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Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA DEPARTAMENTO DE MICROBIOLOGIA E PARASITOLOGIA PARASITOSES EMERGENTES E REEMERGENTES Dra. Nathieli Bianchin Bottari Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 2 SUMÁRIO 1. TOXOPLASMOSE ......................................................................................................3 2. DOENÇA DE CHAGAS ............................................................................................18 3. BABESIOSE ..............................................................................................................38 4. FASCIOLOSE ............................................................................................................50 5. COMPLEXO TENÍASE CISTICERCOSE ...............................................................60 6. ANCILOSTOMÍASE .................................................................................................72 7. TRICHOSTRONGILIASE .........................................................................................82 8. DÍPTEROS .................................................................................................................94 9. ACARI ......................................................................................................................106 10. ECTOPARASITOS ................................................................................................117 Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 3 TOXOPLASMOSE Introdução A toxoplasmose é uma doença infecciosa de grande importância médica e veterinária, sendo uma das zoonoses mais difundidas no mundo que tem como agente etiológico um protozoário conhecido como Toxoplasma gondii, pertencente ao Filo Apicomplexa que pode invadir e se replicar intracelularmente em praticamente todos os tipos de células nucleadas de animais de sangue quente. As infecções humanas são adquiridas a partir de alimentos ou água contaminados. Embora normalmente resulte em doença leve em indivíduos saudáveis, a toxoplasmose é uma infecção oportunista comum com alta mortalidade em indivíduos e acometimento do SNC. Na fase aguda da infecção, as respostas imunes dependentes de interferon controlam a rápida expansão do parasita e atenuam os sintomas agudos da doença. No entanto, após a disseminação, o parasita se diferencia em cistos semi-dormentes que se formam dentro das células musculares e neurônios, onde persistem por toda a vida no hospedeiro infectado. As terapias atuais usadas para o tratamento da toxoplasmose aguda são incapazes de eliminar a infecção crônica devido ao crescimento lento e assíncrono dos bradizoítos. Apesar do progresso significativo no tratamento da toxoplasmose, há um forte impulso para desenvolver novas terapêuticas para as formas aguda e latente da infecção. Nas seções subsequentes serão apresentados uma visão geral dos aspectos epidemiológicos, classificação, características gerais, ciclo do parasita e sinais e sintomas do T. gondii. Também serão fornecidos subsídios para o diagnóstico e terapêutica. Por fim, serão abordados novas estratégias de diagnóstico e tratamento da toxoplasmose em humanos e em modelos animais. Histórico O protozoário T. gondii foi reconhecido pela primeira vez no Brasil, pelo Instituto Biológico de São Paulo (1908) ao observarem corpúsculos parasitários em coelhos lesões semelhantes as provocadas pelo conhecido parasito Leishmania, porém com características peculiares que questionaram Splendore (1908) a realizar extensas pesquisas envolvendo este novo protozoário e sua relação com as células intracelulares. No mesmo ano, Nicolle e Manceux (1908) no Instituto Pasteur de Tunis identificaram o parasito em roedores (Gundi - Ctenodactylus gundi) e o nomearam de T. gondii, baseados na morfologia (toxon = arco, plasma = vida) e no hospedeiro (gundi). Em 1923, foi descrito o primeiro caso de toxoplasmose humana em uma criança de 11 anos de idade que apresentava hidrocefalia e microftalmia. Dez anos depois (1937), o T. gondii foi reconhecido como o agente causador de encefalomielite em crianças recém- nascidas, sendo que cinco anos mais tarde comprovou-se a sua transmissão vertical em humanos. Apesar de várias pesquisas envolvendo o T. gondii terem sido realizados desde o início do século XIX, somente na década de 1960 o ciclo biológico do parasito foi elucidado, ao demonstrar estágios infecciosos de T. gondii nas fezes de gatos, e que estes poderiam transmitilos a hospedeiros intermediários. Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 4 As linhagens clonais conhecidas como tipos I, II e III são comumente encontradas na América do Norte e Europa, com a maioria das infecções humanas decorrentes de cepas do tipo II. Aspectos epidemiológicos O Toxoplasma gondii é um patógeno intracelular que afeta aproximadamente um terço da população humana. Dados epidemiológicos estimam que 20 a 90% da população mundial já entraram em contato com o parasito; isto é, apresentam anticorpos. Em gestantes, a prevalência de positividade pode ser maior ao redor do mundo, variando entre 51% a 72% na América Latina, 54% a 77% na África Ocidental, 4% a 39% no sudeste asiático, 58% nos países europeus e 15% na América do Norte. Os índices de incidência estão relacionados ao clima quente, baixas latitudes e clima seco, como é o caso do Brasil. No Brasil, a prevalência de toxoplasmose varia de acordo com a região estudada. Dados limitados indicam que em certas regiões do Brasil (especialmente a região Sul) aproximadamente 50% das crianças foram expostos ao parasita. Altas taxas de soroprevalência (36-92%) foram encontradas em mulheres grávidas. Em um estudo envolvendo 20.389 mulheres gestantes da região sul do Brasil, 53,03% das mulheres possuíam anticorpos IgG para T. gondii e 3,26% foram positivas para IgM. Esses dados indicam que a soroprevalência de T. gondii em crianças e em mulheres grávidas no Brasil é uma das maiores em todo o mundo. Pesquisas soroepidemiológicas forneceram evidências de uma distribuição mundial de T. gondii em suínos, com prevalências variando de acordo com a idade, categorias de suínos, geografia e sistema de manejo. Em geral, uma baixa prevalência de infecções por T. gondii (<1%) é observada em suínos criados em confinamento com condições de manejo controladas, impedindo o acesso de roedores e gatos, enquanto valores de prevalência mais elevados (>60%) podem ser encontrados em fazendas com suínos soltos, fazendas sem condições controladas que permitem acesso ao ar livre e em explorações de quintal. Anticorpos para T. gondii foram encontrados em ovinos e caprinos em todo o mundo. Mais de 500 artigos relataram estudos de soroprevalência nessas espécies de ruminantes domésticos em todas regiões do globo. Nas últimas décadas, numerosos artigos foram publicados sobre a soroprevalência de anticorpos específicos para T. gondii em bovinos taurinos. No geral, os resumos de teses mostram uma grande variação nas proporções relatadas de achados positivos e as estimativas resumidas foram de 9,5% para o gado na China, 27,9% no sul da Ásia ou 12 % na África. Classificação taxonômica Taxonomicamente, o T. gondii (NICOLLE e MANCEAUX, 1909) causador da toxoplasmose, é um parasito pertencente ao Filo Apicomplexa (LEVINE 1970), classe Coccidia (LEUCKART, 1879), Ordem Eucoccidiorida (LÉGER e DUBOSCQ, 1910), Subordem Eimeriorina (LÉGER, 1911), Família Sarcocystidae (POCHE, 1913), Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 5 subfamília Toxoplasmatinae (BIOCCA, 1956), GêneroToxoplasma (NICOLLE e MANCEAUX, 1909). Etiologia e transmissão A infecção humana é adquirida pela ingestão de alimentos ou água contaminados com oocistos esporulados ou carne mal cozida infectada com cistos latentes. Ainda, por transmissão transplacentária, ou por meio de um aloenxerto infectado durante o transplante de órgãos. A aquisição via hemoderivados ou por ingestão acidental ou inoculação de Toxoplasma em laboratórios que trabalham com o parasita é rara. Morfologia Até então, três formas evolutivas infecciosas do T. gondii são reconhecidas: os taquizoítos (agrupam-se em clones), bradizoítos (presente em cistos teciduais) e oocistos (forma infectante). A análise da sequência do genoma completo de mais de 60 isolados de animais e humanos de todo o mundo identificou seis clados principais que diferem amplamente em ilhas genômicas de proteínas secretoras polimórficas amplificadas, muitas das quais funcionam como determinantes de virulência. Frenkel (1973) foi o primeiro a descrever a morfologia dos taquizoítos (do Grego tachos = veloz). Os taquizoítos são estruturas celulares arqueadas capazes de invadir todos os tipos de células, sendo considerados os estágios de multiplicação e de disseminação rápida (DUBEY, 1998). Possuem aproximadamente 6 μm de comprimento e 2 μm de largura podendo serem encontrados durante a fase aguda da infecção, também denominada forma proliferativa, forma livre ou trofozóito. Durante a fase aguda, a qual geralmente ocorre dentro de 8 a 12 dias após a infecção, os taquizoítos são capazes de atravessar as barreiras teciduais como a BHE e transplacentária, podendo atingir o SNC e o feto. Nesta fase da infecção, os taquizoítos se multiplicam por endodiogenia, no interior de seus vacúolos parasitóforos. O citoplasma torna-se repleto de taquizoítos a ponto de eclodir e provocar a liberação dos taquizoítos, que invadem as células contíguas ou são fagocitadas. Esta multiplicação proliferativa favorece a infecção em diversos locais do organismo, como o SNC, olhos, musculatura esquelética, musculatura cardíaca e a placenta. Alguns desses taquizoítos iniciam uma segunda fase de desenvolvimento; ou seja, como bradizoítos. Os bradizoítos constituem a forma de resistência do T. gondii nos tecidos (do Grego brady = lento), sendo os principais sítios de infecção o miocárdio, cérebro e musculatura esquelética. Os bradizoítos incidem na fase crônica da infecção e diferem morfologicamente pouco dos taquizoítos. Na fase crônica, a multiplicação do parasito diminui de forma acentuada e a infecção é mantida por um longo período na forma latente através da formação de cistos teciduais repletos de bradizoíto. Os cistos teciduais apresentam parede elástica (<0,5 μm de espessura), com tamanho variando de 5 a 70 μm de diâmetro e podem conter centenas de bradizoítos no seu interior, multiplicando-se lentamente por endodiogenia e pode persistir por toda a vida do hospedeiro. Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 6 A última forma de estágio de T. gondii são os oocistos. Oocistos não esporulados; ou seja, não infectantes, possuem aspectos subesféricos a esféricos e medindo de 10 a 12 μm de diâmetro. Enquanto, os oocistos esporulados (forma infectante) apresentam aspectos subesféricos a elípticos e medem 11 a 13 μm de diâmetro. Cada oocisto contém no seu interior dois esporocistos elípticos, medindo de 6 a 8 μm. Os oocistos são resistentes a vários processos de inativação, permanecendo viáveis após contato com agentes químicos como ácido sulfúrico 2% ou em dicromato de potássio a 2,5%. Desta forma, resistem mesmo em temperaturas muito baixas (-20oC) a elevadas (>37oC) por meses, infectando água e alimentos (DUBEY, 2014, p.15). Um complexo de membranas conhecido como película delimita todo o corpo do protozoário. É formado por uma membrana plasmática externa e, abaixo dela, duas membranas intimamente opostas que formam o complexo da membrana interna. Este complexo interno está ausente na região mais apical onde se localiza o conóide e na parte mais posterior da célula. Abaixo do complexo da membrana interna, há uma camada de microtúbulos. Vinte e dois microtúbulos que se originam no anel polar e se projetam em direção à região posterior da célula, atingindo cerca de dois terços do comprimento do corpo celular. Além disso, existe uma rede de estruturas filamentosas com diâmetro médio de 8 a 10 nm, muito lábeis e localizadas imediatamente abaixo do complexo da membrana interna. São compostos por proteínas do grupo das articulinas denominadas alveolinas e se estendem por toda a célula terminando em uma estrutura circular localizada na região posterior, conhecida como complexo basal, onde proteínas como a ocupação da membrana e o nexo de reconhecimento existe (MORN-1). Uma característica do citoesqueleto de T. gondii é o conóide que aparece como um cilindro oco inserido dentro do anel polar do qual emergem os 22 microtúbulos subpeliculares. Tem um diâmetro de 400 nm e um comprimento de 250 nm e aparece em dois estados. Em estado de repouso, aparece sob o anel polar. Quando ativado por um influxo de Ca++, ele extrude em direção à região anterior das células. Este movimento ocorre durante o processo de invasão da célula hospedeira. No estado de repouso, o conóide se posiciona imediatamente abaixo da membrana plasmática, sob o anel posterior, de onde emergem os microtúbulos subpeliculares. Dois microtúbulos estão situados dentro do conóide, e mais dois anéis apicais estão presentes em sua porção mais apical. O anel anterior tem diâmetro de 160 nm e o segundo mede 200 nm. Várias proteínas demonstraram existir nessas estruturas complexas, como as proteínas de ligação ao cálcio Centrina 2, TgCAM1, TgCAM2 e TgMyoH miosina. Taquizoítos, bradizoítos e esporozoítos são semelhantes estruturalmente, possuindo, porém, diferenças nas suas diversas organelas as quais desempenham papéis fundamentais nos processos de interação com a célula hospedeira, movimentação, adesão e invasão. Os três estágios infecciosos apresentam uma especialização explícita da região anterior onde se localiza o complexo apical. É usado para iniciar o processo de infecção das células hospedeiras. Este complexo é formado pelo conóide e dois conjuntos de organelas secretoras: os micronemas e as róptrias. Nesses processos estão envolvidos os antígenos de superfície (SAG), e proteínas presentes em organelas do complexo apical, como as proteínas de micronemas (MIC), proteínas de roptrias (ROP) e proteínas de grânulos densos (GRA). Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 7 As SAGs são proteínas ancoradas na superfície celular do T. gondii por âncora glicosilfosfatidilinositol (GPI) e funcionam como ligantes que facilitam a adesão do parasito à célula hospedeira. SAG1 (30 kDa) é a proteína predominante na superfície de taquizoítos de T. gondii, sendo utilizada em vários testes de diagnósticos e em ensaios vacinais. As proteínas do micronema são também proteínas facilitadoras nos processos de adesão e invasão do T. gondii na célula hospedeira. Das inúmeras proteínas do micronema, a MIC3 (90kDa) é uma potente adesina presente em todos os estágios infecciosos de T. gondii, a qual tem sido utilizada em testes sorológicos e candidata a compor uma vacina contra toxoplasmose. As ROP, por sua vez, são organelas em forma de bastão encontradas na região anterior do T. gondii apresentando proteínas com atividade enzimática (proteíno- quinases, fosfatases e proteases). Seu conteúdo está envolvido na penetração do parasito e na formação do vacúolo parasitóforo (forma encistada) na célula hospedeira. Por fim, as GRA são organelas envolvidas na maturação do vacúolo parasitóforo, caracterizadas por nanotubos membranosos, assim como são as principais porções de antígenos excretórios/secretórios de T. gondii, estando associadasà construção da rede membranosa intravacuolar que permite a interação do parasito com a célula hospedeira. Outra característica dos estágios infecciosos do T. gondii é a presença das organelas secretoras apicais. Os micronemas são os mais abundantes. Eles aparecem como estruturas semelhantes a bastonetes com 250 nm de comprimento e 50 nm de largura. Concentram-se em torno do anel polar abaixo do sistema de membrana e parecem fundir-se com a região onde existe apenas a membrana plasmática. Eles são os primeiros a secretar seu conteúdo proteico, essencial para o movimento do protozoário e sua associação com a membrana da célula hospedeira. As proteínas micronemais são denominadas MICs. Eles incluem proteínas com propriedades semelhantes às perforinas, adesinas e serina proteases (subtilisinas). Algumas das proteínas micronemais estão envolvidas na montagem (juntamente com proteínas rópteras) da junção móvel. A análise morfológica mostrou que o número de micronemas é maior nos esporozoítos, menor nos bradizoítos e intermediário nos taquizoítos. Sua secreção pode ser induzida por tratamentos que aumentam a concentração de cálcio intracelular. As róptrias compreendem o segundo grupo de organelas secretoras apicais. Eles são maiores que os micronemas, são em forma de clube com duas regiões bem definidas. A mais basal é mais larga e de aspecto esponjoso, contendo proteínas envolvidas na subversão das funções da célula hospedeira, conhecidas como ROPs. A porção anterior, ou pescoço, concentra proteínas associadas à invasão da célula hospedeira e são conhecidas como RONs. Apresentam pH ácido. A secreção de róptria desempenha um papel essencial na constituição da junção móvel para a invasão do T. gondii e formação da membrana do vacúolo parasitóforo (PV). O terceiro grupo de organelas secretoras são os grânulos densos. Geralmente são esféricos com diâmetro médio de 0,2 μm e estão distribuídos por todo o corpo do protozoário. Eles também contêm um grande número de proteínas secretadas na porção lateral e posterior do protozoário quando localizado dentro do PV. As proteínas de grânulos densos são conhecidas como GRAs e estão envolvidas na montagem de uma rede de túbulos e estruturas filamentosas com o PV. Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 8 O núcleo do protozoário está localizado na porção média do corpo celular. É aproximadamente esférica, com uma discreta concavidade em sua face superior (ou seja, aquela voltada para o complexo apical) onde se acomoda o complexo de Golgi. Durante a divisão, o núcleo assume a forma de ferradura, mantendo a integridade de sua membrana. Acima do núcleo, o apicoplasto está localizado em posição lateral. O apicoplasto é alongado e delimitado por quatro membranas. É uma organela de origem endossimbiótica e está intimamente associada ao complexo de Golgi e ao retículo endoplasmático. O apicoplasto contém um DNA cromossômico extra de 35 kb e toda a maquinaria que permite a síntese de algumas proteínas. Desempenha papéis essenciais em processos bioquímicos como a síntese de ácidos graxos tipo II e a síntese de isoprenóides e grupos heme e é a primeira organela a se dividir durante o ciclo celular do protozoário. Toxoplasma gondii apresenta perfis de retículo endoplasmático rugoso e liso distribuídos por toda a célula. O complexo de Golgi está intimamente oposto à porção côncava (anterior) do núcleo, apresentando 4 a 6 lamelas. Ele se divide em uma fase inicial da endodiogenia, e cada complexo é incorporado em uma das novas células formadas. Toxoplasma gondii apresenta uma única e ramificada mitocôndria que pode atingir cerca de 10 µm de comprimento distribuída por toda a célula. O Toxoplasma gondii também contém cerca de dez acidocalcisomas, que são organelas ácidas que armazenam cálcio e estão envolvidas na homeostase intracelular e na osmorregulação. Os diâmetros dessas organelas variam de 40 a 150 nm e estão dispersos no citoplasma. Outras estruturas citoplasmáticas de T. gondii incluem corpos lipídicos, que parecem ser mais abundantes em esporozoítos, que raramente são vistos em