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OLÁ! Você está na unidade Teoria e história das cidades. Conheça aqui as origens históricas e a evolução cronológica dos processos de transformações urbanas dentro de diferentes contextos. Entenda os fatos que determinaram as transformações das cidades ao longo do tempo e os principais planos que ocuparam lugar de referência nos estudos acadêmicos. Conheça os princípios que norteiam o planejamento dos espaços das cidades, as etapas dos processos, os instrumentos normativos e as dimensões disciplinares que fundamentam a expansão urbana. Bons estudos! 1. Origens do pensar a cidade A partir do período histórico descrito como Revolução Industrial, no fim do século XIX, uma parcela significativa da população mundial passou a se agrupar em grandes aglomerados urbanos. A consequência disso são problemas de diversas naturezas que passaram a surgir e a se tornar desafios aos profissionais ligados à gestão do espaço urbano. No entanto, a cidade como objeto de estudo e intervenção remonta de períodos históricos dos quais foram herdados conhecimentos e práticas urbanas utilizadas até hoje. 1.1 O legado das culturas clássicas A experiência urbanística das culturas gregas e romanas se estabeleceram como uma referência importante para as futuras civilizações, já que muitos parâmetros construtivos e de ocupação do solo da época são utilizados até hoje. Segundo Benévolo (2012), “Roma até o século III d.C., com uma população de 700.000 a 1.000.000 de habitantes, seria a maior concentração humana até o momento realizada no mundo ocidental”. Assim, os problemas enfrentados e as soluções adotadas serviram para consolidar o império e também para torná-lo um importante legado urbanístico. As redes de infraestrutura criadas pelos romanos são vastamente conhecidas pela sua inovação técnica e representatividade histórica. Seu desenvolvimento é produto de um modo específico de colonização romana. Segundo Benévolo (2012), os métodos de colonização usados pelos romanos em todo território do império se dividem em três grupos de modificações do território: as infraestruturas, como estradas, pontes, aquedutos e linhas fortificadas; a divisão dos terrenos agrícolas em quintas cultiváveis; a fundação de novas cidades; a descentralização das funções políticas no final do império. As infraestruturas de abastecimento de água e esgoto foram responsáveis por viabilizar grandes aglomerações humanas. Roma tinha seu suprimento de água garantido por 14 diferentes aquedutos que traziam 10 mil metros cúbicos de água ao dia. O consumo de água per capita da Roma Antiga era equivalente aos grandes centros urbanos atuais. Algumas de suas galerias de esgoto são usadas até hoje, o que demonstra sua eficiência e capacidade de vazão de águas servidas. A construção de novas estradas provém da necessidade de conquista de novos territórios, para a movimentação do exército, para o tráfego de mercadorias e para a intercomunicação administrativa das províncias. As cidades eram planejadas como novas colônias, carecendo de fortificação e um bom sistema de defesa. Algumas possuíam áreas sagradas elevadas - as acrópoles. O esquema mais organizado era baseado em dois eixos principais: o cardo maximus (norte-sul) e o decumanus maximus (leste-oeste), cuja intersecção se encontravam os fóruns, locais onde eram realizadas as principais reuniões políticas, legislativas, judiciais, comerciais e religiosas. Algumas cidades possuíam dois ou mais fóruns secundários. A organização das cidades parte da sua divisão em quadrângulos regulares, baseados nos acampamentos militares chamados castrum, cujo centro era denominado fórum. A forma da cidade geralmente correspondia a um quadrado, mas poderia ser em um polígono desigual.. Mas a inovação sobre a forma de pensar as cidades vai muito além disso. O traçado ortogonal das vias e das quadras presente nas cidades atuais, a definição de gabaritos e afastamentos e outras regras de ocupação do solo são herança direta da experiência clássica de construção das cidades. A preocupação com o chamado “direito ao sol” também foi assegurada na Roma Antiga e difundida em algumas cidades dominadas pelo Império Romano até a sua queda, por volta de 476 D.C., quando deixou de ser aplicada na Europa por pelo menos mil anos. Este conceito, colocado em prática por meio de uma lei denominada Heliocaminus, serviu de base para o estabelecimento de índices urbanísticos como gabaritos, afastamentos, dimensionamento de aberturas e outros aspectos da legislação urbanística atual. A exemplo disso, a criação de novas leis que contemplassem o acesso solar voltou a ser discutida novamente apenas no século XIX na Inglaterra e no século XX nos Estados Unidos devido ao caos urbano gerado pelo crescimento desordenado das cidades. Posteriormente, estas leis serviram de modelo à legislação urbanística atual em vários países. Ao longo da História, os tratados de arquitetura foram amplamente produzidos e divulgados como ferramentas de normatização, definição e aplicação de regras compositivas que guardavam os códigos gramaticais construtivos de sua época. Estes documentos formam-se como os primeiros registros de regras para a arquitetura e para a construção de uma linguagem formal. Tais produções estão divididas em três períodos representativos: o tratado de Vitrúvio (no período clássico), os tratados Renascentistas (de Albert e Palladio), e os tratados Modernos (do século XX). O primeiro - Tratado de Marcus Vitrúvio - era uma tentativa de reunir tudo aquilo que constitui a arquitetura da época, por meio do estabelecimento de critérios balizadores para uma qualificação de edifícios e espaços urbanos. Marcus Vitruvius Pollio em sua obra De architectura (10 volumes, aprox. 27 a 16 a.C.) foi um dos principais autores dos Tratados Clássicos da Arquitetura, sendo redescobertos e reinventados, tanto nas cidades renascentistas italianos como nos tratados modernistas início do século XX. Os princípios organizadores de seus conceitos partem, segundo o autor, do ordenamento, disposição, eurritmia, simetria, decoro e economia. Da mesma forma, a escolha do partido arquitetônico a ser adotado pelo projeto deveria seguir os critérios da Tríade Vitruviana: tudo deve ser construído na observância da durabilidade, da conveniência e da beleza, ou como é mais conhecido no Latin original, firmitatis, utilitatis e venustatis. Muitas regras projetuais como as descritas Vitrúvio, influenciaram a construção gramatical de outros movimentos ao longo da História, essencialmente o Renascimento e o Movimento Moderno, contribuindo como método, estética e práxis nas produções arquitetônicas. 1.2 O renascimento das cidades O urbanismo renascentista se caracteriza por ruas retas, ininterruptas linhas horizontais de tetos, o arco redondo e a repetição de elementos uniformes, como cornijas, janelas e colunas, na fachada, etc. Os traçados e as praças são os principais elementos da estrutura urbana e a quadrícula geométrica – o traçado ortogonal das ruas, assim como acontecia nos períodos anteriores - é usada a fim de distribuir, organizar e dividir a habitação formando uma malha quadriculada. Essa quadrícula não é tanto um elemento principal da estrutura das cidades, mas permite uma divisão racional do espaço, atendendo às necessidades de organização e distribuição dos fluxos, e também sendo compatível com a estética renascentista do equilíbrio e da regularidade. Antes de que qualquer aspecto urbanístico, a herança renascentista passa pelo aspecto metodológico de abordagem sobre o espaço construído proposto por Filippo Brunelleschi. Segundo Benévolo (2012), “a tarefa primeira do arquiteto é definir de antemão, com desenhos, modelos, etc. a forma exata da obra a construir”. Neste momento se definem claramente duas etapas: o projeto e a obra e o novo método se aplica a todo gênero de objetos, desde os artefatos menores às cidades e ao território. Nasce,portanto, as bases do modelo de um planejamento urbano integrado utilizado até os dias atuais. Na prática, o ressurgimento do Estado como centralização do poder administrativo faz com que surjam intervenções sobre o emaranhado orgânico das cidades medievais atribuindo a estes edifícios públicos suntuosos que simbolizavam o poder reinstaurado nos centros urbanos. Do mesmo modo, o comércio da nova classe burguesa exigia modelos de espaços urbanos que viabilizassem circulação de pessoas, mercadorias e do próprio poder público. De modo geral, a uniformidade, os traçados regulares e as ruas irradiadas de uma praça central, em que canhões defendiam estrategicamente as entradas da cidade. De modo geral, a busca pelo “modelo ideal” levou à repetição de alguns motivos geométricos arquetípicos, principalmente o quadrado e o círculo. Tendo a Città Ideale, do tratado de Filarete em 1465, como seu principal arquétipo. As formas idealizadas até o início do século XVI se configuram um repertório consolidado que, embora não serviram para resolver os conflitos de uma nova sociedade Renascentista, se colocam como referência principal do urbanismo barroco no empenho em transformar as ruídas medievais em monumentos e espaços urbanos modernos nos séculos seguintes. Outro elemento importante do período é a praça. Configurada como um espaço público e aberto em meio à malha urbana, era ao redor delas que ficavam os principais edifícios e monumentos, que, dessa forma, ganhavam o destaque desejado. O espaço – embelezado e com grande valor simbólico e artístico - era delimitado por edifícios públicos, igrejas, filas de habitações e palácios. A morfologia estava muito condicionada pelas fortificações - diferente do que acontecia com as muralhas medievais, que ficaram obsoletas a partir da evolução das técnicas militares, como a generalização do canhão e a introdução da pólvora na artilharia. Assim, por meio dos princípios de racionalização projetual e aprimoramento estético, Leoni Alberti busca conferir à arquitetura status dentro das grandes disciplinas do saber do homem do Renascimento, humanista e universal. Os estudos de Leoni B. Alberti em 1456 em Sobre a edificação são compostos por dez livros. E, assim como os de Vitrúvio, balizam a produção arquitetônica renascentista, baseando-se nos conceitos que propõem uma estética de harmonia, proporção e técnicas herdadas dos gregos e romanos. Assim como Alberti, outro importante nome da época era o de Andrea Palladio que, em 1570, publicou a obra Quattro Libri dell’ arquitetura, voltando seu olhar para as ruínas da cultura clássica de forma a organizar as suas regras de composição estética à arquitetura renascentista. Diferentemente de Albert, que centraliza seu discurso na esfera dos edifícios públicos, Palladio discorre sobre as habitações e suas necessidades. Ela descreve, por exemplo, o que viria ser o ponto mais conhecido de seus trabalhos: as fundações, materiais necessários e ordens arquitetônicas. Seus estudos, como de outros autores fundamentados na cultura clássica, irão compor os pontos de apoio para a construção dos princípios e conceitos da Arquitetura Moderna muito mais pelos métodos de análise e de organização da forma do que propriamente pelo viés estético. 