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INTRODUÇÃO A complexidade do Sistema Tributário Nacional, a burocracia associada ao processo e as distorções da função econômica do tributo demandam cada vez mais conhecimentos específicos, que contribuem com impactos significativos nos custos e na complexidade das organizações. Quando transportamos essa realidade para o mundo empresarial, a situação fica mais complexa. Existem gestores que não sabem analisar e compreender os princípios básicos dos dispositivos legais e, dessa forma, incorrem em riscos de ordem financeira e fiscal, que muitas vezes são desconhecidos, nas suas decisões. Na disciplina Gestão de Tributos Aplicados a Vendas, abordaremos os principais aspectos do Sistema Tributário Nacional, com destaque para o processo tributário, com abrangência dos principais tributos incidentes sobre o faturamento e o resultado das empresas. Para tanto, contemplaremos: os princípios constitucionais; o fato gerador do tributo; a sua metodologia de cálculo e a sua aplicação na formação de preços. De igual forma, dentro do ambiente competitivo no qual as empresas estão inseridas, destacaremos o impacto econômico do planejamento tributário, como uma importante ferramenta capaz de oferecer suporte nas decisões estratégicas dos gestores. O objetivo geral desta disciplina é contribuir com a análise e a compreensão do Sistema Tributário Nacional, dos seus mecanismos e processos, valendo-se da sua importância para o processo de tomada de decisão dentro das empresas. Os objetivos específicos são: analisar e compreender os conceitos e princípios tributários previstos na Constituição; reconhecer os principais tributos incidentes sobre o faturamento e o resultado das empresas, bem como a sua metodologia de cálculo; estabelecer uma relação entre o planejamento tributário e as tomadas de decisões estratégicas das empresas. Destaca-se ainda que a disciplina dá ênfase aos principais tributos incidentes no mercado em geral e não visa esgotar o assunto, mesmo porque este é inesgotável, uma vez que está em constante renovação por meio de atualização legislativa. Além disso, diferentes setores de atividade possuem elementos específicos que demandam conhecimentos próprios. A fim de alcançar ditos objetivos, a disciplina se desenvolve em quatro módulos. No módulo I, apresentaremos uma visão geral do funcionamento do Sistema Tributário Nacional, os seus principais conceitos e princípios e de como, dentro dos limites legais, pode ser usado como embasamento de uma adequada estratégia de economia tributária. No módulo II, o propósito é analisar as apurações do IRPJ e da CSLL dentro das sistemáticas de tributação do lucro real, lucro presumido e Simples Nacional, como forma de viabilizar a opção mais adequada para as empresas. Já no módulo III, destacaremos as principais características dos tributos diretamente vinculados ao faturamento das empresas – que são: IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS – e demonstraremos a forma de apuração e como devem ser calculados na receita bruta de bens e serviços, além de conhecer a forma de mensuração e aplicação da tributação na formação de preços. Por fim, no módulo IV, objetivamos proporcionar um entendimento dos aspectos societários e tributários, relacionados com os processos de reorganização empresarial, que contribuam para viabilizar alternativas adequadas de constituição empresarial. SUMÁRIO MÓDULO I – ASPECTOS INTRODUTÓRIOS DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL ......................... 7 CONCEITO DE TRIBUTO ..................................................................................................................... 8 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA CONSTITUCIONAL ........................................................................... 10 Destaque da realidade: reconhecimento de novas atividades ......................................... 13 PRINCÍPIOS DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL ...................................................................... 14 Princípio da capacidade contributiva .................................................................................... 16 Princípio da legalidade ............................................................................................................ 16 Princípio da isonomia .............................................................................................................. 16 Princípio da irretroatividade ................................................................................................... 17 Princípio da anterioridade ...................................................................................................... 17 Princípio do não confisco ........................................................................................................ 17 Princípio da transparência dos impostos ............................................................................. 18 Princípio da não cumulatividade do IPI e do ICMS .............................................................. 18 Destaque da realidade: princípio da anterioridade nonagesimal..................................... 18 OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ................................................................................................................ 19 Obrigação principal: tributo e multa ........................................................................................ 20 Obrigação acessória ................................................................................................................ 21 LIMITAÇÕES DA GESTÃO E DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO ................................................... 22 Evasão ou sonegação fiscal .................................................................................................... 24 Elisão fiscal ................................................................................................................................ 24 Elusão fiscal .............................................................................................................................. 24 MÓDULO II – TRIBUTOS INCIDENTES SOBRE O RESULTADO DAS PESSOAS JURÍDICAS .............. 27 IMPOSTO DE RENDA DE PESSOAS JURÍDICAS (IRPJ) .................................................................... 28 CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO (CSLL) ........................................................ 30 SISTEMÁTICAS DE APURAÇÃO ........................................................................................................ 32 Simples Nacional ....................................................................................................................... 33 Lucro presumido ...................................................................................................................... 44 Lucro real .................................................................................................................................. 50 MÓDULO III – TRIBUTOS INCIDENTES SOBRE O FATURAMENTO DAS PESSOAS JURÍDICAS........ 57 IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (IPI) .............................................................. 57 Fato gerador ............................................................................................................................. 58 Base de cálculo ......................................................................................................................... 58 Seletividade ............................................................................................................................... 58 Não cumulatividade ................................................................................................................. 59 Agentes ativo e passivo ........................................................................................................... 59 Alíquotas ................................................................................................................................... 59CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS SOBRE O FATURAMENTO (PIS E COFINS) ........................................ 62 Regime cumulativo .................................................................................................................... 63 Regime não cumulativo........................................................................................................... 65 IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA E SERVIÇOS (ICMS) ...................................... 67 IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS).................................................................................................... 71 CÁLCULO DO PREÇO DE VENDA .................................................................................................... 74 MÓDULO IV – PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO, JURÍDICO E ECONÔMICO ...................................... 77 PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO ......................................................................................................... 77 Simples Nacional ...................................................................................................................... 79 Lucro presumido ...................................................................................................................... 