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DESCRIÇÃO A construção do saber jurídico penal, seus conceitos básicos e a prát ica do sistema de just iça criminal em meio ao const itucionalismo. PROPÓSITO Compreender as funções, o conceito e a fonte do Direito Penal, bem como o conceito de bem jurídico penal e os principais princípios que regem a área, à luz do const itucionalismo, é fundamental para a construção democrát ica das ciências criminais. PREPARAÇÃO Antes de iniciar este conteúdo, tenha em mãos a Const ituição; o Código Penal e Leis Penais Extravagantes – Pacote Ant icrime (Lei n. 13.964/2019); o Estatuto do Desarmamento (n. 10.826/2013); a Lei n. 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro); a Lei n. 13.964/2019 (Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal); e a Lei n. 11.343/2006 (Lei de Polít icas Públicas sobre Drogas). OBJETIVOS MÓDULO 1 Definir o conceito, as funções e as fontes do Direito Penal MÓDULO 2 Descrever o conceito de bem jurídico e o sent ido do const itucionalismo para o saber jurídico- penal MÓDULO 3 Ident ificar os princípios em espécie no Direito Penal desde uma perspect iva garant ista INTRODUÇÃO Estudaremos alguns conceitos de base da grande área de conhecimento Direito Penal. Os itens que seguem, na forma de tópicos, est ruturam o campo como saber jurídico, daí sua enorme importância. Por isso, sugerimos que assumam este estudo como parte estruturante do percurso iniciado na grande área das Ciências Criminais. MÓDULO 1 Definir o conceito, as funções e as fontes do Direito Penal CONCEITO E CARACTERÍSTICAS Um bom conceito de disciplina é fundamental para que se pontue sua localização como saber jurídico. No caso do Direito Penal, t rata-se de um conjunto de normas que incriminam condutas, descrevendo os comportamentos t ípicos e as penas a eles cominadas, incluindo-se aí a disciplina não só quanto ao tempo de sanção, para cada ilícito, como também espécie, valor, normas de execução, entre outros. Nas palavras de Nilo Bat ista: TRATA-SE DO CONJUNTO DAS NORMAS JURÍDICAS QUE, MEDIANTE A COMINAÇÃO DE PENAS, ESTATUEM OS CRIMES, BEM COMO DISPÕEM SOBRE SEU PRÓPRIO ÂMBITO DE VALIDADE, SOBRE A ESTRUTURA E ELEMENTOS DOS CRIMES E SOBRE A APLICAÇÃO E EXECUÇÃO DAS PENAS E OUTRAS MEDIDAS NELAS PREVISTAS. (BATISTA, 2007, p. 50.) Estamos diante de um ramo do Direito que nos convida a pensar sobre as infrações penais e as sanções aplicáveis a cada uma delas, tendo como método a revisão teórica dos temas, o que é próprio do saber dogmát ico. O Direito Penal tem por objeto fundamental as condutas humanas (ações ou omissões), que serão descritas nos t ipos legais junto à sanção aplicável (SANTOS, 2014, p. 3). Veja dois exemplos: Foto: Shutterstock.com Furto Está definido no art igo 155 do Código Penal da seguinte forma: “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel” (preceito primário). Trata-se de um crime que é comet ido mediante uma ação, uma conduta posit iva, e que logo tem a sanção definida pelo legislador como “reclusão, de um a quatro anos, e multa” (preceito secundário). javascript:void(0) javascript:void(0) Foto: Shutterstock.com Omissão de notificação de doença Está definido no art igo 269 da seguinte forma: “Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja not ificação é compulsória” (preceito primário). Trata-se de um ilícito que tem como objeto uma omissão, uma conduta negat iva, e cuja realização poderá ensejar a aplicação de “detenção, de seis meses a dois anos, e multa” (preceito secundário). PRECEITO O preceito primário descreve detalhadamente a conduta que se procura proibir ou impor. Por outro lado, o preceito secundário é aquele que fica encarregado de individualizar a penas. Retomaremos esse conteúdo mais à frente, quando estudarmos o princípio da lesividade do Direito Penal. Por ora, o importante é que se saiba da centralidade desse objeto, as condutas humanas, até para que se entenda quais são suas característ icas. Quanto às condutas humanas, t rata-se de um ramo do Direito Público , porque lida com interesses da colet ividade e porque é o Estado quem detém o “poder punit ivo”, o poder de, em se comprovando ter havido um crime, impor a punição. Além disso, a sua interpretação const itucional, que será explorada ainda neste material, é outro fator indiciário desse at ributo, javascript:void(0) sem o qual não pode o Direito Penal encontrar lugar em um Estado Democrát ico de Direito. Disso decorre outra marca dessa ciência: suas normas são indisponíveis, cogentes. Esse at ributo é de fácil compreensão, pois ainda que, por exemplo, uma pessoa conteste a noção de “propriedade” na sociedade capitalista, discordando da legit imidade do t ipo penal, se ficar provado que ela subtraiu coisa alheia móvel, ela incorrerá nas penas do crime de furto. ATENÇÃO O caráter repressivo também costuma ser apontado como característ ica, mas é preciso mencionar que se t rata de ramo que justamente tende a limitar o poder repressor do Estado, que, sem essa ciência, mostra-se ilimitado. Por isso, não concordamos com a perspect iva de ser um direito, em essência, sancionador. Sem desconsiderar o fato de a sanção penal ter centralidade, inclusive sendo esse o mot ivo de essa área ser referida como “Direito Penal”, como ficará mais claro nos próximos tópicos, sob uma perspect iva const itucional, t rata-se de um direito que deve ser contentor do poder estatal, mesmo que esteja a ele referido. A sanção acompanha os fatos ilícitos, mas o direito aqui estudado tem por finalidade precípua estabelecer balizas ao poder punit ivo. O QUE É O DIREITO PENAL? Assista ao vídeo para saber mais sobre o conceito e as característ icas do Direito Penal. FONTES Já estudamos o que chamamos de Direito Penal. Agora precisamos reflet ir quais serão nossos “materiais de estudo”. Quando estudamos o tema das “fontes”, no Direito, queremos descobrir de onde emana, quais as suas referências gerais. Nesse sent ido, temos: FONTES FORMAIS Podem ser imediatas e mediatas, que dizem respeito à forma como o Direito Penal se exterioriza — por isso também conhecidas como fontes de conhecimento. FONTES MATERIAIS Tema que nos provoca a pensar sobre qual órgão estatal é responsável pela matéria. A primeira fonte formal imediata do Direito Penal, e certamente a mais lembrada, é lei penal, aí incluídas as normas que estão no Código Penal e na legislação extravagante. Essa é uma disciplina importante, pois, como informa o princípio da legalidade (art . 5º, incisos II e XXXIX), apenas a lei pode criar infrações penais. Foto: Shutterstock.com ATENÇÃO javascript:void(0) javascript:void(0) Não se esqueça disto, que vamos apresentar melhor no tópico “Princípios”: por mais que alguém ache extremamente reprovável uma conduta, ela só poderá ser chamada de criminosa se, quando da conduta, o legislador a previa como infração penal. Também por isso não dizemos que a “analogia” não é fonte do Direito Penal, embora, como se verá adiante, seja admit ida em determinados casos —porque é apenas a lei que poderá definir crime. Veja-se o seguinte exemplo concreto: EXEMPLO A capoeiragem deixou de ser considerada infração penal, não havendo mais a sua previsão legal — como havia no Código Penal da República, em 1890. Por isso, nenhuma roda de capoeira, atualmente, deve ser entendida como criminosa. Também como espécie de fonte formal, temos a Constituição , sendo sua fonte fundamental: considerando que vivemos em um Estado Democrático de Direito , a Const ituição impõe que tanto a redação das leis formais como a forma como seus conceitos são interpretados estejam em harmonia com a sistemát ica const itucional. Por isso, desenvolveremos a ideia de um “Direito Penal Const itucional” em que se possa dar destaque às interpretações const itucionais das normas penais e que t rabalharemos em item posterior. Foto: Shutterstock.com Outros exemplos de fontes formais imediatas são os tratados e convenções internacionais de direitoshumanos, que impõem disciplinas e inspiram formas de interpretação das normas penais. Podemos mencionar, ilust rat ivamente, as Regras de Bangkok, que tornaram mandatórias as reformas no que se refere ao cumprimento de pena por mulheres gestantes e mães, a exemplo do art . 14 da Lei n. 7.210/1984. O compromisso internacional com o tema mot ivou o legislador nacional a manifestar-se, no exemplo apontado, quanto à necessidade de, mesmo em situação de privação de liberdade, a mulher gestante ter acompanhamento médico, especialmente no “pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido”. Até a rat ificação desse tratado, não havia norma expressa nesse sentido. Outro exemplo são os complementos normativos, que apontam o sent ido de um conceito t razido por uma norma penal — classificada como norma penal em branco em sent ido estrito —, porém emanam de outra esfera de poder, funcionando muitas vezes como requisito fundamental para a implementação de um t ipo. É o caso da Portaria n. 344 da Anvisa, que tem sido atualizada constantemente e cumpre o papel de informar o que são “drogas”, para fins de aplicação da Lei n. 11.346/2006 — conhecida como “Lei de Drogas”. Veja que, para interpretar a conduta prat icada por uma pessoa como “t ráfico de drogas” (art . 