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1. Introdução ao Comportamento Animal Capítulo 1 Introdução ao Comportamento Animal 1. Nota Histórica 1.1 Nota Histórica Na Escola Inglesa a Biologia do Comportamento é denominada Etologia (do Grego: ethos, comportamento, hábito, costume). No sec. XIX, a Etologia constituíu-se como uma ciência biológica independente que, de modo geral, procurava estudar hábitos e biologia de espécies animais isoladas. Por volta de 1911, O. HEINROTH utilizou, pela primeira vez, o conceito Etologia para designar a cadeira biológica de estudo comparado do comportamento. Os estudos de HEINROTH baseavam-se na descrição dos diferentes comportamentos de patos. Hoje, o conceito Etologia da literatura Inglesa está para Biologia do Comportamento da escola Alemã (GATTERMANN, et al. 1993). Nesta evolução histórica ocorreram mudanças tanto no questionamento científico, quanto nos métodos de trabalho da Etologia, que justificam, hoje, o uso do termo Biologia do Comportamento. Conforme TEMBROCK (1996, Fig. ...) faz notar, a Etologia preocupou-se mais com a descrição fenomenológica dos comportamentos: 1) o que é que o animal faz? 2) quando é que o faz? 3) como é que o faz? Estas eram, de modo resumido, as questões que preocuram os etólogos daquele tempo. 2. Características Gerais do Comportamento A Biologia do Comportamento estuda o comportamento animal e humano, bem como as suas bases biológicas. Portanto, o objecto de estudo da Biologia do Comportamento podem ser: Indivíduos naturais intactos, i.e. não influenciados de alguma forma pelo Homem (o leão na selva); Indivíduos naturais sob influência antropogénica (animais capturados na natureza e comlocados sob custódia do Homem); Indivíduos naturais laboratoriais, aqueles que são criados pelo Homem em meio laboratorial (as cávias cobaias e o macaco- Rhesus, por exemplo); Homem; Grupos sociais (nas suas variadas formas de manifestação); Indivíduos isolados. Hoje, os aspectos relevantes de investigação biocomportamental são (1) as estruturas do comportamento (morfologia comportamental), (2) as bases do comportamento (Etometria, Fisiologia comportamental, genética comportamental), (3) o desenvolvimento individual e específico (ontogénese e filogénese comportamentais, tradições) e (4) a adaptação ao ambiente, adquirida ao longo do processo filogenético (Etoecologia). A individualidade e a especificidade (relativo à espécie) do comportamento constituem igualmente objectos de investigação da Biologia do Comportamento. 2.2 Vectores do Comportamento 195 195 A Biologia do Comportamento constitui, hoje, uma nova disciplina, cujas tarefas situam-se entre a Fisiologia animal e a Ecologia. Enquanto que a Fisiologia animal, como ramo da Fisiologia, investiga processos fisiológicos complexos que regulam as funções vitais do organismo como um todo, a Ecologia abarca as interacções entre o organismo e o ambiente, com base nas quais os próprios processos fisiológicos evoluiram, num processo de selecção natural. A maior pressão da selecção natural no contexto de evolução adaptativa dos principais processos fisiológicos, recaiu, sem dúvida, sobre (1) a troca de substâncias, (2) a troca de energia, (3) a troca de informações e (4) a mudança de forma (Fisiologia do desenvolvimento), e, todas estruturas e sistemas do organismo evoluiram no sentido de consubstanciarem a evolução destes fenómenos fisiológicos. A Ecologia pode ser definida como ciência que estuda as interacções e inter-relações dos organismos entre si e destes com o ambiente inanimado que os rodeia. Assim nota-se o sentido do posicionamento da Biologia do Comportamento entre a Fisioloa animal e a Ecologia, uma vez que ela procura analisar e compreender os mecanismos que regulam e determinam as relações recíprocas entre o fisiológico e o ambiente com base na troca de informações. Na sua evolução histórica a Biologia do Comportamento passou pela Psicologia animal do sec. XIX. A partir de WUNDT, sec. XIX, Comment [u1]: completar 2. Características Gerais do Comportamento desenvolveu-se a Psicologia comparada. Princípios da Psicologia foram usados para a percepção do comportamento animal. WUNDT postulava, mais ou menos, que “(...) a perceção da alma do animal só pode partir da percepção da alma do Homem e não o contrário”. DARWIN (1859) desenvolveu três princípios que vieram determinar sobremaneira a evolução da Etologia (e da Biologia do Comportamento). São eles: 1. Princípio de hábitos objectivamente associados, 2. Princípio de antítese: estados espirituais (emocionais) contraditórios conduzem à, igualmente, estados motores (movimentos) contraditórios, 3. Princípio de liberação de acções pelo estado do sistema nervoso central, independentemente da vontade e dos hábitos. SPALDING (1873) com os resultados dos seus trabalhos sobre aprendizagem baseada na estampagem de pintos também influenciou a evolução da etologia. Por seu turno, MORGAN (1896) trouxe, pela primeira vez, uma clara distinção entre características herdadas e características adquiridas do comportamento, que ele chamou de modos comportamentais inatos e aprendizados. Os aprendizados, segundo ele, servem para o melhoramento do inato. Foi também nesta altura que investigadores de campo, tais como os PECKHAM, FABRE e WASMANN deram o seu grande contributo a caminho da definição clara da nova Comment [u2]: completer os anos 2.2 Vectores do Comportamento 197 197 disciplina biológica, a Etologia. Para todos eles estava claro que tudo o que o animal faz deve chamar-se hábitos. Um hábito pode ser definido, hoje, como conjunto de modos de comportamento. A disciplina que se ocupa do estudo destes modos de comportamento chama-se Etologia. SCHAXEL (1924) dizia: “O conjunto de todas acções específicas que ocorrem na vida de cada indivíduo são resumidos num sistema típico de acções”. Ele postulava, assim, a existência de um repertório específico e individual de acções. Hoje, designamos de etograma a tal sistema. KONRAD LORENZ e ERICH von HOLST dsenvolveram ainda mais o conceito de Etologia, conferindo-lhe novas características da Biologia evolutiva e descendo na sua definição ao nível do observável, incluindo toda a diversidade de padrões motores que recaiem sobre o ambiente. O conceito de Biologia de Comportamento é, muitas vezes, usado de modo mais abrangente, compreendendo exactamente todos processos que já SCHAXEL lhe impunha, mas também todo o conjunto de processos de aprendizagem e de evolução filogenética do comportamento. Este facto leva a que, hoje, haja ainda a diferenciação entre a Etologia da escola Inglesa e a Biologia do Comportamento da escola Alemã. GÜNTER TEMBROCK 1 (sec. XX) pode ser considerado o pai da nova escola Alemã (Fig. 1). 1 Biólogo Alemão ainda em vida (travei conhecimento com ele entre 1886 e 1999). Comment [u3]: datas 2. Características Gerais do Comportamento Fig. : GÜNTER TEMBROCK, 1992 De uma lado, a complexidade do comportamento quanto a sua motivação, sua execussão, sua evolução, sua adaptação e adabtabilidade, sua relação com o ambiente, assim como quanto ao seu significado para o organismo e ambiente, leva a uma complexidade metodológica tal que envolve o trabalho conjunto de várias disciplinas provenientes dos mais variados ramos das ciências naturais. Por outro lado, o rápido desenvolvimento da Biologia do Comportamento conduziu, sem dúvida, a uma especialização cada vez maior e ao estabelecimento de um vasto leque de disciplinas a ela subordinadas (Fig. 2). No que concerne à ligação interdisciplinar da Biologia do Comportamento pode destacar-se o que em resumo vem exposto na figura.2.2 Vectores do Comportamento 199 199 Investig. Evolução Comport. Psicologia Teoria do jogo Linguística Investigação sobre Orientação Investigação sobre Ritmos Neuroetologia Etogenética Genética Investigação reprodutiva Etoecologia Ecologia Biologia das Populações Biologia evolutiva Biologia das Populações Fisiologia Sensorial Neurobiologia Fisiologia Sensorial Neurobiologia Cronobilogia Fisiologia Sensorial Neurofisiologia Nauroanatomia Biocibernética Etoendocrinologia Endocrinologia Neuroendocrinologia Neurofisiologia Fisiologia Sensorial Investigação Comportamental Ontogenética Embriologia Genética Neurofisiologia Etologia de Aprendizagem Psicologia animal experimental Etologia humana Etologia aplicada Antropologia Etnologia Primatologia ambiental Medicina veterinária Farmacologia Protecção animal e do Comportamento Investigação social Psicologia Biologia do Comportamento Fig. 2: Quadro geral de interdisciplinaridade da Biologia do Comportamento 2. Características Gerais do Comportamento Pontos de discussão 1. Relacione A evolução paradigmática da Etologia da Escola Inglesa para a Biologia do Comportamento da Escola Alemã. 2. Desenvolva Os principais marcos históricos que determinaram a viragem de uma para a outra disciplina (Etologia – Biologia do Comportamento). 2.2 Vectores do Comportamento 201 201 2. Características Gerais do Comportamento 1.2 O que são Ciências do Comportamento, o que é o Comportamento? 