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1. Introdução ao Comportamento Animal Capítulo 1 Introdução ao Comportamento Animal 1. Nota Histórica 1.1 Nota Histórica Na Escola Inglesa a Biologia do Comportamento é denominada Etologia (do Grego: ethos, comportamento, hábito, costume). No sec. XIX, a Etologia constituíu-se como uma ciência biológica independente que, de modo geral, procurava estudar hábitos e biologia de espécies animais isoladas. Por volta de 1911, O. HEINROTH utilizou, pela primeira vez, o conceito Etologia para designar a cadeira biológica de estudo comparado do comportamento. Os estudos de HEINROTH baseavam-se na descrição dos diferentes comportamentos de patos. Hoje, o conceito Etologia da literatura Inglesa está para Biologia do Comportamento da escola Alemã (GATTERMANN, et al. 1993). Nesta evolução histórica ocorreram mudanças tanto no questionamento científico, quanto nos métodos de trabalho da Etologia, que justificam, hoje, o uso do termo Biologia do Comportamento. Conforme TEMBROCK (1996, Fig. ...) faz notar, a Etologia preocupou-se mais com a descrição fenomenológica dos comportamentos: 1) o que é que o animal faz? 2) quando é que o faz? 3) como é que o faz? Estas eram, de modo resumido, as questões que preocuram os etólogos daquele tempo. 2. Características Gerais do Comportamento A Biologia do Comportamento estuda o comportamento animal e humano, bem como as suas bases biológicas. Portanto, o objecto de estudo da Biologia do Comportamento podem ser: Indivíduos naturais intactos, i.e. não influenciados de alguma forma pelo Homem (o leão na selva); Indivíduos naturais sob influência antropogénica (animais capturados na natureza e comlocados sob custódia do Homem); Indivíduos naturais laboratoriais, aqueles que são criados pelo Homem em meio laboratorial (as cávias cobaias e o macaco- Rhesus, por exemplo); Homem; Grupos sociais (nas suas variadas formas de manifestação); Indivíduos isolados. Hoje, os aspectos relevantes de investigação biocomportamental são (1) as estruturas do comportamento (morfologia comportamental), (2) as bases do comportamento (Etometria, Fisiologia comportamental, genética comportamental), (3) o desenvolvimento individual e específico (ontogénese e filogénese comportamentais, tradições) e (4) a adaptação ao ambiente, adquirida ao longo do processo filogenético (Etoecologia). A individualidade e a especificidade (relativo à espécie) do comportamento constituem igualmente objectos de investigação da Biologia do Comportamento. 2.2 Vectores do Comportamento 195 195 A Biologia do Comportamento constitui, hoje, uma nova disciplina, cujas tarefas situam-se entre a Fisiologia animal e a Ecologia. Enquanto que a Fisiologia animal, como ramo da Fisiologia, investiga processos fisiológicos complexos que regulam as funções vitais do organismo como um todo, a Ecologia abarca as interacções entre o organismo e o ambiente, com base nas quais os próprios processos fisiológicos evoluiram, num processo de selecção natural. A maior pressão da selecção natural no contexto de evolução adaptativa dos principais processos fisiológicos, recaiu, sem dúvida, sobre (1) a troca de substâncias, (2) a troca de energia, (3) a troca de informações e (4) a mudança de forma (Fisiologia do desenvolvimento), e, todas estruturas e sistemas do organismo evoluiram no sentido de consubstanciarem a evolução destes fenómenos fisiológicos. A Ecologia pode ser definida como ciência que estuda as interacções e inter-relações dos organismos entre si e destes com o ambiente inanimado que os rodeia. Assim nota-se o sentido do posicionamento da Biologia do Comportamento entre a Fisioloa animal e a Ecologia, uma vez que ela procura analisar e compreender os mecanismos que regulam e determinam as relações recíprocas entre o fisiológico e o ambiente com base na troca de informações. Na sua evolução histórica a Biologia do Comportamento passou pela Psicologia animal do sec. XIX. A partir de WUNDT, sec. XIX, Comment [u1]: completar 2. Características Gerais do Comportamento desenvolveu-se a Psicologia comparada. Princípios da Psicologia foram usados para a percepção do comportamento animal. WUNDT postulava, mais ou menos, que “(...) a perceção da alma do animal só pode partir da percepção da alma do Homem e não o contrário”. DARWIN (1859) desenvolveu três princípios que vieram determinar sobremaneira a evolução da Etologia (e da Biologia do Comportamento). São eles: 1. Princípio de hábitos objectivamente associados, 2. Princípio de antítese: estados espirituais (emocionais) contraditórios conduzem à, igualmente, estados motores (movimentos) contraditórios, 3. Princípio de liberação de acções pelo estado do sistema nervoso central, independentemente da vontade e dos hábitos. SPALDING (1873) com os resultados dos seus trabalhos sobre aprendizagem baseada na estampagem de pintos também influenciou a evolução da etologia. Por seu turno, MORGAN (1896) trouxe, pela primeira vez, uma clara distinção entre características herdadas e características adquiridas do comportamento, que ele chamou de modos comportamentais inatos e aprendizados. Os aprendizados, segundo ele, servem para o melhoramento do inato. Foi também nesta altura que investigadores de campo, tais como os PECKHAM, FABRE e WASMANN deram o seu grande contributo a caminho da definição clara da nova Comment [u2]: completer os anos 2.2 Vectores do Comportamento 197 197 disciplina biológica, a Etologia. Para todos eles estava claro que tudo o que o animal faz deve chamar-se hábitos. Um hábito pode ser definido, hoje, como conjunto de modos de comportamento. A disciplina que se ocupa do estudo destes modos de comportamento chama-se Etologia. SCHAXEL (1924) dizia: “O conjunto de todas acções específicas que ocorrem na vida de cada indivíduo são resumidos num sistema típico de acções”. Ele postulava, assim, a existência de um repertório específico e individual de acções. Hoje, designamos de etograma a tal sistema. KONRAD LORENZ e ERICH von HOLST dsenvolveram ainda mais o conceito de Etologia, conferindo-lhe novas características da Biologia evolutiva e descendo na sua definição ao nível do observável, incluindo toda a diversidade de padrões motores que recaiem sobre o ambiente. O conceito de Biologia de Comportamento é, muitas vezes, usado de modo mais abrangente, compreendendo exactamente todos processos que já SCHAXEL lhe impunha, mas também todo o conjunto de processos de aprendizagem e de evolução filogenética do comportamento. Este facto leva a que, hoje, haja ainda a diferenciação entre a Etologia da escola Inglesa e a Biologia do Comportamento da escola Alemã. GÜNTER TEMBROCK 1 (sec. XX) pode ser considerado o pai da nova escola Alemã (Fig. 1). 1 Biólogo Alemão ainda em vida (travei conhecimento com ele entre 1886 e 1999). Comment [u3]: datas 2. Características Gerais do Comportamento Fig. : GÜNTER TEMBROCK, 1992 De uma lado, a complexidade do comportamento quanto a sua motivação, sua execussão, sua evolução, sua adaptação e adabtabilidade, sua relação com o ambiente, assim como quanto ao seu significado para o organismo e ambiente, leva a uma complexidade metodológica tal que envolve o trabalho conjunto de várias disciplinas provenientes dos mais variados ramos das ciências naturais. Por outro lado, o rápido desenvolvimento da Biologia do Comportamento conduziu, sem dúvida, a uma especialização cada vez maior e ao estabelecimento de um vasto leque de disciplinas a ela subordinadas (Fig. 2). No que concerne à ligação interdisciplinar da Biologia do Comportamento pode destacar-se o que em resumo vem exposto na figura.2.2 Vectores do Comportamento 199 199 Investig. Evolução Comport. Psicologia Teoria do jogo Linguística Investigação sobre Orientação Investigação sobre Ritmos Neuroetologia Etogenética Genética Investigação reprodutiva Etoecologia Ecologia Biologia das Populações Biologia evolutiva Biologia das Populações Fisiologia Sensorial Neurobiologia Fisiologia Sensorial Neurobiologia Cronobilogia Fisiologia Sensorial Neurofisiologia Nauroanatomia Biocibernética Etoendocrinologia Endocrinologia Neuroendocrinologia Neurofisiologia Fisiologia Sensorial Investigação Comportamental Ontogenética Embriologia Genética Neurofisiologia Etologia de Aprendizagem Psicologia animal experimental Etologia humana Etologia aplicada Antropologia Etnologia Primatologia ambiental Medicina veterinária Farmacologia Protecção animal e do Comportamento Investigação social Psicologia Biologia do Comportamento Fig. 2: Quadro geral de interdisciplinaridade da Biologia do Comportamento 2. Características Gerais do Comportamento Pontos de discussão 1. Relacione A evolução paradigmática da Etologia da Escola Inglesa para a Biologia do Comportamento da Escola Alemã. 2. Desenvolva Os principais marcos históricos que determinaram a viragem de uma para a outra disciplina (Etologia – Biologia do Comportamento). 2.2 Vectores do Comportamento 201 201 2. Características Gerais do Comportamento 1.2 O que são Ciências do Comportamento, o que é o Comportamento? 2.2 Vectores do Comportamento 203 203 As chamadas ciências do comportamento são várias. Elas definem-se como disciplinas que, com base em métodos das ciências naturais, investigam o comportamento animal e humano. Para além da Biologia do Comportamento, fazem parte a Etofisiologia, a Etogenética, a Etotoxicologia, a Etoteratologia, a Etologia Humana, a Sociobiologia, a Sociologia, a Psiquiatria e a Psicologia. Este amplo espectro de disciplinas comportamentais leva-nos certamente à definições, mais ou menos diferentes, do que é o comportamento. Abstraindo, porém, deste leque de disciplinas, o conceito comportamento tem três campos principais de aplicação e, consequentemente, de definição. Assim sendo, o comportamento pode definir-se: (1) Na Teoria de Sistemas e Cibernética como: “quantidade de estados (dinâmicos) de um sistema ou de seus elementos que se sucedem no tempo”. (2) Na Biologia do Comportamento como: “acções e reacções do organismo na base de uma troca de informações com o ambiente”; (3) Na Psicologia (Homem) como: “uma actividade que organizada de uma determinada forma coloca o organismo numa relação mútua com o seu meio”. Nesta última definição diferencia-se entre um comportamento externo (aberto) e um comportamento interno (oculto). Também fala-se aqui de níveis comportamentais (TEMBROCK, 1992). 2. Características Gerais do Comportamento Conforme disse-se relativamente à Biologia do Comportamento, nós relacionamos o conceito de comportamento com a troca de informações. O conceito “troca de informação” veio substituir formulações anteriores, tais como “irritabilidade”, “sensibilidade” e excitabilidade”, que remotam de GLISSON (1597-1677) e A. v. HALLE (1708-1777). Irritabilidade (sensibilidade ou excitabilidade) é uma característica que os organismos animais têm de poderem reagir a estímulos provenientes do ambiente externo (exteroceptores) e/ou interno (nociceptores). Estímulo representa uma condição ambiental que libera uma excitação (irritação) no organismo, caso esta reuna a condição mínima de liberar excitação, i.e. o organismo reage de modo específico ao estímulo. Poderia ser, por exemplo, o estímulo fome. O facto de que o estímulo é identificado e cunhado de sentido no organismo receptor, permite-nos o emprego do conceito “troca de informações”. Por analogia ao termo troca de matéria (no sentido de metabolismo), podemos também falar de troca de informações. Assim, teríamos três estágios básicos desta toca de informações, nomeadamente: (1) A recepção de informações; (2) O processamento de informações (que inclui o seu armazenamento nas memórias a curto, médio e longo prazos) e (3) A emissão de informações, como resposta ao meio ambiente independentemente do nível ou tipo do ambiente em consideração. 2.2 Vectores do Comportamento 205 205 No primeiro e no segundo estágios deste processo complexo estão incluidos os filtros de informações, nomeadamente os filtros periférico e central, os quais possibilitam apenas a passagem e o processamento de informações relevantes para o organismo, onde a relevância das informações (ao nível mais elementar, estímulos) dependerá do estado motivacional do organismo: um predador recebe um número maior de estímulos ambientais, mesmo os irrelevantes, enquanto não estiver na posse de informações claras sobre o objecto funcional. As informações ambientais que o gato recebe (ou deixa passar do filtro periférico) são maiores antes do que depois de ter avistado a presa. Veremos isto mais tarde. A recepção de informações ocorre ao nível dos órgãos dos sentidos, que recebem os estímulos provenientes do ambiente e são por isso chamados exteroreceptores (exteroceptores). Na Biologia do Comportamento é imprescindível o domínio da actividade e capacidade dos exteroreceptores. Os órgãos dos sentidos traduzem, por assim dizer, um padrão de estímulos que eles recebem num padrão de excitações que, depois, deve ser transmitido ao SNC para seu processamento. O processamento de informações ocorre nas instâncias neurais centrais, no SNC para o caso de animais superiores (incluindo certos invertebrados). 2. Características Gerais do Comportamento Enquanto isto, os níveis motor e hormonal são importantes para a liberação de respostas, que, por sua vez, podem ocorrer sob diversas formas, desde movimentos simples até comportamentos complexos (sexuais, sociais, agonísticos, predatórios, etc.). Esta breve explicação leva-nos a entender o comportamento animal como algo que se processa entre os níveis fisiológico (órgãos dos sentídos, SNC, sistema hormonal, sistema motor) e ambiental (estímulos do ambiente abiótico e biótico, acção que o organismo exerce sobre o ambiente em resposta a estimulação específica proveniente deste). Daí que se diga que a Biologia do Comportamento, como ciência, une estas duas disciplinas, nomeadamente a Fisiologia e a Ecologia. Sendo assim, a Biologia do Comportamento não deve ser resumida àquilo que se observa directa e imediatamente. Este erro foi e continua a ser cometido mesmo por biólogos contemporrâneos. Numa das obras de LAMPRECHT, por exemplo, pode ler-se o seguinte: “do comportamento de um animal fazem parte todos os movimentos e posturas, desde que estes sejam perceptíveis” (LAMPRECHT, 1982, in TEMBROCK, 1992). Também TINBERGEN (1951), na sua obra intitulada “The Study of Instinct”, define o comportamento como “actividade muscular coordenada”. Mesmo assim, ele não ignora o papel do estudo sobre os órgãos dos sentidos e o sistema nervoso, bem como sobre a actividade hormonal e muscular por forma a melhorar a nossa compreensão sobre o comportamento animal na sua estrutura causal. 2.2 Vectores do Comportamento 207 207 Certamente, as definições anteriores, tanto de LAMPRECHT como de TINBERGEN e de tantos outros, continuarão válidas para a Etologia clássica, a qual investiga tais padrões de movimentos no contexto do seu valor adaptativo ao ambiente, como resultado da evolução, mas também como factor da própria evolução. Na Biologia do Comportamento somos obrigadosa alargar o conceito comportamento para abarcar um leque ainda maior de aspectos biológicos e evolutivos. Assim, definimos o comportamento como sendo “a interacção organísmica 2 com o ambiente na base de uma troca de informações ao serviço do “fitness” individual, ecológico e reprodutivo”. Text box 1 Fitness define valor selectivo, aptidão; na Biologia evolutiva é, em primeiro lugar, o sucesso reprodutivo de um indivíduo em relação às gerações seguintes; esta medida traduz a totalidade da capacidade de vida de um indivíduo sob determinadas condições da selecção natural. C. DARWIN (1859) empregou o termo fitness para significar tudo o que o indivíduo faz para o seu sucesso na luta pela existência. 2 ) Diferentemente de orgânico, o conceito organísmico refere-se ao organismo como um todo. 2. Características Gerais do Comportamento Bibliografia principal: Cockburn (1995), Verhaltensökologie Nesta definição é preciso ainda esclarecer o que é interacção. A interacção comporta dois aspectos, a saber: 1. O nível de influência mútua entre o organismo e o ambiente, daí o prefixo Latino inter e 2. o nível de acção como qualidade especial dessa influência. Basicamente existem três formas possiveis de o organismo e o ambiente influenciarem-se mutuamente (Fig.3): Fig. 3: As diferentes formas de interacção comportamental do organismo e ambiente; ave dotada de comportamento interage com palha não dotada de comportamento; Tartaruga e peixe ambos dotados de diferentes repertórios comporta- mentais; e os últimos dois exemplos, indivíduos da mesma espécie com repertórioscomportamentais complementares (segundo TEMBROCK, 1986) 2.2 Vectores do Comportamento 209 209 a. Organismo dotado de comportamento interage com parte do ambiente não dotada de comportamento próprio: ave que utiliza palha para construção de ninho (Fig. ... a); b. Organismo dotado de comportamento interage com parte do ambiente dotada de comportamento, tendo ambos diferentes repertórios comportamentais: tartaruga que captura o peixe (Fig. ... b); c. Organismo dotado de comportamento interage com parte do ambiente dotada de comportamento e ambos possuem o mesmo repertório comportamental: parceiros da mesma espécie. Para este nível de interacção evoluiu um sistema de comunicação biológica, a biocomunicação, que veremos mais em diante (Fig. 1 c - d). No primeiro caso a interacção é determinada apenas pelo fitness 3 individual da ave construtora de ninho e, no segundo caso, a interacção é ditada pelo fitness ecológico. Na terceira forma de interacção, trata-se de uma interacção na base do fitness reprodutivo e/ou social. No caso dos antílopes que brigam, a motivação poderá ter várias origens, por exemplo, briga causada pela competição de macho por uma fêmea, invasão ao território mínimo individual, etc. 3 ) O termo fitness deixa-se descrever pelo termo português aptidão. Embora próximo do significado do termo inglês, não é tão abrangente quanto ele. Daí a preferência em usar-se o termo inglês não traduzido. 2. Características Gerais do Comportamento Na definição de GATTERMANN 4 et al. (1993), comportamento é o conjunto de acções de origem interna e de reacções à estímulos externos. O comportamento serve, por conseguinte, a auto-optimização do indivíduo ou de um grupo biossocial. Ele assegura a realização das necessidades do indivíduo ou de um grupo de indivíduos e possibilita uma rápida adaptação às condições ambientais em constantes mudanças. O comportamento basea-se nas experiências adquiridas ao longo da história evolutiva da espécie (filogénese) e do desenvolvimento do indivíduo (ontogénese). No genoma encontram-se fixados comportamentos inatos ou hereditários (ler mais no capítulo sobre bases genéticas do comportamento). Comportamentos adquiridos (aprendizados) ao longo da ontogénese encontram-se na memória do indivíduo. Enquanto que a parte do comportamento inato herda-se geneticamente. A parte adquirida na ontogénese obtem-se por meio de tradições (do Latim, traditio) e é passada de uma geração a outra. 4 ROLF GATTERMANN, meu professor na Universidade de Halle, foi Presidente da Sociedade de Etologia da Alemanha,faleceu em 2006. 2.2 Vectores do Comportamento 211 211 Pontos de discussão Discuta de modo interdisciplinar o comportamento animal e humano com base em exemplos concretos. 2. Características Gerais do Comportamento 1.3 Métodos de investigação do Comportamento 2.2 Vectores do Comportamento 213 213 A Etologia, também designada por estudo comparado do comportamento, ou, neste trabalho, Biologia do Comportamento, investiga o comportamento animal e as suas bases biológicas (senso lato), cujas manifestações encontram-se a diferentes níveis de integração, por exemplo, ao nível de processos moleculares e bioquímicos, ou ainda ao nível da capacidade dos órgãos sensoriais, do sistema nervoso e do sistema hormonal (sistema humoral). O etólogo trabalha a um nível superior ao dos sistemas sensorial, nervoso ou hormonal. Processos comportamentais tocam certamente processos fisiológicos, cujos conhecimentos são de facto necessários para o etólogo, mas eles não podem ser entendidos como somatório de processos fisiológicos. Sendo assim, a sua descrição, interpretação e compreensão requerem métodos especiais, complexos e integrados. Uma das questões centrais da Biologia do Comportamento consiste em compreender o comportamento como a capacidade adaptativa do organismo intacto ao ambiente natural. Depois do questionamento fenomenológico, espacial e temporal, estão as questões relativas a como e para quê um determinado comportamento evoluiu. Na verdade, ambas as questões referem-se basicamente ao valor biológico ou evolutivo do comportamento. Só quando conhecemos o valor selectivo de um modo de comportamento, é que também podemos compreender porque é que o respectivo 2. Características Gerais do Comportamento programa genético terá evoluido. Para estudos bem sucessidos destes aspectos precisamos de um conhecimento profundo da espécie estudada, sobretudo quando se trata de comportamentos sociais, os quais pela sua origem e evolução, assim como pela sua complexidade estrutural e funcional são mais difíceis de investigar e de compreender. Estruturas sociais de animais requerem estudos por longos anos e, por isso mesmo, são onerosos no tempo (Fig. 4 e 5). Fig. 4: Os Chimpanzés (Pan troglodytes) são animais muito sociais (foto de CHRIS & STUART, 2000) 2.2 Vectores do Comportamento 215 215 Fig. 5: Dois grupos de coiotes americanos (Canis latrans) vivem em territórios vizinhos. Trocam de grupos, sobretudo os juvenis na idade reprodutiva; o grupo A reduziu-se a um par BEKOFF & WELLS, 1988) O estudo do comportamento, por outro lado, requer que em princípio sejam abarcados indivíduos intactos e só depois é que se envolvem indivíduos sob regime de cativeiro humano (animais antropogénicos), sobretudo para determinação das variações comportamentais. Estudos Comment [u4]: Biologie des Sozialverhaltens 2. Características Gerais do Comportamento envolvendo sòmente indivíduos sob regime de cativeiro humano interessam apenas à Biologia aplicada. Tal como aconetece noutras disciplinas biológicas, a investigação etológica começa com a observação qualitativa, nomeação ou nomenclatura e classificação, só depois é que se lhes segue a quantificação, i.e., mensurar (medir) o comportamento.A investigação analítica causal de um comportamento específico 5 e a investigação comparada do comportamento têm, em princípio, dois pontos de partida: a) Apresentação descritiva e b) Investigação experimental. Na apresentação metodológica de TEMBROCK (1961), o primeiro ponto abarca a Etomorfologia e o segundo a Etofisiologia. Morfologia e fisiologia são propriedades integrantes de sistemas vivos: a mera descrição morfológica do comportamento está muito aquém das intenções de um biólogo do comportamento. O mesmo diz-se relativamente à simples investigação experimental fisiológica sem o domínio do morfológico. Apesar de a descrição constituir-se como um simples fragmento de um sistema biológico complexo, ela pode, mesmo assim, criar a base para a análise comportamental. 5 ) Relativo à espécie. 2.2 Vectores do Comportamento 217 217 A Etologia descritiva é, cada vez, menos utilizada, mas na realidade ela fornece bases indispensáveis para qualquer trabalho investigativo posterior: apenas o bom observador de animais é que está a altura de ter sucessos, pois ele consegue entender todas as relações essenciais dos comportamentos de um animal. Isto, por sua vez, forma base para a formulação de hipóteses de trabalho. 1.3.1. Métodos da Etomorfologia (Etologia descritiva) O método mais elementar para registar um comportamento é a observação. A observação em Etofmorfologia apresenta um grau maior de complexidade relativamente a uma simples observação do tipo morfotopográfica; Pois, ela exige que o fenómeno comportamental seja abarcado simultâneamente na sua relação espacial e temporal. Aliás, nós tendemos mais a abarcar as coisas como um todo. Isto relaciona-se muito com a capacidade do nosso aparelho sensorial, cuja tarefa consiste em formar uma imagem como um “todo” a partir de uma constelação de diferentes padrões de estímulos heterogêneos. Por outras palavras, “eu não devo agarrar-me à cor dos olhos do leão para distinguí-lo de um leopardo”. No conjunto de informações que me chegam aos órgãos dos sentidos sobre o leão, a cor dos olhos é irrelevante. É por assim ser que “não confundimos um leão com um rato, sob risco de ser devorado”. Um outro problema na descrição etomorfológica toca o que chamamos de antropomorfismos: a tendência que o Homem tem de descrever 2. Características Gerais do Comportamento eventos comportamentais provenientes de um animal com base em comportamentos humanos. O Homem interpreta comportamentos animais com uso da sua linguagem, baseando-se na sua evolução cultural, nas suas vivências e emoções. Por estas razões todas, a análise de observações feitas está condicionada à experiência do investigador e , é por conseguinte, susceptível de fortes oscilações. Este facto faz com que o método descritivo puro exija cada vez mais o emprego de meios auxiliares. Estes, têm por objectivo minimizar a margem de êrro da observação: auxiliar a memória, auxiliar os órgãos dos sentidos na recepção de informações e auxiliar o Homem no preenchimento do protocolo. Este último aspecto é preponderante, na medida em que o protocolo não deve resultar do conteúdo da memória do Homem, mas sim ele deve ocorrer simultâneamente com a observação e ele deve, ao mesmo tempo, possibilitar o registo do comportamento na sua relação espacial e temporal: onde e quando ocorre um determinado comportamento. Métodos anteriores pecaram sempre neste aspecto: eles não possibilitavam um registo não só simultâneo do tempo e espaço em que um determinado evento comportamental ocorre, como também eles não estavam capacidados para proceder a um registo contínuo e ininterrupto desses eventos. O resultado disso era, por exemplo, que em muitas investigações realizadas nunca se descobriam padrões de comportamentos rítmicos, sobretudo no campo circa- e infradiano. 2.2 Vectores do Comportamento 219 219 No conjunto de meios auxiliares à observação ganham cada vez mais interesse e importância: - As filmagens (vídeo e filme tradicional); - Gravações em fitas electromagnéticas; - Registos automatizados; - Registos apoiados por pacotes informáticos (software); - Telemetria com recurso à rádio-sensores; - Registos fotoeléctricos (podem trabalhar com luz não detectável pelo animal); - Etc. Saliente-se que o trabalho do Homem continua a ser o principal (Fig. 6). Fig. 6: Modelo de registo de padrão locomotor (linhas espirais concêntricas) e intervalos de lançamento de substrato (cada ponto) por formiga-leão na construção de armadilha (PIRES, 2000) 2. Características Gerais do Comportamento 1.3.2. Métodos da Etofisiologia A análise do comportamento começa com a exploração quantitativa e qualitativa de protocolos. Nisto, podem-se analizar as frequências de determinados elementos do comportamento por unidade de tempo: quantas vezes ocorre um determinado tipo ou elemento do comportamento por unidade de tempo? Em que sequência ocorrem os diferentes elementos de um comportamento ou modos de comportamentos diferentes? Diagramas e gráficos são as formas mais propagadas de apresentação dos resultados. No caso de filmes e vídeos pode proceder-se à contagem de imagens, ou ainda à análise de sequências de elementos comportamentais e/ou de diferentes comportamentos (Fig. 7, 8 e 9). Fig. 7: Modelo de sequências interactivas de uma díade comportamental (interacção entre dois animais). Esquema reconstruido segundo TEMBROCK (1993) As relações entre os vários comportamentos (elementos e tipos) só podem ser analisadas na presença de um material de observação vasto e exacto. Assim, podem determinar-se relações quantitativas entre estes. A A A C D A B B E 2.2 Vectores do Comportamento 221 221 estimulação repetitiva permite a análise sobre a intensidade do comportamento. Em todas estas experiências é preciso ter-se em conta que o observador não deve influênciar o material de base. Fig. 8: Elementos do comportamento de briga de antílopes Oryx: a) ameaça com cabeça erguida, b) bater mútuo com chifres e c) empurrar mútuo com a testa (segundo WALTHER, 1958) Uma das funções da ocorrência sequenciada dos diferentes elementos de um comportamento (motivado) é de assegurar o encontro com o objecto funcional e, consequentemente, a execussão do comportamento consumatório. Isto é mais notável em comportamentos como a caça de presa, ou o acasalamento para cópula. Cada elemento segue, mais ou menos, com rigor o elemento comportamental anterior. 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 9: Sequência de elementos do comportamento de cortejamento de rolas (segundo Franck, ) No caso de cortejamento, decorre uma sincronização de processos reguladores hormonais. A ausência de um destes elementos na cadeia de execussão do comportamento motivado de cópula pode levar a não realização desta, o que, biologicamente, coloca em perigo o fitness do indivíduo. Também as brigas nos animais obedecem, de certo modo, a uma sequência de elementos comportamentais que a compõem. Em capítulos apropriados fala-se de processos da evolução de comportamentos com mais detalhes (coportamentos motivados). Comment [u5]: Fonte? 2.2 Vectores do Comportamento 223 223 Voltando à figura anterior (Fig. 9), o cortejamento da fêmea pelo macho libera, de certo modo, um estado hormonal específico, sem o qual ela não contruiria o ninho e não poria os ovos. Mesmo a prontidão sexual de machos vizinhos pode ser influenciada pelo cortejamento que uma outra fêmea realiza ao seu macho. Além disso, sinais corpóreos relacionados com o cortejamento actuam como inibidores da competição entre indivíduos do mesmo sexo, ou ainda, agem como sinais biocomunicativos que impedem a entradade machos/fêmeas de outros grupos. Sendo assim, eles podem ser entendidos como elementos de um comportamento agonístico. Assumindo esta posição eles servem como mecanismos etológicos de isolamento (vide text box 2). Text box 2 Desenvolvimento do conceito Isolamento Isolamento etológico (Inglês, ethological isolation) caracteriza, em geral, barreiras reprodutivas entre espécies animais próximas com base no comportamento. Resulta especificamente da incompatiblidade comportamental, baseada nas diferenças de repertórios de sinais de comunicação, nas diferenças dos órgãos copuladores, etc. Para o surgimento e preservação de novas espécies é preciso que indivíduos com capacidade de cruzamento se mantenham isoladas entre sí. Caso não existam barreiras geográficas (simpatria) podem desenvolver-se mecanismos biológicos de isolamento. Deles fazem parte também comportamentos, que sobretudo actuam como impedimento para o acasalamento por meio de cortejamento (reconhecimento da espécie), estampagem sexual (i.e. fixação exagerada das características sexuais do parceiro da espécie), ou, ao nível populacional, através de formação de dialectos regionais, os regiolectos (Fig. 10). Os regiolectos, no fundo, representam uma variabilidade do sistema de biocomunicação. Bibliografia principal: Immelmann (1983), Verhaltensbiologie 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 10: Dialectos e estrofes de Emberiza sp. (segundo WALLSCHLÄGER, 1983) Na Etofisiologia é importante trabalhar-se com variação de combinações de factores experimentais. Isto possibilita a obtenção de material protocolar diferente. Análises comparativas de protocolos sob diferentes 2.2 Vectores do Comportamento 225 225 condições experimentais possibilitam a determinação quantitativa e qualitativa da influência das condições modificadas Fig. 12: Efeito do estágio larvar sobre a capacidade de construção de armadilha em larvas de Euroleon nostras (PIRES, 2000) 00:00 00:02 00:05 00:08 00:11 00:14 00:17 00:20 00:23 00:25 00:28 L1 L2 L3 Estágio larvar t [h ] 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 m [ m g ] t [h] Massa [mg] 0.0 1.5 3.0 4.5 6.0 7.5 9.0 10.5 12.0 13.5 15.0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 d [mm] G a s to s E n e rg é ti c o s [ m J ] E-L1 E-L2 E-L3 Fig. 11: Gastos energéticos na construção de armadilhas por larvas L1, L2 e L3 de Euroleon nostras (PIRES, 2000) 2. Características Gerais do Comportamento No caso de E. nostras o substrato para a construção de armadilha é o factor mais determinante sobre o comportamento. A modificação das condições de investigação tanto pode referir-se à combinação (1) de diferentes indivíduos da mesma espécies, (2) de diferentes sexos, (3) de diferentes faixas etárias, ou ainda (4) à introdução de uma espécie diferente, ou (5) de uma presa viva no meio de predadores. Como pode depreender-se, trata-se aqui de uma modificação de condições bióticas. As Fig. 11 e 12 ilustram diferenças significativas (1) nos gastos energéticos de três estágios larvares de Euroleon nostras no comportamento de construção de armadilha sob idênticas condições laboratoriais e (2) o efeito do estágio sobre a capacidade de construção. Mas, a modificação pode tocar também as condições abióticas, das quais a luz e a temperatura são os factores mais importantes para muitas das investigações. Nota-se que enquanto o tempo de construção de armadilha é praticamente idêntico para todos estágios larvares, a massa (Volume) de substrato transportada é extremamente diferente. Tal deve-se às diferenças de capacidade de transporte causadas pela diferença órgão de transporte, a chamada cápsula cefálica. Mas, igualmente, a capacidade fisiológica dos efectores pode diferir entre os diferentes estágios. A submissão de indivíduos da mesma espécie a condições laboratoriais diferentes, pode modificar profundamente os padrões comportamentais 2.2 Vectores do Comportamento 227 227 característicos da espécie. A figura acima ilustra o padrão de tempo de construção de armadilha da mesma espécie referida antes na condição de substrato do seu habitat natural. A fase de repouso distingue-se claramente da fase de construção e/ou de alargamento da armadilha. O mesmo indivíduo, porém, quando submetido a um substrato diferente (areia grossa da praia), ele modifica o padrão e constroi uma armadilha imperfeita e em tempo mais prolongado). Não existe distinção clara entre as duas fases (Fig. 13 e 14). Fig. 13: Decurso normal do comportamento de construção de armadilha por larva L3 de Euroleon nostras num substrato natural (d= 0,2 mm); setas = fases de construção e alargamento da armadilha (PIRES, 2000) 0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 00:00 12:00 24:00 36:00 48:00 60:00 72:00 84:00 96:00 t [h] m as sa [ m g ] 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 14: Decurso anormal do comportamento de construção de armadilha por larva L3 de Euroleon nostras num substrato natural (granulometria = 2 mm); setas indicam os momentos de tentativa de construção e de alargamento não periódico da armadilha (PIRES, 2000) Quando se introduzem animais de espécies diferentes, mas pertencentes ao mesmo gênero, abre-se a possibilidade de uma investigação evolutiva comparada. Na investigação evolutiva comparada, o investigador interessa-se por questões relativas à origem e evolução de um comportamento, assim como pela sua inserção adaptativa no ecossistema (Fig.15). 9550 9600 9650 9700 9750 9800 9850 0:00:00 2:30:00 5:00:00 7:30:00 10:00:00 12:30:00 15:00:00 17:30:00 20:00:00 t [h] M a s s a [ m g ] 2.2 Vectores do Comportamento 229 229 Fig. 15: Posição de cantar de forma selvagem (esquerda), forma doméstica (direita) e bastardo (centro) de galo (segundo STADIE, 1968). A forma bastarda demonstra postura intermediária das formas puras. A Etologia analítica serve-se de diferentes meios auxiliares para ir mais a fundo na análise de relações causais. Um desses meios são os objectos simulados supradimensionais, que apresentam um estímulo ou combinação de estímulos (exemplo, presa) exagerados na sua dimensão: exagero do tamanho do ovo, ou noutras características estimuladoras, ou ainda das proporções das diferentes partes da cabeça de bebé, o chamado esquema de bebé e do adulto (TEMBROCK, 1986). Comparar com as figuras abaixo (Fig. 16). 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 16: Esquema de bebé ilustrado para diferentes vertebrados (segundo LORENZ, 1943, in: TINBERGEN, 1952) De acordo com a questão colocada, a Etofisiologia recorre à métodos específicos da Neurologia, Endocrinologia, Farmacologia, Fisiologia do 2.2 Vectores do Comportamento 231 231 Metabolismo, Fisiologia Sensorial, Fisiologia Muscular, etc. Nos últimos tempos, a Etofisiologia tem se servido com cada vez maior frequência das bases de outras disciplinas não biológicas, tais como a Física e a Química. Neste contexto, a Biofísica e a Bioenergética ganham muita importância. 1.3.3. Questões básicas da Biologia do Comportamento Animais são seres vivos que ocupam determinados nichos ecológicos que, aliás, lhes são extremamente específicos. A ocupação de um nicho ecológico por um organismo representa o resultado da história filogenética da espécie (ler mais sobre nicho ecológico no Text box 3). Por outro lado, nós integramos nessa análise também o desenvolvimento histórico do indivíduo, a ontogénese e o estado actual do indivíduo, a actualgénese. Estes novos conhecimentos da Biologia do Comportamento inserem em si uma evolução paradigmática tanto das questões científicas da Etologia clássica, quanto dos métodosque ela usa na investigação experimental. As questões básicas de um etólogo são: 1. O quê? A resposta está no etograma (Fig. 17, 18, 19, 20). No início de um vasto trabalho etológico está a criação de um etograma. O etograma ou catálogo de acções (inventário comportamental) descreve, na medida das possibilidades, todos modos ou elementos de um comportamento que 2. Características Gerais do Comportamento ocorrem num animal. A listagem desses elementos obedece a determinados círculos funcionais, por exemplo: Actividade locomotora e repouso, Alimentação, Defesa do predador, Cortejamento, Etc. Text box 3 O que o nicho? A palavra nicho remete-nos em primeiro lugar para relações espaciais que organismo estabelece na sua ontogénese. O conceito nicho, porém, abarca o conjunto de relações de uma espécie animal com o seu ambiente biótico e abiótico, ele caracteriza tudo o que resulta das funções de uma espécie num ecossistema. No processo da evolução modificam-se tanto os parâmetros geomorfológicos, como os de natureza físico-química. Com eles modificam- se também os nichos ecológicos, num processo mais ou menos lento, no qual o comportamento participa activamente; pois, o progresso adaptativo basea- se na optimização da probabilidade de sucesso do comportamento e encontra expressão nos indivíduos, nos fitness reprodutivo e ecológico. O conceito de nicho ecológico foi empregue pela primeira vez por ELTON, 2.2 Vectores do Comportamento 233 233 em 1927. em prinmeiro lugar o conceito de nicho deve ser entendido no sentido de espaço e tempo. Mas ele expressa (assim) uma parte a zona ecológica utilizada por uma determinada espécie e que evoluíu historicamente. Zona ecológica expressa, por sua vez, um sistema de relações ecológicas de uma espécie (comparar com STUGREN, 1972 e TOMOFEEFF,-RESSOVSKY et al., 1975). Ao longo da ontogénese os indivíduos passam por processos de desenvolvimento morfológico (Morfogénese) e comportamental (Etogénese), todos eles com a finalidade adaptativa ontogenética. Morfogenese e etogénese encontram-se numa relação estrutural e funcional e influenciam-se mutuamente tanto na filogénese como na ontogénese. Os trabalhos mais recentes com a formiga-leão mostram claramente a evolução ontogenética destes dois parâmetros (PIRES, 2000). A morfogénese da formiga-leão está relacionada com causalmente com as mudanças corpóreas de incremento de massa, de aumento na sua exigência energética, assim como com a alimentação que assegure a preparação do estágio de pupa, numa situação fisiologicamente optimal para o scucesso da eclosão do imago. O determinante aqui é a preparação da reprodução de um imago que no total vive no máximo 3 a 4 semanas. GEPP e HÖLZEL (1986) classificam três estágios larvares, nomeadamente estágios L1, L2 e L3. Para a construção de armadilha é determinante, ao lado de parâmetros metabólicos e energéticos, a área toráxico-cefálica de transporte de area (L1= !Syntax Error, , mm², L2= !Syntax Error, , mm² e L3= !Syntax Error, , mm²). É assim que as larvas dos diferentes estágios alcançam armadilhas com dimensões bem diferentes, o que se reflecte na eficiência das armadilhas na captura de presa. 2. Características Gerais do Comportamento Fonte principal: PIRES, 2000, Tese de Doutoramento Tratando-se de círculos funcionais gerais, eles devem ser destrinçados pelo investigador em pequenos círculos. Se tratar-se, por exemplo, de relacionamento social entre os indivíduos, podiamos subcategorizar em: agressão, sexualidade, relações mãe-filho. Do ponto de vista de classificação, temos: 1.1. Etograma de 1a. ordem (ectograma I): como simples lista dos eventos comportamentais observados, assim como a sua frequência relativa; 2.2 Vectores do Comportamento 235 235 Fig. 17: Possíveis padrões espaciais, postura, posição e direccionamento de dois animais (díade); a= posições radiais, eixos do corpo dirigidos ao parceiro; b, c= posições lineares; d= posições divergentes; e= posições lineares divergentes; f= posições tangenciais; g= posições paralelas e anteparalelas; I= em escada; II= totalmente paralela; h, i= posições diagonais (segundo LUNDBERG, 1979) 1.2. Etograma de 2 a . ordem (etograma complexo, ectograma II): índice de frequências transitórias e sequências dos eventos comportamentais registados no etograma I. Constitui base para a análise de regularidade na relação entre fenómenos comportamentais. É sempre útil organizar as anotações de um etograma segundo determinados círculos funcionais: - Descanso e dormir; - Alimentação/predação; Comment [u6]: 2. Características Gerais do Comportamento - Defesa; - Relações sociais; - E, assim em diante. Fig. 18: Formações espaciais de mais de dois indivíduos, estruturas de grupos polarizados; a-d= formações lineares; a= linha; b= degraus; c= cunha assimétrica; e= fila; f= círculo; g= formatura frontal; h= formatura circular; i= formatura colonial; k= formatura serpenteante; segundo LUNDBERG (1979) Estes grandes círculos funcionais deixam-se subdividir em outros menores. Relações sociais, por exemplo: agressão, sexualidade, relações pais-filhotes, demarcação de território, dominância e subordinação, etc. A experiência do investigador principal joga um papel importante. Neste passo, importa salientar a importância do caderno de laboratório e/ou de campo. Este, deve ser construído, estruturado e organizado para prevenir qualquer eventualidade no terreno, do ponto de vista de registo. 2.2 Vectores do Comportamento 237 237 Fig. 19: Possíveis sistemas de referência para registo espacial de determinados comportamentos; a= posição de testas em relação aos eixos dos corpos; b= posição de testas em relação substrato; c= posição de testas em relação ao parceiro de briga (Tembrock, 1993) 2. Onde? A resposta está no topograma, que por analogia ao etograma podemos classificar em topograma I e II; 3. Quando? A resposta está no cronograma, que por analogia ao etograma podemos efectuar cronogramas de I e de II. ordens. Da análise de padrões de tempo biológico originou-se a chamada Cronobiologia. A questão é a indicação do momento (fase) de ocorrência do 2. Características Gerais do Comportamento comportamento, a sua duração, sua regularidade e o padrão de decurso (monofásico, bifásico, trifásico, polifásico, etc); 4. Estas três formas de protocolo podem ser combinadas num etotopocronograma. Aliás, é mais frequente não se realizarem protocolos meramente destinados a responder à estas questões de modo isolado. A mudança de paradigma de que se falou antes ocorreu ainda no limiar da década sessenta, sobretudo com NICO TINBERGEN (ANO), quando, para além daquelas questões, se questionou acerca do porque do comportamento das gaivotas Larus ridibundus. TINBERGEN afirmava a propósito que na Biologia existiam várias formas de responder à questão “porquê” de um comportamento. Se, por exemplo, nos fosse colocada a pergunta, porque é que a ave cantora Sturnus vulgaris” canta na primavera, poderíamos certamente dar muitas respostas diferentes, eis a seguir as mais importantes do ponto de vista da Biologia do Comportamento. 5. Porquê (é que a ave canta)? Esta questão pode ser considerada como sendo a de descrição funcional do comportamento. A resposta à esta questão ocorre a dois níveis, nomeadamente: 5.1. No tocante ao valor de sobrevivência ou função do comportamento de cantar, elas cantam na primavera para atrair parceiros sexuais: nível funcional estrito. São as 2.2 Vectores do Comportamento 239 239 últimas causas para o comportamento, “ultimate factors”, que resultam da evolução filogenéticano seu relacionamento com o fitness do ecológico, reprodutivo e individual; 5.2. No concernente ao impulso ou mecanismo de liberação do comportamento, teríamos as seguintes análises a fazer: i) O fotoperíodo crescente na primavera estimula mudanças ao nível hormonal e fisiológico no geral. Como pode depreender-se, trata-se aqui de abarcar os mecanismos internos de indução de comportamentos: motivações, emoções, limiar de excitação, etc.; ii) Ou uma corrente de ar que passa pelo órgão fonador coloca as membranas em vibrações que provocam o sons. Estas respostas referem-se às causas internas e externas para o canto da ave. 6. Como (é que a ave canta)? Com esta questão procura-se fazer uma análise de comportamentos complexos orientados à uma finalidade, por exemplo, como é que o animal encontra a presa? Uma resposta coerente é aquela que foi dada por TEMBROCK (1986). No dizer deste autor, a resposta abarca dois níveis diferentes, que são: Comment [u7]: internet 2. Características Gerais do Comportamento 6.1. Nível do fenómeno, nível fenomenológico (nível empírico): com ou sem meios auxiliares de observação, o comportamento deve ser descrito com maior exactidão possivel, até que o objectivo do comportamento tenha sido atingido, i.e., o objecto funcional tenha sido alcançado, mesmo que o comportamento consumatório não tenha sido executado; 6.2. Nível de causalidade, descreve as bases fisiológicas da necessidade de se alimentar, por exemplo, da procura do objecto funcional (receptores) e do movimento (Fisiologia muscular, mecânica, etc.). Numa investigação do comportamento, maior atenção vai para a relação que se estabelece entre o motor e o sensório, pois ela difere e altera-se nas diferentes fases de realização de um comportamento, neste caso, motivado. Esta questão é descrita com mais detalhes mais em diante. Ainda na resposta à questão do porquê de um determinado comportamento, existe outro tipo de níveis de análise que poderão ser feitas. Trata-se da análise concernente ao desenvolvimento do comportamento. Ao nível do desenvolvimento ontogenético, pode-se dizer que a ave canta porque aprendeu dos seus progenitores e de outras aves da mesma espécie. É uma aprendizagem que se constrói na base do hereditário. Assim, ela vai aprender a construir estrofes típicas da espécie ou subespécie. Não falaremos, neste capítulo, de processos de 2.2 Vectores do Comportamento 241 241 aprendizagem, nem mesmo da hereditariedade de comportamento e/ou de suas bases genéticas, deixando este assunto para um capítulo apropriado. No tocante à história filogenética: a resposta aqui refere-se ao desenvolvimento filogenético do canto da ave, que vem dos seus ancestrais. O canto de aves primitivas recentes (na mesma linha evolutiva) é constituído por estrofes mais simples. 