33), é preciso saber se a substância que a pessoa estava portando — imagine-se um “pó de coloração branca” — é classificada como substância ilícita em nosso país, sob pena de não termos um ilícito penal. Se, após os testes da perícia, for apurado t ratar-se de “cocaína”, e sendo essa uma das substâncias constantes na referida portaria, então temos um forte indício de prát ica classificada como criminosa. Se, de outro lado, a perícia constatar ser “farinha de trigo”, não haverá ilícito penal algum. Outras espécies dessas fontes são: JURISPRUDÊNCIA Como conjunto de entendimentos dos t ribunais, informando a forma como disposit ivos são aplicados ao longo do tempo. PRINCÍPIOS Serão estudados à frente e que têm uma importância central nesta disciplina, sendo referidos também como verdadeiras regras. Alguns autores classificam estas últ imas como fontes formais mediatas. javascript:void(0) javascript:void(0) Os textos teóricos do tema, isto é, o que se produz academicamente sobre essa disciplina, são referidos comumente como “doutrina”. Tanto são fontes importantes, que estão sendo lidas por você neste momento, visando à sua formação nessa área. Referida como fonte formal mediata, toda produção em nível teórico, isto é, escritos em livros, art igos cient íficos, relatórios de pesquisa, entre outros, pode e deve ser fonte. EXEMPLO Outro modelo são os costumes, como normas de comportamento culturalmente localizadas, que sempre aparecem nesse âmbito da discussão das fontes do Direito, e irão impactar diretamente o que se refere à consideração de determinadas prát icas como criminosas. É o caso do “adultério”, por exemplo, que foi crime previsto até 2005 e, na prát ica, apenas at ingia mulheres. Os debates sobre as estruturas patriarcais que informavam essa prát ica do sistema de just iça criminal levaram à reforma do nosso Código, que deixou de prevê- la como infração penal. Ao falarmos em fonte material, queremos reflet ir sobre o órgão produtor das normas penais — por isso também são conhecidas como fontes de produção ou substanciais. No caso do Direito Penal, segundo art . 22, I, da CRFB/1988, a fonte material é a União. O const ituinte t rouxe apenas uma hipótese excepcional, no parágrafo único desse disposit ivo, permit indo que, mediante lei complementar que autorize, Estados-membros legislem sobre questões específicas. Rogério Sanches Cunha (2020, p. 61) informa que por “específicas” devemos considerar “questões locais” que versem sobre as condições part iculares do território de onde provêm. Todavia, essa é uma disposição que jamais foi efet ivada, desde a promulgação da CRFB/1988, sendo a União o ente federat ivo que tem sido responsável pela elaboração das leis penais em geral. Discute-se, inclusive, se essa possibilidade excepcional violaria o princípio da isonomia, já que se estaria diferenciando a forma como disposit ivos penais recaem, a depender da localidade aplicada. MISSÕES E FUNÇÕES Já sabemos o que estudaremos e onde encontraremos nossas fontes. Porém, para que serve esse ramo do Direito? O Direito Penal tem como função basilar limitar o exercício do poder punit ivo. Sem essa ciência, o poder de punir, de que é t itular o Estado, pode se dar contra qualquer conduta e da forma que o próprio soberano decidir. Imagine então que, se não t ivéssemos um Código Penal, estaríamos ainda mais sujeitos aos arbít rios estatais. Daí a importância fundamental dessa matéria e de sua permanente relação com os princípios democrát icos. Essa é uma função também referida como função garantia, dado ser, portanto, esse conjunto de normas que oferece a todas as pessoas em uma sociedade uma atuação democrát ica do Estado na resposta que dará em ret ribuição ao ato criminoso. Foto: Shutterstock.com Não obstante ser essa a sua função mais essencial, há também outras as quais precisam ser t rabalhadas. Primeiro, aquelas que estarão aqui divididas em função declarada e não declarada. Temos como objet ivos declarados do Direito Penal a chamada proteção de bens jurídicos (ROXIN, 1997, p. 50) — sendo esse um conceito que ainda vamos t rabalhar. De modo geral, como nos ensina Juarez Cirino dos Santos (2014, p. 5), essa função estaria “na proteção de valores relevantes para a vida humana individual ou colet iva, sob ameaça da pena”. ATENÇÃO Como veremos no estudo do princípio da “intervenção mínima”, não são todos os bens que devem demandar a atenção desse ramo, apenas os mais importantes (proteção fragmentária), e tão somente quando nenhuma outra área do Direito se mostrar suficiente para tutelar dado interesse (proteção subsidiária). Além dessa, outras funções “declaradas” nesse grande bloco são: preservação da paz pública; e educativa. Vemos esta últ ima em alguns casos de forma mais explícita que em outros. Por exemplo, costumamos ouvir sobre a importância de crimes ambientais para que a sociedade deixe de prat icar infrações contra o meio ambiente. Essas funções devem também ser situadas em conjunto com uma das conhecidas funções não declaradas no Direito Penal, que a perspect iva crít ica nos ensina. Nesse sentido, podemos dizer que o Direito Penal protege os interesses e necessidades de grupos sociais hegemônicos. Trata-se de uma reflexão que decorre da constatação da forma como o sistema penal, que implementa o conjunto de normas do Direito Penal, atua selet ivamente. Dessa maneira, tem sido referida como função real. Como estratégia de controle social das sociedades contemporâneas, voltando-se apenas contra as pessoas mais vulneráveis, acaba inst ituindo o domínio de uma classe por outra, sendo garant ia da desigualdade social em nosso país. Disso decorre também outro efeito, às vezes referido como função do Direito Penal, que é a chamada função simbólica, bastante presente no contexto atual. Vive-se, em todo o Ocidente, uma mudança na forma como o Estado tem se apresentado. Como Estado neoliberal, percebemos que o aparelho estatal tem dist ribuído menos garant ias sociais, mas, em contrapart ida, intensificado os invest imentos em segurança pública. Aí reside a função simbólica, que é essa de dar a aparência, para a população em geral, de que os governantes estão atuando. Então, não obstante se esteja vivendo um período de sucateamento da saúde e da educação públicas, por exemplo, os governos inst ituídos eximem-se dessas responsabilidades, alegando que estão atuando no controle social e assim garant indo a manutenção nos cargos que ocupam. Imagem: Shutterstock.com Essa função pode ser verificada em seus efeitos correlatos: aumento do encarceramento massivo e inflação legislat iva, que funcionam no campo simbólico aparentando atuação dospoderes estatais, ainda que estejam desfalcando outras áreas importantes para a fruição da cidadania. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. QUANTO AO CONCEITO E ÀS FUNÇÕES DO DIREITO PENAL, MARQUE A ALTERNATIVA CORRETA: A) O Direito Penal, mediante a interpretação das leis penais, proporciona aos juízes um sistema orientador de decisões que contém e reduz o poder punit ivo, para impulsionar o progresso do Estado Const itucional de Direito. B) A implementação de um sistema selet ivo de controle social é uma de suas funções declaradas. C) É função não declarada do Direito Penal a proteção de bens jurídicos. D) A função simbólica do Direito Penal está at relada ao fenômeno de redução do número de legislações criminais. E) O Direito Penal é ramo dissociado do Direito Const itucional, tendo característ icas opostas. 2. (DPE/MA – 2011 – QUESTÃO ADAPTADA) NO QUE DIZ RESPEITO ÀS FONTES DO DIREITO PENAL BRASILEIRO, ASSINALE A OPÇÃO CORRETA. A) O complemento da norma penal em branco considerada em sent ido estrito provém da mesma fonte formal, ao passo que o da norma penal em branco considerada em sent ido lato provém de fonte formal diversa. B) A analogia, método pelo qual se aplica a lei de algum caso semelhante ao que est iver sendo analisado, é classificada como fonte formal mediata do Direito Penal. C) As fontes materiais revelam o Direito; as formais são as de onde emanam as normas, que, no ordenamento jurídico brasileiro, referem-se ao Estado. D) Tratados e convenções internacionais não são fontes do Direito Penal. E) As fontes de cognição classificam-se em imediatas — representadas pelas leis — e mediatas — representadas pelos costumes e princípios gerais do Direito. GABARITO 1. Quanto ao conceito e às funções do Direito Penal, marque a alternativa correta: A alternat iva "A " está correta. As normas do Direito Penal orientam o julgador e implementam um sistema de garant ias para a pessoa acusada contra os arbít rios do Estado. As alternat ivas B e C estão invert idas, isto é, a discussão sobre selet ividade é uma das funções não declaradas do Direito Penal, enquanto a proteção de bens jurídicos, função declarada. Já a alternat iva D está incorreta, pois a função simbólica está at relada ao inchaço das legislações criminais, diretamente relacionado às condições polít icas do projeto do encarceramento em massa. Por fim, o Direito Penal deve ser interpretado à luz da Const ituição e, por também ser ramo de Direito Público, compart ilha, por exemplo, da característ ica de suas normas serem cogentes. 