1.3 O urbanismo moderno e a cidade industrial Os fundamentos da Arquitetura Moderna desenvolvidos ao longo da Revolução Industrial tiveram papel fundamental nas elaborações de soluções técnico- construtivas adotadas por inúmeros profissionais em diversos países. A explosão demográfica das principais cidades europeias do século XIX começa a aparecer como aspecto principal a ser enfrentado pelo urbanismo da época. Aliás, este é um termo remanescente deste período. Segundo Choay (2003) “este neologismo corresponde ao surgimento de uma realidade nova, a expansão da sociedade industrial dá origem a uma disciplina que se diferencia das outras ciências urbanas pelo seu caráter reflexivo e crítico”. Os princípios universais de organização das formas, propostos pelo Movimento, serviram de parâmetro para o surgimento de manifestações em diferentes escalas, nacionais, regionais e locais. No Brasil, a construção da nova capital do país a partir de 1955 marcaria a concretização não só de um sonho nacionalista, mas também de uma ideia de modernidade vislumbrada por Le Corbusier. Ao longo do século XX, o estilo surgia como registro de um novo conceito, de uma nova forma de se fazer arquitetura em diversas cidades brasileiras. Os princípios de organização da forma urbana no século XX seria composto não mais individualmente por autores específicos, como aconteceu no período clássico, mas sim, pela reunião de textos, revistas e documentos como os produzidos pelos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna ou Congrés Internationaux d’Architecture Moderne (CIAMs), realizados a partir de 1928 e considerados como o marco inicial do período acadêmico do Movimento Moderno. Entre eles, “A Carta de Atenas”, formulada na quarta edição do evento, em 1933, se tornaria um dos mais representativos e influentes e uma das principais fontes de embasamento conceitual para a Arquitetura Moderna Internacional. O documento promoveu diagnósticos urbanísticos de 33 cidades e propôs a extinção do traçado das cidades baseado em ruas e quadras. Em seu lugar, a ideia era implantar a chamada Cidade Funcional, a partir de um zoneamento seletivo dividido em áreas que seguia quatro funções: habitar, trabalhar, circular e recrear. Estes trabalhos continham como ferramentas de expressão de sua linguagem arquitetônica não mais apenas gravuras e conceitos teóricos, mas também estudos gramaticais amplamente ilustrados com perspectivas e croquis que contavam com recursos gráficos mais sofisticados e que reproduziam de forma clara os princípios estruturantes do Movimento Arquitetônico. Entre os periódicos mais difundidos estão o The Stijl, com sua primeira publicação em 1917, e o Le’Espirit Nouveau que, em sua revista de 1926, registra a descrição dos cinco pontos da Arquitetura Moderna (planta livre, fachada livre, pilotis, terraço jardim e janelas em fita), considerados elementos fundamentais da linguagem formal do Movimento Internacional. Segundo Toussaint (2012) “ao longo do século XX todos estes tipos de publicações multiplicaram-se, mas pode-se reconhecer que os arquitetos, passaram a ter muito maior protagonismo”. Na visão do autor, a formação de uma linguagem para o Movimento Moderno foi construída pela reunião de ideias que atendiam a uma demanda crescente e que buscavam a standartização dos sistemas construtivos.As transformações do ponto de vista estrutural das velhas cidades europeias rompem com as formas das cidades medievais, com ruas estreitas, dando lugar à cidade barroca. Essas transformações eram caracterizadas pela a racionalização dos meios de transporte e vias de circulação com a aberturas de grandes avenidas; a setorização funcional dos bairros entre moradia, comércio, serviços e indústrias, bem como, a periferização de bairros industriais e residenciais. O conceito de um modelo de cidade ideal ressurge por meio de pensadores utópicos como Robert Owen e Charles Fourier e de urbanistas que propuseram novos desenhos em busca deste ideal, como Tony Garnier com a cidade industrial para Lion, Camillo Sitte, Ebenezer Haward e o conceito de cidade-jardim, Haussman entre outros. Descendendo das ideias da Deutscher Werkbund, em 1919, ao final da Primeira Guerra Mundial, Walter Groupius funda a Staaliches Bauhaus onde a multidisciplinaridade didática e investigativa torna-se o ponto focal da instituição, norteia o conceito de renovação do ensino de arquitetura e inaugura um novo olhar sobre o tema. Segundo Groupius apud Benévolo (2004), “juntos concebemos e criamos o novo edifício do futuro, que reunirá arquitetura, escultura e pintura numa única unidade”. A valorização das artes visuais e o entendimento de que o domínioda técnica seria de fundamental importância dentro do processo criativo em design e arquitetura tornam-se conceitos norteadores de seus procedimentos didáticos. Neste sentido, o autor descreve os fundamentos das regras de organização geométrica para uma linguagem para o Movimento. Segundo Groupius (1988), se pudéssemos extrair um denominador comum dos fatos objetivos, livres de interpretações individuais, ele poderia valer como chave para todo tipo de projeto e design, pois o projeto de um grande edifício e de uma simples cadeira diferenciam-se apenas em suas escalas e não em seus princípios. De modo geral, este é um período histórico a partir do qual surgiu diversos elementos novos dentro do contexto urbano. O surgimento do automóvel, a descoberta da eletricidade e a revolução nos meios de comunicação trouxeram ferramentas novas aos urbanistas que, frente a uma demanda populacional nunca antes vista, lançaram mão de projetos inovadores, alguns utópicos para a época, mas que são utilizados como referência até os dias de hoje em processos de intervenção urbana. Como vimos, o pensamento sobre a cidade tem origens remotas e vêm acumulando experiências e conhecimentos importantes ao longo da história. As referências históricas serviram de base para fundamentação do planejamento urbano de forma geral e da definição de diretrizes e instrumentos de ordenamento territorial das cidades contemporâneas. Em diversos autores, o Estilo Internacional é descrito muito mais por um conjunto de princípios projetuais do que efetivamente pelas suas formas e identidade estética. Segundo Frampton (2008), “implicava em uma universalidade de abordagem que em geral favorecia a técnica leve, os materiais sintéticos modernos, as partes modulares e padronizadas, de modo a facilitar a fabricação e a construção”. Assim, as ações estavam voltadas para uma arquitetura que promovia a produção em série e a replicância de suas obras atendendo a uma demanda habitacional eminente na Europa no início do século XX. Portanto, parecia clara a necessidade de adequação entre arte e técnica em favor de uma produção industrial voltada à construção civil. Tal conclusão deu origem a um dos fundamentos cervicais da Arquitetura Moderna Internacional: o Racionalismo. Para Groupius (1988) “a racionalização, considerada como um princípio cardeal da Nova Arquitetura não é outra coisa que um agente purificador”. De fato, a busca por uma clareza construtiva desprovida de artifícios decorativos não apenas atendia a uma otimização construtiva, mas também demostrava um discurso de aprimoramento técnico. Paralelamente à abordagem técnica do racionalismo latente, outro conceito parecia primordial para alcançar os objetivos renovadores da Arquitetura Moderna: o funcionalismo. A categorização funcional dos espaços e a articulação volumétrica dos compartimentos se somam ao aprimoramento técnico e artístico, a relação espaço-forma compõe uma tríade presente nas bases do Movimento Internacional e são partes integrantes de um mesmo racionalismo. Para Schultz (2009) “a nova concepção de espaço concede uma importância primordial às aberturas e à continuidade, em contraste com os isolados e semi-independentes que constituíam a estrutura espacial dos mundos do passado”. De certa forma, os cinco pontos da arquitetura “corbusiana” traduzem arquitetonicamente esta preocupação entre espaço e forma descrita pelo autor e pareciam satisfazer as necessidades espaciais da vida moderna. Aspectos gerais e fundamentos A partir das transformações ocorridas no período da Revolução Industrial, uma nova realidade determinada por uma demanda maior por infraestrutura nas cidades surge em consequência de um maior número de pessoas que, saindo do campo, foram para os centros urbanos para trabalhar e passaram a viver de forma muito precária e improvisada. Assim, diversas variáveis históricas interferiram na formação das cidades a partir de então. Não há como pensar em um planejamento de uma cidade sem pensar nas consequências que elas sofreram a partir dessas mudanças contextuais - e que ainda sofrerão daqui para frente. Para entender os princípios de organização das cidades é preciso definir claramente conceitos análogos e recorrentemente interpretados de forma equivocada, como desenho da cidade, urbanismo e planejamento urbano. É preciso identificar os principais instrumentos de gestão, suas etapas, dimensões e perceber de que forma estas ferramentas podem ser utilizadas na melhora das condições físicas e de funcionamento dos espaços das cidades. Os fundamentos legais que norteiam o Planejamento Urbano estão respaldados na lei federal de n.