1.3.4. Tipos de objectos de investigação Uma das tarefas centrais da Biologia do Comportamento é procurar compreender o comportamento como resultado de uma adaptação do organismo intacto no seu meio natural. A questão referente a como é na Biologia do Comportamento indissociável à questão sobre o porquê, i.e. à questão relativa ao valor biológico do comportamento. Só depois de ter entendido o valor da selecção de um determinado modo de comportamento, é que se tornará compreensivel, porque é que o programa genético, sobre o qual tal comportamento assenta, terá evoluído. A base fundamental para um trabalho etológico 6 com sucesso é um conhecimento profundo sobre o material animal como que se pretende trabalhar. Quando se trabalha com animais biossociais a complexidade 6 O termo etológico será usado no mesmo sentido de Biologia do Comportamento. 2. Características Gerais do Comportamento aumenta, pois será necessário um trabalho aturado de vários anos. Isto é mais válido sobretudo para vertebrados biossociais. Mesmo tratando-se de animais sob tecto humano, será preciso ter conhecimentos profundos sobre seus comportamentos no meio natural em que a espécie evoluiu. Daí a razão porque é que o etólogo principia o seu trabalho, primeiro, na natureza livre e, só depois, passa para o laboratório ou outras condições experimentais criadas pelo Homem. Assim, o trabalho laboratorial e de campo complementam-se mutuamente. Conforme afirmou-se antes, a inclusão deste tipo de análises (aqui reflectidas pelas seis questões), resultou de um desenvolvimento paradigmático, através do qual foi-se ultrapassando o nível de análise imposto pela Etologia clássica. O mesmo sucede relativamente ao modo de tratamento do objecto de análises biocomportamentais: o animal que se pode ter na investigação. Na Biologia do Comportamento distinguem-se três diferentes objectos de investigação, sejam eles o indivíduo em si, grupo de indivíduos da mesma espécie ou de espécies diferentes, ou ainda uma população. Nos temos: 1. Objectos laboratoriais naturais, quanto à sua origem, no meio antropogénico, quanto ao local de observação, ex. leão trazido da natureza para a jaula; 2.2 Vectores do Comportamento 243 243 2. Objectos laboratoriais antropogénicos, quanto à origem, no meio antropogénico, quanto ao local de observação, ex. rato de laboratório, hamtster; 3. Objectos naturais, quanto à origem, na natureza livre, quanto ao local de observação, ex. leão na selva. Esta classificação está demasiadamente simplificada se tomarmos em consideração a crescente complexidade de questões que se colocam à Biologia do Comportamento, sobretudo no contexto de produção animal. O mesmo acontece com a transferência de uma espécie de um habitat para o outro. Mesmo assim, esta classificação serve de base de orientação para a iniciação na área. O que acontece é que em cada um dos casos (classes), o animal sujeitou-se ao longo da ontogénese à determinadas condições ambientais, as quais podem influenciar grandemente o comportamento e, consequentemente, falsear ou mascarar os nossos resultados. O investigador dificilmente saberá determinar com exactidão que influências o animal terá sofrido antes de o ter para as pesquisas, quer sejam estas no âmbito ontogenético, quer sejam elas de orientação filogenética. 1.3.5. Métodos de investigação sobre adaptações do comportamento O método básico para análise da adaptação do comportamento consiste na investigação comparativa de espécies. Através de comparação de espécies de parentesco próximo mas com diferentes nichos ecológicos, 2. Características Gerais do Comportamento torna-se claro o que é que existe como adaptação especial à determinadas condições de vida de uma espécie e o que é generalizável, i.e., o que é que faz parte do princípio de organização do comportamento de um grande grupo de animais. No capítulo destinado à Etoecologia veremos exemplos práticos sobre esta matéria. De resto, é tarefa da Etoecologia estudar o valor adaptativo do comportamento. O pioneiro nesta matéria foi, sem dúvida, KONRAD LORENZ nos anos 30 com trabalhos pelos quais ele e KARL von FRISCH receberam em 1973 o Prémio Nobel para Fisiologia e Medicina. LORENZ mantinha seus animais sob condições, mais ou menos, naturais. Esta matéria é tratada com mais detalhes no capítulo sobre a Etoecologia. 2.2 Vectores do Comportamento 245 245 Pontos de discussão 1. Um dos aspectos centrais da Biologia do Comportamento consiste em compreender o comportamento como a capacidade adaptativa do organismo intacto ao ambiente natural. Esta adaptação tanto refere-se à filogénese, como também à ontogénese. 2. A investigação analítica causal de um comportamento específico e a investigação comparada do comportamento têm, em princípio, dois pontos de partida: a) Apresentaçãodescritiva (Etomorfologia) e b) Investigação experimental (Etofisiologia). 3. Desenvolve uma filmagem de um determinado comportamento motivado e elabore uma análise de sequências de elementos comportamentais envolvidos, justificando a razão biológica e evolutiva dessa sequência. No seu estudo, envolva todas as 6 questões da Biologia do Comportamento. 4. O conceito de nicho ecológico é também aplicável para o caso da evolução tradigenética do Homem. Desenvolve este tema. __________________________________________________ 2. Características Gerais do Comportamento Capítulo 2 Característica Gerais do Comportamento 2.1 Relações Gerais entre Comportamento e Ambiente 2.2 Vectores do Comportamento 247 247 Na história das ciências o conceito ambiente foi mais precisado pela Ecologia. Esta, entende por ambiente (s.l.) todas influências energéticas e materiais que recaem sobre o ser vivo. Dentro de um ambiente apenas o ambiente eficiente é que vai influenciar o organismo. Nós podemos substituir o termo eficiente por eficaz já que se trata da parte do ambiente que é capaz de produzir efeito no organismo, tabém podemos designá-lo com ambiente directo). O ambiente total é objectivo, i.e., existe independente dos sujeitos concretos (organismos). Enquanto isto, o ambiente directo influencia-se reciprocamente com o organismo e os factores actuantes são mais ou menos conhecidos: trata-se do ambiente do indivíduo. Assim, uma mosca e um sapo possuem ambientes diferentes, mesmo que habitem o mesmo biótipo. Dizendo isto por outras palavras, pode-se afirmar que os diferentes ambientes resultam das diferenças na percepção dos organismos relativamente aos factores que actuam sobre os mesmos. Uma cobra, por exemplo, consegue detectar gradientes de temperatura extremamente baixos do que o sapo, o que lhe permite capturar o sapo como presa. Uma vez que o sapo está desprovido desta capacidade sensorial, ele não possui o mesmo ambiente da cobra. Em outras palavras, os dois organismos ocupam nichos ecológicos diferentes. A 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 20: Tipos de ambiente, suas componentes e suas formas de interacção com organismos (TEMBROCK, 1993) Uma outra classificação do ambiente do organismo toca os chamados ambiete actual e ambiente latente, uma classificação baseada na modalidade de tempo. No primeiro caso, trata-se do ambiente que influi sobre o organismo num dado momento ou periodo de tempo. Contrariamente a este, o latente pode actuar em tempo indeterminado (casual). A acrescer a isto, está o facto de que os próprios organismos sujeitam-se à mudanças internas de tempos em tempos, facto que faz com Troca de informações valor-obrigatório Extero- ceptores Componentes estruturais Ambiente informativo Ambiente não informativo Organismo Componentes energéticas Componentes metabólicas Enteroceptores E fe c to re s Metabolismo Grandezas orientadoras Regulador 2.2 Vectores do Comportamento 249 249 que eles mesmos alterem o espectro ambiental que actua sobre eles: um filhote no ninho sujeita-se à outros factores diferentes dos do adulto com capacidade de voar; Do mesmo modo, o girino subordina-se à outras condições ambientais do que a rã adulta. Ora, isto justifica igualmente a evolução ontogenética do comportamento, em que muitas vezes chega-se a aupressão total dos comportamentos observados na fase juvenil. Tratando-se, de facto, de comportamentos inatos, o organismo demonstra-os certamente na fase juvenil, mas executa-os de modo incerto e incipiente (Fig. 21). Segundo a figura mostra, o adulto de...... mata o rato através de uma mordedura no percoço (esquerda), o juvenil inexperiente morde o tronco da presa. Trata-se de uma forma diferente de interagir de dois organismos da mesma espécie com a sua presa, diferendo esta, porém devido a processos ontogenéticos ligados à aprendizagem, no sentido de aperfeiçoamento do hereditário. Tentativas de classificação do ambiente foram várias ao longo do desenvolvimento da Ecologia. SCHWERDTFEGER e TEMBROCK, 1996) diferenciam entre: - Ambiente mínimo: no sentido de nicho ecológico de ELTON (1927), factores ambientais indispensáveis à vida; - Ambiente psicológico (ambiente perceptível): aquela parte do ambiente que é perceptível aos órgãos dos sentidos, também chamado de ambiente próprio; 2. Características Gerais do Comportamento - Ambiente fisiológico: constituido por todos factores que agem sobre processos fisiológicos; - Ambiente ecológico: complexo de todas influências ambientais directa ou indirectamente mensuráveis, geralmente caracterizado pelo biótopo e sua biocenose; - Ambiente cósmico: relaciona-se com as influências cósmicas sobre o organismo. Certamente, o leitor está a confrontar-se com um problema de duplo sentido. De um lado, é que para o organismo e suas actividades (incl. comportamentos) esta classificação não faz sentido; Por outro lado, o leitor procura em vão, mesmo do ponto de vista biológico, entender a razão de cada uma das classificações. Até tem razão. A explanação detalhada só faz sentido do ponto de vista de aprendizagem da ciência biológica: saber o que se passa no concreto na relação organismo- Fig. 21: Comportamento de captura de presa de Mauswiesel adulto (esquerda) e junil (direita), ilustrando as diferenças comportamentais resultantes da ontogénese; o juvenil morde qualquer região, enquanto o adulto morde e mata segundo os padrões específicos. 2.2 Vectores do Comportamento 251 251 ambiente. Biologicamente, o organismo tem apenas é que ser capaz de se orientar no tempo e no espaço se quer realizar com sucesso o seu fitness global (do Ing., inclusive fitness). Para que a relação organismo-ambiente exista, é preciso que o organismo tenha capacidade de ligar-se com ele. Nesta base, nós partimos do pressuposto de que existem basicamente duas formas de relacionamento do organismo com o seu ambiente: - Relação material-energética, que também pode chamar-se ligação não informativa, já que ela segue suas regras e princípios que são independentes dos exterorreceptores, mas com um controle por eles. É a ligação com o ambiente que estabelece a troca de materiais do organismo. O outro termo usual é conexão; - Relação informativa, uma ligação que se desenrola sobre os exterorreceptores e é parte integrante do processo de troca de informações. Por outras palavras pode sumarizar-se pelo conceito informação. Em curtas palavras, conexão refere-se à trocas materiais e energéticas e informação está para o fluxo recíproco de informações entre o organismo e o ambiente. Deste modo, descrevemos já a troca energético- material e informativa entre o organismo e o ambiente. 2. Características Gerais do Comportamento Em Biologia do Comportamento é importante estabelecer diferenciação dos ambientes que, do ponto de vista do comportamento, são relevantes: 1. Ambiente não informativo: influências ambientais materiais (conectivas) como pressuposto para a troca energético-material do organismo; 2. Ambiente informativo: influências ambientais informativas como pressuposto para a troca de informações e para a estrutura interactiva organismo-ambiente a ela relacionada. Fig. 22: Ambiente próprio, limpeza corpórea de um Chimpanzé juvenil (Foto de CHRIS & STUART, 2000) O ambiente informativo pode ainda diferencia-se em três outros sistemas referenciais, nomeadamente: 1. Ambiente próprio: determinado pelas propriedades do próprio corpo do indivíduo, i.e., toca a constituição, as estruturas e funções individuais. Estas propriedades podem ser tanto objectivo do comportamento, como também fonte de informações, como acontece no comportamento de limpeza do corpo e de coçar. O que é determinanteé o 2.2 Vectores do Comportamento 253 253 comportamento motor dirigido ao próprio corpo do indivíduo (Fig. 22); 2. Ambiente estranho ou externo: fonte de informação e campo objectivado pelo comportamento eferente encontram-se fora do indivíduo, donde se diferencia entre: - Ecossistema: Todas informações estão ligadas à sinais (estruturas) informativos, que só quando alcançam o receptor é que são cunhados de significado (descodificados), por exemplo, alimento, perigo, calor, frio, claro, escuro, fêmea, etc. (TEMBROCK, 1986). Os sinais provêm da biogeocenose excluindo parceiros da mesma espécie. Estas informações possibilitam uma orientação no espaço e no tempo e possibilitam, deste modo, o comportamento consumatório (exemplo, alimentação, defesa, predação, etc.). - Sistema populacional: todas informações estão ligadas a sinais comunicativos, os quais já ao nível do emissor são dotados de sentido e, por isso, compreendidos pelo receptor (parceiro da espécie, parceiro sexual, etc.). As informações podem ser emitidas sob forma de sinais constitucionais, ou ainda sob forma eferente (a maioria). Deste último grupo são exemplos os movimentos, secrecções, sinais electromagnéticos. Não precisam de ser necessariamente estados dinâmicos. Por exemplo, a zebras e girafas diferenciam suas crias de outras através - do padrão de listras e manchas coloridas do corpo (Fig. 23). 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 23: Sistema populacional de girafas (Girafa camelopardalis), girafa anterior na tentativa de estabelecer dominância (Foto de CHRIS e STUART, 2000) 2.2 Vectores do Comportamento 255 255 Pontos de discussão 1. Debruce-se com o conceito ambiente tendo em conta as ilustrações comportamentais da figura abaixo. 2. Aplique e explique os conceitos mais adequados que caracterizam os animais aranha e formiga-leão nas seus respectivas armadilhas (teia da aranha e funil da formiga-leão). Os conceitos são: o Ambiente o Ambiente eficiente o Ambiente directo o Ambiente total o Ambiente do indivíduo o Ambiete actual o Ambiente latente o Ambiente mínimo 2. Características Gerais do Comportamento o Ambiente psicológico o Ambiente fisiológico o Ambiente ecológico o Relação material-energética (ambiente não informativo) o Relação informativa (ambiente informativo) o Ambiente próprio o Ambiente estranho ou externo o Ecossistema 3. Encontre outro exemplo como o da figura abaixo para a variabilidade de elementos comportamentais baseada na capacidade ontogenética do indivíduo. 2.2 Vectores do Comportamento 257 257 2.2 Vectores do comportamento 2. Características Gerais do Comportamento No comportamento como um processo de troca de informações nós distinguimos, conforme já se fez referência, três momentos diferentes: (1) a entrada ou recepção de estímulos, (2) o processamento de estímulos e (3) a resposta ou reacção do organismo aos estímulos que recai sobre o ambiente, este ambiente pode ser o próprio corpo do organismo. Isto é válido mesmo que se trate do chamado comportamento motivado. Numa descrição de modelo diríamos imput para a recepção e output para a saida de informações que vão recair sobre o ambiente. Também são empregues designações tais como 1) vector de entrada ou comportamento de entrada e vector de saída ou comportamento de saída. O nível de processamento de informações constitui o que se chama de vector do estado interno ou comportamento de estado interno do organismo. Em seguida descrevem-se os três níveis de modo pormenorizado. 1. Comportamento de entrada (Inglês, behavioural imput): resulta da recepção e pré-processamento de informações através dos extero- receptores (ou melhor exteroceptores), i.e., pelos órgãos dos sentidos, que respondem a estímulos ambientais e que no seu conjunto são denominados na Fisiologia de sistema aferente. O processo referido aqui pode ser sumarizado pelo conceito “messagem”. Isto significa que quando a informação é recebida e pré-processada forma-se uma mensagem. 2.2 Vectores do Comportamento 259 259 2. Comportamento de estado interno: uma vez recebidas as informações e pré-processadas, elas podem ser levadas a uma instância superior que as processará centralmente, comparando-as com outras anteriormente armazenadas. Aqui, falamos do comportamento de estado interno (Inglês, internal state behaviour). Resulta da interacção de formas de estado interno (status) com funções corpóreas vegetativas e autónomas. Fazem parte deste vector as motivações, as emoções, o nível de activação 7 , cuja dinâmica é determinada pelo sistema nervoso e pelo sistema hormonal. Também pertencem ao vector do estado interno capacidades cognitivas e de pensamento, que no Homem alcançaram uma nova qualidade através do domínio de pelo menos uma língua (materna). No contexto actual da realização de um comportamento, uma das funções mais importantes do vector do estado interno é certamente a transformação da mensagem em significado (Inglês, meaning). À esta transformação por que a mensagem passa liga-se também a avaliação da sua importância. Este significado e importância dependem muito do estado interno e de muitos outros factores: isto tem de ocorrer antes que o vector de saida, que é o de (re)acção, seja activado, “de contrário será a zebra a ir ter com o leão”, apenas para asseverar a importância desta avaliação. 7 ) Componente do comportamento do estado interno que reflecte a activação geral não específica do SNC através de factores internos (motivações, emoções) e externos; emprega- se também os termos vigilância, arousal. 2. Características Gerais do Comportamento 3. Comportamento de saída (Inglês, behavioural output): o seguinte vector é o que se encontra no centro das atenções da Etologia clássica, muitas vezes traduzido pelo motor, secreções glandulares, mudança de cores, descargas eléctricas, emissão de sons 8 , etc. Trata- se do vector de saída ou comportamento de saída, também conhecido. Em jeito de definição, diríamos: é o vector que resulta de processos organísmicos que recaiem sobre o ambiente. Estes processos são regulados e dirigidos a partir do vector do estado interno, i.e., pelo SNC e por instâncias humorais. Fig. 24: Esquema estrutural para ilustração das relações organismo-ambiente do ponto de vista da Biologia do Comportamento (modificado por TEMBROCK, 1987, baseado em SCHUBERT, 1984) 8 ) Por várias razões a emissão de determinados sons deve ser considerada de processo motor, ou pelo menos a ele relacionada. Secrecção Recepção de informações Nível de activação Mudança de cor Processamento de informações Descarga eléctrica Armazenamento (memória) Filtração de estímulos Aprendizagem Motivação Vector de saída Sistema nervosoExteroceptores Motor EmoçõesPercepção Vector do ambiente actual controle motor (ajustamento) dos receptores Controlo sensorial externo do motor Vector de entrada Vector de estado interno Organismo Efectores 2.2 Vectores do Comportamento 261 261 O que se apresentou até aqui reflecte o modelo trifásico do comportamento proposto por TEMBROCK (1986), conforme ilustra o esquema acima (Fig. 24). A figura seguinte exemplifica este decurso trifásico do comportamento motivado (Fig. 25), embora a figura não deixe bem clara a transição da motivação I para II. Outros comportamentos motivados que obedecem a uma sequência fixa são ilustrados pelas figuras 26 e 27. Fig. 25: Captura de presa por uma rã: orientação à presa (esquerda), fixação binocular(meio) e captura com a língua (direita); segundo EWERT, 1976 Fig. 26: Cerimónia de formaçao de pares (acasalamento) da gaivota (Larus rudibundus); segundo TINBERGEN, 1959 2. Características Gerais do Comportamento Para o funcionamento de cada vector do comportamento existem pressupostos fisiológicos, os quais sempre funcionam como um todo. Fig. 27: Sequencia de elementos de cortejamento do gúbio (Poecilia ): A= aproximaçao; F= seguir a femea; B= observar; L= atrair; S= postura sigmoidal; KV= tentativa de cópula; linhas negras contínuas lêm-se de esquerda para direita; linhas cinzentas e com pontos lêm-se de direita para esquerda; a densidade da linha indica a frequencia com que a sequencia de um elemento para o outro ocorre (segundo BAEREND et al., 1955, retirado de FRANK, 1984) A seguir detalham-se os principais aspectos relacionados com cada um dos vectores. 2.2.1 Vector de entrada Text box 4 2.2 Vectores do Comportamento 263 263 O receptor e a construção de sinais As condições ambientais conduzem a inúmeras limitações para a construção de sinais. Mesmo assim, evoluem dentro destas limitações sinais através de selecção a nível superior de eficiência sob influência do comportamento do receptor. Os receptores jogam um papel importante tanto a origem evolutiva de sinais, como também para consequente evolução conducente uma elevada eficiência. 1. Como surgem sinais Para um observador superficial os modos de comportamento de animais parecem não possuirem explicação, absurdos e estranhos. Exemplo, porquê o galo e o perú executam danças típicas que aompanham o cortejamento, ou porquê andorinhas mantêm distâncias idências nos fios telegráficos onde pousam, ou ainda porquê em quase todas culturas a menina fica corada quando é abordada pelo jovem para namoro? Um passo importante no sentido de responder a essas perguntas ocorreu quando etólogos como LORENZ e TINBERGEN reconheceram que os muitos sinais no decurso da evolução originaram-se de movimentos e reacções de des ignificado secundário do emissor que casualmente continham significado para o receptor. A selecção beneficiou aqueles receptores que estavam em condições de reconhecer mais cedo o comportamento do emissor, reagindo a simples movimentos do emissor que prediziam o advento de comportamentos posteriores mais importantes provenientes do seu emissor. Nós somos capazes de prever o perigo proveniente de uma canino já a partir de outras reacções que, na verdade, não se relacionam (pelo menos não de modo directo) com a própria agressão que se lhes segue. Então, o que a selecção natural beneficiou, foi a evolução da percepção de sinais que precedem o próprio comportamento de agressão, tornando-os, por assim dizer, parte de todo o repertório do comportamento de agressão. Os movimentos que predizem a ocorrência de um comportamento motivado passaram a constituir moviemntos ou comportamentos intencionais, os quais pararam por ai, no estágio de intenção, mas com função informativa (Fig. 28 e 29): Fonte principal: Krebs & Davies (1996), Verhaltensökologie 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 28: O macho de Ptilonorhynchus violaceus corteja e atrai a fêmea posicionando-se na toca que produziu e exibindo objectos (difere de outras aves que atraiem através de estruturas corpóreas; segundo BONNER (1983) 2.2 Vectores do Comportamento 265 265 Fig. 29: Exemplos de comportamentos e outras reacções que originaram outros comportamentos ritualizados (segundo HINDE, 1970) Disse-se atrás que a principal actividade (que é ao mesmo tempo capacidade) deste vector (de entrada) consiste na recepção e pré- processamento de informações provenientes do meio ambiente. Esta actividade (capacidade) é assegurada pela relação funcional vectorial que se estabelece entre (Fig. 30): 2. Características Gerais do Comportamento Estímulo ambiental Estímulo sensorial Excitação Integração no SNC Fig. 30: Esquema geral do percurso da informação até ao SNC (excluído o sistema efector) Esta última instância influência também a recepção de informação, mais ou menos no sentido: o que, como deve ser visto, ouvido, cheirado, etc. Tal influência refere-se a: Disponibilidade de cada tipo de receptor; Propriedade de actividade de cada tipo de receptor envolvido; Propriedade da actividade do sistema nervoso; Status interno (tipo de comportamento de estado interno); Na Fisiologia, o resultado deste processo é descrito pelo conceito “percepção”. Os fenómenos fisiológicos relacionados com as propriedades dos receptores e que podem influenciar a sua função, modificando a sua sensividade, são os seguintes: Habituação; Sensibilização; Adaptação; Fadiga aferente. 2.2 Vectores do Comportamento 267 267 Estes conceitos não serão tratados no âmbito deste livro. Existindo interesse e necessidade de seu aprofundamento, o leitor deverá consultar livros especializados de Fisiologia Sensorial . Pode-se adiantar, porém, que trabalhos laboratoriais para a análise destes fenómenos baseam-se em trabalhos com estímulos artificiais, muitas vezes de dimensões exageradas relativamente ao seu estado natural, são os chamados estímulos supranormais (Fig. 31 ). Fig. 31: Ostraceiro-preto-africano (Haematopus moquini 9 ) prefere incubar (a) um conjunto de cinco ovos supranormais, em vez de seus três ovos normais e (b) prefere um ovo supranormal do que o su próprio ovo (menor a direita, com seta) e o da gaivota (esquerda) 9 Existe em Moçambique ao longo da costa Sul-Africana, alimenta-se demoluscos, anelídeos e crustáceos. O nome refere-se à alimentação à base de ostras. 2. Características Gerais do Comportamento Uma das grandes descobertas da Fisiologia Sensorial e da Biologia do Comportamento foi a de estímulos-chaves ou estímulos-sinais (Inglês, key stimulus, sign stimulus ) e dos mecanismos que, uma vez o estímulo presente, actuam na liberação de reacções e/ou comportamentos (Fig. 32). Estes mecanismos envolvidos na liberação de comportamentos são chamados de mecanismos liberadores (Inglês, releasing mechanismos), os quais podem ser inatos (MLI) ou adquiridos (MLA). Mais tarde eles são analisados com maior detalhe. Fig. 32: Experiências com modelos imitando bicos de gaivota cor-de-prata (Larus argentatus) para testar o efeito do padrão de desenho (cor e contraste) do bico sobre o comportamento de pedir alimento dos pintos; mudança de contraste correlaciona-se positivamente com o comportamento da ninhada 2.2 Vectores do Comportamento 269 269 Estímulo (Inglês, stimulus) define-se, de modo geral, como sendo o estado energético ou mudança de estado no ambiente ou no organismo que conduz ou leva à excitação ao nível do receptor, ou então ele vai modular uma excitação já existente. De acordo com a forma de energia, os estímulos podem ser classificados em estímulos mecânicos, térmicos, químicos, ópticos, acústicos, eléctricos e magnéticos. Para que a excitação seja produzida, será necessário que o estímulo esteja dotado de energia mínima, o que traduz o “princípio de tudo ou nada” da Fisiologia, sendo este limiar energético menor para estímulos adequados e maior para os inadequados. À estímulos inadequados os receptores não reagem, ou então fazem-no quando demonstram elevada intensidade. Mais em diante explicam-se os mecanismos de filtração de estímulos provenientes do ambiente, já que o organismo precisa de separar do que é útil o inútil. Estímulo-chave representa uma combinação de diferentes estímulos ambientais, que de modo inato, i.e., sem intervenção da experiência individual, libera e direcciona uma acção instintiva(mecanismo liberador inato). A designação “chave” deve-se à comparação que se faz dos ajustamentos entre (1) estímulo e acção instintiva liberada e (2) fechadura e chave, mais ou menos no sentido de que a cada fechadura ajusta-se apenas uma chave, de igual modo que a cada acção se ajusta um 2. Características Gerais do Comportamento estímulo. Esta descoberta remota dos tempos de J. v. UEXKUELL 10 (in: TEMBROCK, 1963). Estímulos-chave são maioritariamente características simples. Por exemplo, não raras vezes parasitas orientam-se segundo o cheiro do seu hospedeiro. Em muita literatura o conceito de estímulo- chave é substituído pelo termo estímulo-sinal, tendo ambos os conceitos o mesmo significado. Nas experiências da Biologia do Comportamento e da Etologia clássica, usam-se objectos simulados, sobretudo com exacerbação de determinadas características. Nas machambas tradicionais, em muitos povos, os camponeses usam-nos como espantalhos para afugentar animais que comem culturas. Na pesquisa sobre hospitalismo derivado de uma deprivação social, investigadores usam muito este tipo objectos (Fig. 33). 10 ) Originalmente escreve-se Uexküll. 2.2 Vectores do Comportamento 271 271 Fig. 33: Primeiros sinais de estado de deprivação social num macaco-Rhesus criado sem mãe. O animal agarra-se ao modelo que representa mãe (indivíduo de referência); veja-se a postura do corpo encolhido (segundo HARLOW, 1958) Muitas vezes participam na liberação de acções instintivas e de comportamentos complexos não apenas estímulos isolados, mas sim uma combinação destes, que na linguagem etológica chama-se constelação de 2. Características Gerais do Comportamento estímulos. É preciso notar que não se trata aqui do termo somação de estímulos 11 , um conceito facilmente confundível com o outro. Na somação de estímulos temos um efeito aditivo de estímulos (mais ou menos no sentido de reforço), enquanto que na constelação temos uma acção simultânea combinada de vários estímulos de natureza diversa, mais ou menos o que é representado pelas silhuetas das cabeças de adulto e de bebé: o que nos leva a aceitar o esquema de cabeça como sendo de bebé não é apenas a testa proeminete avançada para frente (ver Figura sobre esquema de bebé). Nele pode-se ver que na comparação entre o bebé e o adulto, existem determinadas características da cabeça que devem variar para que este seja aceite ou como bebé ou como adulto. Uma experiência que pode ser facilmente montada nas aulas de Biologia do Comportamento. O esquema-de-bebé representa o conjunto de todos estímulos-chaves (- sinais) do bebé humano que são emocionalmente muito eficazes e liberam no adulto, mesmo que estranho, determinados comportamentos, tais como: sorriso, inclinação afectiva, acompanhamento, cuidados-com- a-prole, etc. Em adultos femininos as características consteladas nele podem ainda influenciar o nível hormonal e comportamentos relacionados como a vontade de ter bebé, dependendo da pré-sidposição genética. 11 ) Da Fisiologia Sensorial , com largo emprego na Etologia Experimental para avaliação da acção de determinados estímulos e da responsividade dos órgãos sensoriais. 2.2 Vectores do Comportamento 273 273 O esquema-de-bebé foi, desde há muito, explorado comercialmente pela sociedade para o fabrico de bonecas. O que se disse relativamente ao esquema de bebé funciona na base de um mecanismo liberador inato. Um mecanismo liberador inato corresponde a um sistema de filtração e armazenamento fixo no genoma e que responde à determinado estímulo- chave de modo específico sem intervenção da experiência. Por outras palavras, o estímulo é relacionado à uma determinada reacção independentemente da experiência do indivíduo (neste sentido, esperiência é o mesmo que aprendizagem). Se os estímulos liberadores devem ser aprendidos, então está-se perante um mecanismo liberador adquirido (MLA). Muitas vezes acontece que ambos os mecabnismos (inato e adquirido) são combinados para liberação de uma reacção (o mesmo que comportamento), então fala-se de mecanismo liberador inato e adquirido (MLIA). Para animais vertebrados este princípio parece ser o mais aplicável. Quanto ao funcionamento dos mecanismos liberadores sabe-se muito pouco. Investigações realizadas a este respeito relacionam-se mais com processos fisiológicos ligados a receptores ópticos. Sabe-se, assim, que tais mecanismos referem-se mais à filtração de estímulos. Eles consistem em mecanismos detectores de estímulos ópticos, e constituem pressuposto para liberação de comportamentos específicos. 2. Características Gerais do Comportamento Determinados padrões visuais invariáveis são reconhecidos já a este nível e o organismo reage a eles. Os padrões visuais aqui referidos podem ser, por sua vez, classificados em i) mudança de intensidade de luz, ii) movimentos de objectos e iii) diferenças de direcções de movimentos e mais. O animal precisa desta combinação de funções para a tomada de decisão: aproximar ou afastar-se do objecto. 2.2.2 Vector do estado interno: O vector do estado interno processa e armazena informações. Ele dispõe ainda de um reservatório de informações baseadas nas condições genéticas de cada espécie, é a chamada memória filogenética que no fundo condiciona as chamadas reacções instintivas. Biologicamente, ele comporta as seguintes componentes importantes: i) Sistema nervoso, por vezes dividido em central e vegetaivo, ii) Sistemas neuro-secretor e humoral com vasos sanguíneos a intermediarem como meio, iii) Unidades autónomas de regulação do funcionamento de aparelhos e órgãos internos vitais (actividade respiratória, actividade cardíaca, etc.). Sob o ponto de vista biocomportamental, os conceitos mais relevantes relacionados com as propriedades e capacidades deste vector são: 2.2 Vectores do Comportamento 275 275 motivações (impulsos, predisposições para comportamento), emoções, vigilância ou nível de activação (Inglês, arousal), estado motor que pode ser activo ou dinâmico e inactivo ou estático. Em seguida vão alguns detalhes importantes sobre o funcionamento do vector do estado interno em relação aos outros dois (de entrada e de saida). O vector do estado interno pode apresentar-se sob três fromas básicas entre si diferentes, mas que espelham uma linha evolutiva. 2.2.2.1 Comportamento de estado interno induzido As informações que chegam provenientes do vector de entrada induzem a um determinado estado interno que, depois, é traduzido em comportamentos de saída. Numa formulação mais simples: o comportamento externo é ditado tão sòmente pelo vector de entrada (Fig. 34a). A presença de um predador libera fuga em qualquer presa. Este é, por assim dizer, um exemplo muito clássico. Mas a apetência para predação pode associar-se a vários outros factores, o que nos leva a não incluir este comportamento dentro desta categoria de comportamento de estado interno. A apetência entra na segunda categoria. 2. Características Gerais do Comportamento 2.2.2.2 Comportamento de estado interno integrado Na determinação do comportamento de saída participam de igual modo o vector de entrada e o status interno do organismo. Fig. 34a-c: Formas elementares do vector de estado interno apresentados na sequência de sua maturação no Chimpanzé; X, vector de entrada; Z, vector de saida e Y, vector do estado interno; a: reacção à luz esporâdica; b: o animal pesquisa parte do ambiente e existe impulso interno para tal; c: agressão; segundo TEMBROCK (1986). 2.2 Vectores do Comportamento 277 277 2.2.2.4 Comportamento de estado interno livreSozinho o status interno do organismo determina o comportamento de saída. Fazem parte desta categoria todos comportamentos espontâneos, de motivação interna, como a agressão (Fig. ....c),. A seguir, apresentam-se algumas especificidades do vector do estado interno. 2.3. Motivação e relacionamento recíproco entre motivações A motivação (Inglês, motivation, mood) é também designada por prontidão de acção ou predisposição para o comportamento e realiza-se na base de um padrão específico para cada espécie. Tal padrão, por sua vez, possui uma determinada função, que é o garante da execução consumatória de um comportamento motivado. Os critérios essenciais para caracterizar uma motivação são vários, dentre estes, destacam-se: 2. Características Gerais do Comportamento 1. Flutuações na prontidão de acção; 2. Espontaneidade do comportamento; 3. Organização temporal e 4. Qualidade específica do padrão motor, que resulta da combinação entre a base genética e a experiência individual durante a ontogénese e actualgénese. A prontidão para a execução de um comportamento influência sistematicamente o vector de entrada e, com ele, a recepção e filtração de informações. Na teoria de satisfação (Inglês, satisfation theory) diz-se, por exemplo, que o nível de satisfação anterior influencia a motivação de um predador em relação à caça que vai efectuar em seguida. A formiga-leão (Euroleon nostras) usa de modo diferente a presa de acordo com o nível de extracção de alimento da presa anterior, maioritariamente insectos. Também o tempo de manipulação da presa (Inglês, handling time), ou o número de presas capturadas por unidade de tempo diferem de acordo com o nível de satisfação anterior (PIRES, 2000). Por outro lado, a prontidão de acção é influênciada por vários factores, dentre eles, os estímulos-chaves, as hormonas, os ciclos endógenos, o estado de maturação do sistema, a idade, os eventos comportamentais anteriores, etc. 2.2 Vectores do Comportamento 279 279 Muitas vezes o animal subordina-se simultâneamente tanto à diferentes motivações, como aos respectivos mecanismos liberadores. Trata-se aqui de relações recíprocas que se estabelecem entre as diferentes motivações. Estas relações recíprocas asseguram uma ocorrência de modos de comportamento ordenada e adaptada às exigências biológicas da espécie, ao mesmo tempo que impedem um estado caótico de modos de comportamento não ajustados entre si. No caso mais simples, diferentes motivações podem ocorrer lado a lado e expressarem-se simultâneamente. Por exemplo, em aves as actividades de construção de ninho e de incubação podem sobrepor-se: o animal em incubação pode realizar elementos do comportamento de construção de ninho. Mesmo em comportamentos ritualizados é possivel observar uma sobreposição (no tempo) de elementos de diferentes comportamentos: elementos dos comportamentos de briga e de fuga podem sobrepor-se. A Fig. ilustra sobreposição de luta e bicar o chão no galo à esquerda. Fig. 35: Comportamento de bicar o chão de um galo em briga (motivações simultâncias, seta indica o galo em causa); segundo TINBERGEN, 1952. 2. Características Gerais do Comportamento O que acontece na maior parte dos casos, porém, é que, diferentes motivações não podem ocorrer em simultâneo. Existem diferentes possibilidades de solucionar-se tais situações de conflito entre as motivações. Muitas vezes as actividades alternam-se, quando as respectivas motivações e seus estímulos externos actuam em simultâneo. Machos da espécie Xiphophorus helleri (peixes da família Poeciliidae) podem, por exemplo, numa alternância rápida e irregular cortejar a fêmea e ameaçar ou atacar machos rivais. Certos machos de pássaros podem também alternar as actividades de aproximação e fuga da fêma durante o período de corte, até que por parte da fêmea exista uma supratendência para a cópula. Maioritariamente, as predisposições para acções diferentes inibem-se mutuamente, conforme explica-se mais em diante. Deste modo, cada uma delas alcança prioridade diferente e as actividades à elas subordinadas não coincidem no tempo. No final de cada uma das motivações, i.e., após o comportamento consumatório activa-se a que seguidamente tiver a maior intensidade possível. A prontidão para briga, por exemplo, pode ser inibida pela aproximação de um predador. Do mesmo modo, a prontidão para a cópula pode ser acentuada pela presença de um outro macho nas proximidades do campo de arena de corte. Os chamados machos satélites, por exemplo, aproveitam a situação de o macho 2.2 Vectores do Comportamento 281 281 dominante ter que copular a fêmea e, ao mesmo tempo, defender o território ou expulsar o macho intruso. Neste contexto, importa referir o que na Biologia do Comportamento foi baptizado por inibição incompleta e que refere-se a modos de comportamento que ocorrem com pouca frequência ou em diminuída intensidade. Modos de comportamento com graus de intensidade inferiores chamam-se de movimentos intencionais. O animal insinua, por assim dizer, a execução do comportamento, ele demostra intenção de realizar um movimento, um acto consumatório. Este tipo de situações comportamentais só pode ser reconhecido por observadores de comportamentos animais muito experientes. Cães demonstram no “jogo de briga” um “morder inibido”, que pode ser denominado de intenção de morder, mas que na realidade não chega a concretizar-se. Movimentos intencionais foram ritualizados ao longo da evolução a partir de comportamentos consumatórios (do comportamento de morder, por exemplo). É assim que o comportamento de ameaça do lobo com a boca aberta, poderá ter-se originado da intenção de morder (Fig. 36). 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 36: O lobo abre a boca na ameaça como movimento intencional de agressão e mostra ao parceiro de luta dentes com predominância canina (de ZIMEN, 1976) Em situações conflituosas ocorrem tipicamente modos de comportamento irrelevantes ou deslocados relativamente à motivação principal, por isso designados de comportamentos deslocados. Galos podem, de quando em vez, interromper a briga para executarem movimentos incompletos de bicar (Fig. 35), mesmo que não exista alimento no local. Aves cantoras limpam as penas numa situação de conflito sexual ou de agressão. Andorinhas marinhas exibem comportamento de construção de ninho, quando um membro macho da espécie se lhe aproxima. Em todas culturas humanas, a rapariga tende a brincar com a ponta de uma peça do vestuário, ou a mordiscar as unhas ao ser conquistada. Tal como nos comportamentos de intenção, trata-se aqui também de comportamentos ritualizados. 2.2 Vectores do Comportamento 283 283 Fig. 37: Diferentes níveis de intensidade de exigência de cópula da fêmea de pardal (extraido de HINDE: Animal Behaviour, modificado por FRANCK, 1984) Andorinhas marinhas demonstram diferentes comportamentos deslocados quando alertadas para o perigo, no momento em que cuidam da ninhada. Elas levantam voo, tendem a descer e, ao mesmo tempo, exibem uma limpeza deslocada da penugem. Trata-se de um comportamento deslocado situado entre a prontidão para fuga e os cuidados-com-a-prole. Parece estabelecer-se um equilíbrio efectivo entre a motivação para a fuga e a motivação para continuar a cuidar da 2. Características Gerais do Comportamento ninhada, todas elas em níveis baixos. As figuras seguintes (Fig. 38 e 39) referem-se a este tipo de situações comportamentais. Fig. 38: Comportamento agressivo reorientado para objectos não funcional, a palha, numa situaçao de briga de gaivotas(Larus rudibundus), segundo TINBERGEN (1951) 2.2 Vectores do Comportamento 285 285 Fig. 39: Sobreposição de elementos de movimento de agressão e de fuga na mímica de ameaça do cão doméstico (segundo LORENZ, in FRANK, 1985). Qualquer que seja a posição assumida relativamente às hipóteses que sustentam a evolução de comportamentos deslocados, intencionais, reorientados, etc., é preciso ter em conta que no conceito comportamento deslocado trata-se certamente de diferentes fenómenos, por erro metidos num único saco. Uma das principais razões para toda a confusão, reside no facto de que tanto nos comportamentos normais, quanto nos deslocados ocorrem acções no decurso dos movimentos que não deixam 2. Características Gerais do Comportamento bem claro de que tipo de comportamento se trata, ou sobre que motivação assentam. Como pode depreender-se, tanto para estas como para outras formas de comportamentos, as fronteiras classificativas não têm sido muito claras. Tem-se dito, por exemplo, que existem comportamentos com motivação ambivalente, i.e., comportamentos que se baseam simultâneamente em duas motivações opostas. O comportamento de ameaça pode ser considerado como exemplo deste tipo de comportamentos: a ameaça situa-se exactamente entre a fuga e a agressão, que, por seu turno, correspondem à duas motivações bem distintas. Correspondentemente, estes comportamentos podem ser chamados de comportamentos ambivalentes. Em jeito de definição, o comportamento de ameaça pode ser entendido como sendo parte do comportamento agonístico destinado à regulação da distância entre dois animais da mesma espécie ou de espécies diferentes, um comportamento de compromisso entre duas outras situações comportamentais, nomeadamente a fuga e a agressão. A ameaça assegura a distância do parceiro de agressão relativamente à fêmea, aos filhotes, à presa, ao lugar de repouso, etc. A ameaça pressupõe um contacto proximal óptico, acústico, olfatório e conduz (1) à fuga (aumento da distância) ou (2) à briga (diminuição da distância), ou ainda (3) à uma situação de compromisso, da que resultam consequentemente comportamentos de subordinação e dominância. A ameaça, tal como a agressão, dá-se no campo de contacto. A fuga, 2.2 Vectores do Comportamento 287 287 contrariamente eleva a distância até os campos proximal e distal do comportamento motivado (Fig. 40 e 41). Fig. 40: Motivação ambivalente de acções de agressividade da gaivota (Larus rudibundus), segundo MOYNHAN (1955). 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 41: Comportamento ou mímica de ameaça do chacal dourado, Canis aureus (segundo FEDERSEN-PETERSEN, 1979, in GATTERMANN et al. 1993 Por último, interessa analisar os chamados 1) comportamentos reorientados e 2) comportamentos no vácuo ou comportamentos de corrida no vácuo (ou simplesmente corrida no vácuo). Um comportamento reorientado, ou redireccionado, ocorre quando o comportamento decorrente de uma determinada motivação é reorientado para outros objectos funcionais. O objecto funcional é o objecto sobre o qual recai o comportamento consumatório: o chefe médio duma empresa quando sai arreliado do gabinete do seu superior pauta por reorientar a sua agressão à empregados seus subordinados. Aqui, o exemplo é do Gorila (Fig. 42). 2.2 Vectores do Comportamento 289 289 Fig. 42: Elementos deslocados ou comportamentos reorientados de um comportamento agressivo do Chimpanzé (segundo J. van LAWICK-GOODALL, 1975) Determinados peixes, quando malograda a tentativa de cópula com o parceiro sexual, reorientam seu comportamento sexual para indivíduos do mesmo sexo, um comportamento que tem sido erradamente considerado de homossexualismo (MORRIS, 1997). Um comportamento de corrida no vácuo é muito propagado entre nós os humanos, quando procuramos algo com fervor. Um proprietário de automóvel pode chegar a procurar pelo carro em locais que geralmente nunca comportariam a dimensão de um automóvel, depois de lho ter sido roubado. Nós mesmos já experimentamos situações de aflição idênticas e procuramos objectos em lugares inadequados à natureza dos mesmos. 