taquizoítos, mas caracteristicamente encontrados em bradizoítos e esporozoítos. Eles aparecem como estruturas esféricas que contêm polissacarídeos de reserva. Morfologicamente, bradizoítos e esporozoítos diferem dos taquizoítos em vários aspectos, como a posição do núcleo, que é mais posterior neles; o número de micronemas, grânulos densos e grânulos de amilopectina, bem como o aspecto das roptrias. Ciclo do parasita O ciclo biológico do T. gondii é do tipo heteroxeno, ocorrendo em duas fases distintas. A fase sexuada é enteroepitelial e ocorre apenas no hospedeiro definitivo (HD), sendo o HD membros da família Felidae (DUBEY, 2014). Enquanto a fase assexuada acontece na face extraintestinal em tecidos do hospedeiro intermediário (HI), esses podem ser qualquer animal de sangue quente incluindo o homem. Os esporozoítos, bradizoítos ou taquizoítos, ao penetrarem no epitélio intestinal dos felídeos, sofrem um processo de multiplicação por endodiogenia e merogonia, dando origem a vários merozoítos. O rompimento da célula parasitada libera os merozoítos que penetram em novas células epiteliais e se transformam nas formas sexuadas, os gametócitos, que, após o processo de maturação, formam os gametas masculinos (microgametas) e/ou os gametas femininos (macrogametas). O macrogameta (imóvel) permanece dentro de uma Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 9 célula epitelial, enquanto os microgametas (móveis e flagelados) saem de sua célula e fecundam o macrogameta, formando o ovo ou zigoto. Este evolui dentro do epitélio formando uma parede externa dupla, dando origem ao oocistos. Os oocistos não esporulados são eliminados junto as fezes, portanto a esporulação ocorre no ambiente, em média até cinco dias após a excreção, dependente da temperatura e umidade. Os HI, como o homem, por exemplo, podem adquirir a infecção pela ingestão de oocistos esporulados presentes em alimentos e água contaminados, caixas de areia, ingestão de cistos contendo bradizoítos em carne crua ou mal-cozida e ingestão de taquizoítos em líquidos biológicos (leite, saliva e esperma). Além disso, as formas acidentais de contaminação por auto- inoculação, transplante de órgãos e transmissão congênita podem ocorrer. Ciclo em animais O processo primário de infecção de um felino é pela ingestão de presas contendo cistos teciduais, ou oocistos contendo esporozoítos excretados por outro felino. Após a ingestão, a parede dos cistos é rompida no estômago, provavelmente devido ao seu baixo pH e à ação de enzimas proteolíticas, liberando bradizoítos ou esporozoítos, respectivamente. Em qualquer uma das situações, as células epiteliais intestinais serão as primeiras células a serem invadidas e se transformarão em esquizontes, estágio de reprodução assexuada que pode ser identificada pela presença de vários núcleos. Durante a esquizogonia, sucessivas divisões nucleares precedem a individualização de cada célula. Após rodadas consecutivas de divisão nuclear, a formação do complexo de membrana interna para a individualização de cada merozoíto pode ser acompanhada em paralelo com a aparência do complexo apical, incluindo micronemas e roptrias, todas estruturas características de um Apicomplexa típico. Essas estruturas citoplasmáticas se organizam em torno de cada núcleo, dando origem às células filhas, chamadas merozoítos, dentro da célula hospedeira. A ruptura desses enterócitos libera muitos merozoítos, que também são capazes de infectar novos enterócitos e se dividir novamente por esquizogonia. Cada ciclo esquizogônico dá origem a vários merozoítos que serão liberados para invadir prontamente novos enterócitos, aumentando exponencialmente o número de parasitas. Cinco tipos diferentes de esquizontesde T. gondii foram descritos em células epiteliais intestinais felinas antes do início da gametogonia. Três a quinze dias após a infecção primária felina, os esquizontes e merozoítos são encontrados principalmente na porção do íleo do intestino, e alguns começam a se diferenciar em gametas. Os macrogametas são gerados a partir de um único merozoíto e apresentam formato oval (8 µm de comprimento e 6 µm de largura), um único núcleo, retículo endoplasmático, mitocôndrias, corpos lipídicos, inclusões de amilopectina e corpos formadores de parede tipo I (diâmetro de 0,35 µm e elétron denso) e II (largura de 11,2 µm, menos denso e em menor número). Os microgametas são formados por uma divisão esquizogônica e são alongados (6 µm de comprimento e 2 µm de largura); apresentam cromatina nuclear condensada, dois corpos basais, respectivos flagelos localizados na região anterior e uma mitocôndria restrita à base dos flagelos. A fusão de um microgameta com um macrogameta produz o oocisto imaturo, que é liberado no lúmen intestinal do hospedeiro definitivo. O oocisto imaturo apresenta Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 10 forma elíptica (13 µm de comprimento x 11 µm de largura) e contém em seu interior um único esporoblasto. Uma vez que os oocistos são liberados com as fezes do gato, o ambiente aerado desencadeia a maturação, ou seja, a esporulação. Após a esporulação, o oocisto se divide em dois esporocistos (6-8 µm cada). Uma camada fina e elétron-densa e uma camada interna elétron-lúcida, bem como duas membranas externas, formam a parede do oocisto. Após a maturação subsequente do oocisto, cada esporocisto contém quatro esporozoítos. Os oocistos esporulados são altamente resistentes às condições ambientais e permanecem viáveis na água ou em condições secas por vários meses. O ciclo de vida de T. gondii no hospedeiro intermediário Hospedeiros intermediários podem ser infectados por várias vias (Fig. 1). Tanto as paredes dos cistos teciduais quanto os oocistos são removidos por enzimas digestivas, liberando, respectivamente, bradizoítos ou esporozoítos que, dentro do novo hospedeiro, se movem por um mecanismo único de deslizamento. As proteínas micronemais são as primeiras a serem secretadas e são essenciais para a motilidade do protozoário por deslizamento e adesão inicial à superfície da célula hospedeira. A motilidade de deslizamento resulta de uma montagem complexa de proteínas ancoradas a um motor de actina miosina localizado entre a membrana plasmática e a película interna. Esse chamado glideossomo envolve proteínas micronemas (AMA1 e MIC2) inseridas na membrana plasmática do taquizoíto que reconhecem e se ligam aos receptores da membrana plasmática da célula hospedeira. O domínio intracelular de AM1 e MIC 2 está ligado a uma aldolase, que está ligada a actina filamentosa que é empurrada por um motor de miosina TgMYO e várias proteínas GAP (GAP40, GAP45, GAP50 e GAPM) que constroem uma conexão entre as três membranas do a película e a rede de alveolina. Esta montagem complexa empurra o taquizoíto para a frente em direção a uma nova célula hospedeira. A interação do T. gondii com uma célula do hospedeiro visa, em última instância, sua internalização. Em T. gondii, esse processo pode ocorrer em qualquer célula nucleada, principalmente macrófagos, células epiteliais, células musculares e neurônios. Inicialmente, o T. gondii se liga à superfície da célula hospedeira potencial e em sequência reorienta o lado apical induzindo, pela secreção de proteínas localizadas nas organelas apicais, ou seja, micronemas e róptrias, o processo de internalização. Para invasão, o taquizoíto monta uma junção móvel com a membrana plasmática da célula hospedeira. Essa junção móvel forma um anel ao redor do taquizoíto no ponto de entrada na célula hospedeira. Isso resulta na ligação da proteína micronemal AMA1 inserida na superfície do taquizoíto à proteína roptria RON 2 que é secretada, inserida e exposta na membrana da célula hospedeira. Patogenia A infecção se inicia no intestino delgado, onde esporozoítos ou bradizoítos liberados de oocistos ou cistos teciduais ingeridos podem infectar enterócitos e se replicar ali ou atravessar a camada epitelial e entrar na lâmina própria. Dentro da lâmina própria, o parasita infecta células pertencentes a várias linhagens hematopoiéticas, incluindo macrófagos, células dendríticas e neutrófilos. As respostas imunes inatas e adaptativas à infecção por T. gondii controlam efetivamente os taquizoítos de replicação rápida. Tipicamente, a infecção por T. gondii, resulta na indução de uma resposta imunológica Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 11 celular e humoral com produção de citocinas pró e antiinflamatórias responsáveis pelo controle da infecção. Receptores de reconhecimento da proteína de ligação à actina (profilina) denominados Toll-Like Receptors (TLR) presentes nas células dendríticas, estão envolvidos no mecanismo de sinalização celular (HOU et al., 2011) (Figura 13). Um estudo, utilizando ratos knockout MYD88 (proteína 88 de diferenciação mielóide a resposta imune primária) em TLR demonstraram ter uma produção defeituosa da IL-12 e menor liberação de IFN-γ após a infecção por T. gondii (YAROVINSKY et al., 2006), concluindo-se que a ativação de MYD88 por TRL em células dendríticas (CDs) conduz a ativação de IL-12. Contudo, a deficiência de TRL4 está envolvida com a produção de IL-6, INF- γ e IL-12, responsáveis por promover o aumento da carga parasitária no SNC. Mecanismos moleculares e de resposta imune inata, revelaram que TRLs tipo 11 e 12 (TRL11 e TRL12), presente em animais e humanos respectivamente, estão envolvidos na resposta imune inata contra T. gondii através do reconhecimento da profilina liberada pelo parasito (YAROVINSK, 2014). A MYD88 na presença de IRF8 induz a transcrição da IL-12 nas CDs (Figura 13). Assim que o T. gondii entra em contato com as células epiteliais do hospedeiro uma proteína (profilina) é liberada pelo parasito. A profilina é reconhecida