º 10.257, de 2001, mais comumente chamada de Estatuto da Cidade. A norma foi criada para regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal que tratam da política de desenvolvimento urbano e da função social da propriedade. 2.1 Conceitos sobre o espaço urbano Planejamento é como o conjunto de medidas tomadas para atingir os objetivos desejados, considerando os recursos disponíveis e os fatores externos que podem influenciar nesse processo. Segundo Duarte (2007), “o conceito de planejamento sempre esteve relacionado a outros termos, como desenho urbano, urbanismo e gestão urbana. Todos esses vocábulos, apesar de serem distintos, têm algo em comum: o seu objeto de estudo é a cidade”. Neste sentido, é preciso distinguir a abrangência de cada campo disciplinar para entender adequadamente o alcance de seus diferentes olhares sobre a problemática urbana. As publicações sobre urbanismo e desenho das cidades abordam aspectos relacionados às características físico-territoriais de um lugar, ao traçado viário, a relação entre “cheios e vazios”, ou seja, área ocupadas pode edifícios e espaços abertos, entre outros relacionados à forma urbana. Por outro lado, a ideia de planejamento urbano envolve ações multidisciplinares de gestão municipal onde diversos profissionais trabalham de forma colaborativa para a melhoria da qualidade do espaço construído. Duarte (2007) ainda descreve um fato importante para ilustrar recorrentes equívocos entre estes conceitos. O autor diz “a tradução de um clássico urbanístico, o livro Maniere de Penser l’Urbanisme, de Le Corbusier, traz uma confusão semântica, pois ele foi traduzido para o Português como Planejamento Urbano”. E de fato o livro trata especificamente de formas urbanas e não de planejamento. Portanto, o planejamento urbano pode ser definido como gerenciamento de processos administrativos compostos por etapas de implementação e dimensões de abordagem servidos de instrumentos legais que respaldem juridicamente suas ações. 2.2 Etapas do planejamento urbano Como vimos, a ideia de planejamento está relacionada à gestão de processo, o que nos remete à definição de etapas para sair dos problemas identificados até se chegar às metas estabelecidas. Assim, para se ter um olhar amplo sobre o assunto podemos dividir as ações de intervenções urbanas em quatro etapas fundamentais: o diagnóstico, o prognóstico, propostas e gestão. O diagnóstico compreende a análise de uma situação por meio da construção de um cenário existente, levantamento de dados e registro de informações importantes para o entendimento qualitativo e quantitativo de um determinado objeto de estudo. Etapa é uma avaliação preliminar. Nela são identificados os primeiros problemas, desejos ou insatisfações com a realidade, que por sua vez fornecem a motivação inicial para que o processo de planejamento propriamente dito seja desencadeado. A metodologia adota varia de acordo com o resultado que se pretende adquirir. No contexto urbano são usados levantamentos físicos, inventários, leituras técnicas sobre base cartográfica e o cruzamento com dados obtidos de censos municipais como o IBGE como aspectos demográficos, físico- territoriais, legais, sociais e econômicos. O prognóstico parte do panorama obtido pelas etapas anteriorese projeta cenários futuros em duas direções diferentes. O primeiro mostra que qual o futuro dos dados obtidos se nada for feito e o segundo aponta o quão diferente o futuro pode ser, caso medidas corretivas forem tomadas. Segundo Duarte (2007), “o planejamento traz conceitos, metodologias e instrumentos para fazer de um future previsível um futuro possível, desejável”. A terceira etapa, então, trata da definição de planos, projetos e ações que possam incidir sobre os problemas levantados e redirecionar a evolução dos fatos para um futuro desejável. Neste momento se inicia a última etapa definida como gestão urbana. De modo geral, esta pode acontecer através de políticas públicas preventivas, por meio da elaboração de leis de organização do uso e ocupação do espaço urbano ou ações corretivas de ajustes de aspectos negativos já existentes na cidade. Segundo Duarte (2007), “cabe ao planejamento urbano, nesta etapa das propostas, buscar o vetor do possível através das alternativas que possibilitem a melhoria da qualidade de vida dos moradores da cidade”. 2.3 Dimensões A divisão do planejamento urbano e municipal em dimensões temáticas não deve ser entendida meramente como uma formalidade teórica. Ao contrário, essas dimensões estão presentes nas estruturas administrativas municipais e, por meio de secretarias, se utilizam destas pastas para organizar seus orçamentos e ações públicas. A dimensão ambiental trata dos impactos da ocupação do solo sobre os recursos naturais e espaço construído das cidades. Este aspecto da gestão municipal vem ganhando espaço dentro das pautas gerenciais e afetam a forma como a cidade interfere no ambiente e o modo como é conduzido o consumo de recursos naturais. A dimensão econômica, segundo Duarte (2007), “está ligada às possibilidades da cidade gerar recursos financeiros de forma global”, assim produzindo melhores oportunidades individuais e um contexto mais favorável ao investimento e ao consumo. A dimensão social deve trabalhar ações assistenciais nas áreas de saúde, educação, segurança e políticas habitacionais e de abastecimentos. A dimensão gerencial corresponde aos setores administrativos e de planejamento da estrutura pública, através de secretarias estratégicas. A dimensão territorial está relacionada ao uso e ocupação do solo, ao zoneamento funcional das áreas urbanas e dos critérios edilícios que determinarão as características do espaço construído e áreas abertas. Este painel de abordagem da problemática das cidades está relacionada diretamente às atribuição, habilidades e competências dos profissionais das áreas de engenharia e arquitetura. A elaboração de leis urbanísticas, planos municipais (de habitação, transporte, sanitários, etc.) além de intervenções diretas sobre o espaço construído, determinam o sentido de crescimento das cidades, a tipologias das edificações e sistemas estruturais irão atender às demandas apresentadas. A forma que se implantam e dimensionam as vias, as áreas públicas e altura de edifícios irá determinar a forma e funcionamento urbano. Assim, o gerenciamento da dimensão territorial representa a pré-definição destes aspectos que serão consolidados no futuro das cidades. Estas definições são importantes pois uma vez estabelecidas afetarão diretamente nos processos de expansão da cidade. 2.4 Instrumentos do planejamento urbano A partir da Constituição de 1988, a questão urbana passou a tomar uma forma legal mais definida. Até então, essas áreas eram pouco sistemáticas e estavam envoltas por controvérsias de várias ordens, especialmente quanto à competência dos municípios para agir em matérias urbanísticas e ambientais. Um dos maiores avanços nessa área, antes de 1988, foi a aprovação da Lei Federal nº6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano. O Direito Urbanístico, disciplina determinada a partir de então passa a ocupar lugar de destaque nos ambientes legislativos, embora que só após a aprovação dos Estatuto das Cidades em 2001, seus instrumentos de garantia da função social da propriedade urbana passam ser estabelecidos. O Estatuto apresenta como princípios constitucionais fundamentais norteadores dos Planos Diretores: De modo geral, o planejamento urbano é uma abordagem multidisciplinar e transversal a diversas áreas do conhecimento. Os principais instrumentos de gestão estão apoiados na legislação urbanística municipal previstos do Estatuto da Cidade. O Plano Diretor tem a sua obrigatoriedade, a partir de 2006, às cidades com população acima de 20 mil habitantes. Ele estabelece diretrizes legais para outras leis de ordenamento territorial das cidades, como a Lei de Uso e Ocupação do Solo, considerada uma das mais determinantes para a formatação espaço urbano. Segundo Duarte (2007) “articulada com o zoneamento urbano, define as atividades que podem ocorrer em cada compartimento da cidade, dirigindo seu desenvolvimento socioeconômico e embutindo valorização imobiliária diferenciada para cada região”. A ocupação do solo diz respeito, especificamente, aos aspectos espaciais de desenvolvimento urbano. Entre eles pode-se parâmetros fundamentais como: Dimensões do plano horizontal do lote, como áreas e testadas mínimas; Dimensão vertical que estabelece alturas máximas; Coeficiente de aproveitamento do lote que determina o potencial construtivo do imóvel juntamente com os afastamentos da construção em relação ao limite do terreno. A combinação destes valores determinará a densidade de ocupação das áreas urbanas e o futuro de suas atividades. Assim, os instrumentos normativos devem ser estabelecidos conforme à cidade que deseja construir. é isso Aí! Nesta unidade, você teve a oportunidade de: conhecer as origens do urbanismo como objeto de estudo e sua evolução ao longo da história; estudar o legado da cultura clássica para o urbanismo contemporâneo; conhecer o renascimento da cultura urbana do século XV; conhecer o urbanismo moderno frente a cidade industrial; entender os conceitos de urbanismo e os princípios metodológicos do planejamento urbano, suas etapas, dimensões e instrumentos de ordenamento territorial, uso e ocupação do solo. REFERÊNCIAS BENEVOLO, L. História da cidade. São Paulo: Editora Perspectiva, 2012. CHOAY, F. O urbanismo. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003. DUARTE, F. Planejamento urbano. Curitiba: Editora IBPEX, 2007. FRAMPTON, K. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997. GROPIUS, W. Bauhaus: novarquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1988. SCHULZ, C. N. Los principios de la arquitetura moderna. Barcelona: Reverté, 2005. PLANEJAMENTO URBANO PRODUÇÃO DO ESPAÇO, PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS Lucianne Casasanta Garcia OLÁ! Você está na unidade Produção do espaço, planejamento e políticas públicas. Conheça aqui as abordagens de planejamento urbano, seus aspectos teóricos e conceituais e os principais instrumentos de políticas públicas. Aprenda conceitos-chaves importantes sobre o assunto, como Estado e planejamento, produção do espaço, planejamento, políticas públicas. Conheça também os respectivos planos, programas, projetos e ações governamentais que ordenaram o planejamento urbano. Bons estudos! 1 Estado e planejamento O panorama político brasileiro, na década de 1980, foi marcado por um processo de democratização que gerou profundas mudanças na sociedade. A recessão econômica e a piora da qualidade de vida de grande parte da população culminou na reorganização da dinâmica social urbana e no processo acelerado de urbanização. Neste contexto, o planejamento surge como resposta aos problemas enfrentados pela população, tendo como premissa o ordenamento do espaço, sob os mesmos objetivos e normas. É quando surge, também, o Estado como principal ator das políticas públicas envolvendo o planejamento. A relação entre o papel de ambos - Estado e o planejamento urbano - podeser compreendida por meio da ideia de movimento pendular de Ianni (2002): assim como um pêndulo, as ações do Estado oscilam conforme seu tipo de governo. Portanto, compreender as mudanças históricas do papel do Estado é essencial para distinguir os fatores que corroboraram o surgimento da política urbana como uma nova área de atuação do Estado. Este tópico disserta sobre os conceitos e definições de Estado e planejamento, abordados em suas definições e relações ao longo da história, refletindo sobre o papel do Estado como um protagonista na produção e definição da cidade. 1.1 Estado e planejamento: conceitos e definições Ao longo da história, as sociedades vivenciaram transformações formais, funcionais, ambientais e sociais, tanto no âmbito estrutural quanto na forma de ação do governo. Como um processo racional na tomada de decisões, o planejamento surge com o intuito de responder às adversidades econômicas, técnicas e culturais. Em um sentido mais abrangente, Ferrari (1979, p.3) conceitua planejamento como “um método de aplicação, contínuo e permanente, destinado a resolver, racionalmente, os problemas que afetam uma sociedade situada em determinado espaço, em determinada época, através de uma previsão ordenada”. As sociedades estão em contínua mudança e, neste contexto, o planejamento compreende políticas públicas para responder às demandas da sociedade. Segundo estabelece Villaça (1999, p.181, apud Batistela, 2007, p. 34), “a expressão planejamento urbano se designou em uma forma específica de ação – ou de discurso – do Estado sobre o espaço urbano, caracterizada por uma suposta visão geral ou de conjunto”. Sendo assim, uma análise sobre o planejamento nas cidades também deve considerar o papel do Estado na sua relação com a sociedade. O termo Estado refere-se ao conjunto de instituições administrativas e políticas que organizam o território de um povo ou nação. Estas instituições exercem um papel determinante na relação entre o território e as forças sociais, intervindo e modificando o espaço, e se apresentando como uma força ativa de transformação territorial e social. Tipos de governo, épocas e acontecimentos históricos influenciaram diretamente a atuação do Estado no planejamento. O crescimento demográfico e a crescente urbanização fizeram com que o Estado tivesse um papel mais significativo por meio da implementação de infraestruturas urbanas, políticas públicas de uso do solo, programas habitacionais etc. Por outro lado, com o surgimento de movimentos sociais urbanos, as questões sociais ganharam ênfase e mudaram a forma com que o planejamento estava sendo feito. 1.2 Relação entre o papel do Estado e o planejamento urbano O planejamento urbano, desde as suas origens no século XIX até o seu desenvolvimento no século XX, enfrentou muitos desafios provocados por contextos históricos e socioculturais. Surgiu como uma política higienista, para combater a disseminação de doenças e o desordenamento territorial, e depois passou a enfrentar as transformações sociais, políticas e econômicas provenientes da sociedade industrial. Neste contexto, o planejamento urbano apresentou-se como uma política intervencionista necessária ao ordenamento das cidades. Em termos administrativos, criaram-se órgãos de planejamento gerenciados por autoridades técnicas para a otimização do uso de recursos, tais como o solo urbano. Isso porque o planejamento exige uma complexidade maior à gestão das cidades, pelo desafio de conciliar interesses de variados grupos. A crise relacionada à inflação, ao desajuste fiscal e à estagnação econômica, que advieram a partir da década de 1970, por exemplo, fez com que o Estado começasse a enfrentar uma crise de legitimidade e passasse a questionar a eficácia do planejamento urbano como instrumento de política pública. #PraCegoVer: Na imagem, há uma vista aérea de ruas, edificações, e áreas verdes. Para sair da crise da época, Pierot e Lima (2014, p. 3) apontam que o capital corporativo começou a “investir em estratégias que levaram à desregulamentação dos mercados financeiros (financeirização) e globalização do capital”. Formaram-se, portanto, grandes mercados financeiros que passaram a deter o poder de decisão sobre os principais investimentos mundiais, resignificando as fronteiras rígidas entre o capital industrial e financeiro. Neste cenário, um novo ordenamento descentralizador foi estabelecido e se traduziu em novas práticas em relação ao planejamento urbano. Com o Estado perdendo sua capacidade de controle dos fluxos de capital multinacional, os governos locais criaram novas estruturas urbanas de mercado e produção em um contexto competitivo marcado pela ascensão de valores neoliberais. Este modelo implicou mudanças no papel do Estado e em sua articulação. Nesta conjuntura, uma nova ordem econômica, mais internacionalizada, se estabeleceu, e novos atores surgiram. Dentre eles, a Organização das Nações Unidas (ONU) para difundir modelos de política, o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para financiar políticas, e o Ministério das Cidades para a gestão e o planejamento urbano. Como vimos, quando o Estado foi um protagonista do modelo de desenvolvimento das cidades, o planejamento urbano vivenciou seu ápice como instrumento de políticas urbanas. No século XXI, o Estado recuperou destaque como facilitador, promotor e guia da ação coletiva da sociedade. A transformação de nossas sociedades por meio dos processos de globalização caracterizou os novos processos de acumulação de capital, organização da produção, integração de mercados. Neste processo, os governos democráticos precisaram reconstruir as capacidades do Estado para enfrentar os desafios da época, desenvolvendo políticas de reforma e modernização das instituições públicas. Esses complexos desafios exigem a escolha de instrumentos e ferramentas de políticas públicas que se baseiem na observação crítica de experiências, adapte-se a situações contingentes e se estabeleça na busca de alternativas inovadoras. 1.3 Problema público e políticas públicas Para entendermos os instrumentos de políticas públicas, faz-se necessário definir dois conceitos-chave: o problema público e a política pública. O problema público é algum excesso ou alguma carência que existe na sociedade de qualquer área de intervenção, do meio ambiente, da economia, da gestão pública etc. Por exemplo, o congestionamento de muitos veículos em uma determinada via da cidade é um problema público. Já a política pública é uma tentativa de intervenção estatal para a redução desse problema público. Seria o caso promover o alargamento da via, ou a construção de um viaduto, por exemplo. Logo, uma política pública é uma diretriz pública voltada para a resolução de um problema público. Em relação às políticas públicas, há duas abordagens diferentes. Uma abordagem estatocêntrica, que entende que somente os atores do Estado (o Poder Executivo, o Poder Legislativo, as empresas estatais etc.) devem realizar políticas públicas. Outra abordagem é a multicêntrica, que entende que todos os atores que estabelecem diretrizes para um problema público podem formular ou implementar políticas públicas, não somente os atores do Estado. Tomando como premissa central o fato de que formular e implementar políticas públicas é a essência da atividade do Estado, tais ações requerem um conjunto de instrumentos para atender às demandas da sociedade. Sendo assim, podemos assumir que os instrumentos de política, e a maneira como eles são configurados, são uma peça-chave que determina a capacidade de intervenção do Estado diante da diversidade de problemas que afetam a sociedade. Existem muitas formas para se operacionalizar uma política pública. Ou seja: dispomos de uma série de instrumentos pública para fazer uma intervenção governamental. Isuani (2012) categoriza-os em três tipos: Políticas públicas de ordenamento territorial. Políticas públicas de comando e controle. Políticas públicas de tomada de decisão. Desse ponto de vista, elaboramos uma síntese na tabela “Agrupamento dos instrumentos de políticas públicas” com alguns dos diferentes instrumentos de políticas públicas agrupados nas categorias definidas por Isuani (2012, p.58). Entendendo que existem inúmeros instrumentos de políticas públicas, nesta unidade nos centramos em abordar aqueles de maior relevância ao estudo da produção do espaço e do planejamento urbano. Nos próximos tópicos, iremos estudar cada um deles. 