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O DOUTRINADOR 1ª EDIÇÃO 2022 Revisão: Lidiane Mastello Diagramação: AK Diagramação Capa: Layra Silva Esta é uma obra fictícia. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas reais vivas ou mortas é mera coincidência. Esta obra segue as regras da nova ortografia da língua portuguesa. Todos os direitos são reservados e protegidos pela lei nº 9.610, de 10 de fevereiro de 1998. É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte desta obra, através de quaisquer meios - tangível ou intangível - , sem o consentimento escrito do autor. Sumário Sinopse Dedicatória Playlist Prólogo Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Capítulo 14 Capítulo 15 Capítulo 16 Capítulo 17 Capítulo 18 Capítulo 19 Capítulo 20 Capítulo 21 Capítulo 22 Capítulo 23 Capítulo 24 Capítulo 25 Capítulo 26 Capítulo 27 Capítulo 28 Capítulo 29 Capítulo 30 Capítulo 31 Capítulo 32 Capítulo 33 Capítulo 34 Capítulo 35 Capítulo 36 Capítulo 37 Capítulo 38 Capítulo 39 Capítulo 40 Capítulo 41 Capítulo 42 Capítulo 43 Capítulo 44 Capítulo 45 Capítulo 46 Epílogo 1 Epílogo 2 Contato Ethan White precisou mudar sua identidade para concretizar um dos seus maiores objetivos: se tornar professor em Harvard. Nascido e criado no berço da máfia, ele conseguiu uma forma de deixar o seu passado para trás, abandonando a sua antiga organização. Agora, Ethan está prestes a enfrentar o último obstáculo para alcançar o seu objetivo final, ele só não contava que se aproximaria tanto de uma aluna misteriosa que guardava um segredo aterrorizante... Lorelai Gonzales tem em seus livros de fantasia o seu maior refúgio. Prometida a um dos mafiosos mais perigosos da cidade, ela não tem outra escolha a não ser se submeter a esse homem quando completar vinte um anos de idade. Aluna em Harvard, um dos seus maiores sonhos era se tornar uma mulher livre, algo que sua família tirou dela, o que Lorelai nunca imaginou era que a chegada do seu novo professor pudesse abalar as poucas certezas que ela tinha na vida... Ambos têm segredos que não podem revelar, e nem imaginam que são peças fundamentais de uma batalha entre duas famílias poderosas. Juntos eles irão descobrir que quando a paixão se transforma em amor, as consequências podem ser imprevisíveis e avassaladoras... * Livro único. Esse livro é dedicado aos jogadores do meu clã no jogo Call of Duty (Renato, Pagode, Pablo, Lynniker e Chris) que me acompanham há mais de dez anos. Muitas pessoas não sabem, mas o meu nickname no jogo é de fato “O Doutrinador”, há algum tempo em uma conversa entre a gente tive a ideia desse nickname, e disse que algum dia criaria uma história e lançaria um livro exatamente com esse título. Demorou um pouco, mas alcancei esse objetivo. Dedico esse livro também a todas as minhas leitoras que me seguem há anos, que já leram minhas histórias ao longo da minha carreira como escritor. Sem vocês não haveria essa caminhada, e sou grato por cada palavra de apoio tanto no meu grupo, quanto no Instagram e Wattpad. São as críticas e os elogios que me fazem crescer, espero melhorar muito mais e trazer histórias cada vez melhores para todas vocês. OUÇA NO SPOTIFY https://open.spotify.com/playlist/6kJU4rUNIkp5UFcJIxlhU7?si=3c54cf9685e94659 “A ������ ����� � ������� ��� ��� �� ������...” — Espero que não arranje problemas, foi muito difícil adulterar toda a sua vida e te colocar como professor em Harvard! Analisei metodicamente o Logan, meu advogado. Na cabeça dele isso parecia um favor. Não podia julgá-lo, entretanto, só tomei essa atitude porque fui obrigado a esconder a minha verdadeira identidade. Não tinha culpa de ter nascido nos berços da máfia, tudo o que sempre quis foi trilhar o meu próprio caminho sem estar à sombra das pessoas. Fui o primeiro e único homem a me desvincular da organização, e só consegui isso porque sei alguns segredos da Vlachosia, ou melhor, de uma pessoa específica. Meu pai, Eustathios, era o líder quando me reuni com os conselheiros, mas nem ele, nem o meu irmão, Phillippe, puderam participar da votação da minha saída. Tudo que discutimos lá se tornou segredo, até porque se soubessem tomariam atitudes, principalmente meu irmão, um homem que sempre desejou o poder. — Vou te relembrar algumas coisas, Logan. Me tornar professor não é um favor ou uma mentira, eu sou formado em Psicologia, e para conseguir isso tive que alterar meu nome naquela época. O nome Apolo é o meu passado na organização, e Hector foi o nome que usei para entrar na faculdade. — Pois trate de esquecer seus outros nomes. Agora você é Ethan White, professor de Neurociência Cognitiva em Harvard. — Ethan White... — repeti, absorvendo a ideia de uma nova identidade. Eu me acostumei com essa troca de nomes, até mesmo alterar a minha personalidade enquanto usava outros nomes, só que agora isso iria acabar de uma vez por todas. — Acho que sabe as exigências da organização, ou preciso repetir? — Há mais alguma além de estar praticamente acorrentado a amarras invisíveis? — debochei, encarando meu advogado, com raiva da minha família por ter me obrigado a aceitar determinados pedidos. Na verdade, imposições. — Não force a barra. Você conseguiu sair, e tinha consciência de que não seria nada fácil se livrar deles. A organização havia colocado regras para que eu vivesse essa mentira, entre elas: Você não pode revelar a ninguém sua verdadeira identidade. Você não pode ter um relacionamento sério. Você não pode ser descoberto. A segunda regra era a mais fácil de todas, preciso destacar. Nunca tive relacionamentos, jamais senti o que chamam de amor por mulher nenhuma, mas sempre me diverti com elas. O desejo carnal nunca passou de algo momentâneo para mim. — Leu as regras de Harvard, ou algo do tipo? — Por que eu faria isso? — Arqueei as sobrancelhas, encarando a figura imóvel à minha frente. — Ethan... — Eu vou seguir os regulamentos da faculdade, não preciso de uma babá, Logan. Já basta o meu irmão tentando fazer esse papel anos atrás. — Então isso quer dizer que vai se manter na linha? — Não, quer dizer que farei o certo. Serei um professor e vou agir como tal. — Esse é o meu medo. Descobri recentemente que é impulsivo demais. Posso ter esse grave defeito. O que me fazia ser impulsivo era a intensidade, mas não mudaria nenhuma das minhas características, sou o que sou. Tirando a porra do meu nome... — Tudo está sob controle. — Acho que ainda não entendeu, Ethan, nada está sob controle! — respondeu, agora bem sério, fixando os olhos nos meus, tentando me intimidar. — Você é um homem milionário, vindo de uma família mafiosa e professor da maior faculdade de ensino superior dos EUA. Tudo no mesmo pacote, e isso não tem sentido nenhum. — Só estou me tornando o que batalhei toda a minha vida para conseguir. — Pelo jeito se tornar professor era mesmo o seu sonho... Não respondi. Tive que fazer Logan mover céus e terras para conseguir me colocar em uma faculdade de renome como Harvard, então ele mais do que ninguém tinha essa resposta. Não podia e nem queria ficar repetindo o inevitável. — Conseguiu as informações que pedi a você meses atrás, Logan? — Mudei o assunto, entrando em algo de extrema importância também. — Acredite: achar pessoas é a minha especialidade, mas é quase impossível encontrar esse sujeito. Esse nome que me deu não existe, e... — Não importa! — Levantei-me, batendo uma das mãos na mesa, interrompendo sua resposta. — O encontre! Se esse homem estiver morto quero saber onde está o túmulo dele, entendeu?! — Você nunca me disse o motivo de procurá-lo. — Cruzou os braços, claramente interessado em uma resposta que eu não daria até ele conseguir o que pedi. — Isso não é do seu interesse, e sim do meu. Só faça oseu trabalho, Logan. Eu me encarrego do resto. — Meu Deus... você é estressadinho igual ao seu irmão — respondeu, já se levantando, em seguida saindo pela porta da minha nova casa. Na semana que vem minha vida teria um novo início, e ia me certificar de cumprir o meu papel de professor universitário com excelência... “V���� ��� ���� � ���������� �� ������ ����� � ����� �������� ������� � ����” Observei durante alguns segundos a marca ornamental tatuada no meu antebraço esquerdo. A rosa de sangue simbolizava que eu era uma propriedade. Eu me tornei um objeto logo ao completar dezoito anos de idade, e fui prometida a alguém no mesmo dia. Esse foi o meu presente de aniversário indigesto. Durante um bom tempo essa queimadura na minha pele era um pesadelo, e foi bastante difícil me acostumar que não poderia trilhar o meu próprio destino, contudo, os meses curaram algumas feridas, ou pelo menos amenizavam a maioria delas. Atualmente, tinha apenas vinte anos, e em seis meses completaria mais um ano de vida. No meu coração desejava que esse dia nunca chegasse, pois nesse próximo aniversário iria me entregar a um homem desconhecido, me tornar esposa de alguém que não amava, que nem sequer conhecia pessoalmente. — Ela vai se casar com ele, isso já foi decidido! — meu pai disse alto. — Eu sei, mas não precisamos falar disso nessa casa toda hora, deixa a Lorelai esquecer — minha mãe rebateu. Esquecer... Como se isso fosse possível. Estava no meu quarto, mas podia ouvir a gritaria na sala há alguns minutos. Acostumei-me com as brigas dos meus pais, até porque todas giravam ao meu redor. De certa forma não queria fazer parte da minha própria família, mas os amava, mesmo não concordando com o que trabalhavam. Para quem trabalhavam. Eles não eram mafiosos, mas possuíam um vínculo muito forte com a família Rivera, e eu era o pagamento dos benefícios que adquiriram ao longo do tempo. Vinte anos atrás foram os Rivera que solucionaram nossos problemas. É difícil julgar, já que os dois viveram um amor impossível, e romperam barreiras, já que a família de ambos se odiavam. Os meus pais