80 Lucro real .................................................................................................................................. 82 ASPECTOS SOCIETÁRIOS ................................................................................................................. 85 Motivação econômico-estratégica ........................................................................................... 85 Motivação de sucessão societária ......................................................................................... 86 Motivação de blindagem patrimonial ................................................................................... 87 Motivação tributária ................................................................................................................ 87 Holding: planejamento patrimonial e familiar ...................................................................... 88 Holding pura .............................................................................................................................. 89 Holding mista ............................................................................................................................ 89 Holding familiar ......................................................................................................................... 90 ASPECTOS TRIBUTÁRIOS ................................................................................................................. 91 Exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins ................................................... 91 Exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da Cofins ....................................................... 92 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................ 95 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................ 96 PROFESSOR-AUTOR ....................................................................................................................... 98 Neste módulo, apresentaremos uma visão geral do funcionamento do Sistema Tributário Nacional, dos seus principais conceitos e princípios e de como, dentro dos limites legais, pode ser usado como embasamento de uma adequada estratégia de economia tributária. É lugar-comum considerar o tributo como responsável por grande parte dos problemas enfrentados pelas empresas. É corrente a referência ao amontoado de normas e regras tributárias, que gera arrecadação crescente e desproporcional, que desafia o setor produtivo, comprometendo os recursos necessários para a sobrevivência e geração de valor nas empresas. Uma inevitável questão, que deriva desse cenário, é: para que servem os tributos? Dentro desse contexto, outros questionamentos encontram lugar, por exemplo: qual é o impacto econômico do tributo? Qual é a justificativa atual para a grande diversidade de tributos? Há limites para a tributação? Esses e outros questionamentos que podem surgir nos colocam enquanto gestores diante de inúmeros fatores que nos desafiam no exercício de analisar e compreender o status jurídico e econômico do nosso Sistema Tributário Nacional. Tal análise não é atribuição exclusiva dos advogados e contadores que militam a causa tributária, mas, sim, e cada vez mais, é papel do gestor ter a consciência e o preparo para os desafios provocados pelo impacto da tributação dentro das empresas. Este módulo vai oferecer o pano de fundo do nosso emaranhado tributário, no objetivo de sintetizar e elucidar os princípios e conceitos que norteiam e justificam a existência e aplicação do fato jurídico tributário. MÓDULO I – ASPECTOS INTRODUTÓRIOS DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL 8 Conceito de tributo A tributação pode ser estudada por diversas abordagens. O economista realizará uma análise funcional com o objetivo de retratar a eficiência econômica do tributo. O advogado tributário buscará descrever e sistematizar o ordenamento jurídico tributário e recomendar formas lícitas para uma tributação menos onerosa. O contador, por sua vez, entre outras competências, estará concentrado em conhecer e cumprir as muitas exigências fiscais e tributárias impostas pelos órgãos reguladores, para garantir a legalidade e conformidade dos registros contábeis que resultarão na arrecadação dos tributos. “Dificilmente se encontrará quem sustente com seriedade o desaparecimento do Estado como forma de organização política. A existência de um Estado implica a busca de recursos financeiros para a sua manutenção” (SCHOUERI, 2019). A partir dessa afirmação, pode-se concluir que um fator principal para a existência da tributação é a presença do Estado. Porém é função precípua deste, no exercício do poder de tributar, respeitar os limites previstos na Constituição Federal, além de promover, por meio das suas decisões e atividades, a estabilidade econômica, o crescimento e o bem-estar social do País, garantindo aos contribuintes, entre outros direitos, o de possuir a capacidade econômica de pagar tributos (ALENCAR, 2018). O tributo como instrumento de arrecadação precisa possuir uma finalidade econômica. Essa finalidade pode ser sintetizada como a função distributiva de renda atribuída ao Estado. Giambiagi e Além (2011) observam que “a função distributiva, como política fiscal do Estado, está associada a ajustes na distribuição da renda que permitam que a distribuição prevalecente seja aquela considerada mais justa pela sociedade”. O conceito de tributo é ambíguo e varia de acordo com diferentes perspectivas, que podem ser: econômica, jurídica, social, política e histórica. Ainda, guarda relação com o agente que dele faz uso. A tributação deve ter previsão em lei e necessário conteúdo econômico, tendo a sua natureza jurídica determinada pelo fato gerador da obrigação. Conforme dispõe o art. 3º da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, o Código Tributário Nacional (CTN), Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Embora o CTN seja datado de 1966, a Constituição Federal de 1988 moldou significativamente o Sistema Tributário Nacional. De acordo com Rezende e Afonso (2014), “o sistema atual teve como premissa básica a criação de um sistema de repartição de receitas da União para os estados e municípios e do estado para os municípios”. Alencar (2018) observou que: 9 as inúmeras mudanças, principalmente as promovidas pela Constituição Federalde 1988, tornou o sistema eficiente em arrecadar, porém necessitado de uma reestruturação que elimine a multiplicidade e a acumulação de incidências tributárias, que favoreça a produção e os investimentos e que esteja moldado estrategicamente em um novo sistema consistente com a atual realidade econômica do Brasil. Podemos sintetizar o conceito de tributo da seguinte forma: deve ter origem em lei; deve possuir finalidade econômica distributiva de renda e deve limitar-se à capacidade contributiva do agente passivo, ou seja, aquele que arca com o ônus da tributação. A figura 1 a seguir ilustra esse tripé conceitual: Figura 1 – Conceito de tributo Fonte: elaborada pelo autor Entretanto essa é uma visão macroeconômica do tributo. Ou seja, o tributo cumpre prioritariamente a função fiscal de arrecadação do Estado para o cumprimento da sua finalidade. Machado (2020) destaca que “no mundo moderno, o tributo é amplamente utilizado com o objetivo de intervir na economia privada, estimulando ou desestimulando atividades e setores econômicos ou regiões”, podendo, dessa forma, assumir uma função: 10 Extrafiscal – quando seu objetivo principal é a interferência no domínio econômico, buscando um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financeiros e Parafiscal – quando seu objetivo é a arrecadação de recursos para o custeio de atividades que em princípio, não integram funções próprias do Estado, mas este as desenvolve através de entidades específicas (MACHADO, 2020). Em seguida, descreveremos as competências tributárias atribuídas pela Constituição Federal, além de consolidar os conceitos deste módulo. Competência tributária constitucional Como destacou Coêlho (2016), “o Brasil inundou a Constituição com princípios e regras atinentes ao Direito Tributário. Notadamente, somos o País cuja constituição é a mais extensa e minuciosa em tema de tributação”. Esta afirmação nos direciona a duas importantes conclusões: Os fundamentos do Direito Tributário brasileiro estão enraizados na constituição, de onde se projetam sobre as ordens jurídicas parciais da União, dos Estados e dos Municípios; Direito Tributário posto na Constituição deve, antes de tudo, merecer as primícias dos juristas e dos operadores do Direito, porquanto é o texto fundante da ordem jurídico-tributária (COÊLHO, 2016). Em conformidade com a estrutura federativa do Brasil, os estados são dotados de constituições, sendo as leis estaduais e municipais submissas às constituições desses entes federativos. Na esfera municipal, não existe uma constituição, mas uma lei orgânica que cumpre esse papel. Podemos observar essa estrutura a partir da Figura 2 a seguir: 11 Figura 2 – Estrutura federativa do Brasil Fonte: elaborado pelo autor A Constituição Federal tem caráter soberano e é a responsável por estabelecer as diretrizes para a elaboração e interpretação das demais leis. A Constituição Estadual regula uma determinada unidade federativa e organiza o estado com liberdade e autonomia, porém com simetria constitucional. A Lei Orgânica