2. (DPE/MA – 2011 – Questão adaptada) No que diz respeito às fontes do Direito Penal brasileiro, assinale a opção correta. A alternat iva "E " está correta. Quanto à let ra A, o complemento provém de fonte formal de outra origem. Enquanto os crimes são oriundos da atuação legislat iva, esses complementos provêm de outras instâncias representat ivas, como é o caso das portarias que provêm do Execut ivo. A analogia não é fonte do Direito Penal, dado que, pelo princípio da legalidade, apenas a lei penal deve criminalizar condutas. A assert iva C apresenta os conceitos invert idos. A let ra D está incorreta, já que essas fontes são important íssimas, ganhando bastante projeção no contexto atual. O gabarito, então está na alternat iva E, sendo essa a definição que t rouxemos para as fontes. MÓDULO 2 Descrever o conceito de bem jurídico e o sentido do constitucionalismo para o saber jurídico-penal O marco das Const ituições, no Ocidente, viabilizou a discussão sobre como os poderes polít icos deveriam estar conformados pela vontade popular e por um sistema de direitos que consagre a dignidade humana e os direitos fundamentais. Como veremos neste e no próximo módulo, o Estado de Direito surge com o escopo de conter e vincular de forma jurídico-normat iva o poder polít ico, de modo que direitos, e no caso das ciências criminais especialmente a tutela da liberdade, possam se tornar a baliza do exercício da cidadania democrát ica. Neste módulo, veremos como o const itucionalismo tem influenciado o Direito Penal, analisando um dos grandes inst itutos que revelam esse giro, o bem jurídico, assim como pensaremos sobre o movimento do const itucionalismo nessa área, que construiu o chamado garant ismo penal. Terminaremos estudando o papel do STF para a construção do Direito Penal, que organiza os dois blocos de debates anteriores de forma pragmát ica. BEM JURÍDICO-PENAL O conceito de “bem jurídico” foi um dos primeiros a ser lapidado tendo em vista um direito penal, segundo a acepção garant ista, que t rabalharemos no próximo módulo. A relação entre esse conceito e o princípio da lesividade, que também será t rabalhado no próximo módulo com maior densidade, é inexorável. A part ir da constatação de que o Direito Penal deve ser a ult ima rat io, isto é, a últ ima medida, quando nenhuma outra área se mostrar suficiente para o amparo das questões e direitos em choque (subsidiariedade) e apenas para defender as mais graves lesões aos mais importantes interesses (fragmentariedade), reflete-se sobre os critérios que poderiam ser fixados para a escolha de fatos com potencial para se t ransformarem em penalmente relevantes. Um deles é, justamente, o do bem jurídico. COMENTÁRIO Por isso, um bom conceito de bem jurídico é estruturante do saber jurídico penal, devendo servir como uma das just ificat ivas necessárias para a decisão em torno da criminalização de uma conduta. Porém, antes de expô- lo, vale a nota de que vem perdendo gradat ivamente o seu substrato, dado que o “expansionismo penal” tem se assentado na ideia de que prat icamente qualquer violação a direitos pode demandar atenção criminal. Retomando a construção desse conceito, perguntamos àquele que esteja em contato com este material: qualquer lesão deve poder configurar-se como criminosa? Quais seriam os critérios para a escolha dos interesses ou bens que poderiam ensejar a resposta criminal? Uma das respostas que se tem dado a essa questão é que apenas as violações que causem um impacto a direitos constitucionais deveriam se configurar dessa maneira, dada a centralidade normat iva da Lei Maior em nosso ordenamento jurídico. Nesse sent ido, quando se fala em Direito Const itucional, aqueles interesses a que se possa atribuir um valor axiológico-normativo de direito fundamental poderiam ser bens juridicamente tuteláveis pelo Direito Penal. Veja-se que esse recorte é estruturante a essa área, já que implica uma eminente estratégia de redução ao poder de punir. Em outras palavras, a delimitação da intervenção estatal que subjaz à construção de um conceito de bem jurídico impõe que pensemos neste como instrumento de legit imidade do exercício do poder punit ivo (TAVARES, 2003). A lesão a bem jurídico é requisito, portanto, da prát ica criminosa, e esse inst ituto também tem uma função garant idora e teleológico-sistemát ica, mantendo o alinhamento das previsões normat ivas com o princípio republicano. A part ir do dever de enunciação de qual o bem jurídico tutelado por cada crime posto em um Estado Democrático, torna-se possível algum controle democrático do processo de criminalização. É fundamental impor ao legislat ivo que declare quais os interesses envolvidos em uma norma criminalizante, devendo apenas recorrer à norma penal em se t ratando de normas que digam respeito a garant ias const itucionais (no sent ido axiológico normat ivo de direito fundamental); bem como ao execut ivo e judiciário o seu controle, podendo analisar casuist icamente a relevância e proporcionalidade de determinada previsão. EXEMPLO O homicídio é um crime previsto no art . 121 do Código Penal e cuja previsão está just ificada, tendo em vista que protege um bem cuja centralidade é, prat icamente, indiscut ível: a vida. Trata-se de um crime que a tem, portanto, como bem jurídico tutelado e que está em completa sintonia com a Const ituição, que ampara o direito sob diferentes vért ices. EXEMPLO A lesão corporal, t ipificada no art . 129 do CP, tem como bem jurídico a “integridade física”, outro interesse que é amplamente tutelado pela Const ituição e essencialmente relacionado com a dignidade da pessoa humana. Por isso, também sempre foi considerado como legít imo e condizente com a ordem const itucional. Por se t ratar de uma disciplina que sempre estará localizada em determinado tempo e espaço, e em um contexto cultural específico, também é preciso pontuar que os bens jurídicos se transformam ao longo do tempo, sobretudo quando alguma acepção passa a ser vista como oposta à matriz const itucional. A t ítulo ilust rat ivo, veja o que aconteceu com o capítulo dos conhecidos “crimes sexuais”: até a vigência da Lei n. 12.015/2009, era referido como um bloco de infrações que tutelava os “costumes”. A problemát ica em torno dessa enunciação reside na limitação do espectro que a liberdade sexual, como um direito fundamental e com sede const itucional, sofre. Também por se considerar que o estupro (art . 213, CP) seria um t ipo que resguardaria os “costumes” e que havia — e ainda há! — uma imensa dificuldade em se reconhecer a prática no bojo de relações sexuais não consentidas entre pessoas, por exemplo, casadas. Embora nunca tenha havido qualquer menção expressa nesse sent ido, ao longo da descrição da figura t ípica, segundo os “costumes”, relações sexuais maritais não poderiam t ipificar infrações penais. Antes, eram postas como um dever, sobretudo, para as mulheres. Isso coibia em muito a denúncia de mulheres que eram vít imas de abusos sexuais por seus parceiros, devendo-se aqui considerar o quanto a redação da lei se afinava a essa ordem. A t ransformação legislat iva deixou claro que o interesse protegido é o da liberdade, da dignidade sexual, em afeição ao amplo significado que a Const ituição at ribui aos direitos sexuais e reprodut ivos. Esse movimento teve também como espectro dificultar, em tese, interpretações que se reduzam a moralismos conservadores e incondizentes com a centralidade da dignidade em nosso ordenamento. Por fim, vale notar que é também um dos principais pontos para a verificação da const itucionalidade de um crime, dimensão que dá sent ido ao controle limitador ao poder punit ivo mencionado. Como exemplo, o debate quanto à inconst itucionalidade do art . 