pelos receptores TLR 11 e/ou TRL 12 das CDs. As CDs ativadas secretam IL-12 (A) a qual, estimula as células NK a apresentar para as células TCD4+ e produzir INF-γ (C) que levará a apoptose do parasito. As CDs infectadas apresentam o antígeno parasitário para as células TCD8+, que irá produzir IL-10 (D). Uma vez infectados pelos taquizoítos o INF- γ ativa os macrófagos (B). Macrófagos ativados, podem responder estimulando as enzimas idoleamina ou iNOS (E) a privação do triptofano essencial ao desenvolvimento do parasito ou a produção de óxido nítrico (ON) levando a destruição do vacúolo parasitóforo (Figura 13) (YAROVINSKY (2014). Já a imunidade adaptativa contra T. gondii é desempenhada através da apresentação de antígenos de superfície pelo complexo de histocompatibilidade de classe II (MHC-II) de CDs e macrófagos e MHC-I de células nucleadas. As duas principais populações de células T ativadas por este mecanismo são os linfócitos TCD4+ e TCD8+. A resposta humoral adaptativa contra T. gondii é desencadeada pelas células B, as quais desempenham um papel importante para o controle de cistos teciduais. Além disso, essas células são essenciais para a geração de respostas imunes mediadas por anticorpos. Sinais e sintomas Mais de 80% dos adultos e crianças infectados pelo T. gondii são assintomáticos. No entanto, no caso de pacientes imunodeficientes, a toxoplasmose é uma doença grave e com risco de vida. Uma pessoa imunocompetente com toxoplasmose aguda pode apresentar os seguintes sintomas: linfadenopatia cervical, retroperitoneal e mesentérica, mal-estar, febre e mialgias, convulsões, cefaleia, déficit de nervos cranianos, déficit neurológico focal, desequilíbrio, encefalite, meningoencefalite. A toxoplasmose ocular se manifesta principalmente como perda da atividadevisual e dor ocular seguida de retinocoroidite. Pneumonite e miocardite também foram relatadas. Nesses casos, a Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 12 infecção pode ser adquirida recentemente ou pode ser uma reativação. No entanto, em caso de reativação da infecção, os sintomas dependem apenas do tecido ou órgão infectado. A encefalite toxoplasmática difusa também pode se desenvolver. Distúrbios motores ou sensoriais de membros únicos ou múltiplos podem ser resultado do envolvimento da medula espinhal. A toxoplasmose congênita pode ser subclínica ou apresentar envolvimento multissistêmico. As manifestações clínicas, se presentes, incluem prematuridade, restrição de crescimento intrauterino, icterícia, hepatoesplenomegalia, miocardite, pneumonite, púrpura, coriorretinite, hidrocefalia, calcificações intracranianas, microcefalia, convulsões, retardo mental, cegueira e epilepsia. Normalmente, os casos sintomáticos apresentam manifestações oculares ou neurológicas. Diagnóstico Os métodos imunológicos foram e continuam sendo os método diagnóstico preferido e mais comum para o diagnóstico da toxoplasmose em laboratórios clínicos no século passado. Esses métodos são baseados no reconhecimento de antígenos de superfície de T. gondii por imunoglobulinas específicas de T. gondii do hospedeiro. Diferentes métodos imunológicos geralmente medem diferentes anticorpos (IgA, IgM, IgG e IgE) que possuem padrões únicos de aumento e diminuição com o tempo após a infecção. Durante os últimos anos, muitos métodos de testes imunológicos, incluindo teste de corante Sabin Feldman (SFDT), teste de anticorpos fluorescentes indiretos (IFAT), teste de aglutinação em látex (LAT), teste de hemaglutinação indireta (IHA), ensaios imunoenzimáticos (ELISA) , teste de aglutinação modificado (MAT), Western blotting (WB) e teste de avidez de IgG foram usados para detecção de infecção por T. gondii em diferentes pacientes. Embora nas últimas duas décadas, outros métodos imunológicos, incluindo ensaios de quimioluminescência (CLIA), ensaio de fluorescência ligada a enzima (ELFA), teste imunocromatográfico (ICT), teste de avidez de IgG sérica e ensaios de aglutinação imunossorvente (ISAGA) tenham sido desenvolvidos para melhorar a capacidade de diagnóstico de infecção por T. gondii. CLIA e ELFA são variações totalmente automatizadas do ELISA padrão que têm várias vantagens, incluindo reprodutibilidade, custo-benefício e medição rápida e precisa dos níveis de anticorpos IgG e IgM. Além disso, o CLIA é útil na medição do índice de avidez de IgG, mesmo em níveis baixos de anticorpos IgG específicos de Toxoplasma. A TIC é um método adequado para aplicação em campo, pois possui baixo custo, procedimento simples e não requer técnicos especializados. Na TIC, uma membrana de celulose é usada como transportador e um antígeno ou anticorpo marcado com ouro coloidal é usado como marcador. Recentemente, Wang et al. desenvolveram uma tira de ICT rápida para detecção de antígenos excretores/secretores (ESA) na infecção aguda de T. gondii tão cedo quanto 2-4 dias após a infecção. No ISAGA, os anticorpos anti-IgM humanos são usados para o diagnóstico de toxoplasmose aguda ou congênita. A desvantagem deste método é a necessidade de um grande número de taquizoítos de T. gondii. No entanto, esse problema foi resolvido substituindo os taquizoítos de T. gondii por esferas de látex revestidas com antígenos solúveis. Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 13 Uma abordagem recentemente desenvolvida para melhorar o diagnóstico da infecção por T. gondii e também discriminar entre as diferentes fases da infecção é usar antígenos recombinantes no lugar do TLA. Estudos recentes utilizando o método de antígenos recombinantes ou quiméricos e peptídeos multiepítopos demonstraram resultados bastante promissores para o desenvolvimento de novas estratégias capazes de discriminar infecções recentemente adquiridas de infecções crônicas. Esses antígenos incluem antígenos de superfície SAG1 (P30), SAG2 (P22), SAG3 (P43) e P35; antígenos de grânulos densos GRA1 (P24), GRA2 (P28), GRA4, GRA5, GRA6 (P32) e GRA7 (P29); antígenos de micronema MIC2, MIC3, MIC4 e MIC5; antígenos de matriz MAG1; e antígenos de róptria ROP1 (P66) e ROP2 (P54). A vantagem proeminente desses antígenos recombinantes é a identificação de anticorpos específicos das fases aguda ou crônica e a discriminação entre esses dois estágios da infecção por T. gondii usando uma única amostra de soro. Está demonstrado que a combinação de antígenos recombinantes complementares melhora significativamente a sensibilidade e especificidade dos testes quando comparados com um único antígeno. Outros antígenos recombinantes combinados e suas características diagnósticas são revisados em artigos de revisão publicados recentemente. Além disso, em 2014, Drapała et al. avaliaram a utilidade de duas misturas de antígenos recombinantes (rROP1 + rSAG2 e rROP1 + rGRA6) no teste de avidez de IgG. Seus resultados mostraram que essas duas misturas têm alta sensibilidade (100 e 95,4%, respectivamente) para detecção de toxoplasmose aguda, sugerindo que novo teste de avidez de IgG. Um número crescente de estudos recentemente realizados tem demonstrado as potenciais vantagens dos antígenos peptídicos quiméricos ou sintéticos para o diagnóstico sorológico da infecção por T. gondii, como padronização simples, alta sensibilidade, baixa contaminação com proteínas dos organismos, redução dos custos de produção, e aumentando a probabilidade de discriminar diferentes estágios da toxoplasmose. Estes antigénios peptídicos quiméricos e/ou sintéticos incluem vários epítopos imunorreactivos de diferentes antigénios de T. gondii que foram devidamente seleccionados. Esses epítopos imunorreativos são hidrofóbicos e geralmente estão bem expostos na superfície do antígeno. Durante os últimos anos, uma variedade de ferramentas inovadoras, incluindo análise de microarranjos de peptídeos por métodos bioinformáticos, mapeamento de epítopos, exibição de fagos de bibliotecas de cDNA e reatividade com anticorpos monoclonais, foram desenvolvidos para a previsão de epítopos específicos e sua localização em antígenos de T. gondii. Apesar das melhorias significativas nos métodos sorológicos, ainda existem limitações insolúveis, como a incapacidade desses métodos de confirmar a presença do parasita no feto e no cérebro em transmissão congênita e/ou pacientes imunocomprometidos. O desenvolvimento dos métodos moleculares durante as últimas três décadas induziu uma grande revolução no diagnóstico de doenças infecciosas em geral. Para superar as limitações dos testes sorológicos, diferentes métodos moleculares, incluindo PCR, nested PCR, PCR em tempo real e também técnicas de amplificação isotérmica mediada por loop (LAMP) foram desenvolvidos para detectar DNA de T. gondii em amostras biológicas. Nos métodos baseados em PCR, um fragmento específico do genoma pode ser amplificado resultando em muitos milhões de cópias da molécula de DNA alvo. A primeira técnica de PCR para detecção de T. gondii foi estabelecida por Burg e colegas em que o gene B1 de 35 repetições do genoma de T. gondii foi amplificado [74]. Após isso, vários genes de direcionamento de múltiplas cópias, incluindo 18S rRNA-, P30-, Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 14 B1-genes, fragmento de repetição de 529-bp ou o elemento AF146527 foram usados para a detecção de T. gondii em diferentes amostras biológicas. Foi relatado que a PCR com o gene RE de 529 pb é 10 a 100 vezes mais sensível que o gene B1. Para diagnosticar toxoplasmose congênita e ocular, a PCR tem sido utilizada com sucesso com líquido amniótico, tecidos placentário e cerebral, humor aquoso e líquido vítreo. Além disso, sangue total, urina,líquido cefalorraquidiano (LCR), lavado broncoalveolar, líquidos pleural e peritoneal têm sido usados efetivamente para diagnosticar toxoplasmose em pacientes imunocomprometidos. Nested