Municipal funciona como uma “constituição”, com dupla vinculação, pois submete-se à Constituição Federal e à Constituição Estadual. Ocorre ainda que as leis tributárias são, na sua maioria, originadas em leis federais, por exemplo, a Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, e as suas alterações, que dispõem sobre Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e serve de fonte para todos os Códigos Tributários Municipais. Podemos definir competência tributária como a capacidade conferida pela Constituição Federal aos entes federativos – que são: União, estados, Distrito Federal e municípios – para, dentro dos seus territórios, por meio de lei, instituírem determinados tributos. Dessa forma, a Constituição Federal não institui qualquer tributo, mas autoriza que os entes federativos o façam, com base na competência a eles outorgadas. Necessária se faz uma síntese da estruturação do ordenamento jurídico constitucional para o Sistema Tributário Nacional. Nos termos do art. 145 da CF/88, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios poderão instituir os seguintes tributos: 12 I - impostos; II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. Para assegurar aos contribuintes garantias necessárias, a CF/88 em seu art. 150, veda à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; Ainda conforme o art. 151, é vedado à União: I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação à Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País; [...] III - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. Quanto aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, conforme o art. 152, é vedado: Art. 152. [...] estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino. Nota-se, a partir dos destaques da legislação, uma preocupação legítima dos constituintes com os limites e com a isonomia dos atores que operam o Sistema Tributário Nacional, cuja estrutura nos remete à ideia de ordenação e classificação lógica e correlacionada entre unidades de um todo. Estas unidades, como já vimos aqui classificadas como entes federativos, recebem da Constituição Federal a atribuição de regular e operar um complexo sistema de tributação que, em síntese, deve: arrecadar tributos com base em lei, observando a capacidade contributiva do agente passivo e em condições ordinárias, no uso das suas funções fiscal, extrafiscal ou parafiscal, com finalidade social e econômica; promover distribuição de renda; e contribuir para o crescimento e o equilíbrio do País, dos estados e dos municípios. 13 Os conceitos trazidos até aqui são fundamentais para a compreensão de como o Sistema Tributário Nacional funciona. O quadro 1 a seguir demonstra a distribuição dos tributos que serão objeto de estudo nesta disciplina, de acordo com o tipo, a competência tributária atribuída pela Constituição Federal, a base legal e a função principal. Quadro 1 – Distribuição dos tributos tributo competência base legal função principal IRPJ União art. 153, III, da CF/88; art. 43 do CTN fiscal e extrafiscal CSLL União art. 195, I, b e c, da CF/88 parafiscal IPI União art. 153, IV, da CF/88; art. 46 do CTN fiscal e extrafiscal PIS União arts. 195, I, b; 239 da CF/88 parafiscal Cofins União arts. 195, I, b; 239 da CF/88 parafiscal ICMS estado art. 155, II, da CF/88 fiscal e extrafiscal ISS município art. 156, III, da CF/88 fiscal Fonte: elaborado pelo autor Destaque da realidade: reconhecimento de novas atividades É frequente a criação de novas atividades, promovidas pelo empreendedorismo. Dessa forma, os entes federativos, respeitando as suas competências constitucionais, devem promover atualizações nos seus dispositivos legais, como forma de acompanhar as mudanças mercadológicas promovidas. Como exemplo, podemos destacar o reconhecimento do armazenamento e da hospedagem de dados e dos serviços de streaming, como serviços tributados pelo ISS. Embora decompetência municipal, o ISS é regulado por uma lei federal, que é a Lei Complementar nº 116/03. Por meio das alterações promovidas pela Lei Complementar nº 157, de 29 de dezembro de 2016, a antiga redação dos itens que tratavam de serviços similares sofreu as seguintes alterações: Armazenamento e hospedagem de dados: Antes – Código 1.03 da lista anexa da Lei Complementar nº 116/03 – “Processamento de dados e congêneres”; 14 Atualmente – “Processamento, armazenamento ou hospedagem de dados, textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação, entre outros formatos, e congêneres 1”; Serviços de streaming – Código 1.09 da lista anexa da Lei Complementar nº 116/03 – Disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdo de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet 2”. Nota: o serviço de streaming não era previsto na redação anterior da Lei Complementar nº 116/03. Princípios do Sistema Tributário Nacional Ferramental de trabalho essencial para todo profissional de gestão tributária, os princípios e as normas que instruem a sistemática tributária serão o assunto abordado nesta unidade. A função essencial dos princípios tributários constitucionais é limitar o poder de tributar, o que corrobora com a sua importância na proteção dos direitos dos contribuintes. Princípio nos remete à essência do que o termo representa. O início de tudo. Pode-se ainda referenciar o termo como a base de algo, que, neste caso, é a tributação. Como observa, Machado Segundo (2019), “todo ordenamento jurídico é composto de um ou alguns princípios fundamentais, que se desdobram em outros princípios decorrentes, e, posteriormente, em regras”. Castro et. al. (2010) argumentam que: O Brasil é um Estado democrático de direito, expressão que revela, a um só tempo, o sistema político ao qual o país se vincula, que é a democracia, como também os ideais que direcionam a atuação do Estado, que se resume no respeito aos direitos de cidadania, ligados à ordem constitucional, na qual os direitos fundamentais do cidadão convertem-se em instrumentos efetivos ao pleno desenvolvimento da pessoa. Notadamente, é questão fundamental no estudo da gestão tributária o conhecimento dos princípios tributários, especialmente porque estes estão ligados de modo implícito à Constituição, que, como vimos, tem caráter soberano e é a responsável por estabelecer as diretrizes para a elaboração e interpretação das demais leis. Os princípios tributários são os fundamentos normativos que direcionam os aplicadores do Direito Tributário. Dessa forma, estabelecem os limites ao poder 1 Redação dada pela Lei Complementar nº 157/16. 2 Incluído pela Lei Complementar nº 157/16. 15 de tributar do Estado, que são necessários para oferecer as garantias vitais para o contribuinte que é diariamente desafiado pela complexidade e pelos altos custos demandados pelo Sistema Tributário Nacional. Um estudo do Banco Mundial divulgado no relatório Doing Business 2020 3 estima que, por ano, 62,5 dias, ou 1.501 horas são necessárias para que empresários paguem impostos no Brasil. Na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o tempo despendido em média para os países membros é de 158,8 horas, ou 10,5% do que é gasto no Brasil. Esse cenário coloca o Brasil como um país com pouca atratividade para investimentos, especialmente de empresas estrangeiras, que atribuem ao Sistema Tributário Nacional um desafio muitas vezes intransponível, por ser pouco transparente, injusto e inviável economicamente. O Quadro 2 apresenta os princípios tributários de maior relevância e que recebem destaque dos principais estudiosos da matéria. Em sequência, uma síntese da descrição e aplicabilidade dos princípios. Quadro 2 – Princípios tributários princípio base legal Princípio da Capacidade Contributiva art. 145, § 1º, da CF/88 Princípio da Legalidade art. 150, I, da CF/88 Princípio da Isonomia art. 150, II, da CF/88 Princípio da Irretroatividade art. 150, III, a, da CF/88 Princípio da Anterioridade art. 150, III, b e c, da CF/88 Princípio do não Confisco art. 150, IV, da CF/88 Princípio da Transparência dos Impostos art. 150, § 5º, da CF/88 Princípio da não Cumulatividade do IPI e do ICMS art. 153, § 3º, II, da CF/88 – ICMS art. 155, § 2º, I, da CF/88 – IPI Fonte: elaborado pelo autor 3 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/10/brasil-e-o-pais-em-que-empresario-gasta-mais-tempo- para-pagar-imposto-diz-banco-mundial.shtml. 