28 da Lei n. 11.343/2006, que será t rabalhada em módulo posterior e que é objeto do RE 635659, visa também a compreender se o bem jurídico “saúde colet iva”, que é o que se diz amparar esse t ipo penal, deve ser um bem jurídico criminalmente relevante e se o consumo de drogas, em nível individual, efet ivamente tem o condão de o ameaçar. CONSTITUCIONALIDADE DO DIREITO PENAL As Const ituições cumprem a função prioritária de implementar um conjunto de normas protet ivas de direitos fundamentais, dotadas de supremacia, e que estruturam toda a ordem jurídico-normat iva. Assim, essas Cartas “conferem à ordem estadual e aos atos dos poderes públicos medida e forma” (CANOTILHO, 2003, p. 245), consolidando as bases mínimas para um sistema de direitos democrat icamente implicado. A vinculação, assumindo esse viés legit imador, passa a ser a medida democrát ica de qualquer um dos ramos do saber jurídico, que devem, em respeito à ordem axiomát ica das Const ituições, ser sempre orientados pela proteção da dignidade humana e garant ia dos direitos fundamentais. Esta é a condição dos direitos e garant ias com sede const itucional em meio ao neoconstitucionalismo: deve-se agir de modo a dar força normat iva a essas disposições, ult rapassando-se a superada visão de terem apenas força programát ica. Com relação aos conflitos de natureza criminal, a régua do const itucionalismo implementa um sistema ao qual se refere como garantismo penal, que nada mais é que a imersão da construção polít ico-teórica do Estado de Direito no âmbito do Direito Penal. Tendo como grande ícone Luigi Ferrajoli (2006), difunde a ideia de um programa posit ivo de proteção integral dos direitos e especialmente das liberdades (BARATTA, 2011, p. 57-58). GARANTISMO Está interessado na limitação da violência punit iva e o faz a part ir da matriz que estudamos agora: a constitucionalização desse saber jurídico. Assim, visa a vincular a totalidade das inst ituições que realizam o controle penal, a totalidade das normas, dos saberes e das categorias cognit ivas em função dos direitos e garant ias fundamentais que assentam nosso ordenamento como um sistema ancorado pela dignidade da pessoa humana. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DIREITO PENAL RELEMBRANDO Como vimos no tópico anterior, vivemos um modelo de organização const itucional que, ao considerar a máxima efet ividade dos direitos e garant ias fundamentais, autoriza a aplicação direta da Const ituição. Essa disciplina é interessante para se pensar no saber jurídico-criminal, que tem as suas bases essenciais ancoradas no art . 5º da CRFB/1988. Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal, Corte Const itucional, tem um papel central na interpretação de disposit ivos à luz dos interesses de nossa Carta, podendo t razer para aqueles que t rabalham na área os limites e possibilidades dos disposit ivos legais à luz dos interesses const itucionais. Vale mencionar, porém, que vivemos em um período de grande at ivismo judicial, com o judiciário como um todo ampliando seu espectro de atuação polít ica e, assim, violando o pacto democrát ico, sobremaneira no que tange à separação de poderes. Deve-se, neste ponto, assentar a relevância do debate em nível programát ico, resgatando a importância do STF na interpretação de normas penais como um todo, desde que visando a dar efet ividade às balizas da dignidade da pessoa humana. Porém, também é importante receber com desconfiança um at ivismo que olvide o fato de que se t rata de uma instância sem representat ividade democrát ica, posta a conhecida dificuldade contramajoritária dos seus membros. Como é sabido, os minist ros do STF não são eleitos e, por esse mot ivo, não podem ser encarados como agentes que representem a vontade popular, tal como o é a agência legislat iva, responsável pela elaboração das nossas leis. Embora ambas as instâncias estejam suscet íveis às vicissitudes do contexto polít ico-econômico em que atuam, o que se quer com estas palavras é despertar atenção do estudante para a aparência de neutralidade da Corte, que deve ser sempre quest ionada. Relembrar a dificuldade contramajoritária e assentar que a Corte deve estar referida aos comandos const itucionais, que são o que verdadeiramente sustenta a sua função, é um dos caminhos necessários para se pensar em um órgão compromissado com asa diret rizes democrát icas. COMENTÁRIO No que se refere ao controle de const itucionalidade, o STF já se manifestou em julgados important íssimos na área estudada, muitas vezes recortando de normas penais previsões dessintonizadas com direitos fundamentais. Era o caso, por exemplo, do art igo 2º, parágrafo 1º, da Lei n. 8.072/1990 (Lei de Crimes Hediondos). Esse disposit ivo previa que qualquer pessoa apenada por um dos crimes elencados como hediondos deveria responder por uma pena, independentemente do seu valor, no regime integralmente fechado. No entanto, a individualização da pena e a progressão de regime são direitos fundamentais, inclusive com status de direito humano, visto comporem importantes acordos internacionais sobre o tema, que estavam feridos de pleno com essa disposição. Foi assim que o STF realizou o controle da norma e, no bojo do julgamento do Habeas Corpus (HC) 111840, julgou inconst itucional essa disposição. São muitos também os casos levados ao Tribunal quest ionando a const itucionalidade de alguns fatos criminosos, grande parte colocando em prova a sintonia das infrações com garant ias fundamentais com sede const itucional. A ADPF 442, que até o momento está pendente de julgamento, é outro exemplo. Nela, a Corte deverá decidirsobre a const itucionalidade da criminalização do aborto, sendo um dos principais debates, há décadas, no campo jurídico. Discute-se diferentes garantias fundamentais das mulheres que praticam o aborto ilícito, assim como a ponderação com a expectativa de vida do feto em gestação. A importância da matéria tem incent ivado o debate mundo afora, e diversos países, privilegiando os contornos const itucionais dos direitos envolvidos, têm chegado, mediante a atuação das Cortes, no resultado da descriminalização condicionada da prát ica. Por todo o exposto, é possível regist rar a importância do STF em matéria de Direito Criminal, de modo a controlar as demais agências do sistema de just iça criminal a equalizarem os disposit ivos legais com os mandados const itucionais, em respeito ao pacto democrát ico inaugurado desde 1988. Não obstante, deve-se reposicionar esse debate reconhecendo-se também os limites da Corte, composta por minist ros não dotados de legit imidade democrát ica e que, portanto, devem sempre referenciar os contornos de sua atuação ao compromisso de dar efet ividade aos direitos fundamentais. NEOCONSTITUCIONALISMO E A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO PENAL PELO STF Assista ao vídeo sobre a análise do neoconst itucionalismo e da interpretação do Direito Penal pelo STF à luz da Const ituição. VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 3 Identificar os princípios em espécie no Direito Penal desde uma perspectiva garantista FUNDAMENTOS A disciplina dos princípios, em qualquer ramo do Direito, emplaca-nos a necessidade de contribuir para a caracterização e a delimitação de uma área, a fim de entender a “lógica” e o sistema de coerências que aquele saber jurídico demanda. No campo do Direito Penal, alguns dos princípios, tais como o da intervenção mínima e da legalidade (entre vários outros), têm um significado polít ico, remontando à própria história de surgimento da área e ao conteúdo dos temas “conceito” e “funções” do Direito Penal — vistos no módulo anterior. Como princípios, seguindo as lições próprias de Direito Const itucional, na clássica dist inção com as “regras”, não têm um valor absoluto e, por isso, não estão sujeitos à regra do “tudo ou nada”. Antes, são mandados de ot imização (ALEXY, 2005, p. 51-52) dotados de carga axiomát ica, estando sujeitos a ponderação. ATENÇÃO Vale notar que nossa Const ituição at ribuiu absoluta centralidade à matéria, reconhecendo sua força normat iva e valorizando a sua importância no processo de aplicação do direito (PEREIRA, 2005), abrindo um campo próprio a part ir do qual alguns princípios têm importância ainda mais essencial, quando comparados com (algumas) regras, dada a sua máxima efet ividade. É em meio a esse (neo)const itucionalismo que a chamada “principiorragia” (STRECK, 2012) tem se espraiado, com nossos t ribunais, cada vez mais, decidindo com base em moralismos, supostamente ancorados nos preceitos genéricos dos princípios, ult rapassando, em muitos casos, o conteúdo de normas de status variado. Embora seja essa a condição geral da matéria, não percebermos ser a racionalidade que impera no campo do Direito Penal, no qual, infelizmente, alguns dos mais básicos princípios que ancoram a dogmát ica aos preceitos democrát icos vêm sendo esquecidos. Por isso, deixamos esta nota para que você reflita sobre a carga democrát ica que a centralidade dos princípios at ribuiria à just iça criminal, tomando-a como uma lição prospect iva. Se o Direito Penal serve para limitar o poder de punir, então há um viés programát ico na disciplina dos princípios. Isso porque implementa um sistema de garant ias em torno da dignidade e da cidadania, por isso a maioria está prevista ao longo dos incisos do art igo 5º da CRFB/1988, que é núcleo da nossa Carta, revest indo-se de caráter de garant ia fundamental. Isso é reflexo do compromisso internacional que nosso país assumiu, em diferentes acordos e t ratados internacionais, de que a resposta criminal por um fato será sempre pautada pelo respeito aos direitos humanos. Esse é o caso, por exemplo, do Pacto de San José da Costa Rica, que define o conteúdo de diversos deles. Assim, é importante que o estudo dos princípios em espécie seja considerado conforme o panorama const itucional em que se inscreve, devendo ser notado o papel de vários incisos do art igo 5º da CRFB/1988, e como se relaciona especificamente com a agenda de um Direito Penal garant idor de direitos, harmonizado, portanto, com nosso Estado democrát ico e com a disciplina internacional dos direitos humanos. PRINCÍPIOS EM ESPÉCIE Entendidas as balizas a part ir das quais esta matéria se estrutura, part imos para a exploração de alguns princípios em espécie, devendo-se anotar que esses são os princípios gerais do Direito Penal, sem que excluam princípios específicos de algumas matérias do campo, que serão retomados em material próprio. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE Enunciado desde o século passado e colocado como uma das principais garant ias para a limitação dos arbít rios do soberano por ícones do iluminismo clássico- jurídico, este é um princípio cujo conteúdo surge na Europa Central, ao longo da revolução burguesa. Trata-se de um mandado que é resposta pendular aos abusos do absolut ismo e afirmação de uma nova ordem, o que já situa o seu caráter eminentemente limitador dos poderes soberanos. No Brasil, esse princípio vem sendo previsto desde a Const ituição Polít ica do Império (1824) e no Código Penal desde 1890. Atualmente, além de previsto no Código Penal e na Const ituição, também consta na Declaração Universal dos Direitos do Homem e Convenção Americana sobre Direitos Humanos. É também por isso que é possível argumentar que o princípio da legalidade deve ser encarado, em vista da sua const itucionalização e relação com o conteúdo dos direitos humanos, como verdadeiro direito público subjet ivo. A previsão legal está no art igo 1º do Código Penal e no art igo 5º, inciso XXXIX, da CRFB/1888: ART. 1º DO CP – NÃO HÁ CRIME SEM LEI ANTERIOR QUE O DEFINA. NÃO HÁ PENA SEM PRÉVIA COMINAÇÃO LEGAL. ART. 5º, INCISO XXXIX, DA CRFB/1988 – NÃO HÁ CRIME SEM LEI ANTERIOR QUE O DEFINA NEM PENA SEM PRÉVIA COMINAÇÃO LEGAL. Trata-se de um princípio relacionado ao interesse da segurança jurídica, porque nos fala sobre a necessidade de todos conhecermos previamente o que se considera crime e qual a sanção prevista para esses ilícitos. Isto é, garant ir a previsibilidade da ação estatal, que passa a estar limitada aos termos enunciados pelas próprias leis que são resguardadas pela legit imidade democrát ica. Veja que isso demanda do nosso legislat ivo uma atuação precisa, ao redigir as normas penais, e do execut ivo e judiciário, uma atuação que não extrapole os próprios termos definidos, comprometendo todas as esferas de poder na realização desse direito. São, assim, violações frequentes a esse mandado as leis penais com redação aberta, exemplificat iva, e o emprego de expressões ambíguas, entre outras que fragilizam a própria dimensão a part ir da qual ele surge. Há quatro importantes decorrências do princípio da legalidade para caracterização das leis penais, que muitas vezes são t ratadas como subespécies desse princípio e são descritas a seguir. A lei penal deve ser prévia (Nullum crimen, nulla poena sine lege praevia) Se a função do princípio da legalidade é garant ir a previsibilidade do poder estatal, então alguém só pode responder por um ilícito penal (novatio legis incriminadora) ou então a qualquer medida restrit iva de direitos (lex gravior) se a previsão da matéria exist ia antes da prát ica criminosa. Isso implica dizer que a lei penal é irret roat iva quando prejudicar a pessoa acusada, exato teor de outro inciso do art . 5º da Const ituição, o XL, segundo o qual “a lei penal não ret roagirá, salvo para beneficiar o réu”. EXEMPLO O recente Pacote Ant icrime (13.964/2019), que entrou em vigor em 2020, t rouxe o crime do §2º do art . 17 ao Estatuto do Desarmamento(10.826/2013). A figura não t inha qualquer previsão anteriormente, e a matéria dos “agentes policiais disfarçados” há décadas era bastante controvert ida, sendo até então encarada como “crime impossível”. Independentemente do debate, certo é que, por ter sido um novo crime (novatio legis incriminadora), só poderá incidir aos fatos prat icados após a vigência da lei. Ainda referente à Lei n. 13.964/2019: houve diversas alterações promovidas em relação ao direito à “progressão de regime” que, regulado pelo art . 112 da Lei n. 7.210/1984, é o direito que toda pessoa encarcerada tem, havendo cumprido um tempo de pena e sat isfeito os demais requisitos previstos em lei, de ser beneficiada por um regime de cumprimento de pena mais “brando”, isso é, menos restrit ivo à liberdade individual. De modo geral, com uma única exceção — que será t rabalhada mais à frente —, a nova lei dificultou a obtenção do direito, aumentando o tempo necessário. Trata-se, assim, de uma alteração que não cria um ilícito, mas torna mais gravoso (lex gravior) o cumprimento de pena em geral. Por isso, como não exist ia quando da prát ica do crime, não tem incidência ret roat iva. Perceba como a irret roat ividade da lei penal mais gravosa é uma decorrência do princípio da legalidade. Afinal, como a lei precisa ser prévia, como uma garant ia limitadora do poder de punir, ela define os termos em que a resposta penal poderá se dar. Veja que, por se t ratar de uma garant ia da pessoa acusada, não deve voltar-se contra ela, sob pena de desvirtuar-se o seu conteúdo básico. Então, imagine que uma legislação tenha alterado determinada matéria, mas de forma a beneficiar o acusado, seja abolindo um crime (abolitio criminis), seja tornando menos gravosa a resposta penal (lex mitior). Nesses casos, a lei tem aplicação imediata, independentemente da data do fato criminoso. Por isso, não se esqueça: a lei penal é irret roat iva em regra, aplicando-se apenas aos fatos posteriores a sua vigência, já que deve ser prévia à conduta criminosa. No entanto, quando for benéfica à pessoa acusada, poderá ret roagir, at ingindo os casos em que o fato tenha sido prat icado antes da vigência legal. Recorde-se, então, do caso da descriminalização do “adultério”, em 2005 (abolitio criminis), que foi comentada no módulo anterior. Por ser uma alteração que beneficia a pessoa acusada, sendo essa a própria função do Direito Penal — implementar um sistema de garantias que limita o poder de punir —, todas as ações penais que versaram sobre esse fato foram ext intas, inclusive aquelas que versavam sobre prát icas anteriores àquele ano da mudança. Como mencionado há alguns parágrafos, o Pacote Ant icrime t rouxe um único afrouxamento para a obtenção da progressão de regime, apenas na hipótese específica de crime comet ido sem violência à pessoa ou grave ameaça (art . 112, I, LEP), reduzindo de 1/6 para 16% o tempo mínimo necessário de cumprimento de pena para a fruição do direito. Sendo esse o caso, há também aplicabilidade imediata da nova lei, já que a alteração beneficia o agente. A lei penal deve ser escrita (Nullum crimen, nulla poena sine lege scripta) A segunda decorrência do princípio nos diz que apenas as normas escritas, públicas e gerais podem provocar efeitos penais. O QUE ISSO QUER DIZER? Isso quer dizer que os costumes não podem ser fonte de criminalização de condutas, dado que apenas as leis penais o são. Assim, embora desempenhem função integrat iva, não se pode imputar uma pessoa criminalmente por ter comet ido um ato não previsto em norma penal mas que contrarie os costumes. Não esqueça: é a lei que delimita a resposta penal. A lei penal deve ser certa Como função garant ia, o princípio da legalidade demanda que as leis sejam determinadas e necessárias, isto é, que não sejam eivadas de termos imprecisos, vagos, expressões abertas a ponto de gerar insegurança jurídica. Afinal de contas, t rata-se do ramo de direito mais oneroso à dignidade humana, já que implica violações mais graves, pela ameaça do cárcere, aos direitos humanos. Esse efeito também é chamado de taxatividade da lei penal. EXEMPLO Vejamos o caso de um crime t rabalhado neste tópico, o recém-criado §2º do art . 