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Sociedades 1. Conceito de sociedade Como vimos anteriormente, a empresa pode ser desenvolvida individualmente pela pessoa física, por pessoas jurídicas ou por sociedades, quer tenham ou não personalidade jurídica. A pessoa física que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou para a circulação de bens ou de serviços, ainda que com o auxílio de empregados, é considerada empresário individual (art. 966 do Código Civil). A empresa desempenhada por pessoa jurídica, por outro lado, pode ser desenvolvida por empresas individuais de responsabilidade limitada (art. 980 – A do Código Civil), como já visto. Pode também ser desempenhada por sociedades, as quais poderão ou não ter personalidade jurídica. Conforme art. 44 do Código Civil, entre as pessoas jurídicas de direito privado figuram as sociedades. Essas, entretanto, apenas adquirem personalidade jurídica de direito privado após a inscrição de seus atos constitutivos no respectivo registro (art. 45 do Código Civil). O art. 981 do Código Civil estabelece que celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e para a partilha, entre si, dos resultados. Pela definição legal, compreende-se que a sociedade se constitui por um conjunto de pessoas que se organizam para o desenvolvimento de uma atividade econômica com o intuito de obter lucros. Como conjunto de pessoas, a sociedade se diferencia da fundação. Esta última é a pessoa jurídica formada por um conjunto de bens, destinado, por escritura pública ou testamento, a uma finalidade religiosa, moral, cultural ou de assistência. Embora compartilhe o traço comum de ser composta por um conjunto de pessoas, que se organizam para o desenvolvimento de uma atividade, a sociedade também não se confunde com a associação. A associação identifica a união de pessoas que se organizam para fins não econômicos, como os esportivos, recreativos, sociais. Na associação, não busca o associado a partilha dos resultados do exercício entre os membros que a compõem. Essa característica, todavia, é essencial à sociedade. Nesta, a atividade desenvolvida pela organização de pessoas criada é necessariamente econômica. Os sócios contratam a sociedade para que do resultado da atividade possam auferir dividendos. 2. Evolução histórica da sociedade A existência de sociedades, em sua forma mais arcaica e rudimentar, remonta aos primórdios da civilização. A sociedade é formada como solução a uma carência humana, como meio de suprir a deficiência de um indivíduo, o qual não possuiria isoladamente todas as condições e possibilidades para realizar determinada atividade ou alcançar um específico objetivo. Por essa razão, associa-se a outros indivíduos para que, da comunhão de seus esforços e recursos, consiga obter o fim almejado: satisfazer o interesse comum. Já na Antiguidade romana, as sociedades ocupavam relevância no contexto social. As societates publicanorum , como exemplo, eram constituídas à época para explorarem atividades ligadas ao poder público, como a arrecadação de impostos e a execução de serviços e obras públicas. A constituição de patrimônio próprio separado do patrimônio dos sócios, entretanto, somente começou a se delinear a partir da Idade Média. A concepção de entes coletivos aos quais a lei atribui personalidade jurídica, autônoma em relação à de seus membros, possibilitando-lhes tornarem-se titulares de direitos e sujeitos de obrigações na ordem jurídica, é uma conquista do direito medieval italiano. O direito romano somente regulou os efeitos do contrato de sociedade, não formando um conceito geral de patrimônio separado administrado pelos sócios. As sociedades medievais eram baseadas no vínculo sanguíneo, com o escopo de possibilitar aos herdeiros prosseguirem com os negócios do falecido, viabilizando à coletividade familiar a exploração em comum dos bens hereditários, que eram indivisíveis. Estruturavam-se na comunhão dos que moravam na mesma casa, dos que se sentavam ao redor da mesma mesa e comiam do mesmo pão – por isso companhia, cum panem –, como símbolos da filiação de um indivíduo a uma família. A partir do ano 1000, o fim das invasões bárbaras proporcionou a retomada do crescimento demográfico, o que, aliado ao retorno do tráfico marítimo e do comércio de bens com o Oriente, que reintroduziu o uso do dinheiro como forma de negociação, provocou a migração de colonos feudais para os novos centros de trocas, as cidades. Visando ao auxílio recíproco e ao aumento de poder para contrapor-se ao bispo ou conde que regia a cidade, esses novos cidadãos passaram a se associar, formando as denominadas societates, conjurationes ou fraternitates . A pouca disseminação da cultura na estrutura feudal, no entanto, fez com que as associações dos antigos servos da gleba se estruturassem nos mesmos princípios consuetudinários vigentes até então. O