fugiram juntos, e o inferno dos dois começou quando colocaram os pés fora de Houston, a cidade natal deles. Ambos foram literalmente caçados por mercenários, já que as duas famílias não queriam se envolver publicamente, e nessa fuga procuraram abrigo no lugar errado. Quer dizer... no caso deles era o local certo, já que efetivamente a minha história de vida começou. Na casa dos Rivera, aqui mesmo em Cambridge, fui concebida, e desde o meu nascimento fui prometida ao filho do homem que os ajudou, que na época tinha dez anos de idade. O detalhe dessa história é que eu não sabia que fui prometida a alguém até completar dezoito anos de idade. Resolvi fechar meus olhos e pensar em coisas boas, ignorar alguns segundos que eu precisava pagar a dívida de amor deles. Eu não tinha voz nessa decisão, mas às vezes pensava que eu poderia simplesmente... desaparecer do mapa, ir para outro país. Não sei. — Você vai se atrasar para a faculdade, filha! — minha mãe gritou da cozinha, e me levantei da cama indo até lá, afastando esses pensamentos. Ficar pensando nisso me deixava ansiosa, e às vezes não conseguia controlar que o meu futuro estivesse tão intenso na minha cabeça. — Bom dia, Lorelai — Franklin, meu pai, disse enérgico. Ele nunca dizia a palavra filha, ou ao menos algo carinhoso quando brevemente nos falávamos. Desde que me entendia por gente ele me chamava de Lorelai. Seco assim. — Bom dia, pai — respondi ao passar por ele, como um robô. Era assim que me sentia, um robô controlado por humanos incapazes. — Essa é uma nova etapa, meu amor! — Abigail, minha mãe, falou bastante animada, dando-me um beijo no rosto. Minha mãe era o completo oposto do meu pai. Ela se esforçava para me mimar, até em momentos que não se fazia necessário. Sentia que ela tentava de alguma forma compensar o fato de que me tornei um objeto, só que no fundo ela também não entendia. Meus próprios pais não me conheciam bem, pois se conhecessem saberiam que eu fingia muito bem. Tudo. — Já pegou o que precisa para retornar à faculdade? — Sim, mãe — respondi, já me sentando, focada no chá e nas torradas à minha frente. Estava dando graças a Deus que agora precisaria ficar tempo integral em minha faculdade, já que minhas férias acabaram ontem. Muitos podiam me julgar falsa, cínica, mas ninguém sabia a dor que sentia, o que carregava em minha cabeça e no meu coração. Era uma dor tão forte a ponto de pensar várias vezes no dia em desistir de tudo. As pessoas que amei me fizeram responsável pelo futuro que estavam vivendo, e eu estava presa a mil pedaços de responsabilidades, que me constrangiam, me aprisionavam. Não os culpava por viverem uma história de amor, e sim por me oferecerem como moeda de troca. Isso pra mim é inaceitável. Apesar de sentir uma dor tão forte não queria deixar de viver, de lutar. Eu merecia ser feliz como qualquer outra pessoa e iria me libertar da carga que estava presente em meus ombros. Um dia sei que vou. Era triste falar assim dos meus próprios pais, só que preferia estar longe da minha família. Eles gradativamente se tornaram a razão dos meus remédios contra a depressão e a ansiedade, dos meus vários ataques de pânico por minutos, das alucinações e dos pesadelos, e de muito mais coisas. Era triste saber que o meu valor em dinheiro como mulher era maior do que minha própria autoestima, viver com esse tipo de pensamento era decepcionante. Deprimente. Hoje entraria no terceiro ano da faculdade de Psicologia, e voltaria a dormir dentro do campus. Por incrível que pareça lá conseguia organizar os pensamentos e ter algumas distrações. É claro que a minha família tentou me dissuadir, falando que o melhor era dormir em casa, já que ficava teoricamente perto do campus em Harvard, mas bati o pé, e quis ficar longe. Eu precisava de um tempo para mim, algo que nem em minha própria casa conseguia. — Animada para as novas matérias? — minha mãe perguntou toda sorridente. — Sim — respondi, nem sequer olhando para nenhum deles, que já estavam sentados à mesa. Nossas conversas eram na verdade monólogos, onde eles perguntavam e minha cabeça pensava na resposta mais direta possível, minha boca só complementava o óbvio. Não queria odiar meus pais, e tinha certeza de que não os odiava, mas o amor... ele diminuía a cada dia, pois cada vez que dormia estava mais perto de me tornar o brinquedinho de alguém. — Lorelai, se concentre nos estudos. Falei com os Rivera, e por mais que vá se casar em breve, eles não vão interferir na sua graduação. Guilhermo deu a palavra dele. Só balancei a cabeça assertivamente, enquanto meu pai falava, porém duvidava bastante das suas palavras. Uma vez casada, o tal do Guilhermo, podia simplesmente me tirar de lá. Esse era de fato a minha outra grande preocupação. Amava o curso de Psicologia, e na sala de aula me sentia alguém. Não queria que tirassem isso de mim, já me tiraram o mais importante da vida: minha liberdade. Nesse momento minha mãe estava me olhando demais, e finalmente entendeu que eu não queria entrar nesse assunto. — Não se preocupe, filha. Você vai concluir seu curso — ela disse, tentando me tranquilizar. — Vou arrumar minhas coisas — respondi, levantando-me e indo até o meu quarto. Por mais que tenha dito essas palavras, fiz isso para me afastar da conversa. Meus pertences e objetos estavam arrumados há dois dias, tamanha ansiedade em voltar às aulas. Eu só queria ficar sozinha com meus livros, ainda tinha alguns minutos, e não queria ouvir sobre o meu futuro, e sim focar no que realmente importava, o presente... “A�� ����� ������ ��� �������� ��� ������ � ������� � ���������� ���� � ������ �����...” Já dentro do carro dos meus pais, o caminho até a faculdade foi silencioso, e fiquei aliviada com a falta de palavras. Foquei em reparar a paisagemde Cambridge, minha cidade. Tudo aqui era simplesmente maravilhoso. O cheiro das folhas caindo das árvores era ótimo, a grama fresca verdinha bem à minha frente, a vista impressionante dos enormes casarões. Hoje o céu estava claro, e o vento umedecido soprou o meu rosto imediatamente ao abrir o vidro do carro. Fechei meus olhos, abrindo um leve sorriso, tentando absorver ao máximo as boas sensações que a natureza me transmitia. Imediatamente minha mão direita apertou a cruz no colar que meus pais me deram há alguns anos, gerando-me conforto e alívio. Esse presente era especial para mim, e permanecia comigo sempre. Eu ainda não entendia o motivo de todo esse apego, contudo, o tempo me ensinou que algumas coisas não precisavam ser compreendidas, e sim sentidas. Quando finalmente abri meus olhos, observei a rua que seguíamos cada vez mais cheia, com vários estudantes se deslocando na mesma direção. Fechei minha mão novamente, concentrada na minha cruz. A realidade estava na frente dos meus olhos, e fiquei mais calma ao finalmente chegar à entrada do campus. — Se cuida, Lorelai — meu pai falou ao inclinar a cabeça para trás, tentando fazer contato visual, mas isso não durou um segundo sequer. — Vamos ficar com saudades, filha. — Foi a vez da minha mãe falar um pouco emocionada, e sorri brevemente. — Até mais — respondi, já saindo do carro, observando o vasto gramado à minha frente. Eu me sentia péssima me despedindo assim deles, mas odiava forçar situações em que era preciso demonstrar empatia. Era excelente em mascarar sentimentos, só que cara a cara tinha dificuldades em parecer alguém que não era. Com pessoas desconhecidas isso piorava, era sincera, até demais, e isso me atrapalhava bastante para fazer novas amizades. Muitas pessoas gostavam e precisavam de alguém que massageassem o ego delas, e não era assim. Passo longe disso, aliás. Enquanto caminhava em direção a um dos portões da faculdade observei um grupo de alunos animados ao meu lado. Eles discutiam algo sobre futebol americano, e como não gostava de esportes não absorvi nada daquela conversa sem sentido. — Pra que praticar esportes se eu tenho você...? — falei, abraçada a um dos livros que mais amava: Orgulho e Preconceito, da Jane Austen. Caminhei lentamente, entrando em um dos vastos portões do campus. Em seguida, levei alguns minutos para enfim chegar ao meu destino. O alojamento da faculdade era bem grande. Eram vários cursos, e aqui estudavam mais de 20.000 alunos. A maioria deles ficavam nesses alojamentos, outros em fraternidades, e alguns nas casas dos pais. Tinha de tudo por aqui. Meu dormitório ficava na Ala B do pavilhão 5. No local onde dormia havia 50 dormitórios, e sempre o dividíamos com mais uma pessoa. Depois que abri a porta me deparei com uma figura conhecida sentada na cama, e ao me ver ela estreitou os olhos, tentando ficar séria a todo custo, mas não conseguiu sustentar a pose por muito tempo, abrindo um sorriso logo depois. — E aí, nerd? — E aí, potterhead? — cumprimentei Evelyn, a minha amiga viciada em Harry Potter. Carinhosamente nos tratávamos assim. Evelyn era morena, tinha os cabelos longos e os olhos azuis. Ela tinha a minha altura, 1,60m, e provavelmente era uma das mulheres mais bonitas e charmosas que conhecia. Seu rostinho angelical escondia a metralhadora de problemas que se tornava na faculdade, mas era justamente por isso que adorava a minha amiga. Não era do tipo de arrumar confusões aqui dentro, nem podia, mas ela... fazia com que meus dias ficassem mais agitados, por assim dizer. Nunca fui uma mulher de demonstrar sentimentos, abraçar e beijar pessoas, nada do tipo. Isso acontecia em raros momentos quando estava com a minha mãe. Eu poderia muito bem tentar beijar algum garoto, mas o simples fato de ter mencionado isso em um dia qualquer para minha mãe a fez ficar louca. Em suas palavras eu podia estar sendo vigiada na faculdade por alguém da família Rivera, e quando ouvi essa frase na época tive certeza de que ela não achava, e sim que era algo certo. Acho que a última vez