2.2 Vectores do Comportamento 203 203 As chamadas ciências do comportamento são várias. Elas definem-se como disciplinas que, com base em métodos das ciências naturais, investigam o comportamento animal e humano. Para além da Biologia do Comportamento, fazem parte a Etofisiologia, a Etogenética, a Etotoxicologia, a Etoteratologia, a Etologia Humana, a Sociobiologia, a Sociologia, a Psiquiatria e a Psicologia. Este amplo espectro de disciplinas comportamentais leva-nos certamente à definições, mais ou menos diferentes, do que é o comportamento. Abstraindo, porém, deste leque de disciplinas, o conceito comportamento tem três campos principais de aplicação e, consequentemente, de definição. Assim sendo, o comportamento pode definir-se: (1) Na Teoria de Sistemas e Cibernética como: “quantidade de estados (dinâmicos) de um sistema ou de seus elementos que se sucedem no tempo”. (2) Na Biologia do Comportamento como: “acções e reacções do organismo na base de uma troca de informações com o ambiente”; (3) Na Psicologia (Homem) como: “uma actividade que organizada de uma determinada forma coloca o organismo numa relação mútua com o seu meio”. Nesta última definição diferencia-se entre um comportamento externo (aberto) e um comportamento interno (oculto). Também fala-se aqui de níveis comportamentais (TEMBROCK, 1992). 2. Características Gerais do Comportamento Conforme disse-se relativamente à Biologia do Comportamento, nós relacionamos o conceito de comportamento com a troca de informações. O conceito “troca de informação” veio substituir formulações anteriores, tais como “irritabilidade”, “sensibilidade” e excitabilidade”, que remotam de GLISSON (1597-1677) e A. v. HALLE (1708-1777). Irritabilidade (sensibilidade ou excitabilidade) é uma característica que os organismos animais têm de poderem reagir a estímulos provenientes do ambiente externo (exteroceptores) e/ou interno (nociceptores). Estímulo representa uma condição ambiental que libera uma excitação (irritação) no organismo, caso esta reuna a condição mínima de liberar excitação, i.e. o organismo reage de modo específico ao estímulo. Poderia ser, por exemplo, o estímulo fome. O facto de que o estímulo é identificado e cunhado de sentido no organismo receptor, permite-nos o emprego do conceito “troca de informações”. Por analogia ao termo troca de matéria (no sentido de metabolismo), podemos também falar de troca de informações. Assim, teríamos três estágios básicos desta toca de informações, nomeadamente: (1) A recepção de informações; (2) O processamento de informações (que inclui o seu armazenamento nas memórias a curto, médio e longo prazos) e (3) A emissão de informações, como resposta ao meio ambiente independentemente do nível ou tipo do ambiente em consideração. 2.2 Vectores do Comportamento 205 205 No primeiro e no segundo estágios deste processo complexo estão incluidos os filtros de informações, nomeadamente os filtros periférico e central, os quais possibilitam apenas a passagem e o processamento de informações relevantes para o organismo, onde a relevância das informações (ao nível mais elementar, estímulos) dependerá do estado motivacional do organismo: um predador recebe um número maior de estímulos ambientais, mesmo os irrelevantes, enquanto não estiver na posse de informações claras sobre o objecto funcional. As informações ambientais que o gato recebe (ou deixa passar do filtro periférico) são maiores antes do que depois de ter avistado a presa. Veremos isto mais tarde. A recepção de informações ocorre ao nível dos órgãos dos sentidos, que recebem os estímulos provenientes do ambiente e são por isso chamados exteroreceptores (exteroceptores). Na Biologia do Comportamento é imprescindível o domínio da actividade e capacidade dos exteroreceptores. Os órgãos dos sentidos traduzem, por assim dizer, um padrão de estímulos que eles recebem num padrão de excitações que, depois, deve ser transmitido ao SNC para seu processamento. O processamento de informações ocorre nas instâncias neurais centrais, no SNC para o caso de animais superiores (incluindo certos invertebrados). 2. Características Gerais do Comportamento Enquanto isto, os níveis motor e hormonal são importantes para a liberação de respostas, que, por sua vez, podem ocorrer sob diversas formas, desde movimentos simples até comportamentos complexos (sexuais, sociais, agonísticos, predatórios, etc.). Esta breve explicação leva-nos a entender o comportamento animal como algo que se processa entre os níveis fisiológico (órgãos dos sentídos, SNC, sistema hormonal, sistema motor) e ambiental (estímulos do ambiente abiótico e biótico, acção que o organismo exerce sobre o ambiente em resposta a estimulação específica proveniente deste). Daí que se diga que a Biologia do Comportamento, como ciência, une estas duas disciplinas, nomeadamente a Fisiologia e a Ecologia. Sendo assim, a Biologia do Comportamento não deve ser resumida àquilo que se observa directa e imediatamente. Este erro foi e continua a ser cometido mesmo por biólogos contemporrâneos. Numa das obras de LAMPRECHT, por exemplo, pode ler-se o seguinte: “do comportamento de um animal fazem parte todos os movimentos e posturas, desde que estes sejam perceptíveis” (LAMPRECHT, 1982, in TEMBROCK, 1992). Também TINBERGEN (1951), na sua obra intitulada “The Study of Instinct”, define o comportamento como “actividade muscular coordenada”. Mesmo assim, ele não ignora o papel do estudo sobre os órgãos dos sentidos e o sistema nervoso, bem como sobre a actividade hormonal e muscular por forma a melhorar a nossa compreensão sobre o comportamento animal na sua estrutura causal. 2.2 Vectores do Comportamento 207 207 Certamente, as definições anteriores, tanto de LAMPRECHT como de TINBERGEN e de tantos outros, continuarão válidas para a Etologia clássica, a qual investiga tais padrões de movimentos no contexto do seu valor adaptativo ao ambiente, como resultado da evolução, mas também como factor da própria evolução. Na Biologia do Comportamento somos obrigadosa alargar o conceito comportamento para abarcar um leque ainda maior de aspectos biológicos e evolutivos. Assim, definimos o comportamento como sendo “a interacção organísmica 2 com o ambiente na base de uma troca de informações ao serviço do “fitness” individual, ecológico e reprodutivo”. Text box 1 Fitness define valor selectivo, aptidão; na Biologia evolutiva é, em primeiro lugar, o sucesso reprodutivo de um indivíduo em relação às gerações seguintes; esta medida traduz a totalidade da capacidade de vida de um indivíduo sob determinadas condições da selecção natural. C. DARWIN (1859) empregou o termo fitness para significar tudo o que o indivíduo faz para o seu sucesso na luta pela existência. 2 ) Diferentemente de orgânico, o conceito organísmico refere-se ao organismo como um todo. 2. Características Gerais do Comportamento Bibliografia principal: Cockburn (1995), Verhaltensökologie Nesta definição é preciso ainda esclarecer o que é interacção. A interacção comporta dois aspectos, a saber: 1. O nível de influência mútua entre o organismo e o ambiente, daí o prefixo Latino inter e 2. o nível de acção como qualidade especial dessa influência. Basicamente existem três formas possiveis de o organismo e o ambiente influenciarem-se mutuamente (Fig.3): Fig. 3: As diferentes formas de interacção comportamental do organismo e ambiente; ave dotada de comportamento interage com palha não dotada de comportamento; Tartaruga e peixe ambos dotados de diferentes repertórios comporta- mentais; e os últimos dois exemplos, indivíduos da mesma espécie com repertórioscomportamentais complementares (segundo TEMBROCK, 1986) 2.2 Vectores do Comportamento 209 209 a. Organismo dotado de comportamento interage com parte do ambiente não dotada de comportamento próprio: ave que utiliza palha para construção de ninho (Fig. ... a); b. Organismo dotado de comportamento interage com parte do ambiente dotada de comportamento, tendo ambos diferentes repertórios comportamentais: tartaruga que captura o peixe (Fig. ... b); c. Organismo dotado de comportamento interage com parte do ambiente dotada de comportamento e ambos possuem o mesmo repertório comportamental: parceiros da mesma espécie. Para este nível de interacção evoluiu um sistema de comunicação biológica, a biocomunicação, que veremos mais em diante (Fig. 1 c - d). No primeiro caso a interacção é determinada apenas pelo fitness 3 individual da ave construtora de ninho e, no segundo caso, a interacção é ditada pelo fitness ecológico. Na terceira forma de interacção, trata-se de uma interacção na base do fitness reprodutivo e/ou social. No caso dos antílopes que brigam, a motivação poderá ter várias origens, por exemplo, briga causada pela competição de macho por uma fêmea, invasão ao território mínimo individual, etc. 3 ) O termo fitness deixa-se descrever pelo termo português aptidão. Embora próximo do significado do termo inglês, não é tão abrangente quanto ele. Daí a preferência em usar-se o termo inglês não traduzido. 2. Características Gerais do Comportamento Na definição de GATTERMANN 4 et al. (1993), comportamento é o conjunto de acções de origem interna e de reacções à estímulos externos. O comportamento serve, por conseguinte, a auto-optimização do indivíduo ou de um grupo biossocial. Ele assegura a realização das necessidades do indivíduo ou de um grupo de indivíduos e possibilita uma rápida adaptação às condições ambientais em constantes mudanças. O comportamento basea-se nas experiências adquiridas ao longo da história evolutiva da espécie (filogénese) e do desenvolvimento do indivíduo (ontogénese). No genoma encontram-se fixados comportamentos inatos ou hereditários (ler mais no capítulo sobre bases genéticas do comportamento). Comportamentos adquiridos (aprendizados) ao longo da ontogénese encontram-se na memória do indivíduo. Enquanto que a parte do comportamento inato herda-se geneticamente. A parte adquirida na ontogénese obtem-se por meio de tradições (do Latim, traditio) e é passada de uma geração a outra. 