16 Princípio da capacidade contributiva Estabelece que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Ou seja, o legislador deverá considerar, sempre que possível, a situação singular de cada contribuinte, objetivando uma tributação justa em relação à capacidade econômica deste. Coêlho (2016) argumenta que “o princípio da capacidade econômica, do ponto de vista objetivo, obriga o legislador ordinário a autorizar todas as despesas operacionais e financeiras necessárias à produção da renda e à conservação do patrimônio, afetado pela exploração”. Desta afirmação, extrai-se que a garantia aqui guardada pelo princípio é viabilizar a continuidade da empresa contribuinte. Princípio da legalidade Veda que União, estados, Distrito Federal e municípios instituam ou aumentem impostos sem que a lei o estabeleça. Dessa forma, limita a atuação do poder de tributar dos entes federativos em favor da segurança jurídica dos contribuintes. Não é ao menos razoável considerar que a administração pública tenha liberdade para tributar sem qualquer restrição e a qualquer tempo, como assertivamente observa Machado Segundo (2019): Por legalidade entende-se a garantia concedida aos cidadãos de que estes somente por lei poderão ser obrigados a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa [...] E que toda a atividade processual tributária desenvolve-se nos termos previstos previamente em lei. Princípio da isonomia Dispõe que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Trata-se de um princípio que, sob o aspecto formal, impõe que as prescrições legais sejam aplicáveis a todos sem qualquer distinção. Entretanto uma questão que necessariamente deve ser colocada é: qual critério deve amparar o legislador na aplicação deste princípio? Schoueri (2019), em observância desta pauta, preconiza o significado da isonomia tributária da seguinte forma: 17 para que se possa concretizar o Princípio da Isonomia, é preciso que se tenha um critério de comparação constitucionalmente justificado. Ou seja: para que se atenda ao Princípio da Isonomia, percorrem-se três etapas: primeiro, encontra-se um critério, em seguida, busca-se fundamentação constitucional para o critério encontrado. Finalmente, comparam-se as situações a partir do critério eleito. Princípio da irretroatividade Pressupõe que não haverá cobrança de tributos sobre fatos geradores que ocorram antes da vigência da nova lei, que tenha regulado a instituição ou o aumento do tributo. É bastante significativo o fato de a Constituição prever este princípio de modo expresso, como um dos limitadores da tributação. Como Amaro (2019) versa: o que a Constituição pretende, obviamente, é vedar a aplicação da lei nova, que criou ou aumentou tributo, a fato pretérito, que, portanto, continua sendo não gerador de tributo, ou permanece como gerador de menor tributo, segundo a lei da época de sua ocorrência. Princípio da anterioridade Constitui-se em um importante pilar da segurança jurídica, que impede que nova lei venha instituir imposto de forma imediata. Subdivide-se em dois tipos de acordo com art. 150 da CF/88: conforme alínea b, que veda a aplicação do tributo nomesmo exercício financeiro em que foi publicada lei que o instituiu ou aumentou, e conforme alínea c, que veda a aplicação do tributo antes de decorridos 90 dias da data em que foi publicada lei que o instituiu ou aumentou. Como observa Sabbag (2018), “a anterioridade objetiva ratificar o sobre princípio da segurança jurídica, evitando-se que o contribuinte se veja diante de inesperada cobrança tributária”. Princípio do não confisco Prevê expressamente, que os tributos não sejam utilizados com efeito confiscatório. Expõe a necessidade de um limite máximo para a pretensão tributária e estende-se a todos os tributos. Importante destacar que tal princípio veda inclusive que o Fisco tribute atividade ilícita, sob a pretensão de impedi-la. Dessa forma, o princípio veda o exagero, limitando o tributo à sua estrita finalidade. Como versa de forma contundente Schoueri (2019): 18 O dispositivo apresenta um conteúdo imediato: não pode o tributo ser proibitivo. Se uma atividade é ilícita, o legislador não pode valer-se de subterfúgio para impedi-la. A uma atividade ilícita, aplica-se uma sanção. Esta sim, constitui seu consequente. Por outro lado, se a atividade é ilícita, o tributo não pode ser exagerado, e impedir seu exercício. Princípio da transparência dos impostos Estabelece que a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços. Portanto a transparência fiscal é uma obrigação imposta pela lei. Importante destacar que este dispositivo obriga o contribuinte a prestar esclarecimentos ao emitir uma nota fiscal e declarar os encargos e tributos incidentes na operação. Princípio da não cumulatividade do IPI e do ICMS A Constituição Federal, ao tratar do IPI e do ICMS, determina que ambos os impostos sejam não cumulativos. “A não cumulatividade é, ainda, opção aberta pelo constituinte derivado para as contribuições sociais. Cabe, assim, conhecer a não cumulatividade, enquanto técnica inserida no âmbito do estudo da tributação sobre o consumo” (SCHOUERI, 2019). Cumpre esclarecer que todos os princípios e conceitos acima oferecidos pela literatura jurídica brasileira são sujeitos à interpretação pessoal. Não obstante, é ainda o fato de que tais princípios, por vezes, carecem de viabilidade prática, uma vez que a matéria tributária não é uma ciência exata, portanto sujeita à subjetividade. Destaque da realidade: princípio da anterioridade nonagesimal Salvo algumas exceções, como as contribuições parafiscais, se uma lei que instituir ou aumentar determinado tributo for publicada em 30 de dezembro de 2020, ao se considerar apenas o princípio da anterioridade do exercício financeiro seguinte 4, a cobrança poderia ser feita a partir de 1º de janeiro de 2021, não garantindo segurança ao contribuinte. Dessa forma, o Princípio da anterioridade nonagesimal 5 complementa aquele princípio quando determina que se espere o prazo de 90 dias para a efetiva cobrança ou o aumento do tributo. 4 Alínea b, do inciso III, do art. 150 da CF/88. 5 Alínea b, do inciso III, do art. 150 da CF/88. 19 Obrigação tributária Quando tratamos de obrigação tributária, devemos estabelecer primeiramente que ela não deriva exclusivamente da lei. Para que exista uma obrigação tributária, deve haver um fato gerador do contribuinte, que seja previsto na norma, como suficiente e necessário para gerar o lançamento e o pagamento do tributo. Novamente, a Constituição é referência fundamental na matéria de obrigação tributária. Origina-se do seu ordenamento a rigidez necessária para que as suas normas sejam alteradas apenas por instrumentos próprios por meio de emenda constitucional e com o atendimento de pressupostos específicos. Ora, novamente, destaca-se que tal restrição limita a capacidade do poder político de agir por vontade própria, em detrimento dos interesses econômicos e sociais. Outro instrumento fundamental que versa sobre a matéria da obrigação tributária é o CTN, que tem o status de lei complementar, pois completa a norma constitucional. Destaca-se que a Constituição Federal não é norma executável, é norma de princípios. Dessa forma, o CTN, em atendimento ao art. 146 da CF/88, pretende: “cumprir com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo” 6. Castro et. al. (2010) argumentam que: A lei é a fonte com primazia do direito. Contudo, não é qualquer lei que basta para satisfazer o princípio da legalidade no campo fiscal. É necessário que a lei descreva o fato gerador da obrigação principal, determine a alíquota e a base de cálculo, os sujeitos ativo e passivo do tributo. As disposições previstas no art. 97 do CTN enumeram as diversas hipóteses a serem reguladas em matéria de tributo, de forma exclusiva, pelas leis ordinárias, que são: instituir ou extinguir; majorar ou reduzir; definir o fato gerador da obrigação tributária principal; fixar a alíquota e a sua base de cálculo; e cominar penalidades para as ações ou omissões contrárias aos seus dispositivos. A lei ordinária é, portanto, o principal instrumento regulatório específico de matéria tributária. Ainda, no arcabouço legislativo tributário, identificamos: medidas provisórias, que têm vocação de lei, pelo período de abrangência; tratados e convenções internacionais, que, quando ingressam no ordenamento jurídico brasileiro, têm status de lei. Em patamar inferior ao das leis, estão as normas complementares, de onde derivam uma vasta e complexa gama de regramentos inseridos na legislação tributária, com o objetivo de regular e especificar o alcance da norma legal e promover o controle e a fiscalização pelos órgãos competentes. Estes são: decretos; convênios; instruções normativas; portarias; atos declaratórios, etc. 6 Art. 146-A da CF/88. 20 A complexidade e a diversidade de normas e regramentos são constantemente referenciadas como as principais causas do embaraço de nosso sistema tributário. O excesso de burocracia e de dispositivos legais e, por vezes, a redundância de normas fomentam cada vez mais o debate sobre uma reforma do sistema que alcance uma simplificação do processo tributário. Em contrapartida, são esses instrumentos que direcionam de maneira detalhada os profissionais que atuam como operadores tributários. Na terminologia do CTN, a obrigação tributária se divide em: obrigação principal e obrigação acessória. O art. 113 do CTN dispõe: Art. 113. A obrigação tributária é principal e acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte- se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária. Entretanto o iminente Coêlho (2016) versa sobre a matéria e elucida que: O código adota a terminologia clássica e fala em obrigação, adjetivando-a de tributária, para dividi-la em principal e acessória. Contudo, rigorosamente, inexistem obrigações acessórias, senão que prescrições de fazer e não fazer diretamente estatuídas em lei, como apresentar declaração de rendimento, emitir notas fiscais, não manter estoques desacompanhados de documento fiscal, tudo no interesse da Fazenda Pública. Discorrida tão necessária elucidação, passaremos a descrever e exemplificar as obrigações tributárias de acordo com o CTN. Obrigação principal: tributo e multa A obrigação principal ocorre quando, por força de lei prévia,decorrido um fato gerador necessário e suficiente para a ocorrência, um crédito tributário é considerado devido. Em decorrência, o contribuinte tem por dever o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária (multa). Ou seja, a obrigação principal surge com o fato gerador e extingue-se imediatamente da alocação do crédito tributário dela decorrente. Nota-se que uma obrigação principal só será extinta se houver: crédito em dinheiro que quite exclusivamente a obrigação; compensação do crédito, por meio de instrumento capaz e devidamente homologado pela autoridade tributária, que seja responsável por fiscalizar a obrigação. 