
mais alto, acumulando amores para compensar o choque inicial e o terror da 
minha primeira perda. Amores, livros, criações, ascensões!
A última frase desse trecho resume a própria vida da autora, o que lhe era importante e 
suas conquistas.
Conforme a concepção de cronotopo, o tempo e o espaço narrativos são categorias que constituem 
uma unidade fundamental exatamente como na percepção da visão de mundo de um indivíduo e seu 
cotidiano. Assim como nos textos biográficos de Nin, o eu que fala constrói um mundo narrativo, em 
que os indicadores temporais e espaciais colaboram na imagem externa do sujeito e reconhecem essa 
imagem como inseparável e irredutível ao indivíduo que ocupa espaço e se move no tempo. 
Como gênero textual autobiografia, a autora em seu tempo de criação faz uso do cronotopo, pois 
o acontecimento do ser é uma tarefa e este estaria agindo como uma ferramenta para sua realização 
através das sutilezas do tempo-espaço que os estabelecem. É importante ressaltar que o tempo e o espaço 
são concebidos como cronotopo e eles nunca estão separados de um tempo particular ou especifico. 
102
Unidade II
Bakhtin introduz o cronotopo para nomear a “imediatidade” existencial de momentos e lugares 
transitórios, portanto, o cronotopo também serve como um instrumento para ajustar resultados 
experimentais a existência, considerar fatores externos e permitir sua comparação com outros dados.
Em nosso entendimento, essa teoria bakhtiniana faz revelar o núcleo da estética literária e avança 
a noção de imaginação, considerando ser esta o fundamento na experiência estética, em que o 
cronotopo é a unidade elementar da imaginação literária. Estando a formação do homem concluída 
no tempo histórico, com toda sua necessidade, plenitude, futuro e sua natureza cronotópica, em que 
a concepção de tempo é o eixo organizador desse cronotopo, tornando o espaço identificável em uma 
era histórica particular, até um ponto que ambos estejam conectados.
Para tratar dessa construção de mundo particular onde presente, passado e futuro se conectam, 
utilizaríamos um tipo específico de cronotopo, o cronotopo documentário, porém seu principal aspecto 
reside particularmente no intrínseco do paradigma realista e o mundo ficcional, sendo concebido para 
ser percebido como uma construção imediatamente reconhecível ao leitor por sua semelhança com o 
mundo extraliterário. Afinal, esse processo é baseado na visão de mundo da autora e também do leitor, 
definindo similaridades no que se refere ao tempo histórico e ao espaço social de um personagem 
individual ou da ação moral subliminarmente contida na obra literária. 
Exemplo de aplicação
Exemplo1 
Você já considerou escrever (ou escreve) um diário, seja pelo suporte convencional, seja pelo digital? 
Você gosta de ler autobiografias? Se sim, qual obra foi mais apreciada por você?
Exemplo 2 
O que você percebeu sobre a constituição tempo-espaço no texto autobiográfico? Discuta sobre 
a diferença que passa a existir entre a marcação do tempo-espaço dos fatos em si narrados em uma 
autobiografia e a marcação do tempo-espaço do autor ao escrever sobre tais fatos. 
103
GÊNEROS TEXTUAIS
 Resumo
Dois aspectos importantes sobre gênero textual são: a noção de 
hipergênero e de cronotopo. 
O hipergênero é um termo que serve para explicar a presença de vários 
gêneros em um quadro comunicativo; por exemplo, o hipergênero história 
em quadrinho abrange os gêneros tirinha, charge, cartum, mangá, que têm 
funções sociais e comunicativas diferentes entre si, mas que fazem parte da 
linguagem visual quadrinista. 
Outro aspecto é o cronotopo, que significa a constituição de um gênero 
com base no tipo narrativo, cujos tempo e espaço não são meramente 
figurativos. O tempo e o espaço são extremamente relevantes, porque 
constroem na narrativa uma visão de mundo, um posicionamento do “eu” 
do texto nesse mundo e suas relações com os outros. 