2. Características Gerais do Comportamento Estado de vigília No estado de vigília (nível de activação) o vector do estado interno pode caracterizar-se por: i. Relaxamento (estado de vigília indiferente), ii. Atenção com o motor inibido em função do sensorial; iii. Estado de vigília com adaptação do motor à acção intencionada; iv. Movimento excessivo. Relativamente a estas propriedades do vector do estado interno (i-iv), obtem-se a seguinte correspondência numa situação investigativa: i. Leão não motivado para caçar a presa; ii. Leão motivado, mas com musculatura ainda no estado de relaxamento, os grandes órgãos dos sentidos bem apurados; iii. Leão em predação activa com movimentos e órgãos dos sentidos ao serviço da caça, o sensório e o motor estão equilibrados e, finalmente, iv. O motor em actividade excessiva de predação: recebeu a ordem “capture, devore...”, por assim dizer. 2.5. Estado emocional 2.2 Vectores do Comportamento 291 291 Padrão de excitação vegetativo-somático ao serviço da homeostase com a função de avaliar e estabelecer balanço entre formas concretas do status interno, prontidão de comportamento e informações recebidas, do que resulta, por exemplo, a predisposição para comportamentos de fuga e de aproximação ao objecto funcional. Também resulta deste estado o comportamento de “medo”, quando não existe um programa comportamental para uma dada situação de estímulos externos. E mais, resulta disto também um comportamento ambivalente entre aproximar-se e afastar-se do objecto funcional (isto já foi dito antes). No Homem as emoções alcançaram uma nova qualidade. Elas definem-se muitas vezes como sentimentos. Também os sentimentos deixam-se extratificar. Os sentimentos sexuais e sentimentos relacionados com pura relação social entre dois indivíduos12 possuem mais bases biológicas do que outros quaisquer. Estado motor Em princípio trata-se, aqui, do estado motor em geral, no qual distinguem-se duas classes: i. Estado motor estacionário e ii. Estado motor dinâmico. 12 ) Tratando-se de indivíduos eussociais (que formam sociedades verdadeiras, diferentes de agregações) 2. Características Gerais do Comportamento Numa linguagem mais simples dir-se-ia que se trata dos estados de imobilidade (falta de movimentos) e mobilidade (com movimentos). O uso destas formas de estados do motor parte da hipótese básica de que, independentemente de comportamentos especiais, ambos os status (dinâmico e estacionário) representam duas formas de ser que têm influência sobre os três vectores de comportamento. Contrariamente à motilidade, de indução espinal-reflectória e vegetativa (nos vertebrados), o motor representa a soma de todos processos de movimentos de indução nervosa central. Em animais com organização simples as fronteiras entre ambas as formas não são claras. O movimento associado à capacidade de mudança espacial teve na evolução do comportamento um significado básico para os organismos, que nós descrevemos melhor com o termo “domínio de espaço”. Neste contexto, classificam-se basicamente dois tipos de animais: 1) Animais com capacidade para movimentos livres ou simplesmente animais livres, o sapo; 2) Animais sésseis, fixos a um substrato, esponjas e pólipos; E uma subcategoria de sessilidade secundária, a de animais semi-sésseis (aranha que constroi armadilha, formiga-leão que constroi armadilha e ficam (quase) sésseis a espera de presa).Em ambos os casos o animal possui adaptações (morfológicas e comportamentais) específicas. Na verdade trata-se de classificações que 2.2 Vectores do Comportamento 293 293 devem ser utilizadas com certa relatividade, uma vez que as transições entre os dois tipos de organismos são difusas. É que a aranha, a formiga- leão, que representam animais sésseis (quanto à predação), eles são activos na fase de procura de condições ambientais apropriadas à construção de armadilhas. O leão, tido como predador activo (entre muitos), pode, por sua vez, colocar-se numa posição de emboscar (Inglês, ambush) para encurtar a distância entre ele e a presa. Uma tal posição deve ser vista apenas como parte de um repertório de estratégias de predação. É muito importante ter isto em conta na investigação do comportamento. O estado motor dinânico engloba todas formas de locomoção. Sob o ponto de vista de investigação experimental, a actividade locomotora pode ser caracterizada como sendo (1) a distância percorrida, então está- se perante uma medida espacial, ou (2) a duração da locomoção , sob o ponto de vista de medida de tempo. O quociente destas medidas resulta na velocidade. Com o domínio do espaço o animal pode desenvolver a capacidade de determinação de direcção, enquanto que com o domínio do tempo ele pode ser capaz de determinar o tempo e, simultâneamente, estabelecer relação com o tempo local. Nestes dois parâmetros baseam-se fundamentalmente as investigações etológicas sobre a locomoção (PIRES, 1987). 2. Características Gerais do Comportamento A memória Em conexão com o vector do estado interno apontou-se para um conceito que une a Biologia do Comportamento à Psicologia, nomeadamente o conceito memória, cuja actividade chama-se memorizar, e o processo denomina-se memorização. Em ambas as disciplinas das ciências do comportamento, memória significa a capacidade que o organismo tem de poder reter parte ou toda a informação elaborada a partir de estímulos recebidos do ambiente. É preciso lembrar, aqui, que os animais têm uma memória permanente, a herança, que representa uma memória supraindividual e que se herda na filogénese. Esta memória é, por assim dizer, independente da experiência individual. A memória individual está baseada na aprendizagem (tradição; Latim, traditio). A forma tão simplificada como estes conceitos são tratados aqui deve ser evitada. Por isso aconselha-se a leitura de obras especializadas de Psicologia e de Biopsicologia; Pois, naquilo que nós chamamos de memória individual baseada na aprendizagem, está o hereditário (memória filogenética) na sua base, o qual possibilita o funcionamento da memória individual, no tocante (1) ao tempo de duração da memória e (2) à especificidade de funcionamento da memória individual. As diferentes formas de memória que se seguem representam basicamente estruturas de funcionamento da memória e, não devem ser confundidas com memórias de fita magnéticas. Eis a forma mais propagada de sua classificação segundo TEMBROCK, 1992: 2.2 Vectores do Comportamento 295 295 1. Memória sensorial ou memória de ultra-curta duração: retém acções sensoriais de estruturas estimuladoras no seu todo em determinados campos do SNC, onde as mantém prontas para processamento posterior; 2. Memória primária: pouca capacidade de atenção e de fixação que não ultrapassa o campo de segundos. Os seus conteúdos possuem uma ordenação temporal e possibilitam um rápido acesso. Estes são apagados por novos conteúdos. Esta memória trabalha em conjunto com a memória sensorial e assegura o pré- processamento informativo: codificação, extracção de características, sua estruturação, etc. As duas formas de memória (1 e 2) recebem conjuntamente o nome de “memória de curta duração”; 3. Memória secundária: muita atenção com capacidade de memória que vai de alguns minutos até alguns anos; a sua construção ocorre por meio de repetição. A estrutura interna está orientada para parâmetros de tempo e de espaço; o seu acesso é relativamente lento, por tratar-se de uma procura numa memória ampla. Ocasionamente os seus conteúdos podem ser apagados por perturbações do SNC, pondendo, no entanto ser reversíveis; 4. Memória terciária: sua capacidade é igualmente ampla, mas ocorre uma fixação, em princípio, por toda vida. Estas duas últimas formas de memória chamam-se conjuntamente de “memória de longa duração”. 2. Características Gerais do Comportamento 2.4 Comportamento de saída O comportamento de saída é sumariamente caracterizado pelo comportamento externo. Este está relacionado com processos motores, no senso lato, os quais recaiem sobre o ambiente. É preciso lembrar que o ambiente pode ser também o próprio indivíduo. O comportamento de saída como motor (movimentos, locomoção) possui um padrão específico no tempo e no espaço. O padrão a que nos referimos aqui possui uma dupla qualificação (LUNDBERG, 1979), pois a qualidade pode ser determinada (1) por programas hereditários (coordenações hereditárias, motor hereditário) ou (2) por programas aprendizados (coordenações adquiridas, motor adquirido ou aprendizado). Esta aprendizagem motora acorre, por exemplo, quando nós aprendemos a andar de bicicleta ou a escrever: o conceito praxis é mais descritivo neste contexto. Quando se perde esta capacidade de aprendizagem do motor ocorre a chamada apraxia. Isto ocorre muito quando há bloqueio de determinadas regiões cerebrais. Na investigação comportamental tem sido importante a caracterização dos diferentes elementos que compõem um comportamento. No aspecto de tempo os eventos comportamentais motores podem ser: - Eventos pontuais; - Eventos de curta duração; - Eventos de longa duração; 2.2 Vectores do Comportamento 297 297 - Eventos quase estacionários, cuja duração está acima da memória de curta duração. Esta classificação tem mais sentido quando pretendemos analisar padrões comportamentais no tempo. Ainda no mesmo contexto, elementos comportamentais básicos podem demonstrar (Fig. ): - Decurso fásico; - Decurso tónico e - Decurso fásico-tónico. A classificação pode também referir-se à intensidade com que esses elementos comportamentais ocorrem, ou ainda à sua frequência no caso de eventos acústicos. Então, significa: - Fásico: modulado na frequência ou na intensidade; - Tónico: intensidade constante, frequência constante e - Fásico-tónico: uma combinação das duas formas anteriores. Uma repetição do decurso fásico leva à periodicidade (Fig. ...b). Da repetição de eventos comportamentais fásicos resulta (Fig. 43): 1. Sequências de eventos comportamentais do tipo homotípico: 1.1. Homócronas (mesma duração de período) e 1.2. Homomórficas (mesmas estruturas elementares); 2. Sequências de eventos comportamentais do tipo heterotípico: 2. Características Gerais do Comportamento 2.1. Heterócronas (diferente duração de periodos) e 2.2. Heteromórficas (diferentes estruturas elementares). Fig. 43: Formas de comportamento temporal de eventos comportamentais especiais; modificado segundo TEMBROCK (1986) A duração de períodos de fenómenos no sistema nervoso aos quais os demais se subordinam situa-se no campo de 10 -2 a 10 -1 s. Uma análise estatística do tempo destes padrões comportamentais pode ser feita sob forma de: 2.2 Vectores do Comportamento 299 299 - Estatística de elementos: duração do tempo dos eventos comportamentais, - Estatística de intervalos: duração dos intervalos entre elementos comportamentais; - Estatística de períodos: duração do tempo entre dois estados com a mesma fase, exemplo, do começo ao fim de elementos comportamentais sucessivos; - Análise de estrutura: como forma de abranger princípios organizacionais superiores de eventos comportamentais motores.O comportamento externo demonstra uma magnitude de formas e oferece um campo muito vasto de investigação comparada para descobrirem-se aspectos evolucionários, tal como o parentesco natural entre indivíduos. Em analogia à construção do corpo, nós falamos aqui também de morfologia comportamental, ou simplesmente etomorfologia. Pontos de discussão Aplique os conceitos básicos relativos aos vectores do comportamento a exemplos práticos. 2. Características Gerais do Comportamento Capítulo 3 Comportamento e Evolução 3.1. Aspectos gerais 2.2 Vectores do Comportamento 301 301 O termo evolução provém do Latim evolvere e significa, mais ou menos, transformação, algo que se transforma, cujo infinitivo verbal é transformar. Também é usado no sentido de desenvolvimento. Hoje, o termo evolução é largamente utilizado em diferentes disciplinas e significa em quase todas elas modificações irreversiveis de coisas. Estas modificações necessitam tempo, o que significa que para que ocorra a evolução o factor tempo é essencial (comparar com KULL, 1999). Evolução ocorre tanto no mundo inanimado, como no mundo vivo. Assim, fala-se, por exemplo, de evolução das estrelas, evolução dos elementos químicos, ou ainda de evolução de uma paisagem, do solo a partir da rocha-mãe, etc. Na Biologia emprega-se mais o termo evolução de seres vivos. Com isto pretende-se caracterizar o surgimento e transformação da variedade de formas de plantas e animais e formas transitórias entre estes dois reinos. Mas também fala-se de evolução quando se trata de organismos evolutivamente inferiores a estes dois grandes reinos. A evolução biológica é, por conseguinte, apenas uma parte (pequena) da evolução de todo o universo. Nos seres vivos a evolução ocorre nos diferentes níveis organizacionais dos sistemas biológicos, desde a célula até populações e ecossistemas. Evolução significa mudanças no tempo, em que o termo mudança refere- se mais às estruturas ou à complexidade. Neste sentido, evolução pode tomar o significado de desenvolvimento, de tal modo que também as evoluções pré-biótica e metabiótica (incl. Homem) ficam abarcadas pela 2. Características Gerais do Comportamento definição. O que se passa, porém, é que nós não estamos à altura de dizer claramente o que é (foi) a evolução pré-biótica, muito embora achados fósseis documentem inúmeras mudanças ocorridas nessa(s) era(s) (Fig. 44 e 45). Nos subcapítulos seguintes tenta-se trazer à discussão a relação que existe entre o comportamento e a evolução, no nosso sentido, a evolução biótica e metabólica. Fig. 44: Fóssil de Trilobito (esquera) Fig. 45: Fóssil de dentes de tubarão (direita) Quando falamos de evolução, referimo-nos, em primeiro lugar, a um acontecimento, em resultado do qual nós podemos reconstruir a história filogenética dos seres vivos ou das suas propriedades, que chamamos de Filogénese (Filogenia). Todas ideias existentes hoje sobre os mecanismos da evolução baseam-se em DARWIN (e WALLACE). Na Tab.1 estão indicados alguns dos mais importantes biólogos e/ou naturalistas que se dedicaram ao estudo da evolução e que constituem, hoje, o alicerce da Biologia Evolutiva moderna. Comment [u8]: Fonte Comment [u9]: ano 2.2 Vectores do Comportamento 303 303 Tab. 1: História da Biologia Evolutiva e da Teoria Evolutiva (segundo KULL, 1997) Cientistas Ideias baseadas no tempo Ideias evolutivas. Carl v. Linné (1707- 1778) Constância da espécie (formas geradas por Deus, permanencem na mesma forma inicial e não sofrem mudanças). Fósseis tidos como formações naturais casuais e não como restos de seres vivos. Divisão dos seres vivos artificial. Criou nomes com validade universal (latinos ou latinizados). Introdução da nomenclatura binomi-nal, do género e da espécie. Ordenou as espécies segundo semelhanças dos grupos. Determinou a comparação de factos como método de investigação científica George Cuvier (1769- 1832) Constância das espécies. Desenvolveu a teoria catastrófica: mudança de seres vivos nas diferentes épocas geológicas como resultado de catástrofes naturais e de criação de novas espécies. Observações à natureza mais exactas. Negação de qualquer especulação.: prova de toda hipótese no objecto natural. Criou a Paleontologia. Jean Lamarck (1744- 1829) Teoria evolutiva contrária ao Darwinismo: Características Surgimento de espécie a partir de outras. 2. Características Gerais do Comportamento adquiridas são herdadas. Impulso de melhoramento como força motriz da evolução. Mudanças das espécies em estágios (passos) lentos. Et. Geoffroy de St. Hilaire (1772-1844) Influenciado pelas teorias mais recentes do seu tempo. Plano de construção idêntico em diferentes grupos de animais é prova de origem filogenética comum. Johan Wolfgang Goethe (1749-1832) Desenvolveu a ideia de que plantas primitivas tinham raizes, cormo e folhas. As outras plantas resultam da evolução diferenciada de plantas primitivas. L. von Buch (1774-1853) Seguidor de Lamarck Novas espécies evoluem a partir de isolamento geográfico. Charles Darwin (1809- 1882) & Alfred R. Wallace (1823-1913) O corpo cria células germinativas e causam sua modificação. Causas genéticas da variabilidade ainda desconhecida. Modificabilidade das espécies. Selecção natural na luta pela “existência” como causa da evolução. Colectou provas de diferentes ramos das ciências (Biologia, Paleontologia, Zoo-e Fitogeografia). Divisão natural dos seres vivos com base nas relaçõesde 2.2 Vectores do Comportamento 305 305 parentesco. Louis Pasteur (1822- 1895) Na terra não existe mais geração primitiva de organismos. Todos organismos resultam de outros. Ernst Haeckel (1834- 1919) Todos organismos resultam de outros. Construção da Teoria Evolucitiva. Árvores filogenéticas de plantas e animais. Lei básica biogenética. Ausgust Weismann (1834-1919) Divisão da parte vegetativa da reprodutiva Julian Huxley (1887- 1975) Processos genéticos são a base da evolução. A evolução desenvolva-se dentro de populações. R. Fischer (1890-1962) E. Mayr; B. Rensch; Th. Dobzhansky (1900-1975) A. I. Oparin; L. Pauling; H. C. Erey Aplicação da Biologia molecular na evolução molecular. M. Eigen & H. Kuhn Teoria da auto- organização da matéria. Bases fisico-químicas da Teoria Evolutiva. A galeria de fotografias que se segue, ilustra alguns dos cientistas da Biologia Evolutiva (Fig. 46). 2. Características Gerais do Comportamento 2.2 Vectores do Comportamento 307 307 Fig. 46: Alguns proeminentes biólogos que contribuiram para a Biologia Evolutiva (KULL, 1997) Na Biologia do Comportamento classificam-se três níveis hierárquicos do conceito desenvolvimento: 2. Características Gerais do Comportamento - Actualgénese, referente ao comportamento actual do indivíduo; - Ontogénese, referente ao desenvolvimento das características comportamentais de um indivíduo e - Filogénese, referente ao desenvolvimento do comportamento dos indivíduos de uma espécie na sequência de gerações. Em qualquer um dos casos nós associamos o desenvolvimento do comportamento ao de estruturas e sistemas correspondentes. Do mesmo modo, analisamos o desenvolvimento do comportamento e das respectivas estruturas e sistemas ao desenvolvimento dos habitats, mais ou menos no que nos é dado a entender pelo conceito coevolução. Deve chamar-se atenção ao facto de que o comportamento parece não é resultado passivo da evolução. Na realidade, o comportamento é também factor de evolução. Na Fig. 47 estão indicadas todas as condições que influenciam estasrelações mútuas entre o comportamento e a evolução. Segundo o esquema, o desenvolvimento parte da unidade funcional formada pelo organismo e o seu meio ambiente. Uma acção imediata sobre o indivíduo têm as três classes de fitness, nomeadamente o fitness individual, ecológico e global ou inclusivo. 2.2 Vectores do Comportamento 309 309 Fig. 47: Apresentação esquemática de possiveis formas de acção no processo da ontogénese e de sucessão de gerações; modificado segundo TEMBROCK (1993). Estes factores chamam-se comumente de “proximate factors”, um termo emprestado da língua inglesa e que se opõe ao conceito “ultimate factores”. Esta última classe pode ser descrita por aquilo que no esquema aparece como “fitness inclusivo”. O fitness genético global é a contribuição genética do indivíduo e seus parentes para o estoque (Inglês, stock) genético da geração seguinte. A consequência disto, é que o indivíduo deve comportar-se de tal modo que ele possa garantir a transferência dos seus genes para a geração seguinte. E mais, a luta consiste na maximização da comparticipação genética do indivíduo (ler mais sobre egoísmo dos genes na Sociobiologia). As concepções actuais sobre os mecanismos de evolução biológica baseiam-se nas teorias de há mais de 50 anos de DARWIN. Elas Comment [u10]: traduzir internet 2. Características Gerais do Comportamento continuam actuais e válidas. A “Teoria Sintética da Evolução” concebida por DARWIN reconhece os seguintes mecanismos: 1. A selecção (ambiental) actua sobre indivíduos que competem por fontes naturais; 2. A selecção ocorre através das propriedades de características portadoras de funções (fenótipos) dos indivíduos; 3. A selecção favorece neste percurso informações genéticas individuais; 4. Indivíduos são elementos de um sistema, de uma população de espécies, assim como de unidades reprodutivas; este sistema possui propriedades que não devem ser vistas como soma de propriedades dos seus indivíduos: elas possuem sua qualidade própria; 5. Como fontes de mudabilidade servem: mutações, recombinações, gendrift e outras formas de diversidade genética. Text box 5 Selecção: formas de selecção Selecção é a mudança da frequência genética, provocada pelas diferentes capacidades dos fenótipos de uma população de contribuirem para a geração seguinte. Estas diferenças na capacidade podem ter várioas causas. A selecção deve ser muito eficaz, uma vez que na maior parte das populações produzem-se mais descendentes do que eles podem sobreviver. Comment [u11]: traduzir internet 2.2 Vectores do Comportamento 311 311 Uma determinada parte dos descendentes de cada geração morre por isso mais cedo (eliminação, morte selectiva). Causas gerais de fitness diferente entre indivíduos 1. Probabilidades diferente de sobrevivência. 2. Diferença na taxa reprodutiva (fertilidade). 3. Capacidades diferentes de encontrar parceiro sexual (selecção sexual). 4. Chancem diferentes de gâmetas de chegarem à fecundação. 5. Duração diferenciada de gerações. A selecção determina, que mutações se impõem, que outras desaparecem. A selecção causada por influências ambientais age sobre o indivíduo no seu todo, i.e., sobre o fenótipo e não sobre o genótipo. Disto resulta que apenas os genes expressivos é que se expõem à selecção. No caso em que diferentes genes participam na formação de uma característica, então, os respectivos genes serão atingidos pela selacção em igual medida. Assim sendo, um gene apenas tem valor selectivo no conjunto do genoma; a pressão de selecção dependerá da forma como um determinado gene encontra-se combinado. A selecção não funciona de modo determinístico, mas sim probabilístico, i.e., determinados tipos de genes têm maior chance de contribuir no gen pool da geração futura do que os outros.indivíduos pouco beneficiados numa população são afastados (colocados no segundo plano) e, finalmente, acabam desaparecendo (a chamada pressão da selecção). A selecção expressa-se no diferente sucesso reprodutivo dosnindivíduos de uma população. Ela actua, de certo modo, como um filtro que multiplica determinados genes de um gen pool. Este processo possibilita uma, cada vez maior, adaptação da população 2. Características Gerais do Comportamento às condições ambientais em constantes modificações (selecção transformadora) Polimorfia. Entende-se por polimorfia (genético) a situação de ocorrerem numa determinada população formas muito divergentes entre si, onde estas diferenças são extremas (coelhos pretos e castanhos, plantas com floração branca e vermelha,etc.). Ocorrendo numa população também formas transitórias, i.e., a distribuição é contínua, falamos de variabilidade genética numa base genética. Polimorfia só pode relacionar-se e/ou deduzir-se de mutações. De acordo com a natureza da base genética diferenciamos as seguintes formas de polimorfismos (o.m.q. polimorfia): 1. Geopolimorfismo: surge a parit de mutações pontuais, que levam a diferentes alelos de um gene, 2. Polimorfismo segmentar: surge pela mutação de um segmento; por exemplo, o Polimorfia inversivo: muito conhecido de Drossophila melanogaster, gafanhotos (Moraba sp.), ratos, etc., o Polimorfia translocativa: mais conhecida de baratas caseiras, o Polimorfia duplicativa: relativamente frequente. 3. Polimorfismo genómico: aparece a partir da mutação de toda constituição cromossómica (Aneuroploidia, ; o Polimorfia-Número cromossómico: em consequência de Aneuploidia: conhecido em raposas, cervídeos, caracóis púrpureos. o Polimorfia-Euploidia: em consequência de poliploidia, 2.2 Vectores do Comportamento 313 313 propagado em plantas superiores. De acordo com o significado da polimorfia, distinguimos entre polimorfia balaceada (heterosis, heterose), polimorfia adaptativa e polimorfia dependente da frequência selectiva. Bibliografia básica: Kull, U. (1997): Evolution. Studienreihe Biologie Band 3 Pontos de discussão 1. Discute de modo interdisciplinar o conceito evolução, buscando para o efeito ciências naturais (Biologia, Química e Física), ciências sociais (Sociologia, Geografia, História) Filosofia, ou outros ramos do saber. Por fim, compare e limite filosoficamente os conceitos evolução e desenvolvimento. 2. Discute biologicamente as afirmações: (1) Evolução nem sempre é progressiva, ela também pode ser regressiva e (2) Evolução pode consistir na redução de formas e estruturas de um sistema. 3. Debate com base em outras teorias evolutivas o mérito da Teoria Evolutiva de Darwin (Teoria Sintética da Evolução). 4. Aponte ediscute algumas questões filosóficas relativas à evolução que no seu entender permanecem abertas. 5. O fitness genético escravisa o indivíduo no processo de selecção natural. Faça alguns comentários em torno desta afirmação. 2. Características Gerais do Comportamento 3.2. As quatro classes de fitness Fitness ecológico F it n es s in d iv id u al Fitness biossocial F it n es s re p ro d u ti v o 2.2 Vectores do Comportamento 315 315 Fitness define, em primeiro lugar, o valor selectivo (da selecção), ou seja, o que de optimal resulta de uma selecção natural, mesmo tendo em conta que evolução não significa selecção natural, mas que selecção natural é um mecanismo para evolução. Na Biologia Evolutiva fitness é, em primeiro lugar, o sucesso reprodutivo de um indivíduo nas gerações seguintes (fitness individual). Esta medida é expressão da capacidade total de vida do indivíduo sob condições de selecção natural. C. DARWIN (1859) empregou o conceito fitness no seu sentido quotidiano. Ele empregou o conceito para tudo o que coloca o indivíduo especialmente capaz e sucedido na luta pela existência sob determinadascondições da selecção natural. Hoje, o conceito fitness não se calcula mais para o indivíduo, mas sim também para unidades replicáveis (replicadores) subordinadas à selecção. Além disso, desde a fundação da Genética de Populações o fitness não é mais visto no sentido lato de Darwin, mas de modo limitado à taxa de reprodução (fitness reprodutivo). Como componentes fundamentais do fitness servem (1) a capacidade de sobrevivência, (2) a duração da capacidade reprodutiva e (3) a fertilidade do indivíduo. De acordo com TEMBROCK (1987) fitness pode ser classificado em função das classes de ambiente que ele propõe: fitness individual, fitness reprodutivo, fitness biossocial e fitness ecológico. Não desenvolveremos estes conceitos de fitness, mas sim, procuremos relacionar as diferentes teorias e concepções existentes sobre o fitness. 2. Características Gerais do Comportamento As classes de fitness mencionadas devem contribuir para o sucesso evolutivo tal como de seguida se descreve. 3.2.1. Fitness individual: As oportunidades de sobrevivência decorrentes das propriedades funcionais e constitucionais do indivíduo. Por outras palavras, 1. Os indivíduos lutam por evitar lesões e doenças. Para tal eles servem-se de comportamentos especiais de conforto e de defesa; 2. Os indivíduos lutam também pela optimização da transformação de energia no metabolismo; 3. assim como, eles procuram estabelecer uma optimização das características constitucionais no decurso da ontogénese. 3.2.2. Fitness ecológico: O espectro de adaptações do indivíduo no ecossistema, do que resulta, ou no sentido de: 1. Optimização de comportamentos determinados pelas exigências do metabolismo; 2. Defesa ante predadores (mesmo que ela ocorra por intermédio de outros parceiros da espécie); 2.2 Vectores do Comportamento 317 317 3. Utilização de outros indivíduos como sistemas de informação para “aviso” sobre predadores, como é o caso do altruísmo. 3.2.3. Fitness reprodutivo: (não mencionado por TENBROCK) Define o conjunto de estratégias e sistemas sociais que visam maximizar o sucesso reprodutivo do indivíduo, assim os indivíduos estão preocupados em: 1. Assegurar a procura, o encontro, a escolha de parceiro sexual; 2. Assegurar melhores manobras e tácticas na competição por parceiro sexual; 3. Produção de descendentes em número e relação optimais entre machos e fêmeas; 4. Assegurar o desenvolvimento optimal da prole (incluindo mecanismos de cuidados-com-a-prole). O fitness biossocial, por sua vez, corresponde ao conjunto de adaptações do indivíduo na população ou num sistema biossocial. Neste sentido, ele inclui o fitness reprodutivo, daí a razão de sua consideração colectiva (reprodutivo e biossocial). Para se assegurar a evolução biológica os sistemas biológicos tiveram de ser capazes de: 1. Autoreprodução (inclui reprodução e ontogénese); 2. Características Gerais do Comportamento 2. Reparação de defeitos; 3. Estabilidade e solidez contra perturbações; 4. Compensação de desgastes; 5. Produção de informações (negentropia, auto-instrução). Só reunidas estas capacidades e condições é que é possivel o aumento da complexidade dos organismos ao longo do tempo. Parafraseando DAVIES e KREBS (1987), a Sociobiologia moderna vê nos genes o ponto de partida dos mecanismos de evolução. Aqui, é importante saber: 1. Que genes produzem proteínas, as quais, por sua vez, dirigem o desenvolvimento do sistema nervoso e da musculatura, assim como determinam toda a estrutura corpórea. Com isto criam-se bases para o desenvolvimento de todo o repertório comportamental. 2. Numa população os genes podem existir sob duas ou mais formas (alelos), que produzem variantes de uma proteína. Isto tem como consequência as diferenças no desenvolvimento individual, de tal modo que numa população de uma espécie ocorram variantes; 3. Entre alelos de um gene ocorre uma competição; 4. Um alelo que pode reproduzir muitas cópias de si mesmo do que o alelo alternativo impõe-se e pode desalojar da população os alelos raros; 2.2 Vectores do Comportamento 319 319 5. Disto deve-se deduzir que a selecção natural possa ser explicada como sendo a capacidade de sobrevivência de alelos alternativos, nomeadamente dos capazes). Os outros mecanismos que participam na evolução biológica são os mecanismos de isolamento, que, por definição, isolam os organismos entre si e impedem a pertetuação genética dos indivíduos com outros do mesmo grupo, o que, consequentemente, resulta na produção evolutiva de novos indivíduos. Este mecanismos podem ser: 1. Mecanismos ecológicos e geográficos 1.1. Cadeia de factores do biótopo; 1.2. Barreiras geográficas; 2. Mecanismos fisiológicos 2.1. Diferenças na forma de funcionamento de órgãos dos sentidos; 2.2. Diferenças de responsividade à estímulos sexuais (fala-se mais de diferenças no limiar de excitação); 2.3. Diferenças no status sexual de determinadas condições endócrinas; 3. Mecanismos morfológicos 3.1. Diferenças na construção dos órgãos copuladores; 3.2. Diferenças nas características constitucionais que participam na transmissão gamética; 4. Mecanismos etológicos 4.1. Comportamentos incompatíveis dos parceiros sexuais; 2. Características Gerais do Comportamento 4.2. Diferenças nas exigências específicas em termos de espaço; 4.3. Diferenças nas exigências específicas em termos de tempo; 4.4. Diferenças nas exigências específicas em termos de parceiro sexual; 4.5. Diferenças baseadas nas tradições específicas aprendizadas de modo diferente pelos parceiros comportamentais; se estivessemos a falar da emissão de sinais biocomunicativos (p.e. acústicos), então seria correcto o uso dos termos regioleto, dialecto, etc.); 4.6. Diferenças nas exigências metabólicas; 5. Mecanismos gaméticos Refere-se à incompatibilidade entre espermatozóides e gonoductos, assim como entre espermatozóides e óvulos; 6. Mecanismos pós-zigóticos 6.1. Mortalidade ou morbidade dos híbridos; 6.2. Desenvolvimento de híbridos estéreis; 6.3. Extinção da geração F2, descendentes da geração parental. Quando estas mudanças baseadas em mecanismos de isolamento (para os taxonomistas, elas conduzem ao aparecimento de novas espécies) ocorrem na base de processos genéticos (mutações, recombinações), então a velocidade deste processo será em parte, tanto quanto nós sabemos, determinada (1) pelo número de indivíduos e (2) pelo intervalo de tempo entre as gerações, assim como pelo intervalo entre as reproduções. Este processo evolutivo torna-se muito mais rápido quando aos fenómenos de isolamento vão somar-se processos de aprendizagem, 2.2 Vectores do Comportamento 321 321 em que elementos de um comportamento individualmente adquiridos são passados à geração seguinte por meio de tradições. Isto ocorre muito com (elementos de) comportamentos de corte. Este princípio desenvolveu-se de modo extremo no Homem. Por assim dizer, o Homem possui uma maior plasticidade de aprendizagem e modificação dos padrões específicos de cortejamento e as culturas humanas jogam um papel decisivo neste processo. Para melhor compreensão, nós manteremos o termo mutação para designar as mudanças genéticas. Enquanto isto, chamaremos de inovações às mudanças no status comportamental individual. Até agora temos vindo a descrever a evolução de uma maneira muito geral. Deve-se notar, porém, que o desenvolvimento de comportamentos, a formação de novas espécies, etc., tudo isto tem muito a ver com o desenvolvimento de estruturas corpóreas especializadas: esqueletos (externo e interno), musculatura, extremidades de locomoção, extremidades preênseis, etc. O desenvolvimento destas e outras estruturas teve como resultado o maior domínio espacial pelo organismo. Aindaneste contexto, o aumento de mobilidade do organismo elevou cada vez mais o domínio espacial, o qual teve como suporte estrutural (1) a formação de órgãos dos sentidos externos com maior capacidade de condução de estímulos, (2) a concentração do sistema nervoso para 2. Características Gerais do Comportamento formar um cérebro (o processo chama-se cerebralização 13 ou encefalização), o qual viria a encarregar-se do processamento central de informações e do controlo do motor, (3) a diferenciação de um sistema nervoso vegetativo para assegurar que funções corpóreas autónomas pudessem ocorrer. A elevada mobilidade dos organismos exigiu sobretudo o desenvolvimento de órgãos visuais, que são os órgãos dos sentidos que funcionam com a única modalidade de estímulo de rápida recepção e condução, contrariamente às ondas sonoras e estímulos químicos, aos quais se atribui uma relativa lentidão na sua transmissão por qualquer meio que seja (água, ar). Para o desenvolvimento de modos de comportamento, sobretudo os que se deixam moldar pela aprendizagem, a visão espacial desempenha um papel fundamental, pois ela possibilita a formação de objectos tridimensionais, ou melhor, a formação de representações no organismo. A visão trouxe uma nova qualidade de (re)conhecimento na evolução: a formação de capacidades cognitivas (de modo geral descritas pelo termo pensamento) está directamente relacionada com isto. A acrescentar a este desenvolvimento, organismos (endotérmicos: aves e mamíferos) possuem a capacidade de manutenção de temperatura constante do corpo 14 , o que, 13 Costumo salientar que a história da cerebralização no Reino animal não começa com o Biograma dos Chordata, muito menos com o dos Vertebrata. Já nos Arthropoda assiste-se à uma concentração de regiões nervosas centrais. 2.2 Vectores do Comportamento 323 323 por sua vez, favoreceu o funcionamento do cérebro, dos órgãos dos sentidos e da musculatura. Pela diferenciação da homeotermia, as Aves e os Mamíferos tornaram a temperatura interna e assim a sua actividade metabólica, consideravelmente independentes das condições externas de temperatura (HADORN & WEHNER 1978). Também a evolução dos Mamíferos e das Aves no Mesozóico deve ser vista sob este aspecto, eles passaram a ocupar novos nichos ecológicos, com as aves a especializarem-se para a vida no ar através do desenvolvimento da capacidade de voo. É muito provável que já entre os répteis 15 tenham havido pontos de partida para a evolução de animais endotérmicos (até certo ponto sinónimo de homeotermia) e da capacidade de voo. Dos Archosauria desenvolveram-se dois grupos de animais com capacidade de voo, os Pterosauria e as Aves (ver também em KÄMPFE, 1985). Mas, muito depressa foram substituídos pelas aves neste habitat aéreo. Para o efeito as aves desenvolveram um largo repertório de sinais acústicos para a sua comunicação, o que certamente beneficiou também a sua defesa contra predadores. No contexto de desenvolvimento de formas e modos de comportamentos a adaptação joga um papel fulcral. Isto é mais impressionante na análise das chamadas convergências ou analogias, que se desenvolvem de modo independente em animais sem relação de parentesco filogenético entre si, mas que vivem no mesmo habitat. 2. Características Gerais do Comportamento Para a evolução adaptativa dos comportamentos e do seu motor existiram bases genéticas. Na Etogenética fala-se hoje de três vias adaptativas possíveis: 1. Uso do fundo comportamental existente e sua adaptação a determinadas condições ambientais através de modificações no genótipo e/ou no fenótipo; 2. Uso da capacidade locomotora para a procura de condições ambientais favoráveis de acordo com as exigências ambientais actuais; 3. Modificação do ambiente ou de determinadas características deste, através de uma acção activa sobre o ambiente. Mais ou menos o que conhecemos do comportamento de construção de ninhos e armadilhas. Na Biologia do Comportamento muito tem sido feito para demonstrar a participação dos genes na formação de um comportamento. Deve-se chamar atenção para o modo poligénico de herança do comportamento, tendo sempre em conta a complexidade de um comportamento, o substrato morfológico e anatómico, bem como o envolvimento do sistema de recepção, condução e processamento de informações e o sistema efector que recai sobre o ambiente. Em princípio, existem dois pontos de partida para uma investigação experimental a este respeito: 2.2 Vectores do Comportamento 325 325 a. Investigação sobre a influência de modificações de determinadas condições ambientais sobre o comportamento. Se determinados padrões comportamentais continuam a ocorrer apesar de modificadas as condições, então estes padrões podem ser considerados como tendo uma base hereditária. Conforme faz-se notar mais em diante, não se trata aqui de hereditariedade Mendeliana; b) Investigação com animais desprovidos de experiência, i.e., sem influência da aprendizagem. Nota-se, por exemplo, que aves cantoras podem exibir estrofes do padrão básico do canto da espécie, sobre as quais constroem-se os chamados regiolectos (quase com o mesmo sentido de dialectos). Falou-se disto atrás. Resultados deste tipo de investigações mostram claramente que nos comportamentos do animal existem elementos do hereditário, que no caso da coordenação motora chamaremos de coordenação motora hereditária ou simplesmente coordenação hereditária 16 . Aqui serve o exemplo de andar de bicicleta que se constrói sobre uma base hereditária (a coordenação motora hereditária da marcha bípede do Homem, já notável nos antropóides). Um outro aspecto de interesse para o estudo sobre a evolução do comportamento é o que toca a evolução de determinados 16 ) Abarca também o motor para a vocalização. 2. Características Gerais do Comportamento comportamentos a partir de outros, ou seja a sua transformação em outros comportamentos. De facto, um determinado comportamento consumatório pode transformar-se num comportamento, o chamado comportamento-sinal, modificando-se inclusivamente o seu significado. O comportamento consumatório é, por exemplo, a alimentação-boca-a- boca de primatas e, o comportamento-sinal dele derivado é o beijo (MORRIS, 1997). Também as motivações sobre as quais os dois tipos de comportamento assentam diferem bastante. No primeiro caso, o animal é motivado à alimentação boca-a-boca no contexto social de cuidados- com-a-prole. No segundo caso, o comportamento assenta sobre outra motivação que é a de cortejamento da fêmea (em casos mais elementares para a cópula). Este processo, pelo qual comportamentos consumatórios evoluem para comportamentos-sinais chama-se ritualização (Inglês, ritualization). Trabalhos sobre ritualização remotam de HUXLEY. Text box 6 O significado do cortejamento O cortejamento pode ser interpretado em conexão com diferentes aspectos do conflito sexual e da selecção sexual. Existem sinais que servem para o reconhecimento do parceiro sexual da mesma espécie, tal como acontece com os sinais sonoros das rãs num areal habitado por várias espécies. Elas são muito selectivas aos padrões sonoros e isto é de interesse de ambos os sexos. Trata-se de diferenças, não só de intensidade, como também das Comment [u12]: ano 2.2 Vectores do Comportamento 327 327 frequências com que os sons são emitidos. Mas o som pode ter também uma função no contexto da competição reprodutiva intraespecífica. Talvés até, as fêmeas consiguem determinar características especiais dos machos a partir da sequência de estrofes, ou mesmo a partir da suaduração. Não raras vezes, animais interessam-se pelas qualidades especiais dos parceiros sexuais relativamente a sua capacidade de prestar cuidados com a prole, o chamado investimento parental. E isto acontece dos dois lados. Fêmeas de pardais, por exemplo, dão muito valor aos machos capazes de construir bons ninhos como parte do investimento parental do macho. Fonte principal: Franck (1984): Verhaltensbiologie Text box 7 Origem e função dos comportamentos-sinais Acções-sinais, comportamentos-sinais, nem sempre representam novas criações dos organismos, mas sim, eles derivam muitas vezes de comportamentos deslocados, movimentos intencionais ou ainda de efeitos fisiológicos colaterais que ocorrem quando há uma activação intensiva do Sistema nervoso autónomo (levantar o pêlo, as penas). Estes comportamentos derivados são mais frequentes nas acções demonstrativas de sinais agonísticos (ameaçar, amedrontar, enganar), também em situações 2. Características Gerais do Comportamento ambivalentes (estar entre a fuga e o ataque, por exemplo). Por ritualização entende-se na Biologia do Comportamento o processo filogenético que conduziu comportamentos, inicialmente, neutrais intencionais ou deslocados numa nova função. Comportamentos deslocados ritualizados são particularmente frequentes no cortejamento de muitas aves (Fig. 48 e 49). Fonte principal: Franck (1984): Verhaltensbiologie Fig. 48: Cortejamento de Haubentauchers (Segundo HUXLEY, 1914, in: FRANCK, 1985) 2.2 Vectores do Comportamento 329 329 Fig. 49: Acção de cortejamento de Lonchura striata. O comportamento de corte pode ter evoluido do comportamento de limpeza do bico (segundo MORRIS, 1958) Os galináceos têm um comportamento interessante. Eles procuram objectos sólidos que os bicam, levantam e apresentam à fêmea como se de alimento se tratasse. A fêmea sente-se atraída pelo ofertório e deixa-se cortejar facilmente. Este comportamento-sinal (porque sinaliza convinte do macho para cópula) evoluíu certamente do comportamento de alimentação da ninhada de aves que primeiramente possuíam comportamentos de cuidados-com-a-prole. A fêmea também pode exibir comportamentos de pedir alimento ao macho, os quais são designados por “mendigação ritualizada de alimento” e não se referem no seu sentido, em primeiro lugar, ao alimento como tal. Trata-se de uma exigência de cortejamento pela fêmea. A Fig. 50 mostra um dos exemplos mais conhecidos de comportamentos ritualizados em aves. 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 50: Alimentação “carinhora” Dompfaff: macho (direita) e fêmea (esquerda); segundo NICOLAI, 1956, in: FRANCK, 1985. Um outro exemplo de comportamentos ritualizados provém da praxis docente: o professor bate com o punho sobre o tampo da sua secretária para chamar atenção aos estudantes irrequietos. Certamente que ele não pretende agredi-los, mas sim avisar sobre o seu mau comportamento. O punho e o bater, porém, significaram mesmo ao nível dos primatas um comportamento agressivo, o qual é acompanhado pela exibição dos dentes caninos. Também caninos exibem seus dentes em demonstração de ameaça. Aves abrem os bicos em sinal de ameaça (Fig. 51). 