4 ROLF GATTERMANN, meu professor na Universidade de Halle, foi Presidente da Sociedade de Etologia da Alemanha,faleceu em 2006. 2.2 Vectores do Comportamento 211 211 Pontos de discussão Discuta de modo interdisciplinar o comportamento animal e humano com base em exemplos concretos. 2. Características Gerais do Comportamento 1.3 Métodos de investigação do Comportamento 2.2 Vectores do Comportamento 213 213 A Etologia, também designada por estudo comparado do comportamento, ou, neste trabalho, Biologia do Comportamento, investiga o comportamento animal e as suas bases biológicas (senso lato), cujas manifestações encontram-se a diferentes níveis de integração, por exemplo, ao nível de processos moleculares e bioquímicos, ou ainda ao nível da capacidade dos órgãos sensoriais, do sistema nervoso e do sistema hormonal (sistema humoral). O etólogo trabalha a um nível superior ao dos sistemas sensorial, nervoso ou hormonal. Processos comportamentais tocam certamente processos fisiológicos, cujos conhecimentos são de facto necessários para o etólogo, mas eles não podem ser entendidos como somatório de processos fisiológicos. Sendo assim, a sua descrição, interpretação e compreensão requerem métodos especiais, complexos e integrados. Uma das questões centrais da Biologia do Comportamento consiste em compreender o comportamento como a capacidade adaptativa do organismo intacto ao ambiente natural. Depois do questionamento fenomenológico, espacial e temporal, estão as questões relativas a como e para quê um determinado comportamento evoluiu. Na verdade, ambas as questões referem-se basicamente ao valor biológico ou evolutivo do comportamento. Só quando conhecemos o valor selectivo de um modo de comportamento, é que também podemos compreender porque é que o respectivo 2. Características Gerais do Comportamento programa genético terá evoluido. Para estudos bem sucessidos destes aspectos precisamos de um conhecimento profundo da espécie estudada, sobretudo quando se trata de comportamentos sociais, os quais pela sua origem e evolução, assim como pela sua complexidade estrutural e funcional são mais difíceis de investigar e de compreender. Estruturas sociais de animais requerem estudos por longos anos e, por isso mesmo, são onerosos no tempo (Fig. 4 e 5). Fig. 4: Os Chimpanzés (Pan troglodytes) são animais muito sociais (foto de CHRIS & STUART, 2000) 2.2 Vectores do Comportamento 215 215 Fig. 5: Dois grupos de coiotes americanos (Canis latrans) vivem em territórios vizinhos. Trocam de grupos, sobretudo os juvenis na idade reprodutiva; o grupo A reduziu-se a um par BEKOFF & WELLS, 1988) O estudo do comportamento, por outro lado, requer que em princípio sejam abarcados indivíduos intactos e só depois é que se envolvem indivíduos sob regime de cativeiro humano (animais antropogénicos), sobretudo para determinação das variações comportamentais. Estudos Comment [u4]: Biologie des Sozialverhaltens 2. Características Gerais do Comportamento envolvendo sòmente indivíduos sob regime de cativeiro humano interessam apenas à Biologia aplicada. Tal como aconetece noutras disciplinas biológicas, a investigação etológica começa com a observação qualitativa, nomeação ou nomenclatura e classificação, só depois é que se lhes segue a quantificação, i.e., mensurar (medir) o comportamento.A investigação analítica causal de um comportamento específico 5 e a investigação comparada do comportamento têm, em princípio, dois pontos de partida: a) Apresentação descritiva e b) Investigação experimental. Na apresentação metodológica de TEMBROCK (1961), o primeiro ponto abarca a Etomorfologia e o segundo a Etofisiologia. Morfologia e fisiologia são propriedades integrantes de sistemas vivos: a mera descrição morfológica do comportamento está muito aquém das intenções de um biólogo do comportamento. O mesmo diz-se relativamente à simples investigação experimental fisiológica sem o domínio do morfológico. Apesar de a descrição constituir-se como um simples fragmento de um sistema biológico complexo, ela pode, mesmo assim, criar a base para a análise comportamental. 5 ) Relativo à espécie. 2.2 Vectores do Comportamento 217 217 A Etologia descritiva é, cada vez, menos utilizada, mas na realidade ela fornece bases indispensáveis para qualquer trabalho investigativo posterior: apenas o bom observador de animais é que está a altura de ter sucessos, pois ele consegue entender todas as relações essenciais dos comportamentos de um animal. Isto, por sua vez, forma base para a formulação de hipóteses de trabalho. 1.3.1. Métodos da Etomorfologia (Etologia descritiva) O método mais elementar para registar um comportamento é a observação. A observação em Etofmorfologia apresenta um grau maior de complexidade relativamente a uma simples observação do tipo morfotopográfica; Pois, ela exige que o fenómeno comportamental seja abarcado simultâneamente na sua relação espacial e temporal. Aliás, nós tendemos mais a abarcar as coisas como um todo. Isto relaciona-se muito com a capacidade do nosso aparelho sensorial, cuja tarefa consiste em formar uma imagem como um “todo” a partir de uma constelação de diferentes padrões de estímulos heterogêneos. Por outras palavras, “eu não devo agarrar-me à cor dos olhos do leão para distinguí-lo de um leopardo”. No conjunto de informações que me chegam aos órgãos dos sentidos sobre o leão, a cor dos olhos é irrelevante. É por assim ser que “não confundimos um leão com um rato, sob risco de ser devorado”. Um outro problema na descrição etomorfológica toca o que chamamos de antropomorfismos: a tendência que o Homem tem de descrever 2. Características Gerais do Comportamento eventos comportamentais provenientes de um animal com base em comportamentos humanos. O Homem interpreta comportamentos animais com uso da sua linguagem, baseando-se na sua evolução cultural, nas suas vivências e emoções. Por estas razões todas, a análise de observações feitas está condicionada à experiência do investigador e , é por conseguinte, susceptível de fortes oscilações. Este facto faz com que o método descritivo puro exija cada vez mais o emprego de meios auxiliares. Estes, têm por objectivo minimizar a margem de êrro da observação: auxiliar a memória, auxiliar os órgãos dos sentidos na recepção de informações e auxiliar o Homem no preenchimento do protocolo. Este último aspecto é preponderante, na medida em que o protocolo não deve resultar do conteúdo da memória do Homem, mas sim ele deve ocorrer simultâneamente com a observação e ele deve, ao mesmo tempo, possibilitar o registo do comportamento na sua relação espacial e temporal: onde e quando ocorre um determinado comportamento. Métodos anteriores pecaram sempre neste aspecto: eles não possibilitavam um registo não só simultâneo do tempo e espaço em que um determinado evento comportamental ocorre, como também eles não estavam capacidados para proceder a um registo contínuo e ininterrupto desses eventos. O resultado disso era, por exemplo, que em muitas investigações realizadas nunca se descobriam padrões de comportamentos rítmicos, sobretudo no campo circa- e infradiano. 2.2 Vectores do Comportamento 219 219 No conjunto de meios auxiliares à observação ganham cada vez mais interesse e importância: - As filmagens (vídeo e filme tradicional); - Gravações em fitas electromagnéticas; - Registos automatizados; - Registos apoiados por pacotes informáticos (software); - Telemetria com recurso à rádio-sensores; - Registos fotoeléctricos (podem trabalhar com luz não detectável pelo animal); - Etc. Saliente-se que o trabalho do Homem continua a ser o principal (Fig. 6). Fig. 6: Modelo de registo de padrão locomotor (linhas espirais concêntricas) e intervalos de lançamento de substrato (cada ponto) por formiga-leão na construção de armadilha (PIRES, 2000) 2. Características Gerais do Comportamento 1.3.2. Métodos da Etofisiologia A análise do comportamento começa com a exploração quantitativa e qualitativa de protocolos. Nisto, podem-se analizar as frequências de determinados elementos do comportamento por unidade de tempo: quantas vezes ocorre um determinado tipo ou elemento do comportamento por unidade de tempo? Em que sequência ocorrem os diferentes elementos de um comportamento ou modos de comportamentos diferentes? Diagramas e gráficos são as formas mais propagadas de apresentação dos resultados. No caso de filmes e vídeos pode proceder-se à contagem de imagens, ou ainda à análise de sequências de elementos comportamentais e/ou de diferentes comportamentos (Fig. 7, 8 e 9). Fig. 7: Modelo de sequências interactivas de uma díade comportamental (interacção entre dois animais). Esquema reconstruido segundo TEMBROCK (1993) As relações entre os vários comportamentos (elementos e tipos) só podem ser analisadas na presença de um material de observação vasto e exacto. Assim, podem determinar-se relações quantitativas entre estes. A A A C D A B B E 2.2 Vectores do Comportamento 221 221 estimulação repetitiva permite a análise sobre a intensidade do comportamento. Em todas estas experiências é preciso ter-se em conta que o observador não deve influênciar o material de base. Fig. 8: Elementos do comportamento de briga de antílopes Oryx: a) ameaça com cabeça erguida, b) bater mútuo com chifres e c) empurrar mútuo com a testa (segundo WALTHER, 1958) Uma das funções da ocorrência sequenciada dos diferentes elementos de um comportamento (motivado) é de assegurar o encontro com o objecto funcional e, consequentemente, a execussão do comportamento consumatório. Isto é mais notável em comportamentos como a caça de presa, ou o acasalamento para cópula. Cada elemento segue, mais ou menos, com rigor o elemento comportamental anterior. 