2 Instrumentos de políticas públicas de ordenamento territorial As relações sociais e políticas decorrentes do processo de configuração das cidades planteiam conflitos sobre o território, fazendo necessária a regulação do processo de uso e ocupação do solo. Neste contexto, as políticas de ordenamento territorial visam estabelecer critérios e diretrizes gerais para o uso racional da terra e de seus recursos, a proteção do meio ambiente e a distribuição e organização das atividades da comunidade. Surge, então, a ideia de política territorial, conjunto de estratégias a médio e longo prazo e suas diretrizes de atuação para o território. O ordenamento territorial, segundo Moraes (2005, p. 46) “é um instrumento de articulação transetorial e interinstitucional que tem por objetivo um planejamento integrado e especializado da ação do poder público”, cujo objetivo é evitar conflitos de uso e utilização dos recursos. De acordo com Cabeza (2002, p. 24), “a gestão territorial envolve um conjunto de atividades realizadas por atores públicos e privados orientados para ordenar e / ou desenvolver o território”. Essas ações se relacionam ao estabelecimento de regulamentos legais e à implementação de planos territoriais ou setoriais com impacto no espaço urbano. Portanto, um ordenamento do território deve ser orientado por normas e regulamentos legais. As discussões sobre a necessidade da União em aplicar ações relacionadas ao ordenamento do território nacional remetem ao fim da década de 1980. O termo “ordenação do território” está fixado legalmente na Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1990, art. 21), segundo o qual: “Compete à União elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”. Neste contexto, os programas nacionais e regionais de ordenamento do território definem estratégias de desenvolvimento territorial e se apresentam como referência para a elaboração dos programas e dos planos municipais. Os instrumentos de ordenamento territorial são integrados a um conjunto de instâncias organizacionais estaduais, ou não estatais, e apresentam um relato do modo ou estilo de ação com o qual os atores intervêm na sociedade. A partir da regulamentação do Estatuto da Cidade, em 2001, os municípios passaram a ter diretrizes definidas em relação às políticas urbanas, e o Plano Diretor e as leis municipais de zoneamento transformaram-se em importantes instrumentos no planejamento urbano. O Estatuto da Cidade (2001, Art. 4) dispõe sobre diversos instrumentos para gestão e planejamento das cidades. Conforme aborda Oliveira (2001, p. 7), a Lei no 10.257 de 10 de julho de 2001 – Estatuto da Cidade – vem regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, que conformam o capítulo relativo à Política Urbana. O artigo 182 estabeleceu que a política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, definindo que o instrumento básico desta política é o Plano Diretor. O Estatuto da Cidade engloba normativas para nortear as ações do poder público, visando o interesse público, o bem-estar dos cidadãos e o equilíbrio ambiental. Ele apresenta alguns instrumentos necessários para que as políticas urbanas sejam implementadas na cidade. Estes instrumentos são classificados como: urbanísticos, jurídicos de regularização fundiária e de democratização da gestão urbana. Os instrumentos urbanísticos se relacionam diretamente ao princípio da função social da propriedade. Os instrumentos jurídicos de regularização fundiária compreendem as zonas especiais de interesse social (ZEIS), usucapião especial de imóvel urbano, concessão de uso especial para fins de moradia e concessão de direito real de uso. Os instrumentos de democratização da gestão urbana compreendem o estudo de impacto de vizinhança, conselhos, sistemas de gestão democrática da política urbana, audiências e consultas públicas, conferências sobre assuntos de interesse urbano e iniciativa popular de leis. O fato de o Estado ser responsável por elaborar e implementar planos nacionais e regionais de ordenamento do território, é imperativo que existam normativas em vigor para regular o processo de uso e ocupação da terra e de seus recursos. Para tanto foi instituído uma Política Nacional de Ordenamento do Território, pelo Ministério da Integração Nacional, visando estabelecer diretrizes para os processos de planejamento urbano. Os instrumentos de políticas públicas de ordenamento territorial aqui considerados são: o Plano Diretor, o parcelamento e uso e ocupação do solo e o zoneamento. 2.1 Plano Diretor Quando falamos de planejamento urbano, um dos instrumentos de maior destaque é o Plano Diretor. O crescimento desordenado dos espaços urbanos criou diversos problemas na conjuntura política, econômica, social e ambiental das cidades. Neste contexto, o Plano Diretor apresenta-se como um instrumento-chave no planejamento das cidades. O Estatuto da Cidade (2001, art. 39 e 40) define que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas. O Plano Diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. O Plano Diretor tem a função de regular o planejamento e o desenvolvimento urbano, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas. Mais especificamente em relação ao ordenamento do próprio território do município, organizando a ocupação e o uso do solo, de maneira a orientar a gestão do espaço urbano. Por meio do estabelecimento de princípios, diretrizes e normas, ele deve fornecer orientações para qualquer ação que venha a influenciar o desenvolvimento urbano, como é o caso, por exemplo, da construção de novas residências ou prédios, da abertura de uma nova via pública ou da implantação de novas estações de tratamento de água ou esgoto. O Estatuto das Cidades exige que os Planos Diretores das cidades sejam revisados a cada dez anos, visando atender à sociedade que está em constante transformação com as demandas e diretrizes da cidade. A propriedade urbana, mesmo privada, tem uma função social. Portanto, mesmo que você tenha um terreno e deseja construir nele um centro comercial, se as políticas públicas da cidade estabelecerem que, naquela região, sejam construídas apenas edificações residenciais, sua propriedade estará submetida a esta função social por lei e você precisará obedecer tais critérios. A NBR 12267 (Associação Brasileira de Normas Técnicas,1992, p. 2) define o Plano Diretor como sendo “o instrumento básico de processo de planejamento municipal para a implantação da política de desenvolvimento urbano, norteando a ação dos agentes públicos e privados”. De acordo com Villaça (1999, p.238), o Plano Diretor deve apresentar um conjunto de propostas para “o futuro desenvolvimento socioeconômicoe futura organização espacial dos usos do solo urbano, das redes de infraestrutura e de elementos fundamentais da estrutura urbana, para a cidade e para o município”. Para a realização destas propostas, é feito um diagnóstico da realidade política, social, econômica, física e administrativa da cidade, definindo medidas de curto, médio e longo prazo. Há uma série de normas, definidas na NBR 1350 (Associação Brasileira de Normas Técnicas,1992, p. 2), para a elaboração do Plano Diretor. Uma das principais considerações é que o Plano Diretor deve abranger todo o território do município e sua realização é obrigatória para os municípios brasileiros com mais de 20 mil habitantes, ou quase um terço dos municípios brasileiros. Além disso, aqueles municípios que não atinjam essa quantidade de moradores prevista em lei, mas que integram regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, que estão em áreas de interesse turístico, que sofrem a influência de obras ou de atividades que causam significativa degradação ambiental, ou, ainda, que queiram utilizar os instrumentos de edificação ou parcelamento compulsórios, IPTU progressivo ou a desapropriação, também devem possuir Plano Diretor. Conforme apresentado na NBR 12267 (Associação Brasileira de Normas Técnicas,1992), a estrutura do Plano Diretor deve conter ao menos três partes: a fundamentação, as diretrizes e a instrumentação. Para fundamentar um Plano Diretor, é preciso ter claro quais são os objetivos pretendidos para o território urbano, analisar quais são os recursos que o município dispõe, realizar diagnósticos dessas demandas e propor alternativas de intervenção para a melhoria do espaço urbano. Neste sentido, a fundamentação deve apresentar alguns critérios: os objetivos, a caracterização, os diagnósticos e os prognósticos, as alternativas e os critérios de avaliação. Os objetivos são relativos às funções sociais da cidade e da propriedade urbana e às políticas de desenvolvimento urbano. A caracterização abrange a situação do município com relação aos recursos disponíveis, limitações, restrições, legislação, meio físico que condiciona o uso e a ocupação do solo, aspectos