2.2 Vectores do Comportamento 331 331 Fig. 51: Bienenfresser ameaçam abrindo o bico (segundo KOENIG, 1951) O processo de ritualização tem como finalidade tornar acções de sinal mais evidentes e inconfundíveis, estreitando mais o seu campo de variação de significado. Deste modo, surgem acções de sinal, digamos, normados. Segundo FRANCK (1985), esta normalização alcança-se por duas vias: Os comportamentos-sinal aparecem apenas numa única intensidade típica, i.e., são construidos à base do princípio de “tudo-ou-nada”; Nos comportamentos constituídos por movimentos intencionais opostos, por exemplo, a postura erecta da gaivota, os componentes do movimento formam um compromisso típico entre variante de agressão e a de medo; 2. Características Gerais do Comportamento Algumas variáveis de elementos comportamentais exibidos na cadeia de um comportamento ritualizado, podem, digamos, condensar, i.e., ficam imutáveis e sobre eles formam-se novos componentes. O processo de ritualização envolve três complexos: 1. O substrato morfológico; 2. A motivação e 3. A organização espacial e temporal do comportamento. Sendo assim, na ritualização estão abrangidos os três vectores de comportamento analisados anteriormente (vector de entrada, vector do estado interno e vector de saída). Neste sentido, apenas as motivações é se situam no vector do estado interno, enquanto os outros dois complexos tanto podem referir-se ao vector de entrada, como também ao de saida. No campo de recepção de informações (vector de entrada) modificam-se os mecanismos de (pré)filtração dos órgãos dos sentidos. Por seu turno, do lado do motor modificam-se os padrões motores de acção. Ambos os lados condicionam-se mutuamente: os sinais devem estar adaptados ao receptor e este aos sinais. A modificação do substrato morfológico refere- se nestes caso aos órgãos dos sentidos e motores. As principais modificações ocorridas no processo evolutivo, do qual se derivaram os sinais, pelo menos no campo visual, são as seguintes (TEMBROCK, 1993): 2.2 Vectores do Comportamento 333 333 1. Mudança de significado do estímulo externo; 2. Modificação da motivação, o objecto functional não é mais uma presa, mas sim um membro inferior do grupo social ao qual o indivíduo dominante dirige-se; 3. Modificação até perda das componentes de orientação; 4. Aparecimento de estruturas morfológicas adicionais; 5. Modificação no limiar de excitação; 6. Modificação do padrão de execussão de elementos comportamentais (intervalos, períodos, duração, relação de fases nos comportamentos rítmicos); 7. Acentuação das componentes do comportamento; 8. Desaparecimento de outras componentes; 9. Mudança na sequência dos elementos do comportamento; 10. Incorporação obrigatória de informações adquiridas individualmente; 11. Sobreposição de acções do comportamento consumatório e do comportamento-sinal; 12. Incorporação de elementos da ontogénese e da filogénese. Ritualização não precisa de se limitar ao motor somático e às suas estruturas subordinadas, ela pode também incluir sistemas vegetativos. Finalmente, comportamentos ritualizados podem voltar a sofrer modificações posteriores, num processo que é visto como ritualização 2. Características Gerais do Comportamento secundária. Na ritualização secundária o comportamento sujeita-se à uma nova mudança de função, como é o caso da comunicação verbal humana, na qual já existiam elementos biocomunicativos ritualizados a partir de comportamentos consumatórios anteriores: eu vou bater-te, é o exemplo mais elucidativo e, por conseguinte, o mais clássico. Evolução do comportamento é um acontecimento complexo que envolve as várias classes de fitness que foram descritas em capítulos anteriores, nomeadamente: (1) fitness individual, (2) fitness ecológico (3) fitness reprodutivo e (4) fitness biossocial. O valor adaptativo do comportamento só será abarcado numa análise funcional. Para o efeito, apresenta-se de seguida o exemplo do comportamento de muitos animais (neste caso do leão). A Tab. 2 sumariza o exemplo: Tab. 2: Quadro ilustrativo de uma análise sobre o valor adaptativo do comportamento (do leão). Observação Explicação causal Explicação funcional Fêmeas encontram-se sincronizadas nos seus ciclos reprodutivos (éstricos). Sinais químicos? a) Maior chance de sobrevivência dos seus filhotes; b) Maior chance de sobrevivência dos seus filhotes machos na altura de abandono 2.2 Vectores do Comportamento 335 335 do grupo.Uma fêmea copula durante a época fértil (quase) todos 15 minutos. a) Momento da ovulação desconhecido; b) Menor probabi- lidade de fecunda- ção. Reduz a competição dos machos pelas fêmeas relativamente à cópula. Animais juvenis e gravidezes existentes não sobrevivem, quando um novo macho dominante toma o grupo. a) Aborto (por indução química?); b) Machos matam filhotes (infanticídio). a) Fêmeas rapidamente voltam a ser fecundáveis; b) Machos afastam filhotes de “pais” anteriores para evitarem competição com seus próprios filhotes. Vários outros comportamentos tanto animais como humanos servem para ilustrar a questão ora apresentada. De facto, quem observa fenómenos comportamentais tais como os alistados abaixo 17 , muito depressa se coloca a questão acerca do seu valor adaptativo, ou seja porque evoluiu tal comportamento. Eis alguns exemplos mais clássicos: - Altruísmo: Porquê morrer pelo outro? 17 ) Pelas suas implicações na Ética e na Teologia Moral, tenho privilegiado esta discussão apenas na Sociobliogia animal. 2. Características Gerais do Comportamento - Fratricídio: Porquê matar um irmão? - Genocídio: Porquê exterminar um clã, uma etnia? A discussão destes conceitos (comportamentos) deve envolver mais disciplinas tanto das áreas do comportamento, como das filosofias, da ética e a própria moral. De contrário, fica-se pela promoção de comportamentos negativos baseando-nos no biologismo ou bahaviorismo. O aspecto funcional relativamente a fenómenos (comportamentos) questiona sobre o ponto de acção da selecção natural. Neste contexto, existem concepções bem diferentes, das quais as mais importantes são as seguintes: - Selecção interdeme: diferenciação selectiva entre unidades populacionais locais, que são designadas de metapopulações. A distribuição populacional de certas populações de mamíferos em África faz parte desta forma de selecção; - Selecção de grupos: diferenciação selectiva entre grupos sociais como forma especial da selecção metapopulacional; - Selecção individual: diferenciação selectiva entre indivíduos de uma população; - Selecção parentesca ou de clãs (o.m.q. “kin selection” do Inglês): diferenciação selectiva entre indivíduos de diferentes clãs. Comment [u13]: internete 2.2 Vectores do Comportamento 337 337 No último caso a selecção refere-se directamente ao genpool de uma população. Nos últimos tempos, tem-se provado que diferentes animais (entre outros, gerinos, peixes e mamíferos) estão em condições de diferenciar entre indivíduos “parentes” de outros da mesma espécie. Pontos de discussão 1. Interprete a afirmação: Fitness define, em primeiro lugar, o valor selectivo (da selecção), ou seja, o que de optimal resulta de uma selecção natural, mesmo tendo em conta que evolução não significa selecção natural, mas que selecção natural é um mecanismo para evolução. 2. Diz, 2. Características Gerais do Comportamento Como é que se relacionam os diferentes tipos de fitness de um organismo (ver diagrama do capítulo). É possível definir fitness de um indivíduo apenas? 3. Interprete a afirmação: Fitness reprodutivo define o conjunto de estratégias e sistemas sociais que visam maximizar o sucesso reprodutivo do indivíduo. Assim, os indivíduos estão preocupados em: (...) Produzir descendentes em número e relação optimais entre machos e fêmeas. 4. Interprete e exemplifique os pontos referidos para a afirmação: Para se assegurar a evolução biológica os sistemas biológicos tiveram de ser capazes de: a. Autoreprodução (inclui reprodução e ontogénese); b. Reparação de defeitos; c. Estabilidade e solidez contra perturbações; d. Compensação de desgastes; e. Produção de informações (negentropia, auto-instrução). 5. Aplique de modo interpretativo a seguinte afirmação no comportamento de construção de armadilhas da formiga-leão: Uso do fundo comportamental existente e sua adaptação a determinadas condições ambientais através de modificações no genótipo e/ou no fenótipo; 6. Encontre exemplos para cada aspecto evolutivo descrito pelo texto seguinte: O processo de ritualização envolve três complexos: a. O substrato morfológico; b. A motivação e c. A organização espacial e temporal do comportamento. 2.2 Vectores do Comportamento 339 339 Capítulo 4 Bases Fisiológicas do Comportamento 4.1. Sistema Nervoso & Comportamento (Neuroetologia) 4.1.1. Bases gerais 2. Características Gerais do Comportamento Em muitas ocasiões foi dito que o comportamento animal demonstra uma organização no tempo e no espaço. De resto, trata-se de um aspecto de organização hierárquica complexa que implica o funcionamento coordenado dos três vectores descritos acima. Isto pressupõe que algures no organismo, existam mecanismos de integração que ordenam e coordenam os diferentes elementos comportamentais de modo a dar-lhes sentido. Simplifacadamente, nós podemos questionar sobre o funcionamento dos órgãos dos sentidos, do sistema nervoso central, do sistema nervoso vegetativo, do sistema motor e do sistema hormonal (também diz-se humoral), etc. Basicamente existem dois mecanismos de direcção e regulação de processos no organismo animal nomeadamente, o sistema nervoso e o sistema hormonal, colocando o organismo numa situação funcional e optimal no meio que o rodeia. Estas duas instâncias demonstram muitas semelhanças na sua acção coordenadora entre o organismo e o ambiente; porém, elas demonstram também muitas diferenças quanto às suas propriedades particulares. Assim, hormonas actuam de modo relativamente muito lento, domonstram, contudo, um efeito duradoiro comparativamente aos nervos. O sistema nervoso, devido as suas propriedades, está mais para processos reguladores de curta duração, não querendo negar todas outras propriedades do SNC. A disciplina biológica que se ocupa do estudo comportamental ao nível do fisiológico chama-se 2.2 Vectores do Comportamento 341 341 Etofisiologia, tal como foi dito na introdução e na descrição metodológica da Biologia do Comportamento. Em suma, a Etofisiologia questiona sobre mecanismos de regulação e direcção sobre os quais assenta o comportamento animal. Neste questionamento, o etólogo procede no sentido de análise-entrada-saída, tomando o organismo como um “black box” e analisa as relações entre os estímulos ambientais que actuam sobre o animal e o próprio comportamento. Com este procedimento torna-se possível descrever as capacidades do aparelho fisiológico e, assim, desenvolver novas questões ao nível do fisiológico. Deve-se fazer lembrar que apesar do etofisiólogo servir-se dos métodos experimentais da Fisiologia, ele não coloca as questões ao nível meramente fisiológico: ele ultrapassa este nível e coloca o comportamento entre a Fisiologia e a Ecologia. O comportamento de construção de armadilhas pela formiga-leão (Euroleon nostras) depende muito do sucesso anterior na captura de presa (PIRES, 1998). A construção subordina-se às instâncias neuromotoras, mas depende do meio em que o animal encontra-se. Assim, também o sucesso na captura de presa é algo que se relaciona com o ambiente. Exposta a questão desta maneira, vê-se claramente que posição ocupa a Etofiologia no contexto da Biologia do Comportamento. A formiga-leão constroi armadilhas menores, quanto maior tiver sido o sucesso de predação. 2. Características Gerais do Comportamento A capacidade dos órgãos sensoriais em animais e no Homem são, de um lado, observados e analisados com uso dos mesmos métodos usados no estudo de outros sistemas, por exemplo, o circulatório. Neste tipo de estudosprocura-se saber qual das multifacetadas influências ambientais como estímulos podem influenciar um órgão sensorial, que modificações um estímulo pode liberar numa célula receptora especial do órgão sensorial, como é que tais modificações são transformadas num padrão de impulsos neuronais e como é que, finalmente, estes padrões de impulsos se modificam para padrões sensoriais de determinadas regiões do cérebro. Todas estas capacidades e estruturas a elas subordinadas pertencem à chamada Fisiologia sensorial objectiva (BIRBAUMER and SCHMIDT (1990). 2.2 Vectores do Comportamento 343 343 Mas, a actividade dos órgãos sensoriais libera em nós também sensações e percepções. Estas são igualmente objecto de uma análise científica, nomeadamente da Psicologia da Percepção (na Psicologia) Fig. 52: Relações de processos na Fisiologia sensorial (modificado e traduzido pelo autor com base em BIRBAUMER & SCHMIDT, 1990) 2. Características Gerais do Comportamento ou da Fisiologia sensorial subjectiva (da Fisiologia), onde os dois termos possuem mesmo significado. Fig. 53 exemplifica o funcionamento do sistema óptico Os conceitos básicos de ambas as formas de estudos psico-fisiológicos são (1) a impressão, (2) a sensação e (3) a percepção. A impressão define-se como sendo a unidade básica, a forma mais simples da Fisiologia sensorial subjectiva, elemento da experiência sensorial. Uma Fig. 53: Modalidade, quantidade e qualidade e seus substratos orgânicos ao exemplo do órgão óptico (modificado e traduzido pelo autor com base em BIRBAUMER & SCHMIDT, 1990) Comment [u14]: Eindruck 2.2 Vectores do Comportamento 345 345 dessas impressões seria, por exemplo, o gosto doce. O organismo animal nunca recebe essas impressões isoladamente, mas sim como somatório de muitas e variadas impressões que chamamos de sensação sensorial : “sinto gosto de maçã azeda”, é uma expressão que traduz melhor o sentido desta explicação. Acima de uma sensação forma-se um significado, uma relação com o passado ou com a experiência e aprendizagem, do que resulta a percepção. Cada sensação e as reacções do sistema nervoso a ela subordinadas têm quatro dimensões básicas, a saber a dimensão de espaço, dimensão de tempo, a dimensão de qualidade e a dimensão de intensidade. As duas primeiras dimesões ordenam as sensações nas estruturas de tempo e espaço do nosso corpo e do ambiente. É deste modo que alguém pode localizar com certa exactidão o local da dor e, igualmente, ser capaz de dizer quando é que ele sente a dor. Relativamente ao tempo, a pessoa pode ainda dizer a duração da sensação, bem como a periodicidade com que ele sente a dor. A periodicidade, por sua vez, subentende os intervalos entre a dor. Falamos neste sentido de outras qualidades da dimensão tempo dos organismos. As duas dimesões ocorrem em toda matéria, sendo assim, podem ser encontradas na Fisiologia sensorial “objectiva”, onde o objectivo traduz o sentido de que elas ocorrem independentemente da nossa existência e vontade, i.e., do sujeito. Mais em diante fala-se da modalidade dos estímulos e sua forma de acção. Comment [u15]: Rever (Dr. Bila) 2. Características Gerais do Comportamento 2.2 Vectores do Comportamento 347 347 Fig. 54: Transdução e transformação ao exemplo de mecano-sensor; direita: medições electrofisiológicas (traduzido pelo autor com base em BIRBAUMER & SCHMIDT, 1990) Fig. 55: Inibição lateral num modelo simplificado do sistema sensorial. A) esquerda: esquema da ligação sináptica excitante de 3 sensores e 2 níveis sinápticos subsequentes (em cada nível observam-se as respectivas frequências das excitações); A) direita: distribuição das frequências de descarga F na região excitada; B) ilustra-se a acção/o efeito de interneurónios inibidores (a preto); traduzido segundo BIRBAUMER & SCHMIDT (1990). 2. Características Gerais do Comportamento 4.1.2. Funcionamento dos vectores do comportamento De acordo com as nossas considerações metodológicas, colocamo-nos agora a questão “como” ocorre um comportamento e com esta questão movemo-nos para o nível de causalidade (causas para que o comportamento ocorra). Já que nós dividimos o comportamento em três vectores, importa aqui também dar a resposta de acordo com a mesma classificação, nomeadamente: Como ocorre o comportamento ao nível do vector de entrada, Como ocorre o comportamento ao nível do vector de estado interno e Como ocorre o comportamento ao nível do vector de saída. a) Como funciona o vector de entrada? Certamente, não poderá ser tarefa deste livro detalhar aspectos fisiológicos do funcionamento do sistema sensorial, já que estes poderão ser lidos em obras mais competentes. Em muitas ocasiões, temos vindo a referir aspectos importantes sobre a relação organismo-meio ambiente. Numa delas referimo-nos ainda à posição que o comportamento ocupa na sua relação com o fisiológico e o ambiente. É exactamente dessa relação que resulta o que vamos tratar daqui em diante. Comment [u16]: Numeração muda ou retirar??? 2.2 Vectores do Comportamento 349 349 Do ponto de vista de Física, animais constituem sistemas abertos. Sistemas abertos são caracterizados pela contínua e ininterrupta troca de substâncias e de energia com o ambiente. Através dos processos de troca, todos os seres vivos ligam-se ao seu meio e são dependentes dele. Como consequência disso, cada animal (sobretudo animais livres) devem receber informações sobre o meio que os rodeia para obter o alimento, encontrar um parceiro sexual, defender-se de perigos. A obtenção de informações sobre todo um conjunto de factores físico-químicos externos (temperatura, luz, humidade, etc.) deve ocorre em tempo útil. Ela pressupõe existência de receptores, estruturas especializadas do sistema nervoso, que se espalham por todo o corpo do indivíduo externa e internamente. Sobre a sua fisiologia falou-se muito em capítulos anteriores. Dependendo da sua guarnição sensorial, os animais recebem informações diferentes sobre o seu meio. Isto quer dizer que no mesmo meio animais podem receber informações diferentes e, consequentemente, demonstrarem reacções e comportamentos também diferentes. Isto significa que existem estímulos adequados e receptores adequados. Nós os humanos não conseguimos perceber a luz ultravioleta e não recebemos os sons ultra-sonoros do morcego, de igual modo que não sentimos campos eléctricos e magnétios. 2. Características Gerais do Comportamento Como tem-se dito, o vector de entrada é responsável pela recepção e pré- processamento de informações. O pré-processamento pode ser também entendido como sendo pré-filtração, já que é aqui onde ocorre a primeira decisão sobre o que deve continuar para o SNC. Do ponto de vista de Fisiologia dos órgãos sensoriais, existem dois níveis de filtração de estímulos. O primeiro resulta da própria capacidade dos receptores. Assim, um receptor pode não perceber o estímulo devido às suas propriedades de funcionamento. Morcegos e determinadas espécies de borboletas conseguem detectar sons no campo ultra-sonoro, abelhas vêm luz ultravioleta, determinadas serpentes reagem à gradiente de temperatura de aprox. 0,05 º C. A maior parte de mamíferos trabalha muito bem com os seus órgãos olfatórios do que o Homem. A capacidade dos órgãos dos sentidos de um animal está adaptada às exigências do meio em que vive. Nesta adaptação a pressão exercida pelas relações predador- presa jogou um papel evolutivo importante. Mecanismos de filtração de estímulos desempenham diferentes funções. Só através deles é que determinados comportamentos específicos são possiveis: atracção do parceiro sexual, o reconhecimento mútuo de indivíduos biossociais (perceirosexual, filhotes, etc.). A função deste mecanismo de filtração é limitada à organismos e círculos funcionais, cuja necessidade de informação é unilateral e muito especializada. Machos de borboletas com curto tempo de vida, por exemplo, necessitam de um estímulo proveniente da fêmea muito exacto para poderem Comment [u17]: Rever informação livrinho sobre serpents ou Merckel 2.2 Vectores do Comportamento 351 351 copular. Para eles existe apenas um único estímulo ambiental importante: substâncias sexuais químicas da fêmea. A segunda forma de filtração periférica, refere-se ao facto de o órgão sensorial receber o estímulo, mas não conduzi-lo ao SNC. Sobre isto referiu-se antes quando explicava o funcionamento do vector de entrada. Uma filtração baseada apenas nas capacidades dos órgãos sensoriais é insuficiente por dois motivos. De um lado, as informações biologicamente relevantes são muito complexas. Do outro lado, estímulos complexos, sobretudo na sua combinação multimodal, exigem mecanismos de filtração igualmente complexos. Para as capacidades do vector de entrada funcionam os exteroceptores, que se dividem basicamente em dois grandes grupos, nomeadamente: 1. Receptores de contacto: - Receptores do gosto; - Receptores térmicos; - Receptores de tacto ou tango-receptores18, que respondem ao tacto; 2. Tele-receptores: - Receptores do infra-vermelho ; - Mecano-receptores; 18 Tanger, tocar. 2. Características Gerais do Comportamento - Cromo-receptores; - Electro-receptores; - Foto-receptores. Como já foi dito, não é tarefa deste livro descer até aos detalhes da Fisiologia. Mesmo assim, um e outro aspectos poderão merecer atenção especial. O sentido vibratório é uma forma especial do sentido de tacto. O seu estímulo adequado é a energia mecânica oscilatória que é transmitida ao receptor no toque directo com um objecto com oscilação rítmica, ou através de um meio oscilatório, no campo proximal. Nos veterbrados os receptores vibráteis são idênticos aos mecanoceptores. Fig. 56: Antena da formiga-leão receptora de vibrações do substrato (Fotografia de microscopia electrónica de PIRES, 2000) Fig. 57: Pêlos sensoriais distribuídos pela regiões cefalotorácica da formiga-leão. Em princípio encontram-se espalhados por todo o corpo (Fotografia de microscopia electrónica de PIRES, 2000) 2.2 Vectores do Comportamento 353 353 Muitos insectos (Orthoptera, Blattoidea, etc.) possuem nas tíbias órgãos sensitivos especiais para a percepção de vibrações. Trabalhos de PIRES Fig. 58: Omatídios (7) de olhos facetados de Euroleon nostras e uma sensila (seta) (Fotografia de microscopia electrónica de PIRES, 2000) Fig. 59: Olho facetado de Euroleon nostras, esquematização dos 6 ocelos, o sétimo não foi considerado (esquema de PAULUS (1986) conjugado com fotografia de PIRES (2000) 2. Características Gerais do Comportamento apontam para uma magnitude de formas de pêlos sensitivos do sentido vibráctil dos Myrmeleonini (Fig. 56 e 57, PIRES, 1998). Ele advoga que são esses os pêlos que possibilitam a detenção de presa a aproximadamente 15 cm da armadilha como tem vindo a ser divulgado por outros autores (GEPP & HÖLZEL, 1996). A sensibilidade destes órgãos é geralmente extremamente muito elevada, baixo limiar de excitação. A Fig. 60 ilustra algumas dessas estruturas sensoriais). Fig. 60: Pêlos e outras estruturas sensoriais de Myrmeleon formicarius (segundo DOFLEIN, 1916, in: GEPP & HÖLZEL, 1996) As informações que a formiga-leão obtém do seu meio externo referentes à presa possibilitam a comportamentos típicos conducentes à captura (Fig. 61). 2.2 Vectores do Comportamento 355 355 Fig. 61: Processo de captura de presa, mostrando as diferentes fases; note-se o acto de bombardear a presa com areia (aqui, modificado segundo desenho de W. DRAXLER BASEADO EM TOPOFF, 1977, in: GEPP & HÖLZEL, 1996) Uma forma especial de receptores é 2. Características Gerais do Comportamento representada pelos receptores de dor, os nociceptores, os quais servem para a recepção de estímulos provenientes da superfície do corpo e do seu interior. Tex box 8 Nociceptores e dor Todos organismos animais (incl. Homem) estão dotados de sensores especiais, que possuem um tão elevado limiar que só através de estímulos prejudiciais ao organismos ou aos tecidos (nóxios, nocivos, do Latim noxa, prejuizo, destruição) é que se deixam excitar. Estes receptores chamam-se Nociceptores (sinónimo: Nocissensores). A sua excitação libera em regra geral dor, que por sua vez sinaliza que o corpo está a ser prejudicado (destruido) por estímulos provenientes ou do interior (infecções), ou do exterior (calor, frio) do organismos. A recepção, condução e preprocessamento nervoso central de sinais nocivos designamos por nocicepção. As estruturas nervosas relacionadas com o fenómeno chamamos de estruturas ou sistemas nociceptivas ou nocifensivas. Se, de um lado, A sensação subjectiva dor pode resultar de facto da activação do sistema nociceptivo, mas também nem toda excitação deve ser acompanhada de dor. De contrário, também a dor pode ocorrer sem 2.2 Vectores do Comportamento 357 357 excitação dos nociceptores. Qualidades de dor A dor, como sentido de dor, subdivide-se segundo o seu local de origem em várias qualidades. Em princípio ela abrange as dores somáticas e viscerais (Fig. 62). 1 a . Dor 2 a . Dor Dor Somática Visceral Dor superficial Dor profunda Dor visceral Pele Tecidos de ligamento Musculatura Vísceras Picada de agulha Beliscar Prisão muscular Dor de cabeça Cólica Infecção Apendicite Ossos Articulações Fig. 62: Qualidades de dor (segundo SCHMIDT & THEWS, 1987) Comment [u18]: SCHMIDT, R. F. and THEWS, G. (Eds). Physiologie des Menschen. 23. Auflage. Berlin Heidelberg, New York, Tokyo Springer 1987 2. Características Gerais do Comportamento A recepção de informações está relacionada com as modalidades dos estímulos, cada uma delas com receptores específicos: 1. Modalidade gustativa; 2. Modalidade olfatória (acção telequímica); 3. Modalidade de tacto; 4. Modalidade de dor; 5. Modalidade de temperatura; 6. Modalidade auditiva; 7. Modalidade óptica; 8. Também pode incluir-se nesa classificação a modalidade para campos electro-magnéticos, dos quais as aves se servem durante as migrações e muitos peixes usam na sua orientação no meio. Dentro de uma modalidade podem distinguir-se qualidades diferentes, assim, por exemplo, as diferentes cores na modalidade visual, as frequências na modalidade acústica, etc. Várias modalidades podem actuar em simultâneo, de tal modo que o resultado disso seja, por exemplo, a sensação de objecto amarelo, frio e áspero. Nisto tudo, o tempo actua como uma dimensão intermodal. Do ponto de vista da Física, o tempo constitui um continuum infinito. Nos seres vivos, porém, ele é quantificado, porcionado e o resultado é a duração de um evento, a sua repetição, sua ritmicidade e frequência. 2.2 Vectores do Comportamento 359 359 Um aspecto extremamente importante, sobre o qual os neuroetólogos têm vindo a ocupar-se desde tempos passados, é o que toca a capacidade que os vertebrados têm de percepção de figuras através do olho. Esta capacidade é de importância central para o comportamento alimentar, assim como para a defesa e a procura e escolha de parceiro na reprodução sexuada. Nos mamíferos a capacidade de reconhecimento de padrões relaciona-se com a actividade do córtex visual, assim como comas suas ligações com o Lobus inferotemporalis e com o sistema límbico. O funcionamento destas instâncias no reconhecimento de padrões de figuras não foi ainda estudado com detalhe. O mesmo diga-se em relação a participação de processos de aprendizagem neste processo. O sistema líbico, por exemplo, concentra centros associativos do SNC (Fig. 63 e 64). Fig. 63: Diagrama das duas unidades funcionais mais importantes do sistema límbico: SAC, complexo septomigdálico (vermelho); STR, Striatum (estriado); ASSN, córtices associativos Sensório Primário ASSN Motor Unimodal Sistema Sistema de de Controle Controle Visceromotor Somatomotor Supramodal Polimodal Fluxo Sensorial SAC STR 2. Características Gerais do Comportamento O que não pode ser colocado fora da cogitação é a hipótese de que processos de maturação pós embrionários jogam um papel preponderante e talvés existam até fases sensíveis para a constituição de capacidades especiais desta natureza. Estas capacidades permitem ao indivíduo o reconhecimento de presa, alimento, parceiro, filhote, mãe, etc. Fig. 64: Areais primários sensoriais e motores (escuro) do Neocortex comunicam com areais de associação (modificado a partir de Birbauer & Schmidt, 1990) No vector de entrada existem ao nível dos receptores diferentes adaptações relacionadas com a perccepção de padrões de figuras. TEMBROCK (1992) demonstra de modo particularmente interessante, como é que Bufo bufo consegue reconhecer e diferenciar entre presa e predador, apesar de ambos possuirem, basicamente, o mesmo padrão de construção do corpo. As adaptações ocorridas ao nível do vector de entrada visam assegurar duas funções importantes deste vector, 2.2 Vectores do Comportamento 361 361 nomeadamente a identificação e a localização do objecto funcional: estar orientado significa neste sentido a conjugação de ambas as capacidades. No caso do gato, identificar e localizar o rato (objecto funcional). É preciso fazer lembrar que o vector do estado interno influência, na sua actividade, tanto o vector de entrada, quanto o de saída. O gato, neste exemplo, recebe mais ruídos ambientais enquanto estiver a procura do rato. Assim que ele tiver já avistado o rato, a maior parte dos ruídos passam-lhe despercebidos. Neste exemplo está claro que a instância seguinte à da fase de procura bloqueia a primeira. Isto assegura que ao nível do vector de entrada o gato não se ocupe mais de estímulos irrelevantes. b) Como funciona o vector do estado interno? As bases fisiológicas para o funcionamento do vector do estado interno são determinadas, por um lado, pelas trocas energéticas e materiais e, por outro lado, pela constituição corpórea (massa e dimensões) que, por sua vez, deduz-se destas trocas energéticas e materiais. 2. Características Gerais do Comportamento A determinação do vector do estado interno pelas dimensões do corpo, por exemplo, pode ser entendida se observarmos a relação que existe entre a dimensão do corpo e a frequência cardíaca, frequência respiratória ou ainda a emissão de sons. Compare as seguintes Fig. 65: Comparação dos tamanhos e formas de cérebros de diferentes vertebrados (segundo ROSENZWEIG & LEIMAN, 1982) Relações. Frequência cardíaca: Ratos soricídeos (Soricidae, focinho alongado): - 1 000 batimentos/min. Baleia: - 5 – 10 batimentos/min, ou seja enquanto a baleia executa uma diástole, o rato fá-lo mais de cem vezes. 2.2 Vectores do Comportamento 363 363 Paralelamente a sua determinação por estes factores constitucionais, o vector do estado interno pode ainda ser determinado por outros diferentes factores, a saber: - As funções das células nervosas (neurónios) e a condução de impulsos; - O Sistema Nervoso Vegetativo (autónomo); - O Sistema Nervoso Central; - Os mecanismos de regulação endócrina. Praticamente, os principais aspectos fisiológicos deste vector foram mencionados atrás. Sob o ponto de vista funcional o aspecto fulcral do vector do estado interno situa-se nos eventos fisiológicos que tocam processos vegetativos e que possuem um alto grau de autonomia. Exemplos para isso são a micção e a defecação, os chamados reflexos genitais, assim como mecanismos de comando de comportamentos que, no caso dos vertebrados, provêm do tronco encefálico (Truncus encephali (Fig. 67), cujas funções, entre outras, são: - Coordenação de movimentos; - Registo de vivências corpóreas importantes (exemplo, dor); - Comando de processos vegetativos; - Homeostase; - etc. 2. Características Gerais do Comportamento Analisando estas funções do vector do estado interno, do ponto de vista de processamento de informações, ressaltam os seguintes aspectos biologicamente importantes: 1. Processamento de informações da região do sistema nervoso vegetativo; 2. Processamento de informações do sistema nervoso central; informações actuais do ambiente, informações dos conteúdos da memória e processamento integrado de informações (actuais e memorizadas); 3. Processamento de informações que se relacionam com o status endócrino do organismo. Estes três campos de funções do vector do estado interno estão coordenados entre si por forma a permitirem um equilíbrio homeostásico do organismo. Investigações actuais enfatizam muito resultados provenientes da Biologia Celular, de onde provém a maior e a mais significativa parte de resultados relativos aos processos rítmicos autónomos. São estes processos que, em última instância, possibilitam o funcionamento de relógios biológicos, conforme veremos mais em diante. A nossa necessidade de domínio sobre este vector em relação ao comportamento tem duas razões básicas: 2.2 Vectores do Comportamento 365 365 1. Ele é que controla o vector de entrada: o comportamento é o controlo do input do organismo (POWERS, 1973); 2. Igualmente, o vector do estado interno regula e comanda o vector de saía, todo o motor, e liga-o às exigências biológicas do corpo. Numa linguagem mais simplificada e resumida, dir-se-ia que o vector do estado interno constitui a ligação entre o vector de entrada e o de saída. Na evolução histórica dos animais, o pressuposto básico para o controlo do vector de entrada pelo vector do estado interno foi a formação cerebral. TEMBROCK (1992), citando COOLS (1984), diz que os comportamentos, assim como a instância cerebral a eles supra ordenada, demonstram uma organização hierárquica. Para COOLS existem três propriedades características da organização cerebral que são: 1. O extremo grau de liberdade na programação de cada estado comportamental baseado em substratos neuronais totalmente diferentes; 2. A falta, em princípio, de uma representação cerebral do comportamento no nível acima do inferior na organização hierárquica; 3. A capacidade para uma activação gradual de níveis de alta ordem durante a ontogénese, a maturação e em situações, nas quais ocorre uma perturbação de um determinado nível não pode ser compensada por sinais de entrada. 2. Características Gerais do Comportamento Às funções do tronco cerebral juntam-se as das substâncias neuronais específicas, tais como a Noradrenalia, uma substância que serve de transmiter (transmissor) em todas terminações pós ganglionares na região do Sistema Nervoso Simpático (Sympaticus, Sistema Nervoso Vegetativo). O Hipotálamo dos vertebrados (Fig. 66 e 67) tem um valor central uma vez que ele é responsável pela regulação do meio interno, a homeostase, a qual deve estar adaptada (no sentido de sintonizar) ao ambiente através do comportamento. 2.2 Vectores do Comportamento 367 367 Fig. 66: Regiões e núcleos no hipotálamo (escuro,demarcado); modificado a partir de BIRBAUER & SCHMIDT (1990) Fig. 67: Ligações de fibras mais importantes do hipotálamo modificado a partir de BIRBAUER & SCHMIDT (1990) Estimulações do Hipotálamo podem liberar no animal determinados comportamentos, o que nos leva a subordiná-los ou a relacioná-los a ele. Exemplos: 1. Reacção de defesa; 2. Características Gerais do Comportamento 2. Reacção de fuga; 3. Reacção de ataque; 4. Reacção de ingestão de alimentos e água; 5. Reacções sexuais; 6. Comportamentos termoreguladores. Do ponto de vista funcional o significado do hipotálamo pode ser resumido no seguinte: 1. Órgão regulador e controlador na actividade da Adenohipófise através de releasing e release inhibiting factors [hormones]; 2. Neuro- secreção de vasopressina e oxitocina; 3. Controle de processos motores vegetativos (autónomos): por exemplo, respiração, circulação, actividade intestinal; 4. Termorregulação; 5. Regulação de ingestão de alimentos e água; 6. Controle de comportamentos sexuais; 7. Controle de comportamentos reprodutivos através de releasing factors para as hormonas gonadotrópicas da hipófise; 8. Relacionado com o aspecto anterior está também o controle da produção de características sexuais secundárias e da maturidade sexual; 9. Regulação biorítmica (por exemplo, acordar e dormir); 10. No seu relacionamento com o córtex límbico resultam outras funções, como por exemplo, o controle de impulsos de sentimentos, emoções. 2.2 Vectores do Comportamento 369 369 Um significado especial para o desenvolvimento dos comportamentos no biograma dos Vertebrata teve também a formação do Telencéfalo (Telencephalon). O Telencéfalo representa a parte mais proximal e a maior de todo o cérebro, que preenche quase na totalidade o crâneo cerebral. Do ponto de vista de desenvolvimento, ele é o que mais se desenvolveu na filogénese dos vertebrados, tendo alcançado o seu estágio superior no Homem. O processo de formação filogenética do Telencéfalo tem sido referido, especialmente no Homem, como processo de telencefalização. Assim, o Telencéfalo tornou-se na instância máxima de todo o SNC e domina todos os centros localizados noutros sectores do cérebro. O Telencéfalo (Fig. 68) compõe-se de dois hemisférios dispostos (quase) como duas semi-esferas, Hemispheria cerebrales, separados entre si por meio de fissuras (Fissura longitudinalis cerebri) e por uma parte de ligamento (Teencephalon medum [impar] entre os hemisférios: sistema de comissuras, etc. Nos mamíferos o córtex do Telencéfalo desenvolveu-se para Neocortex. O Sistema límbico, parte do Telencéfalo, está ligado de modo especial ao Hipotálamo. Impulsos de motivação especifica e os modos comportamentais externos a eles subordinados adquirem aqui as suas especificidades. 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 68: Partes mais importantes do cérebro (encêfalo) e constituição do SNC No Homem as motivações ganharam neste contexto novo ímpeto ao tornarem-se, digamos, independentes e ligados a padrões motores aprendizados. O mesmo processo evolutivo levou ao surgimentos de processos comportamentais meramente baseados no pensamento. Text box 9 Neocortex Ganglia basale Telencephalon Sistema Límbico Prosencephalon Thalamus Diencephalon Hypothalamus Tectum Mesencephalon Mesencephalon Tegmentum Cerebellum Metencephalon Pons Rhombencephalon Medulla Myencephalon oblongata C e re b ru m ( E n c e p h a lo n ) Medulla spinalis S is te m a N e rv o s o C e n tr a l Gânglios basais: Corpus striatus, Claustrum e Corpus amygdaloideum 2.2 Vectores do Comportamento 371 371 Evolução e funções comportamentais do cérebro Funções superiores cerebrais: Como argumento para a localização das “funções superiores” nas regiões corticais toma-se como base a comparação dos SNC de diferentes espécies (Fig. 65). Esta comparação pode conduzir ao erro, como fazem notar BIRBAUER e SCHMIDT (1990), sobretudo quando a análise é feita do ângulo de visão da superioridade humana: o tamanho relativo de determinada região cerebral é primariamente o resultado de um processo evolucionário adaptativo de uma espécie a um determinado nicho ecológico. A assunção de que o aumento relativo (em relação ao peso do corpo) de estruturas corticais no Homem está relacionada com o desenvolvimento de funções cerebrais específicamente humanas, i.e., tem a ver com capacidades linguísticas, intelectuais, morais, estéticas e éticas, não pode ter suporte científico. CREUTZFELDT (1983) é excepcionalmente peremtório neste sentido. O aumento de tamanho do córtex neocortical deveria ter mais relacionamento com a redução gradual da especialização do sensório a determinadas modalidades sensoriais e do motor a adeterminados padrões de reacção, tal como pode ser constatado na comparação do Homem com o rato: a adaptação aos respectivos nichos ecológicos ditaram, sobremaneira, que partes cerebrais deveriam evoluir mais, quer seja no sentido do sensório e do sistema nervoso central, quer seja também no respeitante ao respectivo motor. O rato está mais restringido ao sistema olfatório (daí o domínio do Bulbus olfactotius) e à localização da presa através da audição (assim como pela visão) e a uma memória espacial exacta (daí o Colliculus inferior mais desenvolvimento e, igualmente, o complexo- entorinal-hipocampal relativamente mais evoluido). Comment [u19]: A que compara cérebos de diferentes animais. Comment [u20]: Creutzfeldt, O. D. (1983): Cortex cerebri. Springer Berlin, Heidelberg, New York, Tokio 2. Características Gerais do Comportamento O Neocortex evoluiu, possivelmente, como base para a formação de representações multi-sensoriais do ambiente. Também a língua 19 deve ser vista como caso especial de integração sensorial e como um sistema de orientação temporal e de fixação de tons, um problema que, de facto, foi resolvido pelo neocortex. Se compararmos os cérebros na linha evolutiva dos mamíferos, concluiremos que o neocortex no não sofreu grande desenvolvimento. O que ocorreu foi que todas as estruturas cerebrais, exceptuando o Bulbus olfatorius, aumentaram suas dimensões em relação ao tamanho do corpo. a figura indica a relação entre o neocortex e o cérebro. Tal como a figura ilustra, não existe discontinuidade entre o Homem e os restantes Primatas: o tamanho do neocortex corresponde ao valor esperado para Primatas com um determinado volume cerebral (JERISON, 1973). È naturalemente indiscutível que a relação cérebro-peso do corpo alcançou um estágio desigual favorável comparativamente aos outros Primatas. A Biologia Evolutiva sustenta como causa primária para a elevada encefalização do Homem a interacção entre caçador e presa: sob pressão da selecção natural animais carnívoros desenvolveram estratégias eficientes que possibiltaram a exploração de grandes quantidades de alimentos energéticos. Com elevadas dificuldades de localização espacial e temporal da presa, os sistemas sensoriais e seus analizadores neurais evoluiram para novas dimensões (sobretudo o sensomotor das mãos). A evolução da língua 19 Refiro-me à linguagem verbal que, no meu entender, evoluiu antes da linguagem escrita, aliás, a ontogénese suporta esta hipótese. Comment [u21]: Jerison, H. (1973): Evolution of the Brain and Intelligence. New York: Academic Press 2.2 Vectores do Comportamento 373 373 certamente não tem nada a ver com o elevado factor de cefalização, já que provavelmente a evolução da língua pode ter ocorrido mais tarde com o Homo sapiens (antes de ca. 40 000 anos). Uma análisecomparativa das capacidades de pensamento e de aprendizagem do Homem têm mais a ver com o incremento quantitativo de unidades de processamento de informações e não, como pode supor-se, com novos desenvolvimentos qualitativos (por exemplo, neurónios da língua, fala). Apesar de o hipotálamo e o tálamo constituirem uma unidade filogenética, eles são anatomicamente e no seu significado para o comportamento estruturas heterogéneas. Enquanto que o hipotálamo com as restantes partes do sistema límbico encontram-se muito relacionados anatomica e funcionalmente, o tálamo e o cortex cerebral (Cortex cerebri) formam, por seu turno, outra unidade funcional. Ligações neurais directas do tálamo para o hipotálamos parece-nos não existirem. Fonte principal: Birbaumer & Schmidt (1990): Biologische Psychologie As aminas biogénicas (Monoaminas) tais como Dopamina, Noradrenalina e Serotonina, têm neste contexto um significado especial. As aminas biogénicas indicadas, aqui, estão relacionadas entre si. Encontram-se mais concentradas em determinadas terminações nervosas e, já foram isoladas de vesículas simpáticas de determinados tecidos nervosos. Pensa-se tratar-se de “neurotransmiters”, neurotransmissores. Trata-se, aqui, de sistemas monoaminérgicos que desempenham um papel importante na regulação. Células nervosas catecolaminérgicas (no Comment [u22]: Abreviatura: ca.= cerca, circa 2. Características Gerais do Comportamento Homem) estão relacionadas com emoções intensivas. Elas também trabalham como neuromoduladores. Para o funcionamento do vector do estado interno jogam também um papel importante substâncias formadas e transportadas de outras formas no organismo. Não se trata aqui dos nurotransmissores, mas sim de neurossecreções e hormonas. São substâncias que provocam efeitos específicos em determinados órgãos. Existem hormonas de tecidos e neuro-hormonas que são transportadas a relativamente curtas distâncias. Delas fazem parte certas Aminas, Plasmaquininas e Prostaglandinas. No cérebo existem vários Oligopéptidos que influenciam a função do sistema nervoso e (consequentemente) do comportamento. Um dos efeitos de determinas substâncias é a mudança de cor da pele, o que pode representar um certo status do organismo, por conseguinte, com função biocomunicativa. Em todo o reino animal existem substâncias liberadas pelas células nervosas. Em invertebrados, praticamente todos os processos fisiológicos são influenciados por tais substâncias, enquanto que nos vertebrados elas funcionam mais na regulação da homeostase. No cérebro dos insectos as neurossecreções localizam-se mais na região anterior, por exemplo, no Pars intercerebralis, parte do cérebro ligada à inervação dos ocelos. Das actividades reguladas por este sector contam-se a reprodução, locomoção, mudança de cor, etc. 2.2 Vectores do Comportamento 375 375 A Neurohipófise dos vertebrados produz também muitas hormonas, cuja secrecção é regulada pelo Hipotálamo. Podemos alistar neste grupo a Oxitocina, cuja secrecção durante o parto libera o comportamento de ligação mãe-filho dos mamíferos e actua na actividade de secrecção da glândula mamária. As glândula endócrinas funcionam pelo princípio de feedback. Da Adenohipófise conhece-se ainda a hormona MSH (hormona estimulante dos melanonóforos), que estimula a mudança de côr nos anfíbios e répteis (camaleão). Um significado especial têm as hormonas sexuais. Estas estimulam mudanças orgânicas relacionadas com o sexo durante a ontogénese. Da sua acção conjugada com fenómenos temporais ambientais resultam também comportamentos específicos. Em fêmeas de aves canárias (Serinus sp.), por exemplo, é suficiente o canto do macho para estimular mudanças ao nível hormonal e liberar o comportamento de construção do ninho, um efeito primário ou motivador típico. Nos machos existe uma correlação positiva entre a prontidão para o canto e o tamanho dos testículos ao longo do ano. De uma maneira geral, o metabolismo de testosterona tem um grande significado na liberação de comportamentos sexuais. Estudos do género foram mais realizados em aves. Resultados actuais mostram que metabólitos de testosterona participam na indução de determinados 2. Características Gerais do Comportamento comportamentos, mesmo que se trate de comportamentos que se relacionam com a actividade sexual de modo indirecto, como por exemplo, a prontidão para actividade locomotora. Os diferentes sistemas motivacionais que participam em simultâneo na liberação de comportamentos ligados ao sexo (corte agressiva direccionada ao parceiro e comportamento relativo à construção, estado de cópula associado à defesa simultânea do território) são certamente liberados por instâncias diferentes. O androgénio das gónadas activa a área pré-óptica (Area praeoptica) do Hipotálamo e conduz assim ao comportamento agressivo. Enquanto isto, mecanismos sensíveis ao estrogénio são responsáveis pelo comportamento de construção de ninho. O status hormonal da fêmea muda sob influência do cortejamento do macho. Isto tem um efeito interessante: se uma fêmea reage muito cedo à presença do macho com movimentos de corte (inclinação da cabeça), esta pode ser “recusada e agredida”. Esta estratégia de corte utiliza de modo informacional o status hormonal do macho e serve para elevar a probabilidade de copular apenas uma fêmea que não tenha sido copulada antes por outro macho. Text box 10 a) Estrogénio e comportamento Em geral, sabe-se que a influência de hormonas sexuais provenientes dos 2.2 Vectores do Comportamento 377 377 órgãos sexuais é inferior em Primatas adultos do que em adultos de outros mamíferos. Daí que é necessário que o indivíduo tenha acumulado uma certa experiência relativamente aos comportamentos de cortejamento e de cópula para que este, depois da ovariectomia 20 ou castração 21 possa manter comportamentos sexuais. Comportamentos femininos de cortejamento e de copulação são mais influenciados pela produção de testosterona do que do estrogénio (androgénios são igualmente produzinos nas suprarenais e sua produção mantem-se em todos momentos do ciclo menstrual). Contraceptivos que reprimem o ritmo de hormonas hipotalâmicos, hipofisiárias e ovariais, não demonstram nenhuma influência sobre a frequência do comportamento sexual, o que sublinha a ideia de sua insignificância na liberação e na frequência de comportamentos e apetência sexuais. b) Androgénio e comportamento Enquanto que o androgénio em mamíferos não humanos, sobretudo ratos, influencia massivamente as reacções sexuais, no Homem e em Primatas o seu efeito é extremamente diminuto, enquanto se mantem o seu nível normal no sanguem (nível normal é de 350-1000 nanogramas/litro de sangue). Mesmo na idade avançada em regra o nível permanece o mesmo. Caso o nível de testosterona decresça abaixo de 350, ocorre impotência e só com 20 Ooferectomia (muita literatura refere-se erradamente a ovariectemia como ovarioctemia por influência da palavra-mãe ovário). 