que beijei na boca tinha dezessete anos, mas nem me lembro direito como foi. Eu deveria ter aproveitado mais aquele momento com o Matt se eu soubesse que não poderia fazer mais gestos assim. — Vem cá me dar um abraço! Minha amiga pulou da cama, e veio até mim, beijando-me na bochecha e me dando um abraço bem apertado. Evelyn era bem carinhosa. Em excesso. Ela sabia que eu odiava essas coisas, e justamente por isso as fazia com tanta vontade. — Como estão as coisas? — perguntei, abrindo um meio sorriso. No fundo estava com bastante saudades da minha melhor amiga. — Tudo na mesma. E com esse coraçãozinho? — Tirando que vou me casar com um completo estranho, tudo está bem — respondi, e ela bufou contrariada, negando com a cabeça. — Ainda acho que deveria fugir e viver da sua arte. Nesse momento sorri com mais intensidade, um pouco mais feliz. Acho que a Evelyn era a única pessoa que me fazia sorrir, e também a única que sabia o que iria enfrentar em poucos meses além da minha família e dos Rivera. Arrisco a dizer que ela estava mais preocupada comigo do que meus pais. — Não tenho uma arte, amiga. — Você escreve superbem. Sei que vai virar uma escritora fodona algum dia. Pode anotar! Eu gosto de escrever. Gosto, não, amo. Crio histórias sobre tudo, mas a minha verdadeira paixão era escrever trechos curtos de fantasias. É estranho, mas é como se... o mundo se abrisse diante dos meus olhos, e criaturas imaginárias fossem criadas instantaneamente na minha cabeça. Era como se a minha mente não tivesse limites, e não ter limites era excitante, ao menos para mim, porque nesse meu mundinho eu me sentia verdadeiramente livre. Acho que esse foi um dos maiores motivos para que Evelyn e eu nos aproximássemos nesses dois anos. Ela amava fantasias, tanto quanto eu. Em alguns momentos até ficávamos duelando quem tinha lido mais livros de fantasia contemporânea, e era uma briga dura, já que nós duas passávamos a maior parte do tempo lendo. — Eu acho que prefiro ler, amiga — respondi, colocando alguns dos pertences que eu trouxe na minha cama, deixando o meu livro na cabeceira ao lado. Observei o meu celular, e ainda tínhamos trinta minutos antes da primeira aula começar. — Agora vamos falar sério: quais as novidades? — perguntou, sentando-se ao meu lado, toda animada. — Nunca tenho novidades, amiga. Você sabe que a minha vida é ficar em casa parada quando não estou aqui. — Mas... e seus pais? Eles tiveram alguma conversa de verdade com você ou continuam te tratando do mesmo jeito? — Como um objeto? Sim. Nada mudou. Minha mãe até tenta me mimar, me fazer rir, mas no fundo ela sabe que não sou uma mulher feliz. E, isso tudo é culpa da decisão que eles tomaram. — Não tem como você... fugir, anular esse casamento?! Sei lá — pontuou, agora com o rosto mais sério e triste, preocupada. — Isso seria uma sentença de morte pra eles, acho que até pra mim — revelei, pensativa. — Eu sinto no meu coração que mesmo tendo raiva das atitudes dos seus pais você os ama de verdade. — Não respondi, mas o meu silêncio confirmou o que ela já sabia. — Eu sei que você vai dar um jeito, Lorelai. Tenho certeza disso. Evelyn se esforçava a todo custo para me manter otimista quando tocávamos naquele assunto, mas na maior parte do tempo era em vão. Amava a minha amiga, a forma que ela tentava me botar para cima, só que ela não entendia o quão profundo eram esses sentimentos que eu mantinha em meu coração. — Vamos mudar de assunto — falei, observando o pequeno papel que ela segurava em uma das mãos. — O que é isso? — São os nossos horários. Hoje começaremos matérias novas e fui na coordenação pegar algumas informações. Nossas aulas usualmente eram das 8h30 até 15h30, e tínhamos um intervalo de uma hora. Nos momentos que não estudava as matérias da faculdade eu lia meus incontáveis livros. Havia dois locais queamava ler, que era na sombra de alguma das várias árvores do campus ou na biblioteca mesmo. Geralmente eu me sentava bem isolada nas duas situações, já que odiava ser atrapalhada enquanto lia um livro, principalmente. Pelo jeito era a típica nerd que minha amiga insistia em me chamar, mas adorava ser assim. Ler livros era a única fuga da minha realidade. — E os professores, conhecemos alguns deles? — Nenhum! — falou rápida, e colocou a mão na boca, simulando espanto. — Nossas matérias hoje são: Psicopatologia, Psicologia Social e a última se chama Neurociência Cognitiva. — Parecem interessantes — respondi, um pouco mais animada, com a expectativa alta. — Parecem bem chatas, isso sim! Sorri, balançando a cabeça levemente em desacordo. Minha amiga era avessa a estudos na maior parte do tempo, e não tinha paciência para aulas chatas, como ela mesmo dizia. Quando a matéria ou o professor não eram tão bons, ela simplesmente abria um livro e começava a lê-lo em plena aula, literalmente os ignorando. E, isso piorava um pouco mais, já que nos sentávamos na segunda fileira, onde ela ficava visível para a maioria deles. Evelyn era muito cara de pau, mas até hoje não levou nenhuma bronca em sala por fazer coisas não relacionadas à aula. Acho que os professores aqui não se importavam muito se os alunos estavam absorvendo ou não o conteúdo. Eles faziam a parte deles ao ensinar, cabia a nós prestar atenção e absorver. — Amiga, você sabe que eu te amo, né? — falou, chegando pertinho de mim, e recuei. — Não, Evelyn. Nós iremos continuar nos sentando na segunda fileira. Ir para o fundo é assassinar a nossa inteligência. — Nerd! — respondeu, cruzando os braços e me diverti. — Você já sabia o que eu ia te falar, isso não é justo! — A vida não é justa, e sim, sou nerd com orgulho. Você é muito previsível e sempre fala isso no primeiro dia de aula. No fundão tem muito barulho, além de ter a turminha do Kennedy, do futebol americano, eles não calam a boca um segundo. — A culpa é dos professores, a maior parte deles não impõe respeito. — Sim, por isso precisamos fazer a nossa parte e olha só... prestarmos atenção nas aulas! Evelyn balançou a cabeça, respirando fundo, julgando-me internamente. — Às vezes te odeio, Lorelai. — O amor e o ódio andam lado e lado, vai por mim, eu sei bem disso... “O ������� ��� ������� ����� �� ���� ���� � �����. O� ������� ��������� ��� � ����� ��� �������� ���� ��������� � ����� ������� ������� �������������...” Chegamos à sala cinco minutos antes da primeira aula começar. — Tá com fome, amiga? — perguntei para Evelyn. — Não — respondeu, seca. — Sério?! Porque cara feia pra mim é fome. Evelyn me mostrou a língua, irritada por estar na segunda fileira e me diverti. Um dia ela iria me agradecer por praticamente obrigá-la a sentar-se aqui na frente. A sorte da Evelyn era que ficando aqui ela prestava atenção em algumas aulas, e isso a poupava de estudar de noite, já que ela tinha bastante preguiça e gostava de ficar lendo outras coisas. Se ela fosse para o fundo com aquela turminha barulhenta... — Bem-vindos ao inferno! Grant passou pela porta gritando essa frase e indo até o fundo. Um poeta. — Ele nem tá errado — Evelyn murmurou. Aproveitei para ler algumas páginas do manual dessa matéria enquanto o professor não chegava, o que não demorou. Psicopatologia aparentava ser uma matéria que fugia do habitual, mas motivadora. Era bastante suspeita, pois gostava de tudo que envolve a psicologia, então o novo me fascinava. Depois tivemos aula de Psicologia Social, e acho que foi muito forte para a Evelyn, que agora cochilava ao meu lado. De vez em quando dava uns bons beliscões na minha amiga, e ela despertava, como agora... — Infeliz! Isso machucou! — A força aumenta conforme faço mais vezes. Funciona assim — respondi. — Hoje é o primeiro dia, se esforce. — Tá bom, mãe. Tá bom... Por incrível que pareça ela se manteve acordada durante o restante da aula, e até fez algumas anotações. Nunca pensei que beliscões fossem tão efetivos. Anotado. Fomos para o intervalo, e foi difícil até mesmo se locomover. Todos os locais que íamos estava lotado, e nossa última opção foi ir para o jardim, ficando debaixo de uma enorme árvore sombreada. — Por que a gente é tão antissocial, amiga? — perguntou, encarando as várias pessoas passando por nós, ignorando tudo ao redor delas. Todos estavam em uma turminha de pelo menos três pessoas. Raramente víamos alguém em grupos pequenos, como nós duas. — Eu sou antissocial, você não. — Ah, eu sou desbocada assim só com você. Eu travo na frente da maior parte das pessoas, mas não queria ser assim. — Não mude pelos outros, Evelyn. Você é o que é, isso que importa. — Ou seja: antissocial! Foi inevitável não gargalhar com a minha amiga, e logo em seguida ganhei um abraço. — Espero nunca roubar um namorado seu... — sibilou, toda engraçada. — Acho que só isso pode nos separar. — Se fosse livros eu até concordava, mas... homens?! — questionei, perplexa. — É, faz sentido... — Quem precisa de homens de verdade quando podemos imaginar eles nos livros que a gente lê?! — É uma perda de tempo, né?! — Claro! Evelyn ficou em silêncio, observando o céu limpo, mas depois se voltou para mim: — Mesmo assim, às vezes preciso dar pra homens reais, sabe como é? Necessidades... Fechei meus olhos e sorri, sentindo-me um pouco maluca por tentar imaginar uma cena dessas. — Não, amiga, não sei. Nunca dei, então não tenho essas necessidades. Eu não me julgava por ser virgem, até gostava da ideia. Não era do tipo que sentia desejo em transar com qualquer homem bonito que via, na verdade eu nem podia fazer isso. Automaticamente me lembrei da promessa, só que tentei ao máximo ignorar as imagens que se amontoavam na minha cabeça. — Nossa, no mês passado enquanto estávamos de férias conheci a literatura erótica, e vou te falar uma coisa: eu consegui ter um orgasmo lendo e me tocando, sabia? — Meu Deus, Evelyn... — Desviei o olhar, abaixando o queixo com certa vergonha. — Às