21 Obrigação acessória A obrigação ocorre quando, por força de lei prévia, no interesse de arrecadação ou fiscalização, o contribuinte tem a obrigação de fazer ou não fazer alguma coisa, ou deve permitir que o Fisco exerça o seu papel fiscalizador. Em outras palavras, são os instrumentos competentes para que o Fisco verifique a existência do fato gerador, a sua correta mensuração e a devida alocação de suficiente crédito tributário. O Quadro 3, a seguir, exemplifica as duas formas de obrigação: Quadro 3 – Obrigação principal e obrigação acessória obrigação principal obrigação acessória Apurar e pagar IRPJ e CSLL após a ocorrência do fato gerador: lucro contábil ajustado pelas adições e exclusões no Lalur. Elaborar e entregar ao Fisco declaração de imposto de renda de pessoa física. Apurar e pagar ICMS após a ocorrência do fato gerador: circulação de mercadorias e serviços. Elaborar e entregar ao Fisco a Escrituração Contábil Digital (ECD). Apurar e pagar PIS, Cofins, após a ocorrência do fato gerador: venda de bens ou serviços. Elaborar e entregar ao Fisco a Escrituração Fiscal Digital (EFD-Contribuições). Apurar e pagar IPI após a ocorrência do fato gerador: venda de produtos industrializados. Emitir nota fiscal em cada operação de venda e prestação de serviços. Apurar e pagar ISS após a ocorrência do fato gerador: prestação de serviços. Fornecer informações solicitadas pela autoridade fiscal. Fonte: elaborado pelo autor Nota: ECD é uma obrigação acessória que informa ao Fisco os seguintes livros: razão e auxiliares; diário e auxiliares; balancetes; balanço patrimonial e demonstração de resultado do exercício e outras demonstrações obrigatórias ou facultativas. EFD-Contribuições é uma obrigação acessória que informa ao Fisco a apuração do PIS, da Cofins e de outras contribuições sociais previstas na legislação tributária. 22 Limitações da gestão e do planejamento tributário Após a análise dos principais conceitos e princípios tributários, vamos refletir sobre as limitações da gestão e do planejamento tributário. Adotaremos aqui a premissa básica do planejamento tributário, que é proporcionar, nos limites da lei, uma forma menos onerosa de tributação. Porém ficou evidente até aqui que o nosso arcabouço legislativo tributário é complexo, o que por vezes promove intermináveis disputas legais acerca de matérias tributárias. Uma considerável preocupação do gestor tributário é contribuir com um embasamento legal sólido, capaz de fomentar decisões, que promovam garantias de segurança jurídica ao planejamento tributário. O ofício da gestão tributária compreende a correta organização das atividades empresariais, por meio da elaboração de contratos, fundamento jurídico, estruturas societárias e sistema de informações contábeis e fiscais integradas, capaz de afastar, reduzir ou postergar o fato gerador do tributo. Dessa forma, promover uma lícita desoneração tributária. Nesse cenário, além do Direito Tributário, a contabilidade e a controladoria exercem papéis fundamentais para que o planejamento tributário seja bem-sucedido. Podemos exemplificar esse ambiente por meio dos procedimentos que devem ser observados no tratamento contábil das receitas. Notadamente, as receitas exercem papel fundamental na tributação, em qualquer regime de tributação existente. Por esse motivo, a sua correta escrituração é essencial para uma organização contábil, com potencial de promover economia tributária, observada a segurança jurídica. O Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), por meio do Pronunciamento Técnico CPC 47, correlacionado com o International Financial Reporting Standards (IFRS 15), que traduzido é um Padrão Internacional de Relato Financeiro, fornece orientação sobre a contabilização da receita de contratos com o cliente. O CPC 47 estabelece as cinco etapas para o reconhecimento de receitas, conforme a seguir 7: identificação do contrato; identificação das obrigações de desempenho; determinação do preço da transação; alocação do preço da transação às obrigações de desempenho e reconhecimento da receita quando, ou à medida que, a entidade satisfizer a obrigação de desempenho. Nesse sentido, uma importante contribuição foi trazida pela Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014, que altera a legislação tributária federal, inclusive dos tributos, IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, conforme art. 58, que versa 8: 7 CPC 47, itens 9-45. 8 Art. 58 da Lei nº 12.973/14. 23 A modificação ou a adoção de métodos e critérios contábeis, por meio de atos administrativos emitidos com base em competência atribuída em lei comercial, que sejam posteriores à publicação desta Lei, não terá implicação na apuração dos tributos federais até que lei tributária regule a matéria. Dessa forma, coube à Receita Federal do Brasil (RFB) regular a matéria trazida pelo CPC 47, uma vez que este pronunciamento promoveu mudanças nos métodos e critérios contábeis, e foi publicado após a referida lei. A RFB, portanto, regulou a matéria por meio da Instrução Normativa nº 1.881, de 2019, que trouxe importantes alterações à legislação do IRPJ, da CSLL, do PIS e da Cofins, constantes da Instrução Normativa RFB nº 1.700, de 14 de março de 2017. Sobre as mudanças promovidas pelo CPC 47, em relação ao reconhecimento de receitas, a Instrução Normativa nº 1.881, de 2019, desconsiderou o efeito prático desta norma para fins tributários. Observe que, por meio do seu art. 1º, a Instrução Normativa nº 1.881, de 2019, inclui o § 4º ao art. 26, da Instrução Normativa nº 1.700/17, que passa a constar da seguinte forma 9: Salvo disposição em contrário, a receita bruta será reconhecida no período de apuração em que for configurada a aquisição de sua disponibilidade econômica ou jurídica, independentemente da avaliação quanto à probabilidade de não recebimento do valor pactuado ou contratado. Portanto a RFB determina que independentemente da avaliação quanto à possibilidade de receber o valor pactuado no contrato, ou da entrega da obrigação de desempenho, a empresa deve reconhecer, no período de apuração em que for configurada a aquisição da sua disponibilidade econômica ou jurídica, a receita para fins tributários, tornando-se neste ato devedora do tributo. Nota- se que uma rubrica apenas, “Receitas de Contrato com Clientes”, precisa ser analisada e configurada à luz dos princípios constitucionais, das leis e decretos, das normas contábeis e das instruções normativas, para uma correta interpretação e alocação do fato gerador tributário, que neste caso, ainda é diferente do “fato gerador” contábil. As multiplicidades de entendimento e de aplicação prática, provocadas pelo emaranhado de leis e normas contábeis e tributárias, tornam o planejamento tributário um desafio constante, pois as mudanças na legislação são incessantes e os gestores precisam conhecer tempestivamente essas mudanças, e interpretá-las de maneira correta, para garantir uma precisa escrituração contábil e fiscal, e, por consequência, uma correta apuração tributária. Ainda, quando possível, contribuir para uma carga tributária menos onerosa, capaz de promover o fluxo de caixa necessário para a continuidade da empresa.9 § 4º do art. 26 da Instrução Normativa RFB nº 1.700, de 14 de março de 2017, incluído pela Instrução Normativa nº 1.881, de 2019. 24 Tantos dispositivos legais também abrem terreno para outra face do planejamento tributário. Acerca disso, Abreu (2019) introduz uma importante reflexão ao debate, quando observa que: a validade dos planejamentos tributários, tanto no Brasil como no mundo, passou a ser de extrema importância, não apenas pela crescente necessidade de incrementação da arrecadação tributária, mas também pelo aumento da criatividade dos contribuintes na organização de seus negócios, trazendo ao debate tributário, conflitos entre os princípios da liberdade, legalidade, capacidade contributiva e solidariedade. Nesse contexto, é importante conhecer os conceitos de elisão fiscal, evasão ou sonegação fiscal e elusão fiscal. Evasão ou sonegação fiscal É o uso de meios ilícitos para evitar o pagamento de tributos. Normalmente, dá-se por meio de omissão de informações, falsas declarações e elaboração de documentos que contenham informações inverídicas. Destaca-se que a evasão fiscal é crime, com previsão de pena de reclusão de dois a cinco anos e multa. 10 Elisão fiscal É o uso de meios lícitos, por meio de um planejamento tributário prévio, respeitando o ordenamento jurídico, que busca reduzir a carga tributária em um orçamento. De forma específica, a elisão fiscal busca evitar a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. A elisão fiscal pode ocorrer também em decorrência das lacunas na legislação, por meio de instrumentos não proibidos expressamente em lei. Elusão fiscal É o abuso da liberdade para formular o planejamento tributário. Trata-se de uma zona cinzenta entre a elisão fiscal e a sonegação fiscal. Nesta dimensão, não apenas a legalidade do planejamento tributário é considerada, mas também a sua legitimidade. Segundo Torres (2012), “elusão fiscal seria a economia do tributo obtida pela prática de um ato revestido de forma jurídica que não se inclui na descrição abstrata da lei ou no seu espírito”. 