21 Do Latim, castráre= afastar, retirar, em princípio refere-se tanto ao macho, como à fêmea. Castração é um fenómeno que ocorre logo após a puberidade, um decrescer da apetência sexual por alguns anos. 2. Características Gerais do Comportamento administração médica de testosterona é que se estabelece o comportamento sexual. O nível normal de testosterona conduz ao baixamento do libido 22 (“feed back” negativo no hipotálamo. Fonte principal: Birbauer & Schmidt (1990): Biologische Psychologie Fig. 69: Controlo do funcionamento de hormonas pelo sistema feed back. Em todo o domínio de comportamentos sexuais deve ter-se em conta que os próprios comportamentos influenciam o statusinterno do indivíduo, 22 Impulso ou motivação sexual. Meio Meio interno interno Truncus encephali Noradrenalina Dopamina Hypothalamus Catecolaminas Péptidos Eminentia mediana Pars nervosa Hormonas inibidoras Hormonas liberadoras1 Adenohypophysis Octopéptidos Hormonas Hormonas glandulares glandotrópicas Hormonas endrócrinas II. Ordem Hormonas glandulares Órgão efector 2.2 Vectores do Comportamento 379 379 mais ou menos naquilo que se chamaria de processo de rectro- alimentação (o.m.q. feed back, Fig. 69). O efeito do androgéneo basea-se particularmente no controlo da diferenciação de funções hipotalâmicas, que participam na construção de padrões comportamentais. Existem resultados significativos relacionados com a influência do nível hormonal sobre os comportamentos. Trata-se da relação entre o nível do androgéneo (durante a fase ontogenética de diferenciação do hipotálamo), a função das gónadas e o comportamento sexual tardio. Eis, aqui, algumas conclusões referentes a esses estudos: 1. Baixo nível de androgéneo numa fase crítica de diferenciação do hipotálamo (fisiologicamente normal na mulher) resulta, no homem, numa diferenciação de um cérebro feminino com centro sexual de regulação cíclica da gonadotropina. Também resulta na formação de um centro erótico feminino. Homens com este desenvolvimento tendem à homossexualidade. 2. Nível médio de androgéneo na mesma fase crítica (típico para o homem) ocasiona em ambos os sexos uma diferenciação de cérebro masculino, diferenciam-se também um centro sexual tônico (não cíclico) e um centro erótico masculino. Tratando-se de uma mulher, isto pode levar também a comportamentos homossexuais. 2. Características Gerais do Comportamento 3. Níveis elevados de androgéneo (mas também de estrogéneo), contrariamente, conduz em ambos os sexos a problemas sexuais tardios. Também comportamentos de cuidados com a próle são controlados por hormonas, nisto a prolactina dos vertebrados desempenha um papel central. c) Como funciona o vector de saída? O vector de saída (output) não deve ser reduzido ao observável, ao mensurável, muito embora, do ponto de vista da Etologia clássica, ele se situa no centro das atenções dos investigadores. O seu nível mais elementar é, por conseguinte, o motor. Na introdução aos comportamentos ritualizados focalizaram-se dois conceitos importantes: comportamento-sinal e comportamento consumatório. Em ambos os casos trata-se de comportamentos que assentam sobre uma base fisiológica, mas que actuam sobre um ambiente concreto. Da Fisiologia Animal sabemos que o motor está relacionado com o funcionamento de proteínas contrácteis, as quais, com excepção de algumas particularidades dos protozoários, são encontradas em todos os animais: é a actina e a miosina (Fig. 70). 2.2 Vectores do Comportamento 381 381 No que concerne às funções do motor, pode-se diferenciar entre a função motora de postura e função motora de movimento. Enquanto isto, existem para o movimento as seguintes bases: 1. Movimento originado pela função de organelos de forma constante, como o que encontramos nos flagelados e ciliados: ondulópodes; 2. Movimento causado por organelos de forma variável: pseudópodes; 3. Movimento através de organelos celulares contrácteis: mionématos: 4. Movimento causado por células musculares dos metazoários. Animais com estas células desenvolveram um esqueleto que pode ser diferente dentro dos metazoários, esqueleto osseo-muscular. Os processos fisiológicos relativos/responsáveis ao funcionamento do motor e, com este, do vector de saída referem-se aos seguintes níveis: 1. Processos biológicos celulares de produção cíclica de energia, maioritariamente sob forma de Adenosina trifosfato (ATP); 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 70: Premissas estruturais e mecanismo de ligação/acoplamento electromecânico. A) Ultra-estrutura de uma fibra de músculo esquelético; B-D) diferentes processos de ligação/acoplamento ellectromecânico, antes e depois de estimulação (segundo BIRBAUMER & SCHMIDT, 1990) 2.2 Vectores do Comportamento 383 383 Fig. 71: Sistema motor numa visão geral; estruturas envolvidas, suas capacidades isoladas e seus papeis até execussão do motor 2. Processos neurais ligados à oscilações espontâneas que se deixam medir sob forma de pontenciais eléctricos das membranas; 3. Processos de transmissão aos motoneuróneos, os quais através de sinapses provocam contracções musculares; 4. Processos neuronais (o.m.q. neurais) complexos, que colocam programas motores (inatos e adquiridos) à disposição de todo um conjunto de actividades comportamentais do organismo. São estes processos que, no seu conjunto, tornam, de um lado, os movimentos possíveis, e, do outro lado, possibilitam uma coordenação motora, conforme constata von HOST (1960). As diferentes formas de Areais subcorticais e corticais de emoções Córtex de associação Projecto/programa de acção Gânglios Cerebelo basais Motor envolvido na acção Motor de suporte/ apoio Neurónios espinais Reflexos mono- polisinápticos Acção muscular distenção/contracção Estrutura Capacidade Papel no movimento Unidades motoras Hirnstamm Impulso para acção Execussão Programa Plano Tálamo Córtex motor Sensório 2. Características Gerais do Comportamento coordenação motora, por sua vez, tornam possível, por exemplo, a marcha, o voo, a natação, e outras formas de locomoção de animais que exigem certa coordenação do motor nos diferentes níveis e graus de liberdade no espaço. Padrões motores como resultado de uma coordenação da actividade muscular no tempo e no espaço são possíveis, nos mamíferos, ao nível do sistema extrapiramidal, enquanto que nos vertebrados inferiores o controlo reside ao nível do tronco encefálico, sobretudo da medula espinal que coordena o motor da cabeça e do tronco. Com base nisto tornam-se possíveis movimentos elementares. Resultam também destes sistemas os mecanismos basais de domínio do corpo e de orientação primária. Text box 11 Sistema extrapiramidal (SEP) Trata-se de um sistema de cordões que servem o motor autónomo (tónus muscular, eferência reflectora), assim sendo, partem de centros subcorticais e terminam directa ou indirectamente nos motoneurónios da coluna anterior. Todos os cordões do SEP ocorrem no Funiculus ventralis anterior] ou no Funiculus lateralis. Os mais importantes são os que de seguida se descrevem: Tractus vestibulospinalis. Situa-se no Funiculus ventralis anterior], parte dos núcleos vestibulares do Rombencefalo (Nucl. vestibularis lat.) e corre não cruzado. Ele transmite intermedia efectores reflectores para o equilíbrio e sentido espacial Tractus tectospinalis. Situa-se também na margem anterior do Funiculus ventralis anterior]. Começa no Colliculus cranialis superior]. da Lamina tecti do Mesencefalo, cruza para o lado oposto e alcança, no mesmo nível, sobre os interneurónios os motoneurónios da coluna anterior. Tractus reticulospinalis ventralis anterior], localia-se igualmente no cordão Comment [u23]: Abreviaturas 2.2 Vectores do Comportamento 385 385 anterior, parte do Formatio reticularis do Tronco encefálico. Está para o motor rítmico autónomo, como por exemplo a respiração. Tractus rubrospinalis, localiza-se no Fasciculus lateralis ao lado e perto dos cordões piramidais laterais. O seu significado parece relacionar-se com a coordenação. Tractus olivospinalis, cuja função não foi ainda esclarecida. Fonte principal: Voss & Herrlinger (1981): Taschenbuch der Anatomie Animais mamíferos possuem, além do que foi dito, outros doismecanismos motores, nomeadamente 1) os chamados Movimentos de correcção, como ajuste às forças perturbadoras do ambiente e do próprio corpo do indivíduo e 2) os movimentos de coordenação (coordenação com processos de excitação no sistema nervoso vegetativo, execução de movimentos voluntários, cujos impulsos provêm de regiões motores do córtex cerebral). No Homem estes sistemas ganharam nova qualidade com o desenvolvimento da consciência. 2. Características Gerais do Comportamento Pontos de discussão 1. Exlique a afirmação seguinte: A Etofisiologia questiona sobre mecanismos de regulação e direcção sobre os quais assenta o comportamento animal. 2. O que é afinal a Fisiologia sensorial objectiva e em que difere da Fisiologia sensorial subjectiva? 3. Busque exemplos concretos para cada um dos níveis da fisiologia neural: impressão, sensação e percepção. 4. Qual é o alcance filosófico da afirmação: “...do ponto de vista de Física, animais constituem sistemas abertosª. 5. Do ponto de vista de Fisiologia dos órgãos sensoriais, existem dois níveis de filtração de estímulos. O primeiro resulta da própria capacidade dos receptores. Exemplifique! 2.2 Vectores do Comportamento 387 387 6. A recepção de informações está relacionada com as modalidades dos estímulos, cada uma delas com receptores específicos. Mencione e exemplifique as diferentes modalidades. 7. Relacione o vector do estado interno com os vectores de entrada e d saida, buscando exemplos concretos? 8. Discuta o alcance da seguinte afirmação e encontre exemplos para cada factor: “Paralelamente a sua determinação por factores constitucionais, o vector do estado interno pode ainda ser determinado por outros diferentes factores, a saber”: - As funções das células nervosas (neurónios) e a condução de impulsos; - O Sistema Nervoso Vegetativo (autónomo); - O Sistema Nervoso Central; - Os mecanismos de regulação endócrina. 9. Quais são as funções do hipotálamo e de que resulta o seu papel na evolução filogenética dos vertebrados? 10. Qual é o papel evolutivo atribuido ao Neocortex comparativamente ao nível de encefalização de outros vertebrados? 2. Características Gerais do Comportamento Capítulo 5 Bases Genéticas do Comportamento 5.1 Aspectos gerais 2.2 Vectores do Comportamento 389 389 Por diversas ocasiões, tem havido discussões acesas com colegas da área de ciências não naturais, quando eles afirmam que o comportamento não pode ser herdado. Naturalmente que o comportamento é um fenótipo que expressa determinados genes. O problema é de redução à hereditariedade mendeliana de genes isolados. Ou, por outras palavras, as pessoas preocupam-se em querer argumentar que o comportamento é complexo e que não pode ser herdado como acontece com a característica da cor dos olhos. O que eles ignoram é que o comportamento é um fenótipo complexo que congrega diferentes características, desde características anátomo-morfológicas, até fisiológicas e bioquímicas, assim como características psicológicas e emocionais. Sendo assim, a sua hereditariedade deve ser analisada neste mosaico de complexidade biopsicológica. Text box 12 Etogenética Etogenética é a disciplina biológica ramificada da Etologia que (1) investiga as determinantes genéticas do comportamento que só actuam através da parte fixa das propriedades estruturais e funcionais do sistema nervoso. Ela procura, além disso, (2) esclarecer o grau de expressão do comportamento no seu significado para a adaptação das espécies ao longo da evolução. Um outro aspecto que interessa a Etogenética é (3) o esclarecimento da interacção do genoma com o ambiente na realização do comportamento 2. Características Gerais do Comportamento durante o desenvolvimento individual. Com a aparição do livro “The Heredity of Genius” de F. GALTON (1869) exclareceram-se experimentalmente algumas questões relativas às semelhanças em determinadas característica entre indivíduos de grau parentesco próximo. Investigações em relação à hereditariedade de parentes tinham estado há muito no centro das atenções dos “behavioristas 23 ”. Hoje, não existem mais dúvidas de que o comportamento do Homem e do Animal são, em grande medida, de determinação genética. Assim sendo, a Etogenética faz uso dos métodos da Génética. A tentativa (já) secular de separar o genoma do ambiente, no tocante à sua participação determinativa na formação de comportamentos, foi “arrumada”, já lá vão muitas décadas. Para recordarmos, tratava-se da discussão em torno do hereditário e do adquirido e da possibilidade de quantificação do grau de determinação genética de parâmetros comportamentais. Ficou-se em que o comportamento possui sim uma base genética, i.e. é herdado. Mas, na sua expressão participam elementos da aprendizagem e os factores ambientais condicionam a sua expressão. Por outras palavras, reside no material genético o potencial repertório comportamental de um organismo, a sua ralização acontece na interacção com o ambiente. Bibliografia principal: Gattermann (1993): Verhaltensbiologie 23 Behaviorismo, linha de pesquisa de Psicologia fundada pelo psicólogo Americano J. B. WATSON. A sua finalidade é analisar objectivamente os comportamentos animal e humano. assim, ele concentra-se no que é directamente observável ou, pelo menos, mensurável com recurso a um instrumentarium apropriado. As posições dos behavioristas foram muito polémicas, mesmo dentro dos psicólogos e biólogos. 2.2 Vectores do Comportamento 391 391 A Etogenética parte do pressuposto de que, tal como acontece com as propriedades morfológicas e fisiológicas, o comportamento animal possui uma base genética. Trata-se de uma proposição que foge do determinismo e aponta mais para uma complexa interacção genética e ambiental, i.e., entre os genes, de um lado, e entre estes e o ambiente, do outro lado. O próprio fenótipo deve interagir com o ambiente se quer se expressar na ontogénese e na actualgénese. Nesta análise, uma atenção especial vai para a constatação de que o comportamento resulta da actividade interactiva dos três vectores do comportamento, nomeadamente do Vector de entrada com os órgãos sensoriais, Vector do estado interno com grandezas internas, incluindo o SNC e do Vector de saída, caracteristicamente, o motor. Mesmo assim, isto não retira a característica principal do comportamento como fenótipo. Só que neste caso específico trata-se de um fenótipo que resulta do campo de interacção entre: O idiótipo24 (os genes existentes), assim como da interacção dos alelos e 24 O conjunto da base genética de um indivíduo chama-se genótipo, idiótipo ou informação genética (HAGEMANN, R., 1986). 2. Características Gerais do Comportamento O meio ambiente, o qual influencia a actividade dos genes e possibilita processos de regulação e modificações. No contexto desta explanação, o meio ambiente refere-se: Aos parámetros ambientais corpóreos, como interacção entre os alelos de um gene, entre diferentes genes, entre o genótipo e plasmótipo, i.e., entre informações genéticas nucleares e extranucleares, assim como entre o genótipo e as propriedades estruturais e fisiológicas do organismo, Aos parámetros ambientais provenientes da biogeocenose, com maior destaque para interacções materiais e energéticas, incluindo motivações destinadas à satisfação do fitness ecológico e individual, Aos parámetros ambientais do sistema populacional sob influência do reservatório genético populacional (Inglês, gen pool) aí existentes. Sobre estas três classes de parâmetrosrecaiu certamente a pressão da selecção natural que terá conduzido ao surgimento e à modificações de comportamentos. Text box 13 Realização da informação genética 2.2 Vectores do Comportamento 393 393 A informação genética primária para a sequência dos aminoácidos das proteinas existe codificada como sequência de quatro nucleótidos diferentes no ADN, pelo menos para a maioria dos objectos. Os quatro nucleótidos diferem entre si através da sua composição de bases (Timina, Adenina, Guanina e Citosina). No processo de realização da informação genética, esta informação é transmitida à sequência nucleotídica do mARN 25 (Mensenger- RNA, RNA mensageiro), este processo denomina-se transcrição. Depois, no processo de síntese protéica, a sequência nucleotídica do mRNA é traduzida em sequência de aminoácidos das proteínas, tranlação. A enzima que cataliza a transmissão da informação de RNA ao DNA chama-se transcriptase reversa. Em princípio o processo de realização da informação genética é idêntico tanto nos eucariontes, como nos procariontes. Contudo, em resultado da complexidade organizacional das céluas eucarióticas, resultam certas diferenças. Uma delas relaciona-se com o facto de que nos procariontes, transcrição e translação praticamente encontram-se muito ligadas no espaço e no tempo (o que surge nos cloroplastos e mitocôndrias dos eucariontes). Nos eucariontes a transcrição ocorre no núcleo e a translação no citiplasma. Entre ambos existem passos incorporados relativos ao transporte e funcionalização do mRNA. Bibliografia principal: Hagermann (1986): Allgemeine Genetik 25 Afim de evitar confusão utilizar-se-á DNA para ADN e RNA para ARN, é que a literatura internacional tem estas como opç~pes mais usuais. 2. Características Gerais do Comportamento O text box acima diz-nos sumariamente que os primeiros passos de transmissão genética (acção génica primária) são determinados pela sequência DNA RNA POLIPEPTÍDEO que, por sua vez, sob influência de factores ambientais, leva à formação de uma característica fenotipicamente mensurável. Neste processo podem ocorrer modificações resultantes de uma modificabilidade flutuante, digamos, em torno de um valor médio, ou então de uma modificabilidade alternativa, em que ocorrem apenas expressões características alternativas. Algumas características fenotípicas passam por periodos críticos para a sua expressão e apenas durante essa fase sensível é que a sua expressão é possível. Por outras palavras, isto quer dizer que a acção modificadora ou influenciadora da interacção ambiente-gene ou ambiente-fenótipo só é possível durante tais fases críticas. Na discussão sobre bases genéticas do comportamento devem distinguir- se três níveis de referência: 1. O nível de causalidade processual, que se realiza na actualgénese, como por exemplo, o começo e a sequência dos comportamentos de limpeza. Neste caso as variações tipicamente intra-individuais são facilmente observáveis. Este nível de análise permite-nos também detectar as continuidades e descontinuidades 2.2 Vectores do Comportamento 395 395 de execussão de um dado comportamento inato. O que nele é determinante é a interacção actual com o ambiente, sem se descurar, contudo, a experiência e a capacidade hereditária que o indivíduo possa ter relativamente à execussão desse comportamento. 2. O nível de causalidade funcional: aqui, as característica fenotípicas comportamentais são analisadas sob outro paradigma, nomeadamente o da função que elas desempenham. Qual é a função de esgravatar o chão pela ave, por exemplo? Ele pode servir tanto para a ovoposição, como para enterrar ou colectar o alimento, ou mesmo para fins de briga (ameaça, ataque, fuga, apasiguamento, aquietar) e de cópula (Fig. 72). 3. O nível de causalidade histórica: ontogénese e filogénese. Na ontogénese está inclusa a actualgénese. Na análise da ontogénese do comportamento facilmente podemos detectar o que resulta da Fig. 72: Comportamento agressivo reorientado da Gaivota (Larus rudibundus); segundo TINBERGEN: The Study of Instinct. 2. Características Gerais do Comportamento herança e o que provém da aprendizagem. Na análise filogenética dos comportamentos dá-se maior ênfase à investigação das homologias (Fig. 73 e 74). Fig. 73: Cerimónia de saudação de diferentes espécies de gaivotas (Larus argentatus e Rissa tridactyla), diferem claramente na sequência dos eventos de saudação (segundo TINBERGEN, 1959) 2.2 Vectores do Comportamento 397 397 Fig. 74: As duas espécies de gaivotas descritas na figura anterior (MACLEAN, 1993) Text box 14 Homologias e análises evolucionárias A Biologia evolutiva está praticamente limitada a trabalhar com provas indirectas, uma vez que processos filogenéticos são extremamente lentos para que possam ser imediatamente analisados. Para a investigação da evolução de modos de comportamentos a comparação de espécies ganha maior relevo do que estudos morfológicos. Enquanto que estruturas morfológicas podem conservar-se por milhões de anos através de fósseis, pesquisas comportamentais teriam nesta base metodológica pouco sucesso. Partindo da construção óssea, pegadas dos pés, formações dentárias, podem sim construir-se algumas indicações sobre a locomoção e hábitos alimetares 2. Características Gerais do Comportamento de animais extintos, mas ideias (informações) concernentes às estruturas sociais, coordenações hereditárias 26 , ou aprendizagem (tradições) não podem ser obtidas. Mesmo o recurso ao estudo ontogenético do comportamento fornece-nos poucos esclarecimentos sobre a evolução de modos de comportamentos. Assim, conclui-se que o método de análise baseado na “Regra Biogenética” de HAECKEL praticamente não ajuda em nada. Quanto a esta regra, deve ter- se em consideração que o desenvolvimento ontogenético dos indivíduos não deixa repetirem-se possíveis estágios filogenéticos do comportamento. O método comparativo da Etologia basea-se em primeiro lugar às coordenações hereditárias que facilmente se reconheçam como elementos comportamentais com forma constante e, tal como nas estruturas morfológicas, podem ser reconhecidas e diferenciadas de espécie para espécie. Em analogia às estruturas morfológicas que fornecem indicações sobre a formação de novas espécies a partir de grupos ancestrais mais próximos, aqui também, as coordenações hereditárias podem jogar um papel: elas existem quer na forma basal, como na forma modificada ou derivada. Este é um dos primeiros passos de uma análise da especiação. Questiona-se, assim, como é que as coordenações hereditárias poderão ter se modificado no processo de formação de espécies animais. Este processo evolutivo que se desenrola no contexto da espécie chama-se microevolução. Animais com parentesco muito próximo não diferem qualitativamente (quase em nada) no 26 Parte constituinte hereditária de uma acção consumatória, exemplo, presentação das genitálias na atracção sexual, demonstração de dentes caninos no acto de ameaça, meter a cauda entre as pernas como sinal de rendição, etc. 2.2 Vectores do Comportamento 399 399 seu inventário comportamentar, o que é diferente se abarcarmos propriedades quntitativamente mensuráveis. As modificações mais comuns numa microevolução relaciona-se com a frequência, duração, sequência e forma de coordenação hereditária. Um exemplo prático de modificações no campo de microevolução é o cortejamento dentro de espécies do mesmo grupo (galináceos, por exemplo). Comportamentos são homólogos quando eles possuem origem filogenética comum. Tais comportamentospodem ser semelhantes entre indivíduos com um grau de parentesmo muito próximo. Porém, eles podem ser bem diferentes, a chamada evolução divergente. Assim, torná-los homólogos é tarefa difícil, a não ser por via indirecta atravé de formas intermediárias. Por outro lado, comportamentos idênticos podem resultar de uma exposição à mesma pressão de selecção natural, surgem assim comportamentos idênticos independetemente uns dos outros (evolução convergente e os comportamentos são análogos). Quer dizer, é preciso diferenciar entre comportamentos com semelhanças filogenéticas (comportamentos homólogos) e comportamentos com semelhanças adaptativas (comportamentos análogos) Bibliografia principal: Franck (1985):Verhaltensbiologie Enquanto se discutem aspectos de hereditariedade no seu todo, a questão parece mais simples. As estruturas que participam na execussão de um dado comportamento são herdadas de acordo com princípios genético, 2. Características Gerais do Comportamento digamos, universais. A questão complica-se mais quando analisamos a determinação génica da execussão do comportamento em sí. Aqui interessam-nos mais duas questões complementares: Como é que os genes determinam a estrutura do sistema nervoso durante o desenvolvimento? Como é que a estrutura (o sistema nervoso), por sua vez, vai gerar o comportamento? A disciplina que se ocupa dos aspectos de hereditariedade do comportamento chama-se, como se disse, Etogenética. Nesta área trabalham tanto os geneticistas clássicos, os quais procuram detectar genes responsáveis por determinados comportamentos ou elementos do comportamento, como os etólogos. Estes últimos logram chegar a determinadas conclusões sobre a hereditariedade dos comportamentos através da genética clássica de cruzamentos de indivíduos de grupos próximos, originando assim indivíduos (ou comportamentos) híbridos. Muitas vezes os bastardos demonstram comportamentos transitórios, os quais se expressam como compromisso entre dois comportamentos extremos (Fig. 75). A figura mostra-nos diferentes formas de postura da cabeça de três indivíduos da família dos galináceos. O do meio é o bastardo. Comment [u24]: Ja foi aplicada algures, substituir por outro exemplo. 2.2 Vectores do Comportamento 401 401 Fig. 75: Postura de canto de Jagdfasan (esquerda), galo doméstico (direita) e um bastardo (no meio); segundo STADIE (1968); in: IMMELMANN (1983) O que dificulta a prossecução destas análises é o facto de que indivíduos bastardos são quase sempre inférteis. isto limita metodologicamente cruzamentos destes com os progenitores ou mesmo entre eles. As experiências não passam da geração F1. As principais conclusões a que se chegou foram resumidas por IMMELMANN (1983). Segundo ele as investigações recentes mostram-nos que: As bases genéticas do comportamento correspondem às das diferentes característiscas dos organismos; Na sua grande parte os comportamentos subordinam-se a uma herança poligénica, em que diferentes genes determinam o processo de formação de um comportamento; 2. Características Gerais do Comportamento O comportamento de um animal constitui um todo harmónico, que pode ser afectado.por modificações e perdas de suas componentes, como é o caso dos bastardos. Problema de homologias Para uma unvestigação filogenética do comportamento é importante saber, se as características por investigar e comparar são homólogas ou análogas. Este aspecto que, do ponto de vista de paradigma, é novo nos estudos do comportamento animal, trás consigo nova complexidade. Trata-se de uma complexidade a dois níveis: de um lado, temos a questão de metodologia de investigação; por outro lado, confrontamos-nos com a questão relativa à definição. É que, se para as estruturas corpóreas a descoberta de homologias e analogias parece ser coisa, praticamente, já resolvida, ou cuja solução é metódica e filosoficamente de aceder, o mesmo já não se passa relativamente aos comportamentos. Homologias referem-se, primeiramente, às estruturas que evolucionarmente possuem mesma origem. À elas opõem-se as analogias, as quais se referem a estruturas de origem filogenética diferente, mas que desempenham funções semelhantes. No último caso, trata-se de uma mera adaptação ao ambiente. Assim, diz-se que elas derivam-se de uma evolução adaptativa. 2.2 Vectores do Comportamento 403 403 Para as homologias estruturais é fundamental que elas possuam a mesma memória informativa responsável pelo aparecimento da característica. Esta memória informativa é, geralmente, o genoma. Isto já não acontece no caso do comportamento, para o qual entra em acção mais uma memória informativa, nomeadamente a memória ontogenética do indivíduo, baseada no funcionamento do SNC (o sistema límbico, áreas associativas e o hipotálamo jogam papel central). Como resultado deste facto, podemos observar o mesmo comportamento em indivíduos de grupos filogeneticamente diferentes, que se transmitiu por meio da aprendizagem, mesmo que se trate de mera imitação, como é o caso de aprendizagem do canto ou de estrofes do canto entre espécies de aves diferentes. No caso deste tipo de homologias, a herança é do tipo tradicional, através de tradições. Metodologiamente, a falta de fósseis para o estudo de homologias comportamentais vem agravar ainda mais a complexidade da investigação. IMMELMANN (1983) procurou aplicar alguns dos critérios de homologias de REMANE, nomeadamente os critérios de “qualidade especial”, de “localização”, de “ligação ou relacionamento a apartir de formas transitórias”. Neste contexto, PIRES (2000) ao analisar o comportamento de construção de armadilhas pelas formigas-leão (Euroleon nostras e Callistoleon manselli) descobriu que ambas as espécies alargam o funil ritmicamente em intervalos de aprox. 24 horas. Euroleon nostras alarga o funil através do aumento do diâmetro. Callistoleon manselli, contrariamente, fá-lo através do perímetro do funíl, 2. Características Gerais do Comportamento criando sulcos radio-laterais (Fig. 76). Em ambos os casos a função do comportamento é o de maximizar a chance de contacto contacto da armadilha com a presa e está em função do tempo e da ausência de presa. O autor refere-se que trata-se sem dúvidas de homologias comportamentais que obedecem ao “critério funcional” de REMANE. Fig..76: Esquemas ilustrando o critério funcional de homologias na construção de armadilhas de duas espécies de formiga-leão: A) incremento de diâmetro de Euroleon nostras; B) aumento de perímetro de Callistoleon manselli (PIRES, 2000) Influência da domesticação sobre o comportamento Tal como acontece com processos filogenéticos de indução natural, a domesticação, quer de plantas, quer de animais, levou à evolução de 2.2 Vectores do Comportamento 405 405 muitas espécies. Através da análise de modificações ocorridas em indivíduos domesticados é possível o aprofundamento da nossa compreensão sobre os processos de evolução das espécies. Animais resultantes da domesticação diferem bastante das suas formas selvagens em uma série de propriedades e características morfológicas, anatómicas, fisiológicas e comportamentais. As características dos indivíduos domesticados podem ser chamadas de características ou propriedadas da domesticação. Text box 15 Domesticação: conceitos e aplicação Pode considerar-se domesticação o processo de surgimento de animais a partir da acção do Homem, onde, no entanto, a base é constituída por formas naturais, selvagens. Neste processo, no lugar de selecção natural e sexual, ocorre, digamos, uma selecção artificial. Através de criação orientada, ou também através de acções de criação não consciente, surgem novas características morfológicas (tamanhodo corpo, massa, coloração do pêlo, etc.) e fisiológicas (hormonas sexuais, capacidade de produção de leite e de ovos, etc.), como também novos comportamentos modificados. No geral a domesticação conduz ao empobrecimento do repertório comportamental, muitas vezes relacionado com a dimunuição da massa cerebral. Em resultado destas modificações, muitos animais domésticos passam a não ser capazes de sobreviver nos habitats naturais da espécie. 2. Características Gerais do Comportamento Bibliografia principal: Gattermann et al. (1993):Wörterbücher der Biologie: Verhaltensbiologie De acordo com a definição, considera-se que uma característica é verdadeiramente resultado da domesticação quando a diferença em causa relativamente à sua forma selvagem encontra-se memorizada no genoma e é transmitida de geração em geração. Na prática, a distinção ou descoberta de tais características torna-se difícil, uma vez que as modificações podem ser condicionadas pela interacção com o meio ambiente e passam a parecer ser produtos da domesticação. As modificações assim originadas podem sobrepor-se às da domesticação, ou ainda encobri-las. As modificações que os animais domesticados demonstram em relação às suas formas selvagens baseam-se em dois princípios básicos, aos quais os investigadores da área prendem-se mais. De um lado, animais domesticados caracterizam-se por uma grande variabilidade intraspecífica das suas propriedades estruturais, fisiológicas e etológicas comparativamente às formas selvagens. Do outro lado, porém, ocorrem convergências muito notáveis das características típicas da domesticação, que inclusivamente podem ser observadas também em indivíduos não parentes. Assim, existem em diferentes animais domésticos o angorismo (o pêlo torna-se fino) e o encaracolamento de pelugem, etc. 2.2 Vectores do Comportamento 407 407 O comportamento dos animais domesticados não foge muito aos princípios a que se subordinam outras características estruturais e fisiológicas. Contudo, é preciso salientar que neles encontramos muito mais semelhanças do que diferenças, i.e., podemos encontrar paralelismos. O comportamento, como um todo, decorre nas diferentes fases caracterizadas aquando da discussão de comportamentos motivados. Apenas alguns dos seus componentes é que sofrem alterações. K. LORENZ foi quem mais se debruçou com pesquisas a este respeito. Ele salienta, entre muitos aspectos, que a prontidão de resposta ou de acção pode elevar-se ou diminuir. Na linguagem da Fisiologia fala- se mais de limiar de excitação, um conceito que deve ser utilizado com reservas no caso de análise de comportamentos. A energia específica de acção é que sofre alterações no processo de domesticação de animais. Igualmente, os mecanismos liberadores inatos são atingidos por estas alterações evolutivas. Muitos elementos comportamentais (por exemplo, em comportamentos ritualizados) ocorrem com menor (reduzem-se) ou maior (aumentam) frequência em animais domésticos comparativamente às suas formas selvagens. No caso de redução, falamos de hipotrofia e, ao contrário, de hipertrofia, ou ainda de atrofia caso essas componentes comportamentais desapareçam por completo. Hipotrofias são frequentes no comportamento agressivo, acções de aviso, fuga e defesa, modos de comportamento de cuidados-com-a-prole e mesmo a espontânea actividade locomotora. A atrofia pode ocorrer no comportamento de 2. Características Gerais do Comportamento canto das aves. Aqui, alguns elementos de estrofes ou estrofes completas desaparecem do repertório do indivíduo. É preciso entender que tanto a atrofia, como a hipo- e hipertrofia não ocorrem apenas no sentido do selvagem para o domesticado, ambos os sentidos são possíveis, afinal trata-se de processos evolucionários adaptativos. Modificações hipertróficas são mais notáveis nos comportamentos sexuais, como a chamada hiper-sexualização de animais domésticos. Ela consiste no aumento da frequência de reacções sexuais e na sua “independência” temporal em relação aos ciclos anuais externos. As motivações para comportamentos subordinados ao comportamento sexual tomam outro decurso diferente do das formas selvagens. Como consequência destas modificações alguns elementos do comportamento de cortejamento, por exemplo, podem desaparecer ou sofrerem uma mudança de correlação de fases (Inglês. shifting). O caso mais extremo consiste no desaparecimento total de corte e na redução do comportamento sexual à própria cópula. Os elementos da cadeia comportamental que se reduzem podem ocorrer isoladamente de modo independente da cópula e, assim, subordinarem-se à outras motivações. A troca de alimento do tipo boca-a-boca acompanha geralmente o comportamento sexual em muitos animais; porém, ele pode ocorrer sem a cópula. Um aspecto importante das mudanças ocasionadas pela domesticação é o que se relaciona com os mecanismos liberadores inatos. No contexto 2.2 Vectores do Comportamento 409 409 social, animais selvagens reagem de modo muito apurado a deteminadas configurações de estímulos e a ocorrência de um determinado elemento comportamental depende muito (sempre) da existência do respectivo liberador. Nos animais domesticos esta selectividade está muito reduzida, sobretudo no contexto de reacções sexuais, mas também nos cuidados com os filhotes e noutros comportamentos sociais. Estas modificações facilitam cruzamentos e pais "substitutos”. Animais selvagens geralmente não aceitam filhotes de animais domésticos, mas o contrário é frequente, mesmo tratando-se de animais de espécies filogeneticamente distantes. Pontos de discussão 1. Discuta filosofica e biologicamente a possibilidade de hereditariedade de comportamentos. Inclua elementos de análise da Ética Filosófica e da Moral. 2. O comportamento de pedalar a bicicleta assenta numa base genética. Qual? 3. Como é que os genes determinam a estrutura do sistema nervoso durante o desenvolvimento e como é que a estrutura (o sistema nervoso), por sua vez, vai gerar o comportamento? 2. Características Gerais do Comportamento Capítulo 6 Etoecologia CHRIS & STUART, 2000 Aspectos gerais 2.2 Vectores do Comportamento 411 411 Não há nada de errado quando nos questionamos sobre o “para quê" de um determinado comportamento. A intenção é simples, queremos entender a razão da evolução de um comportamento. A questão fica séria, uma vez que ninguém nos irá responder e nós temos que nos mover no mundo de hipóteses. TINBERGEN e DARWIN, independentemente um do outro e em épocas da história biológica bem diferentes, levantaram esta questão e, naturalmente, nunca obtiveram resposta porque cada comportamento tem a sua razão de ser. Trata-se de uma razão biológica ou evolucionária. A Física, a Química e Matemática podem também colocar a mesma questão. O que acontece é que elas, como ciências naturais, vão responder sem o conteúdo evolucionário. A área de pesquisa parece estar clara: como e para quê o comportamento evoluiu num determinado contexto ecológico. Quem nunca questionou-se, porquê o camaleão locomove-se lentamente, sabendo-se que seus predadores não são lentos; ou, porquê o camaleão muda de cor e toma a cor do substrato. Estas questões perseguem-nos sempre que analisamos comportamentos de animais. Este capítulo procura investigar as relações entre o comportamento, a ecologia e a evolução de animais. Tentaremos descrever, como é que um animal comporta-se numa dada situação ecológica e, depois, questionar por que razão este comportamento terá evoluido. Mais concretamente, procuramos saber, por que razões alguns animais vivem solitários enquanto que outros são estritamente sociais. Interessa-nos saber, por que razão alguns animaiscortejam antes da cópula, enquanto que outros vão 2. Características Gerais do Comportamento direitos à cópula. Qual é o motivo de algumas fêmeas comerem um dos seus filhotes logo a seguir ao parto. Porquê determinadas aves parasitam ninhos de outras e eliminam ovos do hospedeiro (Fig....), ou os seus filhotes eliminam a ninhada hospedeira. Estas e outras questões consubstanciam a cadeira biológica chamada Etoecologia, que do ponto de vista de paradigma e de metodologia está estritamente ligada à Sociobiologia e Etologia. Fig. : Sistemas de acasalamento sem investimento parental do macho; esquerda: cuco parasita afasta ovo da ave hospedeira; em baixo, esquerda: cuco filhote elimina folhote da ave hospedeira; direita: ave hospedeira alimenta filhotes do parasita. Fig. : Esquema de transporte do ovo pelo filhote da ave parasita Fêmeas de certas espécies de insectos do género Phothris (P. versicolor) atraem machos de outra espécie para uma cópula falsa, mas com a finalidade de os comerem (Fig...). trata-se de insectos 2.2 Vectores do Comportamento 413 413 luminosos Norte Americanos. Fig. : fêmea de P. versicolor a alimentar-se de macho de outra espécie do mesmo género, depois de o ter atraido sexualmente (LLYOD,1988). NIKO TINBERGEN (Fig.....), um dos fundadores da Etologia, sublinhava expressamente que existem muitas possibilidades para dar resposta à questão relativa ao “porquê” de um determinado comportamento. Ele desenvolveu o que ficou conhecido por “quatro quatro questões de TINBERGEN” (KREBS & DAVIES, 1996). As respostas às questões propostas por TINBERGEN São as seguintes, ao exemplo do canto de Sturnus vulgaris na Primavera: Fig. : Niko Tinbergen, em 1973, Prémio Nobel de Medicina. Sobre sua vida ele dizia (idioma original): “I was born in The Hague, Netherlands, on 15th April 1907, the third of five children of Dirk C. Tinbergen and Jeannette van Eek. We were a happy and harmonious family. My mother was a warm, impulsive person; my father - a grammar school master in Dutch language and history - was devoted to his family, a very hard worker, 2. Características Gerais do Comportamento I was not much interested in school, and both at secondary school and at University, I only just scraped through, with as little effort as I judged possible without failing. Wise teachers, including my University Professors in Leiden, H. Boschma and the late C. J. van der Klaauw, allowed me plenty of freedom to engage in my hobbies of camping, bird watching, skating and games, of which playing left-wing in grass hockey teams gave me free rein for my almost boundless youthful energies.” 1. Relativamente ao valor de sobrevivência ou função do canto: o estorninho canta para atrair parceiro sexual; 2. Relativamente às causas ou mecanismo: o fotoperiodo crescente estimula modificações ao nível hormonal; uma corrente de ar na laringe estimula vobrações das membranas sonoras; 3. relativamente ao desenvolvimento do comportamento: o estorninho canta como resultado de uma aprendizagem ontogenética a partir do canto dos indivíduos adultos; 2.2 Vectores do Comportamento 415 415 4. Relativamente à filogénese do canto do estorninho: o canto reside na memória filogenética da espécie e apenas permite poucas variações no canto actual dos indivíduos da espécie. A Etoecologia (Inglês, Behavioural Ecology, Ecoethology) constitui-se, hoje, como uma linha de investigação biocomportamental importante, que se ocupa sobretudo com a função do comportamento na adaptação ao ambiente actual. Não nos referimos aqui ao ambiente actual no sentido de status quo alcançado pelo meio ambiente na sua evolução ecológica (climax), mas sim ao ambiente com que um determinado organismo interage num determinado momento da sua ontogénese, na actualgénese. Lembremo-nos que o organismo, assim como o ambiente que o rodeia são produtos de uma evolução e ambos expressam em Ecologia uma coevolução. A Etoecologia estabeleceu-se na década 70 como disciplina científica da Biologia do Comportamento, com origem na Sociobiologia. Como é que a pressão exercida pela selecção natural beneficiou um determinado comportamento relativamente à outros, eis a questão central da Etoecologia. Na sua evolução paradigmática, a Etoecologia assumiu, como é óbvio, a questão central da Sociobiologia, nomeadamente a de procurar saber a razão de ser de determinados comportamentos que a priori contrariam o pensamento basal de beneficiação das espécies a favor dos indivíduos que os praticam. Do outro lado, porém, a Etoecologia dilatou mais o espectro do seu questionamento ao integrar de modo mais amplo o 2. Características Gerais do Comportamento ambiente (sensum latum) dos organismos. Muito concretamente, a Sociobiologia parece limitar o problema à razão genética dos comportamentos actuais assim como da sua evolução filogenética, para depois argumentar a tese central sobre o egoísmo dos genes e o seu carácter escravizador sobre os seus portadores. Sim carácter escravizador, já que supostamente os indivíduos só realizam o que os genes têm predefinido. É na má percepção desta tese central da Sociobiologia que residiram sempre as acusações de que ela era produto do imperialismo Americano, tendente a favorecer as teorias racistas e de dominação de uns sobre outros indivíduos. O que é falso. Parece ser de extrema importância reter que a ciência é apenas produto do Homem. A forma como ela é utilizada depende dos objectivos e políticas sociais dos seus utentes. Negar esta tese é negar a natureza biocultural do Homem. Ademais, a Sociobiologia não tem o Homem no centro das suas atenções, a não ser quando tomado como parte do biograma dos Vertebrados. 2.2 Vectores do Comportamento 417 417 Pontos de discussão 1. O surgimento da Etoecologia está estritamente relacionada com uma evolução paradigmática a partir da Sociobiologia. Argumente e exemplifique em matéria e em metodologia. 2. Quais são quatro quatro questões de TINBERGEN referidas por KREBS & DAVIES (1996)? 3. “Como é que a pressão exercida pela selecção natural beneficiou um determinado comportamento relativamente à outros, eis a questão central da Etoecologia”. A partir de um exemplo, argumente a favor desta tese. 6.2. Métodos de trabalho da Etoecologia 2. Características Gerais do Comportamento Como método, a Etoecologia serve-se, em primeiro lugar, do estudo comparado dos comportamentos de espécies próximas, mas que diferem do ponto de vista de habitats ocupados. Ao proceder assim, ela procura saber a razão (o porquê) de ser das diferenças comportamentais em função do meio ecológico dos indivíduos investigados. Ela abarca, por conseguinte, não só aspectos fenomenológicos, como também as bases 2.2 Vectores do Comportamento 419 419 biológicas (morfo-anatómicas e genéticas) e ambientais sobre as quais o comportamento assenta. O grande mérito da Etoecologia consiste no realce das bases ecológicas do comportamento, assim como na consideração da sua evolução filogenética sob determinadas condições ecológicas. Daí que ela se define como ciência experimental e usa métodos de outras subdisciplinas biológicas e mesmo humanas e sociais. Por outro lado, a Etoecologia investiga a variabilidade do comportamento ao nível do indivíduo, no contexto de estudos de optimalidade, i.e., no balanço entre ganhos e perdas. Do conhecimento sobre a decisão que o animal toma na escolha entre dois ou mais tipos de comportamentos, é possível formular hipóteses que, depois, podem ser testadas em experiências e observações realizadas na natureza livre. O princípio de optimalidadediz o seguinte: características subordinadas à selecção natural expressam-se de tal modo, que gastos (custos) e ganhos (proveitos) estejam numa relação optimal , sendo o ganho líquido maximal e mensurável, quer de forma directa, quer de forma indirecta. A partir da frase da Teoria de Darwin sobre a selecção natural – “na natureza prefere-se sobrevivência dos que mais podem” - poderia esperar-se que estruturas e funções estivessem adaptadas às condições de selecção natural, de tal modo que elas corresponderiam automaticamente 2. Características Gerais do Comportamento ao ganho (nesta balança) do fitness individual de seus portadores. Mas o que acontece é que cada capacidade adaptativa não só traz ganhos (vantagens), como também causa-lhe prejuízos (custos). Os ganhos de uma característica adaptada devem sobrepor-se aos seus custos. Na Etoecologia, a análise da optimalidade do comportamento através do chamado balanço de ganhos-e-perdas trouxe novos conhecimentos. A Sociobiologia utilizou estes conhecimentos para a explicação de determinados comportamentos, tais como altruísmo (Fig....), conflitos entre sexos (ocorre entre irmãos não gémeos resultantes de uma reprodução sexual), conflitos entre pais e filhos (conflito de gerações) e outros comportamentos semelhantes. Fig. : Um..... a emitir o som de alarme para alertar o grupo; comportamento altruísta (segundo KREBS & DAVIES, 1996) Na verdade, independentemente da corrente de crença científica e/ou religiosa, cada um de nós questiona-se sobre: - Porquê morrer pelo outro, i.e. porquê praticar o altruísmo? - Porquê matar um irmão, i.e. porquê praticar o fratricídio? 