vezes me esqueço que é tímida. — E eu que é bem desbocada! — Safadinha também, né, amiga?! — Lançou uma piscadela, e sorri brevemente, desbloqueando o meu celular e checando o horário. — É... pelo jeito o Brad Pitt não me mandou mensagem pra fugirmos dos EUA, então precisamos assistir à próxima aula — falei, e minha amiga começou a rir. — Uma pena, né...? Mas vou conversar depois com o meu homem pra ele te mandar uma mensagem te iludindo. — Que seja rápido, amiga, por favor. Estou com pressa pra fugir... O professor de Neurociência Cognitiva, nossa última matéria, se chamava Ethan White. Por curiosidade pesquisei se ele tinha dado outras aulas, mas não encontrei nada. Era como se essa fosse a primeira aula oficial dele, algo muito estranho se tratando dos professores daqui. Todos eles tinham experiência em algum lugar, ou até mesmo ministraram aulas em outras faculdades, só que no painel dos professores on-line não mostrava quase nenhuma informação referente aos seus estudos, carreira ou algo similar. — Estou tão ansiosa, amiga... — Evelyn murmurou, atraindo a minha atenção. — Ansiosa? — É, quero ir logo embora. Essa é a última aula e estou com sono. Evelyn era assim mesmo. A primeira semana para ela era a pior, mas depois minha amiga acabava se acostumando com a rotina, e não precisava ficar recebendo tantos sermões. Ela magicamente se tornava uma aluna exemplar. Ou quase isso. Fiquei perdida com o tanto de informações quando olhei para trás. A sala estava uma zona, uma gritaria tremenda. Várias bolinhas de papel iam de um lado para o outro; duas bolas de futebol americano eram arremessadas entre os alunos; um casal se beijava encostado na parede. Enfim... — Meu Deus do céu, de onde saiu esse pedaço de mau caminho?! Automaticamente girei minha cabeça, visualizando a minha amiga, que observava um ponto fixo à sua frente. Quando enfim olheipara o mesmo local vi algo que me surpreendeu. Literalmente. — Acho que ele é o nosso professor, o tal do Ethan White — pontuei, agora concentrada no homem, entendendo a reação da minha amiga. — Isso é um sonho? — murmurou, toda tonta. O nosso professor era bonito. Meu Deus, era lindo, digno de um livro de romances. O homem era grande, devia ter 1,90m. Ele tinha cabelos castanhos e curtos, além de olhos azuis, que contrastavam com seu cabelo liso, levemente bagunçado. O rosto quadrado e másculo junto com o seu porte físico, — que outrora eu achava não ser o meu tipo — , começou a me chamar a atenção instantaneamente. Seus olhos agora estavam fixos por onde os meus estavam segundos antes, e seu rosto mudou bruscamente. — Silêncio, por favor! Foi preciso pedir só uma vez. A voz grave e autoritária preencheu o ambiente, fazendo todo mundo se calar imediatamente. Ethan vestia uma calça jeans e uma camisa social branca na medida. Sua roupa deixava seus braços e o peitoral sólido à mostra. Ele era realmente um verdadeiro demônio de olhos azuis na forma humana. Inferno... Preciso parar de pensar em livros de fantasia para descrever os homens na minha cabeça. Olhei para o lado e minha amiga parecia ter perdido completamente a sanidade, mordendo os lábios e com os olhos bem fixos nele, como se quisesse dar para o nosso professor aqui e agora. — Boa tarde. Meu nome é Ethan White e serei o novo professor de Neurociência Cognitiva de vocês. Ele caminhou para mais perto das primeiras fileiras, e Evelyn até ajeitou a postura, segurando o ar. Foi engraçado, e abri um pequeno sorriso. A parte nada engraçada foi quando os olhos dele vieram de encontro aos meus, sabendo que nesse momento eu prestava atenção nele. De certa forma foi intimidante. Depois, ele se sentou na beirada da sua mesa, juntando as mãos e olhando todos os alunos calmamente. O silêncio foi estarrecedor, e pude reparar um pouco mais nesse homem, que conseguia ficar mais sexy ainda nessa posição, olhando-nos com determinação. — Não tolero três coisas em minhas aulas: conversas paralelas, faltas sem justificativas e que façam qualquer outra atividade quando eu estiver explicando a matéria. — Ele sorriu e claramente foi um sorriso maldoso, igualmente sensual. — Estou dando a vocês duas opções: assistir à aula e prestar atenção na matéria ou nem entrarem nessa sala depois de mim. A decisão é de vocês! A nossa última aula já estava acabando. Olhei no relógio e faltavam dez minutos para as 15h30. Minha amiga parecia ter despertado quando seu novo crush entrou, e ainda estava toda encantada o observando. Não a julgo, o homem é lindo de morrer, além de parecer um excelente professor. A maneira com que ele explicava a matéria era única, e tanto a postura quanto a forma com que ele falava captava a atenção das pessoas, inclusive dos arruaceiros das últimas carteiras. Em uma de suas explicações observei o fundo da sala, e todos eles estavam prestando atenção no que era ministrado. Em um desses momentos ele se virou, voltando-se ao quadro, com uma caneta vermelha em mãos. Enquanto ele anotava algumas coisas no painel minha amiga aproveitou para pegar um dos seus livros, e pela capa eu vi que era: Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban. O problema foi quando ela abriu o livro e o leu por alguns segundos. Ethan se virou quase no mesmo instante, como se adivinhasse que os alunos aprontariam, e como estávamos bem perto seus olhos foram de encontro aos dela, ou melhor, ao que ela tinha em mãos. — Não acho que o Sirius Black vai te ajudar nessa aula — falou, com o tom grave, e fechei meus olhos momentaneamente, com vergonha por ela. — E então, vou precisar repetir as regras mais uma vez, srta...? Olhei para o lado e minha amiga estava branca que nem papel. — Evelyn — respondeu, ainda vacilante. — Professor, como... sabe o que estou lendo? Você gosta de Harry Potter? Passei uma das mãos pelos meus cabelos, e tentei sorrir discretamente. É claro que a Evelyn perguntaria isso, ela não conseguia ver um potencial fã de Harry Potter e ignorá-lo, ainda mais sendo o nosso professor. — Não vou repetir, prestem atenção na aula — resmungou, dessa vez passando os olhos por toda a sala e voltando a escrever no painel. Evelyn ficou congelada alguns segundos, mas seus olhos imediatamente foram de encontro aos meus. — O que achou? — perguntei, levemente debochada. — Nosso querido professor tem um belo traseiro. Olha ele de costas.... — murmurou, suspirando toda apaixonada nele. — Você não tem jeito... — respondi fechando meus olhos, sabendo que ela não absorveu nada dessa bronca, muito pelo contrário, entrou em um ouvido e saiu pelo outro. — É oficial: ESTOU APAIXONADA! — exclamou baixinho, com medo de levar outro esporro. — Amadora — respondi. — Você acabou de tomar uma bronca e tanto. — Adoro homens que me desafiam, ele foi o primeiro professor que fez isso. Enquanto ele estava de costas, a sala começou a conversa paralela. Nos primeiros segundos foi algo discreto, mas após quase um minuto os burburinhos eram bem perceptíveis. — Provavelmente esqueci de falar, mas tenho um grande prazer em tirar pontos por conversas fora de hora, ou se estiverem fazendo alguma coisa não relacionada à aula... — disse uma parte da frase de costas, mas a complementou enquanto girava o seu corpo, fuzilando os alunos do fundo, em seguida a minha amiga, que continuou com o livro em cima da mesa. Foi preciso de no máximo três segundos para ela sorrir sem graça e guardá-lo na mochila. Ethan White era um professor que fugia dos padrões. Além de parecer muito centrado e inteligente, dava para ver que ele gostava de pressionar as pessoas. Provavelmente ele devia ser assim na sua vida pessoal. É bem difícil não imaginar isso, é quase artístico. Acho que o meu lado leitora e escritora vieram à tona, e bolei até uma fic maluca na minha cabeça. Depois que acabou de escrever no painel, ele se sentou, abrindo o seu notebook, fazendo a chamada segundos depois. Enquanto ele falava nome por nome tivemos tempo de anotar o que ele havia escrito no painel. Tive a confirmação que o nosso professor não pegaria leve, já que 50% das suas notas eram em forma de testes ou provas, e o restante se dividia em participação e trabalhos. Vários trabalhos. Após falar o último nome da chamada ele disse: — Lembrem-se de uma coisa: o futuro pode nos surpreender. Todo mundo é importante para alguém, independente das circunstâncias. Ethan falou isso do nada olhando para o centro da sala, de certa forma nos pegando desprevenidos. Em seguida recolheu o seu material e saiu da sala. Observei que a maioria dos alunos nem deu moral para sua frase, mas fiquei com ela na cabeça, tentando entender o motivo do nosso professor ter dito algo tão bonito que não se relacionava à aula... — Você vai fazer aquilo hoje...? — Evelyn perguntou pesarosa. — Sim — respondi no mesmo instante. Havíamos acabado de chegar ao nosso dormitório, e estava deitada na cama, fitando o teto. — Amiga, se quiser eu vou com você. — Não, prefiro estar sozinha. Eu tenho um ritual no primeiro dia de aula de cada semestre. Eu encho a cara. Literalmente. Uso esse dia para esquecer do meu futuro, e esse ritual se tornou uma válvula de escape. Nesses dias quando a noite caía me tornava alguém sem preocupações, e infelizmente só conseguia isso bebendo como se o mundo fosse acabar, porque na minha cabeça o meu iria ruir em poucos meses. Não me orgulhava, mas cada pessoa sabia de si, e não ligava muito para o que pensavam de mim. Aqui nos EUA era necessário ter 21 anos de idade para comprar bebida ou consumir algo alcoólico, então precisei arrumar uma identidade falsa com o Grant, um dos alunos que fazia matérias conjuntas. Ele era bom em conseguir coisas ilegais. — Não vai esquecer de me ligar se ficar bêbada a ponto de não saber voltar? — Não. — Sorri, sentindo a preocupação da minha amiga. — E,você sabe, eu sempre volto. — Bêbada, mas volta. E, de