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 9: Sequência de elementos do comportamento de cortejamento de rolas (segundo Franck, ) No caso de cortejamento, decorre uma sincronização de processos reguladores hormonais. A ausência de um destes elementos na cadeia de execussão do comportamento motivado de cópula pode levar a não realização desta, o que, biologicamente, coloca em perigo o fitness do indivíduo. Também as brigas nos animais obedecem, de certo modo, a uma sequência de elementos comportamentais que a compõem. Em capítulos apropriados fala-se de processos da evolução de comportamentos com mais detalhes (coportamentos motivados). Comment [u5]: Fonte? 2.2 Vectores do Comportamento 223 223 Voltando à figura anterior (Fig. 9), o cortejamento da fêmea pelo macho libera, de certo modo, um estado hormonal específico, sem o qual ela não contruiria o ninho e não poria os ovos. Mesmo a prontidão sexual de machos vizinhos pode ser influenciada pelo cortejamento que uma outra fêmea realiza ao seu macho. Além disso, sinais corpóreos relacionados com o cortejamento actuam como inibidores da competição entre indivíduos do mesmo sexo, ou ainda, agem como sinais biocomunicativos que impedem a entradade machos/fêmeas de outros grupos. Sendo assim, eles podem ser entendidos como elementos de um comportamento agonístico. Assumindo esta posição eles servem como mecanismos etológicos de isolamento (vide text box 2). Text box 2 Desenvolvimento do conceito Isolamento Isolamento etológico (Inglês, ethological isolation) caracteriza, em geral, barreiras reprodutivas entre espécies animais próximas com base no comportamento. Resulta especificamente da incompatiblidade comportamental, baseada nas diferenças de repertórios de sinais de comunicação, nas diferenças dos órgãos copuladores, etc. Para o surgimento e preservação de novas espécies é preciso que indivíduos com capacidade de cruzamento se mantenham isoladas entre sí. Caso não existam barreiras geográficas (simpatria) podem desenvolver-se mecanismos biológicos de isolamento. Deles fazem parte também comportamentos, que sobretudo actuam como impedimento para o acasalamento por meio de cortejamento (reconhecimento da espécie), estampagem sexual (i.e. fixação exagerada das características sexuais do parceiro da espécie), ou, ao nível populacional, através de formação de dialectos regionais, os regiolectos (Fig. 10). Os regiolectos, no fundo, representam uma variabilidade do sistema de biocomunicação. Bibliografia principal: Immelmann (1983), Verhaltensbiologie 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 10: Dialectos e estrofes de Emberiza sp. (segundo WALLSCHLÄGER, 1983) Na Etofisiologia é importante trabalhar-se com variação de combinações de factores experimentais. Isto possibilita a obtenção de material protocolar diferente. Análises comparativas de protocolos sob diferentes 2.2 Vectores do Comportamento 225 225 condições experimentais possibilitam a determinação quantitativa e qualitativa da influência das condições modificadas Fig. 12: Efeito do estágio larvar sobre a capacidade de construção de armadilha em larvas de Euroleon nostras (PIRES, 2000) 00:00 00:02 00:05 00:08 00:11 00:14 00:17 00:20 00:23 00:25 00:28 L1 L2 L3 Estágio larvar t [h ] 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 m [ m g ] t [h] Massa [mg] 0.0 1.5 3.0 4.5 6.0 7.5 9.0 10.5 12.0 13.5 15.0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 d [mm] G a s to s E n e rg é ti c o s [ m J ] E-L1 E-L2 E-L3 Fig. 11: Gastos energéticos na construção de armadilhas por larvas L1, L2 e L3 de Euroleon nostras (PIRES, 2000) 2. Características Gerais do Comportamento No caso de E. nostras o substrato para a construção de armadilha é o factor mais determinante sobre o comportamento. A modificação das condições de investigação tanto pode referir-se à combinação (1) de diferentes indivíduos da mesma espécies, (2) de diferentes sexos, (3) de diferentes faixas etárias, ou ainda (4) à introdução de uma espécie diferente, ou (5) de uma presa viva no meio de predadores. Como pode depreender-se, trata-se aqui de uma modificação de condições bióticas. As Fig. 11 e 12 ilustram diferenças significativas (1) nos gastos energéticos de três estágios larvares de Euroleon nostras no comportamento de construção de armadilha sob idênticas condições laboratoriais e (2) o efeito do estágio sobre a capacidade de construção. Mas, a modificação pode tocar também as condições abióticas, das quais a luz e a temperatura são os factores mais importantes para muitas das investigações. Nota-se que enquanto o tempo de construção de armadilha é praticamente idêntico para todos estágios larvares, a massa (Volume) de substrato transportada é extremamente diferente. Tal deve-se às diferenças de capacidade de transporte causadas pela diferença órgão de transporte, a chamada cápsula cefálica. Mas, igualmente, a capacidade fisiológica dos efectores pode diferir entre os diferentes estágios. A submissão de indivíduos da mesma espécie a condições laboratoriais diferentes, pode modificar profundamente os padrões comportamentais 2.2 Vectores do Comportamento 227 227 característicos da espécie. A figura acima ilustra o padrão de tempo de construção de armadilha da mesma espécie referida antes na condição de substrato do seu habitat natural. A fase de repouso distingue-se claramente da fase de construção e/ou de alargamento da armadilha. O mesmo indivíduo, porém, quando submetido a um substrato diferente (areia grossa da praia), ele modifica o padrão e constroi uma armadilha imperfeita e em tempo mais prolongado). Não existe distinção clara entre as duas fases (Fig. 13 e 14). Fig. 13: Decurso normal do comportamento de construção de armadilha por larva L3 de Euroleon nostras num substrato natural (d= 0,2 mm); setas = fases de construção e alargamento da armadilha (PIRES, 2000) 0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 00:00 12:00 24:00 36:00 48:00 60:00 72:00 84:00 96:00 t [h] m as sa [ m g ] 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 14: Decurso anormal do comportamento de construção de armadilha por larva L3 de Euroleon nostras num substrato natural (granulometria = 2 mm); setas indicam os momentos de tentativa de construção e de alargamento não periódico da armadilha (PIRES, 2000) Quando se introduzem animais de espécies diferentes, mas pertencentes ao mesmo gênero, abre-se a possibilidade de uma investigação evolutiva comparada. Na investigação evolutiva comparada, o investigador interessa-se por questões relativas à origem e evolução de um comportamento, assim como pela sua inserção adaptativa no ecossistema (Fig.15). 9550 9600 9650 9700 9750 9800 9850 0:00:00 2:30:00 5:00:00 7:30:00 10:00:00 12:30:00 15:00:00 17:30:00 20:00:00 t [h] M a s s a [ m g ] 2.2 Vectores do Comportamento 229 229 Fig. 15: Posição de cantar de forma selvagem (esquerda), forma doméstica (direita) e bastardo (centro) de galo (segundo STADIE, 1968). A forma bastarda demonstra postura intermediária das formas puras. A Etologia analítica serve-se de diferentes meios auxiliares para ir mais a fundo na análise de relações causais. Um desses meios são os objectos simulados supradimensionais, que apresentam um estímulo ou combinação de estímulos (exemplo, presa) exagerados na sua dimensão: exagero do tamanho do ovo, ou noutras características estimuladoras, ou ainda das proporções das diferentes partes da cabeça de bebé, o chamado esquema de bebé e do adulto (TEMBROCK, 1986). Comparar com as figuras abaixo (Fig. 16). 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 16: Esquema de bebé ilustrado para diferentes vertebrados (segundo LORENZ, 1943, in: TINBERGEN, 1952) De acordo com a questão colocada, a Etofisiologia recorre à métodos específicos da Neurologia, Endocrinologia, Farmacologia, Fisiologia do 2.2 Vectores do Comportamento 231 231 Metabolismo, Fisiologia Sensorial, Fisiologia Muscular, etc. Nos últimos tempos, a Etofisiologia tem se servido com cada vez maior frequência das bases de outras disciplinas não biológicas, tais como a Física e a Química. Neste contexto, a Biofísica e a Bioenergética ganham muita importância. 