vínculo volitivo sucede assim o sanguíneo, mas as sociedades formadas entre artesãos e mercadores continuaram a se basear na forma consagrada das associações familiares ou parentais. A solidariedade pelos atos realizados por um sócio, logo, não podia se fundar mais na indivisibilidade do patrimônio, passando a se basear na utilidade comum a que eram endereçados os atos. Em outras palavras, qualquer pessoa que frequentasse o mesmo local de trabalho e dividisse as mesmas ferramentas deveria responder pelas obrigações contratadas no interesse do grupo. Apesar de sua origem primitiva poder voltar-se à corresponsabilidade do núcleo familiar, é com o pacto social que a solidariedade se afirma. A solidariedade pressupõe um sujeito unificado e, assim, um vínculo único, não obstante a pluralidade de devedores. Ela decorre da unicidade do vínculo garantido pela destinação do patrimônio. Prevaleceria, então, o vínculo familiar como origem, mas juridicamente passa a ser o contrato de sociedade, com os elementos característicos de manifestação volitiva, o fundamento dos limites dos direitos e das obrigações dos sócios-membros. Com essas características básicas, as Ordenações Francesas de Luiz XIV regularam inicialmente o tipo da sociedade em nome coletivo e, a partir de então, este se difundiu pelo ordenamento jurídico de inúmeros países. Em paralelo ao desenvolvimento histórico das sociedades em nome coletivo, a origem da sociedade em comandita remonta à Idade Média e relaciona-se à proibição canônica à usura, consistente na vedação de empréstimo mediante o pagamento de juros. Ainda que parte dos doutrinadores sustente que a sociedade em comandita teria surgido de alterações na sociedade coletiva, outra parcela sustenta que sua origem pode ser localizada no contrato de commenda . A comenda originalmente era empregada no comércio marítimo e consistia em um contrato em que uma pessoa entregava mercadorias ou dinheiro a um comerciante, que realizaria uma viagem marítima, mediante a partilha dos resultados da expedição. Na viagem marítima, o comerciante realizava negócios em seu nome, empregando o capital ou a mercadoria do capitalista e, no retorno, entregava parte dos lucros obtidos a este. O contrato de commenda passou a se difundir e se desenvolveu inclusive na via terrestre, pois, como quem comercializava não era o capitalista, permitia-se obter lucros pelo emprego do capital a risco, o que não se confundia com a usura e, portanto, não era proibido pela Igreja. A necessidade dos credores sociais de proteger o capital contra os credores particulares dos sócios e de impedir que o sócio capitalista alterasse sua posição como sócio e passasse a ser credor, de modo a excluir sua responsabilidade, impôs a exigência de publicação dos contratos e da indicação das características sociais. Formou-se, assim, o substrato para o desenvolvimento da sociedade em comandita. 3. Ato constitutivo de sociedades A sociedade é constituída como meio de suprir a deficiência de um indivíduo, o qual, por não possuir isoladamente todas as condições e possibilidadespara realizar determinada atividade, associa-se a outros indivíduos. Compõe-se por um conjunto de pessoas que se organizam para o desenvolvimento de uma atividade econômica e para a partilha, entre si, dos resultados. Esse vínculo estabelecido entre as partes para o surgimento da sociedade não foi identificado de maneira incontroversa pela doutrina. Diversas foram as teorias construídas para elucidar a natureza do ato constitutivo de sociedade. Podem ser apontadas a teoria do contrato bilateral, a teoria do ato coletivo ou complexo, a teoria do ato de fundação e a teoria eclética. A primeira teoria a explicar o ato constitutivo de sociedade foi a que se propugnava como contrato bilateral. Ainda hoje a teoria é defendida majoritariamente na França, embora rechaçada nos demais países 63 . A teoria baseava-se no fato de o contrato bilateral ser, historicamente, o modo tradicional de imposição de obrigações e de atribuição de direitos subjetivos entre os particulares. As críticas decorrentes da limitação a duas partes contratantes, bem como da inadequação da aplicação da teoria geral do contrato ao ato constitutivo, como anulabilidade da relação, exceptio inadimpleti contractus , dentre outros, fizeram a teoria ser substituída por diversas outras. Uma segunda teoria é a teoria do ato constitutivo de sociedade como ato coletivo ou complexo. No Brasil, a teoria foi defendida por Valverde, que sustentava que o contrato pressupunha contraposição de interesses, o que não ocorria na constituição da sociedade, cujo objetivo seria harmônico e único entre os sócios. Para o autor, “há uma pluralidade de declarações de vontades paralelas, um concurso de vontades sem dúvida, porém, não um contrato. Trata-se de um ato coletivo unilateral, ou mais corretamente, de um ato complexo” 64 . A constituição da sociedade seria realizada por um conjunto de manifestações de vontade direcionado ao mesmo propósito, a realização de um interesse comum. Para parte de seus adeptos, as diversas manifestações dos sócios declarantes se fundiriam, formando um único ato complexo. Para uma segunda parte, o ato seria coletivo, pois as vontades dos diversos sócios, apesar de agrupadas, permaneceriam distintas. A teoria foi criticada, pois as vontades dos sócios não seriam harmônicas durante o desenvolvimento da atividade. Em crítica à teoria, sustenta-se que os sócios, ao constituírem a sociedade, e mesmo durante o desenvolvimento da atividade corporativa, não apresentam vontades harmônicas. O interesse em receber maiores dividendos da atividade ou obter maior quantidade de poder contraporia os sócios entre si. Uma terceira corrente sustentava o ato constitutivo de sociedade como ato de fundação. Seus postulados eram sustentados por O. Gierke, para quem o ato constitutivo seria um negócio jurídico unilateral que fundaria uma pessoa jurídica. Para a teoria, o ato constitutivo não poderia ser um contrato, pois não haveria a típica criação de direitos e obrigações entre os contratantes. O surgimento de um ente coletivo seria inadequado a ser realizado por um contrato. A pessoa jurídica surgiria como um processo histórico e social, em que o direito apenas a reconheceria. O ato de fundação conceberia uma união organizada de indivíduos, que agiria por meio de seus órgãos sociais e se transformaria em um organismo social. Como o homem, a pessoa jurídica atuaria na sociedade e deveria ser reconhecida pelo direito. Na definição de Mossa, “empresa é o organismo gerado do trabalho e das coisas materiais e imateriais destinada, na comunhão de homens e de capitais, aos escopos da economia social” 65 . A teoria foi criticada, pois equiparava a pessoa jurídica, organismo social, a uma pessoa natural. Por fim, Soprano 66 e Vivante 67 sustentaram uma corrente intermediária, que procurava conciliar as anteriores. A teoria ficou conhecida como corrente eclética. Apregoavam seus adeptos que o ato constitutivo deveria ser concebido como um ato misto. Revestiria a forma de um contrato, na medida em que os sócios figurariam em polos opostos “um de frente ao outro, como em cada outro contrato bilateral e comutativo” 68 . A contraposição seria decorrente de seus interesses não serem harmônicos, na medida em que cada parte deseja auferir maiores benefícios em detrimento das demais. A harmonia, entretanto, ocorreria em razão da cooperação para a busca do lucro individual. Desse modo, os sócios “assumem uma promessa unilateral”. Os sócios realizariam um ato coletivo para a constituição de um ente coletivo. A corrente, entretanto, foi criticada por ser contraditória, ao sustentar que o ato constitutivo seria tanto um contrato como um ato coletivo. O ato constitutivo não poderia ser, ao mesmo tempo, declarações contrapostas de interesses que convergiriam, como o é um contrato, ou um ato coletivo, em que as declarações seriam paralelas e se fundiriam em uma única declaração de vontade. Apesar da controvérsia doutrinária, a doutrina brasileira majoritariamente caracteriza a natureza do ato constitutivo como contrato plurilateral. Defendida primordialmente por T. Ascarelli 69 , essa teoria surge como um aperfeiçoamento da concepção que vislumbrava o ato constitutivo da sociedade como um simples contrato bilateral. No contrato bilateral, cujo exemplo típico é a compra e venda, a relação se restringe a duas partes contratantes, uma em cada polo da relação jurídica. Tal relação linear, entre dois sujeitos que adquirem direitos subjetivos e obrigações recíprocas, acabava por não se coadunar com a realidade atual das sociedades. Na sociedade, os diversos sócios não ocupam dois polos opostos de uma relação. A sociedade é constituída por inúmeros sócios, todos os quais figuram como partes da relação. No contrato plurilateral a relação formada é circular, e não linear. As múltiplas partes dessa relação seriam titulares de direitos e sujeitos de obrigações. Os indivíduos não seriam “agrupados” em um dos dois polos de uma relação linear. Cada sócio seria parte de uma mesma relação e seria interligado com todas as outras partes. A relação, desse modo, seria circular. As partes se obrigariam para com todas as outras e perante todas essas adquiririam direitos. Como consequência da pluralidade de partes, em uma mesma relação circular, a anulabilidade de uma declaração de vontade não invalida toda a relação jurídica. Embora a adesão do membro fique afetada por um vício em seu consentimento, os demais participantes do contrato não são atingidos. O contrato plurilateral é um contrato aberto, em que é permitida a entrada ou saída de partes sem que o contrato seja desconfigurado. Além da quantidade de partes, peculiar no contrato plurilateral