madrugada, quando estou dormindo. Sorrimos uma para a outra, mas em seguida fiquei séria, tentando imaginar o que aconteceria comigo quando eu completasse vinte um anos de idade. — Isso só acontece duas vezes no ano, amiga. Nunca tive um problema com isso até agora — expliquei, enquanto me levantava. — Mas eu sei que vai acontecer um dia — pontuou de maneira trágica. — Você não é tão forte quanto acha, nerd. — Eu sou forte e vai dar tudo certo, potterhead — respondi, tranquilizando-a. — Promete?! — Evelyn ergueu o mindinho, e fui até ela entrelaçando o meu, observando seus olhos azuis. — Sim, eu prometo. “N��� � ��� ��������� ������ � ��������� ��� ���� ������� �� ����� �� �������” Lidar com adultos que mais se parecem adolescentes é complicado. Eu até fiz uma força para ser flexível, mas quando vi a zona que estava na sala de aula tudo caiu por terra. Não era do tipo que tinha paciência com arruaceiros. — Primeiro dia, estou certo? Observei um homem bem-vestido entrando na sala dos professores, falando comigo. — Sim. Ele era alto e tinha o meu porte físico, além de tudo, parecia ser bem jovem também. — Meu nome é Brandon, e sou o coordenador do curso. Gosto de falar com os novos professores do departamento. Como foi a sua primeira aula? Só espero que essa não seja uma entrevista. — Proveitosa. Os alunos são bem participativos, até demais. Brandon abriu um meio sorriso, depois ficou um pouco mais sério. — Sei o que quer dizer com isso, e espero que os coloque na linha. Quando era professor me tornei o terror dos alunos, espero que eu tenha um sucessor à altura. Me botaram um apelido carinhoso de “o dementador”. — O dementador?! — repeti, curioso, tendo uma ideia do que se tratava. — Isso mesmo. Eles diziam que eu causava depressão e desespero quando aplicava uma prova. Não vou mentir, gostei do apelido, rimos muito quando eles me contaram. No dia seguinte fiz provas mais difíceis. Eles precisavam ver que eu tinha levado a sério. Fechei os olhos e abri um breve sorriso. Gostei do humor desse cara. — Pelo jeito tenho carta branca para ensinar da maneira que eu quiser. — Sim, cumprindo o cronograma do curso você pode fazer o que bem entender. — É ótimo saber disso. — Bom, estou indo. — Girou o corpo, ficando de lado e voltando em direção à porta que entrou. — Sei que é novo na cidade, qualquer coisa pode me procurar. — O convite vale para tomar uma cerveja nos finais de semana? Não conheço muitas pessoas nessa cidade. — Com toda a certeza. A parte ruim de estar em um lugar pouco conhecido era que você tinha muitas opções pra sair, mas acabava não indo para lugar nenhum. As desculpas acabavam sendo mais fortes. Estava em Cambridge há quase vinte dias, mas foquei tanto na faculdade que ainda não aproveitei. Isso acabaria hoje de uma vez por todas. Depois que saí do campus, parei no bar mais próximo para tomar uma cerveja. Por mais que ainda fosse segunda-feira eu precisava fazer algo diferente. Andar, ver pessoas, não importa. Não sei o exato motivo, mas pensei alguns minutos em minha família, na Vlachosia, a organização que me desliguei anos atrás. Ainda acho estranho que uma simples informação fizesse com que eu me desvinculasse da máfia, mas não podia reclamar, agora estava vivendo o meu sonho, e finalmente sentia que minhas escolhas foram acertadas. Pelo menos dessa vez. O bar estava começando a lotar. Observei os arredores, e algo me chamou a atenção. Alguém. De relance percebi uma mulher cambaleante saindo do banheiro feminino, e foi preciso observá-la apenas cinco segundos para notar duas coisas: ela estava claramente bêbada e era uma das minhas alunas. Lorelai. Ela não era o tipo de mulher que passaria despercebida na multidão. Seus olhos eram bem azuis, da cor do mar, o corpo bem desenhado, como se a sua genética a favorecesse completamente. O cabelo dela era bem preto e longo, alcançando sua bunda. O maior problema foi reparar melhor as nuances da sua expressão facial. Ela tinha um olhar que me fazia perceber que estava bem triste. Algo mais parecido com solidão. Lorelai estava com um moletom da faculdade, e parecia não se importar muito com as pessoas a olhando. Ela se sentou em uma das cadeiras em frente à bancada, e imediatamente pediu uma dose para o garçom. Seus olhos estavam bem caídos, e às vezes ela ria do nada, como se alguém tivesse contado uma piada imaginária, só que em seguida ficava séria, como se a culpa a consumisse. Iria embora em alguns minutos, mas resolvi ficar mais um pouco. Não sei bem o que aconteceu, mas estava ficando preocupado com aquela garota... Desde que Lorelai se sentou passaram-se trinta minutos, e contei ela pedindo quatro shots de algo. Parecia tequila, mas não sabia ao certo já que estava longe. De soslaio percebi alguns homens conversando, apontando a cabeça na direção da jovem, e tinha uma ideia de que em breve ela seria abordada por vários deles, e no estado que ela se encontrava previ o pior. Inferno! Tudo que eu queria era beber em paz, mas pelo visto hoje isso não estava ao meu alcance. Levantei-me e caminhei alguns metros, rapidamente me sentei ao seu lado quando uma mulher desocupou o assento. — Você está bem? — perguntei, atraindo a sua atenção. — E- Ethan?! — exclamou, surpresa e com o rosto vermelho. — O próprio. Vou perguntar de novo: você está bem? — Uhum. Você pode fazer um favor pra mim? — Dessa vez ela abriu um lindo sorriso ao me olhar. — Sim. — Vai embora! Sim, ela disse isso do nada, e voltou sua atenção para o balcão à sua frente. — Não estou aqui com segundas intenções, só quero te ajud... — E nem se tivesse. Você não faz o meu tipo. A garota nem sequer me deixou terminar de falar, e em momento nenhum observou meus olhos após o primeiro contato. Lorelai cuspiu essas palavras que nem uma criança discutindo com a mãe. Pelo jeito a minha aluna era bem petulante, mas para a sorte dela eu estava com mais paciência que o normal. — Não acho seguro você ficar aqui, Lorelai. Não com tantos homens te olhando, esperando o momento certo para se aproximarem. Dessa vez ela me analisou, estreitando os olhos, que estavam bem caídos. Era bem claro que essa garota estava no limite, o tom da sua voz estava bem abalado. — Então você sabe o meu nome... — Sim, eu sei. — Vai me dar nota baixa por te desobedecer, Ethan White? — provocou, mordendo os lábios, e tentei evitar reparar em sua boca provocante. — Por que eu faria isso? — Cruzei os braços, analisando-a, entrando no seu joguinho. — Sei lá, você pode tentar me prejudicar por te desobedecer. Não sou idiota. — Não, é só alguém que resolveu ficar bêbada em plena segunda-feira. E, pelo seu rostinho aposto que nem tem idade pra beber, deve estar usando uma identidade falsa. Pensei melhor, acho que pode ser um pouco idiota. — E você veio no bar pra quê?! Ser idiota também?! — praticamente cuspiu essas palavras, com raiva. Lorelai tinha uma resposta provocativa na ponta da língua para tudo que eu falo. Dessa vez não respondi nada, só foquei na minha aluna. Ela tinha um cheiro bom, que me lembrava o jardim, mais especificamente o aroma de uma cerejeira. Ela não conseguiu me encarar por muito tempo, seus olhos estavam turvos, e uma parte dos seus cabelos longos e pretos estavam desalinhados. — O que você tá fazendo aqui? — perguntei, observando o meu relógio de pulso e constatando que já havíamos entrado no horário da madrugada. — Estou celebrando — ela foi rápida na resposta. — Que tal ser mais específica? — Que tal parar de me encher o saco?! — rebateu. Continuei olhando incrédulo para a minha aluna durante algum tempo. Em sala de aula Lorelai parecia alguém tímida, não uma mulher tão atrevida. A bebida transformava algumas pessoas. Aprendi que ou bebemos para esquecer, ou para tornar nossos atos passíveis de serem esquecidos, e estava curioso parasaber qual era o real motivo dela. Era bom em interpretar as pessoas, mas tratando-se de alguém nesse estado ficava complicado, e não estava com paciência e nem vontade de decifrar as pessoas ultimamente. — Pare com isso! — bradou, com os olhos mais vermelhos que o normal. — Parar com o quê? Seja mais clara. — De me olhar assim. — Me dê um bom motivo, Lorelai. — Arqueei as sobrancelhas, confuso. — Ninguém me olha assim. Não... desse jeito. — Mesmo bêbada e desbocada você não deixa de ser uma bela imagem, menina — afirmei, e pela primeira vez notei certa vulnerabilidade em seu rosto ao me observar, e isso foi perturbador, porque sabia que havia algo de muito errado em toda essa situação. Foi inevitável não reparar em sua boca, tão carnuda, cheia e tentadora. Se controle, Ethan. Ela é a sua aluna e precisa de ajuda. — Sou livre e presa, isso sim... Sua frase não tinha sentido, e vi que já era a hora de encerrar o expediente dela. Quando vi Lorelai fazendo sinal para o barman descer outro shot de sabe-se lá o que fui mais rápido. — Ela não vai beber mais nada — grunhi, e o homem recuou. Isso foi o estopim para ela praticamente me avançar. — O que pensa que está fazendo?! — Nós dois vamos embora. Agora! — ordenei, e peguei uma de suas mãos, fazendo com que ela se levantasse. — Me solta! Eu vou chamar o segurança e falar que está me agarrando à força! Ela se desvencilhou, agora de pé, apoiando uma das mãos na bancada, zonza. Lorelai ficou muito tempo sentada, e sabia que não conseguiria se apoiar sozinha sem ajuda. Isso estava bem nítido. — Quer chamar mesmo o segurança?! — questionei, cruzando os braços. — Acha que não tenho coragem, é? — respondeu, tentando vir até mim e quase caiu se desequilibrando. — Não tem, até porque vou falar que é menor de idade. Você tem bastante a perder. — Duvido! — Que tal a gente descobrir isso agora, mocinha?! Girei o meu corpo e acenei para o segurança, que veio andando a passos largos até nós. Ao que parece Lorelai não acreditou em mim, ou no que acontecia diante