socioeconômicos, dinâmica do uso e ocupação do solo (urbano e rural), adensamento e expansão urbana, infraestrutura, equipamentos sociais e serviços urbanos existentes. Os diagnósticos e prognósticos baseiam-se na comparação das análises da caracterização com os objetivos estabelecidos, avaliando os principais recursos disponíveis para superar os obstáculos ao desenvolvimento do município. As alternativas contemplam o conjunto de diretrizes para alcançar dos objetivos do Plano Diretor. Já as diretrizes abrangem os aspectos relativos ao tipo e intensidade do uso do solo, ao sistema viário, à infraestrutura, aos equipamentos sociais e serviços urbanos. Elas devem expor de forma clara os critérios para cada uma de suas propostas. Devem ser apresentadas diretrizes para urbanização, parcelamento, uso e ocupação do solo e para a utilização e preservação ambiental e de recursos naturais. As intensidades do uso do solo denotam a ocupação e ao aproveitamento dos lotes. O sistema viário abrange a hierarquização e padrões das vias interurbanas e sua expansão. A infraestrutura urbana faz referência à expansão das diversas instalações e sua interferência na ordenação do espaço, abrangendo os sistemas de saneamento básico e drenagem, energia, iluminação pública, comunicações e sistema viário. Os equipamentos sociais e serviços urbanos conformam-se às diretrizes gerais de uso e ocupação do solo. Os serviços urbanos incluem limpeza pública, transporte coletivo, defesa civil e segurança pública, prevenção e combate a incêndios e assistência social. Por fim, a instrumentação apresenta os documentos legais, técnicos, orçamentários e administrativos, visando a integração de programas, orçamentos e investimentos do município. Como instrumentos legais temos a Lei do Plano Diretor, a Lei de Uso, Ocupação e Parcelamento do Solo e o Código de Obras e Edificações. Como instrumentos técnicos, os programas, planos setoriais, projetos e planos de ação correspondentes para implementação das diretrizes do Plano Diretor. Como instrumentos orçamentários, o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais. Por último, como instrumentação administrativa, temos os recursos necessários aos agentes administrativos para a aplicação das diretrizes do Plano Diretor e desempenho das funções administrativas da prefeitura. Para se apresentar o Plano Diretor, é recomendada uma documentação mínima que traduza adequadamente as partes descritas anteriormente. Esses elementos mínimos também são descritos pela NBR 12267 (Associação Brasileira de Normas Técnicas,1992, p. 4): objetivos claramente explicados; caracterização da região, do município e da cidade abarcando as características geológico-geotécnicas, ambientais, topográficas e cadastrais de interesse para o uso e ocupação do solo; principais condicionantes físicos, ambientais, socioeconômicos e demográficos, sistema viário e infraestrutura urbana, bem como equipamentos sociais e serviços urbanos; diagnóstico e prognósticos elaborados quanto aos aspectos anteriormente mencionados; conjuntos de proposições de diretrizes alternativas para a consecução do desenvolvimento do município; critérios adotados para avaliação das proposições alternativas apresentadas. Há, entretanto, uma dificuldade por parte dos municípios “de compreender o caráter urbanístico e autoaplicável do Plano Diretor” (Grevetti, 2011, p. 4). Segundo o autor, existem no Brasil dois modelos de legislação urbanística, em que cada qual chama de plano diretor um documento substancialmente distinto. Grevetti (2011, p. 4) afirma que um primeiro modelo corresponderia ao conceito constitucional, posto que introduz no próprio plano diretor os índices urbanísticos de parcelamento, uso e ocupação do solo. O outro atribui a fixação desses índices a outra lei, denominada “de zoneamento”, “de uso e ocupação do solo” ou “de uso do solo”, a ser elaborada com base no plano diretor. Para vermos na prática esses dois modelos, tomemos como exemplo os estados do Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Alguns municípios do Rio Grande do Sul utilizam o plano diretor autoaplicável, isso quer dizer que o próprio plano já apresenta tabelas e mapas em que são definidos os índices urbanísticos de parcelamento, uso e ocupação do solo. Por outro lado, alguns municípios de Minas Gerais consideram que o plano diretor não tem uma aplicabilidade imediata, ou seja, ele deve ser regulamentado posteriormente. E como isso é feito nesses municípios? Nesses casos, “o estabelecimento de índices urbanísticos é feito em outra lei, que pode ser denominada de ‘lei de zoneamento’, ‘lei de uso do solo’ ou de ‘lei de parcelamento, uso e ocupação do solo’” (. Sendo assim, além do plano diretor como instrumento de ordenamento territorial, também vamos tratar nessa unidade sobre as leis de parcelamento, uso e ocupação do solo e o zoneamento. 2.2 Lei de parcelamento e uso e ocupação do solo Com base nas diretrizes do Plano Diretor, cabe a cada município ordenar o uso do espaço urbano por meio de uma regulamentação específica: a Lei de parcelamento e uso e ocupação do solo. O parcelamento do solo delimita áreas e as organiza de acordo com determinadas funções do espaço urbano. Ao se definir o uso e a ocupação do solo, o legislador determina a disposição da cidade em função das demandas da sociedade. É um instrumento de suma importância pois delimita áreas de preservação ambiental, áreas industriais, de comércio, de lazer etc. A lei estabelece como o município poderá parcelar o solo, especificando como o espaço urbano será dividido. 2.3 Lei de zoneamento O zoneamento é um instrumento para executar parte do Plano Diretor, no que diz respeito à regularização do uso do solo. É ele que delimita espaços territoriais, fixando dimensõesmínimas dos lotes, dos coeficientes de edificação admitidos em cada área, das taxas de ocupação e dos recuos fronteiros, e caracteriza seus usos. É um instrumento tradicional do planejamento urbano e muito importante no Plano Diretor. Um plano de zoneamento não é considerado um Plano Diretor, embora todo Plano Diretor – no discurso convencional – deva incluir um plano de zoneamento (o que na verdade quase nunca ocorreu) e embora não seja raro chamar um plano de zoneamento de Plano Diretor (Villaça, 1999). Mukai (2010, p. 329) conceitua o zoneamento como “disciplina condicionadora do uso da propriedade imobiliária mediante delimitação de áreas, categorizadas em vista das utilizações urbanas nelas admitidas”. À vista da Lei de Zoneamento, as áreas urbanas geralmente são separadas em zonas residenciais, comerciais, industriais e mistas. As zonas residenciais, por serem destinadas à habitação, devem apresentar condições de salubridade, tranquilidade e segurança. As zonas comerciais devem ser mais recuadas dos bairros residenciais por caracterizarem uma atividade que ocasiona ruídos. As zonas industriais, destinadas às fábricas e atividades afins, localizam-se distante dos bairros residenciais por questões relativas ao ruído e à poluição. As ocupações mistas são todas aquelas que não possuem indicativo de utilização específica. Os municípios também determinam as zonas urbanas, que geralmente abrangem as seguintes divisões: Zona Central (ZC), Zona de Comércio e Serviços (ZCS), Zona de Serviços e Indústria (ZSI), Zona Industrial (ZI), Setor Aeroviário (SA), Zona de Uso Misto (ZUM), Zona do Parque do Aeroporto (ZPA), Zona de Proteção de Área Verde (ZPAV), Zona de Preservação Permanente (ZPP), Setor de Parque (SPQ), Zona de Restrição à Ocupação (ZRO) e Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), Dependendo do município, mais ou menos zonas podem ser criadas. As Zonas de Proteção de Áreas Verdes são áreas em que se permite o uso, desde que sejam preservados o relevo e a vegetação existente. As Zonas de Preservação Permanente são destinadas à preservação ou reconstituição de matas ciliares, encostas, topos de morros e as áreas alagáveis. A legislação também dispõe de parâmetros de ocupação para as zonas, que consideram os seguintes critérios: Taxa de ocupação máxima Relação percentual do quanto a edificação ocupa da área do terreno. Coeficiente de aproveitamento máxima Indica a quantidade máxima de metros quadrados que podem ser construídos em um lote, somando-se as áreas de todos os pavimentos. Altura máxima, área mínima e testada mínima Indica a metragem mínima da frente do terreno. Recuo frontal Espaço que deverá ser respeitado entre a calçada e o início da parede de uma edificação. Afastamento Distância que a edificação deve ter das divisas do lote. Taxa de permeabilidade Porcentagem da área do terreno que deve permanecer permeável. Neste subtópico, vimos que o zoneamento é um instrumento indispensável nas políticas urbanas, na medida visa garantir a qualidade de vida e bem-estar social, denotando uma correta utilização dos recursos ambientais e urbanos. 3 Instrumento de políticas públicas de comando e controle Os instrumentos de políticas públicas de comando e controle direcionam o comportamento por meio de permissões ou proibições previamente estabelecidas, baseadas em normatizações, regulamentações ou restrições legais, por meio do qual as autoridades políticas usam de recursos de fiscalização para gerar condutas sociais desejáveis, garantindo o comportamento por lei. Eles fixam normas, regras, procedimentos e padrões determinados para as atividades econômicas a fim de assegurar o cumprimento dos objetivos da política em questão e o não cumprimento acarreta sanções de cunho penal e administrativo (LUSTOSA e YOUNG, 2002). No entanto, os instrumentos de comando e controle são, em geral, pouco flexíveis e exigem um alto grau de fiscalização que muitas vezes não é alcançado. Para se lograr uma maior eficiência dos instrumentos de comando e controle, faz-se necessário a atuação do Estado por meio de seus órgãos e autoridades competentes. A cidade não é configurada por um único documento, mas pela articulação de diferentes órgãos reguladores. O principal desafio está articulação de uma política urbana consistente que permeia os interesses de vários atores e que garanta um equilíbrio adequado entre benefícios privados e interesses públicos e uma administração democrática e transparente. Como vimos, os diferentes atores têm uma influência decisiva nos dispositivos normativos. No entanto, é comum notar que a disputa entre valores, interesses e agendas entre esses atores se torna uma condição poderosa que dificulta ou frustra a implementação de uma política pública (Isuani, 2012). Pode-se enumerar quatro principais instrumentos de comando e controle: os padrões e licenciamentos, descritas detalhadamente a seguir. 