10 Art. 1º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. 25 Ainda que seja possível estabelecer um conceito claro do que é planejamento fiscal lícito ou abusivo, o conceito jurídico de abuso é, de certa maneira, um conceito vago, portanto sujeito à interpretação. Notadamente, é direito do contribuinte estabelecer uma organização contábil ou societária no intuito de perceber uma economia de tributo, desde que em estrito atendimento à legislação vigente. Porém, conforme observamos aqui, as limitações impostas pela complexidade e subjetividade do ordenamento jurídico colocam o planejamento tributário em uma zona de risco, em que as suas práticas podem ser questionadas pela sua legitimidade, provocando um efeito contrário ao pretendido. Fortalecendo os conceitos Torres (2012) classifica os planejamentos tributários como: • Evasão ilícita – Ocorre quando há sonegação e fraude, após a ocorrência do fato gerador tributável; • Evasão ou elisão lícita – Ocorre quando o planejamento fiscal afasta o fato gerador, não produzindo, assim, a obrigação tributária; • Elisão ilícita – Ocorre quando um planejamento fiscal é considerado abusivo. Neste módulo, fizemos uma apresentação geral do funcionamento do Sistema Tributário Nacional e dos seus principais conceitos e princípios. Também estabelecemos alguns limites legais, que devem ser observados na elaboração de um planejamento tributário, com objetivo de promover os benefícios de uma economia tributária, mas em observância dos preceitos legais. Dessa forma, contribuir também com alguns exemplos que informam aspectos considerados importantes para o entendimento da matéria deste módulo. Importante destacar sempre que o objetivo aqui não é o de esgotar o assunto, até porque este é inesgotável. Porém os assuntos discorridos aqui trazem os fundamentos necessários, que poderão nortear um planejamento tributário sólido, embasado nos princípios e que promova segurança jurídica. O propósito deste capítulo é analisar as apurações do IRPJ e da CSLL dentro das sistemáticas de tributação do Simples Nacional, lucro presumido e lucro real, como forma de viabilizar a opção menos onerosa para as empresas. Conhecer as particularidades e as formas de tributação existentes no Sistema Tributário Nacional é um importante passo para uma adequada elaboração do planejamento tributário. Iniciaremos com os principais fundamentos da tributação do IRPJ e da CSLL, o que permitirá uma melhor compreensão das aplicações práticas que são aplicadas, entre as sistemáticas de apuração. Em seguida, abordaremos as tratativas do sistema de tributação dispensado às micro e pequenas empresas, que são as empresas com faturamento anual de no máximo R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), respectivamente. O marco legal desse sistema tributário diferenciado é a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Essa lei, em conjunto com inúmeras resoluções do Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN), regula os principais aspectos referentes à tributação das micro e pequenas empresas, como vedações, limites de faturamento e alíquotas, entre outras providências. Para empresas com faturamento anual de até R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais), com restrições das empresas do sistema financeiro, por exemplo, bancos e sociedades de créditos e financiamentos, há a opção de tributação pelo lucro presumido. Nesta sistemática de tributação, o lucro da empresa é presumido por meio de uma alíquota, que considera uma margem de lucro setorial. Ainda, há particularidades na apuração do PIS e da Cofins, que serão detalhadas de forma mais apropriada no módulo III. Em relação ao lucro real, as empresas que são obrigadas pelas suas atividades ou pelo seu faturamento anual devem ser tributadas considerando o seu resultado líquido contábil ajustado pelas adições e exclusões no Lalur. Destaca-se que o lucro real, em certas ocasiões, é usado como MÓDULO II – TRIBUTOS INCIDENTES SOBRE O RESULTADO DAS PESSOAS JURÍDICAS 28 uma forma eficaz de planejamento tributário. Dessa forma, mesmo quando a empresa não é obrigada por determinação legal a esta sistemática, pode optar pelo lucro real para alcançar economia tributária. Assim como no lucro presumido, existem particularidades na apuração do PIS e da Cofins, para empresas que são tributadas pelo lucro real, que serão detalhadas no módulo III. Portanto, neste módulo, analisaremos os aspectos gerais relacionados à forma de apuração do IRPJ e da CSLL, no lucro presumido e no lucro real, além do cálculo do valor devido para as empresas optantes pelo Simples Nacional. Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) O imposto de renda é de competência da União, incidente de acordo com a Constituição Federal, sobre a renda e proventos de qualquer natureza 11. Observa-se que renda e proventos são termos vagos, que derivam da economia, e que não têm um conceito pacífico. Nesse sentido, renda e proventos são eventos econômicos que foram incorporados a normas jurídicas. A alíquota do IRPJ é de 15%. Ainda, a parcela do lucro presumido ou do lucro real que: “exceder o valor resultante da multiplicação de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) pelo número de meses do respectivo período de apuração, sujeita-se à incidência de adicional do imposto sobre a renda à alíquota de 10% (dez por cento)”. 12 O CTN, em um esforço de dar mais objetividade à incidência do imposto de renda, definiu no seu art. 43, que: “o imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza, tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica, derenda como produto do capital e do trabalho, e, do provento de qualquer natureza, que proporcione aumento patrimonial”. 13 Extrai-se dessa definição, contudo, que não é todo tipo de renda que poderá ser base de incidência de imposto de renda, mas apenas a renda prevista em lei. Para se constituir em renda, e ser objeto de alcance da tributação, um valor deve reunir, simultaneamente, os seguintes elementos necessários: ser originado da atividade laboral do seu titular; ter origem em uma fonte de patrimônio que já seja de propriedade do titular da renda; e proporcionar acréscimo de valor patrimonial. A existência dessa restrição é o que garante, por exemplo, a isenção de tributação do imposto de renda ao dinheiro recebido por meio de doação ou herança, pois este não tem origem em uma fonte patrimonial preexistente do indivíduo que a recebe. Em contrapartida, juros sobre renda, por ser o dinheiro de remuneração de uma importância, preexistente, de propriedade do titular, é alcançado pelo imposto de renda. 11 Inciso I, do art. 153, da CF/88. 12 § 1º do art. 29, da Instrução Normativa RFB nº 1.700/17. 13 Art. 43 do CTN. 29 Para exemplificar, podemos compreender que o adiantamento de clientes não é uma renda, mas apenas uma expectativa futura, que será considerada renda, portanto sujeita à tributação, quando ocorrer a transferência de propriedade ou a entrega da obrigação que formaliza o contrato. Importante destacar que, em se tratando de pessoa jurídica, não é necessário que o valor seja recebido para que seja alcançado pelo imposto de renda, mas apenas que seja formalizado e mensurado o direito do crédito, o que pela norma contábil é o Princípio de Competência. Castro et al. (2010) observam que “pessoa jurídica é uma entidade – um patrimônio – com personalidade própria, uma ficção, criada pelo direito, capaz de exercer direitos e contratar obrigações”. Importante destacar que não deve ser confundida com a pessoa ou as pessoas naturais que a constituem. Portanto, para efeitos de legislação tributária, são consideradas pessoas jurídicas, contribuintes do imposto de renda, as pessoas jurídicas de direito privado domiciliadas no País, que exerçam qualquer atividade lícita, com fins lucrativos, originadas de qualquer nacionalidade, independentemente da composição do seu quadro societário. Podemos tomar como exemplo a Petrobras, que é pessoa jurídica domiciliada no Brasil, que possui no seu quadro societário, além de outros acionistas, o Governo Federal, e que exerce atividade petrolífera, é contribuinte do tributo. Por outro lado, pessoas jurídicas sem fins lucrativos, por exemplo, associações desportivas, associações de classe ou instituições religiosas, sobre os recursos recebidos exclusivamente para manutenção das suas atividades, não são contribuintes do IRPJ. Concluímos, portanto, que a pessoa jurídica sujeita ao IRPJ precisa ter fins lucrativos. Ora, como o CTN deixa claro que a renda percebida precisa ter origem em atividade laboral, ou origem no patrimônio do titular da renda, excetuando ainda as doações, atividades que não visam ao lucro, mas à manutenção de uma atividade de interesse social, não se submetem ao tributo. O Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018, regulamenta a tributação, a fiscalização, a arrecadação e a administração do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Ainda, a Lei nº 12.973/14 e a Instrução Normativa RFB nº 1.700/17 trazem contribuições importantes para a apuração do IRPJ. Novamente, destacamos ser comum no ordenado jurídico tributário brasileiro que as disposições que tratam de determinado tributo encontrem-se espalhadas em diversas normas. Concluímos esta unidade com uma síntese que reforça os conceitos que estudamos, conforme o Quadro 4, a seguir: 30 