dos seus olhos. — O que está havendo aqui? — Ela quer falar algo, não é, Lorelai? — Dei ênfase no seu verdadeiro nome, e ela ameaçou abrir a boca, recuando em seguida. — E então?! — o segurança impaciente perguntou de novo. — Eu só... quero saber onde eu pago a conta. — Ali! — Apontou, enérgico e imediatamente saiu irritado do nosso raio de ação por causa do tempo perdido. — Você acabou com a minha noite, quero que saiba disso! — Estamos quites, eu só queria beber tranquilo, só que a minha aluna menor de idade resolveu encher a cara na minha frente. — Odeio pessoas certinhas, e dá pra ver que é uma delas! Se ela soubesse metade da minha história nunca diria isso. Sei muito bem como é ter uma "identidade falsa", vivia com a minha todos os dias. — Sim, sou bem certinho. Agora, me fala: onde é a sua casa? Ou você dorme no campus? — Por que quer saber? Vai dormir comigo, é? — Lorelai respondeu bem debochada, e se desequilibrou, caindo em frente a mim, literalmente contra o meu tórax. Ficamos nos olhando por algum tempo, em silêncio. Pelo jeito nenhum de nós dois queria se mover, no entanto, ela precisava ouvir algumas coisas. — Primeiro: não durmo com alunas. Segundo: só transo com mulheres que vão se lembrar de tudo que fiz no dia seguinte, e terceiro: você não preenche nenhum desses requisitos. — Você é cheio disso, né? Primeiro, segundo, terceiro... — debochou, desviando os olhos. — E você é péssima em disfarçar o quanto fica desconfortável, e a sua maneira de sair dessas situações é ser agressiva ou mudar de assunto. — Ah, quer saber?! Eu não me importo com a sua opinião. Ninguém quer transar comigo mesmo. Na verdade, nem sei o que é isso... Lorelai ainda estava com as mãos em meu tórax, só que agora com o olhar baixo, perdido. Apesar de tudo, sua frase não saiu da minha cabeça. Essa garota era virgem?! — Como você veio parar nesse bar? — perguntei, ignorando meus próprios pensamentos. — De Uber — murmurou. — Posso te pedir um favor...? Assenti, mas já sabendo que alguma provocação estava prestes a sair da sua linda boca. — Pode. — Você me leva pro campus? Eu durmo no alojamento — perguntou, e vi o quanto sua face estava abatida agora. — Levo. Agora ela não se parecia em nada a mulher destemida que estava me retrucando no bar, e sim a estudante da segunda fileira em minha primeira aula. — Vou pagar as nossas contas e vamos dar o fora daqui. Depois que saímos do bar, segurei uma de suas mãos enquanto caminhávamos mais lentamente que o normal, tomando cuidado para que ela não pendesse para os lados. Lorelai agora me olhava com certa expectativa, o rosto estava sereno, como se fosse um alívio estar na rua. — O que foi? — Sua mão é quentinha. E grande. Observei-a melhor, e agora meus olhos focaram na tatuagem que ela possuía no antebraço. Provavelmente era loucura da minha cabeça, mas já vi uma imagem parecida. Tatuagens são parecidas, Ethan. Ajudei-a a entrar no meu carro, e poucos minutos depois já estávamos na entrada do campus. Ela não disse nenhuma palavra no caminho, seu rosto estava virado para o lado direito e assim ficou durante todo o percurso. — Chegamos. Minha aluna não respondeu, só ficou na mesma posição, como se estivesse... dormindo. Tirei o meu cinto, em seguida fiz o mesmo com o dela. Cheguei mais perto do seu corpo, sentindo o seu perfume e observei o seu rosto. Como previ, ela estava mesmo apagada. — Acorde, Lorelai. — Toquei o seu ombro e ela despertou, um pouco assustada, mas ao me ver, estranhamente ficou mais calma. — Não posso entrar nos dormitórios, isso é contra as regras e daria um grande problema pra você. — Pra nós dois, né? — perguntou, ainda sonolenta. — Neste momento não estou preocupado comigo, e sim com você. Se não tiver outra opção eu entro, sem nenhum problema. Ficamos nos olhando por uma fração de segundos, e por fim ela assentiu com um pequeno sorriso. — Eu... vou ligar pra minha amiga. Ainda com certa dificuldade ela digitou um número e foi prontamente atendida. Em seguida pediu para a sua colega vir até a entrada. — Melhor sairmos do carro. Ficar sentada e se levantar do nada vai te causar tonteira e enjoo. — Pelo jeito você sabe muito sobre isso. — O suficiente, Lorelai — respondi, recordando-me de algumas lembranças de um passado nem tão distante. Saí do automóvel, e ajudei Lorelai a fazer o mesmo. Em seguida, ela se apoiou na carroceria, e fiquei ao seu lado, tomando cuidado para que ela não pendesse para o lado oposto. — Queria pedir desculpas se te tratei mal. — Eu sabia que mais cedo ou mais tarde se arrependeria do que fez hoje. — Não é arrependimento. É que eu sou impulsiva, falo sem pensar na maioria das vezes. — Sério?! Que surpresa... Lorelai pela primeira vez sorriu de forma espontânea, e eu me senti aliviado por algum estranho motivo. Eu não era o tipo de cara que fazia amizade de forma simples, a minha personalidade naturalmente levantava barreiras instransponíveis, e acho que ela se parecia mais comigo do que pensei. A alguns metros de nós, percebi uma mulher literalmente correndo em nossa direção, e meu cérebro automaticamente se lembrou do rosto dela. Evelyn, a menina que estava lendo Harry Potter no meio da minha aula. — Você está bem, Lorelai? — Sim. Evelyn alternou os olhares entre nós dois, e ajeitei a minha postura. Sei bem o que ela podia estar pensando. — Dê bastante água pra ela. Se for preciso segure os cabelos da sua amiga se ela precisar vomitar, e fique de olho na Lorelai. — Como eu disse, você gosta de algumas regras... — balbuciou, e sua amiga segurou a sua mão, em seguida foram caminhando até a entrada do campus. Fiquei ali as observando, e só entrei no meu carro quando finalmente as vi cruzarem o portão. “O ������� �� ������� �������� ��� ����� �� ������...” Evelyn não perguntou nada enquanto caminhávamos lentamente até o nosso quarto. Estavatonta, enjoada e com muita vergonha dessa última hora. Meu professor não só me pegou enchendo a cara, como tinha convicção de que eu usava uma identidade falsa. Ainda assim, fui ajudada, mesmo contra a minha vontade inicialmente. — O que estava fazendo com o nosso professor, Lorelai?! — Amiga... Eu não consegui falar mais uma palavra sequer, e caí em prantos, chorando que nem uma criança. Ter lampejos do meu futuro fazia com que minha vida se tornasse um verdadeiro inferno. Os sentimentos estavam me fazendo perder a razão, a inteligência e até mesmo a consciência. Evelyn me fez sentar na cama, fazendo o mesmo em seguida, segurando minhas duas mãos enquanto tentava de alguma forma me acalmar. Finalmente consegui respirar sem que as lágrimas rolassem pelo meu rosto, e respondi à sua pergunta: — O Ethan me viu no bar e veio até mim. Depois ele me obrigou a... — Não precisa me falar mais nada! — me interrompeu, visivelmente nervosa. — Amanhã mesmo nós vamos denunciar esse monstro, onde já se viu, você estava toda vulnerável e ele... — Não. — Segurei com mais força as mãos da minha amiga. — Ele não fez nada, na verdade, ele... me ajudou. Novamente caí aos prantos, e imediatamente o vislumbre do meu futuro veio com mais força na minha cabeça. Minha esperança de ter um futuro brilhante e uma vida feliz estavam com os dias contados. — Amiga, eu estou aqui... Evelyn ficou abraçada comigo por um bom tempo, enquanto eu derramava lágrimas e mais lágrimas. Não queria mostrar tantas vulnerabilidades, mas às vezes não controlava as minhas emoções e acabava extravasando meus sentimentos. Eu não queria ser assim, mas cada um sabe o fardo que carrega... Na grade que a coordenação me enviou foi especificado que eu ministrasse aulas na segunda-feira de tarde, terça-feira pela manhã e sexta-feira no período da tarde. Minha aula hoje, na terça, começava às 8h da manhã, e reparei que a sala estava mais vazia do que no primeiro dia. — Bom dia — falei, após ter esperado cinco minutos após o horário inicial. — Avisem para os colegas de vocês que a partir de hoje farei chamada no começo e no final da aula. O espanto foi geral, e percebi de imediato que eles estavam pensando em usar a tática de chegar faltando alguns minutos para a aula acabar. Isso não vai funcionar comigo. Observei que o assento ocupado por Lorelai ontem estava vago, mas a sua amiga estava presente na aula. Rapidamente passei os olhos pela sala e constatei o óbvio: ela não estava aqui. Como planejado dei a minha aula normalmente, mas durante alguns momentos pensei em minha aluna, bem como se ela estava bem. Quase duas horas depois terminei a minha explicação, e posteriormente fiz chamada, terminando a aula. — Vocês estão liberados, menos você, Evelyn. A menina engoliu em seco, e os alunos um por um foram saindo enquanto ela me esperava, preocupada. — Eu fiz alguma coisa errada? Nesse momento estávamos somente eu e ela na sala de aula. — Não. Pedi pra esperar porque quero saber como a Lorelai está. — Ah, quando saí ela tava dormindo, eu não quis acordar minha amiga, mas sei que a Lorelai vai me matar. — Por que ela te mataria? — Ela nunca faltou a uma aula sequer. Essa é a primeira de todas — revelou, pensativa, desviando os olhos. — Entendo. — Me fala... a nerd vai perder nota pelo que ela fez? — perguntou, atenta, torcendo para que eu cedesse, o que não aconteceria. — Com toda a certeza. Não pela bebedeira, mas sim pelas duas faltas hoje. — Meu Deus! Agora tenho certeza de que ela vai me matar... — anuiu suspirando e fechando os olhos momentaneamente. — Eu queria te perguntar outra coisa: o que... aconteceu ontem? — A encontrei em um bar. Ela estava bêbada, e vi alguns homens querendo se aproximar. Eu sabia que ela não conseguiria ir embora sozinha e que poderia ser assediada, então a ajudei. Mas isso tudo você já sabe, não é? — Evelyn arregalou os olhos, e imediatamente ficou sem graça. — Não tem problema, você só está verificando a história que ela te contou. Isso é amizade, proteger quem você gosta. — Não sei se ela te agradeceu, mas... muito obrigada por ajudar a minha amiga. — Tudo bem, mas mantenha ela longe desses lugares. — Não se preocupe, ela não vai mais. A convicção que ela disse essa frase foi de alguém que realmente sabia o que falava, e resolvi não entrar em mais detalhes. — Você está liberada. Acordei com uma tremenda dor de cabeça, mas foi só olhar o meu celular que pulei da cama e até ignorei essa sensação. 