PCR é usado para aumentar a especificidade da amplificação de DNA, bem como para detectar os patógenos que ocorrem com muito poucas quantidades. Em um estudo relatado por Alonso et al., a nested PCR mostrou-se um método molecular rápido, sensível e eficaz na detecção precoce da toxoplasmose em pacientes com HIV [80]. Em outro estudo, foi demonstrado que a nested PCR tem alta sensibilidade para detecção de oocistos de T. gondii em rios, poços e águas do mar. Multiplex PCR é outro tipo de métodos de PCR para detectar vários patógenos usando vários conjuntos de primers que cada um tem como alvo um patógeno específico. Este método permite a análise simultânea de vários alvos em uma única amostra. Nowakowska et al. utilizaram as amostras de líquido amniótico e cefalorraquidiano de casos de toxoplasmose congênita para determinar o genótipo do parasito por nested multiplex PCR. Eles relataram uma sensibilidade de > 25 parasitas/ml em amostras de líquido cefalorraquidiano e amniótico por PCR multiplex-nested. Rahumatullah et ai. desenvolveram um ensaio de PCR triplex visando o gene B1, região de 529 repetições e região ITS1 de T. gondii. De acordo com seu relatório, este ensaio foi capaz de detectar apenas 10 pg de DNA de T. gondii, 104 taquizoítos em fluidos corporais enriquecidos e DNA de T. gondii nos tecidos de órgãos de camundongos experimentalmente infectados. Os métodos baseados em RT-PCR são ensaios desenvolvidos recentemente que possibilitam a quantificação da carga parasitária e têm um alto grau de precisão diagnóstica específica do complexo para o diagnóstico de patógenos em amostras clínicas. O RT-PCR é o ensaio molecular mais sensível para a detecção de patógenos, especialmente quando o DNA alvo está em baixas concentrações. Além disso, esses ensaios são mais rápidos, sensíveis e reprodutíveis do que a PCR convencional e são úteis em investigações como a cinética de infecções e monitoramento da resposta terapêutica [89]. As principais vantagens da RT-PCR sobre a PCR convencional incluem a não necessidade de abrir os tubos de reação e, portanto, minimizar o risco de contaminação ambiental dos amplicons, redução de resultados falsos positivos, medição de produtos de amplificação durante cada ciclo usando sondas ou corantes intercalados e fornecendo diagnóstico precioso como escolha de tratamentos específicos para pacientes que abrigam vários patógenos. Na última década, vários estudos aplicaram RT-PCR para diagnóstico de toxoplasmose em várias amostras biológicas, ambientais e alimentares. A maioria desses estudos relatou que RT-PCR é um método mais sensível em comparação com outros métodos moleculares e biológicos. Bottari et al., demonstrou que o RT-PCR usando o alvo de 529 pb foi melhor que o gene B1 para o diagnóstico de toxoplasmose congênita em ambos os períodos pré-natal (81,3 versus 64,6%) e nascimento (36,0 versus 20,0%). Amplificação isotérmica mediada por loop (LAMP) é um método de PCR modificado em uma etapa, com alta sensibilidade, especificidade, eficiência e rapidez. Este método amplifica o DNA sob condições isotérmicas (60-65°C) usando uma DNA Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 15 polimerase (Bst) com atividade de assentamento de fita e 4-6 primers específicos, que são capazes de reconhecer um total de 6-8 regiões distintas dentro do DNA alvo. As vantagens técnicas de usar LAMP em vez de PCR e RT-PCR convencionais incluem a não necessidade de equipamentos altamente sofisticados, não é caro e demorado, não há necessidade de extração de DNA e é mais tolerante a inibidores de PCR, como sangue, soro e ingredientes alimentares Por fim, a tomografia computadorizada, a ressonância magnética, a imagem nuclear e a ultrassonografia podem ser úteis, embora seus resultados possam não ser específicos isoladamente. As técnicas de imagem são úteis para o diagnóstico de toxoplasmose cerebral e ocular. Na toxoplasmose cerebral (encefalite), uma variedade de técnicas de imagem, como tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética (RM), imagem nuclear e ultrassonografia (US), podem ser úteis, embora seus resultados possam não ser específicos. Uma tomografia computadorizada do cérebro é frequentemente usada como um teste de triagem inicial e pode mostrar lesões nodulares únicas ou múltiplas. A administração de material de contraste intravenoso (IV) com qualquer modalidade melhora o rendimento e a precisão do diagnóstico [118]. Em estudos de tomografia computadorizada, lesões arredondadas isodensas ou hipodensas com parede fina e lisa foram observadas após a administração intravenosa de meio de contraste e lesões calcificadas com parede espessa ou dot-like foram observadas após tratamento médico. Na toxoplasmose do SNC, aproximadamente 75% das lesões são múltiplas e os gânglios da base são o local mais proeminente para induzir nódulos. Na toxoplasmose congênita, as tomografias computadorizadas podem demonstrar hidrocefalia difusa e calcificações cerebrais associadas a calcificações múltiplas, irregulares, nodulares, semelhantes a cistos nas áreas periventriculares e no plexo coroide. A ressonância magnética é mais adequada para a determinação da extensão do dano e melhorou a capacidade de distinguir entre diferentes lesões do SNC. Brightbill et ai. relataram que a hiperintensidade ponderada em T2 pode estar patologicamente relacionada à encefalite necrosante, enquanto a isointensidade ponderada em T2 está associada a abscessos em organização. de imagem nuclear, como tomografia por emissão de pósitrons com fluorodesoxiglicose (FDG-PET), cloreto de tálus (201Tl) e tecnécio-99 m (99mTc) sestamibi (MIBI) mostraram características promissoras para distinguir a toxoplasmose do SNC do linfoma do SNC em pacientes HIV-positivos, embora sejam necessárias mais investigações prospectivas para confirmar a capacidade dessas ferramentas de imagem. A US pré-natal pode ser útil para detectar anormalidades cerebrais devido à toxoplasmose congênita [126]. Em uma revisão abrangente [122], Khan afirma que “os achados ultrassonográficos na toxoplasmose congênita incluíram ventriculomegalia simétrica, densidades periventriculares e hepáticas/esplênicas intracranianas, destruição focal do tecido cerebral relacionada ao aumento da cisterna ou ventrículo vizinho, calcificação ocular, microftalmia , bandas metafisárias, irregularidade da borda metafisária da placa de crescimento, ascite fetal e aumento da espessura placentária”. A US pós-natal pode ser usada para monitorar o tamanho ventricular em bebês de até 18 meses de idade. Em pacientes adultos, a US abdominal pode revelar hepatoesplenomegalia e linfadenopatia abdominal por toxoplasmose. A toxoplasmose ocular pode ser diagnosticada por achados clínicos como acuidade visual, pressão intraocular, biomicroscopia e oftalmoscopia indireta [129]. Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 16 Embora técnicas de imagem como autofluorescência de fundo de olho (FAF), oftalmoscopia confocal de varredura a laser (CSLO), tomografia óptica coerente (OCT), angiografia fluorescente (AF), ultrassonografia e angiografia com verde de indocianina (ICG) possam ser úteis para seu diagnóstico e tratamento de complicações que incluem edema macular, descolamentos de retina, neovascularização da retina, oclusão vascular, atrofia do nervo óptico, lesões vitreorretinianas, glaucoma e catarata. Tratamento O tratamento da toxoplasmose normalmente inclui combinações de dois antimicrobianos, na maioria das vezes inibidores da diidrofolato redutase (DHFR) (pirimetamina e trimetoprima) e diidropteroato sintetase (sulfonamidas, como sulfadiazina, sulfametoxazol e sulfadoxina),que bloqueiam a síntese de ácido fólico. A pirimetamina, um inibidor chave de DHFR, parece ser o fármaco mais eficaz contra o T. gondii e é a base para regimes eficazes. Estes incluem pirimetamina-sulfadiazina (pir- sulf), o padrão-ouro contra o qual outros regimes são medidos, e pirimetamina combinada com clindamicina, atovaquona, claritromicina ou azitromicina. Outros regimes incluem trimetoprima, outro inibidor de DHFR, em combinação com sulfametoxazol (TMP-SMX; também conhecido como cotrimoxazol) e atovaquona isoladamente ou em combinação com sulfadiazina. Infelizmente, todas as drogas utilizadas na prática clínica são apenas ativas contra o estágio de taquizoítos do parasita e não demonstram atividade contra cistos contendo bradizoítos, o estágio latente do parasita. Curiosamente, a resistência às drogas atualmente utilizadas não foi descrita como um problema clínico. Como a espiramicina não é tóxica e não atravessa a placenta, ainda é usada profilaticamente em gestantes para prevenir a transmissão materno-fetal do parasita. Este quimioterápico atua inibindo a síntese proteica do parasito e é ainda, capaz de atravessar a barreira transplacentária atuando na redução da transmissão materno-fetal. Similarmente como a maioria das drogas anti-T. gondii, a espiramicina atua somente nas formas taquizoíto do parasito e apesar de reduzir a frequência da transmissão, esse quimioterápico não altera a patologia da infecção fetal. Assim, as drogas que atuam contra esse estágio terão que direcionar processos metabólicos essenciais que ocorrem dentro desse estado semi-adormecido ou bloquear a emergência e reinvasão de bradizoítos, que dão origem a ondas sequenciais de cistos teciduais. Vários candidatos pré-clínicos promissores foram identificados em estudos recentes. Compostos de quinolonas, que atuam no complexo mitocondrial bc1, reduzem a carga de cistos em camundongos cronicamente infectados. O principal desafio com este andaime químico é a baixa solubilidade, que recentemente foi parcialmente abordada usando pró-drogas esterificadas ou derivados de tetrahidroquinolona. O