1.3.3. Questões básicas da Biologia do Comportamento Animais são seres vivos que ocupam determinados nichos ecológicos que, aliás, lhes são extremamente específicos. A ocupação de um nicho ecológico por um organismo representa o resultado da história filogenética da espécie (ler mais sobre nicho ecológico no Text box 3). Por outro lado, nós integramos nessa análise também o desenvolvimento histórico do indivíduo, a ontogénese e o estado actual do indivíduo, a actualgénese. Estes novos conhecimentos da Biologia do Comportamento inserem em si uma evolução paradigmática tanto das questões científicas da Etologia clássica, quanto dos métodosque ela usa na investigação experimental. As questões básicas de um etólogo são: 1. O quê? A resposta está no etograma (Fig. 17, 18, 19, 20). No início de um vasto trabalho etológico está a criação de um etograma. O etograma ou catálogo de acções (inventário comportamental) descreve, na medida das possibilidades, todos modos ou elementos de um comportamento que 2. Características Gerais do Comportamento ocorrem num animal. A listagem desses elementos obedece a determinados círculos funcionais, por exemplo: Actividade locomotora e repouso, Alimentação, Defesa do predador, Cortejamento, Etc. Text box 3 O que o nicho? A palavra nicho remete-nos em primeiro lugar para relações espaciais que organismo estabelece na sua ontogénese. O conceito nicho, porém, abarca o conjunto de relações de uma espécie animal com o seu ambiente biótico e abiótico, ele caracteriza tudo o que resulta das funções de uma espécie num ecossistema. No processo da evolução modificam-se tanto os parâmetros geomorfológicos, como os de natureza físico-química. Com eles modificam- se também os nichos ecológicos, num processo mais ou menos lento, no qual o comportamento participa activamente; pois, o progresso adaptativo basea- se na optimização da probabilidade de sucesso do comportamento e encontra expressão nos indivíduos, nos fitness reprodutivo e ecológico. O conceito de nicho ecológico foi empregue pela primeira vez por ELTON, 2.2 Vectores do Comportamento 233 233 em 1927. em prinmeiro lugar o conceito de nicho deve ser entendido no sentido de espaço e tempo. Mas ele expressa (assim) uma parte a zona ecológica utilizada por uma determinada espécie e que evoluíu historicamente. Zona ecológica expressa, por sua vez, um sistema de relações ecológicas de uma espécie (comparar com STUGREN, 1972 e TOMOFEEFF,-RESSOVSKY et al., 1975). Ao longo da ontogénese os indivíduos passam por processos de desenvolvimento morfológico (Morfogénese) e comportamental (Etogénese), todos eles com a finalidade adaptativa ontogenética. Morfogenese e etogénese encontram-se numa relação estrutural e funcional e influenciam-se mutuamente tanto na filogénese como na ontogénese. Os trabalhos mais recentes com a formiga-leão mostram claramente a evolução ontogenética destes dois parâmetros (PIRES, 2000). A morfogénese da formiga-leão está relacionada com causalmente com as mudanças corpóreas de incremento de massa, de aumento na sua exigência energética, assim como com a alimentação que assegure a preparação do estágio de pupa, numa situação fisiologicamente optimal para o scucesso da eclosão do imago. O determinante aqui é a preparação da reprodução de um imago que no total vive no máximo 3 a 4 semanas. GEPP e HÖLZEL (1986) classificam três estágios larvares, nomeadamente estágios L1, L2 e L3. Para a construção de armadilha é determinante, ao lado de parâmetros metabólicos e energéticos, a área toráxico-cefálica de transporte de area (L1= !Syntax Error, , mm², L2= !Syntax Error, , mm² e L3= !Syntax Error, , mm²). É assim que as larvas dos diferentes estágios alcançam armadilhas com dimensões bem diferentes, o que se reflecte na eficiência das armadilhas na captura de presa. 2. Características Gerais do Comportamento Fonte principal: PIRES, 2000, Tese de Doutoramento Tratando-se de círculos funcionais gerais, eles devem ser destrinçados pelo investigador em pequenos círculos. Se tratar-se, por exemplo, de relacionamento social entre os indivíduos, podiamos subcategorizar em: agressão, sexualidade, relações mãe-filho. Do ponto de vista de classificação, temos: 1.1. Etograma de 1a. ordem (ectograma I): como simples lista dos eventos comportamentais observados, assim como a sua frequência relativa; 2.2 Vectores do Comportamento 235 235 Fig. 17: Possíveis padrões espaciais, postura, posição e direccionamento de dois animais (díade); a= posições radiais, eixos do corpo dirigidos ao parceiro; b, c= posições lineares; d= posições divergentes; e= posições lineares divergentes; f= posições tangenciais; g= posições paralelas e anteparalelas; I= em escada; II= totalmente paralela; h, i= posições diagonais (segundo LUNDBERG, 1979) 1.2. Etograma de 2 a . ordem (etograma complexo, ectograma II): índice de frequências transitórias e sequências dos eventos comportamentais registados no etograma I. Constitui base para a análise de regularidade na relação entre fenómenos comportamentais. É sempre útil organizar as anotações de um etograma segundo determinados círculos funcionais: - Descanso e dormir; - Alimentação/predação; Comment [u6]: 2. Características Gerais do Comportamento - Defesa; - Relações sociais; - E, assim em diante. Fig. 18: Formações espaciais de mais de dois indivíduos, estruturas de grupos polarizados; a-d= formações lineares; a= linha; b= degraus; c= cunha assimétrica; e= fila; f= círculo; g= formatura frontal; h= formatura circular; i= formatura colonial; k= formatura serpenteante; segundo LUNDBERG (1979) Estes grandes círculos funcionais deixam-se subdividir em outros menores. Relações sociais, por exemplo: agressão, sexualidade, relações pais-filhotes, demarcação de território, dominância e subordinação, etc. A experiência do investigador principal joga um papel importante. Neste passo, importa salientar a importância do caderno de laboratório e/ou de campo. Este, deve ser construído, estruturado e organizado para prevenir qualquer eventualidade no terreno, do ponto de vista de registo. 2.2 Vectores do Comportamento 237 237 Fig. 19: Possíveis sistemas de referência para registo espacial de determinados comportamentos; a= posição de testas em relação aos eixos dos corpos; b= posição de testas em relação substrato; c= posição de testas em relação ao parceiro de briga (Tembrock, 1993) 2. Onde? A resposta está no topograma, que por analogia ao etograma podemos classificar em topograma I e II; 3. Quando? A resposta está no cronograma, que por analogia ao etograma podemos efectuar cronogramas de I e de II. ordens. Da análise de padrões de tempo biológico originou-se a chamada Cronobiologia. A questão é a indicação do momento (fase) de ocorrência do 2. Características Gerais do Comportamento comportamento, a sua duração, sua regularidade e o padrão de decurso (monofásico, bifásico, trifásico, polifásico, etc); 4. Estas três formas de protocolo podem ser combinadas num etotopocronograma. Aliás, é mais frequente não se realizarem protocolos meramente destinados a responder à estas questões de modo isolado. A mudança de paradigma de que se falou antes ocorreu ainda no limiar da década sessenta, sobretudo com NICO TINBERGEN (ANO), quando, para além daquelas questões, se questionou acerca do porque do comportamento das gaivotas Larus ridibundus. TINBERGEN afirmava a propósito que na Biologia existiam várias formas de responder à questão “porquê” de um comportamento. Se, por exemplo, nos fosse colocada a pergunta, porque é que a ave cantora Sturnus vulgaris” canta na primavera, poderíamos certamente dar muitas respostas diferentes, eis a seguir as mais importantes do ponto de vista da Biologia do Comportamento. 5. Porquê (é que a ave canta)? Esta questão pode ser considerada como sendo a de descrição funcional do comportamento. A resposta à esta questão ocorre a dois níveis, nomeadamente: 5.1. No tocante ao valor de sobrevivência ou função do comportamento de cantar, elas cantam na primavera para atrair parceiros sexuais: nível funcional estrito. São as 2.2 Vectores do Comportamento 239 239 últimas causas para o comportamento, “ultimate factors”, que resultam da evolução filogenéticano seu relacionamento com o fitness do ecológico, reprodutivo e individual; 5.2. No concernente ao impulso ou mecanismo de liberação do comportamento, teríamos as seguintes análises a fazer: i) O fotoperíodo crescente na primavera estimula mudanças ao nível hormonal e fisiológico no geral. Como pode depreender-se, trata-se aqui de abarcar os mecanismos internos de indução de comportamentos: motivações, emoções, limiar de excitação, etc.; ii) Ou uma corrente de ar que passa pelo órgão fonador coloca as membranas em vibrações que provocam o sons. Estas respostas referem-se às causas internas e externas para o canto da ave. 6. Como (é que a ave canta)? Com esta questão procura-se fazer uma análise de comportamentos complexos orientados à uma finalidade, por exemplo, como é que o animal encontra a presa? Uma resposta coerente é aquela que foi dada por TEMBROCK (1986). No dizer deste autor, a resposta abarca dois níveis diferentes, que são: Comment [u7]: internet 2. Características Gerais do Comportamento 6.1. Nível do fenómeno, nível fenomenológico (nível empírico): com ou sem meios auxiliares de observação, o comportamento deve ser descrito com maior exactidão possivel, até que o objectivo do comportamento tenha sido atingido, i.e., o objecto funcional tenha sido alcançado, mesmo que o comportamento consumatório não tenha sido executado; 6.2. Nível de causalidade, descreve as bases fisiológicas da necessidade de se alimentar, por exemplo, da procura do objecto funcional (receptores) e do movimento (Fisiologia muscular, mecânica, etc.). Numa investigação do comportamento, maior atenção vai para a relação que se estabelece entre o motor e o sensório, pois ela difere e altera-se nas diferentes fases de realização de um comportamento, neste caso, motivado. Esta questão é descrita com mais detalhes mais em diante. Ainda na resposta à questão do porquê de um determinado comportamento, existe outro tipo de níveis de análise que poderão ser feitas. Trata-se da análise concernente ao desenvolvimento do comportamento. Ao nível do desenvolvimento ontogenético, pode-se dizer que a ave canta porque aprendeu dos seus progenitores e de outras aves da mesma espécie. É uma aprendizagem que se constrói na base do hereditário. Assim, ela vai aprender a construir estrofes típicas da espécie ou subespécie. Não falaremos, neste capítulo, de processos de 2.2 Vectores do Comportamento 241 241 aprendizagem, nem mesmo da hereditariedade de comportamento e/ou de suas bases genéticas, deixando este assunto para um capítulo apropriado. No tocante à história filogenética: a resposta aqui refere-se ao desenvolvimento filogenético do canto da ave, que vem dos seus ancestrais. O canto de aves primitivas recentes (na mesma linha evolutiva) é constituído por estrofes mais simples. 