11h. Não posso acreditar que perdi a aula. Rezei mentalmente para que isso fosse um sonho, na verdade, um pesadelo, mas o relógio na parede confirmava minhas suspeitas. Levantei-me rapidamente e fui até o banheiro, observando o meu rosto pálido no espelho, meus lábios inchados e olhos avermelhados. Liguei o chuveiro, tomando um banho com água gelada, enfim me despertando. Já havia perdido a primeira aula, e não ia ficar me remoendo. Mentira, vou sim, e estou fazendo isso agora. Não parei de pensar um minuto sequer nesse vacilo, e prometi que isso não voltaria a acontecer. — Jamais — repeti para mim mesma, tentando me manter no controle da situação. Quando voltei para o quarto Evelyn estava sentada na cama, colocando os seus materiais em sua pequena mesa. Ao me ver deu um sorriso amarelo. Minha amiga já sabia o que eu falaria. — Por que não me acordou, Evelyn? — Me desculpa, é que... você estava dormindo que nem um anjinho, e a noite ontem foi... bem intensa pra você. — Sim, intensa até demais. Tive alguns lapsos do que aconteceu ontem, e na maioria desses vislumbres meu professor estava presente. Que vergonha alheia, meu Deus... — Agora é um péssimo momento pra falar que você perdeu ponto por não estar presente? — revelou, levemente sem graça. Vindo dela isso era uma novidade. Fechei meus olhos, balançando a cabeça. — Eu imaginei. — O Ethan agora faz chamada no começo e no fim da aula, então... teoricamente você perdeu mais pontos que o normal. — Meu Deus... Ainda não era nem meio-dia e já tinha uma nova razão para chorar: o dobro de pontos perdidos. Agora iria ter que compensar isso nas próximas aulas, ou provavelmente por conta própria. Isso não era bom, nada bom. No fim, só fiquei irritada comigo mesma, como sempre, mas ia me dar um castigo de acordo. Sem leitura de livros e estudo aprofundado na matéria que perdi a aula. — Você pode tentar falar com ele, né... sei lá. — Com o Ethan White?! Eu me lembro bem como foi a primeira aula do nosso professor, e se tem uma coisa que ele não vai fazer é salvar meus pontos. — É... e hoje ele estava bem pior viu. — Como assim? — Ele derrubou o esqueminha dos alunos de entrarem na sala só no fim pra pegar a chamada. A sala estava vazia antes das 9h. Acho que nem metade dos alunos estavam presentes, e por isso ele fez a primeira chamada 8h05. Pontualmente. Abri um meio sorriso, imaginando a cena. Não esperaria outra atitude dele, até porque o meu querido professor realmente estava focado no mais importante: dar aula. — Errado ele não está. — Meu Deus, nerd! — grunhiu, e logo depois abrimos um sorriso quase que simultaneamente. — Vou compensar esse tempo perdido amanhã e quinta- feira. Você fez alguma anotação? — Sim, senhora — debochou, já me entregando o caderno. — Prestei atenção em tudo. Eu sabia que você ia me comer viva se eu não fizesse isso. — Por isso é a minha melhor amiga. — É, eu sei. — Fez charminho, dando uma piscadela. — Ele tava bem gostoso hoje, uma pena que não viu. — Ele é gostoso, amiga. — Hmm... — Você entendeu... — disfarcei, observando o caderno à minha frente. — Sou virgem, mas não sou cega. — Ontem você o viu chegando no bar? Balancei a cabeça negativamente, tentando puxar na memória algo. Sem sucesso. — Eu não me lembro de muita coisa ontem, só um pouco da nossa conversa. Ele me obrigou a ir embora do bar, e sabia que eu era menor de idade. — Gostoso e esperto. Só temum defeito. — Qual? — Estreitei os olhos, curiosa. — É autoritário demais. — Você disse que gostava de homens que te desafiassem. — E gosto. Mas... ele me obriga a prestar a atenção na aula, e às vezes só quero dormir ou ler meus livros em paz. — Evelyn... hoje foi só o segundo dia de aula. — Pois é, e já estou cansada dessa faculdade. — Deitou-se na cama, fitando o teto, toda preocupada, como de praxe. Ouvia essa historinha desde o primeiro ano. Evelyn não mudou nada. — Você vai aguentar firme, eu vou te ajudar a focar nas aulas. — Ajudar?! Está mais para me obrigar a prestar atenção. — É bem por aí... — Enfim, vou deixar o gostoso pra você, faz mais o seu tipo. — O Ethan não faz o meu tipo. — Fui rápida ao responder, não tendo certeza da minha própria resposta. — Ele faz o tipo de todas, nerd. Inclusive o seu, não precisa mentir. — Se isso te faz feliz, então, sim, ele deve ser o meu tipo. Mas não posso escolher meu futuro namorado, então pouco importa. — Eu sei, desculpe. — Não precisa se desculpar por isso, amiga. — No fundo eu sinto que sua vida vai dar uma grande reviravolta. Sei lá, é o que meu coração fala, e ele acerta bastante sobre as outras pessoas, já sobre mim... — Tenho menos de seis meses pra isso acontecer, e não acredito em conto de fadas, Evelyn. Eu só leio mesmo. — O quê?! Blasfêmia! Você não acredita no que lê?! — Só às vezes. — Calúnia! — Fez uma voz diferente, e me acabei de rir com a sua cara. — Saia imediatamente desse quarto e devolva a minha amiga escritora que sonha acordada! — De jeito nenhum! E outra coisa: é você quem fica sonhando com príncipe encantado, potterhead. — Falando nisso, sonhei que estava casando com um príncipe ontem! Não que isso faça diferença, mas era um príncipe chinês! — Chinês?! — Arqueei as sobrancelhas, chocada. — É... até meus pensamentos sabem que eu quero alguém bem longe daqui. — Suspirou, pesarosa. — Acho que nós duas não temos conserto, amiga. — Fui até a sua cama, deitando-me ao seu lado. — Às vezes eu só... Evelyn parou de falar, e até pensei que sairia alguma frase de sabedoria, ou até de lamentação por causa da demora. Ledo engano. — ... queria dar mesmo. — Você transou semana passada. — Transar sem preliminares não é transar — respondeu, fechando os olhos. — Obrigada pelo minuto de sabedoria. — Gargalhei, observando a minha amiga, sabendo que foi preciso menos de um mês para que eu verdadeiramente a amasse. — Preste bem atenção! — Ela se ajeitou melhor na cama, olhando-me bem firme com o indicador balançando de um lado para o outro. — Se um homem não te fizer gozar com os dedos ou com a boca antes de meter não dê pra ele! Está ouvindo?! — Sim, anotado. — Acho bom. É tempo perdido, como foi a minha transa, uma pena, ele conversava tão bem... Evelyn é carente, assim como eu. Com homens então nem se fala. Todo mês ela se apaixonava por alguém diferente, mas no fim das contas nunca dava certo. Ele só se envolvia com os "sem futuro", como ela mesmo dizia, e o pior era que ela gostava desses, os que não prestavam. — Um dia a sua sorte vai mudar, amiga — falei, tranquilizando-a. — Eu sei, mas espero que a sua mude primeiro. Você precisa mais do que eu — respondeu, abraçando-me, e por um segundo acreditei mesmo que algo extraordinário aconteceria na minha vida... “E������� ������ �� ������� ������� �� ����� �������...” Assunto: O dia em que pisei no inferno... Boa noite, querida, Lorelai. A primeira coisa que deveria saber é: a pior coisa no inferno é ver os humanos tentando fugir desesperadamente dele. Durante a vida, as pessoas vêm e vão, mas aqueles que permanecem ao nosso lado são os que realmente se importam com a gente. Quanto mais difícil for seguir em frente, melhor será a vista atrás de você, e quando chegar o momento de aproveitar e viver, será mais fácil. As boas lembranças serão inesquecíveis. Decida cuidar da sua cicatriz. Você não quer ser a responsável por atrasar sua própria vida. Num sentido metafórico, sua marca é a sua verdade, mas em outro sentido a sua cicatriz é parte da sua vida, e jamais será removida. Entenda que você é mais que simplesmente uma história, e que faz parte de várias jornadas. O mundo é uma conexão, e você está presente nele, então agradeça pela vida. Não se preocupe muito com suas escolhas. Alguns detalhes podem estar errados em um primeiro momento, mas você mais do que ninguém sabe que essa história está longe de ser completa. É inevitável que quanto mais perto de si você estiver, maior será a dor e a tristeza que irá sentir, mas isso vale também para o amor, a alegria e a amizade. Sentir tudo intensamente é a única forma de apreciar algo de valor. Não jogue fora as suas lembranças, elas são o que são. O que você se recorda estará sempre presente no seu coração, e mesmo deixando essas lembranças de lado elas voltarão, inevitavelmente. Nesse mundo em que vivemos você vai sofrer, se divertir, e por fim, amar. Estar no lugar errado não é uma falha se você o faz tentando acertar. Um dia você será o ponto de controle que marcará o destino de todos que ama e admira. Se lembre disso para sempre: quando se sentir mal escreva mensagens positivas. Respeite os seus motivos, e seja apenas você mesma, no início e no fim dos tempos. Faça isso para você. Por você. Abri um enorme sorriso quando terminei de escrever essas palavras em meu diário. Sabia que a tristeza era um mal sem remédio, mas tentava de todas as formas combatê-la. Seja com palavras motivadoras, textos ou anotações. Apegava-me a tudo que sentia ou fazia. Uma das coisas que eu aprendi não só na biblioteca da Universidade, como na vida, é que a nossa história nunca era linear do começo ao fim. Havia sempre altos e baixos. As pessoas pensavam e escreviam aquilo que desejavam ser a verdade, e assim a história da vida era criada. No entanto, a verdade nunca é 100 % verdadeira, e da mesma forma a mentira nunca era uma completa mentira. Nossa passagem pelo mundo era cheia de complicações e traumas. O