medicamento guanabenz aprovado pela FDA também reduz a carga de cistos teciduais em camundongos cronicamente infectados. Estudos recentes com inibidores da proteína quinase 1 dependente de cálcio (CDPK1) mostram-se promissores não apenas para reduzir a carga de cistos, mas eliminar completamente a infecção crônica em um modelo de camundongo imunocomprometido, embora com eficácia modesta. Apesar das limitações atuais, existe a promessa de que uma dessas abordagens possa levar a uma terapia para curar infecções crônicas em humanos. Considerações finais Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 17 Avanços marcantes no controle de diversas doenças infecciosas causadas por protozoários parasitas ocorreram nas últimas décadas, principalmente aqueles que passam parte de seu ciclo de vida dentro das células hospedeiras. Apesar disso, o controle epidemiológico e o desenvolvimento de novos quimioterápicos com baixa toxicidade e alta especificidade continuam a constituir grandes desafios. Algumas dessas doenças são restritas a áreas específicas do mundo, como é o caso da doença de Chagas. Outras, como a toxoplasmose, estão amplamente distribuídas pelo mundo. De fato, T. gondii, um membro do filo Apicomplexa, desenvolveu a capacidade de infectar quase qualquer tipo de célula de mamíferos e aves. Nos EUA, estimou-se que 11% da população com seis anos de idade ou mais já foi infectada pelo T. gondii. Em vários países do mundo, foi demonstrado que mais de 60% das pessoas foram infectadas com T. gondii. Em algumas áreas geográficas (por exemplo, Brasil), até 60% da população é soropositiva para antígenos de T. gondii. As condições ambientais e os hábitos alimentares podem afetar as taxas de infecção. Por exemplo, a ingestão de carne crua ou mal cozida está associada à transmissão de T. gondii, e carne de porco e ovelha são mais propensas a conter cistos teciduais do que bovinos. A contaminação por oocistos excretados com fezes de gato não envolve necessariamente o contato com o próprio gato. Gatos de estimação estão menos sujeitos a se contaminar (e produzir oocistos) do que gatos que vivem na rua ou em áreas rurais. O gênero Toxoplasma contém apenas uma espécie, T. gondii, que pode ser agrupada em genótipos (tipos I, II e III, XII e os haplótipos X e A). Alguns são restritos a animais selvagens. Referências Dubey, J. P. Toxoplasmosis of animals and humans (CRC, 2010). Attias, M., Teixeira, D.E., Benchimol, M. et al. The life-cycle of Toxoplasma gondiireviewed using animations. Parasites Vectors 13, 588 (2020). https://doi.org/10.1186/s13071-020-04445-z Rostami, A., Karanis, P. & Fallahi, S. Advances in serological, imaging techniques and molecular diagnosis of Toxoplasma gondii infection. Infection 46, 303–315 (2018). https://doi.org/10.1007/s15010-017-1111-3 Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 18 DOENÇA DE CHAGAS Introdução Os triatomíneos são insetos pertencentes a família Triatominae com uma ampla diversidade intraespecífica contando 157 espécies e 2 subespécies, distribuídas em 18 gêneros, sendo o triatomíneo mais conhecido o barbeiro, vetor de transmissão da Doença de Chagas. A doença de Chagas (DC), ou tripanossomíase americana, é uma doença tropical negligenciada encontrada principalmente em 21 países da América Latina, onde é principalmente transmitida por vetores, mais especificamente por membros da subfamília Triatominae (Hemiptera, Reduviidae). Os triatomíneos ou barbeiros são insetos hematófagos que têm o hábito de defecar durante ou após o repasto sanguíneo – se infectados com T. cruzi, liberam o parasita nas fezes/urina. Estima-se que 8 milhões de pessoas estejam infectadas em todo o mundo, e mais de 65 milhões de pessoas em risco de adquirir a doença, que causa mais de 12.000 mortes por ano, sendo o controle vetorial o método mais útil para prevenir novas infecções. A infecção tem duas fases sucessivas. A fase aguda é caracterizada por alta parasitemia, geralmente assintomática ou oligossintomática com febre, anorexia e taquicardia. Essas manifestações desaparecem espontaneamente em 90% dos casos, e possivelmente 60-70% dos indivíduos infectados nunca desenvolverão sinais ou sintomas relacionados à DC, caracterizando a forma indeterminada. Os demais pacientes podem evoluir para a fase crônica com queixas clínicas neurológicas, cardíacas, digestivas (megacólon ou megaesôfago) ou cardiodigestivas. A cardiomiopatia chagásica crônica (CCC) é a manifestação mais grave da doença, acometendo um terço dos indivíduos com sorologia positiva.A limitação das estratégias terapêuticas tem sido um dos maiores desafios no combate à DC. Nifurtimox e benzonidazol, desenvolvidos na década de 1970, ainda são as únicas opções comerciais com eficácia estabelecida na DC. No entanto, a eficácia dessas drogas tem eficácia comprovada apenas durante a infecção precoce e os benefícios na fase crônica são questionáveis. Consequentemente, há uma necessidade crescente de novas alternativas farmacológicas, seja pela otimização de medicamentos existentes ou pela formulação de novos compostos. Histórico Em 1909 foi descoberta a doença de Chagas pelo médico e cientista brasileiro Carlos Ribeiro Justiniano das Chagas, o então pesquisador assistente do instituto Oswaldo Cruz, nesse mesmo ano se mudou para a cidade de Lassance, interior de Minas Gerais em busca do combate à malária. Foi então nessa pesquisa que ele acabou encontrando um flagelado de mico o qual denominou Trypanosoma minasense e indo a fundo nessa pesquisa encontrou um Trypanosoma diferente do anterior só que dessa vez em barbeiros e denominou esse protozoário de Trypanosoma cruzi em homenagem a Oswaldo Cruz, e desta forma descobriuuma nova doença humana, a chamada doença de Chagas. O CD recebeu esse nome em homenagem ao seu descobridor, Carlos Ribeiro Justiniano Chagas, que nasceu em uma fazenda de café em Oliveira, Minas Gerais, no Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 19 Brasil, em 9 de julho de 1878. Chagas formou-se em Medicina em 1903 e foi convidado por Oswaldo Cruz para trabalhar como médico no Ministério da Saúde Pública e Higiene do Brasil, onde aplicou pela primeira vez o controle vetorial intradomiciliar contra a malária. Devido ao sucesso em seu trabalho, Chagas tornou-se membro da Academia Nacional de Medicina do Brasil e recebeu diversos prêmios e títulos de instituições de Paris, Bélgica, Lima e Estados Unidos, incluindo Doutor Honoris Causa da Universidade de Harvard. Além de Chagas ter sido indicado duas vezes ao Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia (1913 e 1921), mas por motivos pouco claros, nunca foi premiado. Algumas evidências apontam para uma oposição política a Chagas no Brasil, devido ao caráter socioeconômico da doença. Além disso, pesquisadores da Europa não aceitaram essa descoberta incomum, e a doença de Chagas ainda não era completamente compreendida em 1912. Em 1921, embora Chagas tivesse estabelecido as principais características da nova doença e publicado em um periódico relevante da época, surpreendentemente não havia nenhum relatório escrito sobre a avaliação de Chagas no Comitê Nobel do Instituto Karolinska, e nenhum cientista recebeu o prêmio naquele ano. Dirigiu o Instituto Oswaldo Cruz por 17 anos (de 1917 até sua morte em 1934) e coordenou uma campanha contra a epidemia de gripe espanhola no Brasil (1918). Em 14 de fevereiro de 1909, Chagas consultou um paciente que seria o primeiro caso de DC descrito na literatura: uma criança de 2 anos, Berenice, que apresentava febre alta, hepatoesplenomegalia, edema de face e presença de parasita no sangue. Berenice permaneceu assintomática ao longo de sua vida e morreu aos 73 anos por outras causas. A partir daí, intensificou-se a investigação da DC na América Latina, com os primeiros relatos da doença em 1913 em El Salvador; em 1919 no Peru (19) e na Venezuela; em 1922 na Costa Rica; em 1924 no Paraguai; em 1933 na Guatemala; em 1937 no Chile; em 1938 no México; em 1942 na Bolívia; em 1947 na Colômbia; em 1949 na Nicarágua e na Argentina; e 1960 em Honduras. Mais recentemente, o DNA do T. cruzi foi encontrado em múmias do Chile/Peru e do Brasil, datando de 7.050 anos a.C. e 2.500–5.000 anos a.C., respectivamente, demonstrando que a doença existe na América Latina há mais de 9.000 anos. Apesar de datar do período pré-colombiano, a DC não foi mencionada antes de 1909, o que torna as descobertas de Carlos Chagas uma conquista única na história da parasitologia e da medicina. Só ele descreveu as características mais importantes de uma nova doença tropical: o vetor, o patógeno e seus diferentes estágios de desenvolvimento, os hospedeiros, bem como suas manifestações clínicas, epidemiologia e até a profilaxia da doença. As linhagens ancestrais de Trypanosoma cruzi provavelmente foram introduzidas na América do Sul por meio de morcegos cerca de 7 a 10 milhões de anos atrás. A evidência mais antiga de infecção por T. cruzi veio da detecção de DNA do parasita em uma múmia Chinchorro de 9.000 anos da área costeira do Deserto do Atacama. Foi levantada a hipótese de que os Chinchorros que costumavam ter um estilo de vida nômade participam do ciclo silvestre do T. cruzi. Gradualmente, após sua colonização, surgiu um ciclo doméstico de transmissão do T. cruzi , facilitado pela capacidade dos vetores de se adaptarem facilmente a vegetação mais aberta. Além disso, achados históricos sugerem que muitas culturas pré-hispânicas estavam em contato próximo com insetos vetores triatomíneos em suas residências antes da chegada dos conquistadores europeus à América do Sul, América Central e México. Desde o início do século XVI, há evidências de que a DC estava presente na América Latina, afetando tanto os indígenas