Quadro 4 – Síntese dos conceitos sobre o IRPJ IRPJ Competência: União. Alíquota: 15% acrescida de adicional de 10% sobre a parcela do lucro presumido ou do lucro real, que exceder o valor resultante da multiplicação de R$ 20.000,00 pelo número de meses do respectivo período de apuração. Regulação principal: Constituição Federal; CTN; Decreto nº 9.580/18; Lei nº 12.973/14 e Instrução Normativa nº 1.700/17. Contribuintes: pessoas jurídicas de direito privado domiciliadas no País, que exerçam qualquer atividade lícita com fins lucrativos, originadas de qualquer nacionalidade, independentemente da composição do seu quadro societário. Incidência: renda ou provento de qualquer natureza, que tenha origem na atividade laboral ou no patrimônio do titular e promova acréscimo ao patrimônio deste. Fonte: elaborado pelo autor, com base nos dados da Receita Federal do Brasil Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) Antes de tratarmos dos aspectos específicos da CSLL, uma reflexão é necessária. O nosso CTN é datado de 1966. Após esse período, a Republica Federativa do Brasil passou por uma profunda transformação no seu ordenamento jurídico, que foi a CF/88. A Constituição Federal introduziu no Sistema Tributário Brasileiro a espécie de tributos afetados a finalidades específicas.14 Específicamente no art. 195 da CF/88, está a previsão da contribuição social, que será objeto de estudo nesta unidade. O referido artigo versa sobre a imposição a toda a sociedade, de forma direta ou indireta, nos termos da lei, do financiamento da seguridade social, por meio da receita, ou faturamento, ou o lucro 15. Esta abertura na legislação tributária, provocada pela Constituição Federal, é alvo de constantes controversas em matérias de Direito Tributário, inclusive, sendo considerada por muitos especialistas como a principal causadora do desequilibrio da nossa carga tributária (REZENDE; 14 Art. 149 e 195, caput e incisos I, II, III e IV da CF/88. 15 Alíneas b e c, do inciso I, do art. 195, da CF/88. 31 AFONSO, 2014). Fato é que, até que haja uma reforma tributária, que, como se pretende, unifique e simplifique o Sistema Tributário Nacional, as contribuições sociais continuam representando um importante tributo, com impacto significativo no fluxo de caixa das empresas. A CSLL, de competência também da União, é um tributo parafiscal. Ou seja, tem por objetivo arrecadar recursos para o custeio de atividades que, em princípio, não integram funções próprias do Estado, mas este as desenvolve por meio de entidades específicas. No cenário de tributação das pessoas jurídicas, existe uma controvérsia importante no nosso ordenamento jurídico sobre a matéria. A Receita Federal do Brasil considera que as entidades sem fins lucrativos, como templos de qualquer culto, por exemplo, devem ser consideradas contribuintes da CSLL. Conforme disposto na Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988, que institui a Contribuição Social sobre o Lucro das Pessoas Jurídicas: “é previsto como contribuintes, as pessoas jurídicas domiciliadas no País e as que lhes são equiparadas pela legislação tributária” 16. A chamada Lei dos Precatórios, Lei nº 14.057, de 11 de setembro de 2020, no seu art. 8º, objetivava originalmente, alcançar a isenção da CSLL, sobre os templos de qualquer culto. Porém o referido artigo foi objeto de veto presidencial, por não observar as regras orçamentárias para a concessão de benefício tributário. Dessa forma, há o entendimento de que a tributação da CSLL possui alcance mais amplo no nosso ordenamento jurídico do que a tributação do IRPJ. A alíquota da CSLL, resguardadas as previsões legais, pode variar de acordo com a necessidade e o interesse da legislação tributária. Entretanto, para os fins previstos nesta disciplina, vamos considerar a alíquota de 9%, prevista para a maioria das empresas 17. A base de cálculo da CSLL é originalmente o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o imposto de renda 18. Porém observamos aqui que o faturamento tambémpoderá ser objeto de alcance da referida contribuição. Ainda, a legislação prevê que: “se aplicam à contribuição social, no que couber, as disposições da legislação do imposto de renda referente à administração, ao lançamento, à consulta, à cobrança, às penalidades, às garantias e ao processo administrativo” 19. Um debate igualmente existente: é a consideração da espécie de tributo que enquadra as contribuições sociais. Notadamente, o § 6º do art. 150 da CF/88 refere-se ao binômio “tributo ou contribuição”, que deixa transparecer uma incomunicabilidade e uma distinção entre eles. Sabbag (2018) observa um dissenso em relação à identificação da espécie de tributo à qual pertenciam as contribuições. Para o autor, havia os que consideravam que as contribuições parafiscais são uma espécie de tributo que oscilava entre as taxas e os impostos, não sendo uma espécie propriamente autônoma. Machado (2020), por sua vez, preconizou que: “as contribuições 16 Art. 4 da Lei nº 7.689/88. 17 Para conhecer as demais alíquotas, ver: art. 30 da Instrução Normativa RFB nº 1.700/17. 18 Art. 2 da Lei nº 7.689/88. 19 Art. 6 da Lei nº 7.689/88. 32 possuíam especificidade e características próprias, de tal ordem que, na verdade, constituíam-se uma espécie distinta e autônoma de tributo”. Esse debate é significativo, pois dele deriva uma série de teses sobre imunidades, isenções e alcance das contribuições sociais. Concluímos como destacado no quadro 05 a seguir, com um resumo para uma melhor compreensão do instituto da CSLL. Quadro 5 – Síntese dos conceitos sobre a CSLL CSLL Competência: União. Alíquota: para a maioria dos contribuintes é de 9%. Tributo parafiscal: objetivo de arrecadar recursos para o custeio de atividades específicas. Regulação principal: Constituição Federal; Lei nº 7.689/88; Decreto nº 9.580/18; Lei nº 12.973/14; Instrução Normativa nº 1.700/17. Contribuintes: as pessoas jurídicas domiciliadas no País e as que lhes são equiparadas pela legislação tributária. Incidência: receita, ou faturamento, ou lucro. Fonte: elaborado pelo autor, com base nos dados da Receita Federal do Brasil Sistemáticas de apuração As pessoas jurídicas podem ser tributadas basicamente de duas formas: por determinação legal da autoridade tributária ou por opção. Entre as formas de tributação existentes, abordaremos nesta unidade as três principais: Simples Nacional, lucro presumido e lucro real. Importante destacar que existe ainda o lucro arbitrado, que geralmente é adotado por iniciativa do Fisco, quando não é possível identificar e determinar o desempenho financeiro da empresa, cujos motivos podem ter origem em alguma fatalidade ou fraude. 33 Simples Nacional Para optar pelo Simples Nacional, o contribuinte deve realizar o enquadramento como microempresa ou como empresa de pequeno porte, nos termos da Lei Complementar nº 123/06. Para os efeitos desta lei complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário, que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, com faturamento anual não superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais), para os casos de enquadramento como microempresa; ou com faturamento anual não superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), para os casos de enquadramento como empresa de pequeno porte 20. A Lei Complementar nº 123/06 teve início de vigência em julho de 2007. Porém inúmeras normativas posteriores foram necessárias para regular as particularidades e as demandas deste sistema tributário diferenciado. Dessa forma, por meio de decretos, portarias, recomendações e principalmente, por resoluções do CGSN, a matéria foi e continua sendo regulada. O “espírito” deste sistema tributário foi simplificar e ampliar o alcance do tratamento diferenciado dado às micro e pequenas empresas. Porém esta ampliação, ao contrário do que se pretendia, provocou uma complexidade que continua a desafiar os reguladores e os operadores tributários em matéria de Simples Nacional. Uma questão crítica foi a centralização da arrecadação dos tributos de competência estadual e municipal na sistemática de apuração do Simples Nacional. Tributos como o ICMS e o ISS, que são de competência de estados e municípios respectivamente, passaram a ser arrecadados e administrados pela Receita Federal do Brasil. Observou-se a partir de então uma resistência, especialmente dos estados, de se submeter ao novo regime. Por exemplo, o estado do Rio de Janeiro, usando de uma lacuna na Lei Complementar nº 123/06, que não submeteu o ICMS por substituição tributária ao sistema diferenciado de arrecadação centralizada, passou a incluir sistematicamente setores e atividades de comércio que haviam sido incluídos no sistema tributário do Simples Nacional à obrigatoriedade de apuração do ICMS por substituição tributária. Na prática, os estabelecimentos comerciais que eram enquadrados como empresas de micro e pequeno porte passaram a ter o ICMS apurado e recolhido pelo estabelecimento fornecedor da mercadoria, nos termos e alíquotas previstos no sistema normal de apuração do ICMS. Dessa forma, não apenas a complexidade, mas os altos custos provocados pela majoração da alíquota desafiaram, e por vezes inviabilizaram diversos setores de comércio local, por exemplo, papelaria e lojas de artefatos de madeiras. Outros aspectos como concessão de parcelamentos, fiscalização e dispensa de obrigações acessórias levaram tempo para terem as suas tratativas devidamente reguladas, o que provocou diversos conflitos de interpretação e aplicação dos dispositivos previstos na lei complementar. 