2.2 Vectores do Comportamento 421 421 - Porquê copular com parente próximo, i.e. porquê praticar o incesto? - Porque matar próprios filhotes ou de outro macho, i.e. porquê praticar o infanticídio? - Porquê eliminar outra etnia, tribo numa guerra, i.e. porquê praticar genocídio? - Porquê não partilhar os meus bens, i.e. porquê praticar o egoismo? - Etc. No caso de animais, estas questões tiveram já em parte uma resposta plausível. A disciplina que se ocupa destas questões é exactamente a Sociobiologia, aliás é o que a tornou muito controversa e criticada. Será a Etoecologia sua salvação, eis a questão que coloco em desafio à Etoecologia? 6.2.1. Relação predador-presa e o princípio de optimalidade A relação predador-presa pode ser definida como uma relação de conflito entre a necessidade do predador de alimentar-se e a necessidade da presa de defender-se. Esta interacção expressa-se em comportamentos de captura e de defesa, em que a iniciativa de interacção parte do predador. A complexidade da reacção de defesa da presa pode ser ínfima, mas ela também pode ser superior e chegar a pôr em perigo a vida do predador, por exemplo, quando interagem uma leoa e uma zebra. Uma vez que a captura de presa é energicamente dispendiosa e traz consigo vários 2. Características Gerais do Comportamento riscos, ela deve observar o princípio de optimalidade, também conhecido por princípio de economismo. É neste contexto que PIRES (2000) fez estudos interessantes sobre o comportamento de predação da formiga-leão, analisando a forma como a formiga-leão maximiza os ganhos e minimiza as perdas na captura de presa. Dentre várias espécies, ele estudou Euroleon nostras, uma espécie cosmopolita das regiões do báltico. Formiga-leão é um insecto neuróptero da família Myrmeleontidae que constrói armadilhas com formato de funis (Fig...) num substrato arenoso solto, no fundo das quais fica a espera de presa, razão pela qual é chamada de predador passivo e a sua estratégia designada de “sit-and-wait prey strategy” (LUCAS....MATSURA,..... GRIFFITHS). Estas cunhagens devem ser usados com reserva. A presa é móvel e irregular no tempo e no espaço e é constituída maioritariamente por pequenos artrópodes. Também a aranha construtora de teia-da-aranha pode ser classificada como passiva neste prisma de análise das estratégias de captura de presa. PIRES (2000) argumenta contra o uso abusivo dos conceitos “predador passivo” e “sit- and-wait-strategy”, suportando-se na teoria de comportamentos motivados de TEMBROCK (varios anos...........). Este aspecto é analisado com detalhe no capítulo apropriado de comportamentos motivados. Fig. …Formiga-leão (Euro-leon nostras). PIRES, 1996. 2.2 Vectores do Comportamento 423 423 As seguintes premissas de investigação são importantes para compreender-se a predação de Euroleon nostras: 3. São animais (quase) sésseis; 4. A estratégia de predação é do tipo “sit-and-wait”, com construção obrigatória de armadilha; 5. Os gastos energéticos da construção são elevados e são 10 vezes superiores aos do metabolismo basal (LUCAS, 1985). 6. A relação entre o diâmetro do funil e o sucesso de predação é linear (ASPOECK et al., 1980; GRIFFITHS, 1986; HAUBER, 1999; LUCAS, 1982; PIRES et al., 2000), enquanto que a relação entre o 2. Características Gerais do Comportamento diâmetro e a energia de construção é exponencial (PIRES et. al. 2000); 7. A presa é constituída por artrópodes móveis, irregulares no tempo e no espação, que tanto podem ser nocturnos, diúrnos ou crepusculares. Para testar suas hipóteses quanto à evolução do comportamento de captura de presa, PIRES usou vários modelos, que são os seguintes: Modelo A: o indivíduo constrói uma vez de novo usa a armadilha por muito tempo sem ter que o aumentar; Modelo B: o indivíduo constói o funil diariamente de novo sem incremento de diâmetro; Modelo C: o indivíduo constói a armadilha uma vez de novo, usa-a por longo tempo com incremento diário do diâmetro; Modelo D: o indivíduo constrói o funil diariamente de novo, com incremento diário de cada funil construído. Nestes experimentos foi possível demonstrar que os gastos energéticos em função do diâmetro tomam um decurso exponêncial (Fig. .....). 2.2 Vectores do Comportamento 425 425 Fig. 9: Gastos energeticos em funcao do diametro na construcao dearmadilha por larvas L3 de Euroleon nostras , num regime de alimentacao ad libitum , sob condicoes laboratoriais [n= 71]. 0 2 4 6 8 10 12 14 16 0 10 20 30 40 50 60 70 80 d [mm] E c in [ m J ] Assim, e tomando em consideração os modelos descritos, a larva deve decidir, qual das estratégias reduz os gastos com a construção e, ao mesmo tempo, maximiza a energia proveniente da captura de presa, i.e., aumenta a probabilidade de captura de presa. Lembremo-nos que o número de presas capturadas é directamente proporcional ao diâmetro do funil (Fig. ..). Conforme pode depreender-se da figura acima, a decisão de incremento do diâmetro, como forma de elevar a probabilidade de a presa cair na armadilha, significa para o animal uma tomada de decisão crucial, já que, a título de exemplo, duplicando um diâmetro de 10 mm (i.e. para 20 mm), custaria ao indivíduo cerca de 8 vezes mais energia. Enquanto isto, o número de presa capturada apenas duplicaria. Do ponto de vista evolutivo e também etoecológico, a questão que se coloca é que comportamentos foram beneficiados pela selecção natural, 2. Características Gerais do Comportamento os quais colocam o indivíduo numa situação optimal no concernente aos gastos energéticos decorrentes da construção. Até trabalhos de PIRES (1997, 1998, 1999, 2000), tudo o que se sabia era que (1) larvas constroem o funil para captura de presa, (2) que o número de presa era proporcional ao diâmetro e (3) que os gastos energéticos com a construcção eram superiores aos do metabolismo basal. A Fig. ... mostra os resultados do mesmo autor sobre os quatro modelos de predação testados. Fig. 9: Gastos energeticos (colunas)e probabilidade de captura de presa (pontos) em quatro modelos teoricos de predacao de Euroleon nostras (explicacao no texto). 14.0 14.0 1,0 1,0 0.0 2.0 4.0 6.0 8.0 10.0 12.0 14.0 16.0 Modelo A Modelo B Modelo C Modelo D Condicoes de construao E n e rg ia [ m J ] 0.0 2.0 4.0 6.0 8.0 10.0 12.0 14.0 16.0 P ro b a b ili d a d e d e c a p tu ra [ n ] Assim, na evolução o comportamento da formiga-leão deve ter sido seleccionado no sentido de criar um balanço optimal entre os gastos energéticos resultantes da construção e os ganhos energéticos provenientes da captura de presa, faço lembrar: uma presa móvel e irregular. 2.2 Vectores do Comportamento 427 427 A estratégia que se afigura mais optimal para a formiga-leão é a representada pelo modelo teórico C, segundo o qual a larva constrói uma vez de novo, usa o funil por muito tempo e vai incrementado o seu diâmetro periodicamente. Métodos informáticos actuais permitem o estudo dos padrões de tempo no comportamento de construção da formiga-leão, onde regista-se em simultâneo o tempo de construção, os intervalos de transporte da areia, a periodicidade de alargamento da armadilha, o volume total de massa transportada em cada lançamento e na construção. Conforme mostra a Fig. .., a larva, de facto, constrói uma vez de novo e faz uso efectivo da armadilha por algum tempo limitado. O registo máximo do tempo de uso foi de 11 dias, depois do que o predador abandona e constrói nova armadilha. Durante o tempo de uso da armadilha, a larva aumenta periodicamente o diâmetro em intervalos de cerca de 24 horas, o que faz supor a existência de um relógio biológico do tipo circadiano. Não se sabe ainda qual é a instância neural responsável pelo ritmo. 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 10: Perfil de actividade no comportamento de construção de uma larva L3 de Euroleon nostras sob condicoes laboratoriais; o grafico mostra a fase de construção de novo e as fases de alargamento periodico da aremadilha num ritmo circadiano. 0 5 10 15 20 25 30 35 40 0:00 12:00 24:00 36:00 48:00 60:00 72:00 84:00 96:00 t [h] M a s s a p o r la n ç a m e n to [ m g ] Do ponto de vista funcional, o comportamento desta espécie evoluíu no sentido de (1) elevar a probabilidade de encontro com a presa através de aumento da superfície de contacto e (2) poupar no máximo a energia gasta na construção através do aumento periódico do mesmo funil. A Fig. .... mostra claramente a poupança de energia neste tipo de estratégia. Na figura comparam-se dois tipos de estratégias de predação de formiga-leão, sendo uma real (de Euroleon nostras) e outra meramente hipotética. As linhas verticais indicam as diferenças de energia, ou seja a poupança diária de energia. 2.2 Vectores do Comportamento 429 429 Fig. ... : Comparação de gastos energéticos entre duas estratégias, uma real (triângulos negros) de Euroleon nostras e outra hipotética (triângulos brancos) (PIRES, 2000). Ao construír a armadilha e incrementar seu diâmetro diariamente, a formiga-leão poupa energia que seria necessária quer para construir de novo uma armadilha de dimensões idênticas, quer para construir armadilhas maiores. Ao memso tempo que a larva eleva a probabilidade de captura de presa, ela poupa adicionalmente o tempo de nova construção, o que, no conjunto, vai elevar (maximizar) o tempo de espera de presa: economia do tempo. Economia de tempo na construção de armadilha Um dos grandes constrangimentos ecológicos com que se deparam animais predadores é, certamente, o tempo. Predadores devem ser capazes de 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 0.0 10.0 20.0 30.0 40.0 50.0 d [mm] E n e rg ia [m J ] nova construcao/Poupança= 79,45% incremento diario 2. Características Gerais do Comportamento 1. Determinar o tempo para estabelecer uma relação de fases com o tempo exterior e da presa; 2. Medir o tempo, no sentido de determinar a duração do processo do comportamento de predação, partindo do campo motivacional distal, passando pelo proximal, até alcançar o campo de contacto; 3. Avaliar o tempo local como um fenómeno natural continuum dotado de flutuações locais e que os organismos devem avaliar e saber reagir a ele. Chamaríamos de plasticidade temporal do organismo. A avaliação do “time budget” (fundo de tempo) em modelos de optimalidade vai ser feita ao exemplo da predação da formiga-leão. No comportamento de construção a formiga-leão “coloca” na balança: A exposição aos predadores, antes de construir e no momento de migrações epiterrestres, na avaliação de informações referentes ao substrato. Não está claro, porém, de que tipo de informações se trata além da textura do solo. Das investigações de (DETELIEV 27 , .....) ficou sabido que as larvas têm a capacidade de detectar vibrações provocadas pela presa a aprox. 20 cm de distância. A presa irregular no espaço e no tempo. Assim, o tempo de construção de armadilha deve ser inversamente proporcional ao de espera pela presa. Por outras palavras, deve construir imediatamente a seguir às migrações epiterrestres e em curto 27 Trabalho sobre substrat detection procurar na lista bibliográfica. 2.2 Vectores do Comportamento 431 431 tempo, para que lhe sobre mais tempo para o comportamento de espera. Pode-se ver que existe aqui uma constelação de actividades que certamente baseam-se em motivações diferentes: migrações para a motivação de construção, construção para a motivação dupla de captura e defesa. Tembrock classifica a motivação de captura de presa como motivação congelada (TEMBROCK, 1986). A figura seguinte mostra o padrão típico do tempo de construção. Larvas em estágios mais avançados levam menos tempo, mas mesmo assim alcançam maiores volumes de armadilhas. 2. Características Gerais do Comportamento 0 50 100 150 200 250 300 350 0:00:00 0:02:53 0:05:46 0:08:38 0:11:31 0:14:24 0:17:17 0:20:10 0:23:02 0:25:55 t [h] M a s s a t ra n s p o rt a d a [ m g ] 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 N r. a c ç õ e s [ n ] Massa [mg] Nr. Acções [n] Fig. : Padrão de construção da armadilha por Euroleon nostras; indica-se o número de lançamentos por cada unidade de tempo e a massa de substrado transportada pelo número de lançamentos efectuados; duração de construção 15 min (PIRES, 2000) Construindo a armadilha em apenas 15 min, a larva possui 23:45 h do dia de 24 para ficar a espera da presa. Isto corresponde a 99% do dia que a larva usa para a predação e apenas 1% despende na construção. Esta estratégia evoluiu para minimizar o tempo despendido na exposição a predadores e na construção da armadilha e, contrariamente, maximizar o tempo usado na defesa contra predadores e na espera pela presa e optimizar a energia proveniente de uma presa que a todo momento pode aparecer. Economia de tempo no manuseamento de presa 2.2 Vectores do Comportamento 433 433 Sobre este aspecto trazem-se também resultados referentes à formiga- leão. A economia de tempo no comportamento da formiga-leão estende- se para o manuseamento de presa, assim que ela tenha capturado. Esperiências recentes mostram que o tempo que leva a manusear a presa (Inglês, handling time) é inversamente proporcional à abundância desta, i.e., ela leva menos tempo a consumir a presa quanto maior for a quantidade de itens à disposição e vice-versa. Modelos ecomatemáticos poderão vir a testar esta hipótese. Aqui coloca-se em questão o tempo de espera (o.m.q. procura) pela presa. A Etoecologia firmou-se como disciplina fundamental no estudo da evolução dos comportamentos, assim como do seu valor adaptativo. Uma forma de o fazer, tratando-se de estudos causais,é a comparação de comportamentos de espécies filogeneticamente próximas. No caso da formiga-leão, são interessantes três níveis de análise evolutiva. De um lado existem três tipos de estratégias que, certamente poderão ter evoluído como autapomorfias de modo independe umas das outras, ou poderão ter-se deviado de formas ancestrais próximas (apomorfias), ou ainda poderão ter-se originado de modificações de comportamentos existentes (simplesiomorfias). De facto, como realça PIRES (2000), existem espécies de construção obrigatória, que nunca são epiterrestres 28 e ficam ancoradas no funil. Existem outras que nunca constroem e capturam sua presa de modo activo, procurando a presa (Inglês, prey 28 Apenas quando avaliam o substrato para a construção é que são quase epiterrestres. 2. Características Gerais do Comportamento searching). Por último, estão os que tanto constroem para capturar a presa, como ainda podem procurar e capturar a presa activamente, fora da armadilha que, no dizer do autor, são os de estratégia mista ou de construção facultativa. Em consequencia destas estratégias ou em relação à sua evolução, existem adaptações anátomo-morfológicas e comportamentais específicas. Por exemplo, as larvas de construção obrigatória só podem locomover-se para trás (Inglês, reward locommotion). Contrariamente, nas outras duas estratégias, os indivíduos gozam da liberdade de orientação espacial total, podendo locomover-se para frente e para trás (Inglês, forward and reward locommotion), o que, aliás, lhes possibilita a procura e captura activas de presa. A este nível de análise devem juntar-se reflexões concernentes ao metabolismo e outros parâmetros biológicos dos indivíduos, incluindo o genético. Ao nível sensorial, por exemplo, observou-se para indivíduos de construção obrigatória estruturas sensoriais especiais que hipoteticamente podem ter ifluência na detecção de vibrações da dos movimentos da presa em volta da armadilha, dispertando o indivíduo para iniciar o “bombardeamento” da presa com area (PIRES, 2000; DEVETAK, 1985; DEVETAK, 1998; DEVETAK e MENCINGER, 1994). 2.2 Vectores do Comportamento 435 435 Numa análise cladística, a evolução destas três estratégias (incluindo suas propriedades específicas) permitem-nos a criação de diferentes hipóteses de relacionamento filogenético A B C A B C w w Novidade evolutiva = Autapomorfia Autapomorfia do Taxon I v de B+C v Construção de armadilha A: Não constroe armadilha, predação activa B: Constroe obrigatoriamente, sit-and-wait C: Estratégia mista, constroe mas pode capturar activamente Sinapomorfia Monofilo (I) Fig . : Hipótese de relação filogenética entre os três tipos de formigas-leão (segundo Pires, 2006) 2. Características Gerais do Comportamento PIRES (2006) assume que a estratégia de construção de armadilha seja uma novidade evolutiva desenvolvida a partir de indivíduos predadores activos, uma característica que se manteve na espécie de estratégia mista. Sendo assim, as espécies de construção obrigatória formam com as de construção facultativa um monofilo e a concordância evolutiva é do tipo sinapomórfico. Descarta-se assim a possibilidade de tratar-se de simplesiomorfia ou convergência. O comportamento de alargar o funil aumentando o seu diâmetro e volume representa uma autapomorfia de certas espécies dentro dos Myrmeleonini. Através do incremento do diâmento aumenta-se a superfície de contacto com a presa. No mesmo grupo, uma outra espécie, Callistoleon manselli, adoptou o aumento da superfície de contacto através do incremento do perímetro. MATSURA et. al., 1993) observou que esta espécie cria sulcos radiais a partir do perímetro inicial do funil (Fig. ). Fig. ....: Secção transversal do funil de Callistoleon manselli indicando os canais radiais. Esquemático segundo fotos originais. 2.2 Vectores do Comportamento 437 437 Na comparação dos dois comportamentos conclui-se tratar-se de comportamentos homólogos. Da mesma forma que E. nostras e M. immaculatus incrementam o diâmetro das armadilhas em função do período de deprivação alimentar, C. manselli eleva o número de sulcos quanto mais dias passa sem capturar presa. Os dois comportamentos desempenham, assim, a mesma função, mas, certamente, assentam sobre bases genéticas diferentes. Ora, do ponto de vista etoecológico, ambas as estratégias evoluíram no sentido de minimizar a energia gasta com a construção e, ao mesmo tempo, maximizar a energia ganha através do número de presas capturadas, o que nos permite claramente propor um modelo clássico de optimalidade de procura de alimento. Estas análises têm profundas consequências na (re)organização cladística e filogenética dos Myrmeleontidae. Estudos actuais limitam-se à aspectos morfológicos e, memso assim, bastante lacunosos. Veja-se por exemplo, as implicações anátomo-morfológicas do tipo de locomoção dos diferentes tipos de estratégias de captura de presa. Prefere-se usar os termos ingleses forward, forward and reward locomotion. 7.4. Economia na procura do alimento 2. Características Gerais do Comportamento Embora este aspecto tenha sido já discutido anteriormente, importa, porém, trazer mais exemplos de optimalidade na procura do alimento. Tal como noutras regiões costeiras, corvos da Costa Canadiana alimentam-se de moluscos (entre outros Buccinum) que eles capturam à maré-baixa. Depois de uma procura sucedida eles voam transportando o molusco até uma determinada altura, donde o deixam cair sobre o rochedo para permitir que a concha se parta e eles possam ter acesso à carne. Investigações de RETO ZACH (1979) puderam demonstrar como é que os corvos conseguem manter o balanço de ganhos-e-perdas optimal, i.e. como é que maximizam a energia no acto de alimentação pelo transporte de presas adequadas. As fig. ...a-b ilustram esta situação. O corvo deve despender energia tanto para o voo (vertical e horizontal), como para procurar a presa. Caracóis pequenos, por serem leves, deven ser lançados tantas vezes até se partirem, o que eleva os custos pelas viagens do predador. Caracóis enormes, contrariamente, elevam os custos de transporte pela carga no Fig. 3a: Diminuição do número de tentativas de partir a concha de um gastrópode pelo corvo em dependência da altura de queda (adaptado por PIRES, segundo Zach (1979). 0 20 40 60 80 100 120 140 1. 0 2. 0 3. 0 4. 0 5. 0 6. 0 7. 0 8. 0 9. 0 10 .0 11 .0 12 .0 13 .0 14 .0 15 .0 Altura de queda [m] N ú m e ro d e t e n ta ti v a s [ n ] 2.2 Vectores do Comportamento 439 439 voo. Assim, o corvo escolhe presas de tamanho optimal, que se partem, digamos, logo à primeira. Basicamente é o que ZACH constatou. Ele conseguiu também demonstrar que os custos pelo voo vertical ascendente podem ser minimizados pelos voos baixos. A frequência de tamanhos escolhidos (Fig. ...b) mostra que o animal escolhe conchas optimais que lhe fornecem máxima energia, mas que lhe custarão menos energia com o voo; Enquanto isto, o gráfico mais acima mostra que existe uma relação intrínseca entre a distância percorrida e a probabilidade de partir a concha, daí que o corvo vá escolher aquela altura que com maior probabilidade conseguirá abrir a concha. Os experimentos apresentados por ZACH, não estão completos quanto a esta questão: o corvo não pode incrementar o tamanho da presa a despeito da energia perdida durante o voo, a própria capacidade motora do indívuo constitui em si uma limitante: as propriedades sensoriais e motoras do organismos limitam e permitem escolha de presa optimal dentro de espectro de variação de tamanhos. O mesmo dá-se com a escolha de presa no exemploque se segue. Fig. 3b: Histograma de frequências de tamanhos de gastrópodes predados pelo corvo (adaptado por PIRES, segundo Zach (1979). 0 5 10 15 20 25 0 5 10 15 20 25 30 35 Altura de queda [m] N ú m e ro d e t e n ta ti v a s [ n ] 2. Características Gerais do Comportamento A forma especial de economia de procura de alimento é a criação de reservas alimentares (Fig....). de facto, diverentes grupos de animais desenvolveram capacidade de criar provisões alimentares, em determinadas alturas do ano. Aqui mesmo Fig. : Reservatório de alimentos (silo) de Melanerpes formicivorus em cule de uma árvore (carvalho). As aves chegam a depositar mais de 30 000 nozes. As covas foram construidas ao longo de muitas gerações (fotografias do autor, KOENIG1988) Comment [u25]: Stacey, P. B. & Koenig, D. W. (1988): Die Brutgemeinschaft der Eichelspechte (Melanerpes formicivorus). In Biologie des Sozialverhaltens: Kommunikation, Kooperation end Konfikt, p. 28-37. Spektrum der Wissenschaft 2.2 Vectores do Comportamento 441 441 7.4. Economia de transporte de presa Pássaros do gênero Sturnus alimentam sua ninhada com larvas de insectos e outros pequenos invertebrados terrestres. Quando a época de cuidados com os ninhada atinge o seu ponto máximo, um adulto (fêmea e macho) faz até 400 voos por dia em deslocações do seu ninho ao local de procura de larvas. De cada vez ele traz determinada quantidade de alimentos (Fig. ...). Quantas larvas de túlipas deveria transportar o adulto para maximizar a energia ganha pelos seus filhotes, bem como para minimizar a energia gasta com os voos? Desta energia líquida depende, se a ninha permanece saudável ou não, até a altura em que esta se torna independentre e pode voar e alimentar-se por si mesma. Por isso, a maior pressão da selecção natural foi exercida sobre o adulto, no sentido de este tornar-se mais eficiente na alimentação dos seus filhotes. 2. Características Gerais do Comportamento Os seguintes pontos de vista ajudarão a entender a questão anteriormente exposta: 1. Certamente não é boa estratégia que o adulto traga apenas uma larva de cada vez, se tomarmos em conta que ele poderia transportar mais. Os custos pelas viagens seriam desnecessariamente muito elevados; 2. A procura de larvas no solo pressupõe que o adulto tenha o bico livre para esgravatar o chão e bicar a presa. Ora isto não seria possivel com o bico muito cheio; 3. Esta forma de procurar presa é muito eficiente; Contudo, a eficiência baixa linearmente com o aumento de número de presas no bico; 4. Por essa razão, é mais eficiente que o adulto regresse ao ninho não necessariamente com o bico muito cheio. 7.5. Economia de escolha e uso de presa Fig. : Sturnus vulgaris na captura de presa constituidas por larvas de insectos subter- râneas (KREBS & DAVIES, 1996). Comment [u26]: rever 2.2 Vectores do Comportamento 443 443 Carcinus maenas, um caranguejo da praia, alimenta-se de bivalves (amêijoas). Na sua predação está adaptado a saber escolher o tamanho optimal. Este tamanho é o que lhe dará maior ganho de energia líquida. Ele leva muito tempo até que tenha conseguido abrir a concha de bivalves maiores. Por isso, o predador evita este tipo de presas, porque não são rentáveis do ponto de vista de tempo gasto e trazem menor ganho energético por unidade de tempo de manipulação/manuseamento de presa (Inglês: handling time= E/h) do que as do tamanho médio. Bivalves muito pequenos podem ser abertos com facilidade, mas a energia ganha é menor. Até aqui a questão tem vindo a ser apresentada com bastante simplismo e lógica; Pois, este tipo de caranguejos pode também ocasionalmente capturar tanto presas maiores como menores; Então, a questão que se coloca é a seguinte: o que é que influência a escolha, ora de presas menores, ora de presas médias, ora de presas maiores. Uma hipótese plausivel é trazida por KREBS & DAVIES (1996), quando dizem que è a que coloca na balança de perdas-e-ganhos o tempo que o predador leva a procurar presas rentáveis, o qual influencia certamente a escolha do tamanho de presa. Se este tempo fôr bastante longo, então o predador pode também pôr à mesa de refeições items individualmente pouco proveitosas, que ao fim e ao cabo lhe trarão no total maior energia líquida (Fig. ...a-b). ELNER e HUGHES (1978) propõem as fórmulas que se seguem ao enunciado do problema. 2. Características Gerais do Comportamento Problema Suponhamos que ao predador é dada a oportunidade de escolher entre duas presas, nomeadamente do tipo 1 e do tipo 2. A presa tipo 1 é a maior, tem o conteúdo energético E1 e exige um tempo h1 para o seu processamento (handling time). A presa tipo 2 é pequena e possui a energia E2 e precisa do tempo h2 para o seu processamento pelo predador. Fig. 5a-b: Caranguejo- de-praia Carcinus maenas alimenta-se de bivalves; a) o gráfico mostra em cm no eixo de (x) o tamanho optimal de bivalves predados e no eixo de (y) a energia máxima obtida; b) as diferentes classes de tamanhos de bivalves estão indicadas em cm no eixo de (x) e a sua participação na alimentação do caranguejo no eixo de (y); KREBS & DAVIES, 1996. 2.2 Vectores do Comportamento 445 445 Equação: E1/h1>E2/h2 Fórmula 1 E/h é a rentabilidade de cada presa, logo o predador escolhe a presa tipo 1. Isto é válido se no handling time não for incluso o tempo de procura. Se encontra a presa 1, naturalmente deve predar. A escolha não depende da frequência da presa tipo 2; Se encontra a presa tipo 2, ele deve predar, quando isso lhe traz maior ganho energético, do que deixá-la para de novo por-se a procurar a presa tipo 1. Isto é válido, quando: [(E2/h2)>E1/(S1+h1)], Fórmula 2 sendo S1 o tempo de procura (searching time) da presa tipo1 . Reformulando, diriamos que o predador só deve escolher a presa tipo 2 se: S1 > [((E1 x h2)/E2) – h1] Fórmula 3 À este modelo estão relacionadas três expectativas evolutivas: predador só consome a presa tipo 1: especializa-se, torna-se especialista no contexto da etoecologia; 2. Características Gerais do Comportamento predador pode consumir tanto a presa tipo 1 como a do tipo 2: o predador torna-se generalista no contexto etoecologia; A decisão para especializar-se em presa tipo 1 depende tão somente de S1 = S2, então, não fará sentido escolher entre as presa tipo 1 e 2: o predador consumirá tudo o que lhe aparecer. Estas revelações de ELNER e HUGHES são de valor ecológico incomensurável, já que, até certo ponto, ditam a escolha de habitats pelos animais. Afinal, a pressão da selecção natural actua no sentido beneficiar apenas os comportamentos que asseguram maior optimização da alimentação, reprodução e defesa. Influência do tamanho da presa na escolha e manipulação pelo predador 2.2 Vectores do Comportamento 447 447 y = -1,806x R² = 0,275 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 Peso inicial da presa [mg] Q u a n ti d a d e d e m a s s a e x tr a íd a [ % ] Fi g. : Correlação entre a massa inicial de presa e a massa líquida extraída pelo predador (Euroleon nostras); regime de alimentação diária (segundo PIRES, 2000) A figura acima ilustra o incremento de consumo parcial de presa por Euroleon nostras em função da evolução do peso da presa. Isto é, a massa de presa extraída pelas larvas decresce à medida que o peso da presa se eleva. O investigador havia de esperar o contrário, sobretudo se retomarmos a nossa premissa ecológica de que trata-se de indivíduos que alimentam-se de presa de ocorrência irregular no tempo e no espaço. Assim sendo, teoricamente o predador devia aproveitar no máximoa presa disponível e quanto maior ela for, melhor é. Predadores são geralmente modelados como se eles consumissem uma porção fixa da sua presa. Esta concepção está reflectida nos modelos de escolha optimal de dieta desenvolvidos por CHARNOV (1976), RAPPORT (1971), WERNER & HALL (1976) , entre outros. Todos eles trataram a energia proveniente da presa como uma constante. Mas, como fazem 2. Características Gerais do Comportamento notar LUCAS & GRAFEN (1984), muitos predadores variam bastante a quantidade de alimento utilizada de uma presa, tanto para mais, como para menos. Predominantemente, muitos predadores consomem suas presas parcialmente, do que deriva a Teoria de Consumo Parcial da presa, a qual assume que a energia derivada de uma única presa estará em função do tempo de manuseamento da presa (handling time). A teoria de consumo parcial foi testada por vários autores com uso de modelos. Um deles é o modelo que releva os constrangimentos fisiológicos nomeadamente, (1) a quantidade do conteúdo intestinal (modelo de limitação do conteúdo intestinal) e (2) a taxa máxima de ingestão do predador (modelo de limitação da taxa de digestão). No primeiro modelo, a quantidade do conteúdo intestinal do predador vai determinar o nível motivacional (de impulsos) conducente ao consumo, ou pelo menos os seus mecanismos controladores da fome. Enquanto isto, o segundo modelo diz que o processo de alimentação de um predador termina com a satisfação deste, ou seja o impulso para comer tornou-se zero. Se analizarmos com cautela estes modelos, veremos que eles levam-nos a seguinte situação ecoetológica: quanto maior for a densidade de presa, menor será a taxa percentual de consumo, no momento em que a próxima presa for capturada, e também menor será o tempo de manuseamento de cada presa. A razão para o consumo parcial representado acima (Fig....) pode ter mais a ver, de um lado, com constrangimentos fisiológicos da produção 2.2 Vectores do Comportamento 449 449 de enzimas numa situação de fluxo constante de presa e, do outro lado, o tamanho crescente da presa pode oferecer problemas técnicos de manusear a presa. Seria preciso testar vários outros modelos não baseados na teoria de satisfação. 7.6. O risco de esfomear O risco de esfomear poderá ser outra grandeza importante para animais que procuram alimentos. Isto é certamente mais significativo para animais que vivem sob condições ambientais imprevisiveis, que não podem saber quanto e quando têm alimento à disposição. Coloquemo-nos a seguinte situação de escolha de modalidades alternativas de refeição numa hospedaria gratuíta. A escolha por qualquer uma das modalidades é livre e depende do hóspede: Variante 1: - Os hóspedes podem receber diariamente 10 chouriços; Variante 2: - Nesta variante os hóspedes estão submetidos à uma condição insegura, pois, com uma probabilidade de 50% tanto poderão receber 5 chouriços diários, como também poderão receber 20 ao dia. 2. Características Gerais do Comportamento Na segunda variante o indivíduo está inseguro, porque não sabe quando receberá 5 e quando 20, apesar de a média diária aritmética ser supeior àquela da primeira variante [(5+20)/2=12.5>10]. Qual das escolhas é melhor? A resposta à esta questão depende da vantagem (Inglês, utility, numa linguagem económica), que está relacionada com cada uma das variantes, ou seja se com 10 churiços diários posso viver, então de nada valeria a variante riscante. Caso esta quantidade seja pouca para a sobrevivência (do ponto de vista de metabolismo), então escolho a opção riscante, pois com ela há esperança de duma vez só poder receber 20 chouriços. Com esta decisão garanto em pelo menos 50% de probabilidade a sobrevivência, o que com 10 chouriços não conseguiria, mesmo que os recebesse diariamente. 2.2 Vectores do Comportamento 451 451 Pontos de discussão 1. Interprete o seguinte texto: Do ponto de vista de paradigma a Etoecologia procura saber a razão (o porquê) de ser das diferenças comportamentais em função do meio ecológico dos indivíduos investigados. Ela abarca, por conseguinte, não só aspectos fenomenológicos, como também as bases biológicas (morfo-anatómicas e genéticas) e ambientais sobre as quais o comportamento assenta. 2. Escolhe um dos seguintes problemas comportamentais e discuta com base em argumentos etoecológicos e de Sociobiologia: Porquê morrer pelo outro, i.e. porquê praticar o altruísmo? Porquê matar um irmão, i.e. porquê praticar o fratricídio? Porquê copular com parente próximo, i.e. porquê praticar o incesto? Porque matar próprios filhotes ou de outro macho, i.e. porquê praticar o infanticídio? 2. Características Gerais do Comportamento Porquê eliminar outra etnia, tribo numa guerra, i.e. porquê praticar genocídio? Porquê não partilhar os meus bens, i.e. porquê praticar o egoismo? 3. Será a Etoecologia salvação da Sociobiologia. A que se deve esta posição? 4. Procure um exemplo em que você vai aplicar o princípio de optimalidade, também conhecido por princípio de economismo. 5. Que informações ambientais podem ser relevantes para a construção de armadilha da formiga-leão? 6. A chamada estratégia de captura de presa do tipo “sit-and-wait prey” representa, no dizer de Tembrock (1986) a uma motivação congelada. O que quer dizer esta afirmação? 7. Que mecanismos adopta um predador desta categoria para optimizar os comportamentos nos campos distal, proximal e de contacto Capítulo 6/7 Comportamentos Sociais (Origem, Evolução e Funções) 2.2 Vectores do Comportamento 453 453 6.1. Aspectos gerais e o fundamento da Sociobiologia A compreensão do comportamento animal e da sua natureza ajuda-nos a compreender o nosso próprio comportamento, assim como a nossa própria natureza. Talvez seja esta a razão para a nossa fascinação ao observarmos e ao estudarmos os animais. Uma vez que o Homem em si é um ser social, investigações sobre a natureza social de animais esteve sempre no centro das atenções da Sociobiologia. Comment [u27]: Incluir algures a violação da mulher, assédio sexual 2. Características Gerais do Comportamento Neste capítulo tentaremos colocar à discussão algumas das teses centrais da Sociobiologia, algumas das quais foram, num passado muito recente, pontos de debate e de incompreensões entre diferentes disciplinas das ciências filosóficas, humanas e sociais e mesmo em relação à Etologia clássica, sua disciplina-mãe. Sobre estas controvérsias diz-se muito nos subcapítulos seguintes. A Sociobiologia procura esclarecer o comportamento social de animais com base na Teoria Evolucionária de Darwin, partindo da premissa de que nada na Biologia faz sentido sem ser no contexto de uma evolução. Evolução é um processo natural, uma transformação de organismos na forma e nos modos de vida, com base na qual surgem descendentes portadores de bases hereditárias dos seus ascendentes, mas que eles mesmos comportam-se biologicamente como novas formações. Organismos existentes hoje resultaram de processos longos de transformações de várias gerações que se seguiram na sua história filogenética. A força motriz para este processo evolutivo é a “luta pela existência”. Cada ser vivo luta pela sua própria conservação, numa luta em que os “fracos ficam pelo caminho” e apenas os capazes sobrevivem. Assim funciona a selecção natural que, segundo SPENCER (completar), pode ser descrita como “survival of the fitness”, que foi tomando, mais tarde, por DARWIN. Estas teorias não podiam estar completas se não tivesse havido uma conjugação com as teorias da Genética das Populações, no que ficou Comment [u28]: completar2.2 Vectores do Comportamento 455 455 conhecido como Neodarwinismo, nos meados do sec. XX. Esta teoria também pode ser chamada de Teoria Evolucionária de Weismann. Ela também deve ser diferenciada da Teoria Sintética da Evolução, que une as ideias de Darwin com as principais teses da Genética e da Biologia das Populações. Um dos principais representantes contemporâneos desta nova teoria é E. MAYR. Outros cientistas directa ou indirectamente relacionados com ela são: B. RENSCH, R. RIEDL E F. M. WUKETITS 29 que lançaram a teoria dos sistemas e veêm na evolução um fenómeno complexo de “feed back” e interacções. Nòs podemos definir evolução de modo mais simplificado como: “Todos indivíduos variam nas suas características, cuja formação é influenciada por factores hereditários (genes). De acordo com as condições ambientais eles reproduzem-se com sucesso diferenciado, aliás cada gene tem uma adapção ambiental diferente. A grandeza que é primariamente modificada pela selecção não é mais o indivíduo, como postulava DARWIN, mas todo o conjunto do “genpool” da espécie, se definirmos a espécie como todos os seres vivos que pertencem ao mesmo “genpool” e no acto da reprodução são capazes de trocarem seus genes. 29 Actualmente Professor de Teoria Científica e Filosofia da Biologia na Universidades de Viena eGraz, Áustria. 2. Características Gerais do Comportamento O termo Sociobiologia foi empregue, em 1946, por JOHN P. SCOTT e, independentemente deste, por C. F. HOCKET, em 1948. Em 1950, SCOTT propôs que a Sociobliogia devia ser encarada como uma disciplina de carácter interdisciplinar que se situa entre Biologia (sobretudo Ecologia e Fisiologia), Psicologia e Sociologia. Este conceito foi tomado por E. O. WILSON, Professor de Entomologia no “Harvard Museum of Comparative Zoologie”, um dos maiores dirigentes do mundo em Entomologia. Foi WILSON que, em 1971, anuncia uma nova disciplina no seu livro “The Insect Societies” que chamou “The Prospect of a unified Sociolobiology”, numa tentativa de extrapolar os seus conhecimento profundo que possuia sobre a vida social dos insectos para o biograma dos vertebrados. Este passo ficou mais completo com a publicação de “Sociobiology. The New Syntesis” (1975). O surgimento desta obra levantou discussões acesas com as ciências sociais e culturais e, de algum modo, mesmo no seio dos biólogos criou um certo desconforto. A novidade básica da Sociobiologia de WILSON consistiu em trazer os principais factos da organização social dos animais da Etologia clássica e fundamentá-los com base na Ecologia das Populações e Genética de modo a demonstrar a sua evolução adaptativa. Daí resulta que WILSON tenha definido a Sociobiologia como a “investigação sistemática das bases biológicas do comportamento social nas suas diferentes 2.2 Vectores do Comportamento 457 457 expressões, onde todas as espécies animais são abarcadas” 30 . Assim sendo, a Sociobiologia é, em primeiro lugar, uma disciplina comparativa. Para a Sociobiologia são relevantes dois modelos e suas respectivas teorias: 1. O modelo modificado de DARWIN da selecção natural, 2. o modelo que advoga que todos os fenótipos surgem da interacção entre o genótipo de um organismo e o seu meio. Isto é igualmente válido para o comportamento. A Nova Síntese de WILSON liga os dois modelos e aceita que também o comportamento subordina-se ao processo de evolução natural. A consequência desta posição será a assunção de que o comportamento representa pelo menos uma componente do genótipo de um indivíduo que procura maximizar o seu fitness (do indivíduo em causa). Assim, a Sociobiologia aplica estrita e consequentemente a teoria neodarwiana na análise dos comportamentos sociais. Ela não é, por conseguinte, uma nova teoria, mas sim uma nova disciplina mista, também chamada Disciplina de Wilson, que sintentiza resultados e princípios da Teoria evolutiva, Biologia das populações, Etologia, Biometria, Etnologia e Antropologia com o objectivo de esclarecer comportamentos sociais. A Sociologia difere num ponto central da Biologia do Comportamento, para a qual o essencial na evolução é o benefício para a espécie. K. 30 Tradução livre do autor. 2. Características Gerais do Comportamento LORENZ ou I. Eibl-EIBESFELDT falam mais de selecção do grupo (Teoria de selecção do grupo), onde diz-se claramente que apenas espécies nas quais os membros do grupo sacrificam-se pelo grupo é que terão sucesso evolutivo, contrariamente àquelas, nas quais os indivíduos lutam por si individualmente. A tese da Sociobiologia contraria a teoria de selecção do grupo e defende que o essencial na evolução é a vantagem para o indivíduo (ou gene). Os sociobiolólogos procuram esclarecer o desenvolvimento do comportamento animal na evolução através da selecção natural. Eles questionam: Como é que, sob determinadas condições de evolução, surgiu o comportamento social? Porque é que, sob determinadas condições, um comportamento pode sobrepor-se aos outros e evoluir? Isto mostra claramente que o seu interesse não se situa mais ao nível funcional, mas sim ao nível causal. O seu tema não é a agressão como tal, mas sim o altruísmo aparentemente sem benefício para o seu praticante. As seguintes questões consubstanciam a principal tese da Sociobiologia: Porquê certas aves alertam o grupo e colocam-se eles mesmos na situação de perigo? Porquê animais praticam o investimento parental, minimizando a sua própria vantagem? 2.2 Vectores do Comportamento 459 459 Porquê é que surgiram inesctos trabalhadores estéreis em benefício de uma única rainha “poedeira”? Todos outros dispensaram a sua própria reprodução. Porquê parasitam certas aves ninhos de outras e obrigam-nas a inibirem sua reprodução e a alimentarem o parasita? Um comportamento que se estende aos filhotes recém eclodidos, osquais impiedosamente tratam de afastar os ovos restantes e os respectivos filhotes eclodidos tardiamente em relação à ocupação do ninho. Este aspecto foi reportado na Etoecologia. Desta alistagem de pontos fulcrais de análise da Sociobiologia pode parecer um desinteresse pelo conjunto dos fenómenos comportamentais que consubstanciam a vida social dos organismos. O que pretendeu-se fazer, aqui, foi apenas salientar o lugar central que a Sociobiologia como nova disciplina assume no conjunto das ciências naturais e sócio- culturais, para possibilitar ao leitor um melhor direccionamento da discussão. Em seguida trata-se o comportamento social de forma mais ampla. O conceito de organização social é utilizado na Biologia do Comportamento no seu sentido mais lato, uma vez que com ele abarcamos todas interacções entre indivíduos da mesma espécie e de espécies diferentes. Assim, o conceito ultrapassa concepções anteriores (FRANCK, 1988; TEMBROCK, 1986). A inclusão de interacções interspecíficas nos comportamentos sociais parte da simples razão de que 2. Características Gerais do Comportamento determinadas formas de relações tipicamente sociais podem ser dirigidas à indivíduos de outra espécie: comportamento de limpeza praticada por aves em manadas de bovídeos, diferentes formas de cooperação, comportamentos agonísticos, etc. Também a definição de GATTERMANN et al. (1993) deve ser revista, uma vez que estes autores limitam comportamentos sociais àqueles que são dirigidos à indivíduos da mesma espécie, desde que estes tenham capacidade para uma interacção. Esta definição elimina logo a partida qualquer relação que se estabeleça entre a galinha e o ovo, um comportamento que muito bem deve ser enquadro nos cuidados com a prole, por conseguinte um comportamento social. Do pontode vista metodológico, existem duas direcções principais trazidas à luz pela Biologia do Comportamento moderna. Isto está detalhado na apresentação metodológica deste livro. De um lado, está uma questão por muito tempo não tida em consideração na Etologia, que é a pergunta sobre o porquê de um comportamento, ou seja a questão acerca do seu valor evolutivo ou biológico. Como se disse, foi NICO TINBERGEN que se ocupou com esta questão, quer em laboratórios, quer em trabalhos de campo. Esta questão tinha sido posta de lado por não se considerar científica. Por outro lado, a questão acerca do como é que um determinado comportamento surge, passou a merecer interesse científico desde o desenvolvimento da Etofisiologia. Como pode-se depreender, em 2.2 Vectores do Comportamento 461 461 ambos os casos, mas com ângulos de visão diferentes, trata-se de questionar a causa dos comportamentos, é o nível causal. A Sociobiologia procura compreender o efeito de comportamentos sociais alternativos, também chamadas de estratégias, sobre a sobrevivência de indivíduos ou de seus genes. O preço (valor) da sobrevivência mede-se no fitness genético. Um indivíduo que não se reproduz com sucesso e com isso não transmite seus genes às gerações futuras, o seu fitness genético é nulo. Assim, a Sociobiologia procura demonstrar que estratégias comportamentais compensam-se pelos ganhos no fitness do indivíduo. As estratégias comportamentais capazes podem também ser chamadas de estratégias evolucionárias estáveis. Mas todo o comportamento útil para a sobrevivência do indivíduo traz consigo também desvantagens, por exemplo, por ele ser dispendioso tanto em termos de tempo, como do ponto de vista energético, ou ainda porque a realização do comportamento pode representar perigo para o indivíduo. Mais em diante dão-se alguns exemplo daquilo que a Etoecologia designa por balanço-de-ganhos-e-perdas. O que é determinante para a maximização do fitness, é o balanço entre as vantagens e desvantagens selectivas, ganhos e perdas, de uma estratégia. A Sociobiologia teórica procura esclarecer estas relações através de modelos matemáticos, os quais só têm seu valor quando formulam axiomas empiricamente observáveis. De modo geral, a hipótese formula- 2. Características Gerais do Comportamento se do seguinte modo: “o sucesso de uma estratégia dependerá da estratégia a adoptar pelo parceiro social” 31 . Num modelo teórico pode formular-se o seguinte: Se uma ave de rapina tivesse que escolher entre a alternativa de ela mesma caçar a presa e a de roubar dos membros do grupo, a estratégia a adoptar dependeria daquela dos outros membros. Se a maioria dos outros membros do grupo optarem por caçar sua presa, então valerá a pena adoptar o roubo. Contrariamente, se a maior parte dos membros vive roubando, então a caça será a melhor estratégia a seguir. A Sociobiologia parte do pressuposto de que a selecção natural actua ao nível do indivíduo e seus genes e não sobre grupos de indivíduos ou, muito menos, sobre a espécie. Como pode-se depreender, esta teoria vem pôr em causa formulações anteriores de selecção natural, segundo as quais os comportamentos adaptativos servem a conservação da espécie. Esta aparente contradição elimina-se se tomarmos em consideração hipóteses alternativas. Estas adaptações comportamentais servem secundariamente também a espécie (LIGON et al., In FRANCK, 1988). É preciso lembrar, aqui, um conceito de Genética muito importante, o genpool. Numa população existe o genpool, do qual partilham todos indivíduos da mesma espécie. A controvérsia não fica solucionada com a exposição acima. O que acontece então com o infanticídio, fratricídio, etc.? Trata-se certamente 31 ) Esta formulação foi baseada em FRANCK (1988) e não foi traduzida nem se trata de citação. 