quanto os viajantes europeus. Alguns séculos depois, em 1908, durante uma campanha contra a malária em apoio à construção de uma ferrovia no estado de Minas Gerais (Brasil), um Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 20 engenheiro ferroviário alertou Carlos Chagas sobre grandes insetos hematófagos que viviam nas residências locais e mordeu as pessoas adormecidas preferencialmente no rosto. Em seguida, Chagas os dissecou e encontrou numerosos tripanossomas em seu intestino posterior . Naquela época, os ciclos de transmissão do T. cruzi eram restritos ao ambiente silvestre, sendo inicialmente um fenômeno enzoótico, mas devido ao êxodo rural, desmatamento e urbanização, a DC tornou-se uma antropozoonose. Após sua descoberta, a DC permaneceu por muitas décadas como uma doença exclusivamente rural associada a aspectos sociais da pobreza em áreas da América Latina (40). De fato, a DC sempre esteve associada a regiões com graves deformações políticas, instabilidade econômica, analfabetismo e cabanas miseráveis (82). A área endêmica clássica da DC abrange desde a região sul dos EUA até o norte da Argentina e Chile, compreendendo 21 países (Argentina, Belize, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guiana Francesa, Guatemala , Guiana, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela) (40). Nesta área, cerca de 6 milhões de pessoas são afetadas, ocorrendo aproximadamente 28.000 novos casos de DC e 12.000 óbitos por ano (4). A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) estima que 65 milhões de pessoas vivem em áreas de exposição. A assunção do controle vetorial como o método mais eficaz para prevenir a transmissão do T. cruzi em áreas endêmicas motivou, em 1991, o estabelecimento da “Iniciativa Cone Sul”. Esta iniciativa foi um programa multinacional nos países do Cone Sul (Argentina, Brasil, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai) que visava a eliminação do Triatoma infestans. Nos anos seguintes, programas semelhantes também foram criados em áreas endêmicas como a “Iniciativa dos Países Andinos” (1997), “Iniciativa da América Central e México” (1998) e “Iniciativa dos Países Amazônicos” (2004). Como consequência desses programas, observou-se uma diminuição acentuada no número de casos transmitidos pelo vetor, o que também contribuiu indiretamente para a redução das infecções por hemotransfusão e via materno-fetal. No entanto, devido ao desequilíbrio causado por alterações ambientais e de biodiversidade associadas à presença de atividades humanas próximas ao ciclo silvestre do T. cruzi, a transmissão oral tem surgido em áreas altamente endêmicas como a Bacia Amazônica e também em regiões onde os triatomíneos domésticos e o controle peridoméstico tem sido eficaz. Dois surtos de origem alimentar ocorreram no Brasil, um em 2005 no estado de Santa Catarina (área com controle de vetores), quando 24 pessoas foram infectadas após ingerirem caldo de cana contaminado com T. cruzi; e outro em 2006, no estado do Pará (área de alta endemicidade), com 178 casos de doença aguda após ingestão de açaí contaminado. Epidemiologia A doença de Chagas (DC) é uma antropozoonose causada pelo protozoário parasita Trypanosoma cruzi, que afeta cerca de 6 a 8 milhões de pessoas em todo o mundo e causa aproximadamente 50.000 mortes por ano. Outros 65–100 milhões de pessoas vivem em áreas de risco de infecção em todo o mundo. Embora mais de um século tenha se passado desde sua descoberta, a DC continua sendo um dos principais problemas de saúde pública para a maioria dos países da América Latina. Nas últimas décadas, a DC também tem sido uma preocupação para locais não endêmicos como Canadá, EUA, Europa, Austrália e Japão devido à constante migração de indivíduos de áreas endêmicas Materialpublicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 21 A Doença de Chagas é uma infecção tropical de grande importância no mundo, com alto impacto social e econômico, principalmente nas áreas endêmicas. Estima-se que são gastos US$ 627,5 milhões por ano em custos de saúde. De acordo com estimativas da Organização Mundial da Saúde, o número de pessoas infectadas em escala global ascende de 7 para 8 milhões. No Brasil, a doença de Chagas continua sendo até hoje um grande problema atingindo cerca de 3 milhões de indivíduos em suas diversas classes sociais. A forma indeterminada da doença é encontrada em 60 a 70% dos pacientes com Doença de Chagas. Destes, de 20 a 30% evoluem para a cardiomiopatia chagásica crônica mais frequente entre os pacientes com sinais clínicos e a maior causa de mortalidade, responsável por 10% das mortes em adultos nas regiões endêmicas. Dos pacientes chagásicos, de 5 a 10% desenvolvem síndromes digestivas, sendo no Brasil a prevalência variando de 2 a 8,8%. Nos pacientes imunodeprimidos, em especial aqueles HIV+, de 25 a 44% apresentam algum tipo de comprometimento cardíaco e em 75 a 80% reporta-se o acometimento do sistema nervoso central. A infecção congênita pode ocorrer em 71% dos recém-nascidos de mães em fase aguda. No Brasil, 1,09% das bolsas de sangue são descartadas devido à sorologia positiva para T. cruzi. Classificação taxonômica Os triatomíneos estão taxonomicamente classificados no Reino Animalia, Filo Arthropoda, Classe Insecta, Ordem Hemíptera, Família Reduvinidae, subfamília Triatominae (Jadel 1909). Destas incluem 6 tribos distribuídas em 18 gêneros. As relações taxonômicas do grupo ainda não estão totalmente resolvidas, alguns estudos demonstram que o clado é monofilético, outros, polifilético; ou ainda parafilético. Por sua vez, o agente etiológico da doença de Chagas, o parasito flagelado pertence ao Reino Protista, Filo Apicomplexa, Classe Kinetoplasma, Ordem Trypanosomatida, Família Tryponomatidae, Gênero Trypanossoma, espécie T. cruzi. O T. cruzi é politípico, com duas subespécies reconhecidas: Trypanosoma cruzi cruzi, agente da doença de Chagas, e o Trypanosoma cruzi marinkellei, encontrado apenas em morcegos no Continente americano. Aspectos morfológicos Em uma revisão recente da literatura Vinicius Paiva e colaboradores (2022), reuniram e publicaram no periódico internacional “The lancet” evidências que apoiam a ideia de que os triatomíneos evoluíram e que há pequenas alterações morfológicas entre populações de uma mesma espécie. Atualmente, em vários países das Américas, várias espécies de vetores são encontradas naturalmente infectadas com T. cruzi. Os triatomíneos são vulgarmente chamados de barbeiros devido ao fato de geralmente picarem a face. Outros nomes populares incluem: chupões, bicudos, procotós, vum-vum, chupança. Em geral, têm tamanho entre 2 e 3 cm, mas podem variar de 0,5 a 4,5 cm de comprimento. Os barbeiros têm desenvolvimento hemimetabólico, isto é, as formas jovens são parecidas às adultas. Em geral são insetos lentos, pouco agressivos e de pouca mobilidade espacial. Podem viver tanto em ambiente silvestre como em domicílios e áreas circundantes (pe- ridomicílios), alguns sendo exclusivamente silvestres Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 22 A cabeça dos barbeiros geralmente é longa, os olhos são bem desenvolvidos e um par de ocelos está presente. Na cabeça ainda se insere um par de antenas, com função sensorial (olfato e audição), constituídas por quatro artículos. Na base da antena há uma peça chamada tubérculo antenífero, que é de grande importância na diferenciação dos três gêneros de maior importância para o homem, por incluírem espécies associa- das a domicílios (Panstrongylus (antenas encontram-se inseridas junto à margem anterior dos olhos), Rhodnius(antenas apresentam-se no ápice da cabeça) e Triatoma (antenas inserem-se aproximadamente na metade da distância entre o ápice da cabeça e a margem anterior dos olhos). Outras estruturas na cabeça podem apresentar forma, tamanho e coloração diferentes, constituindo-se de importância na identificação das espécies através das chaves pictóricas. A coloração geral do corpo é negra ou marrom com manchas amarela- das, alaranjadas, amarronzadas ou avermelhadas. O tórax é composto por três segmentos: protórax, mesotórax e metatórax. A parte dorsal de cada segmento é chamada de noto; assim, no primeiro segmento existe o pronoto, muito importante na identificação. Na porção dorsal do tórax é possível observar uma estrutura triangular, denominada escutelo, que se alonga por sobre os primeiros segmentos abdominais. Cada par de pernas se insere em um segmento do tórax. A perna é constituída de coxa, trocânter, fêmur, tíbia e tarso, este dividido em vários artículos, chamados tarsômeros. No tórax também se inserem os dois pares de asas, sendo as anteriores metade coriácea e metade membranosa (hemiélitros) e as posteriores inteiramente membranosas. O abdome dos barbeiros é achatado dorso-ventralmente e, quando as asas estão em repouso, pode-se ver uma borda, chamada conexivo. Em geral, o conexivo apresenta manchas, as quais são muito importantes para a identificação das espécies. Entre as faces dorsal e ventral do conexivo pode existir uma membrana que permite uma maior dilatação do abdômen durante a alimentação A distinção dos sexos é feita observando-se a parte posterior do abdome que, em vista dorsal, é contínua nos machos e chanfrada nas fêmeas, onde está o ovipositor. O dimorfismo sexual está presente, ou seja, as fêmeas são sempre maiores que os machos da mesma espécie, além disso, as fêmeas apresentam o ápice do abdômen pontudo devido à presença do ovipositor, enquanto que nos machos o ápice é arredondado Os barbeiros sofrem cinco mudas, apresentando cinco estádios de ninfa. Os jovens são semelhantes aos adultos, com exceção das asas e genitália, que não se apresentam totalmente desenvolvidas, e da ausência dos ocelos. Os ovos dos