1.3.4. Tipos de objectos de investigação Uma das tarefas centrais da Biologia do Comportamento é procurar compreender o comportamento como resultado de uma adaptação do organismo intacto no seu meio natural. A questão referente a como é na Biologia do Comportamento indissociável à questão sobre o porquê, i.e. à questão relativa ao valor biológico do comportamento. Só depois de ter entendido o valor da selecção de um determinado modo de comportamento, é que se tornará compreensivel, porque é que o programa genético, sobre o qual tal comportamento assenta, terá evoluído. A base fundamental para um trabalho etológico 6 com sucesso é um conhecimento profundo sobre o material animal como que se pretende trabalhar. Quando se trabalha com animais biossociais a complexidade 6 O termo etológico será usado no mesmo sentido de Biologia do Comportamento. 2. Características Gerais do Comportamento aumenta, pois será necessário um trabalho aturado de vários anos. Isto é mais válido sobretudo para vertebrados biossociais. Mesmo tratando-se de animais sob tecto humano, será preciso ter conhecimentos profundos sobre seus comportamentos no meio natural em que a espécie evoluiu. Daí a razão porque é que o etólogo principia o seu trabalho, primeiro, na natureza livre e, só depois, passa para o laboratório ou outras condições experimentais criadas pelo Homem. Assim, o trabalho laboratorial e de campo complementam-se mutuamente. Conforme afirmou-se antes, a inclusão deste tipo de análises (aqui reflectidas pelas seis questões), resultou de um desenvolvimento paradigmático, através do qual foi-se ultrapassando o nível de análise imposto pela Etologia clássica. O mesmo sucede relativamente ao modo de tratamento do objecto de análises biocomportamentais: o animal que se pode ter na investigação. Na Biologia do Comportamento distinguem-se três diferentes objectos de investigação, sejam eles o indivíduo em si, grupo de indivíduos da mesma espécie ou de espécies diferentes, ou ainda uma população. Nos temos: 1. Objectos laboratoriais naturais, quanto à sua origem, no meio antropogénico, quanto ao local de observação, ex. leão trazido da natureza para a jaula; 2.2 Vectores do Comportamento 243 243 2. Objectos laboratoriais antropogénicos, quanto à origem, no meio antropogénico, quanto ao local de observação, ex. rato de laboratório, hamtster; 3. Objectos naturais, quanto à origem, na natureza livre, quanto ao local de observação, ex. leão na selva. Esta classificação está demasiadamente simplificada se tomarmos em consideração a crescente complexidade de questões que se colocam à Biologia do Comportamento, sobretudo no contexto de produção animal. O mesmo acontece com a transferência de uma espécie de um habitat para o outro. Mesmo assim, esta classificação serve de base de orientação para a iniciação na área. O que acontece é que em cada um dos casos (classes), o animal sujeitou-se ao longo da ontogénese à determinadas condições ambientais, as quais podem influenciar grandemente o comportamento e, consequentemente, falsear ou mascarar os nossos resultados. O investigador dificilmente saberá determinar com exactidão que influências o animal terá sofrido antes de o ter para as pesquisas, quer sejam estas no âmbito ontogenético, quer sejam elas de orientação filogenética. 1.3.5. Métodos de investigação sobre adaptações do comportamento O método básico para análise da adaptação do comportamento consiste na investigação comparativa de espécies. Através de comparação de espécies de parentesco próximo mas com diferentes nichos ecológicos, 2. Características Gerais do Comportamento torna-se claro o que é que existe como adaptação especial à determinadas condições de vida de uma espécie e o que é generalizável, i.e., o que é que faz parte do princípio de organização do comportamento de um grande grupo de animais. No capítulo destinado à Etoecologia veremos exemplos práticos sobre esta matéria. De resto, é tarefa da Etoecologia estudar o valor adaptativo do comportamento. O pioneiro nesta matéria foi, sem dúvida, KONRAD LORENZ nos anos 30 com trabalhos pelos quais ele e KARL von FRISCH receberam em 1973 o Prémio Nobel para Fisiologia e Medicina. LORENZ mantinha seus animais sob condições, mais ou menos, naturais. Esta matéria é tratada com mais detalhes no capítulo sobre a Etoecologia. 2.2 Vectores do Comportamento 245 245 Pontos de discussão 1. Um dos aspectos centrais da Biologia do Comportamento consiste em compreender o comportamento como a capacidade adaptativa do organismo intacto ao ambiente natural. Esta adaptação tanto refere-se à filogénese, como também à ontogénese. 2. A investigação analítica causal de um comportamento específico e a investigação comparada do comportamento têm, em princípio, dois pontos de partida: a) Apresentaçãodescritiva (Etomorfologia) e b) Investigação experimental (Etofisiologia). 3. Desenvolve uma filmagem de um determinado comportamento motivado e elabore uma análise de sequências de elementos comportamentais envolvidos, justificando a razão biológica e evolutiva dessa sequência. No seu estudo, envolva todas as 6 questões da Biologia do Comportamento. 4. O conceito de nicho ecológico é também aplicável para o caso da evolução tradigenética do Homem. Desenvolve este tema. __________________________________________________ 2. Características Gerais do Comportamento Capítulo 2 Característica Gerais do Comportamento 2.1 Relações Gerais entre Comportamento e Ambiente 2.2 Vectores do Comportamento 247 247 Na história das ciências o conceito ambiente foi mais precisado pela Ecologia. Esta, entende por ambiente (s.l.) todas influências energéticas e materiais que recaem sobre o ser vivo. Dentro de um ambiente apenas o ambiente eficiente é que vai influenciar o organismo. Nós podemos substituir o termo eficiente por eficaz já que se trata da parte do ambiente que é capaz de produzir efeito no organismo, tabém podemos designá-lo com ambiente directo). O ambiente total é objectivo, i.e., existe independente dos sujeitos concretos (organismos). Enquanto isto, o ambiente directo influencia-se reciprocamente com o organismo e os factores actuantes são mais ou menos conhecidos: trata-se do ambiente do indivíduo. Assim, uma mosca e um sapo possuem ambientes diferentes, mesmo que habitem o mesmo biótipo. Dizendo isto por outras palavras, pode-se afirmar que os diferentes ambientes resultam das diferenças na percepção dos organismos relativamente aos factores que actuam sobre os mesmos. Uma cobra, por exemplo, consegue detectar gradientes de temperatura extremamente baixos do que o sapo, o que lhe permite capturar o sapo como presa. Uma vez que o sapo está desprovido desta capacidade sensorial, ele não possui o mesmo ambiente da cobra. Em outras palavras, os dois organismos ocupam nichos ecológicos diferentes. A 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 20: Tipos de ambiente, suas componentes e suas formas de interacção com organismos (TEMBROCK, 1993) Uma outra classificação do ambiente do organismo toca os chamados ambiete actual e ambiente latente, uma classificação baseada na modalidade de tempo. No primeiro caso, trata-se do ambiente que influi sobre o organismo num dado momento ou periodo de tempo. Contrariamente a este, o latente pode actuar em tempo indeterminado (casual). A acrescer a isto, está o facto de que os próprios organismos sujeitam-se à mudanças internas de tempos em tempos, facto que faz com Troca de informações valor-obrigatório Extero- ceptores Componentes estruturais Ambiente informativo Ambiente não informativo Organismo Componentes energéticas Componentes metabólicas Enteroceptores E fe c to re s Metabolismo Grandezas orientadoras Regulador 2.2 Vectores do Comportamento 249 249 que eles mesmos alterem o espectro ambiental que actua sobre eles: um filhote no ninho sujeita-se à outros factores diferentes dos do adulto com capacidade de voar; Do mesmo modo, o girino subordina-se à outras condições ambientais do que a rã adulta. Ora, isto justifica igualmente a evolução ontogenética do comportamento, em que muitas vezes chega-se a aupressão total dos comportamentos observados na fase juvenil. Tratando-se, de facto, de comportamentos inatos, o organismo demonstra-os certamente na fase juvenil, mas executa-os de modo incerto e incipiente (Fig. 21). Segundo a figura mostra, o adulto de...... mata o rato através de uma mordedura no percoço (esquerda), o juvenil inexperiente morde o tronco da presa. Trata-se de uma forma diferente de interagir de dois organismos da mesma espécie com a sua presa, diferendo esta, porém devido a processos