simples fato de sentir tudo tão intensamente provocava dor em vários momentos da vida, mas isso era importante, essa dor que nos ajudava a seguir em frente. — Gosto de te ver sorrindo, nerd. — E eu gosto de sorrir às vezes, potterhead — rebati, ainda radiante, sentindo-me revigorada. — O que vamos fazer hoje? Maratona de Harry Potter?! — perguntou, toda animada. — Adoraria, mas vou para a biblioteca estudar. Perdi a aula do Ethan, e preciso ler os capítulos que ele pediu. — Estraga prazeres! Sorri. — Me fala: você anotou tudo mesmo que ele passou? Não tem mais nada? — Meu Deus, Lorelai! Não sou uma aluna tão ruim assim. Quer dizer... só às vezes, mas o que está em meu caderno é tudo. — Desculpa, amiga. É que não estou acostumada a faltar. — É... acho que isso é um sinal pra você parar com esse ritual maluco que arrumou, ainda mais sem a sua melhor amiga por perto. — Eu quero parar. Eu juro... — Você vai conseguir, eu tenho certeza. Havia algumas forças em meu corpo que me moviam em um sentido contrário ao que desejava. É uma guerra constante, mas seguia batalhando. Arrumei a minha mochila, colocando alguns livros nela e o caderno da minha amiga. Nas quintas-feiras nossos horários eram mais flexíveis, já que tínhamos só uma aula que seria ministrada de tarde, então ficaria alternando entre a sala de aula e a biblioteca. Fui em direção à biblioteca ainda compenetrada pelas palavras que escrevi em meu diário. Não escolhia cuidadosamente as frases que colocava no papel, elas simplesmente vinham, diretamente do meu coração. No meio do caminho, ao passar pelo centro da Universidade, vi as pessoas andando pelos corredores como se estivessem em uma corrida contra o tempo. Acho que isso se deve a todo o peso que exigimos em nossa própria vida. Depois que me acomodei no meu cantinho da biblioteca, o contraste foi perceptível. Alguns alunos estavam de fato estudando, outros lendolivro aleatórios e alguns dormindo. Se alguns deles estavam cochilando em plena biblioteca os considerava bastante inteligentes, já que provavelmente estudaram a cota do necessário. Ao contrário de mim. Já era hora de parar de me sabotar, então finalmente abri um dos livros da matéria de Neurociência Cognitiva... Nas três vezes que passei na biblioteca hoje, Lorelai estava na mesa que costumo trabalhar, e o detalhe era que entrei ali nos três períodos: manhã, tarde e noite. Não sabia como ela conciliava o tempo entre suas outras aulas e o estudo aqui dentro, mas ao que parece essa garota aproveitava ao máximo as pequenas folgas que dispunha. No período da noite resolvi voltar à biblioteca, e não pensei muito, indo até ela. Fiquei de pé, observando-a durante alguns segundos, com as duas mãos nos bolsos. — É feio ficar encarando as pessoas estudarem, Ethan — falou, puxando o meu nome, tentando parecer irritada. — Agora entendo porque sua amiga te chama de nerd. Te vi na biblioteca nos três períodos hoje. — Você está me chamando de nerd? Isso não é o tipo de coisa que um professor nunca deveria falar? — perguntou, nem sequer dando o trabalho de me olhar. — Provavelmente, não. Mas... — Eu não preciso de uma babá, Ethan — respondeu, agora me observando por alguns segundos. Em seguida, voltou a atenção para alguma anotação que fazia em seu caderno. — Isso é ótimo. Nunca tive vocação pra babá, e você já é bem crescidinha. — Então não aja como se eu fosse uma criança. É bem simples de resolver. — É só agir como uma adulta. E o primeiro passo é não usar uma identidade falsa pra beber. — Eu só faço aquilo duas vezes no ano, não se preocupe, querido professor. — Tão específico assim? Lorelai me intrigava, só que da mesma forma havia algo nela que me mantinha por perto. A sua petulância claramente era uma barreira que ela armou contra as pessoas, e não precisava ser muito esperto para saber que alguém a decepcionou profundamente. — É sério. Estou bem, e não vou faltar a mais nenhuma aula. — Você é assim com todas as pessoas? — Assim como?! — indagou, mirando meus olhos. — Evasiva. Como se tivesse medo de mostrar quem realmente é por dentro. — E se eu for? — Bom, aí eu diria que se parece mais comigo do que pensei — respondi, já me sentando bem à sua frente. — Não precisa tentar me conquistar. Quer dizer... conquistar... minha empatia. Foi isso que eu quis dizer. Sorri, observando a minha aluna bastante sem graça agora. — Você é do tipo difícil de conquistar? — Difícil, não. A palavra mais certa é impossível. — Impossível, sincera e evasiva. Mais alguma coisa que eu devo saber? — Mais duas coisas: amo o meu curso e sou uma leitora compulsiva. — Fantasia é o seu gênero preferido? Perguntar isso foi como abrir a caixa de pandora, e isso a despertou instantaneamente. Lorelai parou tudo que estava fazendo, e colocou sua caneta na mesa, analisando-me com extremo cuidado. — Como sabe? — Pensei que não achava legal uma babá te enchendo o saco — respondi, cruzando os braços, escorando-me na cadeira. — Digamos que você se tornou uma babá interessante agora. Abri um meio sorriso, e finalmente vi que estávamos estabelecendo algo parecido com um diálogo normal, sem troca de farpas. — Ainda não sei se prefiro a sua versão bêbada ou sóbria. — Bom, você só vai descobrir se conversar mais comigo. — Isso é um convite? — Arqueei as sobrancelhas, não conseguindo desviar meus olhos dos dela. — Não — respondeu, voltando sua atenção para um dos livros do curso. — Uma pena. Queria muito falar sobre os livros de fantasia que quero ler. Pegar a opinião de quem realmente gosta do gênero. — Levantei-me, respirando fundo e dando dois passos para o lado, só que uma voz foi mais rápida: — Quais livros? Virei-me, e ela balançava a cabeça de um lado para o outro, como se a sua boca tivesse desobedecido a sua cabeça. — Amanhã você vai descobrir. — Amanhã?! — Sim, vou trazer alguns deles pra você avaliar. — Acho que é só uma desculpa para vir aqui e falar comigo. — Vamos ver. Mas não se preocupe, o dia passa rápido. Agora que roubou o meu lugar, vamos nos ver mais do que pensa. Bons estudos, Lorelai. — Você tá bem aérea, nerd — Evelyn comentou. Como iria falar para ela que estava pensando em um livro de fantasia que nem mesmo sabia qual era? Odiava ficar curiosa, e Ethan conseguiu essa proeza com maestria. Por que meu professor achava que eu me importava com o que ele estava lendo? Simples, porque ele está certo. Minha mente foi mais rápida ao responder à própria pergunta que elaborou. Era óbvio que ele só queria falar comigo. Na verdade, se certificar que não iria aprontar em mais bares pela cidade. Definitivamente, era esse o motivo da sua aproximação. Passo longe de ser uma pessoa interessante, e só dei patadas nele. Não havia outra explicação. — Sim, estou bem, só um pouco cansada de tanto estudar. Hoje a minha rotina foi exaustiva. Comecei bem cedo, mas podia me justificar dizendo que perdi a minha primeira aula em três anos de curso dois dias atrás, e isso me irritou profundamente. Acabei estudando os três primeiros capítulos da matéria do Ethan, e isso porque ele pediu só o primeiro e segundo capítulos segundo as anotações da minha amiga. Não culpava Evelyn por não ter me acordado. Como ela mesmo disse, eu estava dormindo feito um anjinho. E ela nunca usava a palavra anjinho, então a perdoei. — Os alunos comentaram que você roubou o lugar de estudo do nosso professor. Ele deve estar uma fera com você. — Como assim?! — O seu cantinho na biblioteca, pelo que parece o Ethan gosta de ficar lá... ou gostava, né?! Agora que roubou o meu lugar, vamos nos ver mais do que pensa... Sua frase agora fez sentido na minha cabeça. Pelo jeito aquela aproximação não foi ao acaso, ainda assim, ele aproveitou para falar da noite que me pegou bebendo todas. — Mas... e a sala dos professores? — Pelo jeito o gostosão não gosta de ficar lá, mas não sei os motivos exatos. Fofoca boa é fofoca direta ao ponto. — Gargalhou, pegando o seu celular, digitando algo. — Eu que não vou sair de lá! — Bati o pé. — É a mesa mais reservada, longe de tudo e todos. — Ninguém está pedindo para sair, mas ao que parece você terá um companheiro, e pode me falar, no fundo você gostou, Lorelai. — Estreitou os olhos, desviando a atenção do celular, divertida. — Não sei do que está falando. — Ah, lógico que sabe! Vai me falar que o gato do nosso professor não te dá um calor aí na... — Evelyn! — repreendi a minha amiga antes dela completar a frase, e foi inevitável não abrirmos um sorriso quase que no mesmo instante. — Eu sabia. — O Ethan parece ser legal, mas nós dois temos defeitos graves: o dele é me tratar como uma criança e o meu é ser péssima para fazer novas amizades. — Olha... você queria que ele te tratasse como quando te viu bebendo em plena segunda-feira com uma identidade falsa? Fica a dica! — Faz sentido... — sibilei, um pouco irritada por essa ter sido a primeira impressão que ele teve sobre mim. Não era alguém que só pensava em encher a cara, na verdade, nem gostava. — Cabe a você mudar essa impressão dele. Vai por mim, fazer novas amizades é muito bom, e acho que precisa de alguém que não seja euzinha aqui pra te aturar. Eu mesmo não te aguento mais! — Falsa! — Taquei um travesseiro em minha amiga e ela o devolveu direto na minha testa. Novamente caímos na risada. Adorava as nossas interações e as provocações que fazíamos uma com a outra. — Te amo, amiga. — E eu te tolero! — respondi, e ela fez uma cara feia. — É... pode ser que te ame um pouquinho, mas bem pouco mesmo. Isso foi o suficiente para ela me abraçar, dando-me várias bitocas no rosto, babando-me toda. — Carente! — Bufei, simulando irritação. — Um dia vai entender e sentir falta de alguém te abraçando. É só a pessoa certa fazer isso com você que vai se viciar... “A ������������ � ������ ���� ���������� �� ��������
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