triatomíneos apresentam uma variabilidade na forma, desde quase esférica em Panstrongylus geniculatus até cilíndrica em Psammolestes arthuri, e no tamanho com comprimento médio de 0,96mm em Alberprosenia malheroi, a 4,01mm em Dipetalogaster. apresenta uma borda corial, e o opérculo a borda opercular. Entre ambas, está a goteira espermática onde estão localizadas as micrópilas e logo acima as aerópilas, de menor tamanho, porém mais numerosas. Diversos estudos mostram que de acordo com o gênero, os ovos podem apresentar estruturas como colo ou colarinho e achatamento lateral, bem como uma arquitetura exocorial que pode variar desde células hexagonais infundibuliformes a células poligonais, neste caso apresentando uma ornamentação constituída de perfurações. Aspectos morfológicos do T. cruzi Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 23 O T.cruzi possui organelas, que normalmente são encontradas em células eucarióticas, e algumas outras estruturas que lhe são próprias. Quando analisada ao microscópio eletrônico de transmissão a superfície de todas as formas evolutivas do T. cruzi apresenta um discreto glicocálice com aproximadamente 7 nm de espessura. Este glicocálice é na realidade constituído pelos carboidratos que se projetam para o lado externo da célula e que estão associados às proteínas periféricas ou integrais, formando as glicoproteínas e aos lipídios, formando os glicolipídeos. O estudo da superfície usando a técnica do “fracture-flip” mostra que a superfície da forma epimastigota é bastante lisa, exceto na região mais especializada do citóstoma , quando comparada à superfície das formas amastigota e tripomastigotas que apresentam, pela mesma técnica, uma superfície mais rugosa. As diferenças morfológicas entre a superfície das formas epimastigotas e tripomastigotasvista pela técnica do “fracture-flip” possivelmente refletem diferenças na dimensão das mucinas uma vez que as mucinas ancoradas por GPI em tripomastigotas são maiores do que as encontradas em epimastigotas. Como em todas as células, a membrana plasmática do T. cruzi apresenta uma bicamada lipídica à qual, proteínas de diferente natureza encontram-se associadas em diferentes graus. A presença de proteínas na membrana plasmática do T. cruzi tem sido analisada por técnicas estruturais e bioquímicas. Com a utilização de técnicas estruturais como criofratura foi possível mostrar que existem vários domínios na membrana plasmática que envolve o T. cruzi bem como nos outros tripanosomatídeos e que existem significativas diferenças entre as várias formas evolutivas. As imagens obtidas com a técnica da criofratura convencional mostram as proteínas integrais de membrana que aparecem ao microscópio eletrônico de transmissão na forma de pequenas partículas que foram denominadas partículas intramembranosas. Foi possível com esta técnica mostrar que a membrana que reveste as formas epimastigotas é muito mais rica em proteínas integrais do que a que reveste a forma amastigota e esta é maior que a que reveste a forma tripomastigota. Por outro lado, áreas especiais de membrana, que apresentam características diferentes daquela que reveste o corpo celular, foram encontradas (Figura 5). A membrana que reveste o flagelo é muito pobre em partículas intramembranosas, exceto na região da base do flagelo, onde existe uma aglomeração de partículas dando origem a uma estrutura denominada colar ciliar, e nas áreas de adesão do flagelo ao corpo celular, onde partículas assumem uma organização linear configurando uma área de junção do flagelo ao corpo celular. Esta junção envolve a organização de partículas intramembranosas encontradas na membrana flagelar nas formas epimastigotas (Figura 5) e tanto na membrana flagelar como na que reveste o corpo celular no caso da forma tripomastigota sugerindo uma adesão muito mais eficiente nesta última forma evolutiva. Até o momento as proteínas juncionais não foram caracterizadas. No entanto, uma série de proteínas de alto peso molecular e que são altamente antigênicas têm sido identificadas por métodos imunocitoquímicos na região de adesão do flagelo ao corpo celular que recebeu a denominação de zona de adesão flagelar ou FAZ (“flagellar adhesion zone”). Uma outra proteína bem caracterizada e que parece estar envolvida na adesão flagelo- corpo da forma epimastigota é uma glicoproteína de 72 kDa, conhecida como Gp 72. O “knock out” do gene que codifica esta proteína levou ao aparecimento de uma forma onde o flagelo não permanece associado ao corpo celular. Esta situação foi posteriormente revertida pela introdução do gene, via transfecção. Utilizando esta modalidade de microscopia, análises tridimensionais do complexo citóstoma-citofaringe de T. cruzi mostraram pela primeira vez que nas formas Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 24 epimastigotas este complexo é circundado por um conjunto de sete microtúbulos e que se dispõem em formato de “calha” ao redor da citofaringe. Além disso, foi possível observar vesículas alinhadas próximas a região livre da citofaringe, o que é um indicativo de fusão ou brotamento de vesículas nesta invaginação. Os quatro principais componentes do citoesqueleto de células, (i) microtúbulos, (ii) filamentos espessos, (iii) filamentos intermediáriose (iv) microfilamentos, desempenham papel importante na manutenção da forma de células eucarióticas, movimentos da célula, movimentos intracelulares, controle da mobilidade de componentes da membrana, etc. Os estudos relativos ao citoesqueleto do T. cruzi ainda são incipientes. Praticamente nada se conhece sobre filamentos espessos e intermediários. Microfilamentos ainda não foram identificados, apesar de um grande número de estudos estruturais realizados. No entanto actina, o componente principal dos microfilamentos, já foi identificada em T. cruzi tanto por microscopia de imunofluorescência como em estudos bioquímicos. Já os microtúbulos têm sido estudados em mais detalhe e representam o principal componente do citoesqueleto dos tripanosomatídeos. O T. cruzi possui diversas estruturas do citoesqueleto e estruturas relacionadas a ele que são essenciais para a biologia do protozoário, tais como a camada de microtúbulos subpeliculares (SPMT) que são microtúbulos estáveis responsáveis pelo formato celular característico dos tripanosomatídeos, pois formam uma espécie de arcabouço com arranjo helicoidal que fica localizada logo abaixo da membrana plasmática (Figura 6). Os microtúbulos subpeliculares são resistentes a baixas temperaturas e não sofrem despolimerização expressiva quando tratados com potentes desestabilizadores de microtúbulos de mamíferos, apesar de não serem insensíveis a estas drogas.Acredita-se que a membrana plasmática e os microtúbulos subpeliculares formem uma unidade estrutural e funcional, o periplasto, responsável pela manutenção do formato característico da célula e por todas as atividades que competem à interface entre o protozoário e o meio externo. Uma estrutura importante nos tripanosomatídeos é o flagelo, único, que emerge do corpo a partir de uma invaginação da membrana plasmática denominada bolsa flagelar. A extremidade da célula a partir da qual o flagelo torna-se livre do corpo é a extremidade anterior. Na forma amastigota o flagelo é muito curto, muitas vezes permanecendo no interior da bolsa flagelar, razão pelo qual às vezes não é visto no microscópio óptico, o que levou à criação do termo amastigota (sem flagelo) para erroneamente designar a forma intracelular multiplicativa do T. cruzi e de Leishmania. O axonema do flagelo é formado pelo arranjo padrão de nove pares de microtúbulos periféricos e um par central. O flagelo encontra-se intimamente associado a um corpúsculo basal, estrutura firmemente associada ao citoplasma da célula e que se caracteriza por apresentar nove “triplets” periféricos de microtúbulos (Figura 7). Um fato interessante é que o corpúsculo basal dos tripanosomatídeos possui pequenos filamentos que o une ao cinetoplasto (região da mitocôndria onde está confinado o DNA mitocondrial) e mantém o cinetoplasto perpendicular ao eixo do flagelo O flagelo dos tripanosomatídeos é mantido aderido ao corpo celular do protozoário pela FAZ- zona de adesão flagelar (Flagellar Attachment Zone). Alguns estudos utilizaram experimentos que possibilitam deletar genes e assim impedir a tradução de determinadas proteínas de interesse. Ao deletarem as proteínas da FAZ geraram parasitas com defeitos Material publicado e disponível em:https://www.passeidireto.com/arquivo/114317012/parasito 25 na morfogênese do flagelo e com endocitose deficiente. Um fato interessante é que o corpúsculo basal dos tripanosomatídeos possui pequenos filamentos que o une ao cinetoplasto (região da mitocôndria onde está confinado o DNA mitocondrial) e mantém o cinetoplasto perpendicular ao eixo do flagelo O movimento do flagelo se dá graças a um processo de deslizamento entre os microtúbulos do axonema, com participação de uma proteína especial com atividade ATPásica, chamada de cinesina. De modo geral, o início de uma onda que se propaga ao longo do flagelo ocorre em uma das extremidades. Se a onda tem início na ponta do flagelo e se propaga em direção à base, a célula se movimenta para frente e dizemos que o flagelo puxa a célula. Quando a onda se inicia na base do flagelo e se propaga para a sua extremidade o movimento se dá no sentido oposto e dizemos que o flagelo empurra a célula. De modo geral, as células eucarióticas flageladas executam apenas um destes movimentos. Já os tripanosomatídeos, no entanto, apresentam a propriedade de apresentar ambos os movimentos, tornando-os extremamente eficientes no direcionamento do seu movimento.
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