ontogenéticos ligados à aprendizagem, no sentido de aperfeiçoamento do hereditário. Tentativas de classificação do ambiente foram várias ao longo do desenvolvimento da Ecologia. SCHWERDTFEGER e TEMBROCK, 1996) diferenciam entre: - Ambiente mínimo: no sentido de nicho ecológico de ELTON (1927), factores ambientais indispensáveis à vida; - Ambiente psicológico (ambiente perceptível): aquela parte do ambiente que é perceptível aos órgãos dos sentidos, também chamado de ambiente próprio; 2. Características Gerais do Comportamento - Ambiente fisiológico: constituido por todos factores que agem sobre processos fisiológicos; - Ambiente ecológico: complexo de todas influências ambientais directa ou indirectamente mensuráveis, geralmente caracterizado pelo biótopo e sua biocenose; - Ambiente cósmico: relaciona-se com as influências cósmicas sobre o organismo. Certamente, o leitor está a confrontar-se com um problema de duplo sentido. De um lado, é que para o organismo e suas actividades (incl. comportamentos) esta classificação não faz sentido; Por outro lado, o leitor procura em vão, mesmo do ponto de vista biológico, entender a razão de cada uma das classificações. Até tem razão. A explanação detalhada só faz sentido do ponto de vista de aprendizagem da ciência biológica: saber o que se passa no concreto na relação organismo- Fig. 21: Comportamento de captura de presa de Mauswiesel adulto (esquerda) e junil (direita), ilustrando as diferenças comportamentais resultantes da ontogénese; o juvenil morde qualquer região, enquanto o adulto morde e mata segundo os padrões específicos. 2.2 Vectores do Comportamento 251 251 ambiente. Biologicamente, o organismo tem apenas é que ser capaz de se orientar no tempo e no espaço se quer realizar com sucesso o seu fitness global (do Ing., inclusive fitness). Para que a relação organismo-ambiente exista, é preciso que o organismo tenha capacidade de ligar-se com ele. Nesta base, nós partimos do pressuposto de que existem basicamente duas formas de relacionamento do organismo com o seu ambiente: - Relação material-energética, que também pode chamar-se ligação não informativa, já que ela segue suas regras e princípios que são independentes dos exterorreceptores, mas com um controle por eles. É a ligação com o ambiente que estabelece a troca de materiais do organismo. O outro termo usual é conexão; - Relação informativa, uma ligação que se desenrola sobre os exterorreceptores e é parte integrante do processo de troca de informações. Por outras palavras pode sumarizar-se pelo conceito informação. Em curtas palavras, conexão refere-se à trocas materiais e energéticas e informação está para o fluxo recíproco de informações entre o organismo e o ambiente. Deste modo, descrevemos já a troca energético- material e informativa entre o organismo e o ambiente. 2. Características Gerais do Comportamento Em Biologia do Comportamento é importante estabelecer diferenciação dos ambientes que, do ponto de vista do comportamento, são relevantes: 1. Ambiente não informativo: influências ambientais materiais (conectivas) como pressuposto para a troca energético-material do organismo; 2. Ambiente informativo: influências ambientais informativas como pressuposto para a troca de informações e para a estrutura interactiva organismo-ambiente a ela relacionada. Fig. 22: Ambiente próprio, limpeza corpórea de um Chimpanzé juvenil (Foto de CHRIS & STUART, 2000) O ambiente informativo pode ainda diferencia-se em três outros sistemas referenciais, nomeadamente: 1. Ambiente próprio: determinado pelas propriedades do próprio corpo do indivíduo, i.e., toca a constituição, as estruturas e funções individuais. Estas propriedades podem ser tanto objectivo do comportamento, como também fonte de informações, como acontece no comportamento de limpeza do corpo e de coçar. O que é determinanteé o 2.2 Vectores do Comportamento 253 253 comportamento motor dirigido ao próprio corpo do indivíduo (Fig. 22); 2. Ambiente estranho ou externo: fonte de informação e campo objectivado pelo comportamento eferente encontram-se fora do indivíduo, donde se diferencia entre: - Ecossistema: Todas informações estão ligadas à sinais (estruturas) informativos, que só quando alcançam o receptor é que são cunhados de significado (descodificados), por exemplo, alimento, perigo, calor, frio, claro, escuro, fêmea, etc. (TEMBROCK, 1986). Os sinais provêm da biogeocenose excluindo parceiros da mesma espécie. Estas informações possibilitam uma orientação no espaço e no tempo e possibilitam, deste modo, o comportamento consumatório (exemplo, alimentação, defesa, predação, etc.). - Sistema populacional: todas informações estão ligadas a sinais comunicativos, os quais já ao nível do emissor são dotados de sentido e, por isso, compreendidos pelo receptor (parceiro da espécie, parceiro sexual, etc.). As informações podem ser emitidas sob forma de sinais constitucionais, ou ainda sob forma eferente (a maioria). Deste último grupo são exemplos os movimentos, secrecções, sinais electromagnéticos. Não precisam de ser necessariamente estados dinâmicos. Por exemplo, a zebras e girafas diferenciam suas crias de outras através - do padrão de listras e manchas coloridas do corpo (Fig. 23). 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 23: Sistema populacional de girafas (Girafa camelopardalis), girafa anterior na tentativa de estabelecer dominância (Foto de CHRIS e STUART, 2000) 2.2 Vectores do Comportamento 255 255 Pontos de discussão 1. Debruce-se com o conceito ambiente tendo em conta as ilustrações comportamentais da figura abaixo. 2. Aplique e explique os conceitos mais adequados que caracterizam os animais aranha e formiga-leão nas seus respectivas armadilhas (teia da aranha e funil da formiga-leão). Os conceitos são: o Ambiente o Ambiente eficiente o Ambiente directo o Ambiente total o Ambiente do indivíduo o Ambiete actual o Ambiente latente o Ambiente mínimo 2. Características Gerais do Comportamento o Ambiente psicológico o Ambiente fisiológico o Ambiente ecológico o Relação material-energética (ambiente não informativo) o Relação informativa (ambiente informativo) o Ambiente próprio o Ambiente estranho ou externo o Ecossistema 3. Encontre outro exemplo como o da figura abaixo para a variabilidade de elementos comportamentais baseada na capacidade ontogenética do indivíduo. 2.2 Vectores do Comportamento 257 257 2.2 Vectores do comportamento 2. Características Gerais do Comportamento No comportamento como um processo de troca de informações nós distinguimos, conforme já se fez referência, três momentos diferentes: (1) a entrada ou recepção de estímulos, (2) o processamento de estímulos e (3) a resposta ou reacção do organismo aos estímulos que recai sobre o ambiente, este ambiente pode ser o próprio corpo do organismo. Isto é válido mesmo que se trate do chamado comportamento motivado. Numa descrição de modelo diríamos imput para a recepção e output para a saida de informações que vão recair sobre o ambiente. Também são empregues designações tais como 1) vector de entrada ou comportamento de entrada e vector de saída ou comportamento de saída. O nível de processamento de informações constitui o que se chama de vector do estado interno ou comportamento de estado interno do organismo. Em seguida descrevem-se os três níveis de modo pormenorizado. 1. Comportamento de entrada (Inglês, behavioural imput): resulta da recepção e pré-processamento de informações através dos extero- receptores (ou melhor exteroceptores), i.e., pelos órgãos dos sentidos, que respondem a estímulos ambientais e que no seu conjunto são denominados na Fisiologia de sistema aferente. O processo referido aqui pode ser sumarizado pelo conceito “messagem”. Isto significa que quando a informação é recebida e pré-processada forma-se uma mensagem. 2.2 Vectores do Comportamento 259 259 2. Comportamento de estado interno: uma vez recebidas as informações e pré-processadas, elas podem ser levadas a uma instância superior que as processará centralmente, comparando-as com outras anteriormente armazenadas. Aqui, falamos do comportamento de estado interno (Inglês, internal state behaviour). Resulta da interacção de formas de estado interno (status) com funções corpóreas vegetativas e autónomas. Fazem parte deste vector as motivações, as emoções, o nível de activação 7 , cuja dinâmica é determinada pelo sistema nervoso e pelo sistema hormonal. Também pertencem ao vector do estado interno capacidades cognitivas e de pensamento, que no Homem alcançaram uma nova qualidade através do domínio de pelo menos uma língua (materna). No contexto actual da realização de um comportamento, uma das funções mais importantes do vector do estado interno é certamente a transformação da mensagem em significado (Inglês, meaning). À esta transformação por que a mensagem passa liga-se também a avaliação da sua importância. Este significado e importância dependem muito do estado interno e de muitos outros factores: isto tem de ocorrer antes que o vector de saida, que é o de (re)acção, seja activado, “de contrário será a zebra a ir ter com o leão”, apenas para asseverar a importância desta avaliação. 7 ) Componente do comportamento do estado interno que reflecte a activação geral não específica do SNC através de factores internos (motivações, emoções) e externos; emprega- se também os termos vigilância, arousal. 