2.2 Vectores do Comportamento 463 463 de comportamentos que só vieram beneficiar indivíduos como tal. Não existe até hoje nenhuma comprovação de que estes comportamentos possam beneficiar a espécie. O infanticídio foi observado em diferentes grupos de animais vertebrados, sobretudo nos mamíferos, tais como os primatas (incluindo o Homem em determinadas culturas) e grandes gatos selvagens. Os exemplos dados acima suportam claramente a posição actual da Sociobiologia. Porém, a questão que parece ser não só premente, como também pertinente responder é a seguinte: devemos mesmo elevar o princípio de selecção de genes à categoria de doutrina sociobiológica? Sem dúvida, as espécies competem pelo uso de recursos do seu ambiente, e isto pode inclusivamente conduzir ao extermínio de uma das espécies em competição, tal foi o caso da competição entre marsupiais e mamíferos plancentários americanos que conduziu (praticamente) ao extermínio dos marsupiais locais. O entendimento sobre esta matéria resume-se no seguinte postulado: de facto, podem surgir na evolução estratégias que não são obrigatórias para a sobrevivência de uma espécie, mas elas serão apenas toleradas quando não conduzem à extinção da espécie. Um aspecto importante nesta discussão, refere-se ao facto de que uma selecção baseada nos indivíduos pode ser directamente observável. Contrariamente, a selecção baseada na espécie pode ser deduzida indirectamente a partir 2. Características Gerais do Comportamento de achados fósseis. Os subcapítulos seguintes trazem exemplos de comportamentos e organização sociais em diferentes animais. 6.2. Explicação sobre a evolução do altruísmo Do ponto de vista sociobilógico altruísmo só pode ser definido com base nos seus efeitos. Ser altruísta significa, em primeiro lugar, desenvolver uma acção que minimiza o sucesso reprodutivo do sujeito dessa acção e maximiza o sucesso reprodutivo de outros (Fig. 77). Fig. 77: Grupo de Helogale undulata; animal a esquerda empoleirado (seta) em vigilância e alerta o grupo no caso de perigo (segundo RASA, 1988) A maioria dos sociobiólogos explicam o altruísmo com base nas teoria de selecção parentesca (Inglês, kin selection de W. D. HAMILTON in: KNAPP, 1989). Na base desta tese está o pensamento de que indivíduos parentes 2.2 Vectores do Comportamento 465 465 possuem mesmos genes. A probabilidade de um gene encontrar-se no material genético de um parente dependerá do grau de parentesco que ambos partilham entre si (Fig. 78). Assim, para filhos próprios a probabilidade é de 1:2 (50%), para sobrinhos ela é de 1:4 (25%) e assim em diante. É por isso que deve ser de interesse individual que os genes dos outros membros parentes se reproduzam; pois, eles replicam parte dos seus próprios genes. O comportamento altruísta praticado para parentes recompensa-se a si mesmo pelo facto de estes poderem transmitir aos descendentes parte dos genes do altruísta e é este o interesse reprodutivo do altruísta ao expor-se ao perigo, por exemplo. A tese sociobiológica em volta da selecção parentesca pode ser resumida da seguinte forma: “genes para comportamento altruísta só podem ser beneficiados pela selecção natural se k > 1/r, onde k é a relação entre o benefício dos beneficiários e perdas para o que despende o benefício (altruísta) e r é o grau de parentesco entre os beneficiários e o altruísta, somado entre os indivíduos que beneficiam do comportamento do altruísta. 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 78: Coeficientes de parentesco segundo HEMILTON (1964) Um exemplo interessante do ponto de vista sociobiológico é o que o biólogo e matemático J. B. S. HALDANE nos forneceu quando se lhe colocou a questão se ele seria capaz de sacrificar sua vida por um irmão, ao que ele retorquiu: “por um irmão, não. Por três, sim”. No dizer da Sociobiologia, a razão biológicadeste comportamento reside no facto de que salvando um seu irmão, colocaria em perigo 100% dos seus genes para garantir a sobrevivência de apenas 50% dos genes que ele estatisticamente partilha com o seu irmão. Mas, em contrapartida salvando três irmãos, ele garantiria a sobrevivência de 150% dos genes que partilha com os três irmãos. Este exemplo leva-nos a concluir que o altruísmo só pode ser praticado entre indivíduos com maior afinidade genética, daí certamente a sua Diagrama de parentesco e determinação do Coeficiente de Parentesco r= 1 . (0,5) 2 = 0,25 r= 1 . (0,5) 2 = 0,25 (genes idênticos descendem de apenas uma parte progenitora) Meio-IrmãosAvós e Netos Pais e Descendentes Irmãos inteiros r= 1 . (0,5) 1 = 0,5 r= 2 . (0,2) 2 = 0,5 2.2 Vectores do Comportamento 467 467 maior frequência entre animais biossociais. É assim que se explica a razão de ser de formação de sociedades de insectos constituídas maioritariamente por fêmeas. Muitas destas fêmeas estão geneticamente programadas a permanecerem estéreis, sem possibilidade de reprodução, mas com a tarefa de auxiliarem na criação de suas irmãs. Com suas irmãs partilham 50% dos genes, com suas mães 75%. (Fig. 78) 2. Características Gerais do Comportamento Outra alternativa de comportamentos altruístas é o chamado altruísmo recíproco, em que os indivíduos trocam, por assim dizer, serviços, sem contudo existir qualquer relação de parentesco. Por causa deste facto, é Fig. 79: Exemplos de castas de trabalhadores(as) que dispensaram a sua própria reprodução e tornaram-se auxiliares/trabalhadores(as) ao serviço da rainha; a) casta de reserva serve como órgão de alimentação; b) larva normal e larva de defesa (guarda-costas, segundo CRUZ, 1981); c) térmite trabalhadora e soldados defendem sua rainha (segundo SKEIFE, 1955); d) um trabalhador de Nachtmull (Heterocephalus glaber). 2.2 Vectores do Comportamento 469 469 também chamado de mutualismo. É um comportamento mais observado em primatas superiores, sobretudo no Homem. 6.3. Comportamentos Sociais e Selecção Sexual Como se disse acima, o comportamento social engloba todos comportamentos do indivíduo dirigidos a ou provenientes de um parceiro social. As formas básicas de comportamentos sociais são a cooperação e a competição. De modo detalhado, fazem parte de comportamentos sociais os seguintes: - Comportamento agonístico (imponência, agressão, briga, defesa, dominância e subordinação, fuga, etc.); - Comportamento alomimético ou de contágio; - Limpeza individual (comportamento epimelético); - Limpeza ao parceiro social; - Comportamento sexual ou epigámico (atracção, corte, acasalamento, cópula, etc.); - Jogo, brincar (vide metacomunicação, Fig. 80); - Etc. Comment [u29]: rever 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 80: Metacomunicação em leões. Segundo SCHALLER, 1972 Os papéis de jogar e brincar nos animais tanto podem provir dos adultos para com os filhotes, assim como podem reveler-se ao nível das crias. Outros papeis sociais são descritos pelas figuras seguintes (Fig. 81, 82, 83, 84, 85, 86 e 87). Tratando-se do adulto que insta os filhotes a brincar, o comportamento chama-se matacomunicação. O comportamento social leva, muitas vezes, indivíduos da mesma espécie a constituírem sociedades verdadeiras na base de uma coordenação social. A unidade social básica é a união sexual do macho com a fêmea, acrescida em muitos casos pelos filhotes. Sendo 2.2 Vectores do Comportamento 471 471 Fig. 81: Bicar deslocado de galos em briga (comportamento agonístico); segundo TINBERGEN (1952) Fig. 82: O Lobo abre a boca e exibe os caninos como movimento de intenção de agressão (retirado de ZIMEN por FRANCK, 1985) Fig. 83: Mandril vencido em rendição aquieta o vencedor por presentação de genitálias, um comportamento primariamente de uma fêmea no comportamento sexual (segundo WICKLER, 1969) 2. Características Gerais do Comportamento - Assim, todos animais (incluindo os chamados solitários) chegam a viver em sociedades. Porém, uma sociedade verdadeira e duradoira é a que conhecemos de animais como: formigas (exemplo, térmitas), vespas, peixes (não todas espécies), Abelhas; - Diferentes espécies de primatas (macaco-cão, gorila, Homem, etc.). Fig. 84: Fêmea de Gondonga (Sigmoceros Lichtenstein) na alimentação do filhote (foto de CHRIS & STUART, 2000) Fig. 85: Comportamento de desvio de olhar; a cima, esquerda: Kolkraben (GWINNER, 1964); a baixo, direita: gaivotas (TINBERGEN, 1959 & TEMBROCK, 1984) 2.2 Vectores do Comportamento 473 473 Fig. 87: Alimentação carinhosa do tipo “boca-a-boca” em .....(segundo NICOLAI, 1956) Em cada um dos casos, a sociedade assim formada recebe um nome específico inventado pelo Homem: cardume, horda, bando, matilha, etc., designações biologicamente irrelevantes mas linguisticamente úteis. Fig. 86: Comportamento de desvio de olhar em raposa (TINBERGEN, 1959 & TEMBROCK, 1984) 2. Características Gerais do Comportamento Comportamentos sociais que acompanham a formação de grupos sociais podem estender-se para além da espécie (já foi dito antes), i.e., podem ser do tipo relação interspecífica, tal como a conhecemos de diferentes tipos de antílopes e zebras nas savanas africanas, ou de aves que formam as chamadas colónias de reprodução. 6.4. Evolução dos comportamentos sociais: Filogénese, ontogénese e aprendizagem Comportamento sociais evoluíram a partir de uma selecção natural. A maior pressão para a evolução deste tipo de comportamentos e que constitui, ao mesmo tempo, a vantagem biológica deste tipo de comportamentos, relaciona-se certamente com os seguintes ciclos problemáticos: - Evitação de predadores (optimização da defesa); - Exploração de recursos alimentares (maximização dos ganhos); - Aprendizagem social (Fig. 88); Fig. 88: Macaco jovem comunica com o tutor por via de sinais aprendizados, contexto de beber água; segundo foto original de GARDNER & GARDNER extraída de JOLLY, 1975 2.2 Vectores do Comportamento 475 475 - Regulação da temperatura; - Competição reprodutiva. Muitos animais estão mais protegidos dentro de grupos sociais, por exemplo, porque o perigo (predador) é reconhecido mais depressa, ou por que este pode ser atacado mais facilmente em grupo, ou ainda porque a fuga despolarizada do grupo (no sentido de orientação espacial multidirecçional) dificulta a perseguição. Em alguns animais, sobretudo nos mamíferos, existem inclusivamente autênticos guardas ou sentinelas que alertam o grupo sobre perigos. No caso específico de primatas, esta função pode ser desempenhada pelo macho de elevada posição social. Gatos selvagens que caçam em grupos têm maior probabilidade de capturar a presa do que indivíduos isolados. Uma vantagem particular da formação de grupos sociais consiste na aprendizagem. Indivíduos juvenis aprendem dos adultos: quem nunca admirou os gatinhos a brincarem à briga ou à caça com adultos. De uma maneira geral, dentro dos conteúdos de aprendizagem nos grupos sociais maior destaque vai para: 2. Características Gerais do Comportamento Formas e estratégias eficazes de caça. Um leão aprende a saber como morder a presa para que esta não escape (mordedura na região do pescoço); Formas de evitação de perigo; Períodos do dia apropriados para a caça (pode ocorrer através de sincronização de fases dos períodos de comportamentos com um “Zeitgeber” e, não necessariamente com as fazes do objecto funcional); Produção e uso deinstrumentos (primatas superiores); Comportamentos sexuais (mesmo que trate-se de estampagem); Etc. Na Biologia do Comportamento emprega-se muito o termo tradição (do Latim, traditio) para designar tudo o que se aprende de geração para geração, no contexto dos comportamentos sociais. Uma outra função biológica da vida social é certamente a de regulação da temperatura. As abelhas conseguem regular a temperatura na colmeia pelo batimento rápido de asas. No verão elas podem baixar e manter uma temperatura constante de 34,5 – 35,5 o C. Térmitas também regulam a temperatura das suas termiteiras de idêntica forma (Fig. 89), quem não não se lembra das cobras dos desertos a viverem às centenas em grutas no inverno. 2.2 Vectores do Comportamento 477 477 A aprendizagem de comportamentos sexuais (escolher e atrair a fêmea, copular, etc.) e a aprendizagem de algumas estrofes do canto da ave ocorre por meio daquilo que se designa por estampagem. O mesmo sucede com a aprendizagem ou fixação da imagem de mãe. Postula-se que a estampagem ocorra uma única vez e de modo irreversível. Diz-se também que existem fases ontogenéticas específicas para cada tipo de estampagem, dentro das quais cada comportamento deve ser estampado, são as chamadas fases sensíveis ou críticas de aprendizagem por estampagem. A não ocorrência desta na fase apropriada leva o indivíduo a não desenvolver aquele tipo de comportamento, o que minimiza o fitness reprodutivo individual. A existência de fases sensiveis e a irreversibilidade do estampado são ultimamente muito discutidas. De facto, vários exemplos demonstram que a imagem aprendizada por estampagem pode ser reversivel. Todavia, Fig. 89: Termiteira em Tete; vida social de insectos (foto de PIRES, 2006) 2. Características Gerais do Comportamento não é discutida a hipótese de existência de bases específicas para cada espécie, sobre as quais o processo de estampagem pode ocorrer, do que resultam as grandes diferenças encontradas em cada tipo de animal. Em determinadas aves, Taeniopygia guttata, por exemplo, foi possível observar-se um erro de estampagem sexual. Fêmeas desta espécie com erros de estampagem preferem machos de outra espécie, Lonchura striata, para a cópula. Também patos que tenham estampado mal a imagem de pata preferem a prática de homossexualismo entre si. Numa determinada fase de desenvolvimento ontogenético do Homem, mais ou menos entre os 4 e 6 anos, as crianças têm preferência de brincar com outras do sexo oposto. A recusa do(a) parceiro(a) ou qualquer outro tipo de comportamento inadequado deste(a) leva a outra criança a passar a preferir criança do mesmo sexo para brincar, do que provavelmente se desenvolve o homossexualismo. É preciso notar que este comportamento poderá ter outras origens (genéticas, teratológicas, psicológicas, emocionais, culturais, etc.). Existem também processos de aprendizagem semelhantes à estampagem, mas que ocorrem durante períodos relativamente longos, i.e., suas fases críticas são tão prolongadas que não deixam claro quando começam e quando terminam e, por conseguinte, confundem-se com uma aprendizagem, digamos, normal. Um desses processos é o de desenvolvimento de relações mãe-filho. Fêmeas mães de antílopes, Comment [u30]: internet nome português 2.2 Vectores do Comportamento 479 479 cabritos e ovelhas diferenciam muito claramente entre os seus filhotes e os de outras mães. A ligação com o filhote é aprendizada nas primeiras horas pós-nascimento à base de cheiros específicos. Durante esta fase, qualquer filhote de outras mães pode ser adoptada. Decorrida esta fase, tal já não acontece. Experimentos realizados mostram claramente a função do cheiro: as mães que recusam a adopção de filhotes alheios podem ser “enganadas” por meio do cheiro da sua própria placenta untada no corpo dos filhotes estranhos. Estes mesmos processos de aprendizagem participam na aprendizagem da capacidade de retornar à casa, a chamada estampagem da casa (do meio, do ambiente). É assim que peixes, aves e mamíferos aprendem a regressar ao seu local de origem. Pombos- correio e cães de guerra são os exemplos mais clássicos. Existe ainda a chamada estampagem motora, na qual se basea a aprendizagem do canto de aves. Uma ave cantora de uma espécie pode, na fase sensivel, estampar elementos do repertório do canto de outra espécie. Porém, ouvindo ela em simultâneo o canto das duas espécies, então ela estampará de preferência o canto da sua espécie, daí que se postula que qualquer tipo de aprendizagem possua bases genéticas. 6.5. Síndrome de deprivação social em crianças sem pessoa de referência, hospitalismo 2. Características Gerais do Comportamento Importa introduzir o termo hospitalismo para melhor entendermos a importância da estampagem ou de processos semelhantes a esta. O hospitalismo, como também é chamada esta síndrome, é um fenómeno mais observado no Homem. SPITZ (1995) conseguiu demonstrar que crianças que crescem em orfanatos sem pessoa de referência (não se confundir com parentes), sofrem com frequência de danos físicos e psíquicos: retardamento do desenvolvimento corpóreo, motor, psíquico e emocional. Não só, elas são igualmente mais vulneráveis à doenças infecciosas. As mais visiveis anomalias comportamentais são: o abanar da cabeça ao falar, o mordiscar as unhas e o chupar o dedo polegar, a falta excessiva de expressão facial na convivência social (olhar sem expressão), a debilidade psiquica, um coeficiente de inteligência não apropriado à idade, a língua parece prender na fala e incha, o que torna as palavras pouco perceptíveis. O contacto que mantêm com pessoas do seu meio é sempre extremo: ou são excessivamente extrovertidos ou introvertidos, o que lhes dificulta manter relações sociais duradouras. Danos por deprivação surgem num período mais ou menos bem limitado, que vai do nascimento até ca. de 5 anos. A pessoa de referência mencionada antes pode ser o dirigente do orfanato, pais substitutos, outros membros da família, etc. É preciso notar que mesmo numa família normal, a disputa de direitos de contacto com a criança acabam retirando-lhe a pessoa de referência. 2.2 Vectores do Comportamento 481 481 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 90: Modelo de mãe de boneca supranormal estampada pelo macaco Rhesus (esquerda) e outro modelo aproximado de metais com biberão. O macaco prefere não desprender-se da”mãe” mas ir mamar no modelo à direita (segundo HARLOW, 1958; in: IMMELMANN,1983) 6.6. Estruturas sociais 6.6.1. Ecologia de estruturas sociais O ponto de partida para a análise do comportamento animal é a compreensão das suas exigências em tempo e espaço. Aliás, esta análise deveria ter sido introduzida antes, uma vez que ela fornece bases para a compreensão de muitos aspectos relativos ao comportamento. Uma vez que a vida só existe sob forma de seres vivos, os organismos tornaram-se unidades limitadas do ponto de vista de espaço. Consequentemente, a sua exigência elementar em espaço resulta do seu nível de organização individual. Este é o nível primário de exigência de espaço, do qual deixam-se deduzir todos outros, até o de estruturas sociais com interacções extremamente complexas que podem ser realizadas em megaterritórios. Tanto do ponto de vista individual, como do ponto de vista de grupos sociais, o espaço que os organismos exigem do seu meio refere-se, em 2.2 Vectores do Comportamento 483 483 primeiro lugar, ao campo de contacto físico, ou simplesmente campo de contacto. Ele resulta da interacção entre o organismo e o meio físico concreto, sobre o qual recaem todas (re)acções físicas do indivíduo. Nesse espaçodevem realizar-se todas funções vitais. Sendo assim, ele evoluiu ao longo da filogénese, desenvolve-se ao longo da ontogénese e modifica-se constantemente e demonstra maior plasticidade na actualgénese. Animais sésseis (por exemplo, o que também pode chamar-se de sessilidade primária, dos espongiários, p.e.) têm outras exigências em espaço (Fig. 91). Animais de sessilidade secundária, ou semi-sésseis, os parasitas, etc., possuem exigências que se relacionam com a sua mobilidade periódica. Tanto para estes, como para animais de vida tipicamente livre, surge uma cadeia de exigências de espaços que resulta do seu domínio dos diferentes graus de liberdade. A ontogénese também faz diferir as exigências de espaço de um organismo: pensemos no girino e na rã adulta, ou na larva de formiga-leão e no seu imago com capacidade de voo. As exigências de espaço e a forma como os organismos o dominam dependerá da idade ontogenética. 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 91: Exemplo de animais sésses, esponja tubular, Grantessa sp. (foto de A. BANNISTER, in: MARGO & BRANCH, 1981) O espaço propriamente dito que o animal necessita refere-se ao campo de contacto e ao campo proximal, ambos sob domínio dos órgãos dos sentidos. Enquanto isto, as exigências de espaço de um organismo podem ser (1) estacionárias ou estáticas, para animais primariamente sésseis, ou (2) dinâmicas, para indivíduos dotados de movimentos de deslocamento. Observando andorinhas num fio telegráfico, por exemplo, depreende-se que elas deixam espaços quase equidistantes entre si, que correspondem às exigências espaciais individuais mínimas (Fig. 92). Trata-se do chamado espaço mínimo, que corresponde à distância das asas. Isto visa possibilitar um voo rápido sem perturbações provenientes da curta distância entre elas. Isto pode ser decisivo para uma data de comportamentos motivados do indivíduo (exploração de recursos, defesa, 2.2 Vectores do Comportamento 485 485 etc.). Exemplos como este, em que o espaço mínimo do indivíduo está directamente relacionado com a exploração de recursos são vários. Fig. 92: Distância individual em andorinhas de vários géneros (segundo IMMELMANN, 1983) Interessa introduzir alguns aspectos gerais referentes à ecologia de estruturas sociais. Os outros sinónimos usados para estruturas sociais são estrutura de grupos e sistemas sociais. Em todos casos ele define a complexidade de interacções sociais de um grupo de indivíduos da mesma espécie, determinado, de um lado, pelas potências comportamentais e reprodutivas específicas e, por outro lado, está grandemente condicinado pela distribuição e abundância dos alimentos no tempo e espaço. A estrutura de um grupo sociaial revela-nos o conjunto de todas relações de coordenação e funcionamento de um grupo. Apesar de não ser possível a separação entre estrutura e funcionamento, tornou-se necessário nesta explanação fazê-lo para melhorar a percepção. Falamos de estruturas de coordenação para nos referirmos às formações espaciais de um grupo, a composição demográfica (demestrutura) e a estrutura de ligação. Neste caso, ligação refere-se à relação existente entre o indivíduo e o seu ambiente. Uma ligação pode 2. Características Gerais do Comportamento ser uni- ou bidireccional, activa ou passiva, hereditára ou adquirida individualmente na ontogénese. Temos, por exemplo, a ligação do indivíduo ao parceiro e ao grupo (ligação social). Mas também temos uma ligação com o espaço ou co os objectos (ligação não social) e muito mais. Estruturas sociais subordinam-se a uma evolução filogenética e evolução específica ao grupo (sociogénese). As funções das estruturas sociais resultam das interacções específicas na ligação social, espacial ou com objectos. Estruturas sociais dependem dos diferentes factores ecológicos. Metodologicamente estruturas do grupo são abarcadas por tabelas (sociomatrizes), gráficos (sociogramas) ou por medidas da estatística (sociometria). O comportamento social conduz indivíduos da mesma espécie a viverem em grupos (atracção social) e regula a vida colectiva (coordenação social). Como unidade social básica pode considerar-se o grupo sexual de dois indivíduos (já foi referido antes). Correspondentemente, também animais extremamente solitários como o Cuco-canoro-africano (Cuculus gularis, Fig. 93) demonstram comportamentos sociais, quando o macho e a fêmea se unem para reprodução (Outubro na África Austral). Como foi dito antes, na introdução, comportamentos sociais transcendem os limites de espécie e vão até estruturas sociais interespecíficas, como por exemplo, as hordas formadas por diferentes espécies de ungulados 2.2 Vectores do Comportamento 487 487 (diferentes tipos de antílopes, zebras, etc.), incluindo a avifauna acompanhante, nas savanas Africanas. Também as colónias de reprodução de áves aquáticas. Numa classificação simples, grupos sociais de animais podem ser: 1. Agregações ou conglobações, 2. Grupos anónimos, 3. Grupos individualizados e 4. Sociedades animais ou sociedades verdadeiras (eussociedades). Nesta classificação incluem-se as chamadas agregações, as quais não se baseam em atracções sociais, mas sim em factores ambientais (exemplo, alimento, humidade, luz, temperatura, etc.). Certamente fazem parte desta classe as conglobações de mariposas. Os conceitos empregues para designar este tipo de grupos sociais têm sido confusos e/ou difusos, no sentido de fraca delimitação dos seus significados biológicos. Por exemplo, GATTERMANN et al. (1993) usa também o termo agregações no lugar de conglobações. Os autores que se referem às agregações como Fig. 93: Cucu-canoro-africano (Cuculus gularis); mais social no periodo de reprodução, aos pares (Foto de MACKLEAN, 1939) 2. Características Gerais do Comportamento grupos diferentes das conglobações não se referem à factores específicos que as fazem diferir. TEMBROCK (1986) procura elucidar a diferença associando às características das agregações outros elementos, tais como a biocumicação através de feromónios e outros mecanismos. De facto, numa simples conglobação não ocorre a biocomunicação. Porém, fica sem sentido biológico imaginar que os indivíduos que integram este tipo de grupos sociais estejam totalmente isentos de interacções comportamentais. Gafanhotos predadores que chegam a formar autênticas nuvens no céu não se reconhecem individualmente, mas interagem de alguma forma. Hienas agregam-se para devorarem um cadáver e, assim que este acaba, separam-se (Fig. 94). Fig. 94: Hiena malhada, Crocura crocuta (Foto de CHRIS & STUART, 2000) Hiena malhada vive na região sub-sahariana e ocupa praticamente todos habitats, excepto os desertos, a não ser ao longo de cursos de água. São animais solitários, podendo também viver em famílias. Em regiões tropicais desérticas agregam-se muitos animais em torno de fontes de água. A agregação de serpentes em cavernas é mais um 2.2 Vectores do Comportamento 489 489 exemplo deste tipo de formação de grupos não sociais. Elas agregam-se mais para a termoregulação, mais ou menos no sentido sinergético. Quem não conhece a agregação de Pinguíns (Fig. 95) ou abelhas (Fig. 96 e 97). Também muitos peixes que formam cardumes não se reconhecem mutuamente, embora formem grupos, cuja estrutura difere de espécie para espécie, ou de acordo com a circunstância comportamental (Fig. 98). Fig. 95: Agregação de Pinguíns, um comportamento termorregulador (sem fonte explícita) Fig. 96: Estrutura de um enxame típico a baixas (esquerda) e alta (direita) temperaturas ambientais (segundo HEINRICH, 1988) 2. Características Gerais do ComportamentoFig. 97: Ilustra o que está descrito na figura anterior; esquerda, a temperaturas baixas e, direita, a temperaturas elevadas (segundo HEINRICH, 1988) Fig. 98: Diferentes estruturas de formação de cardumes em peixes para defesa; explicação simplificada a partir de PARTRIDGE (1988) 2.2 Vectores do Comportamento 491 491 Como pode-se deduzir desta palete de exemplos, enquanto nuns grupos a única razão para a formação de grupos é um determinado factor ambiental abiótico (luz, temperatura, humidade, alimento, etc.), noutros trata-se, até certo ponto, de factores que deveriam ser considerados como factores sociais de facto, mesmo admitindo-se o facto de os indivíduos interagirem não como membros de sociedades verdadeiras: a serpente para agregar-se às outras precisa de as reconhecer de algum modo e interagir com elas. A hiena, igualmente, precisa de reconhecer e interagir com indivíduos da espécie para a caça, e mais. No caso da hiena devemos admitir comportamentos mais complexos do ponto de vista de organização e execussão: elas, por assim dizer, não vão a caça à toa. Existem estratégias (técnicas e tácticas) a adoptar pela matilha para se garantir o sucesso de caça. A forma mais complexa de organização (bio)social nos animais é a representada por certos insectos, (abelhas), primatas, etc. São as chamadas eu(bio)sociedades, conforme veremos mais em diante. A complexidade dos comportamentos entre os indivíduos de um grupo social é determinada basicamente está em função do grau da estruturação interna do grupo. TEMBROCK (1986) reconhece as seguintes formas de estruturação: Agrupamentos não coordenados que surgem apenas com base na percepção de suas necessidades ambientais: são as chamadas conglobações. Nós as conhecemos de mariposas que são atraídas pela 2. Características Gerais do Comportamento luz ultravioleta. Estes factores que induzem à conglobações não podem ser considerados como factores sociais, aliás o exemplo foi já descrito acima (Fig. 99); Agrupamentos de corordenação elementar (agregações), nos quais adicionalmente actua um factor de atracção social, por exemplo, os feromónios; Unidades (bio)sociais abertas anónimas que demonstram certos mecanismos de interacção. Nestes, membros de unidades diferentes comutam de grupo; hordas, cardumes, etc.; Fig. 99: Fêmea de Kheper aegyptiorum: 1-2) corta e prepara uma bola a partir de material fecal de elefantes; 3- 4) na escavação para enterrar a bola que serve para ovoposição (4); o indivíduo abandona o local logo depois de ter depositado os ovos; tipo de conglobações ou sociedades efemérides (segundo HEINRICH & BARTHOLOMEW, 1988) Unidades (bio)sociais abertas não anónimas, ligadas a um determinado lugar, sociótopo. Também aqui a troca de membros entre diferentes grupos 2.2 Vectores do Comportamento 493 493 é possível. Contudo, indivíduos vizinhos reconhecem-se: colónias de reprodução; Unidades (bio)sociais fechadas anónimas, em que os membros se reconhecem através de sinais (maioritariamente cheiros). Na abelha de mel o cheiro da colméia. Estes grupos repelem agressivamente indivíduos da espécie que não possua estes sinais de reconheciemento: insectos eu(bio)sociais e também aranhas; Unidades (bio)sociais fechadas não anónimas. Os membros do grupo reconhecem-se individualmente e, praticamente, uma permuta entre sí é excepcional. A forma de manter os grupos sociais basea-se nas relações de dominância-subdominância e outras formas de “jogar papéis sociais”: vertebrados eu(bio)sociais; típico para primatas, daí que este tipo de formações sociais se constitua como ponto de partida para o comportamento da vida social do Homem (Fig. 100 e 101). 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 100: Brincar e jogar papéis em gorilas juvenis (segundo SCHALLER, 1963, in: FRANCK, 1985) Fig. 101: Jogo de briga da raposa-vermelha, Vulpes vulpes, do Norte de África entre Marrocos e Egípto (segundo TEMBROCK, 1961, in: FRANCK, 1985 2.2 Vectores do Comportamento 495 495 Apesar de preferência de grupos sociais, indivíduos de uma sociedade tanto anónima, como não anónima, mantêm uma distância individual entre si, i.e., cada membro possui um território que não pode ser ocupado pelo outro, de contrário ocorrem comportamentos agressivos. Quem não se lembra das andorinhas nos fios telegráficos que foram referidos antes, ou ainda do comportamento humano à porta do elevador, ou à mesa de reuniões, quando cada indivíduo usa objectos que possui para a demarcação do seu “mini-território”, o qual não deve ser invadido. Esta é a chamada distância ou espaço individual, mínima(o) é hereditária(o) e específica(o) para a espécie; Contudo, a tal distância pode ser alterada com base na experiência e sob determinadas condições. Num campo Fig. 102: Grupo de Gorilas (Gorilla gorilla); Foto de CHRIS & STUART, 2000. 2. Características Gerais do Comportamento aberto as gaivotas mantêm entre si uma distância individual de cerca de 30 cm. No cortejamento esta distância é destruida. É frequente encontrar na literatura um outro conceito sobre grupos sociais, os grupos individualizados. Na verdade o conceito interfere bastante com o descrito para vertebrados. Neste tipo, os membros do grupo reconhecem-se mutuamente através de sinais específicos (cheiros, padrões de cores, emissão de sons, etc.) e não admitem membros provenientes de outros grupos. Trata-se, por conseguinte, de grupos não anónimos fechados. Este tipo de formação social é conhecido também por tropa ou bando e encontra-se muito propagado em primatas. Um bando de macacos pode conter várias e diferentes hordas (Fig. 103). A figura 104 ilustra uma foto do tipo de macacos referidos no esquema seguinte. Fig. 103: Divisão de papéis (tarefas) numa horda ou bando de mandrís (Papio cenocephalus); em cima: formação de marcha não perturbada, o grupo é assegurado por machos de baixo status social; em baixo, marcha perturbada 2.2 Vectores do Comportamento 497 497 por um predador (seta), o grupo é dirigido por machos dominantes do mais elevado status social (segundo DEVORE e redacção de LIFE, 1966, in: FRANCK, 1985) Fig. 104: Mandrilo, Papio cenocephalus (CHRIS & STUART, 2000) Condições ecológicas específicas fazem variar o tamanho de um bando, podendo em certo tipo de macacos atingir 750 indivíduos. A agressividade interindividual é maioritariamente impedida pela organização hierárquica dos seus membros ou pela territorialidade destes (o.m.q. comportamento territorial). Enquanto isto, a agressividade além-fronteiras é bastante acentuada, de tal modo que indivíduos estranhos ao grupo só são aceites como membros depois de uma interacção agressiva prolongada. Deste facto resulta que alguns autores prefiram chamar de grupos sociais semi-abertos. Hordas de chimpanzés coligadas em bandos chegam a desencadear verdadeiras guerras que chegam a culminar em autênticos genocídios, tal como foi reportado por Jane GOODALL. Fig. 105: Foto de JANE GOODALL (ANO), primatóloga que viveu mais de 40 anos com primatas em África, sobretudo em Gombé, Tanzania. Comment [u31]: Fonte da foto 2. Características Gerais do Comportamento A outra forma de organização social de invertebrados mais mais interessante é a dos insectos (formigas, vespas, abelhas e térmitas). Sob o ponto de vista evolutivo, este tipo de estrutura social evoluiu a partir de simples formas de estruturas familiares de insectos solitários com comportamentos de cuidados-com-a-prole. Contrariamente aos vertebrados, os insectos formam grupos sociais fechados que chegam a conter milharese milhares de membros, todos eles nascidos nessa mesma sociedade. As abelhas recusam novos membros da mesma espécie com recurso à agressividade. A vida da sociedade decorre (quase) sempre sem conflitos mercê da falta de liberdade dos seus membros perante a raínha. Na sociedade de insectos cada membro tem funções específicas e possui adaptações morfológicas e fisiológicas que lhe permitem exercer tais funções. Os indivíduos de um estado de insectos encontram-se divididos em castas: 1) casta de indivíduos estéreis (obreiras) e casta de indivíduos reprodutivos (fêmea que é apenas a rainha e vários machos). A tarefa dos machos reprodutivos consiste apenas na fertilização da rainha. Depois do “voo de núpcias”, os machos são expulsos do grupo, ou ainda mortos. A casta estéril tem as funções de cuidar da prole, fazer limpeza, construir o 2.2 Vectores do Comportamento 499 499 ninho, etc. Em térmitas e outros insectos existem ainda os soldados, aos quais cabe a tarefa de defender a sociedade ou escravizar outras espécies. Postula-se que as diferenças entre as castas formam-se devido a alimentação diferenciada na fase juvenil. Diferenças genéticas não foram ainda demonstradas; Porém, a casta de trabalhadoras e a rainha demonstram diferenças morfológicas extremas. A esterilidade da casta não reprodutiva pode ser alcançada pela rainha através de uma substância inibidora que ela segrega. Esta substância é chamada de substância da rainha e é produzida nas mandíbulas desta. Trata-se de uma feromona que é também encontrada nas térmitas. A análise dos comportamentos (bio)sociais não deve ser limitada apenas aos aspectos etoecológicos. Aspectos evolutivos ditarão no futuro outras formas de divisão dos tipos de unidades sociais aqui apresentadas. Seja como for, todos concordam com TEMBROCK (1986) quando aponta para três condições evolucionárias de comportamentos sociais: (1) Requisitos constitucionais, que se originam do corpo e das funções, mais ou menos no sentido de características da espécie; (2) Requisitos da biogeocenose, como a divisão de objectos alimentares e outros recursos, disponibilidade de alimento e lugar para protecção, segurança e evitação de inimigos; (3) Condições populacionais específicas, como atracção mútua, comportamentos territoriais, intolerância mútua, exigência em parceiro nos contextos sexual e de cuidados com a ninhada (Fig. 106). Comment [u32]: internet sobre escravização em insectos Comment [u33]: internet: química desta feromona e formas de actuar 2. Características Gerais do Comportamento A evolução de comportamentos sociais, assim vista, implicou o desenvolvimento de capacidades e mecanismos adaptativos não sòmente na filogénese, como também na ontogénese e actualgénese. A actualgénese deve demonstrar maior plasticidade. 6.6.2. Mecanismos de manutenção de ordem social A ordem interna numa sociedade animal depende da coordenação entre os diferentes membros. Esta coordenação, por sua vez, basea-se na comunicação, o que pressupõe uma troca de informações sob forma de sinais comunicativos. Trata-se, na linguagem da teoria de comunicação, de sinais codificados por um emissor e descodificados por um receptor, Fig. 106: Em cima: leopardo no transporte do filhote; ao lado: mandrilo-fêmea com filhote (segundo FRANCK, 1985) 2.2 Vectores do Comportamento 501 501 os quais maioritariamente possuem o mesmo repertório de sinais. Os meios de que se servem para enviar a mensagem são vários: objectos sólidos para sinais vibratórios, ar para sinais químicos e ópticos, terra para sinais vibratórios, água também para sinais químicos. Existem muito mais modalidades de meios e sinais. Estes sinais constituem autênticos dialectos, podendo ainda existir vários regiolectos entre indivíduos da mesma espécie. Um dialecto deve ser aprendizado, maioritariamente por meio da chamada estampagem (nos primatas, incluindo o Homem a aprendizagem é mais complexa). Numa determinada espécie existe um padrão básico hereditário, sobre o qual se formam os chamados regiolectos como variações dialécticas. Conforme foi dito antes, os grupos sociais verdadeiros são mantidos por meio de uma atracção social baseada numa troca de sinais comunicativos. Sinais comunicativos ou comportamentos-sinais que são imitados por todos os membros do grupo de forma sincrônica têm a função de facilitadores de todo o comportamento social do grupo; ocorre, por assim dizer, uma facilitação social. Como que por contágio, estes comportamentos propagam-se por todos os membros do grupo e são executados (quase) de igual forma por todos. Num bando de aves em voo bastará que um membro mude de direcção para todos o imitarem de modo sincrônico e em milésimas do segundo. O mesmo verifica-se no comportamento de Salamandras de mexer a cabeça sincronicamente (Fig. 107). 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 107: Salamandra salamandra (desenho de DISCOVERY CHANNEL, 2000) São comportamentos sociais que se desenvolveram com várias funções, por exemplo, de defesa do grupo. Lembremo-nos do som de alarme de aves quando avistam uma serpente. A doninha de cauda longa, que vigia enquanto o grupo desenvolve diferentes actividades (por exemplo, comer), também demonstra este comportamento. Em colónias reprodutivas de aves este comportamento tem a função de sincronizar a desova, o que é vantajoso, ja que aves que desovam isoladas correm vários riscos. Dos mecanismos de coordenação social num grupo social fazem parte também comportamentos antagónicos como os descritos acima, os chamados comportamentos de inibição social. A inibição social levou ao desenvolvimento de papéis diferentes assumidos pelos membros do grupo: em casos extremos há uma verdadeira divisão de trabalho. Hordas de mamíferos são dirigidas por um animal-guia, cujo papel é imediatamente tomado por um outro membro do grupo, logo depois de este morrer. Possivelmente o papel de guia de um animal inibe a 2.2 Vectores do Comportamento 503 503 prontidão de ser guia de outros animais. Pensa-se que a evolução de hierarquia social basea-se neste princípio. Em casos extremos todos os membros do grupo encontram-se estruturados hierarquicamente a tal ponto que cada indivíduo possua um “status social”. No topo da estrutura está o individuo-alfa () e na sua base o indivíduo-ômega (Ω). Estatutos hierárquicos intermediários podem existir, dependendo do tipo de estrutura social do grupo. Ao indivíduo-alfa seguem os indivíduos beta (), gama (γ), etc. O indivíduo-alfa comporta-se de modo agressivo contra todos os membros que desobedeçam as normas sociais. Comportamentos agressivos de outros membros podem ser punidos severamente. O indivíduo-alfa tem também acesso não limitado aos recursos (alimento, água, fêmeas do grupo, etc.). Relativamente aos recursos sexuais ele desenvolve o que se chama de castração psiquica (psicológica) nos subordinados. Ela refere-se à inibição reprodutiva que o indivíduo posicionado acima provoca nos subordinados. Como consequência, por exemplo, só fêmeas com estatuto de alfa é que têm o estro, as outras todas não chegam a este estado do ciclo éstrico, há disfunção hormonal. Este fenómeno foi descrito para muitos mamíferos, incluindo ratos. As outras fêmeas devem abandonar o grupo para poderem chegar ao estro e à capacidade sexual/reprodutiva. Ou então, a fêmea dominante deve ser destronada, ou ainda depois de ela morrer é que elas tornam-se sexualmente capazes. O caso dos machos é mais descrito nos primatas. 2. Características Gerais do Comportamento Comportamento de dominância demonstra graus diferentes de expressão, dependendo de todo um conjunto de relações inter-individuais que os membros do grupo desenvolvem. Assim, podemos encontrar umarelação hierárquica de dominância absoluta. Ela é válida independentemente do lugar, do tempo e da sua relação funcional. Enquanto isto, a dominância relativa ocorre de acordo com determinadas situações de convivência social, sendo mais expressiva na situação de luta entre os membros do grupo, como por exemplo, na competição por exploração de recursos. Fig. 108a-b: Padrões de hierarquias sociais: a) linear e b) triangular, ao exemplo do peixe Xiphophorus heller (segundo FRANCK, 1985). 2.2 Vectores do Comportamento 505 505 Os padrões de hierarquia social diferem de espécie para espécie. No caso optimal fala-se de uma hierarquia linear (Fig. 108a), ou de uma hierarquia triangular (Fig. 108b). Noutros casos os dois padrões misturam-se tal como mostra a figura. Também é possivel encontrar nos mamíferos hierarquias de ordem difusa, nos quais não se reconhece nenhum padrão. A formação de hierarquias sociais contribui para ordem social dentro dos grupos e inibe comportamentos agressivos entre seus membros. Brigas abertas são elas que determinam as posições. Assim que as posições estiverem determinadas, as brigas são extremamente reduzidas e reprimidas. Animais com posição hierárquica superior têm vantagens na reprodução e no alimento; porém, eles desenvolvem tarefas específicas, por exemplo, a defesa do grupo. No macaco babuíno Papio cynocephalus (Fig. 103 e 104) a guia do grupo é realizada por indivíduos de estatuto inferior enquanto não aparece o perigo. Logo que houver perigo, a guia é imediatamente transferida para os indivíduos de estatuto superior dominantes do grupo. Neste caso, pensa-se que cada um deles não seria capaz de liderar o grupo sozinho. No macaco-de-rosto-vermelho (Macaca fuscata) e no macaco rhesus (Macaca rhesus ) observou-se que filhotes herdam o status de suas mães: quem provém de uma escrava, fica também escrava. 2. Características Gerais do Comportamento O status social pode depender de vários factores, tais como idade, tamanho, força física e habilidades para agressividade. Contudo, ele pode também depender de relações especiais que um membro mantém com os de status superior (relações pessoais): através de acasalamento com um macho-alfa, uma fêmea subordinada pode atingir um estatuto elevado, e seus filhotes também. Em diferentes espécies de macacos foram observadas coalizões entre dois machos para partilharem a posição-alfa, i.e., para ambos serem “chefes”. Comportamentos agonísticos, de uma maneira geral, podem servir também para a delimitação do território: comportamento territorrial. Trata-se de um espaço de acção do grupo (ou do indivíduo) defendido por meio de comportamentos agressivos. Dentro de um território podem existir outros vários territórios pequenos limitados ao par de reprodução, tal como acontece com aves que praticam colónias de reprodução. Comportamentos territoriais ocorrem também em invertebrados: uma libelinha, por exemplo, defende com agressividade o seu território de acasalamento. Os indivíduos de estatuto inferior, isto é, subdominados, gozam de certas vantagens na ordem scocial. Eles, tal como os dominantes, beneficiam das vantagens gerais de uma organização social como a defesa, benefícios na competição com outros grupos, ou ainda beneficiam da exploração colectiva de recursos alimentares. 2.2 Vectores do Comportamento 507 507 Para o grupo como um todo a organização social baseada numa estrutura hierárquica representa: Um compromisso necessário entre as vantagens de vida em grupo e a existência de competição intra-específica; Um mecanismos de regulação ou um contracto social para a divisão de recursos começando pelo topo da hierarquia, do que resulta uma redução necessária da densidade populacional a partir da base. Para as ciências humanas esta afirmação poderá parecer aberrante, já que choca com a ética e moral, esquecendo elas que na natureza não existe moral. Só existem mecanismos evolucionários estáveis que garantem a sobrevivência dos indivíduos; Uma ordem social que limita a frequência, a duração e a intensidade de comportamentos de briga, assim como tensões e stress sociais. Deste modo, a ordem social vai possibilitar os membros do grupo, de um lado, a maximização do tempo, da energia e, do outro lado, a minimização dos riscos. 