3.1 Padrões Na gestão ambiental, os padrões são os instrumentos mais frequentemente utilizados. Eles consistem em “regulações que limitam os níveis de emissões e poluentes ou especificações obrigatórias para equipamentos ou processos produtivos, buscando estimular um comportamento considerado socialmente adequado” (Gomes, 2018, p. 15). É o caso, por exemplo, das normas de controle de poluição atmosférica e da água. Margulis (1996, p. 6, apud Martorelli, 2015, p. 15) elenca cinco principais tipos de padrões adotados: padrões de qualidade ambiental: limites máximos de concentração de poluentes no meio ambiente; padrões de emissão: limites máximos para as concentrações ou quantidades totais a serem despejados no ambiente por uma fonte de poluição; padrões tecnológicos: padrões que determinam o uso de tecnologias específicas; padrões de desempenho: padrões que especificam, por exemplo, a percentagem de remoção ou eficiência de um determinado processo; padrões de produto e processo: estabelecendo limites para descarga de efluentes por unidade de produção ou processo Nos padrões são estipulados níveis. No padrão de qualidade da água em determinado rio ou na qualidade do ar em determinada cidade, por exemplo, são estabelecidos níveis de um determinado poluente para um padrão de qualidade ambiental. Podemos também utilizar os tipos de padrões combinados entre si. Field e Field (2014, p. 208, apud Martorelli, 2015, p. 16), aponta três padrões na política nacional de controle da poluição da água nos Estados Unidos: “padrões de qualidade ambiental para garantir o mínimo de pureza na água, padrões de emissões para reduzir as cargas de poluição lançadas nela e padrões tecnológicos no que diz respeito a melhores práticas de gestão aplicáveis”. 3.2 Licenciamento As licenças permitem a instalação de projetos e atividades potencialmente impactantes ao meio ambiente e são aplicadas por órgãos de controle ambiental. Martorelli (2015, p. 16) define “autorizações concedidas pela autoridade competente para exploração econômica de áreas de interesse ambiental em propriedades privadas”. Além da permissão de instalação de projetos em áreas de interesse ambiental, o licenciamento também estabelece medidas de uso e exploração de recursos naturais, como também diretrizes de reabilitação das áreas em questão. No caso das grandes centrais hidrelétricas, o prévio estudo de impacto ambiental é indispensável para que os órgãos de controle ambiental concedam a licença. 4 Instrumento de políticas públicas de tomada de decisão Os instrumentos de políticas públicas de tomada de decisão fazem referência aos instrumentos de geração e uso da informação para aprendizagem individual e social, e formação de valores e comportamentos, utilizados nos diversos níveis de tomada de decisão. Os instrumentos de políticas públicas de tomada de decisão aqui considerados são: Monitoramento ambiental Sistema de Informações Estudo de Impacto de Vizinhança Estudo de Impacto Ambiental4.1 Monitoramento ambiental Os ambientes costumam ser monitorados com o intuído de entender as alterações das forças externas que influenciam o seu funcionamento e obter respostas rápidas e precisas. Por meio do monitoramento ambiental, as condições do meio ambiente são medidas de forma contínua e periódica. Segundo Choo e Auster (1993, p. 1), a atividade de monitoramento ambiental é entendida como a “aquisição e o uso da informação sobre eventos, tendências e relacionamentos que acontecem no ambiente externo da organização”. #PraCegoVer: Na imagem, está a cidade de Paris, com duas ruas arborizadas e prédios antigos. É o caso, por exemplo, do monitoramento da qualidade do ar, da qualidade e quantidade de água, do uso e ocupação do solo ou a evolução da cobertura de vegetação natural. Sem isso, a falta de informações aumenta a imprecisão nas ações de controle e planejamento. Braga (2006, p. 115) considera esta tarefa um “elemento estratégico na tomada de decisão, particularmente no planejamento – de novas intervenções em determinada área ou região, na atividade de licenciamento ambiental e como suporte à atividade de fiscalização”. Ele também afirma que só́ existem informações confiáveis se existirem redes de monitoramento apropriadas. Por isso, os objetivos da implantação de um sistema de monitoramento devem possibilitar conhecer a qualidade do ambiente por meio dos parâmetros medidos, avaliar alterações do ecossistema, orientar as ações necessárias para a manutenção ou melhoria da qualidade ambiental e até avaliar a efetividade dessas ações (BRAGA, 2006, p. 166). O monitoramento ambiental é feito, no Brasil, por instituições como a Agência Nacional de Águas (ANA) e os Órgãos Estaduais de Meio Ambiente (OEMAs), que se encarregam de monitorar a qualidade das águas. Cada um desses órgãos possui uma rede estruturada de monitoramento ambiental composta por pontos amostrais e metodologias de análise para atender a demandas específicas. No Brasil, é possível identificar diversos níveis de monitoramento ambiental. Há inúmeras redes de monitoramento operando de maneira elaborada, com a utilização de georreferenciamento e tecnologias cada vez mais desenvolvidas. Em outros casos, as redes de monitoramento ainda estão sendo desenvolvidas. É o caso, por exemplo, do Programa de Monitoramento da Qualidade da Água, criado pelo Ministério do Meio Ambiente, que busca aprimorar a qualidade da água por meio do monitoramento dos principais problemas apontados nos Estudos de Impactos Ambientais com o intuito de implementar possíveis ações corretivas; do Sistema de Monitoramento da Qualidade da Água (SISAGUA), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que monitora, armazena e as concede as informações obtidas. As vantagens de fazer o monitoramento ambiental são imensas, especialmente por ser uma ferramenta de análise que ajuda a avaliar os pontos que necessitam de melhorias. Com essas informações em mãos, o gestor possui uma base sólida para pautar decisões e criar novas estratégias. 4.2 Sistema de informações Vivemos em meio a uma avalanche de informações e, cada vez mais, o direito à informação é considerado um postulado básico em uma sociedade democrática e fundamental para a participação dos cidadãos nas discussões e tomadas de decisões. A tomada de decisão é o objetivo do sistema de informações. Tais decisões devem ser moldadas pelo pleno conhecimento das informações técnicas existentes e pela avaliação política dos segmentos governamentais e não governamentais envolvidos (Braga, 2006, p. 121). Um sistema que auxilie nas decisões por parlamentares, executivos, juízes ou membros de conselhos e comitês deve ser capaz de gerar, armazenar e disponibilizar dados, em quantidade, qualidade e no tempo adequado às necessidades. Este tem como importante base o Sistema de Informação Geográfica (SIG), que trabalha fundamentalmente com o banco de dados e modelos preditivos, com a representação dos resultados em mapas. 4.3 Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) O Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) existe para poder deliberar, ou não, uma licença ou uma autorização para construir, para instalar ou para funcionar as obras e atividades que estão a cargo do poder público municipal. Os empreendimentos e as atividades que precisam, obrigatoriamente, apresentar o EIV são definidos por lei municipal. É o município, portanto, que estabelece esse rol. É o que costuma acontecer, em geral, com os shoppings centers. No EIV, a prefeitura consegue avaliar os pontos positivos e negativos desse empreendimento para a população que está nas imediações: como vai ficar o tráfego de veículos automotores, como vai se dar o uso e ocupação do solo naquele local, como será o adensamento populacional, quais equipamentos públicos ou comunitários serão necessários e quais serão os impactos para a valorização imobiliária. Todas essas informações e a documentação referente ao EIV devem ficar disponíveis à população, porque ela que será afetada pelo empreendimento. 4.4 Estudo de Impacto Ambiental (EIA) Os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) servem para satisfazer as normas de proteção do meio ambiente e avaliar as principais consequências ambientais de um projeto. Ele é exigido quando há obras ou atividades que podem vir a causar significativa degradação ambiental, vindo a complementar o Estudo de Impacto de Vizinhança. É o caso, por exemplo, de grandes centrais hidrelétricas. O EIA tem previsão constitucional e está previsto no art. 225 da Constituição Federal de 1988. 