é a finalidade instrumental. O fim almejado pelo contrato não se esgota na realização do próprio objeto do contrato, por exemplo a consumação da troca. Na sociedade, o fim almejado pelas partes não se limita à constituição da sociedade, mas também envolve o desenvolvimento da atividade econômica e a busca e repartição de dividendos. Embora, pela teoria, cada sócio tenha um interesse contraposto ao interesse dos demais, como o da maior avaliação dos bens contribuídos, distribuição de maior montante de dividendos e constituições de reservas, a relação se forma em razão de um fim comum que não se identifica com a função típica do contrato. Os sócios se reúnem em decorrência de um interesse comum na obtenção de lucros a serem alcançados mediante o desenvolvimento da atividade econômica pela sociedade. A função do contrato plurilateral, nesses termos, é meramente instrumental. O contrato não se extingue com a realização das obrigações dos contraentes e com a constituição da sociedade. A execução das obrigações é apenas a premissa para o desenvolvimento de uma atividade ulterior, verdadeira finalidade do contrato plurilateral. 4. Elementos do contrato de sociedade Como contrato, o ato constitutivo de sociedade está subordinado aos requisitos gerais de validade exigidos pelo Código Civil a todos os negócios jurídicos.Além desses requisitos gerais, a tipicidade do contrato de sociedade exige elementos específicos, que o diferenciam dos demais tipos contratuais. 4.1 Elementos gerais do contrato A validade do negócio jurídico requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei, conforme art. 104, do Código Civil. 4.1.1 Agente capaz e a possibilidade de sócio incapaz Como já vimos anteriormente no tocante à capacidade do empresário, exige-se deste o pleno gozo da capacidade civil. A impossibilidade de o incapaz ser empresário não o impede de ser sócio de sociedade empresária, desde que devidamente representado ou assistido. Detentora de personalidade jurídica, a sociedade empresária é sujeito de direitos e a pessoa que exerce a própria atividade. A própria pessoa jurídica é a empresária, e não seus sócios. Em razão da responsabilidade, a doutrina sustentava, anteriormente ao Código Civil, que o menor não poderia sequer participar de sociedade limitada como cotista, ainda que o capital social estivesse totalmente integralizado, embora pudesse ser acionista de sociedade anônima, desde que a ação fosse integralizada. Isso porque, com a ação, nenhuma obrigação patrimonial poder-lhe-ia ser imposta. Não ocorreria o mesmo com a quota, já que, ainda que integralizada, o cotista menor poderia ser responsabilizado solidariamente em razão do descumprimento de obrigações por outros cotistas. Para E. L. Teixeira, “há, todavia, uma circunstância que fala em desfavor do ingresso de menores nas sociedades por quotas embora integralmente realizado o capital social. É que na hipótese de os sócios, em maioria, votarem o aumento do capital social sem integralizá-lo imediatamente, o menor encontrar-se-ia em situação insegura, visto como ficaria, em caso de falência, responsável pela integralização das quotas não liberadas. Existindo sempre esse risco, eis que a lei brasileira ao contrário da francesa e da espanhola, por exemplo, não exige a realização imediata de todo o capital social no ato da subscrição ou do aumento, é de rigor afastar os menores das sociedades por quotas, prescrevendo a anulabilidade da sua subscrição. Risco igual existiria na hipótese de o valor atribuído à contribuição in natura de alguns dos sócios não corresponder à realidade e dessa circunstância resultar prejuízo para terceiros” 70 . Contrário ao referido entendimento, J. Eunápio Borges. Para esse autor, “se o capital da sociedade foi integralizado, não vemos motivo para que os menores sejam impedidos de adquirir cotas, seja na qualidade de herdeiros, seja como cessionários. Sua situação é absolutamente a mesma do acionista menor de uma sociedade anônima. E, pelos mesmos motivos já explanados, consideramos arbitrária a pretensão de afastar o menor da sociedade por cotas, limitada, com fundamento nos arts. 308 e 335, n. 4, do Código Comercial” 71 . O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 82.433/SP, Relator Ministro Xavier de Albuquerque, DU 08/07/1976, não acolheu a tese exposta, embora tenha excluído os menores de participarem da administração da sociedade, conforme a ementa: “Sociedade por cotas de responsabilidade limitada. Participação de menores, com capital integralizado e sem poderes de gerência e administração como cotistas – Admissibilidade reconhecida, sem ofensa ao art. 1º do Código Comercial”. Com base no entendimento expresso no Acórdão, o antigo Departamento Nacional de Registro de Comércio (DNRC) emitiu o Ofício Circular n. 22, de 1976, que determinou que “tendo em vista que a jurisprudência é fonte de lei