20 Art. 3 da Lei Complementar nº 123/06. 34 Inúmeros são os aspectos de tratamento diferenciado, aplicados a micro e pequenas empresas, que foram previstos na Lei Complementar nº 123/06 e nas suas alterações posteriores. Destacam-se, por exemplo: a simplificação dos processos de abertura e baixa de empresas; a participação prioritária em licitações e acesso facilitado ao crédito. Entretanto nos deteremos aos aspectos relacionados à tributação. O faturamento não é o único limitador de adesão ao regime do Simples Nacional. Empresa: i) que possua no seu quadro societário ou seja sócia de outra pessoa jurídica; ii) que seja filial, sucursal, agência ou representação, no País, de pessoa jurídica com sede no exterior; iii) constituída sob a forma de cooperativa, salvo as de consumo; iv) de cujo capital participe pessoa física que seja inscrita como empresário ou seja sócia de outra empresa que receba tratamento jurídico diferenciado nos termos desta lei complementar; v) cujo titular ou sócio participe com mais de 10% do capital de outra empresa não beneficiada por esta lei complementar; vi) cujo sócio ou titular seja administrador ou equiparado de outra pessoa jurídica com fins lucrativos. Para os itens iv, v, e vi, a vedação é aplicada somente se a receita bruta global das empresas ultrapassar R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) por ano 21. Ainda, empresas: i) que tenha sócio domiciliado no exterior; ii) de cujo capital participe entidade da administração pública, direta ou indireta, federal, estadual ou municipal; iii) que possua débitos tributários; iv) cujas atividades sejam expressamente vedadas pela Lei Complementar nº 123/06, não podem optar por esta forma de tributação 22. O art. 12º da Lei Complementar nº 123/06 institui o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional) 23. Que implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostose contribuições: i) Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ); ii) Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); iii) Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); iv) Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); v) Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS); vi) Contribuição Patronal Previdenciária (CPP) para a Seguridade Social, a cargo da pessoa jurídica; vii) Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS); e viii) Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) 24. Em relação à alíquota, o valor devido mensalmente pela microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional será determinado mediante aplicação das alíquotas efetivas, calculadas a partir das alíquotas nominais, constantes nos anexos da Lei Complementar nº 123/06, considerando a receita bruta dos 12 meses, anteriores ao período de apuração e segregando as receitas de acordo com as atividades exercidas, nos anexos 25. Detalharemos a seguir os anexos, distribuídos conforme o setor de atividades: 21 § 4º do art. 3 da Lei Complementar nº 123/06. 22 Art. 17 da Lei Complementar nº 123/06. 23 Art. 12 da Lei Complementar nº 123/06. 24 Art. 13 da Lei Complementar nº 123/06. 25 Art. 18 da Lei Complementar nº 123/06. 35 Para as receitas decorrentes de revenda de mercadorias, o contribuinte deverá considerar o anexo I, a seguir: Anexo I – Alíquotas e partilha do Simples Nacional: comércio (vigência: 1º de janeiro de 2018) faixas receita bruta em 12 meses (em R$) alíquota valor a deduzir (em R$) 1ª faixa até 180.000,00 4,00% – 2ª faixa de 180.000,01 a 360.000,00 7,30% 5.940,00 3ª faixa de 360.000,01 a 720.000,00 9,50% 13.860,00 4ª faixa de 720.000,01 a 1.800.000,00 10,70% 22.500,00 5ª faixa de 1.800.000,01 a 3.600.000,00 14,30% 87.300,00 6ª faixa de 3.600.000,01 a 4.800.000,00 19,00% 378.000,00 Fonte: Lei Complementar nº 123/06 As alíquotas são distribuídas entre os tributos da seguinte forma: faixas IRPJ CSLL Cofins PIS CPP ICMS 1ª faixa 5,50% 3,50% 12,74% 2,76% 41,50% 34,00% 2ª faixa 5,50% 3,50% 12,74% 2,76% 41,50% 34,00% 3ª faixa 5,50% 3,50% 12,74% 2,76% 42,00% 33,50% 4ª faixa 5,50% 3,50% 12,74% 2,76% 42,00% 33,50% 5ª faixa 5,50% 3,50% 12,74% 2,76% 42,00% 33,50% 6ª faixa 13,50% 10,00% 28,27% 6,13% 42,10% – Fonte: Lei Complementar nº 123/06 36 Observe que o contribuinte enquadrado na 6ª faixa, com faturamento entre R$ 3.600.000,01 e R$ 4.800.000,00, deve recolher o ICMS fora da sistemática do Simples Nacional. Ou seja, deve submeter-se concomitantemente ao sistema diferenciado e às regras de apuração e recolhimento impostas pelos estado onde esteja localizada a sua sede. As vendas de mercadorias industrializadas pelo contribuinte devem ser tributadas conforme o anexo II, a seguir: Anexo II – Alíquotas e partilha do Simples Nacional: indústria (vigência: 1º de janeiro de 2018) faixas receita bruta em 12 meses (em R$) alíquota valor a deduzir (em R$) 1ª faixa até 180.000,00 4,50% – 2ª faixa de 180.000,01 a 360.000,00 7,80% 5.940,00 3ª faixa de 360.000,01 a 720.000,00 10,00% 13.860,00 4ª faixa de 720.000,01 a 1.800.000,00 11,20% 22.500,00 5ª faixa de 1.800.000,01 a 3.600.000,00 14,70% 85.500,00 6ª faixa de 3.600.000,01 a 4.800.000,00 30,00% 720.000,00 Fonte: Lei Complementar nº 123/06 As alíquotas são distribuídas entre os tributos da seguinte forma: faixas IRPJ CSLL Cofins PIS CPP IPI ICMS 1ª faixa 5,50% 3,50% 11,51% 2,49% 37,50% 7,50% 32,00% 2ª faixa 5,50% 3,50% 11,51% 2,49% 37,50% 7,50% 32,00% 3ª faixa 5,50% 3,50% 11,51% 2,49% 37,50% 7,50% 32,00% 4ª faixa 5,50% 3,50% 11,51% 2,49% 37,50% 7,50% 32,00% 5ª faixa 5,50% 3,50% 11,51% 2,49% 37,50% 7,50% 32,00% 6ª faixa 8,50% 7,50% 20,96% 4,54% 23,50% 35,00% – Fonte: Lei Complementar nº 123/06 37 Semelhantemente ao ocorrido no anexo I, os contribuintes que atingirem a 6ª faixa de faturamento devem apurar o ICMS fora da sistemática do Simples Nacional. Para as receitas de prestação de serviços, há os anexos III, IV e V, que serão considerados de acordo com as determinações específicas do art. 18 da Lei Complementar nº 123/06, nos seus incisos e parágrafos. O anexo III é usado para tributação de determinadas categorias de serviços, como: serviços de ensino fundamental, médio e de idiomas; agências terceirizadas de correios; casa lotéricas; manutenção em geral; escritórios de contabilidade, transporte municipal de passageiros e locação de bens móveis 26. Apresentamos o anexo III, a seguir: Anexo III – Alíquotas e partilha do Simples Nacional: receitas de locação de bens móveis e de prestação de serviços, não relacionados no § 5º-C do art. 18 da Lei Complementar nº 123/06 (vigência: 1º de janeiro de 2018) faixas receita bruta em 12 meses (em R$) alíquota valor a deduzir (em R$) 1ª faixa até 180.000,00 6,00% – 2ª faixa de 180.000,01 a 360.000,00 11,20% 9.360,00 3ª faixa de 360.000,01 a 720.000,00 13,50% 17.640,00 4ª faixa de 720.000,01 a 1.800.000,00 16,00% 35.640,00 5ª faixa de 1.800.000,01 a 3.600.000,00 21,00% 125.640,00 6ª faixa de 3.600.000,01 a 4.800.000,00 33,00% 648.000,00 Fonte: Lei Complementar nº 123/06 26 Para conhecer todas as atividades ver: § 5º-B incisos I até XXI; § 5º-D; § 5º-E; e § 5º-F, do art. 18 da Lei Complementar nº 123/06. 38 As alíquotas são distribuídas entre os tributos da seguinte forma: faixas IRPJ CSLL Cofins PIS CPP ISS 1ª faixa 4,00% 3,50% 12,82% 2,78% 43,40% 33,50% 2ª faixa 4,00% 3,50% 14,05% 3,05% 43,40% 32,00% 3ª faixa 4,00% 3,50% 13,64% 2,96% 43,40% 32,50% 4ª faixa 4,00% 3,50% 13,64% 2,96% 43,40% 32,50% 5ª faixa 4,00% 3,50% 12,82% 2,78% 43,40% 33,50% (*) 6ª faixa 35,00% 15,00% 16,03% 3,47% 30,50% – Fonte: Lei Complementar nº 116/03. (*) O percentual efetivo máximo devido ao ISS será de 5%, transferindo-se a diferença, de forma proporcional, aos tributos federais da mesma faixa de receita bruta anual. Sendo assim, na 5ª faixa, quando a alíquota efetiva for superior a 14,92537%, a repartição será 27: IRPJ CSLL Cofins PIS CPP ISS 5a faixa, com alíquota efetiva superior a 14,92537% (alíquota efetiva – 5%) x 6,02% (alíquota efetiva – 5%) x 5,26% (alíquota efetiva – 5%) x 19,28% (alíquota efetiva – 5%) x 4,18% (alíquota efetiva – 5%) x 65,26% percentual de ISS fixo em 5% Fonte: Lei Complementar nº 123/06 Algumas atividades de serviços que na sua natureza possuem a previsão de cessão de mão de obra, como: construção civil, paisagismo, decoração de interiores, vigilância patrimonial e limpeza e conservação, além das empresas de serviços advocatícios, terão as suas receitas tributadas na forma do anexo IV, ocasião em que não estará contemplada a Contribuição Previdenciária Patronal (CPP), conforme a seguir: 27 Anexo III da Lei Complementar nº 123/06. 39 Anexo IV – Alíquotas e partilha do Simples Nacional: receitas decorrentes da prestação de serviços relacionados no § 5º-C do art. 18 da Lei Complementar nº 123/06 (vigência: 1º de janeiro de 2018) faixas receita bruta em 12 meses (em R$) alíquota valor a deduzir (em R$) 1ª faixa até 180.000,00 4,50% – 2ª faixa de 180.000,01 a 360.000,00 9,00% 8.100,00 3ª faixa de 360.000,01 a 720.000,00 10,20% 12.420,00 4ª faixa de 720.000,01 a 1.800.000,00 14,00% 39.780,00 5ª faixa de 1.800.000,01 a 3.600.000,00 22,00% 183.780,00 6ª faixa de 3.600.000,01 a 4.800.000,00 33,00% 828.000,00 Fonte: Lei Complementar nº 123/06 As alíquotas são distribuídas entre os tributos da seguinte forma: faixas IRPJ CSLL Cofins PIS ISS 1ª faixa 18,80% 15,20% 17,67% 3,83% 44,50% 2ª faixa
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