5 Produção do espaço, planejamento e políticas públicas Os três tipos de instrumentos de política pública já mencionados - instrumentos de ordenamento territorial, de comando e controle e de tomada de decisão - dão ao Estado a capacidade potencial de intervir no cenário econômico, social e ambiental. No entanto, tais instrumentos não surgem espontaneamente. São resultado de um processo de produção de espaço que acaba por moldá-los e lhes conferir certa coerência e eficácia. As cidades, desde uma perspectiva histórica, configuravam-se como um dos instrumentos de poder mais efetivos para dominar grandes territórios. Tendo em vista “suas funções defensivas, comerciais, industriais, administrativas e até religiosas, as cidades desempenharam um papel decisivo na configuração das principais civilizações de nosso planeta” (GÜELL, 2000, p.13). Sendo assim, as políticas urbanas constituem a dimensão espacial do Estado de bem-estar social e a regulação pública da divisão econômica e social do espaço. Elas têm o desafio de projetar e implementar novos e poderosos instrumentos de regulação pública da cidade, para que esse não seja o resultado estrito da lógica do mercado. O escopo substantivo da política urbana inclui os seguintes setores de ação pública e gestão do território urbano: a localização e reestruturação econômica do território, a regulamentação dos usos por meio do planejamento urbano, habitação em todos os seus aspectos, transporte coletivo e os equipamentos e infraestrutura conectados à oferta de serviços públicos. 5.1 Produção do espaço e planejamento Para compreender a organização das cidades é importante conhecer a relação entre gestão e planejamento urbano. A partir disso, é possível analisar os processos relativos à produção do espaço urbano e entender como são ou foram orientadas as políticas para estes espaços. O planejamento urbano “assume papel ímpar no processo de ordenamento e gestão do território, tornando-se verdadeiro instrumento disciplinador do governo no exercício da gestão urbana” (SILVA, 2008, p. 88). Para além do simples ordenamento do território, o planejamento urbano deve ser um instrumento para responder às demandas sociais, como estabelece o Estatuto da Cidade (2001), que trata da política de desenvolvimento urbano e da função social da propriedade. Conforme aponta Santos (2002),o espaço geográfico é formado por um “conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá”. Considerando o espaço urbano como um produto social, reconhece-se que ele é fruto da diversidade das relações econômicas e sociais. 5.2 Políticas públicas: conceitos e definições O estado democrático liberal moderno que se forma após a Segunda Guerra Mundial define sua legitimidade em termos de políticas públicas. Através delas, a intervenção do estado na sociedade e na economia se materializa. Políticas públicas são conjuntos de objetivos, decisões e ações realizadas por um governo para resolver os problemas que os cidadãos e o próprio governo consideram uma prioridade em um determinado momento. Por exemplo, desemprego, insegurança cidadã, falta de moradia, imigração, meio ambiente etc. O conceito de políticas públicas abrange o conjunto de planos, programas, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado visando implementar decisões a nível social, cultural, ambiental, ético, político ou econômico. Uma variedade de atores, governamentais e não governamentais, está envolvida em seu desenvolvimento. A elaboração de políticas públicas é conduzida por intencionalidades por aqueles que detêm o controle político-administrativo em uma determinada gestão. Os atores governamentais podem pertencer a um ou vários níveis de governo e administração: local, regional, estadual, federal ou internacional. Atores não-governamentais (como sindicatos, igrejas, associações, organizações não-governamentais etc.) também podem operar em diferentes áreas. Em geral, nos referimos às políticas públicas identificando os setores da sociedade em que a intervenção pública está centrada. Sendo assim, falamos sobre política educacional, política de saúde, política energética, política fiscal, política externa, política de igualdade etc. Para operar em cada um desses setores, o poder público possui uma ampla variedade de instrumentos. Todos os níveis de governo desenvolvem políticas públicas que podem ser classificadas de acordo com diversos critérios. As classificações mais conhecidas estão incluídas abaixo: Políticas substantivas e processuais: políticas substanciais referem-se ao que o governo fará, por exemplo, construir estradas, pagar seguro-desemprego ou proibir a venda de álcool a menores. Essas são políticas que fornecem diretamente às pessoas vantagens e desvantagens em relação a algo. As políticas processuais têm a ver com a maneira como algo será feito ou com quem tomará medidas. Entre eles, temos aqueles que se referem aos assuntos organizacionais das administrações públicas ou aqueles que especificam os processos ou procedimentos para a realização de determinadas atividades. Políticas distributivas, regulatórias, autorreguladoras e redistributivas: as políticas podem ser classificadas de acordo com seus efeitos na sociedade e as relações entre os atores envolvidos em sua formação. As políticas distributivas consistem em fornecer bens ou serviços a um determinado segmento da população (indivíduos, grupos, empresas etc.). As políticas reguladoras impõem restrições ou limitações ao comportamento de indivíduos e grupos, como o código de trânsito. Os requisitos necessários para a abertura de um estabelecimento de farmácia estabelecem uma política de autorregulação. As políticas redistributivas são um esforço deliberado do governo para alterar a alocação de riqueza, renda, propriedade ou direitos entre grandes grupos ou classes sociais. São as políticas mais características do Estado de bem-estar social. Nesse sentido, um dos exemplos mais conhecidos é dado pelos sistemas de seguridade social. Políticas materiais e simbólicas: também podemos classificar as políticas públicas de acordo com o tipo de benefício que elas implicam para seus beneficiários. Políticas materiais fornecem vantagens ou desvantagens tangíveis. Um programa de bolsas de estudos para estudantes universitários estabelece uma política material. Políticas simbólicas, por outro lado, dificilmente têm influência material real nas pessoas, elas atribuem vantagens e desvantagens não tangíveis. Campanhas para combater o racismo e a xenofobia constituem uma política simbólica. As políticas de autorregulação são semelhantes às regulatórias, porque consistem em limitar ou controlar algum setor ou grupo, mas diferem delas por serem defendidas e apoiadas pelo grupo como forma de proteger ou promover os interesses de seus membros. As políticas públicas, em seu desenvolvimento, passam por várias etapas que compõem um ciclo. O processo de elaboração de políticas públicas também é conhecido como ciclo de políticas públicas. Segundo Secchi (2010, p.33), “o ciclo de políticas públicas é um esquema de visualização e interpretação que organiza a vida de uma política pública em fases sequenciais e interdependentes”. Sendo as fases do ciclo interdependentes, repensar qualquer uma delas afeta o seguinte. Este modelo de visualização é definido em 7 fases principais: identificação do problema, formação da agenda, formulação de alternativas, tomada de decisão, implementação, avaliação e extinção. Cada uma destas fases será detalhada a seguir. Identificação do problema Governo alerta para a existência de problemas ou oportunidades na sociedade e pergunta se deve agir ou não. Essa fase inclui, em primeiro lugar, atividades para a detecção e seleção de problemas e, em segundo lugar, atividades para a definição de problemas. Formação da agenda As sociedades ocidentais, geralmente surge um grande número de questões provenientes de diferentes setores da sociedade, que buscam a atenção dos governos. No entanto, nem todas as questões que preocupam a sociedade acabam gerando a formação de uma política pública para resolvê-las. Para estudar esses processos, é utilizado o conceito de agenda. Formulação de alternativas Uma vez que o governo conhece a existência de um problema, ele inicia a fase de formulação de políticas (alternativas, propostas, opções) aceitáveis e relevantes para lidar com problemas públicos. Tomada de decisão Essa fase está exclusivamente nas mãos de um ou mais tomadores de decisão públicos. Para que uma política seja considerada pública, deve ter sido gerada por meios governamentais e emanar de uma autoridade pública. Implementação de políticas públicas Nessa fase, as unidades administrativas correspondentes mobilizam recursos econômicos e humanos para implementar a política adotada. Avaliação de políticas As unidades de avaliação da administração pública determinam até que ponto os objetivos da política pública em questão foram alcançados. A avaliação encerra o ciclo de políticas e pode alimentar o processo em qualquer uma de suas fases. Extinção As políticas públicas não terminam com a avaliação de seus resultados, mas podem levar a uma nova definição do problema que iniciou o ciclo. Sob essa visão, as políticas públicas poderiam ser assumidas como estruturas de estratégias e instrumentos articulados em níveis hierárquicos para o desenvolvimento dessas atividades específicas. Portanto, elas são ferramentas de controle espacial, econômico e social, fundamentais na regulação do processo de produção do espaço. Sendo assim, salienta-se que as políticas públicas e o planejamento embasam as inter-relações entre política, economia, sociedade e Estado, visando melhorias nas condições de vida da população através de programas e implementações que buscam produzir mudanças e resultados. No próximo tópico, abordaremos estes planos, programas, projetos e ações governamentais. 6 Planos, programas, projetos e ações governamentais Como vimos anteriormente, as políticas públicas fundamentam as inter-relações entre diversos âmbitos da sociedade. Em geral, elas são constituídas por
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