e, como as decisões do STF a tornam exigível em casos análogos, entende o DNRC que, doravante, as Juntas Comerciais devem aceitar e definir os contratos sociais onde figurem menores impúberes, desde que as suas cotas estejam integralizadas e não constem nos contratos sociais atribuições aos mesmos, relativas à gerência e administrações”. Passou a ser permitido, assim, que incapazes figurassem como sócios de sociedade, embora continuasse restrita a possibilidade de lhes serem atribuídos poderes de administração. Esse posicionamento foi mantido pelo Código Civil. Nos termos do art. 974, § 3º, do Código Civil, acrescido pela Lei n. 12.399/2011, o Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais deverá registrar contratos ou alterações contratuais de sociedade que envolva sócio incapaz, desde que o sócio incapaz não exerça a administração da sociedade, o capital social esteja totalmente integralizado e o incapaz esteja assistido ou representado por seus representantes legais. 4.1.2 Sociedade entre cônjuges Antes do Código Civil, controvertia a doutrina sobre a admissibilidade da sociedade entre cônjuges. A controvérsia existia em razão da confusão patrimonial entre os cônjuges. A sociedade entre os cônjuges era admitida “desde que não constitua ela um instrumento de fraude ou de alteração do regime matrimonial visando excluir do marido a direção da sociedade conjugal” 72 . A sociedade entre marido e mulher passou a ser sustentada com o advento da Lei n. 4.121/62, que possibilitou que a responsabilidade pelas obrigações contraídas por apenas um dos cônjuges recaísse apenas sobre os bens particulares do contratante e sobre os comuns até o limite de sua meação. Tornou a lei o patrimônio dos cônjuges separado, ainda que sob o regime da comunhão universal de bens. O Código Civil de 2002, em seu art. 977, reavivou a discussão. Determinou o dispositivo que se faculta aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória. A proibição legal faz revigorar a interpretação anterior ao estatuto da mulher casada. Procurou garantir o regime de bens do casamento, na hipótese da separação obrigatória, por impedir a confusão de bens que poderia ocorrer por meio da sociedade entre os cônjuges. Outrossim, impediu a sociedade na hipótese da comunhão universal diante da inexistência efetiva de dois patrimônios separados dos sócios, o que parecer ser criticável e irrelevante tanto para a garantia de terceiros, quanto para a própria celebração do contrato de sociedade. 4.1.3 Objeto lícito, possível e determinado ou determinável A atividade ulterior a ser desempenhada pela sociedade deve ter conteúdo lícito. Todos os objetos sociais que não contrariem a lei podem ser convencionados no contrato de sociedade. Nesse ponto, determina o art. 35, I, da Lei n. 8.934/94, que as Juntas Comerciais não arquivarão documentos que contenham matéria contrária aos bons costumes ou à ordem pública. Algumas atividades, entretanto, para serem exploradas, necessitam de autorização governamental em razão do interesse público ou da soberania nacional. Embora a Constituição Federal assegure a livre-iniciativa e a liberdade de concorrência entre os agentes econômicos no art. 170, ressalva a possibilidade de autorização de órgãos públicos excepcionalmente para a exploração de determinadas atividades. O Código Civil, em seu art. 1.123, atribui a competência para autorizar a exploração sempre ao Poder Executivo Federal, o qual poderá cassar a autorização concedida a qualquer tempo, se a sociedade infringir disposição de ordem pública ou praticar atos contrários aos fins declarados em seu estatuto. É exemplo de sociedade dependente de autorização as instituições financeiras, que dependerão de prévia autorização do Banco Central do Brasil (art. 18 da Lei n. 4.595/64); as sociedades operadoras de planos privados de assistência à saúde, que dependem de autorização da Agência Nacional de Saúde (ANS); as concessionárias de serviço telefônico, que dependem de autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). 4.1.4 Forma prescrita ou não defesa em lei O ato constitutivo da sociedade não possui forma prescrita em lei. A forma não é essencial ao ato, mas tem função probatória. Na sociedade em comum, os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escritopodem provar a existência da sociedade. Os terceiros podem prová-la por qualquer modo (art. 987 do CC). Nesse ponto, outrossim, a constituição das sociedades em conta de participação independe de qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios de direito (art. 992 do CC). Apenas para obter determinados benefícios legais é que formas solenes são exigidas. Como para a aquisição de personalidade jurídica é necessária a inscrição do ato constitutivo no registro, o contrato de sociedade deve ser celebrado por escrito.
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