17 do Estatuto do Desarmamento (10.826/2013). Como requisito para a configuração t ípica, o art igo fala em “elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente”. Crit ica-se esse art igo, justamente, por deixar a cargo da discricionariedade do julgador a interpretação do que seria “razoável”, expressão que em si carrega uma imensa indeterminação. Esse t ipo de expressão, por afeto ao princípio da legalidade, que é mandado fundamental da ordem democrát ica, deve a todo custo ser evitada. A decorrência do princípio da taxat ividade é justamente a de que a lei possa ser o mais precisa possível. A lei penal deve ser estrita O últ imo efeito, muito relacionado ao anterior, torna mandatórios, para efeitos de responsabilização criminal, termos expressos na lei. Sabemos que, havendo uma lacuna legislat iva, em qualquer outra área do Direito, uma das possíveis técnicas é a aplicação analógica a leis e fatos semelhantes. No entanto, no Direito Penal, é impossível que haja uma inovação na interpretação da lei, quando isso implicar um prejuízo para o réu. É o brocado bastante conhecido da “vedação da analogia in malam partem”. Se a resposta do Estado, por meio do poder punit ivo, só cabe quando houver uma lei prévia, escrita, certa e estrita, qualquer lacuna deve fazer presumir que o legislat ivo não deu relevância penal à questão. Porém, não se esqueça: t rata-se de uma garant ia, por isso, o contrário não é admit ido. Aceita-se a analogia em uma hipótese específica: quando beneficiar o réu. É referida como analogia in bonan partem. Um bom exemplo é o caso das escusas absolutórias do Código Penal para os crimes contra o patrimônio, sem violência ou grave ameaça, nos termos do art . 181 do Código Penal. Então, imagine que uma pessoa subtraia um bem (furto) do próprio cônjuge. Nesse caso, poderá haver a incidência dessa isenção de pena, o que, em termos prát icos, fará com que a pessoa não receba a punição (excludente de punibilidade). Porém, veja que o art igo menciona “cônjuge”, não “companheiro”, isto é, pessoa casada, mas não em união estável, nos termos delimitados pelo Código Civil. Podemos depreender que está um absorvido pelo outro, inclusive considerando a equiparação feita pelo STF entre cônjuges e companheiros (RE 878.694)? Se esse raciocínio est ivesse sendo empregado para o caso de “criar” uma hipótese criminosa não expressamente prevista, isto é, se o ilícito penal demandasse, para ser caracterizado, da qualidade “cônjuge”, não seria possível aplicar a analogia para criminalizar um “companheiro”. Isso porque, para a finalidade incriminadora, a analogia está vedada, decorrência do princípio da legalidade. No entanto, para o fim em debate, é possível o emprego da analogia, já que se t rata de uma causa que eximirá da responsabilidade penal aquele que a prat ique, isto é, que beneficie a pessoa acusada. ATENÇÃO Uma últ ima ressalva, porém, deve ser feita. Embora tenha sido acatada a tese da possibilidade da analogia in bonan partem, os t ribunais têm exigido, para fins de reconhecimento da analogia in bonan partem, ampla fundamentação, demandando da parte que a alega a prova da relação das hipóteses aproximadas. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NO DIREITO PENAL Veja este vídeo sobre a análise dos diversos aspectos da legalidade do Direito Penal. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA (ÚLTIMA RATIO) Trata-se de outro princípio criado pela burguesia para conter os abusos criados no absolut ismo, muito t rabalhado também pelo iluminismo clássico- jurídico e que vem sendo bastante debat ido na atualidade, em reação ao chamado “expansionismo penal”. Para a sua construção teórica, temos que compreender a seguinte premissa: o Direito Penal conduz à intervenção mais radicalna liberdade do indivíduo, já que trabalha com a ameaça de uma pena no sentido aflit ivo. Os danos provocados pelo encarceramento de um sujeito, em nível individual e colet ivo são, muitas vezes, irrecuperáveis, por isso todo cuidado deve ser tomado para que essa ameaça seja absolutamente excepcional (ultima ratio). Propõe-se, com a intervenção mínima, que o Estado não recorra ao Direito Penal se houver a possibilidade de garant ir uma proteção suficiente ao bem tutelado por meio de outros instrumentos jurídicos, isto é, não penais. ATENÇÃO Apenas quando houver uma urgente necessidade, quando nenhum outro meio puder amparar aquela violação (subsidiariedade), e sendo aquele um bem jurídico de suma relevância (fragmentariedade), é que aquele fato terá relevância criminal. Veja o seguinte exemplo: o descumprimento de um contrato. Será que o mero inadimplemento poderia const ituir crime? Seria razoável ameaçar alguém com uma pena caso não cumprisse com um acordo privado? Por assim não entender o legislador, é que o mero descumprimento contratual enseja a responsabilização civil em regra, mas não criminal. Esse é um princípio que não tem previsão expressa na Constituição, embora seja reconhecido de forma uníssona, tanto pela doutrina como pela jurisprudência. E vale ressaltar: é um dos que estão em diálogo mais direto com nosso Estado Democrát ico de Direito. Como apontado nos parágrafos anteriores, desse princípio subtraem-se outros dois. SUBSIDIARIEDADE FRAGMENTARIEDADE SUBSIDIARIEDADE Entender o Direito Penal como remédio sancionador extremo implica dizer que a sua atuação deve estar restrita às hipóteses em que outro remédio não se mostrar eficiente, isto é, as respostas que o Direito Civil e o Administ rat ivo, por exemplo, podem oferecer. FRAGMENTARIEDADE Impõe uma visão onicompreensiva do Direito Penal. De acordo com esse princípio, deve haver uma seleção dos bens jurídicos ofendidos a serem protegidos e das formas de ofensa possíveis, devendo apenas as ofensas mais gravosas receberem o status de infração penal. Esse é um princípio em constante discussão, já que vivemos em um período de expansão penal, com a edição recorrente de leis penais que têm tornado quase qualquer lesão criminosa. O Brasil é um dos países com maior número de condutas criminosas reconhecidas pelas leis penais. Só no Código Penal, são mais de t rezentos crimes e, certamente, com o conjunto de legislações extravagantes, esse total deve superar o número de mil infrações penais. Será que todas essas condutas reconhecidas como infrações penais mereciam a tutela desse ramo do Direito ou será que algumas delas poderiam ser, inclusive de forma mais harmônica, solucionadas exclusivamente em outras áreas? Um breve passeio pela Lei de Contravenções Penais é suficiente para que se constate que há violações de conteúdo irrisório reconhecidas como criminalmente relevantes, que violariam o postulado da intervenção mínima nas suas duplas dimensões, fragmentariedade e subsidiariedade. Por isso, é fundamental debater a que responde e a que interesses atende essa expansão penal. PRINCÍPIO DA LESIVIDADE (OU OFENSIVIDADE) Afeto ao princípio anterior, o princípio da lesividade tem previsão const itucional no art . 5º, inciso XXXV, da CRFB/1988. Na área criminal, esse princípio nos diz que apenas uma ofensa ou ameaça de ofensa pode const ituir crime, sendo, portanto, a ofensividade exigência constitucional de legit imidade do ilícito. Trata-se de um princípio dirigido, especialmente, a duas partes: Ao legislador Que não pode tornar t ípicas condutas que nem sequer ameacem de ofensa algum bem jurídico — lembrando, apenas os mais relevantes e quando a intervenção criminal for a ultima ratio; Ao intérprete Que é quem deverá verificar se o caso concreto apresenta essa lesão ou ameaça de lesão ao bem protegido por certo crime. Esse princípio dá ensejo a algumas importantes proibições, que deveriam balizar a área: i) Proibição da criminalização de at itudes internas, tais como ideias, convicções, desejos, aspirações, sent imentos. ii) Proibição da criminalização de condutas que não excedam o âmbito do próprio autor (por exemplo: autolesão; tentat iva de suicídio). iii) Proibição da criminalização de estados ou condições existenciais. iv) Proibição da criminalização de condutas que não lesionem bem jurídico. Veja como seria absolutamente arbit rário sujeitar uma pessoa às sanções penais por um ato nem sequer iniciado, já que qualquer pessoa tem o direito de arrepender-se. EXEMPLO Um dos mais clássicos é o art . 306 da Lei n. 9.503/1997 (CTB). Veja que o crime antecipa a ofensividade, visto que, se o condutor, vamos supor, at ropelar alguém, incorrerá em outra prát ica (uma lesão corporal por exemplo); aqui, o que se está definindo como crime é o mero ato de dirigir tendo feito uso de substância entorpecente, independentemente da ocorrência de qualquer efet iva ofensa. Aqueles que advogam pela const itucionalidade desse disposit ivo o fazem dizendo que não se atenta ao princípio da lesividade, visto implicar clara “ameaça a ofensa” de bem jurídico. A danosidade das condutas decorrentes desse ato seria de tamanha gravidade que justificaria a antecipação da ameaça penal. Não obstante, há aqueles que discutem a const itucionalidade do disposit ivo e/ou propõem uma interpretação const itucional desse crime, exigindo que, para a resposta criminal acontecer, deve a acusação comprovar ao menos essa ameaça. EXEMPLO Imagine se a pessoa for flagrada na condução em uma estrada deserta, sem que nenhum ser (humano ou não humano) est ivesse próximo e sem que houvesse alguma propriedade privada cont ígua. Havendo algum acidente, provavelmente aquela ameaça se esgotaria ao campo da ofensa a direito próprio, que não tem relevância criminal segundo as balizas desse princípio. Essa também é uma discussão bastante afeta ao t ipo do art igo 28 da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas). Veja que o legislador just ifica o crime de “posse para consumo pessoal”, que está insculpido no disposit ivo citado, afirmando tutelar a “saúde colet iva”, não a saúde individual. O discurso legit imador desse ilícito afirma que o consumo próprio causaria danos que extrapolariam o indivíduo, impactando, por exemplo, o sistema de saúde colet iva e a dinâmica de repressão ao varejo ilícito de drogas. Não obstante, t rata-se de lesões indemonstráveis em nível prát ico, e cuja presunção pode ser indicada como inconst itucional, sendo esse um dos mot ivos pelos quais o crime vem tendo a sua const itucionalidade debat ida pelo STF, no bojo do RE 635659, que ainda pende de julgamento. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA (BAGATELA) Decorrência do princípio da lesividade e int imamente relacionado com o princípio da intervenção mínima, o critério da insignificância inaugura uma técnica de interpretação da lei aos casos concretos, com vistas a afastar a incidência da norma penal nas hipóteses em que a conduta não afete o bem jurídico protegido de forma suficientemente relevante. O princípio surge para corrigir a discrepância entre o “abstrato” (norma penal) e o concreto (caso analisado) e para dirimir a divergência entre o direito formal e o material. Instrumento de interpretação restrit iva do Direito Penal, implica verdadeira polít ica criminal, podendo afastar a responsabilização criminal quando demonstrado que aquilo que just ifica a própria ameaça penal, isto é, a importância do bem protegido, não foi violado de forma significante. EXEMPLO Imagine, então, o seguinte exemplo: um jovem subtrai, de uma grande loja de departamento, uma bala cujo valor foi calculado em R$1,00 (um real). Veja, essa seria uma conduta criminosa em tese, visto sat isfazer os requisitos do art . 155 do Código Penal, que viemos estudando neste conteúdo. Essa pessoa, dolosamente, subtraiu coisa alheia móvel (a bala). No entanto, seria economicamente razoável mobilizar-se todo aparato do sistema de just iça criminalpara amparar essa lesão, ínfima para a vít ima (a loja de departamento)? O pagamento de servidores do Tribunal e até, havendo prisão, da inst ituição penitenciária, entre outros ônus, que superariam em muito o valor do bem furtado e a relevância prát ica dessa lesão não just ificaria a mobilização de toda a burocracia estatal naquele caso concreto. Sem falar em todos os danos provocados ao agente e seus familiares, que são inest imáveis. Considerando essas hipóteses é que o princípio da bagatela vem há muito sendo debat ido pelos tribunais, que têm considerado o seu reconhecimento como “causa supralegal de exclusão da tipicidade”, e enfrentado bastante dificuldade na fixação de critérios para a determinação da “razoabilidade” da lesão. Considerando esse fim, o STJ tem proposto quatro pressupostos para o reconhecimento do princípio da insignificância, quais sejam: I) Mínima ofensividade da conduta do agente. II) Nenhuma periculosidade social da ação. III) Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento. IV) Inexpressividade da lesão jurídica provocada. Vale notar que se t rata de critérios fixados jurisprudencialmente, que em si não comportam conceitos rígidos e demandam uma análise bastante casuísta e precária, já que carecem da legit imidade democrát ica que apenas as leis apresentam. Porém, um dos principais fatores de afastamento da causa, em âmbito nacional, tem sido o reconhecimento de que a prát ica criminosa foi comet ida com violência e grave ameaça, caso em que, têm dito os t ribunais, a expressão dos danos à saúde (amplamente reconhecida) impossibilita a análise da própria insignificância. ATENÇÃO Salienta-se que, quanto ao tema, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao examinar conjuntamente os HC n. 123.108/MG, 123.533/SP e 123.734/MG, todos de relatoria do minist ro Roberto Barroso, definiu que a incidência do princípio da bagatela deve ser feita caso a caso. PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL (INTRANSCENDÊNCIA DA PENA) Muito estudado no campo da “teoria da pena”, esse é um princípio com sede const itucional, especificamente no art . 5º, XLV da CRFB/1988. Também conectado ao pressuposto que constrói o princípio da intervenção mínima, temos aqui um mandado que parte da premissa de que a responsabilização criminal deve ser a ultima ratio. Por isso, apenas os responsáveis diretos pelas lesões ou ameaças a lesões, isto é, autores (e part ícipes) dos crimes, devem ser criminalmente responsabilizados pelas infrações penais que cometam, sem que isso exclua a possibilidade de ascendentes e descendentes arcarem com a responsabilização civil dos danos. NENHUMA PENA PASSARÁ DA PESSOA DO CONDENADO, PODENDO A OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO E A DECRETAÇÃO DO PERDIMENTO DE BENS SER, NOS TERMOS DA LEI, ESTENDIDAS AOS SUCESSORES E CONTRA ELES EXECUTADAS, ATÉ O LIMITE DO VALOR DO PATRIMÔNIO TRANSFERIDO. Art . 5º, XLV da CRFB/1988. Com base nesse princípio, o Código Penal, em seu art igo 107, I, prevê que a morte do autor do fato criminoso implica a ext inção da punibilidade da conduta. Não obstante, sabemos que alguns dos efeitos da pena acabam espraiando-se para além da pessoa autora do crime. Podemos quest ionar a efet ividade desse princípio em um país como o nosso, onde a manutenção de uma pessoa presa é feita em grande parte pelos seus familiares, que acabam recebendo via reflexa os efeitos de uma pena privat iva de liberdade, já que, além de passarem também pelos processos de est igma, comumente arcam com o fornecimento de alimentos e itens básicos de higiene pessoal não supridos pelas penitenciárias nacionais, sendo recorrentes as denúncias de revista vexatória, condições indignas de espera, entre outras. Isso sem contar os danos para família, filhos e dependentes em geral, que nos colocam a necessidade de pautar de forma mais responsável a incidência do princípio da ultima ratio, para que se evite, por ricochete, a lesão a esse princípio reitor. PRINCÍPIO DA HUMANIDADE Também referido ao marco do iluminismo clássico, o princípio da humanidade foi um dos mot ivadores dos reflexos da revolução burguesa no campo da dogmát ica penal. A cena das torturas, dos t rabalhos forçados, dos suplícios, entre outras violações em praça pública, próprias do absolut ismo, incent ivaram a construção de um programa de cumprimento de pena balizado pela sistemát ica dos direitos e garant ias fundamentais, mais uma vez importando na limitação do poder soberano. Esse princípio ganha especial projeção após a vigência da CRFB/1988, que torna central a proteção da dignidade da pessoa humana, desde o seu art . 1º, e prevê expressamente a humanidade no art . 5º, incisos III, XLVII e XLIX. Assim, estão impedidas a pena de morte — com a ressalva específica da hipótese da guerra (art . 84, XIX, CRFB/1988) —, as de caráter perpétuo, bem como de t rabalho forçado, banimento e as cruéis. Também está vedada a tortura, assim como o t ratamento degradante, e está garant ido o direito à integridade física e moral da pessoa em condição de cárcere. Trata-se aqui da importação de direitos que já estavam consagrados pela comunidade internacional, previstos, por exemplo, na Convenção Americana de Direitos Humanos. Uma discussão que precisa ser feita é se a autoevidência das condições dos cárceres em todo o país faz valer o compromisso com esse princípio. O sistema prisional, em todo o mundo, é talvez o principal problema de direitos humanos que enfrentamos. Considerando isso, o STF, no bojo do julgamento do RE 592.591/RS e da ADPF 347, referiu-se ao sistema penitenciário como “Estado de Coisas Inconst itucional”. Nessa importante sessão, a Corte atestou a crise do sistema prisional, considerando a naturalização da violação de direitos fundamentais da população aprisionada. Deixamos para você a nota desse julgado para que reflita se a perpetuação do cárcere, nos modelos que conhecemos em nosso país, está em alguma medida sintonizada com o mandado do princípio da humanidade, condição precípua de qualquer Estado Democrát ico de Direito. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE No campo do Direito Penal, o conhecido princípio da proporcionalidade se expressa em um juízo de ponderação acerca da relação existente entre o bem lesionado ou posto em perigo e o bem de que alguém pode ter sido privado, para assim debater se a responsabilidade criminal deve efetivamente ser acionada e, em caso posit ivo, como deve ser apresentada. Também é um princípio subdividido em outros t rês, quais sejam: NECESSIDADE Que verifica se outros ramos tutelam aquela violação (comunica com a intervenção mínima); ADEQUAÇÃO Em que se indaga se realiza o fim de proteção do bem jurídico, se é meio út il, eficaz e idôneo para enfrentar aquele problema social; PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO Quando se perquire se a pena e o t ipo são proporcionais em relação à natureza e extensão da lesão abstrata e/ou concreta do bem jurídico. Com base nesses critérios, podemos verificar a sua incidência tanto para a elaboração de normas penais – dado que o legislador precisará pautar-se por essa análise quando da decisão acerca da proporcionalidade (ou não) da existência de um dado crime – como também se dirige aos aplicadores do Direito, já que também cabe ao judiciário fazer uma avaliação casuíst ica desse mandado. Embora não se esgote nesse campo, é muito comum que se debata o princípio a part ir da análise das sanções previstas para determinados fatos criminosos, assim como das causas de ext inção da punibilidade, o que, no geral, faz despertar a costumaz incongruência nessa área. A t ítulo ilustrat ivo, veja-se o art . 