2. Características Gerais do Comportamento 6.6.3. Formação de territórios e seu significado biológico 2.2 Vectores do Comportamento 509 509 Indivíduos sociais característicos demonstram comportamentos territoriais típicos. Mesmo indivíduos que se juntam esporadicamente por um tempo limitado demonstram comportamentos territoriais que lhes são característicos. Indivíduos tipicamente solitários tem igualmente seus territórios. Um território define-se como a parte do espaço físico livre (habitat) que o indivíduo defende contra estranhos (território individual), ou aquele que é defendido pelo grupo social (território do grupo). O comportamento que serve a defesa de um território chama-se Dendrobates galindoi 2. Características Gerais do Comportamento comportamento territorial ou simplesmente territotiedade. A territoriedade é dirigida contra potênciais competidores e, por isso mesmo, dirigida, em primeiro lugar, contra indivíduos da mesma espécie. O significado biológico de formação de territórios pode ser diferente de animal para animal. Há aves que defendem um território com um raio de vários quilómetros, dentro do qual elas criam as suas crias, exploram fontes de alimentos, etc. Contrariamente, os corvos da cidade já não o fazem: eles possuem pequenos territórios para a defesa dos filhotes, enquanto que o alimento vão buscar noutro lugar fora do território. Nos peixes, mesmo que vivam todo o ano em cardumes, o macho cria um pequeno território que apresenta à fêmea para a deposição de ovos. Eles voltam aos seus cardumes maiores depois da época reprodutiva. Aqui, o território tem uma função clara: a reprodução. Nós podemos concluir que o tamanho do território está correlacionado positivamente com a sua função biológica. Territórios de mamíferos são, maioritariamente, muito amplos e têm locais (subterritórios) específicos, nos quais determinadas actividades são desenvolvidas (toma de água, procura de alimentos, banho, defecação, etc.). Assim, o animal emigra internamente de um subterritório para o outro. Mas também encontramos territórios que se limitam à área de uma folha de uma árvore aquática (figura do subcapítulo). 2.2 Vectores do Comportamento 511 511 Sumariamente, nós temos que considerar as seguintes formas de territórios: Territórios multifuncionais, nos quais todas condições vitais necessárias estão presentes (territórios de reprodução de muitas aves cantoras); Territórios de reprodução, nos quais ocorre o acasalamento e cuidados com a prole, ou de recolha do material de construção do ninho (colónias de aves, locais de parto de focas); Territórios de acasalamento, que são concorridos pelos machos na procura de fêmeas predispostas para a cópula. Trata-se das melhores posições para a atrairem as parceiras de cópula, cortejamento colectivo; Territórios de alimentação, que servem para a procura de alimentos (incluindo a captura de presa e a toma de água). Algumas aves de rapina chegam a defender territórios de mais de dois quilómetros quadrados, dentro dos quais elas são capazes de localizar e alcançar a presa (Fig. 109, 110 e 111). 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 109: Apresentação esquemática de diferentes formas de organização territorial para diferentes funções (ler o texto); segundo KEETON, 1980,in: IMMELMANN, 1983. Fig. 110: Apresentação esquemática de dois tipos de territórios de antílopes; esquerda: uso para reprodução e alimentação; direita: uso apenas para reprodução; pequenos símbolos para os que não conseguem reproduzir-se; tracejado é o limite do raio de acção (segundo KLINGEL, 1975) Explicação A) Animais territoriais com territórios permanentes ou transitórios mas que não são defendidos; B) Animais com territórios patrulhados e defendidos; C) Noutros casos, existe um território central que é defendido. Para tal ele é circundado pela zona de patrulhamento e defesa; D) Os territórios vizinhos do tipo mencionado em C podem possuir zonas de intersepção ou sobreposição. 2.2 Vectores do Comportamento 513 513 Text box 16 Territorialismo e comportamentos territoriais Os danos causados pela agressividade podem ser evitados se o comportamento de ameaça (ainda inofensivo) poder ser limitado. Aqui, a criação de territórios sólidos pode contribuir, os quais durante a sua formação são devendidos por meio de comportamentos de ameaça e de briga, mas que, mais tarde, pelo menos entre membros do grupo, são respeitados sem brigas. Assim, alcança-se a finalidade da agressividade Fig. 111: Exemplos mais propagados de territórios de aves (segundo WILSON, 1975) 2. Características Gerais do Comportamento intraespecífica, que, genericamente, é a divisão do habitat entre os membros do grupo e alcança-se também a eliminação das consequências das agressões. O comportamento territorial não só baixa o número de confrontações, mais do que isso, ele possibilita também a alternação entre actividades relativas às trocas energéticas e isto constitui uma vantagem para o grupo. Na verdade, o que nós consideramos territórios, é preparado ainda durante a fase juvenil, antes da formação de pares sexuais. Como funções primárias dos territórios contam-se: Assegurar fontes de alimentos suficientes para os seus “proprietários”, Como ponto comum de encontro, facilita o acasalamento,sobretudo para os casos de pares que se formam ocasionalmente apenas para cópula, O domínio espacial que os indivíduos têm num determinado território facilita caminhos de fuga em casos de ameaça e assume por conseguinte função de defesa, A mesma razão leva a facilitação de prospecção de recuros alimentícios. Uma vez que o território desempenha muitas vezes estas funções em simultâneo, não se torna possível reconhecer as vantagens selectivas, sob as quais a forma específica de territoriedade de uma espécie evoluiu e quais das funções actuais podem ser consideradas como evolução secundária ou Comment [u34]: rever intraespecífico e interespecífico 2.2 Vectores do Comportamento 515 515 propriedades secundárias dos territórios. Possuir território parece constituir caracteríestica de todos os vertebrados e, em casos isolados, encontramos também em invertebrados (grilos, libélulas, louva-a-deus e certos himenópteros). Literatura principal: Immelmann, 1983 Certas espécies de mamíferos emigram para além fronteira (território) e passam a habitar um território supranormal denominado território de patrulha. Territórios de patrulha vizinhos podem interceptar-se muitas vezes, contrariamente aos territórios defendidos (Fig. 112). Fig. 112: Territórios alargados para formarem os territórios de patrulha em leões; manchas escuras indicam pontos de expansão além fronteira comuns à dois grupos sociais; seta tracejada, limites territorial; seta contínua, limites da zona de patrulhamento (segundo BOURLIÈRE, 1964) Os territórios, independentemente das funções específicas que desempenham, são demarcados de várias maneiras com recurso a diferentes sinais. Os mais estudados são os seguintes: Demarcação óptica do território: o seu detentor expõe-se opticamente fazendo acompanhar esta exposição com posturas e movimentos característicos, demonstração de certas colorações 2. Características Gerais do Comportamento corpóreas. Alguns antílopes expõem-se no cume de termiteiras ou de outro tipo de elevações do terreno (Fig.113, 114 e 115). Fig. 113: Coloração vibrante da rã venenosa (Fonte: DISCOVERY CHANNEL, 2000) Fig. 114: Lontra (Lutra maculicollis) a exibir dentição e garras em demonstração de ameaça, o indivíduo expõe-se no seu território (foto de CHRIS & STUART, 2000). 2.2 Vectores do Comportamento 517 517 Demarcação acústica do território: animais com capacidade de emitir sons, empregam-nos ao serviço de defesa dos territórios. Casos mais explorados é o canto de aves que varia entre defesa de território, defesa de fêmea, sons de alarme contra predadores, mamíferos usam bastante a emissão de sons (Fig. 116). Muitas vezes insectos e aves usam vibrações do substrato. Fig. 115: Melanerpes formicivorus guarnece “a dispensa, depositário ou depósito” de alimentos do grupo; abre as asas e executa danças típicas (cerimónia de saudação e reconhecimento); os mesmos gestos são observados durante brigas pelo poder (segundo STACEY & KOENIG, 1988) 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 116: Oscilogramas de sinais acústicos do coleóptero Dendroctonus pseudotsugae em diferentes situações de biocomunicação (segundo Ryker, 1988) Demarcação olfatória do território: mamíferos macrosmáticos (olfato bem desenvolvido, o contrário de microsmático) demarcam seus territórios com base em substâncias de odor. Podem substâncias liberadas pelo organismo (urina, fezes, saliva), neste caso possuem uma função c Fig. 117: Demarcação de território de um antílope por meio de glândulas localizadas próximo dos olhos (segundo WALTHER et a., 1966). Comment [u35]: Ryker, con Lee C. (1988): Kommunikation beim Douglasien- Borkäfer... Biologie des Sozialverhaltens... 2.2 Vectores do Comportamento 519 519 olateral. Mas também podem ser substâncias com a função primária de demarcação de territórios, como é o caso de substâncias glandulares (Fig. 117). Fig. 118: Marcação de território através de urina em cão e gato (segundo HART, 1985) 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 119: Oribi sp., um antílope, na deposição de marcos de cheiro numa gramínia (segundo HEDIGER, 1954) Demarcação eléctrica do território: este tipo de comportamento é mais notório em animais habitantes das zonas afóticas dos mares, sobretudo peixes. Os animais estão providos de um órgão eléctrico, provavelmente de natureza do tecido muscular, capaz de descargas eléctricas. Atribui-se-lhes as funções de defesa, demarcação de território e de captura de presa, além da possibilidade de intervirem na orientação do indivíduo no espaço com base na luz que produzem. Animais de águas permanentemente turvas podem demonstrar estas propriedades (Fig. 120). Fig. 120: Phrynichthys wedli, peixe eléctrico; com um raio da barbatana dorsal modificado em órão luminescente por simbiose com bactérias; ocorre muito na ordem Lophiformes (segundo PIETSCHMANN, 1988) 2.2 Vectores do Comportamento 521 521 Demarcação combinada do território: em alguns casos o animal faz uso de uma combinação sensorial multimodal. Assim, certas aves podem expor-se e cantar, ou certos mamíferos emitem sons, urinam e liberam substâncias odoras, ao mesmo tempo que se expõem visivelmente aos intrusos dos seus territórios (Fig. 121). Fig. 121: Um macho da ave americana.....canta com asas coloridas bem apresentadas aos outros machos da espécie em sinalde demarcação combinada do território (segundo HAILMAN, 1977) Comment [u36]: Rotschulterstaerling 2. Características Gerais do Comportamento 6.7. Biocomunicação e comportamentos sociais Como afirma TEMBROCK (1986), biocomunicação consiste em sistemas de sinais, que constituem propriedades dos animais. Nós podemos alargar o conceito para outros seres vivos, pois, como já foi demonstrado, existe comunicação entre plantas, ou entre estas e animais. O exemplo mais estudado de troca de informações entre a planta e o animal é o que alguns insectos e certas plantas fazem. No sentido de TEMBROCK a biocomunicação compõe-se de estruturas- sinais e comportamentos-sinais. O termo estrutura refere-se à propriedades baseadas na construção do corpo que evoluiram de estruturas-consumatórias ao serviço da transmissão de informações biocomunicativas. Comportamento-sinal, por seu turno, é um comportamento que evoluiu do comportamento consumatótio ou de movimentos intencionais ao serviço da interacção biocomunicativa. Disto resultam os seguintes níveis funcionais da análise de tais comportamentos: 1. Sinais constitucionais que mesmo na ausência de um comportamento específico são eficientes na biocomunicação. Padrões de cores de Comment [u37]: internet sobre este tipo de comunicação 2.2 Vectores do Comportamento 523 523 uma zebra, por exemplo, não necessitam de ser acompanhadas por um comportamento para serem comunicatvos (Fig. 122); Fig. 122: Zebra (Equus burchellii); ilustração do padrão de listras típicas para cada espécie empregues na biocomunicação (foto de CHRIS & STUART,2000) 2. Sinais constitucionais que apenas são eficientes quando acompanhados por processos fisiológicos induzidos pelo vector do estado interno. A mudança de cores em peixes em dependência do estado biossocial e motivacional. O mesmo diz-se da mudança de cor e do inchamento da carúncula do perú, alargamento de partes da cabeça de muitos répteis e anfíbios (Fig. 123, 124 e 125). Fig. 123: Chlamydosaurus kingii, movimentos, sons e abertura da estrutura lateral da cabeça, sinalizam perigo ao inimigo (Foto de DISCOVERY CHANNEL, 2000) 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 124: Sapo americano inflama o saco vocal para amplificar e “colorir” o som da sua chamada (Foto de DISCOVERY CHANNEL, 2000) Fig. 125: Macho de lagarto (Anolis carolinensis) ao aproximar-se da fêmea incha o carúnculo (saco vocal) e executa movimentos de atracção da fêmea (segundo CREWS, 1988) 3. Sinais constitucionais que apenas são eficientes quando acompanhados de certos movimentos. No comportamento agonístico Comment [u38]: nome científico 2.2 Vectores do Comportamento 525 525 (ameaça, briga, subordinação), os cães movimentam as orelhas de acordo com o seu status de momento; 4. Sinais constitucionais que devem ser acompanhados por determinados comportamentos extereotipados, comportamentos- sinais verdadeiros, p.e., o abrir as asas e exibir de cores num sinal demonstrativo de cortejamento do parceiro (Fig. 126); Fig. 126: Pfauenhan em sinal demonstrativo de cortejamento (segundo IMMELMANN, 1983) 5. Estruturas modificadas usadas num determinado comportamento- sinal, órgãos fonadores, glândulas de odores, etc. (Fig. 127 e 128); 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 127: Cobra do coral Anylius scytale (segundo DISCOVERY CHANNEL, 2000) Fig. 128: Postura das orelhas de zebra (segundo TRUMLER, 1959) Como pode deduzir-se destes níveis funcionais, epifenómenos da construção do corpo e suas funções, assim como epifenómenos do comportamento tornaram-se funcionais na biocomunicação e adquiriram seus significados próprios. Deles desenvolveram-se as variadas formas de sinais e estruturas usadas na biocomunicação acústica, óptica, táctil, etc. Evolucionarmente isto pressupós do lado do receptor o desenvolvimento de uma capacidade de percepção das informações codificadas em estruturas, sinais e comportamentos biocomunicativos. Em muitos casos eles precisam de ser aprendizados na ontogénese. 2.2 Vectores do Comportamento 527 527 Sinais biocomunicativos são caracterizados pelo facto de poderem provocar modificações ao nível do receptor. Segundo TEMBROCK (1986), as formas mais básicas de modificações do comportamento do receptor são: 1. No espaço: modificações respeitantes à distância (elásias) e à direcção (táxias); 2. No tempo: modificações na duração de um estado ou de um comportamento e da fase correspondente, como o momento de ocorrência de um estado ou de um determinado comportamento; 3. Modificações no vector do estado interno: os estados motivacional, emocional, o nível de activação (limiar de excitação), padrões do motor, etc.; 4. Modificações no vector de saida, como pr exemplo, a forma de execução de um determinado comportamento. Certamente que existirão várias outras formas de efeitos da interacção informativa entre os organismos. O que se pretende, aqui, é dar um sumário orientador que ilustra, mais ou menos, o que é que resulta de uma troca de informações no contexto de uma biocomunicação. Estes efeitos, por outro lado, levam-nos à questão sobre o significado de sinais e estruturas biocomunicativas: quando o galo abre as asas, mostra a crista colorida, exibe o alimento à fêmea, etc., todos ficamos a saber que se trata de um comportamento de cortejamento, cuja finalidade é, em geral, 2. Características Gerais do Comportamento a cópula. Sim, em geral, já que o cenário modifica-se com a evolução do biograma dos primatas. De acordo com cada tipo de canal de transmissão de informações biocomunicativas, classificamos as formas de sinais comunicativos 32 como: 1. Canal químico: sinais olfatórios a. Canal químico de contacto: uso de receptores de contacto (lamber, por exemplo); b. Canal telequímico: sinais olfatórios dinâmicos, os sinais são liberados para um meio (água, ar) que os transmite ao receptor; sinais olfatórios estáticos, que são depositados pelo emissor num substrato fixo no espaço (fezes, urina, secrecções glandulares, etc.); 2. Canal mecânico: a. Sinais tacto-mecânicos: os estímulos tácteis que actuam sobre o receptor, é o tacto, no verdadeiro sentido da palavra; b. Sinais vibratórios, transmitidos ao receptor através de um substrato com capacidade de vibrar (comunicação entre diferentes tipos de insectos e aves); 32 Texto original de TEMBROCK (1986) revisto por pelo autor. 2.2 Vectores do Comportamento 529 529 c. Sinais acústicos, transmitidos por intermédio de um meio condutor de sons (a própria água e o ar). Vide exemplos de coleópteros (Fig. 129); Fig. 129: Órgãos acústicos do grilo, órgãos timpanais, localizam- se na tíbia de cada pata anterior, veja-se a localização da traquéia acústica (segundo HUBER & THORSON, 1988) 3. Canal eléctrico a. Através de campos elétricos proximais ou mesmo de contacto; b. Através de campos elétricos fracos que se propagam no meio; 4. Canal óptico a. Sinais constitucionais do corpo (cores, padrões, formas); b. Emissões constitucionais de luz através de órgãos luminosos: Via simbiose; Via metabolismo (Sistema-Luceferina-Luciferase) c. Modificações constitucionais de natureza vegetativa (modificações no fluxo sanguíneo, mudança de cores, etc.); 2. Características Gerais do Comportamento d. Padrões motores de indução do sistema nervoso central que têm sua origem na ritualização (posições, movimentos, mímica, etc. Fig. 130). Fig. 130: Homologia na forma de fazer bico no Chimpanzé eno Homem (segundo WOLF & HESS, 1982) 6.8. Investimento parental com a prole e sistemas de acasalamento 2.2 Vectores do Comportamento 531 531 6.8.1. Aspectos gerais Muitos comportamentos sociais de animais só podem ser entendidos se se tomar em conta a teoria de investimento parental (Inglês, paretal investment). 2. Características Gerais do Comportamento Investimento parental é tudo o que os pais fazem a favor da prole (filhotes, ninhada, filhos, etc.) e compreende uma espectro variado de comportamentos que vão desde a produção de óvulos até à alimentação e socialização dos filhotes. No caso dos mamíferos, o investimento prossegue por longos anos. No Homem, por exemplo, inclui-se a educação e a profissionalização dos jovens. Para todos os animais o investimento consiste no tempo e enegia gastos nos cuidados com a prole. Em muitos animais e em muitas culturas humanas integram-se outros membros da família nos cuidados com a prole. Na evolução filogenética dos organismos foi determinante que se tenham desenvolvido duas estratégias básicas de investimento parental, que normalmente estão numa proporção populacional de 1:1. 1. Enorme investimento parental em gâmetas, normalmente, poucos: o núcleo celular está rodeado de muito plasma e de substâncias nutritivas nele contidas. Os indivíduos que demonstram esta estratégia são designados de fêmeas; 2. Um investimento, extremamente, baixo em células que, normalmente, são produzidas em enormes quantidades. Os indivíduos que demonstram esta estratégia chamam-se machos. Para e fêmea colocou-se na evolução o seguinte problema: muito investimento com o risco de num ápice perdé-lo no seu todo. Dai tornou- se necessária a evolução de estratégias que protegessem este 2.2 Vectores do Comportamento 533 533 investimento que, em última instância, é representado pelos filhotes (o.m.q. crias). São exemplos dessas estratégias ou mecanismos os seguintes: Carregar os filhotes dentro do seu próprio corpo; deixá-los desenvolverem-se dentro do seu corpo. A tudo isto chamamos de gestação; Construir o ninho. Dependendo do tipo de acasalamento, a construção do ninho pode ser de responsabilidade da fêmea ou do macho (Fig. 131 e 132); Alimentar os filhotes. Igualmente, dependendo do tipo de acasalamento, a alimentação dos filhotes (e da fêmea) pode ser de responsabilidade da própria fêmea ou do macho; Defender os filhotes contra inimigos, também uma tarefa que dependerá do sistema de acasalamento e de organização ou estrutura social da espécie; Etc. Fig. 131: Tecelão Textor vitellinus na construção de ninho (Foto de SAUER, 1994) Comment [u39]: Sauer, F. (1994): Afrikanische Vögel nach Farbfotos erkannt. Fauna-Verlag, Karlsfeld, Deutschland 2. Características Gerais do Comportamento Isto teve como consequência que as fêmeas tivessem que gastar mais tempo e energia. Enquanto isto, o número de filhotes gerados diminuia consideravelmente. À medida que os organismos evoluiam e, em jeito de compensação da energia gasta no investimento parental, o tempo que decorre de um investimento ao outro tornou-se mais espaçado, ou seja os nascimentos tornaram-se mais espaçados. Contrariamente, a estratégia do macho consistiu em utilizar toda a oportunidade que se lhe oferece para copular com o maior número possivel de fêmeas e, segundo as circunstâncias, deixar com a fêmea os cuidados-com-a-prole. As diferentes bases motivacionais do macho e da fêmea levaram, ao longo da evolução, ao desenvolvimento de comportamentos específicos. “Os machos, na sua competição pelas fêmeas com maior capacidade de investir, (1) tornaram-se mais agressivos e associaram a sua agressividade à defesa de territórios, (2), adquiriram mais colorações corpóreas atractivas, (3) desenvolveram rituais de cortejamento muito complexos, etc. As fêmeas, contrariamente, estão mais interessadas em machos capazes de (1) defender a elas e aos seus filhotes, (2) trazer alimento, (3) construir o melhor ninho 33 como forma de optimizar no máximo o seu precioso investimento materno” (TEMBROCK, 1986). Esta 2.2 Vectores do Comportamento 535 535 terá sido também a razão, porquê fêmeas são mais selectivas na escolha de parceiro sexual. Nas aves que constroem ninhos, normalmente são as fêmeas que escolhem o lugar e “mandam o macho construir”. Depois de este constuir, ele apresenta-o à fêma para inspecção (aprovar ou reprovar). No caso negativo ela rejeita-o e o macho repete a acção. Uma vez que as características exigidas do macho não são directamente observáveis, ela tem de fazer a leitura com base noutros indicadores ou parâmetros. Normalmente é o “status” hierárquico do macho no grupo que revela estas características. O comportamento selectivo da fêmea conduziu, sobretudo em espécies sem acasalamentos fixos, a uma diferença drástica do sucesso reprodutivo do macho e da fêmea. Em elefantes marinhos Mirounga angustirostris foi demonstrada uma diferença de sucesso reprodutivo na ordem de 185 filhotes. Evolucionariamente, isto significa que para a fêmea ocorreu uma pressão da selecção natural no sentido de aperfeiçoamento de mecanismos de escolha dos bons machos. A isto chama-se selecção sexual. Poderá ter sido esta selecção sexual a responsável pelo desenvolvimento de corres magníficas e atraentes em aves que se juntam nas chamadas arenas colectivas de corte (cortejamento), tal como as conhecemos da ave-do-paraíso, do pavão, do pisco, do beija-flor e outras. 2. Características Gerais do Comportamento Segundo afirma KREBS (1999), um macho incrementa o seu sucesso reprodutivo aumentando o número de vezes que copula fêmeas diferentes. Enquanto isto, a fêmea eleva o seu sucesso reprodutivo assegurando uma elevada taxa de transformação de substâncias nutritivas investidas nos gâmetas. TRIVERS (1985) descreve melhor esta situação, quando diz: “Nos casos em que muito claramente um dos sexos investe mais do que o outro, os indivíduos pertencentes ao último competirão por possibilidades de acasalamento com o primeiro sexo”. Não é possivel explicar-se tudo de modo tão simplista e polarizado quanto este. De facto, comportamentos transitórios são possiveis, quanto o é também o chamado polimorfismo comportamental ou polietismo. No polietismo, machos com posições dominantes toleram a presença de subordinados durante a tentativa de corte. Indivíduos subdominantes que se aliam a um macho dominante chamam-se machos satélites (Fig. 132). 2.2 Vectores do Comportamento 537 537 Numa linguagem trivial dir-se-ia que estes ficam “à sobra da bananeira” à espera de oportunidades. O macho dominante defende o território. Ao chegar uma fêmea no território do macho, esta pode ser cortejada por ambos os machos. Em princípio tem prioridade à cópula o macho territorial. Contudo, não raras vezes, acontece que este possa ocupar-se mais com a defesa do território e a fêmea fica à mercê do macho satélite que a copula: “aproveita a boleia”, por assim dizer. Experimentos levados a cabo durante vários anos puderam demonstrar que a convivência de ambos os machos representa uma coevolução. 8.8.2. Sistemas de acasalamento: Poligamia e Monogamia Fig. 132: Macho satélite (a baixo, seta) a companhar macho territorial (a cima) no cortejamento da fêmea (à esquerda) para aproveitar-se da fêmea enuanto o macho territorial defende o território (segundo FRANCK, 1985). 2. Características Gerais do Comportamento Poligamia é um fenómeno propagado no reino animal e é, praticamente, observado em todos grupos de animais. Ele constitui um sistema de acasalamento,no qual um indivíduo, macho ou fêmea, junta-se com muitos indivíduos do outro sexo para acasalamento. Tratando de macho para fêmeas chama-se poliginia, o contrário chama-se poliandria. A poligamia opõe-se à monogamia. A ideia de que a monogamia ocorre mais em aves foi mais sutentada por de DAVIES LACK (1968). Para ele, as aves só conseguem garantir maior sucesso reprodutivo se elas poderem dividir as tarefas entre o macho e a fêmea. Esta hipótese explica a monogamia obrigatória de muitas aves marinhas, aves-de-rapina e muitas espécies de pombos. Nelas, ambos os parceiros podem alimentar os filhotes, ou então é o macho que alimenta a fêmea, enquanto esta choca os ovos ou cuida da prole. Papéis cambiados entre ambos são também possiveis. Neste tipo de monogamia, o desaparecimento de um dos parceiros leva a perda total da ninhada. Em muitos casos o parceiro que fica não se acasala jamais ou acaba morrendo por deprivação social (o hospitalismo que ocorre em certas espécies de pombos). O termo hospitalismo está a ser aplicado, pela primeira vez, para animais. Ele tem sido usado sempre em relação a comportamentos humanos. A hipótese de LACK, porém, não explica o tipo de monogamia encontrado em muitas aves cantoras: na perda de um dos parceiros o 2.2 Vectores do Comportamento 539 539 outro consegue criar os filhotes e estes alcançam até cerca de metade de sucesso reprodutivo. A ave Melospiza melodica, por exemplo, alcança até 51% de sucesso reprodutivo. Em muitos casos investigados, parece demonstrar-se que a obrigatoriedade de presença do parceiro tem muito a ver com a escassês de recursos alimentares (BART & TORNES, 1989; LYON et al., 1987). Quando é que pode ocorrer a poligamia nestes casos? Certamente na seguinte situação: “vou partir e deixo a minha parceira com os filhotes que os há de criar pelo menos até a metade, procuro outras fêmeas e copulo imediatamente e, assim, incremento o meu sucesso reprodutivo, no geral”. Vê-se assim, qual é a necessidade evolucionária da poligamia. Nestes casos, poderá também ocorrer, que o mesmo macho participe nos cuidados dos diferentes filhotes das fêmeas com que copulou, uma poligamia típica do Homem, quando dela nascem filhos. Como se pode depreender, estas investigações em aves cantoras contrariam em parte a hipótese de LACK. Duas condições colaterais podem ajudar a entender isto: as fêmeas, numa situação poligâmica perdem uma parte ou toda a ajuda dos machos e 2) a competição cerrada entre machos diminui a chance de poligamia dos machos. Os custos de poligamia poligínea podem ser enormes. Por causa dela, por exemplo, as fêmeas podem perder os territórios, fontes de alimentos, etc. que, de contrário, eram assegurados pelo macho polígamo. Muitas vezes, a fêmea está confrontada com as seguintes situações de tomada de decisões optimais: 1) já não há machos solitários, logo escolho a situação poligámica ou perco a oportunidade de reprodução; 2) há machos Comment [u40]: Nome português internet 2. Características Gerais do Comportamento solitários com maus territórios e outros polígamos com bons territórios, logo escolho o macho polígamo com o melhor território e suporto os relativamente poucos custos da poligamia à favor dos meus filhotes. Em todos casos, trata-se de uma situação de tomada de decisões, que, por causa de muitos factores intervenientes, não pode ser analizada de modo simplista. Os sistemas de acasalamentos podem tornar-se complexos. Existem casos relatados por diferentes autores (revisão de WUKETITS, 1997), em que numa mesma população ocorram diferentes sistemas de acasalamentos. As aves cantoras Prunella modularis, por exemplo, podem viver alternativamente em sistemas monogámicas políandras (dois ou três machos com uma femea), políginas (um macho com duas femeas), ou ainda poliginandria (dois machos com duas ou mais femeas, ou três machos com duas femeas). Não se trata de uma escolha aleatória do(s) sistema(s) por que optar. Trata-se de adopção de estratégias optimais de reprodução que possibilitam tanto o macho como a femea a imporem seus interesses reprodutivos. Da luta que daí resulta para ambos os sexos originam-se sistemas de acasalamento muito complexos. Como repisa WUKETITS a estabilidade e duração de cada um dos sistemas dependem muito das condições ecológicas e sociais. Seja como for, a monogamia é rara no reino animal, mesmo no Homem. De cerca de 849 sociedades humanas conhecidas e investigadas, apenas 16% são por lei monogámicas, ou a praticam movidos pela sua cultura, 2.2 Vectores do Comportamento 541 541 faz parte, de facto, do seu modus vivendi. Contrariamente, 83% são polígenas e a restante percentagem (1%) recai para culturas poliandras (SOMMER, 1993, in WUKETITS, 1997). Mesmo em culturas monogámicas, como reza o cristianismo, isso não significa fidelidade mútua. Existe sempre uma tendência de poligamia. O quadro abaixo sumariza estes aspectos e inclui ainda a chamada promiscuidade, um sistema de acasalamento bem diferente das outras duas. Tab. 3: Monogamia, poligamia e promiscuidade no reino animal (WUKETITS, 1997) Sistema de acasalamento Exemplos 1. Monogamia Tipo transitório (anual) Tipo duradouro Pardal, rouxinol e outros pássaros comuns Ganso e águia gibão 2. Poligamia Poliginia serial (macho une-se durante o período reprodutivo com várias femeas de modo serial) Poliginia simultânea (um macho com várias femeas simultaneamente) Poliandria serial (femea une-se durante o período reprodutivo com vários machos de modo serial) Poliandria simultânea (uma femea com vários machos Ficedula hypoleuca Determinados tipos de focas Nando (Nandus) Blatthuenchen 2. Características Gerais do Comportamento simultaneamente) 3. Promiscuidade Não se constroem relações sociais nem duradouras, nem temporárias; relações sexuais esporádicas. O objectivo não é o sucesso reprodutivo, mas sim a mera satisfação sexual. Urso, gnú. 6.8.3. Habitat e organização social dos Chimpanzés O parentesco filogenético muito próximo do Homem e dos Chimpanzés recentes, proporciona ocasião para o estudo da organização social e modo de vida destes macacos-homens africanos e, assim, assumir a possibilidade de desenvolver modelos para a utilização de habitats, o comportamento social, assim como para a cultura material dos primeiros representantes da linha filogenética dos Hominini. Reside na consistência dos resultados deste tipo de estudos a reconstrução (quase) segura do modo de vida dos primeiros Homens. Chimpanzés vivem tanto em florestas primários ou secundários tropicais fechados caracterizados por vegetação permanente, como em savanas arborícola abertas e savanas herbáceas, em parte, com grandes influências de variações climáticas sazonais, por exemplo, a mudança de tempo chuvoso e tempo seco e, consequentemente, a grande variação sazonal de oferta de alimentos. O tamanho dos territórios patrulhados 2.2 Vectores do Comportamento 543 543 chega aos 1200 e 7800 ha e a distância percorrida diariamente pode atingir 2.5 km. Chimpanzés alimentam-se basicamente de material vegetal, entre frutos, folhas, flores, sementes, ramos, rebentos, assim como de cogumelos e mel. Também incluem na dieta formigas,térmitas, vermes, pequenos répteis, morcegos, roedores, porcos e antílopes. Certas populações de adultos de Pan troglodytes caçam colectivamente macacos Colobus em Gombe e Mahale (Tanzania) e no Taï-Nationalpark (Costa de Narfim). Os Chimpanzés habitantes da floresta tropical húmida fechada, no ocidente de África, caçam mais ou menos o dobro do que seus semelhantes de habitats abertos do oriente. Eles caçam sempre em grupos e são maiscooperativos do que os últimos. Os macacos de Gombe são mais sucedidos na caça individual de Colobus do os das populações da Costa de Marfim quando caçam individualmente. Provavelmente a distância entre a presa e o caçador, que nas florestas fechadas é maior do que em habitats abertos, é primariamente determinante para a caça cooperativa. Estas observações contradizem o “modelo de savanas” que admite uma caça cooperativa no processo de hominização dos Primatas das savanas. O chimpanzém comum está organizado em “fission-fusion-groups” com vários até muitos machos adultos e fêmeas adultas (Fig. 133). o tamanho do gripo varia entre 12 e 40 indivíduos, sendo 5 a 15 machos, 7 a 25 Comment [u41]: Tradução 2. Características Gerais do Comportamento fêmeas. Já foram observadas hordas que comportam até 100 indivíduos. Os membros do grupo adultos comportam-se sexualmente livres, contudo observam-se pares constituídos por um amcho dominante e uma fêmea em estro, muitas vezes fora do bando. Muitos machos com grau de parentesco próximo formam o núcleo dominante da sociedade. Eles estabelecem entre si relações hierárquicas estáveis, dominam as fêmeas, formam alianças e coalizões com vista a fortalecer ou melhorar a sua posição na hierarquia. Eles reprimem comportamentos agressivos entre os membros, patrulham em conjunto as zonas de patrulha e defendem o grupo e os recursos. Fig. 133: Organização social dos macacos antropóides e do Homem (ROTHE & HENKE, 1998) 2.2 Vectores do Comportamento 545 545 As fêmeas vivem na sociedade mais solitárias com seus filhotes ainda menores, cerca de 65% das fêmeas. Ocupam uma zona nuclear dentro do território. Enquanto os machos se comportam mais fiéis ao grupo, i.e., permanecem no grupo onde nasceram, as fêmeas vivem solitárias em volta dos grupos ou emigram para outros grupos. Novas investigações demonstram que o sistema social de diferentes populações de chimpanzés do ocidente e do oriente é muito mais flexível do que sopunha-se até então. Há sociedades de dominância bissexual, outras de dominância de machos ou de fêmeas (SUGIYAMA, 1988; BOESCH, 1996 e WRANGHAM et al., 1996). A distribuição do alimento (Inglês, food-sharing) constitui um dos comportamentos mais importantes dos adultos do grupo. Trata-se de dividir a presa ou qualquer outro alimento de origem animal entre os membros. A presa é distribuída primeiro por todos os que participaram na caça e pelos machos adultos . a divisão de alimentos de origem animal é vista como estratégia de coalizões para recompensação a amigos e aliados. As fêmeas podem também receber o alimento, mas raramente. A divisão do alimento e a forma como ela é feita é tida como premissa básica para a divisão de trabalho na linha filogenética dos Hominini. Nos Zwergsschimpansen, Pan paniscus (Fig. 134), vivem igualmente muitos machos e fêmeas e seus filhotes juvenis. O núcleo social é formado por fêmeas sem grau de parentesto muito fechado. Elas 2. Características Gerais do Comportamento desenvolvem coalizões, mas sem uma estrutura hierárquica muito desenvolvida, sendo elas dominantes sobre os machos. Machos relacionam-se de modo pouco intensivo. Fig. 134: Pan paniscus (CHRIS & STUART, 2000) Zwergsschimpansen são mais pacíficos do que todos outras formas de chimpanzéns ou de grupos sistematicamente relacionados. Depois de conflitos e agressões tendem a apaziguar-se, o que não pode ser observado com frequência noutros grupos. Entre machos e fêmeas observam-se com mais frequência a troca de actividades sociais, tais como a limpeza do pêlo, alimentação mútua, etc. No biograma dos vertebrados, os Primatas têm de comum que tanto os machos como as fêmeas de todas idades reprodutivas não estão necessariamente ligados ao estro ou a épocas reprodutivas para o seu relacionamento sexual. 2.2 Vectores do Comportamento 547 547 6.9. Cultura como um fenómeno ”sui generis” cesto de pescaria GEDES, 1991 presentação genital nn WICKLER, 1966 2. Características Gerais do Comportamento 6.9.1. Aspectos gerais da evolução cultural O Homem parece ter sido desviado da sua evolução natural através da sua cultura, a qual o tornou numa segunda natureza (PIRES, 2003b, n.p.). Esta constatação parece vir cimentar uma posição que é comum à quase todas ciências independentemente de elas serem humanas ou naturais e exactas. De facto o fenómeno cultura tem sido encarado como um aspecto evolucionário novo que apenas começou e terminou com a espécie humana, uma posição que parece carecer de muito debate multidisciplinar. Dentre as várias definições, escolheram-se apenas aquelas que ajudarão mais a entender a problemática que, aqui, se levanta em torno da evolução cultural do Homem, por outros autores também chamada Metaevolução. 1. “Culture is man’s peculiarity elaborate way of expressing the vertebrate biogram”. [Cultura é a expressão humana específica do biograma dos vertebrados] (COUNT, 1958, p. 1049). Comment [u42]: Fonte na bibliografia Comment [u43]: n.p. não publicado 2.2 Vectores do Comportamento 549 549 2. “Kultur bildet einen sich selbst reproduzierenden und sich selbst verändernden Prozess, durch den das Muster der menschlichen Aktivität im Verlauf der Zeit uebermittelt und umgeformt wurde”. [Cultura é o processo autoreprodutivo e automutável, através do qual o padrão da actividade humana é transmitido e moldado] (HUXLEY, 1969, p. 152). 3. “Culture is the sum of all the artifacts34, behaviour, institutions, and mental concepts transmitted by learning among members of a society, and the holistic patterns they form...”. [Cultura é a soma de todos artefactos, comportamentos, instituições e concepções mentais transmitidos pela aprendizagem entre membros de uma sociedade, assim como os padrões holísticos que eles formam...] (LUMSDEN e WILSON, 1981, p. 368). 4. “Bei der Kultur des Menschen wird... die langsame biologische Evolution von einer Metaevolution, eben der kulturellen, überlagert. Das bringt ihren biogenetisch entstandenen Trägern ...: den Mensch – einen ungeheuren Fitnessvorteil. Sie koennen sich veraendernden Umweltbedingungen ungleich rascher anpassen, als dies im Rahmen der (bio)genetischen Evolution moeglich waere”. [Na cultura do Homem... sobrepõe-se à evolução biológica lenta uma Metaevolução, exactamente a cultural. Isto traz aos seus portadores originalmente biogenéticos uma vantagem imensa para o seu fitness. Eles podem 34 ) O.m.q. artefacts. 2. Características Gerais do Comportamento adaptar-se rapidamente às condições ambientais em constantes mudanças, mais do que seria possível no âmbito de uma evolução (bio)genética] (VERBEEK, 1994, p. 140). 5. “Die einem Volk gemeinsamen Geflechte erlenter Glaubensvorstellungen und Verhaltensweisen, die in ihrer Gesamtheit dessen Lebensstil ausmachen; die Gesamtheit der Werkzeuge und Geräte, Handlungen, Denkinhalte und Institutionen jeder gegebenen menschlichen Population”. [A cadeia aprendizada de ideias sobre crenças e modos de comportamento comum à um povo, que no seu conjunto formam o estilo da sua vida; o conjunto de instrumentos e utensilios, acções, conteúdos do pensamento e instituições de cada população humana] (VIVELO, 1988, p. 329). Seja qual for a definição que pegarmos, elas ressaltam a relação entre o Homem e a cultura, assim como entre a cultura e valores tipicamente humanos. A evolução de instrumentos de trabalho, ferramentas, é também referenciada apenas em conexão com a evolução da cultura. Deste ponto de vista a Sociobiologia desenvolveu um novo paradigma, quese basea exactamente na negação da limitação da cultura à espécie humana. No seu famoso livro Der Mensch, o filósofo ARNOLD GEHLEN (1971), traça uma dicotomia evolutiva da espécie humana que vai culminar com a evolução do mundo cultural que é o único mundo do Homem. Ele argumenta que o Homem jamais existiria sem este mundo seu: pode o 2.2 Vectores do Comportamento 551 551 Homem actual prescindir do fogo, tecto, das armas, da alimentação artificial e das formas de cooperação? Certamente, o Australopithecus não conheceu fogo. Do ponto de vista de construção de ferramentas, muitos autores admitem – aliás assim rezam diversos achados fósseis – que ele fabricava armas e instrumentos cortantes a partir de pedras para diversos fins (Fig. ...). Tais instrumentos, porém, eram de simples construção. Deste ponto de vista ele não diferia culturalmente de outros vertebrados superiores 35 . Até que ponto representantes do género Australopithecus eram culturalmente capazes, esta pergunta permanece uma questão acerca da qual pode-se discutir bastante, mas cuja resposta não depende da forma como nós definimos cultura (vide definições acima). 35 ) O termo superior em Biologia deve ser utilizado com reserva e crítica. 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 135: Ferramentas em pedra das culturas da evolução humana do Paleolítico. Segundo HENKE & ROTHE, 1999. Uma base importante que une a Natureza e a Cultura entre si, do mesmo modo que une o Homem com a natureza, i.e. devolve o Homem à sua natureza biológica, e torna compreensível a definição da cultura como forma de vida do Homem evoluída no contexto dos Comment [u44]: Tradução 2.2 Vectores do Comportamento 553 553 vertebrados foi dada por Earl W. COUNT (1958) com o conceito Biograma. Um Biograma de uma espécie (classe, ou filo) é, no dizer de COUNT, igual ao “estilo de vida” da espécie (classe ou filo), i.e., o conjunto de mecanismos fisiológicos e possibilidades de reacções que une determinados indivíduos entre si, ou simplesmente o drama fisiológico dos organismos. O alcance de um status conduz ou ao comportamento de dominância, ou ao de subordinação e, assim, à uma hierarquia social. Isto concorda (com Fig. 136: Reconstrução especulativa da vida social ao nível do Homo erectus com domínio do fogo, de construção de abrigos e de ferramentas (apoiado em LUMSDEN & WILSON, 1983) 2. Características Gerais do Comportamento certas excepções) com determinados fundamentos da Sociobiologia, incluindo os que se referem aos comportamentos sociais e reprodutivos. Assim, podemos definir a cultura humana como sendo uma forma específica de vida na base do Biograma dos vertebrados. Com isto, o abismo que se cria entre natureza e cultura estaria removido. Na Sociobiologia já foram feitos esforços com vista a unir a evolução cultural do Homem com a evolução orgânica e desenvolver-se uma espécie de um processo Coevolutivo (LUMSDEN E WILSON, 1981, 1985). Assim, as duas formas de evolução encontrariam-se numa dependência recíproca. Deve referir-se que esta dependência recíproca acontece a posterior; pois, a princípio estiveram os genes sobre os quais a própria cultura se originou. Não pretendo levantar aqui a velha discussão entre a Sociologia, Antropologia, Sociobiologia e Psicologia, da existência ou não de genes para pintura, música, futebol, chadrez, etc., uma vez que esta discussão já foi ultrapassada quando entraram em voga conceitos tais como “meme”, “culturgen”, “mentifactos”, etc.). Estes conceitos podem ser consultados no pequeno dicionário que acompanha esta edição. Também foi obra da Genética o melhoramento da compreenção da questão relativa à herança de genes específicos para artes, por exemplo. A Genética reconheceu que a Herança Mendeliana não pode ser aplicada 2.2 Vectores do Comportamento 555 555 neste contexto. Os genes seriam, na óptica Sociobiológica, os replicadores para a transmissão e aprendizagem de elementos culturais. Estes replicadores não podem estar limitados ao campo de vida do Homem. Eles devem ser analisados ja ao nível de outros organismos dentro do mesmo biograma. LUMSDEN, C. and WILSON, E. O. (1981) diferenciaram diferentes níveis do caminho de evolução cultural (Tab. 4). Tab. 4: Graus ou níveis de desenvolvimento cultural (sensum latum): I= acultural I; II= acultural II; III= protocultural I; IV= protocultural II; V= eucultural (segundo LUMSDEN e WILSON, 1981, in WUKETITS, 1997). Níveis Componentes Exemplos Aprender Imitação Ensinar Simbolismo I Maioria dos animais, praticamente todos invertebrados II Vertebrados de sangue frio III Aves e maioria dos Vertebrados IV Lobos, cães domésticos, cães selvagens, leões, delfins ou golfinhos, 2. Características Gerais do Comportamento elefantes, hominídeos V Homo sapiens (eventualmente já o Homo erectus) Segundo estes autores, a maioria dos animais demonstram uma organização não cultural, são aculturais. A este nível de organização os animais não demonstram nenhuma capacidade (ou ela é mínima), de aprendizagem e são incapazes de desenvolver certos comportamentos através de imitação (poucos invertebrados, muitos vertebrados). Fig. 137: Comportamento protocultural do macaco Japonês (Macaca fuscata), construção de bolas de neve em 1971; forma de atracção social entre os macacos desta espécie; segundo EATON (1976) Fig.138: Comportamento protocultural de Chimpanze (Pan troglotydes); técnica de captura de térmitas com auxílio de varetas (paus), técnica aprendizada no grupo; segundo EATON (1976) 2.2 Vectores do Comportamento 557 557 Como protocultural os mesmos autores referem-se ao nível de organização de organismos que podem aprender a partir de imitação (aves, mamíferos) e, em parte, são capazes de transmitir suas capacidades através de “ensinar” (lobos, leões, primatas). As figuras anteriores referem-se a estes comportamentos. Tal como no nível anterior, nós podemos subclassificá-los em outros níveis inferiores, em subníveis. O nível seguinte comporta animais euculturais, que são exclusivamente constituídos pelo Homem actual e, talvez, pelo seu antecessor mais próximo, o Homo erectus (Fig. 139ª & b). O critério mais particular deste nível é o Simbolismo, i.e., a capacidade que o Homem possui de representar conteúdos de aprendizagem e de ensino através de estruturas extra corporais (quadros, papel, etc.), e sobretudo a capacidade representação sob forma de gráfica, escrever. Assim, a evolução da cultura possui sim raízes (bio)genéticas, conforme o quadro mostra, mas sob a forma como ela hoje se encontra é tipicamente humana. 2. Características Gerais do Comportamento Fig. 139a & b: Homo ergaster (KNM-ER 3733 36 ) e Homo erectus (Sangiran 17); segundo EATON (1976) A diferenciação conceptual de CHRISTIAN VOGEL (1986) parece ser a mais acertada. Ele diferencia entre Evolução biogenética e evolução tradigenética, para pôr clara a diferença entre a evolução orgânica e a cultural. O que sucede, de facto, é o seguinte: se de um lado ambas baseam-se no armazenamento e transmissão de informações, a evolução biogenética demonstra a particularidade de estar baseada apenas nos genes, ela é uma informação genética sob forma de DNA (codificação e transmissão de geração para geração). Enquanto isto, na evolução 36 Designação e identificação do achado 2.2 Vectores do Comportamento 559 559 tradigenética