Em exemplo, o gênero autobiografia é apresentada e, por meio dele, 
percebemos a diferença entre o cronotopo da narrativa em si, ou seja, de 
como os acontecimentos sofrem influência do tempo e do espaço em que 
eles ocorrem, e o cronotopo da produção do texto, uma vez que o autor se 
distancia dos acontecimentos originais e sua visão de mundo não é a mesma. 
 Exercícios
Questão 1. Leia os quadrinhos e o trecho do livro Rita Lee – uma autobiografia.
Figura 18 
Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/3621/calvin-e-seus-amigos. Acesso em: 29 ago. 2020.
104
Unidade II
“Férias
Mergulhados na estrada, Rob e eu perdemos algumas gracinhas dos meninos: tipo primeiro dentinho, 
primeiro passinho, primeiro ‘mamãpapá’. Doía no coração. Quando Beto estava com cinco anos, Juca 
com três e Tui com um, tentamos carregá-los numa turnê junto com Balú. Misturar filhos à loucura que 
rolava em shows não era lá muito saudável, se é que me entendem. Para compensar nossa ausência 
física enquanto estavam em aula, os destinos de nós cinco nas férias eram sagrados: São Paulo–Manaus, 
Manaus–Miami, Miami–Caribe. Primeiro mostrar a eles o Brasil belo e selvagem, depois um rolê nas 
magias da Disney e, por fim, o paraíso das praias caribenhas de mar azulzinho e areias brancas.”
Disponível em: https://revistatrip.uol.com.br/tpm/leia-trechos-da-autobiografia-de-rita-lee. Acesso em: 31 ago. 2020.
Com base na leitura e nos seus conhecimentos, avalie as afirmativas:
I – A tirinha (que pertence ao hipergênero quadrinhos) e o trecho tratam do gênero textual autobiografia, 
caracterizado por retratar fielmente a vida do autor de acordo com o seu cronotopo histórico.
II – O trecho de Rita Lee, em que se nota o relato retrospectivo, é narrado em primeira pessoa. 
III – A tirinha discute um critério essencial na definição do gênero autobiografia: a sua extensão. 
Um relato autobiográfico deve abranger, em ordem cronológica, todos os eventos da vida de seu autor.
É correto o que se afirma em:
A) I, II e III.
B) I e II, apenas.
C) II e III, apenas.
D) I e III, apenas.
E) II, apenas.
Resposta correta: alternativa E.
Análise da questão 
A autobiografia não retrata fielmente a vida de seu autor, pois também é criação, construção. Além 
disso, ela não tem a obrigação de narrar todos os fatos da vida do personagem tampouco de seguir a 
ordem cronológica. O trecho de Rita Lee está em primeira pessoa, como é comum no gênero. A tirinha 
é, de fato, um tipo de quadrinhos.
105
GÊNEROS TEXTUAIS
Questão 2. Leia os quadrinhos.
Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/3621/calvin-e-seus-amigos. Acesso em: 14 set. 2020.
Com base na leitura e nos seus conhecimentos, avalie as afirmativas:
I – A prática de ensino de gêneros textuais com base na leitura e na produção de “redações”, como 
se vê na tirinha, é relativamente comum nas escolas.
II – A redação de Calvin tem tipologia argumentativa, uma vez que ele apresenta um ponto de vista 
sobre a sua vida escolar e a sua vida familiar.
III – A tirinha é um exemplo de autobiografia, pois Calvin conta episódios da sua vida.
É correto o que se afirma apenas em:
A) I.
B) II.
C) III.
D) I e III.
E) I e II.
Resposta correta: alternativa A.
Análise das afirmativas
I – Afirmativa correta.
Justificativa: a produção de textos é uma das práticas comumente utilizadas para o ensino dos 
gêneros textuais.
106
Unidade II
II – Afirmativa incorreta.
Justificativa: a redação de Calvin não tem estrutura argumentativa, pois ele descreve a situação, 
evidentemente ficcional, a que é submetido em sua casa.
III – Afirmativa incorreta.
Justificativa: a tirinha não é autobiográfica. Ela narra uma cena do personagem Calvin na escola, 
com as criações e as atitudes que lhe são peculiares.

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