34 da Lei n. 9.249/1995, que prevê a ext inção da punibilidade em crimes contra o sistema t ributário caso o valor seja devolvido antes do recebimento da denúncia. Não há um disposit ivo próximo para os outros crimes, comet idos pelas pessoas de grupos não hegemônicos. Pelo contrário: o grande indexador do encarceramento masculino no Brasil são os delitos patrimoniaissem violência ou grave ameaça e que atingem bens de valores ínfimos. Isto é, a imensa maioria de homens presos reponde por fatos que, se fossem albergados por causa semelhante, nem sequer dariam ensejo à sanção penal. Deixa-se, portanto, a seguinte reflexão: agiu o legislador com proporcionalidade ao prever a causa para os crimes contra o sistema financeiro sem que haja equivalente para crimes de natureza similar no Código Penal? Dessa forma, esse poder estaria perpetuando as estruturas de vantagens sistêmicas em nossa sociedade, dado serem os primeiros crimes de colarinho-branco e os segundos, comet idos pelas classes mais subalternizadas? Fica a nota, nesse princípio, então, para que se revisite a temát ica das funções não declaradas da pena. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E DIREITO PENAL Os conceitos que estudamos neste conteúdo nos conduzem para a construção de uma dogmática jurídico-penal estabelecida em razão dos postulados de um Estado Democrático de Direito. Torna-se, nesse sent ido, mandatório que categorias, inst itutos, preceitos, enfim, que todo o Direito Penal, que passa a ser estudado por você, seja desenvolvido em harmonia com o regime democrát ico, que tem na primazia do princípio da dignidade da pessoa humana, prevista no art . 1º III, da CRFB/1988, âncora fundamental. Nesse sent ido, o giro promovido pelo regime democrát ico, que em tese superou o autoritarismo vigente no regime de ditadura civil militar anterior, mudou o paradigma de relação entre Estado e sociedade. O marco da CRFB/1988 é também o da tutela int ransigente dos direitos fundamentais e, assim, o Direito Penal no Estado Democrát ico de Direito é fundamentalmente limitado, restrito pelas garant ias fundamentais, consideradas pressupostos irrenunciáveis e essenciais (TAVARES, 2012). Portanto, em um Estado de Direito, o poder estatal está limitado e vinculado a esse conjunto de direitos, por meio de uma agenda axiológica, teleológica, normat iva (formal e material), que assume a supremacia const itucional. Assim também deve ser estruturado o Direito Penal que, em um Estado Const itucional de Direito, deve ser mínimo e voltado para a máxima efet ividade dos direitos. VOCÊ SABIA O estudo de diversos temas que se seguirão a este, sobretudo aqueles abordados pelo nosso Código Penal — que data de 1940 e que, por isso, está localizado polit icamente em outro paradigma —, levará à reflexão quanto à adesão dos preceitos democrát icos à construção teórica e prát ica do Direito Penal. Para muito além de responder a essa indagação de forma pronta e acabada, incent ivamos a construção de um Direito Penal fincado na teoria dos direitos fundamentais e que, por isso, esteja referido à função de limitação do poder de punir. Um dos possíveis caminhos pode ser, dentro daquilo que já estudamos, um compromisso de realização dos princípios limitadores. Nesse sent ido, o parâmetro básico para o estudo e implementação do Direito Penal deve ser a defesa inegociável das garant ias fundamentais dos indivíduos em conflito com a lei penal. A agenda da implementação de um país onde o Direito Penal possa ser informado pela legalidade, intervenção mínima, lesividade, int ranscendência, proporcionalidade e humanidade deve ser, urgentemente, entendida como parte do compromisso de implementação de um Estado Democrát ico de Direito no Brasil. VERIFICANDO O APRENDIZADO CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Debatemos as funções e o conceito de Direito Penal, assim como suas fontes, desde um paradigma garant ista, isto é, compromet ido com a garant ia dos direitos fundamentais e, por isso, em alinhamento com o (neo)const itucionalismo. Ponto que se espraiou pelos t rês módulos, a máxima efet ividade das normas const itucionais deve ser baliza fundamental da teoria e da prát ica nas ciências criminais. Duas são as disciplinas que dão destaque a essa reflexão e que foram exploradas neste material: o conceito de bem jurídico e o campo dos princípios em matéria criminal. Com esse arcabouço, vale pensar na construção do saber e da prát ica jurídico-penais privilegiando-se os mecanismos de limitação do poder punit ivo e tendo em vista a dignidade da pessoa humana, compromisso perene que devemos assumir com o pacto democrát ico. PODCAST O professor encerra o assunto fazendo um resumo sobre o que você viu até aqui. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS ALEXY, R. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Polít icos y Const itucionales, 2002. BATISTA, N. Introdução crít ica ao Direito Penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2007. BARATTA, A. La polit ica cíiminal y el derecho penal de la constitución. In: FRANCO, A. S. e N. (org.). Doutrinas essenciais de direito penal, v. I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. CIRINO DOS SANTOS, J. Direito Penal: parte geral. 5. ed. Curit iba: ICPC; Conceito Editorial, 2014. CUNHA, R. S. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 8. ed. São Paulo: Juspodivm, 2020. FERRAJOLI, L. Direito e razão: teoria do garant ismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. PEREIRA, J. R. G. Interpretação constitucional e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. PINHO, A. C. B. Direito penal e estado democrático de direito: uma abordagem a part ir do garant ismo de Luigi Ferrajoli. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. ROXIN, C. Derecho penal, parte general. Tomo I. Fundamentos. La estructura de la teoría del delito. Tradução de Diego-Manuel Luzon Peña, Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. 1. ed. Madrid: Civitas, 1997. SARMENTO, D. Por um constitucionalismo inclusivo: história const itucional brasileira, teoria da const ituição e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. STRECK, L. L. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêut ica da construção do Direito. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. TAVARES, J. A racionalidade, o Direito Penal e o poder de punir: os limites da intervenção penal no estado democrát ico. In: ZILIO, J. L.; BOZZA, F. S. (org.). Estudos crít icos sobre o sistema penal. Curit iba: LedZe, 2012. ZAFFARONI, E. R. et al. Direito Penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, p. 131, 2003. v. 1. ZAFFARONI, E. R. Derecho Penal: Parte General. Buenos Aires: Ediar, 2002. EXPLORE+ Procure na internet a Entrevista com Luigi Ferrajoli, com Luigi Ferrajoli, José Antonio Siqueira Pontes e Pasquale Bronzo. Para conhecer um pouco mais o debate sobre selet ividade e sistema penal, assista à Aula aberta | Seletividade racial e sistema de justiça criminal, no canal do IBCCRIM, no YouTube. Veja como o professor Davi Tangerino constrói a disciplina do “bem jurídico” no livro que é fruto de sua tese: Culpabilidade, 2017. Atente para a forma como Vera Andrade reflete sobre o garant ismo neste art igo: Construção e identidade da dogmática penal: do garantismo prometido ao garantismo prisioneiro, publicado em Estudos Jurídicos e Polít icos, v. 29, n. 57, p. 237-260, 2008. Assista ao documentário Sem Pena, disponível no canal do IDDD, no YouTube. Veja como o at ivismo judicial é um tema para se debater democrat icamente em: Poder Judiciário, ativismo judicial e democracia, de Gisele Cit tadino, publicado na Revista da Faculdade de Direito de Campos, v. 2, n. 3, p. 135-144, 2002. Veja como democracia e Direito Penal são construídos no evento gravado: A judicialização da política (e vice-versa) | Alysson Mascaro, Thula Pires e Luiz Eduardo Soares, disponível no Canal TV Boitempo, no YouTube. Assista ao documentário Tortura e encarceramento em massa no Brasil, disponível no canal Pastoral Carcerária no YouTube CONTEUDISTA Luciana Costa Fernandes CURRÍCULO LATTES javascript:void(0);
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