2. Características Gerais do Comportamento 3. Comportamento de saída (Inglês, behavioural output): o seguinte vector é o que se encontra no centro das atenções da Etologia clássica, muitas vezes traduzido pelo motor, secreções glandulares, mudança de cores, descargas eléctricas, emissão de sons 8 , etc. Trata- se do vector de saída ou comportamento de saída, também conhecido. Em jeito de definição, diríamos: é o vector que resulta de processos organísmicos que recaiem sobre o ambiente. Estes processos são regulados e dirigidos a partir do vector do estado interno, i.e., pelo SNC e por instâncias humorais. Fig. 24: Esquema estrutural para ilustração das relações organismo-ambiente do ponto de vista da Biologia do Comportamento (modificado por TEMBROCK, 1987, baseado em SCHUBERT, 1984) 8 ) Por várias razões a emissão de determinados sons deve ser considerada de processo motor, ou pelo menos a ele relacionada. Secrecção Recepção de informações Nível de activação Mudança de cor Processamento de informações Descarga eléctrica Armazenamento (memória) Filtração de estímulos Aprendizagem Motivação Vector de saída Sistema nervosoExteroceptores Motor EmoçõesPercepção Vector do ambiente actual controle motor (ajustamento) dos receptores Controlo sensorial externo do motor Vector de entrada Vector de estado interno Organismo Efectores 2.2 Vectores do Comportamento 261 261 O que se apresentou até aqui reflecte o modelo trifásico do comportamento proposto por TEMBROCK (1986), conforme ilustra o esquema acima (Fig. 24). A figura seguinte exemplifica este decurso trifásico do comportamento motivado (Fig. 25), embora a figura não deixe bem clara a transição da motivação I para II. Outros comportamentos motivados que obedecem a uma sequência fixa são ilustrados pelas figuras 26 e 27. Fig. 25: Captura de presa por uma rã: orientação à presa (esquerda), fixação binocular(meio) e captura com a língua (direita); segundo EWERT, 1976 Fig. 26: Cerimónia de formaçao de pares (acasalamento) da gaivota (Larus rudibundus); segundo TINBERGEN, 1959 2. Características Gerais do Comportamento Para o funcionamento de cada vector do comportamento existem pressupostos fisiológicos, os quais sempre funcionam como um todo. Fig. 27: Sequencia de elementos de cortejamento do gúbio (Poecilia ): A= aproximaçao; F= seguir a femea; B= observar; L= atrair; S= postura sigmoidal; KV= tentativa de cópula; linhas negras contínuas lêm-se de esquerda para direita; linhas cinzentas e com pontos lêm-se de direita para esquerda; a densidade da linha indica a frequencia com que a sequencia de um elemento para o outro ocorre (segundo BAEREND et al., 1955, retirado de FRANK, 1984) A seguir detalham-se os principais aspectos relacionados com cada um dos vectores. 2.2.1 Vector de entrada Text box 4 2.2 Vectores do Comportamento 263 263 O receptor e a construção de sinais As condições ambientais conduzem a inúmeras limitações para a construção de sinais. Mesmo assim, evoluem dentro destas limitações sinais através de selecção a nível superior de eficiência sob influência do comportamento do receptor. Os receptores jogam um papel importante tanto a origem evolutiva de sinais, como também para consequente evolução conducente uma elevada eficiência. 1. Como surgem sinais Para um observador superficial os modos de comportamento de animais parecem não possuirem explicação, absurdos e estranhos. Exemplo, porquê o galo e o perú executam danças típicas que aompanham o cortejamento, ou porquê andorinhas mantêm distâncias idências nos fios telegráficos onde pousam, ou ainda porquê em quase todas culturas a menina fica corada quando é abordada pelo jovem para namoro? Um passo importante no sentido de responder a essas perguntas ocorreu quando etólogos como LORENZ e TINBERGEN reconheceram que os muitos sinais no decurso da evolução originaram-se de movimentos e reacções de des ignificado secundário do emissor que casualmente continham significado para o receptor. A selecção beneficiou aqueles receptores que estavam em condições de reconhecer mais cedo o comportamento do emissor, reagindo a simples movimentos do emissor que prediziam o advento de comportamentos posteriores mais importantes provenientes do seu emissor. Nós somos capazes de prever o perigo proveniente de uma canino já a partir de outras reacções que, na verdade, não se relacionam (pelo menos não de modo directo) com a própria agressão que se lhes segue. Então, o que a selecção natural beneficiou, foi a evolução da percepção de sinais que precedem o próprio comportamento de agressão, tornando-os, por assim dizer, parte de todo o repertório do comportamento de agressão. Os movimentos que predizem a ocorrência de um comportamento motivado passaram a constituir moviemntos ou comportamentos intencionais, os quais pararam por ai, no estágio de intenção, mas com função informativa (Fig. 28 e 29): Fonte principal: Krebs & Davies (1996), Verhaltensökologie 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 28: O macho de Ptilonorhynchus violaceus corteja e atrai a fêmea posicionando-se na toca que produziu e exibindo objectos (difere de outras aves que atraiem através de estruturas corpóreas; segundo BONNER (1983) 2.2 Vectores do Comportamento 265 265 Fig. 29: Exemplos de comportamentos e outras reacções que originaram outros comportamentos ritualizados (segundo HINDE, 1970) Disse-se atrás que a principal actividade (que é ao mesmo tempo capacidade) deste vector (de entrada) consiste na recepção e pré- processamento de informações provenientes do meio ambiente. Esta actividade (capacidade) é assegurada pela relação funcional vectorial que se estabelece entre (Fig. 30): 2. Características Gerais do Comportamento Estímulo ambiental Estímulo sensorial Excitação Integração no SNC Fig. 30: Esquema geral do percurso da informação até ao SNC (excluído o sistema efector) Esta última instância influência também a recepção de informação, mais ou menos no sentido: o que, como deve ser visto, ouvido, cheirado, etc. Tal influência refere-se a: Disponibilidade de cada tipo de receptor; Propriedade de actividade de cada tipo de receptor envolvido; Propriedade da actividade do sistema nervoso; Status interno (tipo de comportamento de estado interno); Na Fisiologia, o resultado deste processo é descrito pelo conceito “percepção”. Os fenómenos fisiológicos relacionados com as propriedades dos receptores e que podem influenciar a sua função, modificando a sua sensividade, são os seguintes: Habituação; Sensibilização; Adaptação; Fadiga aferente. 2.2 Vectores do Comportamento 267 267 Estes conceitos não serão tratados no âmbito deste livro. Existindo interesse e necessidade de seu aprofundamento, o leitor deverá consultar livros especializados de Fisiologia Sensorial . Pode-se adiantar, porém, que trabalhos laboratoriais para a análise destes fenómenos baseam-se em trabalhos com estímulos artificiais, muitas vezes de dimensões exageradas relativamente ao seu estado natural, são os chamados estímulos supranormais (Fig. 31 ). Fig. 31: Ostraceiro-preto-africano (Haematopus moquini 9 ) prefere incubar (a) um conjunto de cinco ovos supranormais, em vez de seus três ovos normais e (b) prefere um ovo supranormal do que o su próprio ovo (menor a direita, com seta) e o da gaivota (esquerda) 9 Existe em Moçambique ao longo da costa Sul-Africana, alimenta-se demoluscos, anelídeos e crustáceos. O nome refere-se à alimentação à base de ostras. 2. Características Gerais do Comportamento Uma das grandes descobertas da Fisiologia Sensorial e da Biologia do Comportamento foi a de estímulos-chaves ou estímulos-sinais (Inglês, key stimulus, sign stimulus ) e dos mecanismos que, uma vez o estímulo presente, actuam na liberação de reacções e/ou comportamentos (Fig. 32). Estes mecanismos envolvidos na liberação de comportamentos são chamados de mecanismos liberadores (Inglês, releasing mechanismos), os quais podem ser inatos (MLI) ou adquiridos (MLA). Mais tarde eles são analisados com maior detalhe. Fig. 32: Experiências com modelos imitando bicos de gaivota cor-de-prata (Larus argentatus) para testar o efeito do padrão de desenho (cor e contraste) do bico sobre o comportamento de pedir alimento dos pintos; mudança de contraste correlaciona-se positivamente com o comportamento da ninhada 2.2 Vectores do Comportamento 269 269 Estímulo (Inglês, stimulus) define-se, de modo geral, como sendo o estado energético ou mudança de estado no ambiente ou no organismo que conduz ou leva à excitação ao nível do receptor, ou então ele vai modular uma excitação já existente. De acordo com a forma de energia, os estímulos podem ser classificados em estímulos mecânicos, térmicos, químicos, ópticos, acústicos, eléctricos e magnéticos. Para que a excitação seja produzida, será necessário que o estímulo esteja dotado de energia mínima, o que traduz o “princípio de tudo ou nada” da Fisiologia, sendo este limiar energético menor para estímulos adequados e maior para os inadequados. À estímulos inadequados os receptores não reagem, ou então fazem-no quando demonstram elevada intensidade. Mais em diante explicam-se os mecanismos de filtração de estímulos provenientes do ambiente, já que o organismo precisa de separar do que é útil o inútil. Estímulo-chave representa uma combinação de diferentes estímulos ambientais, que de modo inato, i.e., sem intervenção da experiência individual, libera e direcciona uma acção instintiva
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